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Guias e Dicas
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Física de Partículas: Leptons, Quarks e Interações, Notas de estudo de Cultura

Este texto discute as partículas elementares, como leptons e quarks, suas propriedades e interações. Descreve a detecção de partículas como a partícula de yukawa e o papel de murray gell-mann na classificação octal de partículas. Menciona a evidência experimental de quarks na década de 1970 e a importância da física de partículas na busca por novas descobertas.

Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010

Compartilhado em 06/12/2009

Felipe_A
Felipe_A 🇧🇷

4.1

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Baixe Física de Partículas: Leptons, Quarks e Interações e outras Notas de estudo em PDF para Cultura, somente na Docsity! Revista Brasileira de Ensino de F́ısica, v. 29, n. 2, p. 161-173, (2007) www.sbfisica.org.br Artigos Gerais A f́ısica dos quarks e a epistemologia (Quark physics and epistemology) Marco Antonio Moreira1 Instituto de F́ısica, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil Recebido em 27/6/2006; Revisado em 23/11/2006; Aceito em 28/11/2006 O objetivo deste trabalho é o de apresentar, conceitualmente, a f́ısica dos quarks como um assunto acesśıvel e motivador que ilustra, de maneira ineqúıvoca, a relação teoria e experimentação em f́ısica. Conta-se a história dos quarks e utiliza-se essa história para exemplificar questões epistemológicas. Ao longo dessa narrativa, em nenhum momento faz-se uso de imagens de part́ıculas elementares porque acredita-se que, nessa área da f́ısica, as imagens apenas reforçam obstáculos representacionais mentais que, praticamente, impedem a aprendizagem significativa. Palavras-chave: f́ısica dos quarks, epistemologia, ensino de f́ısica. The purpose of this paper is to present, conceptually, the physics of quarks as an accessible and motivating subject that shows unequivocally the relationship between theory and experimentation in physics. The quarks’ story is told and this story is used to exemplify epistemological issues. Throughout this narrative images are never used because of the author’s belief that in this area of physics the use of images may just reinforce mental representational obstacles that can almost hinder meaningful learning. Keywords: quark physics, epistemology, physics education. 1. Introdução Pelo que sabemos hoje, léptons e quarks são as part́ıculas fundamentais constituintes da matéria. Léptons são part́ıculas de spin2 1/2, sem cor,3 que podem ter carga elétrica ou não (neutrinos). O elétron é o lépton mais familiar. Os demais léptons são o múon, o tau e os três neutrinos (neutrino do elétron, neutrino do múon e neutrino do tau). Seriam, então, seis os léptons, mas para cada um deles existe um antilépton,4 de modo que o número total de léptons deve ser igual a doze. Léptons parecem ser part́ıculas verdadeiramente elementares, quer dizer, aparentemente não têm estru- tura interna. As part́ıculas que têm estrutura interna são chamadas hádrons – vem do grego, de hadros que significa maciço, robusto, forte. Essa estrutura interna é constitúıda de quarks. Há dois tipos de hádrons: os bárions, formados por três quarks ou três antiquarks, e os mésons, formados por um quark e um antiquark. Prótons e nêutrons são exemplos de bárions. Assim como os léptons, quarks parecem ser part́ıcu- las verdadeiramente elementares. Por isso dissemos, no ińıcio, que a matéria é constitúıda fundamentalmente por léptons e quarks. Quarks têm carga elétrica fracionária, (+ 2/3)e para alguns tipos e (- 1/3)e para outros, mas nunca foram detectados livres, estão sempre confinados nos hádrons. Além disso, as combinações posśıveis de quarks e anti- quarks para formar hádrons são tais que a carga da part́ıcula resultante é sempre um múltiplo inteiro de carga elétrica (e) do elétron. Quer dizer, o quantum da carga elétrica continua sendo a carga do elétron (e) mesmo que os quarks tenham carga fracionária. Mas os quarks têm outras propriedades, e uma história muito interessante do ponto de vista episte- mológico. O objetivo deste trabalho é o de apresentar tais propriedades e contar um pouco dessa história. 1E-mail: moreira@if.ufrgs.br. 2Spin é o momentum angular intŕınseco de uma part́ıcula. O spin das part́ıculas elementares é sempre um número inteiro (0, 1, 2, 3,...) ou meio inteiro (1/2, 3/2, 5/2, ...) de ~ (h/2π onde h ∼= 6,6.10−34 J.s é a chamada constante de Planck). 3Cor é uma propriedade da matéria, assim como carga elétrica também é uma propriedade da matéria. Não tem nada a ver com significado de cor na óptica ou no cotidiano. Algumas part́ıculas têm essa propriedade outras não. Léptons não têm cor, são “brancos”. 4Antilépton é a antipart́ıcula do lépton. Uma antipart́ıcula tem a mesma massa e o mesmo spin da part́ıcula em questão, porém carga oposta. Não são, portanto, part́ıculas completamente diferentes.O antielétron, por exemplo, é o pósitron ou elétron positivo, tem a mesma massa e o mesmo spin do elétron, porém sua carga elétrica é positiva. Analogamente, quarks e antiquarks não são part́ıculas totalmente diferentes. Copyright by the Sociedade Brasileira de F́ısica. Printed in Brazil. 162 Moreira 1.1. Antes dos quarks: múons, mésons e outros hádrons No começo dos anos trinta do século passado, a estrutu- ra do átomo estava bem estabelecida e a estrutura do núcleo estava sendo muito investigada. Acreditava-se que os componentes básicos da matéria seriam elétrons, prótons, nêutrons e neutrinos – postulados por Wolf- gang Pauli, em 1931, para explicar uma perda anômala de energia no decaimento5 de nêutrons, e detectados diretamente apenas em 1956. O nêutron, detectado em 1932, havia sido sugerido um pouco antes para expli- car a massa nuclear. Antes, pensava-se que o núcleo poderia ser constitúıdo de prótons e elétrons, com ex- cesso de prótons para explicar sua carga positiva. Con- tudo, medições do spin nuclear descartaram essa possi- bilidade. No caso do núcleo de nitrogênio, por exemplo, seriam necessários 14 prótons para dar a massa nuclear e 7 elétrons para dar a carga ĺıquida desse núcleo. Mas esse número total ı́mpar de part́ıculas é inconsistente com o número par necessário para explicar o spin in- teiro resultante das medições. Porém, se 7 elétrons e 7 prótons fossem substitúıdos nesse modelo por 7 nêutrons, a massa e a carga seriam as mesmas de an- tes e o spin inteiro seria explicado se o spin do nêutron fosse ~/2 idêntico ao do próton.6 Mas a hipótese e a detecção do nêutron colocaram o problema da estabilidade do núcleo: sendo este compos- to de prótons e nêutrons, como reconciliar a existência de um grande número de prótons, particularmente nos elementos pesados, em um espaço tão pequeno? A re- pulsão elétrica entre eles seria tão grande que levaria o núcleo a explodir. Entretanto, em 1935 Hideki Yukawa propôs a existência de uma nova part́ıcula que seria a mediadora da interação que manteria nêutrons e prótons coesos no núcleo. A interação entre prótons e nêutrons deve- ria ser mediada por alguma part́ıcula, ou seja, prótons e nêutrons interagiriam trocando uma part́ıcula. Esta part́ıcula foi denominada méson π, ou ṕıon. Um ṕıon poderia ser emitido por um nêutron e absorvido por um próton, ou vice-versa, fazendo com que o nêutron e o próton exercessem uma força um sobre o outro. Essa outra força foi chamada de força nuclear e a correspon- dente interação de interação forte. Pela previsão teórica de Yukawa, o ṕıon seria mais pesado do que o elétron e mais leve do que o próton. Portanto, ao passar através de uma câmara de bolhas onde houvesse um campo magnético deveria ter uma trajetória menos curva do que a de um elétron, porém mais encurvada do que a de um próton. Em 1936, os f́ısicos C.D. Anderson e S.H. Nedder- meyer encontraram tal trajetória em uma câmara de bolhas, porém a part́ıcula que a havia deixado não era exatamente a prevista por Yukawa e não era mediadora da força entre prótons e nêutrons (força forte). Tratava- se de outra part́ıcula, que foi chamada de múon, bas- tante semelhante ao elétron porém 200 vezes mais pe- sada. A detecção dessa part́ıcula foi um tanto inespe- rada e permaneceu não explicada por cerca de 40 anos.7 O mesmo f́ısico C.D. Anderson havia detectado no Cal- tech (California Institute of Technology), em 1932 (o mesmo ano da detecção do nêutron), juntamente com P. Blackett, na Inglaterra, a primeira antipart́ıcula, o pósitron, ou antielétron. Antipart́ıculas haviam sido previstas por Paul Dirac em 1928. Anderson e Blackett ganharam o Prêmio Nobel alguns anos depois. A part́ıcula de Yukawa, o méson π ou ṕıon, foi fi- nalmente detectada, em 1947, com a massa por ele pre- vista, em um laboratório na Universidade de Bristol, em emulsões fotográficas sobre as quais incidiam part́ıculas cósmicas. Em 1948, mésons π+ e π− foram produzidos em aceleradores de part́ıculas, na Universidade de Ber- keley, e em 1950 foi produzido o méson π0, também em colisões provocadas em aceleradores. O brasileiro César Lattes (1924-2005) teve um papel destacado na desco- berta do méson π. Para os brasileiros, foi ele quem des- cobriu o ṕıon, em Bristol, em 1947. Mas para outros8 foi C.F. Powel, f́ısico inglês, chefe do laboratório onde Lattes fazia seus experimentos. Também a produção artificial de mésons π no acelerador da Universidade de Berkeley, no ano seguinte, foi obra de Lattes jun- tamente com o norte-americano Eugene Gardner. Mas quem ganhou o Nobel pelo ṕıon, em 1949, foi Yukawa que o previu corretamente anos antes. De qualquer forma, Lattes é o brasileiro que já esteve mais perto da conquista do Nobel de f́ısica. Nessa época, eram então conhecidas as seguintes part́ıculas: elétrons, prótons, nêutrons, neutrinos, pósitrons, múons e ṕıons. No entanto, à medida que continuaram as pesquisas com raios cósmicos e acelera- dores de part́ıculas, o número de part́ıculas proliferou e começaram as tentativas de organizá-las em famı́lias com propriedades comuns. Uma dessas classificações é a mencionada no ińıcio deste texto: a dos léptons (como os elétrons e os neu- trinos) que não experimentam a interação forte (força nuclear) e os hádrons que a experimentam; hádrons se subdividem em duas subcategorias, a dos mésons (como o ṕıon) e a dos bárions (como o próton). Nesta classificação pode-se considerar que o critério básico é o peso. As part́ıculas mais pesadas, como o próton e o nêutron, são chamadas hádrons, subdivididas em bárions e mésons (peso médio) e as mais leves, como o elétron, são denominadas léptons – do grego, leptos que significa leve, fino, delgado. Tal critério, no entanto, é anacrônico. Não é exatamente o peso que distingue 5Decaimento pode ser interpretado como a passagem de um estado instável para outro mais estável. 6Ref. [5] p. 21 7Ref. [5] p. 51 8E.g., Ref. [5], p. 51. A f́ısica dos quarks e a epistemologia 165 explicar as assimetrias. Se de fato havia uma certa analogia entre quarks e léptons, como sendo part́ıculas verdadeiramente elementares, a assimetria três quarks versus quatro léptons não fazia sentido. A maneira mais simples de resolver isso era supor a existência de um quarto tipo de quark com carga (2/3)e. Esse quarto quark, denominado quark c ou quark charme, foi evidenciado experimentalmente em 1976, indiretamente, através da descoberta de um hádron chamado part́ıcula psi que era uma combinação de quark e antiquark de tipo inteiramente novo. Mas antes, em 1975, f́ısicos experimentais no Ace- lerador Linear de Stanford observaram certos efeitos que seriam incompreenśıveis sem a existência de um quinto lépton carregado e com massa praticamente o dobro da do próton. Esse lépton foi chamado de tau. Em 1978, resultados experimentais sugeriram que ao lépton tau estaria associado um novo neutrino, o neu- trino do tau.17,18 Havia, então, seis léptons. Em 1977, pesquisadores do Fermilab anunciaram o descobrimento do quinto quark o quark bottom. O sexto quark, o quark top, postulado pelos f́ısicos teóricos há muito tempo, só foi encontrado pelos f́ısicos experimen- tais, também do Fermilab, em 1995. A equipe que des- cobriu o quark top inclúıa brasileiros, sob a liderança de Alberto Santoro, f́ısico que continua liderando uma equipe de pesquisadores do CBPF, da UERJ e de outras universidades brasileiras que colaboram em experimen- tos do CERN e do Fermilab.19 Aliás, cabe registrar que as descobertas dos anos 70 em diante introduziram uma nova forma de organização das pesquisas nessa área pois elas passaram a ser feitas por grandes equipes de f́ısicos, de várias nacionalidades, uma vez que o processamento de dados cient́ıficos é feito cada vez mais em um formato computacional que permite esse tipo de colaboração. Completou-se, assim, uma busca de aproximada- mente 30 anos, desde a proposta de Gell-Mann e Zweig, em 1964, até a descoberta do quark top em 1995. Recapitulando, há seis léptons (elétron e neutrino do elétron, múon e neutrino do múon, tau e neutrino do tau) e seis quarks (up, down, estranho, charme, bottom e top), cada um tendo a antipart́ıcula correspondente. A Tabela 1 apresenta, a t́ıtulo de exemplo, alguns hádrons (mésons e bárions) e sua estrutura de quarks. c Tabela 1 - Alguns bárions e mésons e sua estrutura de quarks. Bárions I Estrutura Mésons Estrutura p (próton) I n (nêutron) Ω−(ômega menos) Σ+(sigma mais) Σ0(sigma zero) Σ−(sigma menos) uud udd sss uus uds dds π+(pi mais) π0(pi zero) π−(pi menos) J/ψ (jota psi) κ−(κ menos) κ0(κ zero) d̄u ūu/d̄d ūd c̄c ūs s̄d d Mas esta história não acaba com a descoberta do quark top. Ao contrário, ela ainda vai longe. Veremos que os quarks se apresentam em três “cores” posśıveis e que para explicar como se mantêm confinados no in- terior dos hádrons foi preciso supor uma nova interação fundamental (a interação forte) e, conseqüentemente, uma nova part́ıcula mediadora (o glúon). A interação forte mediada por glúons é dita fundamental enquanto que a mencionada antes, aquela mediada por mésons, é considerada residual. Antes disso, no entanto, façamos uma breve di- gressão epistemológica. 1.4. Quarks e epistemologia Muitas vezes se pensa que as teoria f́ısicas são elabora- das para explicar observações. Parece lógico: observa- se, faz-se registros (medições, por exemplo) que geram dados e destes induz-se alguma teoria, alguma lei. Pode parecer lógico, mas não é assim. Há uma in- terdependência, uma relação dialética, entre teoria e experimentação. Uma alimenta a outra, uma dirige a outra. A f́ısica de part́ıculas, em particular a teoria dos quarks, é um belo exemplo disso. O que levou Gell-Mann e Zweig a postularem a existência dos quarks foi uma questão de simetria (o caminho óctuplo) e o que reforçou a aceitação de sua proposta foi uma questão de assimetria – por que tão poucos léptons (part́ıculas leves) e tantos hádrons (part́ıculas pesadas)? Mas quando Gell-Mann propôs o conceito de estra- nheza ele o fez para explicar o comportamento experi- mental estranho de certas part́ıculas. Neutrinos foram postulados por Pauli, em 1931, para explicar resultados experimentais anômalos no de- caimento de nêutrons, e foram detectados experimen- talmente em 1956. Yukawa propôs o ṕıon (méson π) em 1935 e sua 17O neutrino do tau foi observado diretamente apenas em 2000 no FERMILAB. 18Ref. [7], p. 62. 19Ref. [16], p. 66. 166 Moreira evidência experimental foi obtida em 1947. Os quarks charme e top foram previstos teoricamente e descober- tos anos depois. A f́ısica de part́ıculas está cheia de exemplos da interdependência entre teoria e experimentação. Por um lado, postula-se novas part́ıculas para expli- car resultados experimentais imprevistos, por outro, procura-se experimentalmente certas part́ıculas pre- vistas teoricamente. Constroem-se máquinas (ace- leradores/colisores) para detectar experimentalmente part́ıculas previstas na teoria das part́ıculas. Espera- se, por exemplo, detectar até 2010 uma part́ıcula pre- vista teoricamente chamada bóson de Higgs. Isso por- que somente em 2010 estará em pleno funcionamento no CERN uma máquina capaz de detectá-la, se de fato existir. Se não existir, a teoria terá que ser modifi- cada.20 Outra questão que poderá levar a uma modificação da teoria é a assimetria matéria-antimatéria. A teo- ria prevê que para cada part́ıcula há uma antipart́ıcula e isso tem sido confirmado experimentalmente, mas no universo (pelo menos o que é de nosso conhecimento) há muito mais matéria do que anti-matéria e isso a teoria ainda não explicou.21 A hipótese dos quarks feita por Gell-Mann e Zweig, em 1964, é o que Karl Popper [18] chamaria de uma conjetura audaz. Popper é o epistemólogo das conje- turas e refutações, para ele as teorias cient́ıficas são conjeturas, produtos do intelecto humano, necessaria- mente refutáveis. Segundo ele, pode-se aprender muito mais da confirmação (sempre provisória) de conjeturas audazes do que da corroboração de conjeturas pruden- tes. A conjetura de Gell-Mann e Zweig foi audaz e os resultados experimentais que, por enquanto, a corro- boram trouxeram enormes avanços na compreensão da constituição da matéria. Aliás, a conjetura foi tão audaz que, como já foi dito, Gell-Mann achou que seu trabalho poderia não ser aceito na revista de f́ısica de maior prest́ıgio e o enca- minhou a outra. Zweig, por sua vez, relata a reação da comunidade de f́ısicos teóricos da seguinte maneira:22 A reação da comunidade de f́ısicos teóricos ao modelo de um modo geral não foi boa. Publicar o trabalho na forma que eu queria foi tão dif́ıcil que acabei desistin- do. Quando o departamento de f́ısica de uma importante universidade estava consi- derando minha contratação, o f́ısico teórico mais sênior desse departamento, um dos mais respeitados f́ısicos teóricos, vetou a contratação em uma reunião de departa- mento dizendo que o modelo que eu ha- via proposto era trabalho de um charlatão. A idéia de que os hádrons eram feitos de part́ıculas ainda mais elementares pare- cia um tanto rica demais. Essa idéia, no entanto, é aparentemente correta. O que Zweig e Gell-Mann enfrentaram em 1964 é o que o epistemólogo Stephen Toulmin [21] chama de fórum institucional. Esse fórum é constitúıdo pelos periódicos cient́ıficos, pelas associações cient́ıficas, pelos grupos de referência e por eminentes cientistas como o que vetou a contratação de Zweig. O fórum institucio- nal desempenha um papel importante na consolidação de uma disciplina, mas funciona como filtro e pode blo- quear, contrariar, restringir a difusão de, idéias novas como a de Gell-Mann e Zweig. Zweig perdeu o emprego naquela época, mas acabou vendo sua hipótese confirmada e certamente conseguiu outras posições em boas universidades. Gell-Mann foi mais feliz. Já era professor do Cal- tech desde 1956 e não foi demitido por suas hipóteses audazes (estranheza, classificação octal, quarks). Ao contrário, ganhou o Prêmio Nobel, em 1969, aos qua- renta anos, quando os quarks ainda eram apenas hi- potéticos, demonstrados apenas matematicamente, to- davia não detectados experimentalmente. A f́ısica dos quarks pode também ser usada para, tentativamente, ilustrar conceitos propostos por Tho- mas Kuhn [11], talvez o mais conhecido epistemólogo da ciência no século XX: paradigma e ciência normal. Segundo Kuhn,23 paradigmas são “realizações cient́ıficas universalmente reconhecidas que, durante al- gum tempo, fornecem problemas e soluções exemplares para um comunidade de praticantes de uma ciência”. Kuhn cita24 a f́ısica de Aristóteles, a astronomia de Pto- lomeu, a mecânica e a óptica de Newton e a qúımica de Lavoisier como exemplos de paradigmas porque “ser- viram, por algum tempo, para definir implicitamente os problemas e métodos leǵıtimos de um campo de pesquisa para gerações posteriores de praticantes da ciência”. E assim foi porque partilhavam duas carac- teŕısticas essenciais: suas realizações foram suficien- temente sem precedentes para atrair um grupo du- radouro de partidários e, ao mesmo tempo, suficiente- mente abertas para deixar uma variedade de problemas para serem resolvidos por esse grupo. Ao que parece, a f́ısica dos quarks é um bom exem- plo daquilo que Kuhn chama de paradigma. Provavel- mente outro paradigma virá, não tão revolucionaria- mente como proporia Kuhn, mas sim de maneira evo- lutiva. A questão é que as teorias f́ısicas nunca são definitivas, estão sempre evoluindo. Certamente novas idéias, novas conjeturas, surgirão no campo da f́ısica de 20Ref. [19] p. 121. 21Ref. [19], p. 14. 22Ref. [7], p. 75. 23Ref. [11], p. 13. 24Ref. [11], p. 30. A f́ısica dos quarks e a epistemologia 167 part́ıculas. A teoria dos quarks também serve para exemplifi- car, de modo tentativo, o que Kuhn chama de ciência normal: é a atividade na qual a maioria dos cientistas emprega, inevitavelmente, quase todo seu tempo, ba- seada no pressuposto de que a comunidade cient́ıfica tem teorias e modelos confiáveis sobre como o mundo é.25 Segundo Chalmers,26 “o cientista normal trabalha confiantemente dentro de uma área bem definida di- tada por um paradigma. O paradigma que lhe apre- senta um conjunto de problemas definidos juntamente com os métodos que acredita serem adequados para a sua solução”. Não foi isso que os f́ısicos experimentais fizeram ao construir máquinas cada vez mais potentes para detec- tar part́ıculas previstas teoricamente? O método que acreditavam ser adequado é o das colisões em acelerado- res/colisores de alta energia. E continuam acreditando porque, como já foi dito, um novo acelerador está sendo constrúıdo e uma nova part́ıcula, chamada bóson de Higgs, prevista teoricamente em 1963, está sendo bus- cada obstinadamente. Por outro lado, f́ısicos teóricos também têm feito ciência normal ao tentarem resolver problemas de na- tureza teórica do paradigma buscando uma melhor ar- ticulação dele com o objetivo de melhorar sua corres- pondência com a natureza. Segundo Kuhn, a emergência de outro paradigma levará a outro peŕıodo de ciência normal. Mas deixe- mos de lado, por enquanto, a visão epistemológica e voltemos à f́ısica dos quarks. 2. Quarks têm cor Part́ıculas com spin 1/2 como os elétrons, prótons, nêutrons e quarks obedecem o Prinćıpio da Exclusão de Pauli segundo o qual duas part́ıculas do mesmo tipo não podem ocupar o mesmo estado quântico, ou seja, o mesmo estado de energia e spin. Isso significa que dois ou mais quarks do mesmo sabor (tipo), ou seja, idênticos não podem ocupar o mesmo estado. Portanto, segundo essa regra uma part́ıcula cons- titúıda, por exemplo, por três quarks idênticos não poderia existir. Mas uma part́ıcula chamada Ω− (ômega menos), prevista teoricamente por Gell-Mann e Ne’eman, em 1962, como elemento faltante de uma famı́lia de dez (quer dizer, as famı́lias não eram só de oito membros como as da classificação octal) foi mais tarde descoberta e era constitúıda de três quarks estra- nhos idênticos. Ou seja, não poderia existir com essa constituição, mas existia. Para resolver esse problema, um f́ısico chamado Os- car Greenberg sugeriu que os quarks possúıam uma ou- tra propriedade, bastante análoga à carga elétrica, mas que ocorreria em três variedades ao invés de duas (po- sitiva e negativa). Mesmo não tendo nada a ver com o significado de cor na óptica, ou no cotidiano, essa propriedade foi chamada cor, ou carga cor, e as três va- riedades foram denominadas vermelho, verde (ou ama- relo) e azul. Quarks têm cores positivas e antiquarks têm cores negativas ou anticores (antivermelho, anti- verde e antiazul). Cor, então, é uma propriedade da matéria, as- sim como a carga elétrica é também uma propriedade da matéria. Algumas part́ıculas têm cor outras não. Léptons não têm cor, são “brancos”. Quarks têm cor, são “coloridos”27. O número total de quarks é, então, 36: os seis quarks (up, down, estranho, charme, bottom e up) podem, cada um, apresentar três cores totalizando 18, mas há também seis antiquarks, cada um podendo ter três an- ticores, totalizando também 18, de modo que o número total de possibilidades é 36.28 O conceito de cor como uma propriedade que os quarks têm resolve o problema da existência de part́ıculas formadas por quarks idênticos pois com tal propriedade existindo em mais de uma variedade eles deixam de ser idênticos. Mas surge outro problema teórico: sabe-se na eletro- dinâmica que três elétrons nunca formarão um estado ligado, um sistema estável, mas três quarks podem for- mar um estado desse tipo, como o hádron Ω−. Como resolver isso? Deve haver uma força atrativa entre os quarks de modo que possam formar hádrons. Essa força é chamada força forte29 e a teoria das interações entre quarks é a cromodinâmica quântica as- sim como a eletrodinâmica quântica é a teoria das in- terações entre elétrons. Mas há uma diferença funda- mental: elétrons podem ser observados como part́ıculas independentes, porém quarks não. Como seria então a força entre os quarks? 3. Interações fundamentais Objetos, corpos, coisas, exercem influência uns sobre os outros produzindo campos de força em torno de si. Há uma interação entre eles. O campo de um corpo exerce uma força sobre outro corpo e vice-versa. Na natureza há distintas interações consideradas fundamentais, ou distintos campos fundamentais, ou, ainda, distintas forças fundamentais. Não muitas, como veremos. 25Ref. [11], p. 24. 26Ref.[4], p. 129. 27Não se deve imaginar, no entanto, quarks como bolinhas, e muito menos coloridas como aparecem nos livros didáticos. Essa imagem dificulta a compreensão do que seja um quark. 28Considerações teóricas, fora do escopo deste texto, limitam esse número de possibilidades. 29Não se deve aqui pensar que quarks sentem apenas a força forte; eles sentem também as demais forças, pois têm a carga elétrica e a fraca e são uma forma de matéria-energia. Contudo, experimentam tais forças em intensidades muito diferentes. 170 Moreira Tabela 2 - Uma visão esquemática da constituição da matéria segundo o modelo padrão. Matéria I Part́ıculas de matéria I Léptons (Férmions)I Quarks (Férmions) I Elétron Quark up (u) Quark down (d) Neutrino do elétron Quark charm (c) Quark estranho (s) Múon Quark bottom (b) Quark top (t) Neutrino do múon Hádrons I Tau Bárions I Mésons I Neutrino do tau três quarks I pares quark-antiquark Forças (interações) fundamentais I Eletromagnética Fraca I Forte Gravitacional Eletrofraca I Part́ıculas de força (Bósons) I FótonsI W & Z Glúons Grávitons (não detectados) Part́ıculas de antimatéria (assimetria)I Antimatéria (assimetria)I d 6. Dificuldades do modelo padrão O modelo padrão das part́ıculas elementares não é um simples modelo f́ısico, é um referencial teórico que incor- pora a cromodinâmica quântica (a teoria da interação forte) e a teoria eletrofraca (a teoria da interação eletro- fraca que unifica as interações eletromagnética e fraca). E áı aparece uma grande dificuldade do modelo padrão, talvez a maior: não consegue incluir a gravidade por- que a força gravitacional não tem a mesma estrutura das três outras forças, não se adequa à teoria quântica, a part́ıcula mediadora hipotética - o gráviton - não foi ainda detectada. Outro problema do modelo padrão é o bóson de Higgs. No modelo, interações com o campo de Higgs (ao qual está associado o bóson de Higgs) fariam com que as part́ıculas tivessem massa. Porém, o modelo não explica bem essas interações e o bóson de Higgs está ainda por ser detectado.35 A assimetria matéria-antimatéria também não é explicada pelo modelo padrão. Quando o universo começou, no big bang, a energia liberada deveria haver produzido quantidades iguais de matéria e antimatéria. Por que, então, atualmente, praticamente tudo é feito de matéria? Por que a antimatéria é raramente encon- trada na natureza?36 Além dessas, há várias outras dificuldades. Algu- mas são resultantes das limitações do modelo. Como toda teoria f́ısica, esse modelo não pode explicar tudo. Há coisas que o modelo nunca explicará. Outras, como a do bóson de Higgs, podem levar a modificações na teo- ria. Se a part́ıcula, prevista teoricamente pelo modelo para explicar a massa das part́ıculas, não for detectada, a teoria terá que ser modificada. O importante aqui é dar-se conta que o modelo padrão da f́ısica de part́ıculas é a melhor teoria sobre a natureza jamais elaborada pelo homem, com muitas confirmações experimentais. Por exemplo, o modelo previu a existência das part́ıculas Z e W , do glúon, dos quarks charme e top que foram todas posteriormente detectadas, com as propriedades previstas. Mas nem por isso, é uma teoria definitiva. Certamente será subs- titúıda por outra que dará conta de algumas das difi- culdades apontadas, poderá ter algumas confirmações espetaculares, mas terá suas próprias dificuldades. As teorias f́ısicas não são definitivas, ainda que sejam tão bem sucedidas como o modelo padrão. 7. Outra vez os quarks: o pentaquark Pelo que vimos, as part́ıculas elementares poderiam ser caracterizadas como constituintes (léptons e hádrons) e mediadoras. Os hádrons até agora conhecidos são formados por, no máximo, três quarks. A novidade é que, recentemente, vários grupos de f́ısicos experimen- tais têm anunciado evidências da existência de uma nova part́ıcula com cinco quarks (mais precisamente, quatro quarks e um antiquark, ou seja, um pentaquark que recebeu o nome de θ+ teta mais) [20]. Não se trata, no entanto, de nova dificuldade para 35Refs. [9], p. 62; e [10]. 36Ref. [6], p. 59. A f́ısica dos quarks e a epistemologia 171 a teoria, no caso a cromodinâmica quântica, pois não há nela nada que impeça a existência de part́ıculas não tão simples como as formadas por três quarks (bárions) ou por um par quark-antiquark (mésons). Na verdade, era até estranho que desde a década de setenta não ti- vessem sido detectadas part́ıculas mais exóticas que os bárions e mésons. Para que uma part́ıcula seja “catalogada” como tal ela deve ter uma vida média (tempo médio que ela dura antes de se desintegrar) suficientemente grande para que dê lugar a efeitos que possam ser observados e medidos nos experimentos.37 Pois bem, além do pen- taquark θ+, novos resultados experimentais sugerem a existência de outros pentaquarks (o que seria de se es- perar pois há várias combinações posśıveis de quarks e antiquarks). Contudo, nem todos os pesquisadores estão convencidos da existência dos pentaquarks, pois há vários experimentos que não encontraram evidências dessas part́ıculas.38 De qualquer maneira, a resposta definitiva sobre se existem ou não pentaquarks deverá vir dos dados experimentais. 8. Problemas conceituais e problemas emṕıricos Para o epistemólogo Larry Laudan [12] a ciência é, es- sencialmente, uma atividade de resolver problemas e as teorias cient́ıficas são, normalmente, tentativas de re- solver problemas emṕıricos espećıficos acerca do mundo natural.39 Para ele, se os problemas constituem as per- guntas da ciência, as teorias constituem as respostas. As teorias podem, no entanto, ter dificuldades in- ternas, inconsistências. Tais debilidades, Laudan con- sidera como problemas conceituais. O modelo de Laudan aconselha preferir a teoria que resolve o maior número de problemas emṕıricos impor- tantes ao mesmo tempo que gera o menor número de problemas conceituais e anomalias (problemas não re- solvidos pela teoria, mas resolvidos por uma teoria ri- val) relevantes. Mais uma vez podemos, então, usar a f́ısica dos quarks, ou o próprio modelo padrão, para exemplificar questões epistemológicas. Trata-se, seguindo a linha de Laudan, de uma excelente teoria porque resolveu mui- tos problemas emṕıricos; todas as part́ıculas previstas foram detectadas em raios cósmicos ou em acelerado- res/colisores. Exceto o bóson de Higgs. Porém os f́ısicos continuam buscando essa que continua sendo procu- rada como part́ıcula mediadora de um novo campo, o campo de Higgs, que explicaria porque as part́ıculas têm massa. Máquinas estão sendo constrúıdas para de- tectar o bóson de Higgs e a massa é hoje um tópico rotineiro de pesquisa em f́ısica de part́ıculas.40 Quem diria, a massa que no espectro epistemológico de Ba- chelard [2] começa como uma apreciação quantitativa grosseira e ávida da realidade e pode chegar até a massa negativa41 é agora objeto de pesquisa em f́ısica de part́ıculas para saber sua própria origem. Um pro- blema emṕırico fascinante, um grande desafio para o modelo padrão. Mas, e o gráviton? Seria também um problema emṕırico sério para o modelo padrão? Bem, áı o pro- blema parece ser mais conceitual do que emṕırico por- que nesse caso a teoria não consegue incluir a gravidade, quer dizer, a força gravitacional, uma das quatro forças fundamentais da Natureza, ainda não está integrada à teoria quântica. É bem verdade que o gráviton até hoje não foi detectado, mas o problema parece não ser apenas emṕırico. 8.1. Obstáculos epistemológicos e noções-obs- táculo Podemos aproveitar o modelo padrão para ilustrar também outra faceta epistemológica, com profundas implicações pedagógicas: os obstáculos epistemológicos e as noções-obstáculo, de Bachelard [2]. Para ele, o problema do conhecimento deve ser colocado em termos de obstáculos epistemológicos. O próprio conhecimento atual deve ser interpretado como um obstáculo para o progresso do conhecimento cient́ıfico. A experiência nova deve dizer não à ex- periência antiga. Contudo, essa “filosofia do não”surge não como uma atitude de recusa, mas como uma pos- tura de reconciliação. Na perspectiva de Bachelard, certamente uma nova teoria de part́ıculas surgirá di- zendo não ao modelo padrão, rompendo com ele, mas, dialeticamente, sem recusá-lo, sem negá-lo. A idéia de obstáculo epistemológico quando parti- cularizada leva ao conceito de noção-obstáculo. Des- tacaremos aqui duas noções-obstáculo: o coisismo e o choquismo. O coisismo, a tendência que temos de coisificar os conceitos nos leva a considerar as part́ıculas elementares como corpúsculos, corpos muito pequenos, ocupando um espaço muito pequeno, com uma massa muito pe- quena. No entanto, part́ıculas elementares não são corpúsculos, não são corpos muito pequenos. Segundo Bachelard, não se pode atribuir dimensões absolutas ao corpúsculo, somente se lhe pode atribuir uma or- dem de grandeza, a qual determina mais uma zona 37Ref. [6], p. 39. 38Ref. [6], p. 40. 39Ref. [6], p. 39. 40Ref. [10], p. 57. 41O que Bachelard chamava de massa negativa, seguindo a teoria relativ́ıstica do elétron formulada por Dirac, foi interpretado ulteriormente como o pósitron, a primeira das antipart́ıculas. 42Ref. [2], p. 64. 172 Moreira de influência do que de existência. Ou, mais exata- mente, o corpúsculo só existe no espaço em que atua;42 correlativamente, se não podemos atribuir dimensões ao corpúsculo, tampouco podemos atribuir-lhe forma, mas, nesse caso, também não podemos atribuir-lhe um lugar muito preciso. Na microf́ısica, o corpúsculo perde individualidade, podendo, inclusive, anular-se. Essa anulação consagra a derrota do coisismo. É preciso tirar da coisa suas propriedades espaciais. É preciso retirar o excesso de imagem associado ao coisismo.43 Part́ıculas elementares não são corpúsculos, não são coisas, não são as imagens de “bolinhas coloridas” que aparecem nos livros didáticos. Esse coisismo vistoso, essa representação de part́ıculas elementares, quarks por exemplo, como corpúsculos (bolinhas, esferinhas), funciona como obstáculo epistemológico para a com- preensão do que são part́ıculas elementares. Representar part́ıculas elementares como corpúscu- los coloridos apenas reforça o coisismo que, natural- mente, já funciona como obstáculo epistemológico para conceptualizar o que seja um quark, ou, de um modo geral, uma part́ıcula elementar. Quarks não são as “bo- linhas” que aparecem nos livros didáticos. Como diria Bachelard, o esṕırito cient́ıfico deve dizer não a esse tipo de representação. Quarks poderiam ser “cordinhas”, “membraninhas”, ou nada disso. Mas isso é tudo ima- gismo, outro obstáculo epistemológico que nos leva a querer imaginar coisas que não são imagináveis. Será mesmo necessário imaginar, ou coisificar, um quark para entender o que seja tal part́ıcula? Associado ao coisismo atribúıdo às part́ıculas ele- mentares está outro obstáculo epistemológico: o cho- quismo. As representações didáticas dos choques entre part́ıculas são de choques elásticos entre bolas (boli- nhas, melhor dizendo) de bilhar. Uma representação, no mı́nimo grosseira do que ocorre em um acelera- dor/colisor de part́ıculas. Para dar significado à criação e aniquilação de part́ıculas em um acelerador/colisor é preciso dizer não ao choque elástico tipo bolas de bilhar. No entanto, os livros didáticos e os aplicativos reforçam essa imagem errada. Em resumo, para aprender significativamente o modelo padrão é preciso dizer não às representações pictóricas clássicas tão presentes nos livros, nas revis- tas de divulgação cient́ıfica e nas aulas de f́ısica. As part́ıculas elementares não são corpúsculos e as reações e colisões entre part́ıculas não são choques elásticos ou inelásticos clássicos entre corpos muito pequenos. 9. Conclusão Este trabalho, assim como outros sobre f́ısica de part́ıculas, publicados recentemente em F́ısica na Es- cola – Ostermann [17]; Moreira [14]; Abdalla [1] e He- layël-Neto [8] – procuram apresentar esse tema de forma acesśıvel a professores e alunos. Mas será mesmo posśıvel ensinar/aprender f́ısica dos quarks no ensino médio? No ensino fundamental? No ensino superior? Claro que sim! Em qualquer ńıvel, desde que no ensino não se reforce os obstáculos epistemológicos na- turais do esṕırito humano e na aprendizagem se diga não a tais obstáculos. E que se leve em conta que a aprendizagem significativa é progressiva. Na verdade, não tem sentido que, em pleno século XXI, a f́ısica que se ensina nas escolas se restrinja à f́ısica (clássica) que vai apenas até o século XIX. É ur- gente que o curŕıculo de f́ısica na educação básica seja atualizado de modo a incluir tópicos de f́ısica moderna e contemporânea, como a f́ısica dos quarks abordada neste trabalho. O argumento de que tais tópicos re- querem habilidades e/ou capacidades que os estudantes de ensino fundamental e médio ainda não têm é insus- tentável, pois outros tópicos que são ensinados, como a cinemática, por exemplo, requerem tantas ou mais ca- pacidades/habilidades cognitivas do que part́ıculas ele- mentares. Agradecimentos O autor agradece aos Professores Eliane Angela Veit e Olival Freire Jr. pela revisão cŕıtica de uma versão pre- liminar deste trabalho. Agradece também as valiosas sugestões do árbitro que o revisou para a RBEF. Referências [1] M.C.B. Abdalla, F́ısica na Escola 6(1), 38 (2005). [2] G. Bachelard, Epistemoloǵıa (Editorial Anagrama, Barcelona, 1971). [3] R. Brennan, Gigantes da F́ısica. Uma História da F́ısica Moderna Através de Oito Biografias (Jorge Za- har Editor, Rio de Janeiro, 2000). [4] A.F. Chalmers, O Que É Ciência Afinal? (Editora Brasiliense, São Paulo, 1999). [5] F.E. Close, The Cosmic Onion: Quarks and the Nature of the Universe (American Institute of Physics Press, Nova Iorque, 1986). [6] G.P. Collins, Scientific American June, 57 (2005). [7] H. Fritzch, Quarks: The Stuff of Matter (Basic Books/Harper Collins Publishers, Nova Iorque, 1983). [8] J.A. Helayël-Neto, F́ısica na Escola 6(1), 45 (2005). [9] G. Kane, Scientific American June, 56 (2003). [10] G. Kane, Scientific American July, 30 (2005). [11] T. Kuhn, A Estrutura das Revoluções Cient́ıficas (Edi- tora Brasiliense, São Paulo, 2001), 6a ed. 43Ref. [2], p. 64.
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