Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

curso básico de gestão ambiental , Notas de estudo de Gestão Ambiental

apostila - apostila

Tipologia: Notas de estudo

2010
Em oferta
30 Pontos
Discount

Oferta por tempo limitado


Compartilhado em 06/02/2010

nessafrocha
nessafrocha 🇧🇷

4.3

(12)

28 documentos

1 / 136

Documentos relacionados


Pré-visualização parcial do texto

Baixe curso básico de gestão ambiental e outras Notas de estudo em PDF para Gestão Ambiental, somente na Docsity! Universidade Federal de Santa Catarina Centro Tecnológico Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental ○●●●●●○ ENS 5125 Gestão e Planejamento ambiental ○●●●●●○ Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr soares@ens.ufsc.br www.ens.ufsc.br/~soares Florianópolis Semestre 2006/1 UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Dr. Sebastião Roberto Soares Índice ○●●●●●○ 0. Apresentação da disciplina ................................................................................ 1 0.1. Objetivos do curso ...................................................................................................1 0.2. Calendário................................................................................................................1 0.3. Bibliografia ..............................................................................................................1 0.4. Avaliação .................................................................................................................2 1. Tema 01 : Bases para planejamento e gestão ambiental................................. 3 1.1. Conceitos Básicos ....................................................................................................3 1.2. A variável ambiental nas organizações....................................................................7 1.3. Noções de planejamento e políticas ambientais.....................................................18 2. Tema 02 : Fundamentos de balanço de massa e unidade funcional............. 28 2.1. Introdução ..............................................................................................................28 2.2. Sistemas conservativos em equilíbrio ....................................................................29 2.3. Sistemas não conservativos em equilíbrio .............................................................35 2.4. Sistemas com acumulação (não conservativos e sem equilíbrio)...........................37 2.5. Balanço de massa em gestão ambiental .................................................................39 3. Tema 03 : Análise e avaliação de impactos ambientais................................. 47 3.1. Introdução ..............................................................................................................47 3.2. Princípios gerais.....................................................................................................47 4. Tema 04 : Apoio à decisão aplicada à gestão ambiental ............................... 55 4.1. Introdução ..............................................................................................................55 4.2. Conceitos ...............................................................................................................56 4.3. Princípios básicos de análise multicritério.............................................................57 4.4. Soma ponderada.....................................................................................................61 4.5. Produto ponderado.................................................................................................64 4.6. Soma ponderada modificada..................................................................................65 4.7. Método ELECTRE I ..............................................................................................66 4.8. Referências bibliográficas......................................................................................72 5. Tema 05 : Análise de riscos ambientais .......................................................... 73 5.1. Conceitos ...............................................................................................................73 5.2. Análise de riscos ambientais ..................................................................................74 5.3. Bibliografia ............................................................................................................88 6. Tema 06. Sistema de gestão ambiental ........................................................... 89 6.1. Introdução ..............................................................................................................89 6.2. Principais ferramentas de ANÁLISE ambiental ....................................................92 6.3. Bases para um sistema de Gestão Ambiental.........................................................95 UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Dr. Sebastião Roberto Soares Apresentação da disciplina 2 0.4. Avaliação Média = At*0.2 + Pv1*0.4 + Pv2*0.40 MédiaRec = (média+ rec)/2 Aprovação : Média ou MédiaRec >= 6 A Freqüência mínima exigida é de 75% das AULAS DADAS. A chamada será realizada até 15 minutos após o início das aulas. Os alunos não presentes neste momento receberão falta. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr. Tema 01 – Noções de planejamento e políticas ambientais 3 D ata ___ / ___ / 06 Anotações 1. Tema 01 : Bases para planejamento e gestão ambiental ○●●●●●○ 1.1. Conceitos Básicos Meio-Ambiente : “tudo que envolve” ou o meio no qual os seres vivos se desenvolvem . José de Ávila Coimbra* define Meio Ambiente como : “o conjunto de elementos físico-químicos, ecossistemas naturais e sociais em que se insere o homem, individual e socialmente, num processo de interação que atenda ao desenvolvimento das atividades humanas, à preservação dos recursos naturais e das características essenciais do entorno, dentro de padrões de qualidade definidos”. Ecologia : ciência dos ecossistemas, estuda as relações dos seres vivos entre si e com o meio ; Sistema : parte limitada do espaço (fronteiras) na qual são feitas observações específicas ; ou ainda “conjunto de elementos em interação dinâmica, organizados em função de um objetivo”.Ou ainda, conjunto de elementos em interação dinâmica, organizada em função de um objetivo (De Rosnay). As fronteiras do sistema devem estabelecer uma distinção entre os elementos que o compõem dos elementos pertencentes ao ambiente. O ambiente representa um sistema de ordem mais elevada no qual o aquele que está sendo examinado é uma parte e, as modificações nos elementos do primeiro podem acarretar mudanças diretas nos valores dos elementos contidos no sistema sob exame. Ecossistema : sistema funcional que compreende uma comunidade de seres vivos e o meio ambiente a ela associado ; Avaliação ambiental : avaliação de sistemas baseada fundamentalmente na variável ambiental, ou seja, para sistemas que cumprem uma mesma função, a avaliação ambiental consistirá na definição de um conjunto de critérios que agregados convenientemente podem fornecer uma posição relativa do desempenho ambiental destes sistemas. Poluição : Introdução em um sistema de agentes químicos, físicos ou biológicos em quantidade suficiente para provocar anomalias do ecossistema considerado ou a deterioração física de bens materiais (fig. 1). LIMITES : • Sensibilidade do detetor • Capacidade de auto- depuração do meio Poluição Anormalidade no sistema Figura 1 : constatação de poluição Poluição crônica local : Está associada com pequenas doses localizadas de poluentes, porém de modo continuado. Ex. lançamento contínuo de efluentes em uma lagoa ou no solo, exposição contínua a pequenas doses de radioatividade, etc.. Poluição crônica global : Se refere àquelas emissões contínuas cuja repercussão se dá muito além do ponto emissor. Por exemplo, emissão de gases a efeito estufa, gases que degradam a camada de ozônio, etc. Poluição acidental (ou aguda) : Emissão de uma grande dose de poluente em um curto intervalo de tempo. Ex, desastre com um petroleiro, Contaminação : passagem de um poluente de um meio a outro (ar <=>água, água <=> sedimentos...) ou, em um mesmo meio, de um corpo a outro. Biodegradação : metabolização total ou parcial de diferentes substâncias químicas por microorganismos. *Coimbra, J. A. O outro lado do meio ambiente. São Paulo : Cetesb, 1985. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr. Tema 01 – Noções de planejamento e políticas ambientais 4 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Bioacumulação (ou bioconcentração) : acumulação nos tecidos de organismos (absorção ou adsorsão) de substâncias diversas (naturais ou sintéticas) (fig. 2). 10000 1000 altamente bioacumulável mediamente bioacumulável fracamente bioacumulável Figura 2 : representação esquemática de escala de bioacumulação A avaliação do grau de bioacumulação é feita através do quociente da concentração em um tecido com relação à referência (meio de lançamento). Por exemplo, se um dado produto apresenta concentração na água de x mg/l e a concentração deste mesmo produto no tecido de uma espécie aquática for de y mg/kg, o índice de bioacumulação será y/x. Efeitos : Resultado de uma ação em relação a um alvo específico, ou a consequência objetiva (sobre um alvo) de uma ação de interesse. Os efeitos podem ser : Diretos : a ação se dá diretamente sobre o alvo. - Tóxicos agudos : exposição de um indivíduo ou meio a uma dose ou concentração elevada durante um curto período de tempo (em geral 24 h) => (CL 50, DL 50) - Tóxicos crônicos : exposição de um indivíduo ou meio a uma dose ou concentração fraca durante um longo período de tempo (1 mês até a duração de várias gerações de animais) - Estéticos Indiretos : a ação não se dá diretamente sobre o alvo. Por exemplo, o lançamento de um efluente (ação) e os peixes de um lago (alvo). A morte destes pode ser dar não pela ação tóxica do efluente, mas por exemplo, pela diminuição do teor de O2, diminuição da luminosidade ou desequilíbrios interespécies. Impacto ambiental : Modificação identificável e mensurável, benéfica ou adversa, das condições ambientais de referência. O impacto ambiental pode ser caracterizado por um efeito (direto) ou soma de efeitos (diretos e indiretos) com relação a um alvo específico. Exemplo : Ação : emissão de CO2. Alvo : nível das águas do mar. Efeito : ampliação do “efeito estufa” (aumento da temperatura) e indiretamente o aumento do nível do mar. Impacto ambiental : elevação de 0,1 m do nível do mar. Finalmente, o impacto depende dos efeitos e da exposição. A exposição deve ser apreciada em termos de nível e de duração. Nível de exposição : concentração de um produto em um dado meio, ou a dose ingerida segundo o caso. Duração de exposição : tempo durante o qual os seres vivos são expostos a uma concentração. Resíduos : Materiais ou substâncias que num determinado tempo e espaço são descartados ou destinados ao descarte pelo seu responsável (fig. 3). A produção de resíduos em um sistema, em algum momento, será inevitável devido às seguintes varáveis: Biológica Química Tecnológica Econômica Ecológica Acidental UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr. Tema 01 – Noções de planejamento e políticas ambientais 7 D ata ___ / ___ / 06 Anotações 1.2. A variável ambiental nas organizações Texto introdutório adaptado de Donaire, D. Gestão ambiental na empresa. São Paulo : Editora Atlas, 1995 SEBRAE, IBAMA e Instituto Herbert Levy. Gestão ambiental- Compromisso da empresa. 1996 ○●●●●●○ Introdução Minamata, Japão, anos 50. A indústria química Chisso despeja 460 toneladas de materiais poluentes na Baía de Yatsushiro. Mais de 1000 pessoas morrem e um número não calculável sofre mutilações em conseqüência do envenenamento por mercúrio. A empresa é obrigada a pagar mais de 600 milhões de dólares em indenizações e muitos processos judiciais correm até hoje. Ontário, Canadá, 1982. Chuvas ácidas, provocadas pela queima de combustíveis - provavelmente em território norte-americano -, causam a morte de peixes em 147 lagos. O governo canadense acusa os Estados Unidos de indiferença em relção à questão ambiental. Cubatão, São Paulo, 1984. O rompimento de um oleoduto da Petrobrás, provocado por um incêndio, arrasa a favela de Socó, umas das áreas mais poluídas do planeta. Noventa pessoas morrem e 200 ficam feridas. Bhopal, India, 1984. Um vazamento de isocianeto de metila em uma fábrica de pesticidas da Union Carbide mata mais de 2000 pessoas e deixa por volta de 200000 com graves lesões nos olhos, pulmões, fígado e rins. Chernobil, antiga URSS, 1985. Uma explosão destrói um dos quatro reatores de uma usina atômica, lançando 100 milhões de curies de radiação na atmosfera, 6 milhões de vezes o volume que escapou de Three Mile Island, nos Estados Unidos pouco anos antes, no que era considerado até então o pior acidente atômico da história. Trinta e uma pessoas perderam a vida e outras 40000 ficam sujeitas ao risco de câncer nos 20 anos seguintes. Basiléia, Suíça, 1986. Um incêndio em uma indústria química de Sandoz atira no Reno 30 toneladas de pesticidas, fungicidas e outros produtos altamente tóxicos - o volume de poluentes recebidos pelo rio em um ano. O acidente dá força ao Partido Verde na renovação do Parlamento alemão. Alasca, EUA, 1989. O petroleiro Exxon Valdez bate em um recife e derrama 41,5 milhões de litros de petróleo no estreito de Príncipe Willian. Cerca de 580 000 aves, 5 550 lontras e milhares de outros animais morrem no maior acidente ambiental da história recente dos EUA. Rio de janeiro (RJ), Araucária (PR), 2000 Rompimento de dutos transportadores de óleo comprometendo a baia de Guanabara (1,29 mil toneladas – liberados pela refinaria Duque de Caxias))e o rio Barigüi, afluente do Rio Iguaçu e o próprio Iguaçu (4 milhões de litros de óleo crú – oriundo da refinaria presidente Getúlio Vargas) Costa da Galícia, Espanha, 2002 O afundamento do petroleiro Prestige, das Bahamas, a 250 quilômetros da região da Galícia, na costa da Espanha, que transportava 77 mil toneladas de óleo combustível. O acidente pode se tornar uma das maiores catástrofes ambientais da história causadas por vazamento de óleo. O navio afundou no dia 19 de novembro. O vazamento de óleo atingiu as praias e as encostas da Espanha, com repercussões também na França e Portugal. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr. Tema 01 – Noções de planejamento e políticas ambientais 8 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Os casos acima são exemplos de poluição aguda "espetacular" da história recente. Estes fatos, se comparados ao somatório da poluição crônica e aguda que ainda fazem parte do cotidiano humano, são plenamente insignificantes. Entretanto, grandes episódios têm uma maior repercussão sobre necessidades de mudança de comportamento. Ou seja, continuamos ainda expostos ao perigo de todo o tipo de poluição. Prova recente foi o rompimento, em janeiro, de um duto da Petrobrás, que durante 4 horas despejou 1,3 milhões de litros de óleo nas já degradadas águas da baía de Guanabara, atingindo os manguezais, essenciais para a sobrevivência da fauna da região. Ou o vazamento de cianeto no rio Tisza, afluente do Danúbio. A diferença é que desastres como estes não passam mais em branco. Agressões ambientais agora chocam a opinião pública, abalando fortemente a imagem de uma empresa, e podem custar caro. A Petrobrás pagou uma multa de R$ 35 milhões ao Ibama e deve desembolsar mais de R$ 110 milhões em indenizações para amenizar o impacto da devastação. E os governos da Iugoslávia e da Hungria ameaçam recorrer à Corte Internacional de Justiça de Haia contra a Romênia pela catástrofe no Danúbio, que também corta os territórios destes países. É notório, portanto, o surgimento de uma consciência ecológica, que não se manifesta apenas por grupos ambientalistas, mas vem sendo incorporada por um número cada vez maior de consumidores preocupados com a qualidade de vida. Outra prova pode ser observada nas exigências referentes à proteção ambiental que durante muito tempo foram consideradas como um freio ao crescimento da produção, um obstáculo jurídico legal e requerentes de grandes investimentos e, portanto, fator de aumento dos custos de produção. Atualmente, é quase um consenso que a despreocupação com os aspectos ambientais pode traduzir-se no oposto : em aumento de custos, em redução de lucros, perda de posição no mercado e, até, em privação da liberdade ou cessação de atividades. O Meio ambiente e sua proteção estão se tornando oportunidades para abertura de mercados e prevenção contra restrições futuras quanto ao acesso a mercados e financiamentos internacionais e mesmo nacional. A cotação de um país, para receber investimentos estrangeiros, está cada vez mais relacionada com sua imagem internacional associada com seus cuidados com o meio ambiente. Do mesmo modo, organismos de fomento nacional (BNDS, Caixa Econômica Federal, por exemplo) já condicionam a liberação de determinadas linhas de crédito à viabilidade ambiental do empreendimento financiado. Isto porque tem sido demonstrado a insustentabilidade do modelo de desenvolvimento tradicional e que os custos, monetários e sociais, infligidos por uma poluição desenfreada são maiores do que o investimentos necessários para eliminá-la e, sobretudo, evitá-la. Neste sentido, a resposta das organizações tem ocorrido em três fases (superpostas ou não, dependendo maturidade ambiental da empresa) : controle ambiental nas saídas do sistema considerado (fim de linha) ; integração do controle ambiental nas práticas e processos industriais ; integração do controle ambiental na gestão administrativa. Algumas organizações perfilam-se na primeira fase, enquanto a maioria se encontra na segunda fase e apenas uma minoria na já amadurecida terceira fase. O controle ambiental nas saídas do sistema consiste na instalação de equipamentos de controle de poluição nos pontos terminais da organização, como chaminés e redes de esgoto, mantendo a estrutura produtiva existente. A despeito de seu alto custo e da elevada eficiência dos equipamentos instalados, esta solução nem sempre se mostra eficaz, tendo seus benefícios sido frequentemente questionados pelo público e pela própria indústria. A integração do controle ambiental nas práticas e processos produtivos, por sua vez deixa de ser uma atividade de controle da poluição e passa a ser uma função da produção. O princípio básico é o da prevenção da poluição, envolvendo a seleção das matérias-primas, o desenvolvimento de novos processos e produtos, o reaproveitamento da energia, a reciclagem de resíduos e a integração com o meio ambiente. E finalmente, na fase mais evoluída, as organizações passaram à integração do controle ambiental na gestão administrativa, projetando-o nas mais altas esferas de decisão. Atender ao presente e gerar respostas setoriais e estanques passou a não ser suficiente ; olhar o futuro, horizontalizar a análise e planejar corporativamente passou a ser o caminho natural e necessário. A justificativa para esta mudança de atitude deve-se ao aumento da preocupação ambiental, com o estabelecimento de um verdadeiro mercado verde, o que torna os consumidores mais eficientes que os órgãos de meio ambiente. Surgindo inicialmente nos países desenvolvidos, este mercado tem origem basicamente UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr. Tema 01 – Noções de planejamento e políticas ambientais 9 D ata ___ / ___ / 06 Anotações em consumidores já satisfeitos em suas necessidades quantitativas e/ou mais exigentes de qualidade de vida. Eles passam a se preocupar com o conteúdo dos produtos e a forma como são feitos, rejeitando os que pareçam mais agressivos ao meio ambiente - nem sempre com fundamentação e muitas vezes na esteira de campanhas idealizadas por empresas e setores concorrentes. Com isso, a proteção do meio ambiente deixa de ser uma exigência punida com multas e sanções e inscreve- se em um quadro de ameaças e oportunidades, em que as conseqüências passam a poder significar posições na concorrência e a própria permanência ou saída do mercado. A proteção ambiental deslocou-se uma vez mais, deixando de ser uma função exclusiva de produção para torna-se também uma função da administração. Contemplada na estrutura organizacional, interferindo no planejamento estratégico, passou a ser uma atividade importante na organização da empresa, seja no desenvolvimento das atividades de rotina, seja na discussão dos cenários alternativos e na conseqüente análise de sua evolução, gerando políticas, metas e planos de ação. Essa atividade dentro da organização passou a ocupar o interesse dos presidentes e diretores e a exigir nova função administrativa na estrutura administrativa que pudesse abrigar um corpo técnico específico e um sistema gerencial especializado, com a finalidade de propiciar à empresa uma integração articulada e bem conduzida de todos seus setores e a realização de um trabalho de comunicação social moderno e consciente. Assim, a preocupação com o meio ambiente torna-se, enfim, um valor da empresa, explicitado publicamente como um dos objetivos principais a ser perseguido pelas organizações. ○●●●●●○ Diante do exposto entende-se porque a questão ambiental está se tomando matéria obrigatória das agendas dos executivos das organizações. A globalização dos negócios, a internacionalização dos padrões de qualidade ambiental esperadas na ISO 14000, a conscientização crescente dos atuais consumidores e a disseminação da educação ambiental nas escolas permitem antever que a exigência que farão os consumidores em relação à preservação do meio ambiente e à qualidade de vida deverão intensificar-se. Diante disto, as organizações deverão, de maneira acentuada, incorporar a variável ambiental na prospecção de seus cenários e na tomada de decisão, além de manter uma postura responsável de respeito à questão ambiental. A experiência das empresas pioneiras permite identificar resultados econômicos e resultados estratégicos do engajamento da organização na causa ambiental. Estes resultados, porém, não se viabilizam de imediato. Há necessidade de que sejam corretamente planejados e organizados todos os passos para a interiorização da variável ambiental na organização para que ela possa atingir, no menor prazo possível, o conceito de excelência ambiental, que lhe trará importante vantagem competitiva. Elkington e Burke (1989)1 destacam dez passos necessários para a excelência ambiental : 1. Desenvolver e publicar uma política ambiental. 2. Estabelecer metas e continuar a avaliar os ganhos. 3. Definir claramente as responsabilidades ambientais de cada uma das áreas e do pessoal administrativo (Linha ou assessoria) 4. Divulgar interna e externamente a política, os objetivos e metas e as responsabilidades. 5. Obter recursos adequados. 6. Educar e treinar o pessoal e informar os consumidores e a comunidade. 7. Acompanhar a situação ambiental da empresa e fazer auditorias e relatórios. 8. Acompanhar a evolução da discussão sobre a questão ambiental. 9. Contribuir para os programas ambientais da comunidade e invistir em pesquisa e desenvolvimento aplicada à área ambiental. 10. Ajudar a conciliar os diferentes interesses existentes entre todos os envolvidos : empresa, consumidores, comunidade, acionistas, etc. ○●●●●●○ 1 ELKINGTON, J., BURKE, T. The green capitalists. Londres: Gallancz, 1989. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr. Tema 01 – Noções de planejamento e políticas ambientais 12 D ata ___ / ___ / 06 Anotações poluição zero; nenhuma produção de resíduos; nenhum risco para os trabalhadores; baixo consumo de energia; e eficiente uso dos recursos. Para saber quanto a empresa está próxima ou longe desses objetivos ideais, é necessário que ela faça uma estimativa de seu balanço ambiental, levando em consideração todas as entradas e saídas do processo produtivo. Tal estimativa deve também levar em conta os padrões ambientais estabelecidos na busca de não apenas obedecê-los, mas também sempre que possível, de superá-los. Esta meta deve ser continuamente buscada porque hoje ainda não se conhecem as consequências que determinadas substâncias podem acarretar no longo prazo e também porque os padrões estabelecidos, muitas vezes por questões econômicas e políticas, podem estar muito aquém das reais necessidades sociais, provocando efeitos adversos ao meio ambiente que s6 serão avaliados no futuro. Conscientização ambiental A inexistência de consumidores conscientizados em relação a causa ambiental pode dar falsa impressão de que a empresa não está ameaçada pela crescente ampliação dos produtos amigáveis ao ambiente no mercado de bens e serviços. Estas empresas podem ser pegas de surpresa pelos concorrentes que eventualmente já incorporaram essa variável em seu processo de tomada de decisão e na avaliação de seus cenários e que poderão tirar substanciais e permanentes vantagens desse seu pioneirismo. Acompanhar o crescimento das reivindicações ambientais e a sua transformação em novas ideologias e valores sociais que se consubstanciam em mudanças na legislação e em regulamentações mais severas é tarefa muito importante para a sobrevivência e lucratividade da empresa no longo prazo. Padrões ambientais Há uma correlação direta entre a conscientização da sociedade e os padrões ambientais estabelecidos. Assim, quanto maior a pressão social mais restrita é sua legislação ambiental. A princípio, isto pode parecer uma grande ameaça para as empresas, porém existem inúmeros exemplos de que isso não é uma verdade absoluta. Nos países onde as restrições ambientais são mais severas como Japão, Alemanha, Suécia etc., suas organizações desenvolveram excelentes oportunidades de novos negócios, relacionados com a questão ambiental, que atualmente estão inclusive exportando know-how para outros países. Comprometimento gerencial (linha e staff) No nível interno da organização, a mudança mais importante que pode ser conseguida em relação à questão ambiental é o comprometimento gerencial, tanto das posições de linha como de staff. Este comprometimento dissemina no seio da organização a formação de um clima propício ao surgimento de esquemas e círculos de qualidade ambientais, bancos de sugestões, auditorias etc., que se traduzem em uma contínua busca de melhorias. Como a questão ambiental está em evidência, muitas empresas têm se engajado nessa onda apenas no discurso e não através de ações efetivas, pois não conseguem nem mesmo sensibilizar seus próprios executivos de que a preocupação com a proteção ao meio ambiente é realmente um objetivo empresarial importante a ser alcançado. Caso estes executivos não estejam realmente conscientizados e comprometidos com a causa ambiental, qualquer iniciativa nesse sentido seria apenas superficial e efêmera. Capacitação do pessoal Estar comprometida com a preservação do meio ambiente exige que a empresa enfrente eficientemente este desafio. Baixos níveis de poluição podem estar ligados a novos equipamentos, tecnologias mais novas que podem provocar mudanças nos processes e produtos. A1ém dos investimentos em novas máquinas, instalações e equipamentos, tal posição implica necessariamente a existência de um pessoal competente e convenientemente treinado que seja capaz de transformar os planos idealizados em ações efetivas e eficazes. Capacidade da área de P&D As empresas ambientalmente orientadas têm demonstrado ser capazes de se antecipar e reagir rapidamente às mudanças do mercado e à legislação ambiental. Isto se deve a seu desempenho e criatividade em desenvolver UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr. Tema 01 – Noções de planejamento e políticas ambientais 13 D ata ___ / ___ / 06 Anotações novos processos e novos produtos ou modificar os existentes. O aparecimento de detergentes biodegradáveis, tratamento físico-químico de efluentes, serviços de administração de resíduos, novas tecnologias de reciclagem etc. foram resultados de bem sucedidos projetos de P&D. Assim, as organizações que possuem na área de P&D, equipes flexíveis e criativas, que se caracterizam por ciclos curtos de desenvolvimento de processos e produtos e que estão atualizadas com as informações sobre novas tecnologias, podem não só viabilizar a causa ambiental internamente, mas também transformar este know-how em atividades de consultoria para outras empresas, desenvolvendo dessa forma grandes oportunidades de negócios. Capital A grande dívida da empresa e que sempre se levanta é não saber se o investimento realizado com a questão ambiental será rentável, pois muitas vezes pode levar muito tempo para conseguir o retorno desse investimento. Como o retorno do investimento não pode ser previsto em termos determinísticos, sempre haverá necessidade de aporte de capitais próprios ou de terceiros para que a empresa se integre na causa ambiental. Para minimizar este impactos porém, as empresas poderão negociar com os órgãos governamentais de controle acordos que resultem em cronogramas mais amplos e padrões de emissão decrescentes que poderão viabilizar ao longo do tempo objetivos difíceis de ser alcançados no curto prazo. Concluindo, a verificação de posicionamento de empresa em relação a esses aspectos, permitirá avaliar até que ponto os negócios da empresa poderão ser atingidos pela variável ambiental. ○●●●●●○ Por que se integrar na causa ambiental? Sem organizações orientadas para o meio ambiente, não poderá existir uma economia orientada para o ambiente; Sem organizações orientadas para o ambiente, não poderá existir consenso entre o público e a comunidade empresarial ; Sem gestão ambiental da organização, esta perderá oportunidades no mercado em rápido crescimento e aumentará o risco de sua responsabilização por danos ambientais ; Sem gestão ambiental da organização, os conselhos de administração, os diretores executivos, os chefes de departamentos e outros membros do pessoal verão aumentadas a sua responsabilidade em face de danos ambientais ; Sem gestão ambiental da organização, serão potencialmente desconsideradas muitas oportunidades de redução de custos ; Sem gestão ambiental da organização, os tomadores de decisão estarão em conflito com sua própria consciência (??). ○●●●●●○ Benefícios da gestão ambiental Benefícios econômicos • Economia de custos - Economia devido à redução do consumo de água, energia e outros insumos ; - Economia devido à reciclagem, venda e aproveitamento de resíduos e diminuição de efluentes ; - Redução de multas e penalidade por poluição. • Incremento de receitas - Aumento da contribuição marginal de "produtos verdes" que podem ser vendidos a preço mais altos; UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr. Tema 01 – Noções de planejamento e políticas ambientais 14 D ata ___ / ___ / 06 Anotações - Aumento da participação no mercado devido a inovação dos produtos e menos concorrência ; - Linhas de novos produtos para mercados ; - Aumento da demanda para produtos que contribuam para a diminuição da poluição. Benefícios estratégicos Melhoria da imagem institucional ; Renovação do "Portfolio" de produtos ; Aumento da produtividade ; Alto comprometimento do pessoal ; Melhoria nas relação de trabalho ; Melhoria e criatividade para novos desafios ; Melhoria das relações com órgão governamentais, comunidade e grupos ambientalistas ; Acesso assegurado ao mercado externo ; Melhor adequação aos padrões ambientais. Além destes benefícios, deve-se considerar ainda os seguintes argumentos para que uma organização se engaje na causa ambiental : Aceite primeiro o desafio ambiental antes que seus concorrentes o façam ; Seja responsável em relação ao meio ambiente e torne isso conhecido ; Utilize formas de prevenir a poluição ; Ganhe o comprometimento do pessoal. ○●●●●●○ Princípios de planejamento ambiental Prioridade organizacional Reconhecer que a questão ambiental está entre as principais prioridades da empresa e que ela é uma questão-chave para o desenvolvimento sustentado. Estabelecer políticas, programas e práticas no desenvolvimento das operações que sejam adequadas ao meio ambiente. Gestão integrada Integrar as políticas, programas e práticas ambientais intensamente em todos os negócios como elementos indispensáveis de administração em todas as suas funções. Processo de melhoria Continuar melhorando as políticas corporativas, os programas e a performance ambiental tanto no mercado interno quanto externo, levando em consideração o desenvolvimento tecnológico, o conhecimento científico, as necessidades dos consumidores e os anseios da comunidade, tendo como ponto de partida as regulamentações ambientais. Educação do pessoal Educar, treinar e motivar o pessoal, para que possam desempenhar suas tarefas de forma responsável em relação ao ambiente. Prioridade de enfoque Considerar as repercussões ambientais antes de iniciar nova atividade ou projeto e antes de instalar novos equipamentos e instalações ou de abandonar alguma unidade produtiva. Produtos e serviços Desenvolver e produzir produtos e serviços que não sejam agressivos ao ambiente e que sejam seguros em sua utilização e consumo, que sejam eficientes no consumo de energia e de recursos naturais e que possam ser reciclados, reutilizados ou armazenados de forma segura. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr. Tema 01 – Noções de planejamento e políticas ambientais 17 D ata ___ / ___ / 06 Anotações O cenário projetado pelo Clube de Roma influenciou a 1.ª Conferência da ONU sobre o Ambiente Humano, promovida na Suécia, no mesmo ano. Nesse evento foi tomada a importante decisão de criar o Programa de Meio Ambiente da ONU. Mas, já em 1973, aconteceu algo não previsto pelo Clube de Roma: a crise do petróleo. Assustadas com o novo custo da energia, as empresas passaram a considerar a possibilidade de investir para aproveitar melhor esse recurso natural. A 3M, nos EUA, foi a mais ousada: em 1975 adotou, como iniciativa voluntária, o primeiro grande plano de prevenção à poluição. Sua meta era reduzir as emissões do ar em 70%, até 1993. O Brasil experimentava então um crescimento industrial inédito, acompanhado de muita poluição. Nos anos de chumbo surgiram obras faraônicas, como a Transamazônica. Ao mesmo tempo, a poluição crescente e a pressão internacional inspiraram o surgimento da Cetesb, em São Paulo, e Feema, no Rio de Janeiro, como órgãos de controle da poluição. Em nível federal, nasceu a Sema – Secretaria Especial do Meio Ambiente, liderada por Paulo Nogueira Neto. Ele lembra, desse período, de alguns embates com o setor industrial. “Quando propusemos a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) resistiu. Queria o veto de 13 artigos. Mas o presidente João Figueiredo (1979-1985) promulgou a lei em 1981, com apenas dois vetos. E as empresas aceitaram.” Nos anos 80 ocorreram novos desastres ecológicos. Em 1984, um vazamento de gás da Union Carbide, em Bhopal, na Índia, matou milhares de pessoas. Em 1986, o acidente na usina nuclear ucraniana de Chernobyl exterminou dezenas de milhares de vidas e contaminou toda a região. Em 1989, a colisão do petroleiro Exxon Valdez sujou 250 quilômetros quadrados do mar Ártico: as despesas com despoluição superaram US$ 1 bilhão. Porém, também houve progressos. Nos anos 80, assinou-se o Protocolo Internacional de Montreal, para proteger a camada de ozônio e foi criado o conceito de “Desenvolvimento Sustentável”. O Brasil promulgou sua nova Constituição com um capítulo para o meio ambiente e instituiu os Estudos de Impacto Ambiental. E, em dezembro de 1989 – um ano após a morte de Chico Mendes, um dos símbolos nacionais da luta pela preservação – a ONU aprovou a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Eco- 92, que ocorreria em 1992, no Rio. A Eco 92 trouxe mais de 150 chefes de Estado ao Brasil, culminando em acordos internacionais importantes, como a Convenção da Biodiversidade Biológica e a de Mudanças Climáticas (para evitar o aumento do efeito estufa). Porém, cinco anos depois da Eco, a Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU concluía que as decisões não foram implementadas. Mas novidades aconteceram. Pesquisas de mercado detectam a opção de um número cada vez maior de consumidores por produtos e serviços ecologicamente corretos. Apesar de ainda haver choques, cresce o número de alianças entre organizações ambientalistas e empresas para atividades de caráter sócio-ambiental. O mercado global exige certificações ecológicas, que se multiplicam. E muitas empresas, mesmo não certificadas, abrem departamentos de meio ambiente ou investem em pesquisas e melhorias nessa área. Em todos os ramos profissionais, aumenta o espaço para especialização em meio ambiente, como é o caso da auditoria e contabilidade ambiental, um nicho promissor. “Aqui no Brasil, pela primeira vez, a Pricewhaterhouse Coopers montou um núcleo fixo de sete profissionais na área de meio ambiente”, conta Paulo Vanca, Sócio da Price no Brasil. Segundo relata, os acionistas das empresas globais, como Shell e Rhone Poulenc, também começaram a solicitar relatórios anuais que incluem o balanço social, ambiental e econômico. O fundo de investimentos Terra, administrado pela A2R no Brasil para beneficiar projetos ecologicamente corretos, a recente discussão sobre as “commodities ambientais” e os “certificados de seqüestro de carbono da natureza”, surgem como outros indícios de um novo tempo, onde a economia está tentando entrar em acordo com o meio ambiente. ○●●●●●○ UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr. Tema 01 – Noções de planejamento e políticas ambientais 18 D ata ___ / ___ / 06 Anotações 1.3. Noções de planejamento e políticas ambientais ○●●●●●○ Conceitos Política : Maneira organizada de conduzir uma questão; maneira de agir e tratar com habilidade; arte ou ciência de governar. Meio ambiente : conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Há uma tendência, entretanto, de que a abordagem da questão ambiental englobe também seus aspectos artificiais, sociais, culturais, econômicos e políticos denominados meio ambiente artificial Poluição : Qualquer alteração prejudicial ao meio ambiente por interferência antrópica; Poluidor : pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; Desenvolvimento sustentável : aquele que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades O texto a seguir foi extraído de Dalia Maimon. Passaporte Verde - Gestão Ambiental e Competitividade. Qualitymark Editora, Rio de Janeiro 1996. ○●●●●●○ Introdução A política ambiental de um país ou de uma região depende, em primeiro lugar, da "preferência social pelo meio ambiente" e da disponibilidade de recursos financeiros, técnicos e humanos necessários à sua implantação. A "preferência social pelo meio ambiente" demarca o "nível de poluição socialmente aceitável", isto é, quanto de incômodo a sociedade está disposta a suportar e, sobretudo, qual a contrapartida de recursos que está disposta a abrir mão para melhorar seu meio ambiente. Essa "preferência" é distinta entre regiões e classes sociais. Depende das crenças, ideologias e culturas, e dos conflitos de interesses dos atores envolvidos, tais como o setor público, o setor privado, a sociedade civil e militar, e as organizações não-governamentais. Ceteris paribus os demais fatores, a "preferência pelo meio ambiente" será influenciada pela ocorrência de grandes acidentes ecológicos, pela aceleração da deterioração ambiental e pela forma com que os meios de comunicação e os formadores de opinião abordam o assunto. Em nível internacional, as políticas ambientais podem ser classificadas segundo três macroobjetivos: uma Política de Segurança Mínima (PSM), uma política de crescimento ecologicamente sustentável e uma política com ênfase na Qualidade Total, incluindo neste conceito a Qualidade Ambiental. A PSM visa garantir a segurança sobre os riscos e acidentes ecológicos de grande vulto, evitando as respectivas repercussões sobre a saúde da população, conservando os espaços e espécies legitimamente UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr. Tema 01 – Noções de planejamento e políticas ambientais 19 D ata ___ / ___ / 06 Anotações consideradas como merecedores de preservação e satisfazendo as necessidades expressas e imediatas da maioria dos usuários. Esta política caracteriza os países com recursos orçamentários e técnicos restritos e onde não há uma forte sensibilização quanto à questão ambiental. A PSM tem por inconveniente transferir para o longo prazo os impasses ecológicos e econômicos onerosos, sobretudo se considerada a irreversibilidade de certos danos ao meio ambiente. Dada a globalização dos problemas ambientais, a PSM tem que ser minimamente compatível com os acordos internacionais sobre a matéria. A política de crescimento ecologicamente sustentável marca a maioria dos países que avançaram no campo da política ambiental. Tem por base a gestão racional dos recursos e a prudência no longo prazo. Visa evitar os impasses e os custos ecológicos insuportáveis social e economicamente. Nesta ótica, enfatiza-se a prevenção da poluição, a internalização das externalidades, a gestão probabilística de riscos globais, o desenvolvimento científíco-tecnológico e o acesso democrático à informação. Embora a política de crescimento ecologicamente sustentável seja o discurso de grande número de nações, esta foi, efetivamente, implantada nos Países Baixos, na Dinamarca e na Suécia. Nestes países de clima frio, caracterizados por pequenas superfícies e escassos recursos energéticos com relação à demanda, a reprodução dos recursos naturais tornou-se uma pré-condição da modernização econômica. A política de modernização pela Qualidade Total parte da premissa de que o meio ambiente deve ser considerado não somente como uma pré-condição de crescimento de longo prazo, mas como um must a ser valorizado na política global de qualidade, em todos os seus níveis: econômico, social e ecológico. Visa utilizar o meio ambiente como elemento dinâmico da concorrência e de imagem internacional, de redução das desigualdades sociais e de segurança. Atualmente, nenhum país pode advogar como praticante da Qualidade Total no sentido acima exposto. Entretanto, os macroobjetivos da política ambiental da ex-Alemanha Ocidental e do Estado da Califórnia são os que mais se aproximaram do modelo. A crise econômica atravessada por estas duas regiões acabou pesando sobre a respectiva política, acarretando um questionamento dos empresários quanto à regulação do governo e a exportação dos problemas ambientais, em particular dos resíduos sólidos. Em nível micro, a política de Qualidade Total é praticada por algumas empresas ou setores industriais. ○●●●●●○ Instrumentos de política ambiental Os principais instrumentos de política ambiental são os de comando e controle, e os econômicos. O Estado pode, ainda, abdicar de um planejamento confiando na auto-regulação das empresas, ou acionar macropolíticas que tenham interface com a política ambiental. Aqui, vale citar o planejamento regional e urbano, a política de desenvolvimento tecnológico, o planejamento energético e a educação ambiental, entre outros. Quanto à incidência, os instrumentos podem ser classificados em diretos ou indiretos, quando acionados pelos órgãos reguladores diretamente ou indiretamente sobre os agentes de emissões e de danos. ○●●●●●○ COMANDO E CONTROLE Os instrumentos de comando e controle são os mais utilizados na política ambiental. Podem ser definidos como um conjunto de regulamentos e normas impostos pelo governo que têm por objetivo influenciar diretamente as atitudes do poluidor, limitando ou determinando seus efluentes, sua localização, hora de atuação, etc. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr. Tema 01 – Noções de planejamento e políticas ambientais 22 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Educação ambiental formal e mesmo informal tem um papel fundamental tanto na criação no médio e longo prazos de uma consciência ecológica, como, também, na formação de recursos humanos necessários à implantação de um planejamento ambiental e de uma política tecnológica voltada para o meio ambiente. ○●●●●●○ INSTRUMENTOS ECONÔMICOS Os instrumentos econômicos podem ser definidos como um conjunto de mecanismos que afetam os custo- benefício dos agentes econômicos. Estes instrumentos envolvem tanto transferências fiscais entre os agentes e a sociedade (impostos, taxas subsídios, etc), quanto a criação de mercados artificiais (licenças negociáveis de poluição, quotas negociáveis, mercados de reciclados, etc). Os instrumentos econômicos têm por base a noção de internalização das externalidades. O livre jogo de mercado e o reducionismo ao econômico das tomadas de decisão acarretaram a privatização dos lucros e a socialização dos prejuízos. Assim, os agentes econômicos ao decidirem qual o ótimo de produção, consumo e investimento não levam em consideração as conseqüências ambientais e/ou sociais de suas decisões, as externalidades. Estas não são contabilizadas na análise custo-benefício dos agentes. Neste enfoque, desde que se assegure um preço correio para os recursos naturais e para o meio ambiente, estes podem ser tratados como qualquer outro bem e serviço. O cerne da análise teórica dos instrumentos econômicos repousa sobre as hipóteses de concorrência perfeita ou próximos desta situação. Os agentes maximizam uma função objetiva determinada, lucro para as empresas e satisfação para os consumidores. Os agentes dispõem de informação sobre o elenco de tecnologias disponíveis, sobre a natureza, sobre a qualidade dos bens econômicos e sobre a relação custo-benefício de suas ações. São dadas as condições técnicas e as funções econômicas. Em particular, as empresas supõem conhecer sua função de produção, de custo e o custo marginal da depuração ambiental. Transferências fiscais As transferências fiscais dizem respeito a dois campos distintos da economia: o de finanças públicas e o de políticas públicas. Do ponto de vista das finanças públicas, as taxas e os impostos objetivam financiar o orçamento público, em geral, ou de um fundo público com finalidade específica, enquanto os subsídios têm uma conotação negativa sobre o orçamento público. Ainda que estas transferências não tenham por objetivo modificar o comportamento dos agentes, acabam resultando nas escolhas destes e da alocação de bens e recursos. No campo da política pública, procura-se privilegiar justamente a mudança de comportamento dos agentes. Este efeito incitativo vai depender das alterações nos custos e nos preços. Um efeito redistributivo ocorre, na maioria dos casos, independentemente da ação incitativa, já que as receitas provenientes das taxas são utilizadas para financiar objetivos coletivos. Taxas e impostos : As taxas que visam internalizar as externalidades ambientais têm por finalidade corrigir uma distorção existente do ponto de vista do bem-estar coletivo, através do princípio "poluidor pagador". Funcionam como um mecanismo de equalização dos custos sociais e privados. Estas taxas foram analisadas, pela primeira vez, por Arthur C. Pigou (1877-1959), no seu livro Economics of Welfare e por isso ganharam a denominação de taxas Pigouvianas. Para Pigou existe um nível de poluição "ótimo". O tributo deverá ser equivalente ao custo da externalidade negativa. A dificuldade de se obter a taxa "ótima" está na mensuração dos custos ambientais. Os danos são medidos em unidades físicas como toneladas de poluentes ou concentração no meio físico. Por outro lado, existem efeitos de sinergia entre várias fontes poluidoras, sendo assim, estimar o valor econômico de uma externalidade específica passa a ser o maior obstáculo. Como há grandes dificuldades metodológicas na mensuração e estimativa dos custos marginais de degradação, na prática, o nível socialmente aceitável de poluição é definido com base em critérios outros que os econômicos. Esta dificuldade metodológica é comum a outras políticas públicas, como a política social, saúde, educacional e mesmo de segurança nacional. As taxas podem incidir sobre: UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr. Tema 01 – Noções de planejamento e políticas ambientais 23 D ata ___ / ___ / 06 Anotações as emissões, pagamentos diretamente proporcionais à qualidade ou quantidade da descarga no ar, na água ou no solo, bem como na geração do barulho; serviço prestado, pagamento por um tratamento coletivo ou público dos dejetos. O usuário deve contribuir no correspondente ao custo total do serviço público da despoluição incluindo os custos de administração; produto, aplicadas ao preço dos produtos que geram poluição durante o processo de produção, consumo, estocagem ou por gastos gerados para sua eliminação. Podem incidir sobre os insumos poluentes ou sobre o produto final que utiliza estes insumos. Em geral são utilizados para produtos tóxicos nocivos ao meio ambiente como metais pesados, PVC, CFC, halogênios, hidrocarbonos, nitrogênio e fósforo. A taxação do produto pode substituir a taxação da emissão, uma vez que simplifica a tarefa da fiscalização. A desvantagem deste tipo de taxação é de não levar em conta o comportamento ambiental diferenciado em cada indústria. Em consequência, as que utilizam métodos e processos de depuração são penalizadas da mesma forma que as demais; administrativas, aplicadas com a finalidade de cobrir gastos dos serviços administrativos prestados pelas instituições que gerem o meio ambiente. Nos debates internacionais sobre Mudanças Climáticas, as negociações sobre as taxas pigouvianas sugerem uma taxação no limite inferior e que esta aumente gradativamente. Assim, apesar das imprecisões sobre as mensurações dos danos, poderá se adaptar às medidas, acelerando ou desacelerando em função da reação dos agentes envolvidos (OCDE, 1992). Ajudas financeiras : A terminologia Ajudas Financeiras designa diversos tipos de auxílio que incitem os poluidores a modificarem seus comportamentos ou a iniciarem projetos ambientais que sejam muito difíceis de serem empreendidos por um poluidor. Estas medidas pressupõem que é melhor dar um incentivo do que penalizar aqueles que poluem. Têm implicitamente a idéia de que o desrespeito ao meio ambiente ocorre por falta de recursos financeiros das municipalidades e/ou das firmas. Assim, um incentivo não desestabilizaria a produção e o vigor financeiro dos agentes econômicos. As críticas à política de ajudas financeiras são idênticas às das demais ajudas em economia. Além de gerar déficits orçamentários, o governo cria motivação para que mais firmas queiram ganhar subsídios e, portanto, está se estimulando a novas fontes poluidoras. As ajudas financeiras podem ser de diversos tipos: subsídios — são ajudas não reembolsáveis para estimular a redução dos efluentes através de compra de equipamento ou mudança de processo; ajuda fiscal — consiste em favorecer as indústrias, reduzindo progressivamente seus impostos, se certas medidas anti-poluição forem estabelecidas. Influenciam diretamente as receitas ou benefício das empresas, já que acabam reduzindo os custos; sistema de consignação — consiste na aplicação de sobretaxa sobre os produtos potencialmente poluentes. Se a poluição é evitada pelo retorno destes produtos ou de seus resíduos, através de um sistema de coleta, a poluição é reembolsada Esta prática é habitual para garrafas de refrigerantes; No caso do lixo, o sistema de consignação funciona eficientemente, evitando a poluição por substâncias tóxicas, como baterias, incineração de plásticos ou resíduos de pesticidas; Incentivos financeiros por conformidade — podem ser de dois tipos. Taxas de não-conformidade que são imposta quando os poluidores não respeitam certas regulamentações. São calculadas a partir do montante de ganhos decorrentes do desrespeito às regulamentações. Nota do professor : Veja a seguir a diferença entre os conceitos Imposto – arrecadação não vinculada a qualquer atividade dos governos (federal, estadual e municipal), ou serviços específicos. Ou seja, é uma verba que não corresponde a nenhuma prestação de serviço ao cidadão, que irá integrar o caixa dos respectivos governos. Sua destinação custeia despesas gerais do estado e seu investimento é decidido pelo governante. Taxa – valor vinculado ao exercício de diversas formas de fiscalização e vigilância realizadas por órgãos públicos (que, tecnicamente, têm o chamado poder de polícia, embora nada tenham a ver com as polícias civil, militar e federal) ou a uma prestação específica de serviço público. Nesse caso, o tributo é devido independentemente de sua efetiva utilização pelo contribuinte. Esse serviço público deve ser identificado (por exemplo: taxa do lixo, custas de processos judiciais ou custo da emissão de certidões). UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr. Tema 01 – Noções de planejamento e políticas ambientais 24 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Contribuição – tributo obrigatoriamente destinado ao custeio direto de determinada atividade dos governos, divide-se em quatro modalidades. Contribuição de Melhoria: contraprestação da realização de obra pública que traga valorização imobiliária ao contribuinte. Por exemplo, abertura de uma linha de metrô ou de uma nova avenida; Contribuição Social: forma o fundo de previdência dos trabalhadores e manutenção dos serviços de assistência social e de saúde; Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE: é devida para favorecer o equilíbrio de determinado setor econômico (por exemplo, a CIDE dos Combustíveis). Contribuição de Categorias Profissionais ou Econômicas: sustenta entidades de registro e fiscalização de profissões regulamentadas. Criação de mercados Consiste na criação de mercados artificiais, onde os agentes podem transacionar produtos, quotas ou licenças que não tinham valor econômico antes da criação deste mercado. A criação de mercados tem se caracterizado por três tipos: Mercado de reciclados : Através de subvenções de preço determinadas pelo governo, uma empresa ou organização não governamental cria um mercado para os dejetos, resíduos e lixos que não tinham valor econômico. No Brasil, pode-se citar a Brahma que num programa piloto, ainda que de pequena escala, criou um mercado para as latas de alumínio. Mercado de seguros :Ao transferir para o poluidor a responsabilidade legal pêlos dano causados ao meio ambiente, pelo custo de limpeza dos detritos, há um incentivo para as empresas tomarem maior precaução em relação ao ecossistema, já que estas terão que arcar com todos os custos de despoluição. Licenças negociáveis de poluição : Criação de um mercado artificial onde os agentes teriam a possibilidade de adquirir direitos de poluição, ou efetivos ou potenciais ou de vendê-los. Neste mercado, o setor público determina a quantidade de poluição, o socialmente desejada e divide ou leiloa cotas de poluição para os agentes poluidores. O mercado de licenças negociáveis de poluição tem por base a teoria do "direito da propriedade" de Coase (1960)7. Se o mercado de licenças é competitivo e as firmas maximizam lucros, as emissões serão minimizadas com a introdução de licenças negociáveis. As licenças negociáveis podem ser de três tipos: Bubbles - quando duas fontes estacionárias de poluição podem se reajustar, compensando o aumento da poluição de uma pela diminuição da poluição da outra. As fontes podem ser de diferentes estabelecimentos na mesma empresa ou de duas empresas distintas. Offset - programas que permitem a entrada ou expansão de uma firma em zonas geográficas com interdição de entrada. A nova firma ou aquela que quer se expandir compra o direito de poluir de uma firma existente. Quotas - programas que estabelecem um nível máximo de poluição ou produção de bens tóxicos e que podem ser comercializados. A implantação do sistema de licenças negociáveis obedece às seguintes etapas : - Estabelecer o objetivo do nível de poluição desejada ou suportada. - Nível da qualidade ambiental deve ser definido em termos do total de emissões permitidas. 7 Coase, R. H. (1960) The Problem of Social Cost,The Journal of Law and Economics. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr. Tema 01 – Noções de planejamento e políticas ambientais 27 D ata ___ / ___ / 06 Anotações No que tange à arrecadação, esta foi de apenas 0,1% do PNB (Produto Nacional Bruto) nos países que utilizam os instrumentos econômicos. Cabe ressaltar, entretanto, que estes tributos têm sido mais utilizados com o objetivo de mudar o comportamento do poluidor, do que para financiar a política ambiental. A Suécia, a Noruega e mais recentemente a Dinamarca inovaram na utilização de instrumentos econômicos. As taxas implementadas pelo governo foram basicamente sobre a energia consumida: as taxas sobre a emissão de CO2, a mais importante, sobre a emissão de SO2 ou NOX. Na Suécia, inclusive, uma reforma fiscal substituindo a tributação indireta pela direta teve um pretexto ambiental, ficando em estudo uma taxa sobre a emissão de veículos. A reforma fiscal na Suécia vai de encontro às reivindicações de alguns economistas do Banco Mundial. Estes sugerem que os impostos econômicos sobre a poluição e os recursos naturais a serem preservados devem substituir os impostos tradicionais que incidem sobre a renda e o emprego. O sistema deve penalizar o "mal", aquilo que ele pretende evitar, e não "bem", o que se pretende estimular. Segundo Reichman (1994)9, uma reforma fiscal de grande amplitude, tributando-se a poluição e o abuso de recursos naturais e eliminando-se na mesma proporção outros impostos, pode fazer com que a tributação verde chegue a atingir 10% do PNB (Produto Nacional Bruto). Autores franceses insistem que a pouca eficiência dos instrumentos de comando e controle está mais diretamente associada aos problemas de legitimidade das políticas da natureza do passado do que à eficácia do instrumental em si. Os instrumentos analisados não podem ser discutidos sem se ter em conta o quadro institucional, uma vez que dependem de certos dispositivos sociais, representação da natureza, conflitos de interesses e concepção de organização e coordenação da sociedade. Abordar o problema de outra forma, a problemática da legitimidade concerne aos processes pelos quais os sujeitos sociais elaboram, reconhecem ou implementam os princípios gerais que constituem uma matriz percebida como legítima (Godard, 1993)10. Um outro aspecto privilegiado na literatura é de que, face à constatação e conscientização dos ambientais globais, urge a busca de instrumentos transnacionais que sejam compatíveis com as soberanias dos estados nacionais. Isto porque as idéias de responsabilidade comuns introduzidas pelo Relatório Brundtland e a recente Guerra contra o Iraque relançaram a discussão sobre o "direito de ingerência", ou seja, o direito de interferir nas decisões de soberania nacional quando interesses internacionais estão o em jogo. Com a inexistência de um organismos transnacional que- possa aprovar uma legislação e zelar por sua aplicação, os acordos entre países e as pressões econômicas e políticas têm sido os únicos recursos do planejamento ambiental internacional utilizados. Finalmente, com a onda neoliberal, questiona-se a própria intervenção do Estado na gestão ambiental das empresas. Esta intervenção interferiria nos direitos da propriedade privada, sendo ainda socialmente onerosa. Os neoliberais argumentam, ainda, que com o crescimento da consciência ecológica e com o movimento ambientalista o mercado tem sinalizado positivamente para soluções ambientais. A crescente responsabilidade das empresas no que tange aos problemas ambientais - as auditorias ambientais voluntárias, os selos verdes que endossam a compatibilidade ecológica dos produtos, a expansão do ecobusiness (indústria de equipamento de depuração, mercados de produtos reciclados, produtos "verdes") - podem induzir por si só a melhora da qualidade ambiental. Neste sentido, a discussão sobre a escolha de instrumentos, além de confrontar a eficiência ambiental, econômica e administrativa de cada opção, tem implícita, e mesmo explícita, a discussão sobre o novo papel do Estado na regulação econômica e o novo papel dos estados nacionais. ○●●●●●○ 9 Reichman J. H. (1994) “Legal Hybrids Between the Patent and the Copyright Paradigms”, in Columbia Law Review, 94, 2432-2558. 10 Godard, R. (1993). Behavioral Ecology and Sociobiology. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 03 – Fundamentos de balanço de massa e unidade funcional28 D ata ___ / ___ / 05 Anotações 2. Tema 02 : Fundamentos de balanço de massa e unidade funcional ○●●●●●○ Objetivo : estabelecer os princípios básicos de balanço de massa, associado a uma unidade funcional, destacando a sua utilidade no contexto de gestão ambiental de sistemas. 2.1. Introdução Qualquer atividade de gestão passa pelo primeiramente pelo conhecimento das variáveis que regem o sistema analisado. No caso do estudo de repercussões ambientais de uma atividade, o conhecimento do fluxo de matéria (ou balanço de massa) envolvido é o procedimento primordial para a tomada de decisões. Tradicionalmente, em se tratando de matéria, nada se cria, nada se elimina. Tudo se transforma11 Lei de conservação de massa A realização de um balanço de massa está condicionada à definição de um sistema12 de controle (um tanque de mistura, um lago, uma termelétrica, a fábrica de um produto, uma bacia hidrográfica, uma cidade...). No estudo de balanço de massa de sistemas, a focalização analítica principal está em verificar as relações entre a entrada e saída. Conforme o grau de detalhamento que se deseje obter, duas maneiras distintas podem ser aplicadas (figura 1) : Caixa preta : o sistema em seu todo é tratado como unidade, sem qualquer consideração a propósito de sua organização e funcionamento interno. A atenção dirige-se somente para o caráter da saída resultante das entradas identificadas; Caixa cinza : há uma tentativa de identificar a analisar as estocagens, fluxos e outros processos, a fim de obter conhecimento detalhado e claro de como funcionam a fim de transformar uma entrada em uma saída. Para maiores detalhes sobre “sistemas ambientais”, consultar a Christofoletti, 200013. E E S S Caixa preta Caixa cinza Figura 1. Modelos de sistemas para balanço de massa. 11 Apesar de que em reações nucleares massa pode ser convertida em energia 12 Parte limitada do espaço (fronteiras) onde são feitas observações específicas. Ou ainda, conjunto de elementos em interação dinâmica, organizada em função de um objetivo (De Rosnay). As fronteiras do sistema devem estabelecer uma distinção entre os elementos que o compõem dos elementos pertencentes ao ambiente. O ambiente representa um sistema de ordem mais elevada no qual o aquele que está sendo examinado é uma parte e, as modificações nos elementos do primeiro podem acarretar mudanças diretas nos valores dos elementos contidos no sistema sob exame. 13 Christofoletti, A. Modelagem de sistemas ambientais. São Paulo : Edgard Blücher Ltda, 2000. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 03 – Fundamentos de balanço de massa e unidade funcional29 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Sendo identificada as fronteiras do sistema, é estabelecido o fluxograma14 das operações e pode-se começar a avaliar o fluxo (e eventual acumulação) de materiais no interior destas (figura 2). Esta avaliação, em função do grau de conhecimento das variáveis envolvidas, poderá seguir um dos dois modelos citados anteriormente. Decaimento ↓ Acumulação ↑ Fronteira Entradas Saídas Figura 2 : representação esquemática de balanço de massa As substâncias que entram no sistema têm três destinos possíveis : sair inalteradas, acumular no sistema ou serem convertidas em outras substâncias. Assim sendo, pode-se representar matematicamente o balanço de massa pela equação (1). (Taxa de entrada) = (Taxa de saída) + (Taxa de decaimento) + (Taxa de acumulação) (1) Nesta equação, a conceito de taxa está associado ao fluxo de matéria em um dado período de tempo. O decaimento apresentado não implica na violação da lei de conservação das massas. Ele indica uma modificação (e não eliminação) da substância original. A equação (1) pode ser considerada para duas condições : sistemas conservativos e sistemas não conservativos. A simplificação mais comum resulta quando o sistema é considerado conservativo e em equilíbrio15. Neste caso nada muda com o tempo. A concentração de poluentes é constante. A taxa de acumulação é considerada nula e não há decaimento (radioativo, decomposição biológica ou reações químicas). Em outras palavras, a quantidade de matéria que entra no sistema é a mesma que sai. No que se refere ao decaimento, pode-se citar como exemplo de substâncias consideradas com taxa de decaimento igual a zero, os sólidos totais dissolvidos ou CO2 no ar (substâncias que se mantêm estáveis ao longo do tempo). Alguns problemas envolvendo sistemas não conservativos podem, portanto ser simplificados quando a taxa de reação é pequena. ○●●●●●○ 2.2. Sistemas conservativos em equilíbrio Taxa de entrada = Taxa de saída (2) Considere a figura 3. Em uma entrada do sistema existe um fluxo de matéria, esgoto doméstico por exemplo, com vazão QS (volume/tempo), e com concentração em poluente de CS (massa/volume). A outra entrada 14 O fluxograma do processo é uma representação gráfica destinada ao registro de diversas etapas que constituem um determinado processo, facilitando sua visualização e análise. 15 O estado de estabilidade ou equilíbrio é atingido quando a importação e a exportação de matéria e energia forem equacionadas por meio do ajustamento das formas do próprio sistema, permanecendo constantes enquanto não se alterarem as condições externas. Assim sendo o estado de estabilidade é independente do tempo e as suas formas e organização não se modificam pelo simples transcorrer da variável temporal. Em uma bacia hidrográfica, por exemplo, as condições climáticas, litológicas, biogeográficas e outras vão condicionar a estruturação de determinada rede de drenagem e de determinadas formas de relevo. Alcançando o estado de estabilidade, a geometria da rede fluvial e a morfologia encontram-se em prefeito estado de equilíbrio e só sofrerão modificações se porventura houver alterações nas variáveis condicionantes. Ambiente UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 03 – Fundamentos de balanço de massa e unidade funcional32 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Lavagem e Descacamento Água lavagem 3517 kg Terra 47 kg Casca 43 kg Água de lavagem 3506 kg Cevador Separação GL+ Peneiras Água cevador 1840 kg Água separação amido 4434 kg Centrífuga Água centrífuga 67 kg Massa fibrosa 1130 kg Decantador (labirinto) Água vegetal 4516 kg Polvilho 420 kg Mandioca suja 1047 kg Resíduo amido 9,0 kg Água vegetal 1234 kg (1000 kg mandioca limpa) Fonte : Lima, J. (2001). Análise ambiental do processo produtivo em indústrias de polvilho no extremo sul de Santa Catarina. Dissertação (Engenharia de Produção), UFSC. Figura 6 : balanço de massa para a produção de polvilho (exemplo 3) UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 03 – Fundamentos de balanço de massa e unidade funcional33 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Exemplo 4 A tabela 1 a seguir apresenta o balanço de massa diário do homem. Os valores dados são as quantidades de substâncias consumidas e excretadas por um homem moderadamente ativo e de tamanho médio. Utilizando os dados da tabela, prepare um balanço de água e calcule a quantidade em quilogramas de água metabólica produzida em 1 dia pelo homem médio. Tabela 1 : balanço de massa diário de um homem. Material Balanço material (kg) Saída Urina (95% H2O) 1,429 Fezes (75,8% H2O) 0,132 H2O de transpiração 0,998 CO2 (1,63 lb de O2) 1,016 Outras perdas 0,064 Total 3,639 Entrada Alimento (peso seco) 0,680 O2 0,832 H2O 2,127 Total 3,639 Solução: Entrada de água: 2,127 kg Saída de água: 1,429 x 0,95 + 0,132 x 0,758 + 0,998 = 2,455 kg Água metabolizada = 2,455 – 2,127 = 0,328 kg Exemplo 5 A tabela 2 apresenta os valores relativos ao balanço de massa da produção de 21,55 tijolos, com 3,3 kg cada (peça queimada). Tabela 2. balanço de massa da produção de tijolos Balanço de massa da produção de 21,55 tijolos Entradas Saídas Argila – 100kg 71,13 kg – tijolos Água – 0,2 kg 0,9 kg – perdas H2O – 6,22 kg 41,18 kg – água C – 8,44 kg 10,71 kg - C Serragem H – 1,1 kg 0,26 kg – cinzas Cinzas – 0,26 kg 0,018 kg – NO2 O – 7,82 kg N – 0,18 kg Total: 124,2 kg Total: 124,2 kg Considerar que o combustível utilizado para a queima das peças é a serragem, cuja composição elementar segue à da madeira de eucalipto: C = 47,5%; O = 44%; H = 6%; N = 1%; cinzas = 1,5% e umidade de 25,9%. Os valores de carbono (C) da saída são a soma das emissões de CO, CO2 e fuligem, regidas pela equação: Madeira + O2 = CO + CO2 +H2O + C (fuligem) + NOx e cinzas As vazões de CO e CO2 medidas por meio de análises específicas permitiram o cálculo da massa de C. Não foram consideradas neste balanço as vazões de entrada e saída de O2, por não implicarem em impactos ambientais. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 03 – Fundamentos de balanço de massa e unidade funcional34 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Componente de amarração Um componente (ou elemento) de amarração é um material que passa de uma corrente para a outra sem sofrer qualquer tipo de alteração ou sem que tenha sido adicionado ou retirado deste componente qualquer material assemelhado. Se existe um componente de amarração num problema, você pode escrever um balanço material que envolva apenas duas correntes. Além disso, o balanço material tem uma forma particularmente simples, como a de uma razão. Freqüentemente vários componentes passam inalterados num processo e, nestes casos, tem-se várias escolhas de elementos de amarração global, que proporcionará, aos cálculos, um menor erro percentual em relação ao caso de um elemento de amarração individual. Pode ocorrer o caso de um constituinte menor passar inalterado, mas se a percentagem de erro para a análise deste componente for alta, deve-se desconsiderá-lo como componente de amarração. Em alguns casos não é possível a determinação do elemento de amarração através de inspeção direta do problema, porém pode-se ainda criar um componente de amarração hipotético, ou um componente de amarração artificial, que será igualmente efetivo como componente de amarração para um determinado material. O componente de amarração é útil mesmo quando não são conhecidos todos os pesos e composições num dado problema, porque o componente de amarração permite que duas correntes sejam colocadas na mesma base. Sendo assim, pode ser adotada uma solução parcial, mesmo se o problema como um todo não for resolvido. Na resolução de problemas que envolvam componentes de amarração nem sempre é vantajoso selecionar-se como base de cálculo “o que se tem”. Freqüentemente, a composição de uma corrente é dada como uma composição percentual, e então é conveniente selecionarmos como base de cálculo 100 kg (ou outra massa) do material, porque quilogramas serão iguais a percentagem e os mesmos números podem ser usados para representar ambos. Após ter efetuado os cálculos na base de 100 kg (ou outra base), a resposta pode ser transformada para a base correspondente à quantidade de material efetivamente dada através do uso do fator de conversão apropriado. Por exemplo, caso tenha-se 32,5 kg de material e se conheça sua composição em termos percentuais, pode-se tomar como base 100 kg de material, e, ao término dos cálculos, converter a resposta à base de 32,5 kg. É claro que os problemas de componentes de amarração podem ser trabalhados algebricamente, mas em problemas de combustão, e em alguns tipos mais complicados de cálculos na indústria química, o número de incógnitas e equações envolvidas é tão grande que o uso de um componente de amarração simplifica enormemente os cálculos. O uso de um componente de amarração também clarifica o entendimento íntimo de um processo. Exemplo 6: Secagem Os produtos da pesca podem ser transformados em farinha de peixe, e esta farinha de peixe pode ser usada como ração para a produção de carne para o homem ou pode ser usada diretamente como alimento. O uso direto da farinha de peixe aumenta significativamente a eficiência da cadeia alimentar. Entretanto, o concentrado de proteínas de peixe, principalmente por motivos estéticos, é usado como fonte suplementar de proteína alimentar. Como tal, ele compete com proteínas da soja e outras oleígenas. No processamento do peixe, após a extração do óleo, a torta de peixe é seca em secadores de tambor rotativo, moída fina e empacotada. O produto resultante contém 65% de proteína. Em certo lote de torta de peixe contendo 80% de água (o restante é torta seca), 100 kg de água são removidos, e constata-se que agora o teor de água na torta é 40%. Calcule o peso de torta de peixe originalmente colocado no secador. Solução: UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 03 – Fundamentos de balanço de massa e unidade funcional37 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Taxa de decaimento = KCV = (0,2/dia x C mg/l x 10,0 x 10 m3 x 103 l/m3) / (24 h/dia x 3600 s/h) = 23,1.103C mg/s 1,0.105 mg/s = 5,5.103C mg/s + 23,1.103C mg/s C = 3,5 mg/l QS = 5,0 m3/s CS = 10,0mg/l QR = 0,5 m3/l QM = ? CR = 100,0 mg/l CM = ? V = 10,0.106 m3 K = 0,2/dia C = ? Efluente industrial Lago afluente efluente Figura 8 : exemplo 4 Observação : a noção de conservação depende da referência utilizada para o balanço de massa. Se esta referência for, por exemplo, uma molécula composta, existe a possibilidade do sistema ser não conservativo devido à decomposição da molécula. Se a referência for os elementos que compõem a molécula anterior, o sistema em geral será conservativo. ○●●●●●○ 2.4. Sistemas com acumulação (não conservativos e sem equilíbrio) Considera-se agora uma situação onde há acumulação de poluentes (o sistema deixa de estar em equilíbrio). Imagine um recipiente com volume V, o qual recebe uma vazão Q. Se o conteúdo da caixa está em constante mistura completa, então a concentração C no interior da caixa é a mesma na saída. A massa total de poluente na caixa é, portanto VC e a taxa de incremento (acumulação) de poluente é V dC/dt. Sendo designado por S a taxa total de poluição que entra na caixa (massa/tempo), a equação do balanço de massa pode ser escrita da seguinte maneira : Taxa de acumulação = (Taxa de entrada) - (Taxa de saída) - (Taxa de decaimento) V dC/dt = S - QC - KCV (9) Onde V = volume do sistema (volume) C = concentração no interior e na saída do sistema (massa/tempo) Q = taxa total (vazão) no interior e na saída do sistema (volume/tempo) K = coeficiente de reação (tempo-1) Esta equação (9) também pode ser escrita da forma a seguir (C e S são colocados em evidência): )( KV Q S C V KV Q dt dC + − + −= (10) Fazendo-se uma troca de variáveis, onde KVQ SCy + −= (11) Derivando esta equação em relação ao tempo, obtém-se : UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 03 – Fundamentos de balanço de massa e unidade funcional38 D ata ___ / ___ / 06 Anotações dt dC dt dy = (12) Pois S, Q, K e V são constantes. Substituindo (12) e (11) em (10), tem-se : y V Q K dt dy ) ( +−= (13) Onde o termo K + Q/V é uma constante, assim : tVQKeyy )/(0 +−= (14) y0 é o valor de y quando t = 0. Se C0 é a concentração no sistema em t = 0, então equação (11) adquire a seguinte forma : KVQ SCy 00 + −= (15) Substituindo os valores de y e y0 (equações 11 e 15) na equação exponencial (14), tem-se tVQKe KVQ SC KVQ SC )/(0 ) ( +− + −= + − KVQ Se KVQ SCtC tVQK ) ( )( )/(0 + + + −= +− (16) No tempo infinito, a taxa de acumulação é igual a zero e C passa a ser constante (estado de equilíbrio) : C(∞) = S/(Q + KV) (17) Nesta situação, a equação principal (16) pode ser escrita conforme a equação (18). )C( )]C( ([ )( )/(0 ∞+∞−= +− tVQKeCtC (18) No tempo t = 0 o termo exponencial é igual a 1 e C = C0. No tempo t = ∞, o termo exponencial é igual a zero e C = C(∞). A figura 9 traduz esta última equação. C(∞) = S/(Q + KV) C(t) = C(∞) + [C0 - C(∞)]e-(K+Q/V)t C(∞) C0 Tempo t ⌫0 C on ce nt ra çã o Figura 9 : sistema com acumulação ○●●●●●○ UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 03 – Fundamentos de balanço de massa e unidade funcional39 D ata ___ / ___ / 06 Anotações 2.5. Balanço de massa em gestão ambiental A partir das definições aqui apresentadas, e considerando os critérios consumo de matéria e produção de resíduos como elementos de avaliação ambiental, o balanço de massa ou inventário, pode ser interpretado como a medida de fluxo e de concentração em um sistema (figura 10), ou seja, toda entrada de matéria (qualitativa e quantitativa) deve encontrar uma saída quantificada como produto e resíduos (gás, líquido, sólido) Em gestão ambiental, o balanço de massa contribui com várias atividades da organização, dentre as quais podemos destacar : Apoio na decisão de investimentos de despoluição ; Estabelecimento de um plano de investimentos em longo prazo ; Análise técnica teórica das soluções de despoluição (reciclagem, reutilização...) ; Respostas a solicitações de ordem regulamentar. O balanço de massa, neste caso, assume uma função semelhante a um “Balanço poluição”, pois está ligado basicamente a medidas de diagnóstico e de redução da poluição. Matéria - prima Fabricação Distribuição Utilização Reciclagem/re... Gestão resíduos Rejeitos ar Rejeitos água Resíduos sólidos Outros rejeitos Produtos Sub-produtos Matérias primas Energia Figura 10: definição de sistemas e sub-sistemas para balanço de massa16 Freqüentemente, em análise ambiental, o balanço de massa é empregado como ferramenta para o estabelecimento de objetivos e metas ambientais e como indicador de desempenho (um sistema em relação a outro ou a evolução de um mesmo sistema). Nestes casos, para que o procedimento seja eficiente é necessário que seja estabelecido uma unidade de referencia para a qual os dados de entrada e saída são relacionados. Pode-se adotar o tempo (por exemplo, toneladas/dia de matéria prima, m3/dia de efluentes), mas esta unidade de referência as vezes não é sensível ao desempenho do sistema. Imagine um sistema que consumindo 10 toneladas de matéria prima produza 10 m3/dia de efluentes ; em um segundo sistema, consume 20 toneladas e emita 10 m3/dia do mesmo efluente. Aparentemente os dois sistemas são equivalentes no que se refere à produção de resíduos, porém o primeiro sistema ao que tudo indica é mais eficiente. Além do mais, outro questionamento deve ser levantado : os dois sistemas desempenham atividades equivalentes ? Por isso, uma das mais importantes considerações ao se definir o objetivo de um balanço de massa é a definição clara das características de desempenho da atividade a ser modelada (função). Um sistema pode ter várias funções possíveis. A quantificação/medição dessa função identificada e realizada é chamada unidade funcional. Esta unidade é a referência a qual são relacionadas às quantidades mencionadas no inventário (balanço de massa). Ela considera simultaneamente uma unidade de produto e uma unidade de função. 16 Nesta figura, “produto” deve ser interpretado no sentido amplo do termo, ou seja, o resultado de uma atividade ou serviço. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr. Tema 03 – Fundamentos de balanço de massa e unidade funcional 42 Destilaçãoestilação Nafta 870 gafta 870 g Craquagemraquage Etileno 470 gtileno 470 g Cloraçãoloração CVM 1000g 1000g PolimerizaçãoPoli erização PVC 1000gP 1000g Cloro 600gloro 600gEletróliseletrólise 21.6 kg subprodtos emissões ar emissões água resíduos sólidos 400 g subprodutos emissões ar emissões água resíduos sólidos : 2g 690 g subprodutos emissões ar emissões água resíduos sólidos : 20 g 50 g subprodutos emissões ar emissões água resíduos sólidos : 5 g Emissões ar emissões água resíduos sólidos : 1 g Petróleo 23.7 kg Sal gema 1020 g + água água água aditivos 1 g água aditivos 10 g Figura 12 : fluxograma de produção de 1 kg de PVC UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Dr. Sebastião Roberto Soares Tema 03 – Fundamentos de balanço de massa e unidade funcional 43 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Tabela 3: Balanço para produção de 1 kg de PE Matérias –primas Petróleo bruto (obter 1900 g de nafta) 50000g Aditivos 10 g Água 1 l Subprodutos Da destilação 45600 g Do craqueamento 860 g Efluentes líquidos Matérias sólidas inorgânicas 25 g Fenol 4 g Efluentes gasosos CO 670 mg HC 11300 mg NOx 1090 mg SO2 990 mg CO2 800 g Resíduos De processo : Massa 4 g Volume 4 cm3 Entradas (exceto água) 50010 g Saídas 48307 g Entradas – saídas/saídas 4 % Energia consumida 580 Wh UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Dr. Sebastião Roberto Soares Tema 03 – Fundamentos de balanço de massa e unidade funcional 44 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Tabela 4 : Balanço para produção de 1 kg de PVC Matérias –primas Petróleo bruto (obter 870 g de nafta) 23700g Rocha salina 1400 g Aditivos 10 g Água 6 litros Subprodutos Da destilação 21600 g Da eletrólise 690 g Do craqueamento 400 g Da cloração 50 g Efluentes líquidos MÊS 62 mg Matérias sólidas inorgânicas 18700 mg HC 524 mg Fenol 5 mg Fluoreto 2 mg Hg 0.02 mg DBO 1.2 mg DQO 3 mg Pb 3.6 mg Efluentes gasosos Poeiras 630 mg CO 1060 mg HC 10520 mg Nox 3440 mg SO2 5960 mg Cl2 0.3 mg Hg 0.3 mg CO2 800 g Resíduos De minas 300 g De processo 28 g Massa 28 cm3 Volume Entradas (exceto água) 25110 g Saídas (DBO e DQO excluídas) 24909 g Entradas – saídas/saídas 1 % Energia consumida 1150 Wh UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Dr. Sebastião Roberto Soares Tema 03 – Análise e avaliação de impactos ambientais 47 D ata ___ / ___ / 06 Anotações 3. Tema 03 : Análise e avaliação17 de impactos ambientais ○●●●●●○ Objetivo : Propor procedimentos para analisar o impacto ambiental relativo de sistemas 3.1. Introdução A realização de um balanço de massa (inventário) resulta em uma lista objetiva de substâncias que entram e que saem do sistema de referência. Entretanto, ele quantifica o fluxo, mas não define os impactos reais sobre o meio ambiente e é pesado a manipular visto o grande número de parâmetros envolvidos. Para auxiliar a associação dos impactos ao fluxo de matéria recorre-se freqüentemente a análise e avaliação de impactos (impact assessment, em inglês) que tem basicamente dois objetivos : Passar dos fatores de impacto aos impactos propriamente ditos ; Simplificar os resultados. É importante ressaltar que existem dois problemas para a análise de impactos ambientais. O primeiro é a falta de dados para avaliação do dano ambiental causado pelo impacto e o segundo, a falta de um procedimento consensual de quantificação do dano, se este poder ser calculado. ○●●●●●○ 3.2. Princípios gerais A avaliação de impactos procura identificar, caracterizar e avaliar, quantitativa e qualitativamente, impactos potenciais das intervenções ambientais identificadas na etapa de análise do inventário. Ressalta-se, portanto, que nesta fase do curso a análise dos impactos estará associada somente ao fluxo de matéria. Em etapas posteriores serão abordados outros elementos de impactos ambientais como a modificação do espaço natural, riscos, emissões não-materiais, etc.. Alguns conceitos e métodos de avaliação de impacto são recentes e até o momento nenhuma metodologia consensual foi estabelecida. Algumas linhas gerais estão sendo preconizadas pela ISO 14040 baseada, sobretudo, nas premissas estabelecidas pelo SETAC18. Estes procedimentos determinam que o processo seja realizado em três etapas : Classificação Caracterização Avaliação Na primeira, deve-se determinar as categorias que permitem de classificar os fatores de impacto. A segunda consiste em quantificar e agregar os fatores de impacto em categorias e, na terceira, são as categorias que podem ser agregadas ou hierarquizadas. ○●●●●●○ 17 Análise : Exame de cada uma parte de um todo, tendo em vista conhecer sua natureza, suas proporções, suas funções, suas relações, etc.. Avaliar : Determinar a valia ou o valor, o preço, o merecimento, etc.; calcular, estimar; reconhecer a grandeza, a intensidade , a força de. Ou ainda, verificação formal e contínua dos resultados atingidos comparados com os padrões de desempenho estabelecidos 18 Society of environmental toxicology and chemistry. A conceptual Framework for Life-Cycle Impact Assessment. 1993 UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Dr. Sebastião Roberto Soares Tema 03 – Análise e avaliação de impactos ambientais 48 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Classificação dos fatores de impacto O que motiva um consumidor a escolher de um produto, entre vários, que cumprem uma mesma função ? As explicações são variadas, porém geralmente a escolha é feita baseada em um conjunto de critérios definidos pelo(s) interessado(s), tais como : preço, durabilidade, desempenho (...), aparência, etc.. Neste sentido, analisar o desempenho ambiental de um produto ou processo passa primeiramente pela definição de um conjunto de critérios que possam descrevê-lo, segundo a justificativa dos implicados no processo, como por exemplo, consumo de matérias-primas, contribuição à produção de chuvas ácidas, etc.. Seguindo os termos anteriormente citados, os fatores de impacto (fluxo de matéria) levantados durante o inventário devem ser classificados ou agrupados em categorias, que são os grandes focos de preocupação ambiental. Esta classificação pode considerar dois enfoques, utilizada independentemente ou de forma complementar: Em função dos meios receptores nos quais os poluentes são rejeitados. Em função dos problemas ambientais : nesta caso cada fator de impacto vai ser analisado com relação às consequências que ele tem sobre o ambiente Meios receptores Neste tipo de abordagem, os fatores de impacto são classificados em função do meio físico no qual eles são rejeitados : os efluentes gasosos poluem o ar (o critério de avaliação é o volume crítico de ar (ver 2.2.1)); os efluentes líquidos poluem a água (o critério de avaliação é o volume crítico de água (ver 2.2.1)); os resíduos ocupam o solo (o critério de avaliação é o volume de resíduos dispostos em aterros sanitários); Problemas ambientais Nesta abordagem, mais recente e mais abrangente, o fator de impacto vai ser analisado com relação aos problemas causados ao meio ambiente, como aqueles citados na tabela 1. Neste caso, contrariamente ao enfoque anterior, um fator de impacto pode participar de mais de um problema ambiental. Por exemplo, os óxidos de nitrogênio (NOx) rejeitados no ar participam simultaneamente do aquecimento global e de chuvas ácidas. ○●●●●●○ Caracterização A caracterização consiste em analisar o efeito dos fatores de impacto com relação às duas abordagens apresentadas na etapa anterior, para as diferentes categorias selecionadas. O objetivo é quantificar os efeitos a fim de agregar, se possível, os fatores de impacto. Em outras palavras, para cada critério selecionado vários fatores de impactos podem contribuir. Por exemplo, uma emissão atmosférica pode conter compostos (fatores de impacto) como NO2, SO2, HCl. Cada um deles é contribuinte para o critério acidificação. A caracterização consiste, portanto, em quantificar tal critério a partir das contribuições de cada um dos fatores de impacto. A caracterização supõe a compreensão de dois tipos de relação : relação entre a emissão de um fator de impacto e a dose recebida pelo receptor sensível (emissão-dose) ; relação entre a dose recebida pelo receptor e o efeito que esta provoca sobre ele (dose-efeito). Por exemplo, os óxidos de nitrogênio provocam uma acidificação da atmosfera, que provoca chuvas ácidas as quais prejudicam a saúde de certos vegetais. Para quantificar o problema com precisão, será necessário modelar os trajetos possíveis entre a fonte de óxidos de nitrogênio e os vegetais sensíveis (emissão-dose) e precisar o efeito de uma quantidade dada de óxido de UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Dr. Sebastião Roberto Soares Tema 03 – Análise e avaliação de impactos ambientais 49 D ata ___ / ___ / 06 Anotações nitrogênio sobre um vegetal (dose-efeito), atendo para as interações entre os óxidos de nitrogênio e outros gases. Tabela 1 : exemplos de problemas ambientais Problemas ambientais Escala geográfica Exemplo Redução de recursos Recursos não renováveis não recicláveis recicláveis Global Índices de esgotamento segundo reservas conhecidas Recursos renováveis Global kg Ocupação de espaço Regional/local km2 Poluições Aquecimento global (efeito estufa) Global Potencial de aquecimento global (em equivalente CO2) Redução da camada de ozônio Global Potencial de redução de ozônio (equivalente CFC-11) Toxicidade (humana e ecotoxicidade) Continental/regional Equitox Acidificação Continental/regional Equivalente H+ Formação de ozônio troposférico Regional Potencial de oxidação (equivalente etano) Eutrofização de lagos e cursos d’água Regional Equivalente nitrogênio Resíduos sólidos (classe I, II, III) Regional/local Volume, espaço ocupado, custo Perturbações Desertificação Regional/local Degradação de paisagens Regional/local Degradação de ecossistemas Regional/local Segurança Local Meios receptores Para caracterizar os impactos ambientais segundo a abordagem dos meios receptores, será apresentada uma proposição que considera as emissões no ar e na água pela utilização de volumes críticos e uma proposição que considera os volumes de diferentes resíduos sólidos produzidos e destinados a aterro sanitário. Volume crítico Este procedimento suíço se apóia sobre os valores regulamentares de concentração de rejeitos no ar e na água: atribui-se a cada fator de impacto regulamentado (poeiras, cloro, chumbo, compostos orgânicos, etc.) a quantidade de água ou de ar que seria necessária para "diluir" e atingir o limite de concentração limite (volume crítico = emissão/valor limite). Por exemplo, se uma regulamentação autoriza um rejeito no ar de 8 mg/m3 de CO ; o ciclo de vida de 1 kg de vidro produz 78 mg de CO. Isto produz um volume crítico de 9,75 m3 de ar (78/8) para o Monóxido de Carbono. O mesmo cálculo é repetido para os demais poluentes. O volume crítico para um determinado sistema é dado pela equação (4) a seguir : Volume crítico = Σ (rejeitado mi/Norma mi) O volume crítico é um artifício matemático que permite simplesmente a comparação entre os impactos dos diferentes materiais na água e no ar, e mesmo assim, o usuário deve considerar os seguintes aspectos : • As normas não são necessariamente científicas ; • As normas são variáveis de uma região a outra ; • Aplicável para rejeitos regulamentados ; • Não considera efeitos de sinergia e antagonismo. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Dr. Sebastião Roberto Soares Tema 03 – Análise e avaliação de impactos ambientais 52 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Estes índices significam que, por exemplo, no caso do aquecimento global deve-se converter a contribuição de todos os gases que causam o aquecimento do planeta tomando-se o CO2 como substância de referência. Em outras palavras, o efeito de aquecimento do metano é expresso em termos da quantidade equivalente de CO2 que causaria o mesmo efeito de aquecimento global. Potencial de eutrofização : Medido em relação a 1 kg de fosfato Observação. Neste enfoque, uma mesma substância pode contribuir em mais de uma classe de impacto, participando da pontuação final (ver exemplo, tabela 7). Os critérios aqui apresentados, como já mencionado, não constituem uma lista exaustiva. Outros podem fazer parte da avaliação como, por exemplo, ruído, odor, toxicologia, ecotoxicologia, etc.. Tabela 7. exemplo de passos de caracterização de um pequeno inventário. Emissão Quantidade (kg) Efeito estufa Redução da camada de ozônio Toxicidade humana Acidificação CO2 1.792 x 1 - - - CO 0.000670 - - x 0.012 - NOx 0.001091 - - x 0.78 x 1.43 SO2 0.000987 - - x 1.2 x 1 Pontuação dos efeitos 1.792 0 0.00204 0.0025 As emissões são multiplicadas pelos fatores correspondestes antes do somatório por classe. No caso de uma avaliação comparativa os resultados da caracterização obtidos podem ser apresentados sob a forma de eco-perfis. A figura 1 apresenta um exemplo hipotético comparando embalagens de papel e polietileno de baixa densidade. Neste exemplo as pontuações foram apresentadas em percentuais, sendo as maiores pontuações (piores desempenhos) referenciadas em 100%. 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Estufa Ozônio Acidif. Eutrof. Metais Carcin. Saco de papel Saco plástico Figura 1: exemplo de classificação. As maiores pontuações foram notadas em 100%. As classes são : efeito estufa, degradação da camada de ozônio, metais pesados, substâncias carcinogênicas, smog de verão, pesticidas, uso de energia e disposição de resíduos sólidos. Fonte : adaptado de http://www.pre.nl/life_cycle_assessment/impact_assessment.htm#characterization Se todas as pontuações para um produto são maiores do que outro, é fácil concluir qual é o mais eco- compatível (mais ambientalmente amigável). Mas se para um critério de avaliação um produto tem uma pontuação maior e em outro critério uma pontuação menor que o seu concorrente a conclusão já se torma mais difícil. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Dr. Sebastião Roberto Soares Tema 03 – Análise e avaliação de impactos ambientais 53 D ata ___ / ___ / 06 Anotações A interpretação depende de dois fatores. A dimensão relativa de um critério com relação a outros. Isto é a normalização, na avaliação. A importância relativa associada aos vários efeitos ambientais. Isto é a ponderação, na avaliação final. ○●●●●●○ Avaliação Os resultados obtidos na caracterização dos impactos ambientais, em geral apresentados sob a forma de eco- perfil, podem ser relacionados a uma referência (figura 2). Esta referência pode ser, por exemplo : Um determinado produto ou substância Uma determinada condição de referência (uma área geográfica ou uma média de indústria) Um determinado valor crítico (determinado valor legal de limite de poluição) Uma expressão econômica da importância do par6ametro (custo de prevenção) Figura 2: pontuação normatizada. O gráfico mostra, para os dois produtos e para cada critério de classificação, se distância da pontuação normatizada (no caso, referência zero) Fonte : http://www.pre.nl/life_cycle_assessment/impact_assessment.htm#normalization No julgamento final19 nem sempre os critérios de caracterização têm igual importância. Assim a pontuação dos efeitos é multiplicada pelo peso que representa a importância relativa do efeito ambiental (figura 3). Por exemplo. Critério Peso (%) PAG 35 PRCO 10 PAE 10 Eutrofização 5 Metais 10 Carcinogênicos 30 19 O julgamento final em geral vai além das etapas até aqui apresentadas, pois envolve processos de análise multicritério mais elaborados que a soma ponderada. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Dr. Sebastião Roberto Soares Tema 03 – Análise e avaliação de impactos ambientais 54 D ata ___ / ___ / 06 Anotações 0 5 10 15 20 25 30 35 Estufa Ozônio Acidif. Eutrof. Metais Carcin. Saco de papel Saco plástico Figura 3. Efeitos relativos das pontuações normatizadas (ponderação) Fonte :adaptado de http://www.pre.nl/life_cycle_assessment/impact_assessment.htm#evaluation 26 6 5 3 8 30 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 35 10 10 5 10 3 0 10 20 30 40 50 60 70 80 Carcinogênicos Metais Eutrofização PAE PRCO PAG Saco de papel Saco de plástico Figura 4. Apresentação da pontuação ponderada Fonte :Adaptado de http://www.pre.nl/life_cycle_assessment/impact_assessment.htm#evaluation A figura 4 (agregação de critérios de avaliação ambiental) é objeto do que é conhecido como análise multicritério, tema da aula 4. ****** Os critérios apresentados não são exaustivos, ou melhor, eles não necessariamente avaliam a totalidade dos impactos ambientais de um sistema. Caberá ao responsável pela análise a definição do conjunto de critérios (e parâmetros) mais pertinentes às suas necessidades. Entenda-se por "necessidade" não o direcionamento dos resultados, mas o alcance de uma precisão suficientemente elevada para justificar uma decisão tomada. ○●●●●●○ UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 04 – Apoio aplicado à decisão aplicada à gestão ambiental 57 D ata ___ / ___ / 06 Anotações com um padrão de referência; ou ainda, verificação formal e contínua dos resultados atingidos comparados com os padrões de desempenho estabelecidos. Critérios Expressão qualitativa ou quantitativa de pontos de vista, objetivos, aptidões ou entraves relativos ao contexto real, permitindo o julgamento das ações potenciais. Em suma, eles representam as consequências sobre diferentes ações que permitirão julgá-las. Em geral, a notação atribuída ao critério é g, e a avaliação de uma ação a será representada por g(a). A cada critério é associada uma escala em valores ordinais ou cardinais. As preferências obedecem a um sentido predefinido de avaliação (decrescente ou crescente), ou seja, para um critério, uma ação qualquer será melhor a medida que g(a) for menor (decrescente) ou maior (crescente). O tomador de decisão pode julgar que os critérios tenham importância relativa diferente. Para poder exprimir sua escolha, ele pode recorrer a dois elementos : coeficiente de ponderação e limites de aceitação (veto). Parâmetros Elementos de avaliação de um critério. Análise multicritério Análise visando explicitar uma família coerente de critérios permitindo interpretar as diferentes consequências de uma ação. Agregação Operação consistindo obter uma informação sintética pela aplicação de um algoritmo às informações contidas em uma tabela de desempenho. Agregação total Agregação de todos os pontos de vista a considerar e atribuir um valor para cada ação. Em outras palavras, as ações são comparadas em conjunto, em uma única operação. Agregação parcial Agregação que permite comparar as ações par a par e estabelecer relações de superação entre as mesmas. Problemática É a maneira na qual o problema de decisão é abordado. As problemáticas de referência são descritas abaixo (Pictet, 1996): Procedimento α de seleção – apoio na escolha da(s) melhor(es) ação(ões) ; Procedimento β de triagem para separar as boas ações das menos boas – apoio na triagem das ações segundo normas pré-estabelecidas ; Procedimento γ de classificação – apoio no ordenamento das ações segundo uma ordem de preferência decrescente. Análise de sensibilidade De um modo geral, a análise de sensibilidade consiste em fazer variar um elemento do sistema (dado, limites, ponderação, etc.) para observar como varia o resultado final. ○●●●●●○ 4.3. Princípios básicos de análise multicritério O apoio à decisão caracteriza-se por ser um processo desenvolvido em etapas. Quando este processo apresenta um grande número de decisores com posições divergentes, este passa a ser uma negociação, exigindo um certo formalismo, a fim de manter a estrutura do processo (Maystre e col., 1994). A figura 2 apresenta as principais etapas do desenvolvimento de um processo de apoio à decisão: UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 04 – Apoio aplicado à decisão aplicada à gestão ambiental 58 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Estudos de base Proposição de ações potenciais FACILITADOR DECISOR(ES) Escolha das ações potenciais Proposição de critérios Escolha dos critérios Avaliação das ações potenciais Validação das avaliações Proposição de um método de agregação Aceitação do método de agregação Fixação dos valores dos parâmetros Proposição de análises de sensibilidade Escolha das análises de sensibilidade Ponderação dos critérios Aplicação do método de agregação Recomendação Decisão Integração das avaliações contestadas Figura 2 – Etapas do processo de apoio multicritério à decisão. Fonte: Lupatini (2002) De um modo geral, os processos de apoio à decisão baseados em análise multicritério passam pelas seguintes etapas : Formulação do problema. De um modo bastante simplista, corresponde a saber sobre o que se quer decidir. Determinação de um conjunto de ações potenciais. O problema estando formulado, os atores envolvidos na tomada de decisão devem constituir um conjunto de ações (alternativas) que atendam ao problema colocado. Estas ações, de acordo com o conceito, são as opções de escolha na tomada de decisão ou ainda, os objetos sobre os quais serão procedidas as avaliações e comparações. Por exemplo, áreas para implantação de um aterro sanitário, materiais para produção de uma embalagem, processos para eliminação de resíduos, etc.. A análise de todas as possibilidades de ação num processo de decisão muitas vezes não é possível tendo em vista o tempo e recursos financeiros envolvidos. Neste sentido o termo ação potencial é utilizado para aquelas ações previamente julgadas como possíveis ou presumidas como tal pelo responsável de estudo tendo em vista apoiar à decisão. Elaboração da uma família coerente de critérios. Definição de um conjunto de critérios que permita avaliar os efeitos causados pela ação ao meio ambiente. Esta etapa passa por um processo de definição do sistema e quantificação dos elementos intervenientes no mesmo, em geral, baseados em uma unidade funcional20. 20 A quantificação/medição desta função identificada e realizada é chamada unidade funcional. Ela é a referência a qual são relacionadas as quantidades mencionadas no inventário (balanço de massa). Ela considera simultaneamente uma unidade de produto e uma unidade de função. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 04 – Apoio aplicado à decisão aplicada à gestão ambiental 59 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Os valores dos critérios podem ser expressos basicamente em escalas ordinais e cardinais. A escala ordinal é caracterizada por permitir apenas a aplicação das relações: maior que (>), menor que (<) ou igual a (=) sobre seus valores. As classificações, escores, rankings, notas escolares, são exemplos de escalas ordinais, mesmo que sejam expressas através de números. A escala cardinal é caracterizada por permitir a aplicação das quatro operações aritméticas básicas (+, - , ×, ÷) sobre seus valores. Os critérios expressos em R$.m-2, R$.km.ano-1, número de habitantes atingidos, são exemplos da utilização de escalas cardinais em critérios. Normalmente para a construção de critérios recorre-se a utilização de elementos estruturais denominados parâmetros e indicadores. Hierarquicamente, os parâmetros, que podem ser considerados como os dados mais diretos e simples (geralmente dados cardinais), estariam na base da estrutura de construção. Em nível intermediário, encontram-se os indicadores representando conjuntos de dados de natureza diferente agregados em uma característica mais sintética (geralmente informações ordinais) seguidos em um nível superior pelos critérios. A experiência tem demonstrado (Maystre e Bollinger, 1999) que a construção de uma família coerente de critérios, caracteriza-se por ser uma tarefa longa com sucessivas aproximações, entre os objetivos desejados e a possibilidade de atendimento com os recursos financeiros, tempo e conhecimentos disponíveis. Neste sentido, a construção de uma família coerente de critérios exige que sejam respeitados três princípios: Exaustividade: todos os pontos de vista devem ser levados em consideração; Não redundância: o mesmo ponto de vista não deve ser considerado duas ou mais vezes; Coerência: entre a preferência local (por apenas um critério) e a preferência global (por todos os critérios). Se a avaliação de uma ação A é igual a avaliação de B sobre todos os critérios com exceção de apenas um critério (cuja a avaliação de A é melhor que B), então pode-se afirmar que a ação A é preferida em relação a ação B. Na seqüência, os critérios devem ser avaliados. Normalmente esta etapa é formalizada através de uma matriz de avaliações ou tabela de performances, na qual as linhas correspondem às ações a avaliar e as colunas representam os respectivos critérios de avaliação previamente estabelecidos. Um aspecto importante a ser considerado nesta etapa da análise multicritério, refere-se ao desempenho de uma determinada ação com relação aos critérios de avaliação. De acordo com Maystre e col. (1994) o desempenho indica o sentido positivo, com o qual uma avaliação se eleva de acordo com o pesquisado. A aceitação social e política de uma ação, os rendimentos de uma atividade ou a produção de energia proveniente de um processo, são exemplos de critérios cuja performance aumenta no mesmo sentido que o valor das ações. Ao contrário os resíduos produzidos por uma instalação ou os custos de investimento e exploração, representam critérios cuja performance diminui conforme aumenta o valor das ações avaliadas. Então, como será explicado mais adiante, é necessário que na matriz de avaliação todos os critérios adotados sejam apresentados em um mesmo sentido de desempenho. Determinação de pesos dos critérios e limites de discriminação. Os pesos exprimem de alguma maneira, através de números, a importância relativa de cada critério. A ponderação de critérios pode ser realizada por meio de diversas técnicas (hierarquização de critérios, notação, distribuição de pesos, taxa de substituição, regressão múltipla, jogos de cartas, etc.). Dentre estes vale a pena destacar dois procedimentos : Jogo de cartas : Um certo número de cartas, representando cada uma um critério, sem numeração são apresentadas em uma ordem qualquer (cartas misturadas afim de minimizar influências externas) aos atores envolvidos com a ponderação. Eles dispõem também de cartas brancas que podem ser intercaladas para expressar uma diferença mais acentuada de importância entre dois critérios sucessivos (o número de cartas brancas a intercalar exprime a importância da diferença). Também é possível de haver empates entre importância de critérios. A transformação da ordenação em pesos pode ser feita da seguinte maneira : defini- se o valor máximo e mínimo a atribuir aos pesos e na seqüência é feita uma interpolação linear entre estes extremos para os demais critérios. Por exemplo, na presença de 8 critérios, após o arranjo de cada um deles obteve-se o resultado apresentado na figura 3 .Os critérios 7 e 3, 1,8 e 5, 2 e 6 empatados respectivamente nas segunda, quarta e sétimas posições. As posições 3, 5 e 6 destacam a importância das diferenças. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 04 – Apoio aplicado à decisão aplicada à gestão ambiental 62 D ata ___ / ___ / 06 Anotações multiplicar as avaliações de um dos critérios por um fator negativo. Assim, para o segundo critério, quanto menor o número (negativo), melhor será a eficiência do processo. O método da soma ponderada busca a sintetização de vários critérios em um critério único (agregação total transitiva) eliminando qualquer tipo de incomparabilidade e garantindo um ordenamento das ações (procedimento γ) Para os problemas de gestão ambiental, a soma ponderada na sua forma mais simples apresenta algumas limitações, dentre as quais pode-se citar a sensibilidade à mudança de escala e a compensação entre critérios. Sensibilidade à mudança de escala Considere um exemplo hipotético de escolha de um equipamento para realizar uma determinada atividade. 3 opções, que realizam a função desejada, são pré-selecionadas (A, B e C). Definiu-se que a escolha do equipamento dar-se-á pela análise de dois critérios ambientais: consumo de energia (kWh/ano) e massa de resíduos produzidos (ton/ano). Para o primeiro critério a comissão julgadora atribuiu uma importância de 80% e para o segundo, 20%. A escolha deverá recair sobre a ação que consumir a menor quantidade de energia e igualmente produzir a menor quantidade de resíduos. Através de soma ponderada a alternativa C é a que melhor sintetiza as condições estabelecidas, de acordo com a tabela 2. Tabela 2 : exemplo 1, dados iniciais Ação Energia (kWh/ano) Resíduos (ton/ano) Soma Ponderada Classificação A 100.000 5.000 81.000 3 B 80.000 10.000 66.000 2 C 40.000 20.000 36.000 1 Peso(%) 80 20 100 Considere agora que a produção de resíduos seja expressa não mais em toneladas, mas em quilogramas. Esta mudança de escala é uma operação simples e totalmente aceitável, por exemplo por conveniências de cálculo. Os novos dados e resultados são apresentados na tabela 3. Tabela 3 : exemplo 1, dados modificados Ação Energia (kWh/ano) Resíduos (kg/ano) Soma Ponderada Classificação A 100.000 5.000.000 1.080.000 1 B 80.000 10.000.000 2.064.000 2 C 40.000 20.000.000 4.032.000 3 Peso 80 20 100 Constata-se que a classificação das ações foi alterada. Portanto, a mudança de escala, influencia os resultados da soma ponderada Num segundo caso considere, por exemplo, a escolha da área mais apta para um aterro sanitário dentre as opções A, B e C. Esta definição será feita baseada nos critérios 1, 2, 3 e 4 (tabela 4). Tabela 4 : exemplo 2, dados iniciais Aptidão da área Aptidão ponderada da área Critério Peso % A B C A B C 1 40 4 3 4 1,60 1,20 1,60 2 25 3 3 2 0,75 0,75 0,50 3 25 2 4 3 0,50 1,00 0,75 4 10 2 3 1 0,20 0,30 0,10 Soma 100 Somatório 3,05 3,25 2,95 Classificação 2 1 3 UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 04 – Apoio aplicado à decisão aplicada à gestão ambiental 63 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Se para um dos critérios (o número 1, por exemplo) as avaliações para todas as áreas são dobradas, tem-se o resultado apresentado na tabela 5. Tabela 5 : exemplo 2, dados modificados Aptidão da área Aptidão ponderada da área Critério Peso % A B C A B C 1 40 8 6 8 3,20 2,40 3,20 2 25 3 3 2 0,75 0,75 0,50 3 25 2 4 3 0,50 1,00 0,75 4 10 2 3 1 0,20 0,30 0,10 Soma 100 Somatório 4,65 4,45 4,55 Classificação 1 3 2 Percebe-se novamente a alteração da classificação final entre as alternativas analisadas em função da sensibilidade à mudança de escala, mesmo que, matematicamente a operação não esteja incorreta. Compensação entre critérios Um segundo inconveniente da soma ponderada refere-se à compensação de critérios : um projeto, sofrendo uma avaliação muito negativa sobre um critério, pode compensá-la por avaliações mais positivas sobre outros critérios. Suponha por exemplo que dois alunos de primeiro grau sejam comparados com relação a quatro disciplinas. As notas variam de 0 a 10 sendo a média de aprovação geral seja igual a 6. Na tabela 6 é constatado que o aluno 1 apresenta globalmente um melhor rendimento que o aluno 2. Ele tem um desempenho ligeiramente superior ao segundo nas três primeiras disciplinas e nitidamente inferior na quarta disciplina (menos importante é verdade). Na tabela 7, a situação é ainda mais problemática. Novamente, o aluno 1 é globalmente preferível ao aluno 2, entretanto o aluno 2 foi aprovado em todas as disciplinas, enquanto que o aluno 1, mesmo com média global superior, foi reprovado em uma disciplina. Para que esta situação ocorra, na maior parte das escolas a média ponderada dos resultados é reforçada por notas mínimas de admissibilidade. Tabela 6 : exemplo 3, primeiro conjunto de dados Alunos Matéria 1 Matéria 2 Matéria 3 Matéria 4 Média Ponderada 1 7,5 7,5 7,5 6 7,4 2 7,0 7,0 7,0 10,0 7,3 Coeficiente 4 3 3 1 Tabela 7 : exemplo 3, segundo conjunto de dados Alunos Matéria 1 Matéria 2 Matéria 3 Matéria 4 Média Ponderada 1 8,0 8,0 7,0 4,0 7,4 2 7,0 7,0 8,0 7,0 7,3 Coeficiente 4 3 3 1 Este fenômeno de compensação é particularmente constrangedor em gestão ambiental. As deficiências da soma ponderada são graves, sobretudo quando os critérios considerados são de caráter geral e buscam representar o universo mental dos atores. Neste caso, a compensação de avaliações conduz a uma traição dos pontos de vista. Por outro lado, a soma ponderada é um instrumento cômodo, quando se trata de critérios diretamente associados a um fenômeno observável, ou mensurável (Maystre e col., 1994). ○●●●●●○ UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 04 – Apoio aplicado à decisão aplicada à gestão ambiental 64 D ata ___ / ___ / 06 Anotações 4.5. Produto ponderado A soma ponderada é uma regra de agregação total frequentemente utilizada. O seu emprego é perfeitamente justificado quando dados de mesma natureza são tratados, sobretudo medidas. Entretanto, ela apresenta algumas deficiências como as apresentadas anteriormente. O problema da sensibilidade à escala pode ser resolvido com a utilização do desvio relativo (ver soma ponderada modificada); a compensação de critérios, por sua vez, pode ser amenizada com recurso ao produto ponderado. A regra de agregação total pelo produto ponderado é dada pela equação 3 : ∑ = =∏ = n i ii ppn i j EP ji 1 1 1 )( (equação 3) Onde, P = Produto ponderado Eij = o valor do critério ou a característica i para a ação (de acordo com a tabela 1) pi = o peso do critério ou da característica i Para os casos onde o somatório dos pesos for igual a 1, a equação anterior é simplificada à equação 4: ∏ = = n i j EP ji pi 1 (equação 4) Por exemplo, para um conjunto de 3 critérios, a soma ponderada de uma ação j seria : Pj = C1p1 . C2p2 . C3p3 Nota-se que a utilização do zero como valor cardinal ou ordinal é feita no caso onde, deliberadamente, deseja-se estabelecer um processo de eliminação de uma ação, pois nesta situação o produto ponderado será igual a zero. A soma ponderada atenua o efeito de valores extremos, sobretudo quando eles são pouco numerosos, enquanto que o produto ponderado reforça a influência dos valores extremos, mesmo quando existe somente um (caso das ações C e D, da tabela 8). Existe, portanto, uma relação entre a hipótese da compensação e a regra de agregação total que pode ser assim enunciada (Maystre e Bollinger, 1999): A vontade de expressar uma não-compensação significativa pode ser manifestada pelo emprego da regra de agregação total por produto ponderado. Quanto mais uma escala de valores adotados se aproxima de zero, mais marcante é o fato que o critério correspondente é não compensatório. Tabela 8: Exemplo de agregação por soma ponderada e por produto ponderado Ação Critério 1 Critério 2 Critério 3 Soma ponderada Produto Ponderado A 0,50 0,50 0,50 0,50 0,50 B 0,05 0,95 0,50 0,50 0,36 C 0,01 0,80 0,80 0,64 0,33 D 1,00 0,00 1,00 0,80 0,00 Pesos 20% 20% 60% Cálculos para a ação B: Soma ponderada : (C1.p1 + C2.p2 + C3.p3)/(p1 + p2 + p3) = (0,05.0,2 + 0,95.0,2 + 0,50.0,6)/1 = 0,50 Produto ponderado : para a ação B : (C1p1 + C2p2 + C3p3) = 0,050,2 . 0,950,2 . 0,500,6 = 0,36 ○●●●●●○ UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 04 – Apoio aplicado à decisão aplicada à gestão ambiental 67 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Etapas 1. Estabelecer a matriz de avaliação A tabela 10 é um exemplo adaptado daquele proposto por Maystre e col. (94), onde se deseja definir um novo local para implantação de um aterro sanitário. A matriz de avaliação foi composta por 7 ações (áreas potenciais) considerando 5 critérios para a tomada de decisão. Os critérios considerados foram : • Preço do terreno : hipoteticamente em R$/m2. Observar que o sentido de preferência adotado para os critérios é o de maximizar (um bom desempenho corresponde a um valor elevado). Neste caso, foi acrescentado o sinal negativo diante os valores de cada área. Assim, a ação a5 apresenta matematicamente o maior valor (menor preço). • Custo do transporte da cidade à área potencial : o custo do transporte varia em função da distância. Como para o critério anterior, utilizou-se o sinal negativo para destacar a situação mais barata mas mantendo-se o sentido de preferência adotado. • Capacidade ambiental : este critério qualitativo representaria, por exemplo a aptidão da área para receber ou suportar uma eventual poluição ambiental. Este critério é composto por outros sub-critérios (permeabilidade do solo, profundidade lençol freático, etc.). A notação varia de 0 a 10, onde 10 seria aquela área ideal. • Residentes atingidos pelos impactos : A exemplo do critério anterior, este é composto por outros sub- critérios (direção dos ventos (poluição do ar e odor), distância e topografia (barulho), ângulo de visão (poluição visual)). A notação é crescente e varia de zero a dez. • Possibilidade de utilização da área para outros fins : este critério representaria a possibilidade de emprego da área pior setores de esporte , turismo, proteção do patrimônio, etc.. Aquela área com grande possibilidade receberia a menor avaliação e aquela com fraco interesse a maior (melhor nota visando a implantação do aterro sanitário) Evidentemente o conjunto de critérios adotados pode suscitar discussões sobre a sua pertinência ou não. Esta possibilidade se enquadra perfeitamente no contexto deste capítulo, visto que uma avaliação depende, entre outros, dos critérios utilizados como referência. Especificamente sobre critérios de avaliação para áreas para aterros sanitários, o trabalho de Lupatini (2002) apresenta um panorama bastante completo sobre o tema. A etapa seguinte do processo de análise multicritério consistiu em ponderar os critérios estabelecidos. Para o exemplo, os valores adotados estão apresentados na tabela 10. Tabela10 : Matriz de avaliação Preço terreno Custo de transporte(x103) Estado ambiental Residentes atingidos Possibilidade de outros usos Critério Ação↓ R$.m-2 R$.km.ano-1 (qualitativo) (qualitativo) (qualitativo) a1 -120 -284 5 3,5 18 a2 -150 -269 2 4,5 24 a3 -100 -413 4 5,5 17 a4 -60 -596 6 8,0 20 a5 -30 -1321 8 7,5 16 a6 -80 -734 5 4,0 21 a7 -45 -982 7 8,5 13 Pesos 25 45 10 12 8 Atenção: os valores adotados são hipotéticos 2. Transformar valores cardinais em ordinais Para evitar a influência da unidade de medida adotada, esta deve ser suprimida, a exemplo do que foi apresentado na soma ponderada e soma ponderada modificada. A escala dos critérios (abscissa da figura.4.) UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 04 – Apoio aplicado à decisão aplicada à gestão ambiental 68 D ata ___ / ___ / 06 Anotações não necessita ser necessariamente a mesma, mas recomenda-se que exista uma relação entre a amplitude22 (ordenada da figura 4) e os pesos atribuídos a cada critério (figura 4). Por exemplo, se para um critério foi atribuído peso 25 e amplitude igual a 40, para outro critério que tenha recebido peso 50 a amplitude seria 80. Do mesmo modo para um peso igual a 12 a amplitude seria de 20 e assim sucessivamente. Como sugestão, para facilidade de cálculo, deve-se evitar estabelecer amplitudes fracionárias. 20 40 60 80 100 120 140 160 -20 -10 0 +10 20 Custo Notas Figura 4 : Exemplo de transformação do critério 1 “custo do terreno” Esta transformação pode ser realizada através de gráficos, como na figura anterior) ou através de interpolação linear. No caso do exemplo, considerando a equação da reta y = Ax + B, considera-se, por exemplo, dois pontos extremos : para x = 30, y = 20 e para x = 150, y = -20. Daí resulta os valores de A = -0,33 e B = 30 e y = -0,33x + 30 3. Estabelecer a matriz de avaliação transformada Tabela 11 : Matriz de avaliações transformadas Critério Ação↓ 1 2 3 4 5 a1 -10 29 0 -15 0 a2 -20 30 -10 -6 5 a3 -4 21 -3 -3 -1 a4 10 11 3 12 1 a5 20 -30 10 5 -2 a6 0 2 0 -9 2 a7 15 -12 6 15 -5 Pesos 25 45 10 12 8 Amplitude 40 60 20 30 10 4. Definir as condições de concordância Antes de estabelecer as condições de concordância, as seguintes definições se fazem necessárias : gi(ai) = avaliação da ação ai com relação ao critério j Pj = peso do critério j J+ (ai, ak) = gj(ai) > gj(ak) : conjunto de critérios para os quais a ação ai é preferida à ação ak J= (ai, ak) = gj(ai) = gj(ak): conjunto de critérios para os quais a ação ai é equivalente à ação ak J- (ai, ak) = gj(ai) < gj(ak): conjunto de critérios para os quais a ação ak é preferida à ação ai P+ (ai, ak) = Σ Pj : soma dos pesos dos critérios pertencentes a conjunto J+ (ai, ak) P= (ai, ak) = Σ Pj : soma dos pesos dos critérios pertencentes a conjunto J= (ai, ak) P- (ai, ak) = Σ Pj : soma dos pesos dos critérios pertencentes a conjunto J- (ai, ak) P = P+ (ai, ak) + P= (ai, ak) + P- (ai, ak) (equação 5) 22 A amplitude é o “comprimento” da escala transformada. Recomenda-se, para efeito de cálculo que o valor médio da amplitude seja zero e os limites inferiores e superiores os extremos negativos e positivos da mesma. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 04 – Apoio aplicado à decisão aplicada à gestão ambiental 69 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Índice de concordância Para cada conjunto de ações (ai, ak), os conjuntos J+(ai, ak) e J= (ai, ak) são procurados assim como os números P+ (ai, ak) e P= (ai, ak) associados. O índice de concordância Cik é calculado da seguinte maneira : Cik = P+(ai, ak) + P=(ai, ak)/P (equação 6) Este índice expressa quanto a hipótese inicial “ai supera ak” concorda com a realidade representada pela avaliação das ações. É evidente que Cik varia entre 0 e 1. Obs. : o conjunto J(ai, ak) dos critérios para os quais a ação ai é ao menos tão boa que a ação ak é chamado de conjunto de concordância ; é a reunião dos conjuntos J+(ai, ak) e J=(ai, ak). Aplicação : Seja o par de ações (a1, a6) da tabela 9. Então, J+ (a1, a6) = (2) P+ (a1, a6) = P2 = 45 J= (a1, a6) = (3) P(a1, a6) = P3 = 10 J- (a1, a6) = (1, 4, 5) P- (a1, a6) = P1 + P4 + P5 = 25 + 12 +8 = 45 Conjunto de concordância : J (a1, a6) = (2) e (3) = (2, 3) Cik = P2 + P3 /P = 55/100 = 0,55 Teste de concordância A partir de qual valor dos índices Cik a concordância com a hipótese de superação parece suficientemente forte para admitir esta hipóteses como verdadeira ? O parâmetro introduzido para responder esta questão é o limite de concordância c. Este limite expressa o mínimo de concordância necessário para que a proposição “ai supera ak” não seja rejeitada. O teste de concordância será satisfeito se Cik ≥ c O valor de c pode ser fixado entre 0 e 1, mas valores inferiores a 0,5 não têm sentido. Aplicação : Se o limite foi fixado em 0,65, os índices de concordância seguintes satisfazem o teste de concordância (tabela 12 e 13) : C21 = 0,65 C45 = 0,65 C26 = 0,65 C46 = 0,92 Isto quer dizer que com exceção das proposições abaixo, todas as hipóteses de superação devem ser rejeitadas. A ação a2 supera a ação a1 A ação a2 supera a ação a6 A ação a4 supera a ação a5 A ação a4 supera a ação a6 Tabela 12 : Matriz dos conjuntos de concordância J(ai, ak) ak = a1 a2 a3 a4 a5 a6 a7 ai = a1 - {1,3} {2,3,5} {2} {2,5} {2,3} {2,5} a2 {2,4,5} - {2,5} {2,5} {2,5} {2,4,5} {2,5} a3 {1,4} {1,3,4} - {2} {2,5} {2,4} {2,5} a4 {1,3,4,5} {1,3,4} {1,3,4,5} - {2,4,5} {1,2,3,4} {2,5} a5 {1,3,4} {1,3,4} {1,3,4} {1,3} - {1,3,4} {1,3,5} a6 {1,3,4,5} {1,3} {1,3,5} {5} {2,5} - {2,5} a7 {1,3,4} {1,3,4} {1,3,4} {1,3,4} {2,4} {1,3,4} - UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 04 – Apoio aplicado à decisão aplicada à gestão ambiental 72 D ata ___ / ___ / 06 Anotações O objetivo do método Electre I é de propor um quadro racional, fundado sobre hipóteses relativamente simples que permitem de evidenciar um conjunto que contém a ação potencial a escolher. O fato de uma ação pertencer ao núcleo não significa necessariamente que ela é uma boa solução ; o núcleo representa simplesmente o conjunto de ações entre as quais se encontra “a melhor” e ele é constituído por ações dificilmente comparáveis. Além do mais, uma “segunda melhor ação” não figurará no núcleo pois ela será superada pela “primeira melhor ação”. Se a melhor ação, por uma razão ou outra, não é mais disponível, então não se deve escolher aquela que pareceria ser a “segunda” no núcleo. É necessário recomeçar todo o procedimento. Tecnicamente é possível afirmar que limites pouco exigentes produzem superações discutíveis. Por outro lado, para limites muito rigorosos, a relação de superação se torna mais consistente, porém o gráfico pode ficar mais limitado. ○●●●●●○ 4.8. Referências bibliográficas Hugrel, C. Contribution à l’élaboratioin d’um outil d’aide à la décision multicritère pour la mise en place de la politique environnementale des collectivitès locales. Tese de doutorado. Institut des Sciences Apppliquées de Lyon (França). 1998. lupatini, g. Desenvolvimento de um sistema de apoio à decisão em escolha de áreas para aterros sanitários. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina – Programa de pós-gradução em engenharia ambiental. 2002. MAYSTRE, L. Y.; BOLLINGER, D. Aide à la négociation multicritère. 1. ed. Lausanne: Presses polytechniques et universitaires romandes, 1999. MAYSTRE, L. Y.; PICTET, J.; SIMOS, J. Méthodes multicritères ELECTRE. 1. ed. Lausanne: Presses polytechniques et universitaires romandes, 1994. Pictet. J. Dépasser l’évaluation environnementale. Procédure d’étude et insertion dnas la décision globale. Presses polytechniques et universitaires romandes, 1996. SIMOS, J. Evaluer l’impact sur l’environnement. 1. ed. Bienne: Presses polytechniques et universitaires romandes, 1990. SOARES, S. R. Comparaison de l’impact sur l’environnement de la production d’embalagens pour des liquides alimentaires : étude du cycle de vie de produits. DEA, Gestion et tratitement dês déchets. INSA de Lyon, França, 1991. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Dr. Sebastião Roberto Soares 73 5. Tema 05 : Análise de riscos ambientais ○●●●●●○ Objetivo : fornecer subsídios básicos para incorporação de riscos ambientais na análise ambiental de sistemas. 5.1. Conceitos Perigo Segundo o dicionário “Aurélio”, perigo é uma circunstância que prenuncia um mal para alguém ou para alguma coisa. O perigo é, portanto uma característica associada a uma substância, instalação, atividade ou procedimento, que representa um potencial de causar danos aos seres vivos ou ao meio. No caso de substâncias, deve-se ressaltar que o perigo não é uma propriedade intrínseca da matéria, pois ele é relativo ao elemento vivo ou ao meio que sofre a ação (as espécies não são igualmente sensíveis aos tóxicos). Como exemplos de perigo, pode-se citar : Produto, manuseio ou uso de substâncias tóxicas patogênicas, inflamáveis, reativas, radioativas, corrosiva, explosivas, muito quentes ou muito frias, a pressões elevada ; Operação de instalações industriais que usem produtos nas características acima, etc. ; Viajar de avião, praticar alpinismo, pára-quedismo,etc. ; Beber em excesso, tomar muito sol sem proteção solar, etc. ; Descer uma escada, atravessar uma rua, etc.. Risco O risco reflete a incerteza associada a um perigo, com um evento imaginário ou com possibilidade de acontecer no futuro, que cause uma redução de segurança. É a probabilidade de perda ou danos em pessoas, sistemas e equipamentos ou ao meio ambiente, em um determinado período de tempo, como resultado de uma situação de perigo. O risco é função da probabilidade ou da frequência de ocorrência de uma anormalidade e de um dado tipo de dano resultante desta anormalidade, ou seja, a magnitude das consequências. Observa-se que no tratamento da questão, as pessoas tendem a associar o risco mais com a “probabilidade de ocorrência” do evento e não tanto com as “conseqüências”, embora o correto seja associar as duas coisas. A noção de risco considera, portanto, a existência de uma possível exposição às situações de perigo : os riscos podem ser maiores com um elemento pouco perigoso, disposto inadequadamente durante longo tempo, do que um produto muito perigoso, produzido em pequenas quantidades, estocado em boas condições e reservado a usos limitados. Do mesmo modo, o risco de morte de uma pessoa na eventualidade de uma explosão acidental em uma indústria química depende da magnitude da explosão, combustível ou produto envolvido, probabilidade de ocorrência e as consequências para o organismo humano (fatores avaliados segundo os denominados “modelos de vulnerabilidade”, que refletem a resposta média do comportamento orgânico das agressões químicas, físicas e biológicas). Risco Social Risco Social é o risco à população da na zona de influência de um acidente. Sua avaliação é importante no tocante à eventualidade de acidentes com consequências ambientais. O risco é, em geral, assumido pelas pessoas em troca de uma necessidade de realizar a ação perigosa, um benefício ou prazer resultante. Avalia-se que o risco assumido voluntariamente situa-se entre 10 a 100 vezes maior do que aqueles que a pessoa não assume voluntariamente. Análise de riscos UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr. Tema 05 – Análise de riscos ambientais 74 D ata ___ / ___ / 06 Anotações A análise de riscos é uma operação sistemática para descrever e quantificar os riscos associados a uma substância, instalação, atividade ou procedimento. A realização da análise de riscos e de estudos de confiabilidade das instalações industriais tem se revelado como uma ferramenta interessante no auxílio à determinação de impactos ambientais em potencial. A1ém disso, é um método organizado para identificar ações preventivas e resposta às emergências. Os próprios órgãos ambientais têm estimulado a sua realização, sobretudo as análises quantitativas, que mostram em termos numéricos (probabilísticos) os riscos de acidentes ambientais, retirando um pouco o caráter subjetivo que existe na análise qualitativa. No tocante aos riscos oferecidos por poluentes, os conceitos de análise de riscos e ecotoxicologia são complementares : a ecotoxicologia fornece as bases científicas e os dados que permitirão a avaliação de risco, e inversamente, são as necessidades da avaliação de risco que criam e geram os estudos toxicológicos. ○●●●●●○ 5.2. Análise de riscos ambientais A produção de elementos poluentes, causadores de impactos ambientais, em muitos casos é resultado de falhas no processo, sobretudo se os valores estiverem em níveis excessivos, ou fora dos limites previstos nas leis regulamentadoras ou normas (externas ou internas à empresa). Esta situação configura-se, assim como uma conseqüência anormal ou problema, cujas causas precisam ser bem identificadas para que se possa tomar medidas corretivas. A análise de riscos ambientais é uma atividade que envolve ferramentas de apoio à decisão destinada a considerar um certo número de problemas ambientais e que está intimamente ligada ao estudo de impacto ambiental23. A análise de risco ambiental pode ser considerada com o estudo da POSSIBILIDADE de determinada ação causar impactos ambientais. Exemplos Os dois exemplos a seguir são representativos de situações práticas que o avaliador de riscos enfrenta. O primeiro se refere a um risco sanitário, e o segundo a um risco ecológico. Eles destacam os pontos comuns às duas situações. Exemplo 1 A água de consumo de uma cidade é contaminada por um poluente X, por exemplo, o chumbo. Qual o risco sanitário para os habitantes da cidade ? A avaliação do risco vai se desenvolver em várias etapas : Medida da exposição humana (grau de contaminação da população) : qual é a concentração do produto na água ? Qual a quantidade de água será consumida ? Por qual categoria da população (homem, mulher, criança) ? Durante quanto tempo ? Estimação do perigo potencial : os dados da literatura fornecem as doses de referência, ou seja, as quantidades que podem ser absorvidas durante uma vida inteira sem riscos para a saúde. Estas doses são calculadas a partir de relações dose-toxicidade estabelecidas por experimentações sobre animal, geralmente após divisão por um fator de segurança, destinado a considerar as diferenças entre a situação real e os dados existentes. Quanto mais estes dados são distantes da situação real, mais os fatores de segurança são grandes : o fator de segurança será elevado se o único dado disponível for a DL5024 sobre o rato, por exemplo ; inversamente se estudos de longo prazo são disponíveis sobre os efeitos sub-letais do produto, ou ainda epidemiológicos analisando episódios de exposição de grupos humanos em condições vizinhas daquelas do caso estudado, o fator de segurança será de várias ordens de grandeza inferior. 23 Operação destinada a identificar e a avaliar as conseqüências de atividades humanas sobre o meio ambiente e se necessário, remedia- lo. Ou seja, as conseqüências de uma atividade sobre o meio ambiente não são avaliadas como possibilidade, mas como certeza. 24 DL50 : dose letal 50, dose provocando 50% de mortalidade em uma amostra de uma população. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Dr. Sebastião Roberto Soares Tema 05 – Análise de riscos ambientais 77 Umidade alta Excesso de minerais Falha na coleta seletiva Excesso de plásticos O2 insuficiente Falta de combustível Falta de treinamento na operação Falha na atuação em emergências Dificuldade de obtenção de mão de obra Queda na temperatura na câmara Taxa de ar baixa no forno Temperatura baixa no forno Falha na bomba combustível Falta de sol para secagem Chuva excessiva Falha no soprador Inexistência de rotinas de manutenção Queda de energia elétrica Falta de rotinas de calibração Falta de veículos de coleta Falta de containers de coleta seletiva Medidores defeituosos Ausência de registros Falta de procedimentos de testes Falta de rotina de aferição do sensor de CO2 Falta de ajuste do sistema de controle de combustão Falta de procedimentos de partidas e paradas Falha na definição de responsabilidades Falta de procedimentos de garantia de qualidade Falta de procedimentos de medidas Sensor de temperatura não aferido Matérias primas Máquinas Método Mão de obra Meio ambiente Medidas Emissões de Particulados e CO Figura 1 : exemplo de diagrama causa-efeito para incinerador de resíduos, quanto à emissão de particulados e CO. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Dr. Sebastião Roberto Soares Tema 05 – Análise de riscos ambientais 78 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Classificação e priorização dos impactos ambientais A identificação e classificação dos efeitos e impactos ambientais poderão prosseguir criando-se três listas para registro: Lista para as condições normais de operação (funcionamento contínuo dos equipamentos da planta) ; Lista para as condições anormais de operação (condições de partida, de parada, variações de regime, pequenas avarias previsíveis, etc.) ; Lista para as condições de riscos ambientais (emergências, incidentes, acidentes, etc., ou seja, condições imaginadas e modeladas, com alguma probabilidade de ocorrência). O fluxograma da figura 1 mostra um exemplo das possíveis etapas a serem observadas para a identificação dos impactos ambientais e seu registro. Além destas listas, poderá ser interessante classificar a caracterização do impacto, ou seja, sua incidência (se o impacto é direto ou indireto) e consequências (se o impacto é adverso ou benéfico). Para as duas primeiras listas (condições normais e anormais), será necessário fazer a qualificação de cada efeito ambiental identificado, quanto à severidade do efeito versus a frequência de ocorrência. As classificações apresentadas a seguir são inspiradas na norma MIL-STD-882C, Military Stondord, System Safety Program Requirements, que é uma norma militar americana sobre segurança de sistemas, bastante utilizada também em aplicações civis. As categorias de gravidade (severidade) são definidas para indicar uma medida qualitativa do pior evento que esteja ocorrendo ou com risco de ocorrer, resultantes de erros do operador, condições ambientais, projeto inadequado, procedimentos inadequados ou falhas e mau funcionamento de sistemas, subsistemas ou componentes (tabela 1): Tabela 1: Categorias de gravidade Definição Categoria Descrição Catastrófica I Morte, perda do sistema ou danos ambientais severos. Crítica II Ferimentos graves, doença ocupacional grave, danos grandes no sistema ou no meio ambiente - Consumo significativo de recursos naturais; geração elevada de poluição. Marginal III Ferimentos leves, doenças do trabalho não importantes, danos pequenos nos sistemas ou ao meio ambiente - Consumo moderado de recursos naturais; geração moderada de poluição e rejeitos Desprezível IV Menos do que a categoria de pequenos ferimentos, doenças do trabalho não importantes ou não causa danos em sistemas ou ao meio ambiente - Consumo desprezível de recursos naturais; não causa poluição significativa. A freqüência de ocorrência de impactos ambientais (tabela 2), caso das 2 primeiras listas para condições normais e anormais de operação, ou probabilidade de ocorrência no caso em que a análise esteja sendo feita para identificar riscos (3a lista) é determinada por pesquisa, análise e avaliação do desempenho histórico do UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Dr. Sebastião Roberto Soares Tema 05 – Análise de riscos ambientais 79 D ata ___ / ___ / 06 Anotações sistema (ou de sistemas semelhantes), podendo ser descrita em ocorrências reais ou potenciais por unidade de tempo, eventos, população, itens ou atividades. A classificação pode ser feita nas seguintes categorias : Tabela 2: Níveis de frequência ou probabilidade de ocorrência Definição Nível Descrição Frequente A Ocorre frequentemente (ou alta probabilidade), ou ocorre permanentemente quando iniciada a atividade. Provável B Irá ocorrer várias vezes na vida do sistema ou do item Ocasional C Irá ocorrer algumas vezes ao longo da vida do sistema ou do item. Remota D Não se espera que ocorra (embora haja alguma expectativa) ao longo da vida do item ou sistema. Improvável E Pode-se assumir que não irá ocorrer, ao longo da vida do sistema ou do item. A combinação dos dados de frequência ou probabilidade com os de gravidade dos riscos pode ser feita através da denominada “Matriz de Risco”, conforme apresentado a seguir : Freqüência ou probabilidade A 5 5 10 15 20 B 4 4 8 12 16 C 3 3 6 9 12 D 2 2 4 6 8 E 1 1 2 3 4 x 1 2 3 4 IV III II I Gravidade Sugestões para enquadramento : Efeito é crítico : igual ou superior a 9 pontos Efeito é significativo : inferior a 9 pontos e igual ou superior a 6 pontos Efeito é reduzido : inferior a 6 pontos e igual ou superior 4 pontos Efeito é marginal : inferior a 4 pontos Na matriz de risco são identificadas regiões onde ocorre uma associação de alta gravidade com probabilidade de ocorrência acima da ocasional (condições inaceitáveis quando cuidados mais expressivos devendo ser tomados, com ações para gerenciar os riscos e modificar os sistemas), regiões onde é prudente realizar ações de gerenciamento de riscos, e regiões onde as condições são aceitáveis. Freqüência ou probabilidade A 5 5 10 15 20 B 4 4 8 12 16 C 3 3 6 9 12 D 2 2 4 6 8 E 1 1 2 3 4 x 1 2 3 4 UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Dr. Sebastião Roberto Soares Tema 05 – Análise de riscos ambientais 82 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Campo “Significância” – é composto pelos parâmetros abaixo: Resultado (Re) – é determinado pela multiplicação dos fatores (Probabilidade X Severidade X Escala X Detecção) Legislação – indicar se o impacto analisado está diretamente referenciado em uma legislação, norma técnica ou outro requisito de parte interessada. É classificada da seguinte forma: - Sim – se o impacto ambiental está diretamente referenciado na Legislação Federal, Estadual ou Municipal, Norma Técnica ou outro requisito voluntário que se subscreva. Todo impacto assinalado desta forma a ser considerado como significativo e está atendendo a legislação ou requisitos. - Sim / - - se o impacto ambiental está diretamente referenciado na Legislação Federal, Estadual ou Municipal, Norma Técnica ou outro requisito voluntário que se subscreva. Todo impacto preenchido com “Sim / - “, passa a ser significativo e não está atendendo à legislação ou requisitos. Significância – este item é classificado conforme a tabela 3 a seguir: UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Dr. Sebastião Roberto Soares Tema 05 – Análise de riscos ambientais 83 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Tabela 3. Significância final dos impactos ambientais e ações a serem tomadas Atendimento Legislação, Partes interessadas e Preocupação Global Pontuação Obtida Significân cia Ação a ser tomada De 01 a 06 pontos Desprezív el “Manter rotina” (se o respectivo aspecto ambiental for real) ou “Plano de emergência” (se o respectivo aspecto ambiental for potencial) De 08 a 16 pontos Significan te “Controle operacional” (se o respectivo aspecto ambiental for real) ou “Plano de emergência” (se o respectivo aspecto ambiental for potencial). - Caso exista legislação aplicável ou demanda de partes interessadas, deve-se tomar a significância como sendo, no mínimo, “substancial”. - Caso exista legislação aplicável e não está sendo atendida, deve- se tomar a significância como sendo “importante”. - Caso não ocorra nenhuma das situações acima, considerar para definição da significância a pontuação obtida. Igual ou acima de 18 pontos Important e “Controle operacional e Plano de Ação” (se o respectivo aspecto ambiental for real) “Plano de emergência” (se o respectivo aspecto ambiental for potencial)> UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 06 – Sistemas de gestão ambiental 84 D ata ___ / ___ / 06 Anotações Tabela 4. Exemplo hipotético de uma matriz de avaliação de significância (classificação ou hierarquização) de impactos Avaliação Significância Aspecto ambiental Impacto ambiental I A Pr Sr Es De Re Legislação Significância Geração de resíduos sólidos e líquidos percolados como borras, sucatas, etc. Alteração das características físico-químicas da água e do solo D R 3 3 3 1 27 SIM/- Importante Emissão de vapores, névoas, particulados dispersos no ar Alteração da qualidade do ar I G 2 2 2 3 24 SIM/- Importante Ruído, vibração Risco de lesões auditivas D L 2 2 2 1 8 SIM Significante Consumo de água Esgotamento de recursos naturais não renováveis, etc. D R 2 3 3 1 18 NÃO Significante Consumo de energia elétrica Esgotamento de recursos naturais não renováveis, etc. D R 3 3 3 1 27 NÃO Significante I = Incidência : Direta (D), Indireta (I) A = Abrangência : Local (L). Regional (R), Global (G) Pr = Probabilidade : Alta (3 pontos), Média (2 pontos), Baixa (1 ponto) Sr = Severidade : Severo (3 pontos), Leve (2 pontos) , Sem dano (1 ponto) Es = Escala : ampla (3 pontos), Limitada (2 pontos), Isolada (1 ponto) De = Detecção : Difícil (3pontos), Moderada (2 pontos), Fácil (1 ponto) Re = Resultado = Pr.Sr.Es.De ○●●●●●○ UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 06 – Sistemas de gestão ambiental 87 D ata ___ / ___ / 06 Anotações a) medidas de caráter administrativo ou de organização do trabalho; b) utilização de Equipamento de Proteção Individual - EPI. 9.3.5.5. A utilização de EPI no âmbito do programa deverá considerar as Normas Legais e Administrativas em vigor e envolver no mínimo: a) seleção do EPI adequado tecnicamente ao risco a que o trabalhador está exposto e à atividade exercida, considerando-se a eficiência necessária para o controle da exposição ao risco e o conforto oferecido segundo avaliação do trabalhador usuário; b) programa de treinamento dos trabalhadores quanto à sua correta utilização e orientação sobre as limitações de proteção que o EPI oferece; c) estabelecimento de normas ou procedimentos para promover o fornecimento, o uso, a guarda, a higienização, a conservação, a manutenção e a reposição do EPI, visando a garantir as condições de proteção originalmente estabelecidas; d) caracterização das funções ou atividades dos trabalhadores, com a respectiva identificação do EPI utilizado para os riscos ambientais. 9.3.5.6. O PPRA deve estabelecer critérios e mecanismos de avaliação da eficácia das medidas de proteção implantadas considerando os dados obtidos nas avaliações realizadas e no controle médico da saúde previsto na NR 7. 9.3.6. Do nível de ação. 9.3.6.1. Para os fins desta NR, considera-se nível de ação o valor acima do qual devem ser iniciadas ações preventivas de forma a minimizar a probabilidade de que as exposições a agentes ambientais ultrapassem os limites de exposição. As ações devem incluir o monitoramento periódico da exposição, a informação aos trabalhadores e o controle médico. 9.3.6.2. Deverão ser objeto de controle sistemático as situações que apresentem exposição ocupacional acima dos níveis de ação, conforme indicado nas alíneas que seguem: a) para agentes químicos, a metade dos limites de exposição ocupacional considerados de acordo com a alínea "c" do subitem 9.3.5.1; (109.033-0 / I2) b) para o ruído, a dose de 0,5 (dose superior a 50%), conforme critério estabelecido na NR 15, Anexo I, item 6. (109.034-8 / I2) 9.3.7. Do monitoramento. 9.3.7.1. Para o monitoramento da exposição dos trabalhadores e das medidas de controle deve ser realizada uma avaliação sistemática e repetitiva da exposição a um dado risco, visando à introdução ou modificação das medidas de controle, sempre que necessário. 9.3.8. Do registro de dados. 9.3.8.1. Deverá ser mantido pelo empregador ou instituição um registro de dados, estruturado de forma a constituir um histórico técnico e administrativo do desenvolvimento do PPRA. (109.035-6 / I1) 9.3.8.2. Os dados deverão ser mantidos por um período mínimo de 20 (vinte) anos. (109.036-4 / I1) 9.3.8.3. O registro de dados deverá estar sempre disponível aos trabalhadores interessados ou seus representantes e para as autoridades competentes. (109.037-2 / I1) 9.4. Das responsabilidades. 9.4.1. Do empregador: I - estabelecer, implementar e assegurar o cumprimento do PPRA como atividade permanente da empresa ou instituição. 9.4.2. Dos trabalhadores: I - colaborar e participar na implantação e execução do PPRA; II - seguir as orientações recebidas nos treinamentos oferecidos dentro do PPRA; III- informar ao seu superior hierárquico direto ocorrências que, a seu julgamento, possam implicar risco à saúde dos trabalhadores. 9.5. Da informação. 9.5.1. Os trabalhadores interessados terão o direito de apresentar propostas e receber informações e orientações a fim de assegurar a proteção aos riscos ambientais identificados na execução do PPRA. (109.038-0 / I2) UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 06 – Sistemas de gestão ambiental 88 D ata ___ / ___ / 06 Anotações 9.5.2. Os empregadores deverão informar os trabalhadores de maneira apropriada e suficiente sobre os riscos ambientais que possam originar-se nos locais de trabalho e sobre os meios disponíveis para prevenir ou limitar tais riscos e para proteger-se dos mesmos. 9.6. Das disposições finais. 9.6.1. Sempre que vários empregadores realizem, simultaneamente, atividade no mesmo local de trabalho terão o dever de executar ações integradas para aplicar as medidas previstas no PPRA visando à proteção de todos os trabalhadores expostos aos riscos ambientais gerados. (109.039-9 / I2) 9.6.2. O conhecimento e a percepção que os trabalhadores têm do processo de trabalho e dos riscos ambientais presentes, incluindo os dados consignados no Mapa de Riscos, previsto na NR 5, deverão ser considerados para fins de planejamento e execução do PPRA em todas as suas fases. (109.040-2 / I2) 9.6.3. O empregador deverá garantir que, na ocorrência de riscos ambientais nos locais de trabalho que coloquem em situação de grave e iminente risco um ou mais trabalhadores, os mesmos possam interromper de imediato as suas atividades, comunicando o fato ao superior hierárquico direto para as devidas providências. (109.041-0 / I2) 5.3. Bibliografia Abdalla de Moura, L. A. Qualidade e gestão ambiental : sugestões para implantação das normas ISO 14000 nas empresas. São Paulo : Editora Oliveira Mendes, 1998 ; Rivière, .J-L. Evaluation du risque écologique des sols pollués. Paris : Lavoisier, 1998. Brilhante, O. M. e Caldas, L. Q. Gestão e avaliação de risco em saúde ambiental. Ministério do trabalho. Portaria 25 de 29/12/94. NR 9 – programa de prevenção de riscos ambientais. ○●●●●●○ Comentários : UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 06 – Sistemas de gestão ambiental 89 6. Tema 06. Sistema de gestão ambiental Objetivo : Estabelecer os princípios básicos para a elaboração, implantação e avaliação de um sistema de gestão ambiental (SGA) em organizações baseados nos preceitos da ISO 14001. 6.1. Introdução As organizações, para manter e melhorar a qualidade de seus serviços e produtos, necessitam reavaliar continuamente os seus procedimentos e comportamentos. Isto se aplica a todas as suas variáveis, incluindo a ambiental. Entretanto, a maior parte das organizações ainda se concentra na busca somente da redução de impactos ambientais (procedimento reativo). Neste caso, o gerenciamento ambiental é baseado na adequação à legislação, à redução de custos e à melhoria da imagem. A adequação à legislação é uma busca para reduzir multas e penalidades. A redução de custos está associada à racionalização do uso de energia, uso de água e reciclagem de produtos. E a melhoria de imagem da imagem é o apoio a programas institucionais na tentativa de vincular a empresa a uma imagem “ecologicamente correta”. O pensamento reativo não se perocupa a oportunidade de vanguarda, da busca do novo, da conseqüência lógica obtida em sensibilizar e formar colabores em todos os níveis para enfrentar suas responsabilidades individuais e coletivas em relação ao meio ambiente. Por outro lado, para organizações mais modernas com comportamento pró-ativo, o meio ambiente é uma estratégia de negócio e fator de sucesso, assim como programas de qualidade, de segurança e de custos. A cultura da organização é voltada para o desenvolvimento sustentável. Em vez de programas institucionais visando externalidades, os recursos são direcionados à prevenção e à minimização de impactos. O meio ambiente passa a ser visto também como uma oportunidade. A passagem do primeiro procedimento comportamental para o segundo requer evidentemente uma mudança cultural de todos os colaboradores da organização. E a consolidação de uma empresa pró-ativa passa, entre outros, pelo planejamento e implantação de um Sistema de Gestão Ambiental (SGA) apropriado às suas características. Estas 2 aulas serão dedicadas à discutir elementos para a elaboração de um SGA baseados nos preceitos estabelecidos pelas normas ISO 14001. Para tanto é imprescindível a leitura da referida norma. Conceitos Aspecto ambiental : elemento das atividades, produtos ou serviços de uma organização que pode interagir com o meio ambiente. Nota – Um aspecto ambiental significativo é aquele que tem ou pode ter um impacto ambiental significativo. Auditoria do sistema de gestão ambiental : processo sistemático e documentado de verificação, executado para obter e avaliar, de forma objetiva, evidencias que determinem se o sistema de gestão ambiental de uma organização esta em conformidade com os critérios de auditoria do sistema de gestão ambiental estabelecido pela organização, e para comunicar os resultados deste processo à administração. Conformidade : Desempenho ambiental : resultados mensuráveis do sistema de gestão ambiental, relativos ao controle de uma organização sobre seus aspectos ambientais, com base na sua política, seus objetivos e metas ambientais. Efeito ambiental : Qualquer intervenção direta ou indireta das atividades, produtos e serviços de uma organização sobre o meio ambiente, quer seja adversa ou benéfica (BS 7750). Externalidade : ação que um determinado sistema de produção causa em outros sistemas externos. Ou em outras palavras, são custos associados ao consumo ou produção de um bem que não são considerados pelos agentes e que trazem custos para a sociedade, como por exemplo a poluição causada por uma indústria. A externalidade pode ser tanto positiva quanto negativa. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 06 – Sistemas de gestão ambiental 92 A finalidade de ambas é assegurar e demonstrar, através de um sistema de gestão ambiental, a otimização do desempenho e dos resultados das organizações, avaliados através do prisma da conservação e da melhoria da qualidade ambiental. Com isso, passa a permitir, e até mesmo a exigir funcionalmente, a criação e o desenvolvimento de normas, procedimentos e padrões de desempenho ambiental da organização, assim como recursos humanos capacitados para gerenciar este aparato. Nesta medida, está- se falando de uma nova função de assessoramento, que provém de demandas explicitadas através do comportamento humano, dentro e fora da organização (visão behaviorista), e que tem a peculiaridade de instrumentalizar as organizações de forma que sejam capazes de perceber as respostas do ambiente externo, perante seus atos e decisões, conformando o sistema integrado organização/ambiente (visão sistêmica). Algumas premissas devem nortear a Gestão Ambiental de uma organização, dentre as quais pode-se citar: • o desempenho e resultados operacionais de uma organização são aferíveis através dos benefícios e adversidades ambientais que ela acarreta na região em que se insere e influencia, tanto em sua implantação, quanto em sua operação. Esses eventos são denominados impactos ambientais. • os impactos ambientais são decorrentes das relações de ordem física, biológica, política, social, comercial, econômica, tecnológica e cultural mantidas entre a organização e o ambiente que a circunscreve. • A visão acanhada de que Ambiente se resume na flora e na fauna não é abraçada pelos gestão ambiental. • a qualidade ambiental primitiva de uma região onde se implanta uma organização produtiva será obrigatoriamente alterada. Contudo, isto não significa que o novo quadro da qualidade não seja estável e compatível com a vida. • a estabilidade ambiental da região influenciada por uma organização é fator fundamental para a sobrevivência e desenvolvimento desta mesma organização. Somente será alcançada e mantida através da implementação de medidas que realizem, garantam e mantenham o novo quadro da qualidade regional. • os empreendedores e dirigentes responsáveis pela organização produtiva devem ter total consciência das premissas anteriores. 6.2. Principais ferramentas de ANÁLISE ambiental Como será descrito mais adiante, a elaboração de um SGA passa pelo diagnóstico e análise ambiental da organização. Para tal finalidade, as técnicas mais utilizadas são a Auditoria Ambiental, a Análise de Risco (AR), Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e a Avaliação de Ciclo de Vida (ACV), as quais desempenham papéis complementares, com objetivos e âmbitos diferenciados, tanto em abrangência geográfica como temporal. Deve-se, no entanto, salientar o aspecto dinâmico dos conceitos associados a estas técnicas, as quais, embora apresentem uma estrutura definida, têm evoluído de acordo com as crescentes solicitações e novas preocupações ambientais a nível global. Por outro lado, é frequente a utilização conjugada de diferentes técnicas de análise, em função dos objetivos pretendidos. Este escalonamento é ilustrado na tabela 3, para problemas de análise de transferência de propriedade. A técnica de Análise de Transferência de Propriedade consiste num conjunto de verificações que devem ser efetuadas, para que não ocorram, por exemplo, situações de aquisição de terrenos ou instalações contaminadas ou com resíduos tóxicos, produzidos pelo proprietário anterior, os quais poderiam representar custos significativos para o comprador potencial. UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 06 – Sistemas de gestão ambiental 93 Tabela 3 : Adequação das técnicas de análise ambiental à transferência de propriedade. Circunstância Nome da técnica Em caso de detecção de problema Antes da aquisição Análise de transferência de Propriedade Análise detalhada de transferência de propriedade Antes da construção Estudo de impacto ambiental Reformulação de sistemas operacionais Após a entrada em funcionamento Auditoria ambiental Análise de Risco Antes da venda Análise de transferência de propriedade Análise detalhada de transferência de propriedade A tabela não inclui a técnica de Avaliação de Ciclo de Vida, porque esta ultrapassa o âmbito da instalação de produção, ou outra, mas abrange todos os processos envolvidos ao longo do ciclo de vida de um produto. Algumas destas técnicas de análise ambiental constituem temas de outras aulas. Análise de risco Análise de Risco pode decompor-se na análise de risco para a saúde humana ou para os ecossistemas. No entanto, em termos gerais, esta técnica consiste em : • Compilação de informações relativas aos produtos e processos que estão envolvidos no sistema cujo risco se pretende avaliar e sobre os diversos fatores que possam influenciar a exposição dos seres humanos ou outras espécies. • Avaliar o risco associado a cada circunstância referida anteriormente. A análise das substâncias químicas associadas ao projeto que se pretende aplicar e avaliar deve compreender a classificação de todas as substâncias que serão transportadas para o local, usadas durante a construção e manipuladas durante a fase de produção. Cada substância química deve ser avaliada, no que diz respeito aos seus efeitos potenciais sobre as populações, devendo a análise de exposição considerar a caracterização dos mecanismos locais de dispersão. A análise de risco deve também caracterizar a distribuição da população no local, bem como as principais características da flora e da fauna locais, o que implica o acesso a : • Dados sobre as características demográficas da região • Síntese da literatura sobre fatores que possam influenciar as populações, relativamente aos tipos de exposição previstos Integrando a informação sobre as substâncias e condições perigosas e sobre o tipo de exposição no local, a análise de risco determina o potencial para a ocorrência de efeitos sobre as populações na vizinhança do sistema analisado. Esta análise assume, assim, uma forte característica local. Análise de risco • fatores de risco • potencial de efeitos tóxicos • potencial para outros efeitos sobre a saúde • equidade social UFSC – ENS 5125 - Gestão e Planejamento Ambiental Prof. Sebastião Roberto Soares, Dr Tema 06 – Sistemas de gestão ambiental 94 Avaliação de substâncias perigosas • identificação de substâncias químicas emitidas; • efeitos negativos para a saúde; • efeitos crônicos; • órgãos mais afetados; Análise de exposição • quantidade de contaminantes presentes no local • mecanismos de transporte no ambiente • populações em risco • rotas de entrada dos contaminantes Estudo de impacto ambiental Um Estudo de Impacto Ambiental consiste na identificação e avaliação das consequências das ações humanas sobre o ambiente. As metodologias associadas a estas análises variam de país para país e evoluem com o tempo. Entretanto, a base de estudo é fundamentalmente a mesma. Em primeiro lugar, encontra-se o fato do EIA requerer uma visão do ambiente como um conjunto de condições e de elementos que envolvem cada ser vivo. Nesta perspectiva, o ambiente não constitui apenas o habitat físico de um curso de água, por exemplo, mas inclui também a água, o solo, o ar e as plantas. Por outro lado, o ambiente é constituído por tudo o que rodeia o homem, incluindo os seres humanos (relações sócio-econômicas) e outros seres vivos e todos os processos e sistemas deles dependentes e que caracterizam a Vida. O EIA constitui, assim, um esforço para: • determinar a forma como as ações antrópicas modificam as entidades que rodeiam o ser humano (e em que condições) e a sua própria dinâmica; • estabelecer critérios para avaliar o interesse de tais mudanças; • minimizar algumas consequências através da otimização da técnica e dos métodos de gestão. Em segundo lugar, enquanto técnica de apoio à decisão, a relevância EIA torna-se significativa para os decisores. Em terceiro lugar, embora muitos dos componentes ambientais sejam quantificáveis, outros não o são tão facilmente. Pela sua natureza, estes fatores podem nunca ser quantificados, independentemente da evolução de novas ferramentas de análise. Assim, qualquer tentativa para restringir uma EIA a fatores quantificáveis pode levar a sérios erros de avaliação, embora o procedimento inverso possa ser considerado subjetivo. Conclui-se, assim, que, embora não possa ser realizada com total objetividade, um estudo de Impacto Ambiental constitui um instrumento de gestão preventiva de grande utilidade. Em quarto lugar, deve ter-se em consideração que as tentativas de minimização de um impacto ambiental devem considerar a sua influência em todos os outros, devido à natureza iterativa e relacional da análise ambiental. De acordo com esta visão global, o Estudo de Impacto Ambiental inclui quatro etapas principais : • Utilizar o conhecimento existente sobre os processos incluídos no projeto para identificar os seus impactos diretos nos diversos componentes e na dinâmica do ambiente físico e social; • Utilizar o conhecimento sobre a dinâmica das interações entre as componentes físicas, sociais e econômicas do ambiente para identificar impactos indiretos subseqüentes; • Aplicar um procedimento formal para avaliar os possíveis impactos ambientais que tenham sido identificados; • Com base na avaliação dos impactos, implementar ou sugerir medidas que os minimizem ou compensem. Auditoria ambiental Durante as últimas décadas, a auditoria ambiental tem sido usada em diversas atividades econômicas, na indústria e pelos governos. Inicialmente, uma Auditoria Ambiental consistia num processo de verificação do cumprimento da legislação ambiental por parte da entidade auditada. Nos últimos anos, o significado do termo "Auditoria Ambiental" tornou-se mais abrangente, devido à dinâmica própria dos problemas
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved