Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Livro SUS Avanços e Desafios, Manuais, Projetos, Pesquisas de Enfermagem

Livro - Livro

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2010

Compartilhado em 27/01/2010

amanda-rafaella-9
amanda-rafaella-9 🇧🇷

4.8

(5)

7 documentos

1 / 168

Documentos relacionados


Pré-visualização parcial do texto

Baixe Livro SUS Avanços e Desafios e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! onselho Nacional de Secretários de Saúde Autores Coordenação Ricardo F. Scotti Redação Eugênio Vilaça Mendes Júlio Müller René Santos Colaboradores Fernando Cupertino Nélson Rodrigues dos Santos Edição Vanessa Pinheiro Revisão Daniel Mergulhão Projeto Gráfico Ricardo F. Scotti Diagramação e Arte Final Ad Hoc Comunicação Diretoria do CONASS – 2006 Presidente Jurandi Frutuoso Silva – SES/CE Vice-presidente Região Norte: Fernando Agostinho Cruz Dourado – SES/PA Vice-presidente Região Nordeste José Antônio Rodrigues Alves – SES/BA Vice-presidente Região Centro-Oeste Augustinho Moro – SES/MT Vice-presidente Região Sudeste Luiz Roberto Barradas Barata – SES/SP Vice-presidente Região Sul Cláudio Murilo Xavier – SES/PR Vice-presidentes Adjuntos Milton Luiz Moreira – RO (Norte) Geraldo de Almeida Cunha Filho – PB (Nordeste) José Geraldo Maciel – DF (Centro-Oeste) Marcelo Teixeira – MG (Sudeste) Carmen Zanotto – SC (Sul) Diretorias Extraordinárias Processo Normativo do SUS: Marcelo Teixeira – SES/MG Relações Interinstitucionais: Gilson Cantarino O’Dwyer – SES/RJ Assuntos Parlamentares: Geraldo Maciel – SES/DF Saneamento e Meio-Ambiente: Gentil Porto – SES/PE Atenção Primária: Carmen Zanotto – SES/SC Relações Internacionais: Fernando Cupertino – CONASS Comissão Fiscal Titulares Gentil Porto – SES/PE Wilson Duarte Alecrim – SES/AM Adelmaro Cavalcanti Cunha Júnior – SES/RN Suplentes João Gabbardo dos Reis – SES/RS Marcelo Teixeira – SES/MG Milton Luiz Moreira – SES/RO Representantes do CONASS Conselho Nacional de Saúde Titular: Jurandi Frutuoso - CE 1º Suplente: Armando Raggio - CONASS 2º Suplente: René Santos – CONASS Conselho Consultivo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária Titular: Tatiana Vieira Souza Chaves - PI Suplente: Viviane Rocha de Luiz – CONASS Câmara de Saúde Suplementar da Agência Nacional de Saúde Suplementar Titular: Fernando Cruz Dourado - PA Suplente: Regina Helena Arroio Nicoletti – CONASS Conselho de Administração da Organização Nacional de Acreditação – ONA Titular: Déa Carvalho Suplente: Lívia Costa - CONASS Mercosul: Matias Gonsales Soares – MS Hemobrás: Gentil Porto – PE SUMÁRIO Apresentação 13 Introdução 17 Breve história do SUS 21 SUS: avanços a celebrar 29 SUS: desafios a superar 45 1. O DESAFIO DA UNIVERSALIZAÇÃO 48 1.1. O dilema entre a universalização e a segmentação na experiência internacional 48 1.2. A segmentação do sistema de saúde brasileiro 49 1.3. Os resultados da segmentação dos sistemas de saúde 57 1.4. SUS universal, uma utopia? 60 2. O DESAFIO DO FINANCIAMENTO 63 2.1. A natureza dos gastos em Saúde 63 2.2. Os gastos em Saúde no Brasil 64 2.3. O aumento do gasto público em Saúde no Brasil 67 2.4. O aumento do gasto público em Saúde como questão política 72 2.5. O financiamento do SUS e a regulamentação da Emenda Constitucional n. 29 73 2.6. A melhoria da qualidade dos gastos públicos em Saúde 74 2.7. A integralidade regulada 75 2.8. O aumento da eficiência do SUS 78 2.9. A ineficiência de escala 79 2.10. A ineficiência alocativa 85 2.11. A eqüidade do financiamento 91 3. O DESAFIO DO MODELO INSTITUCIONAL DO SUS 95 3.1. A federação brasileira 95 3.2. O federalismo fiscal 98 3.3. O modelo institucional do SUS: o federalismo sanitário 103 3.4. Gastos do SUS por entes federados 105 3.5. Avançando no modelo institucional do SUS: limites e possibilidades 108 4. O DESAFIO DO MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE DO SUS 114 4.1. As condições agudas e crônicas 114 4.2. A situação de saúde no Brasil 115 4.3. As conseqüências sanitárias e econômicas das doenças crônicas 120 4.4. A crise do modelo de atenção à saúde do SUS 121 4.5. O modelo de atenção à saúde voltado para as condições crônicas no SUS: a organização das redes de atenção à saúde 124 4.6. A implantação das redes de atenção à saúde no SUS 125 4.7. A gestão das redes de atenção à saúde nos espaços regionais 127 5. O DESAFIO DA GESTÃO DO TRABALHO NO SUS 129 5.1 O campo do trabalho em Saúde 129 5.2 A gestão do trabalho no SUS 132 5.3 A situação nos Estados e municípios 137 5.4 Gestão do trabalho no SUS como função estratégica e integrada 141 6. O DESAFIO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL 152 Referências Bibliográficas 157 15 CONASS O CONASS tem sido na construção do Sistema Único de Saúde um ator importante e privilegiado para a formulação de propostas que vi- sam consolidar um dos maiores processos de inclusão social já de- sencadeado no Brasil, uma vez que integra a Comissão Intergestores Tripartite do SUS. A trajetória histórica do CONASS confunde-se com a do próprio SUS e talvez por isso seus caminhos sejam sempre interligados. Nos últi- mos anos, o Conselho fortaleceu-se técnica e politicamente, mediante a construção de consenso entre os Secretários Estaduais, e foi capaz de apresentar várias propostas concretas que muito contribuíram para a melhoria do sistema de saúde no Brasil. Além disso, vem contribuindo para fortalecer a capacidade de ges- tão das Secretarias Estaduais de Saúde de forma que elas ocupem seu espaço estratégico no SUS. Em março de 2006, sob a presidência do Dr. Marcus Pestana, o CO- NASS promoveu, no Rio de Janeiro, um grande fórum nacional: Saúde e Democracia: uma visão de futuro para o Brasil, com o objetivo de travar um debate sobre o país que queremos e quais os caminhos para construí-lo. Participaram, além de gestores do SUS, lideranças políti- cas, expressivos representantes da sociedade civil e intelectuais. A síntese das discussões gerou o “CONASS Documenta n. 12”, disponí- vel no site <www.conass.org.br>. Foram discutidos temas da saúde pública, tais como: o avanço na construção do SUS constitucional; a 16 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS postura diante da ininterrupta revolução tecnológica na saúde, que impõe custos sempre crescentes: o problema do sub-financiamento setorial; as falhas na gestão; a cooperação efetiva e harmônica entre as três esferas de governo; a busca da eqüidade e a construção da qualidade dos serviços em um ambiente de permanente escassez de recursos. Como um dos produtos desse fórum, o CONASS elaborou um Ma- nifesto aos Candidatos à Presidência da República e o entregou, em outubro de 2006, a cada um deles, aos seus coordenadores de campa- nha e ao presidente do respectivo partido. A forma concisa do Manifesto gerou a necessidade de detalhar as propostas nele contidas, fundamentando-as e justificando-as como consenso do CONASS, divulgado-as neste livro, lançado na última Assembléia de Secretários do ano de 2006, em 13 de dezem- bro, após aprovação do texto final na 11ª Assembléia do CONASS, em 8 de novembro. Este livro faz um registro dos grandes avanços do SUS nos últimos anos, em pouco mais de uma década e meia de existência, e apresenta propostas embasadas tecnicamente para o enfrentamento dos desa- fios que impedem a consolidação do sistema público de qualidade a toda a população brasileira. Dessa forma, o CONASS espera contribuir para esse novo momento dos governos federal e estaduais e também do novo poder Legislativo. Para essa geração de Secretários que encerra em dezembro de 2006 sua missão de representar a força dos Estados na garantia do direito à saúde, é uma honra poder deixar um documento que servirá como base para uma discussão democrática sobre qual sistema de saúde a sociedade brasileira é capaz de construir, atendendo aos princípios constitucionais conquistados na Constituição Cidadã de 1988. O livro SUS: Avanços e Desafios representa um momento de re- flexão e ousadia ao buscar olhar para o futuro com a certeza de que estamos no bom caminho. Boa leitura. Jurandi Frutuoso Silva Presidente do CONASS Introdução 20 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS Fórum Saúde e Democracia: uma visão de futuro para o Brasil, reali- zado no mês de março de 2006 no Rio de Janeiro em parceria com o jornal O Globo (para conhecer o Manifesto, na íntegra, acesse o site: <www.conass.org.br> ou escreva para <conass@conass.org.br> so- licitando-o). Sinteticamente, a seguir, as propostas apresentadas e detalhadas neste livro: • Compromisso com os princípios constitucionais do SUS. • O SUS como política de Estado – mais de que de governos. • Pacto em defesa do SUS – movimento de repolitização da Saúde. • Pacto pela Vida – definição de prioridades e gestão pública por resultados sanitários. • O desafio do financiamento – necessidade de aumentar os gastos públicos em Saúde no Brasil. • Aumento da eficiência da gestão do SUS – organizar-se em redes de atenção à saúde. • Regulamentação da Emenda Constitucional n. 29 – por mais re- cursos públicos para a Saúde e para orientar os respectivos Tribu- nais de Contas no processo de fiscalização do seu cumprimento. • Ênfase na atenção primária – como principal porta de entrada do SUS. • Mais recursos para a média complexidade ambulatorial e hospita- lar – cujo financiamento se encontra cada vez mais estrangulado pelo da alta complexidade. • Redução das desigualdades regionais. • Novo pacto federativo e reforma tributária. • Aumento de recursos no orçamento do Ministério da Saúde. • Superação da crise de financiamento do Programa de Medica- mentos de Dispensação em Caráter Excepcional. • Mudança no modelo de atenção à saúde – regionalização e redes de atenção à saúde. • Implementação do Pacto de Gestão – como um novo pacto federa- tivo sanitário e que deverá estruturar-se sob a égide da unidade doutrinária e da diversidade operacional. Concluído o processo eleitoral e no início do mandato dos novos go- vernantes federal e estaduais, o CONASS por meio desse documento apresenta nesse livro um detalhamento das propostas apresentadas. Breve história do SUS 25 CONASS tegralidade, da descentralização e da participação da comunidade. Em 1987, foi implantado no Executivo federal, um arranjo institucio- nal denominado Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (Suds) que tentou incorporar, em seu desenho, alguns dos elementos centrais da proposta da reforma sanitária: a universalização, a descentralização pela via da estadualização e a democratização das instâncias gestoras. O Suds foi contemporâneo da Assembléia Nacional Constituinte. O processo constituinte conformou-se num espaço democrático de negociação constante, desenvolvido ao longo das suas diversas eta- pas, em que um núcleo de congressistas progressistas desempenhou papel relevante, apoiado por intelectuais do movimento da reforma sanitária. O texto final negociado incorporou as grandes demandas do movimento sanitário: a saúde entendida amplamente como resultado de políticas econômicas e sociais; a saúde como direito de todos e de- ver do Estado; a relevância pública das ações e serviços de saúde; e a criação de um sistema único de saúde, organizado pelos princípios da descentralização, do atendimento integral e da participação da co- munidade. Criou-se, assim, na Constituição Federal de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS). O ambiente constitucional era de forte rejeição à centralização im- posta, autoritariamente, pelo regime militar. Por isso, associou-se des- centralização com democratização e ampliaram-se os direitos sociais da cidadania, integrando-se, sob o conceito de seguridade social, a proteção de direitos individuais (previdência) à proteção de direitos coletivos (saúde e assistência social). Esse processo se fez por meio da descentralização de competências e de receitas tributárias para Estados e municípios. Na Saúde houve, naquele momento, uma clara preferência pela municipalização. Dentre as muitas lições aprendidas no movimento de reforma sani- tária, uma merece ser destacada: a mudança foi alcançada por um lon- go e duro movimento de politização da Saúde que articulou movimen- tos sociais, profissionais de saúde, partidos políticos, universidades, instituições de saúde e políticos, especialmente parlamentares. Como decorrência da Constituição Federal, elaborou-se, no período de 1989 a 1990, a Lei n. 8.080 de setembro de 1990, que dispõe acer- ca das condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas Municipais. Os vetos presidenciais, colocados numa lei acordada no Congresso Nacional, atingiram pontos fundamentais como a instituição dos Conselhos e 26 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS das Conferências de Saúde. Uma intensa reação da sociedade civil organizada levou à Lei n. 8.142, de dezembro de 1990, que regula a participação da comunidade no SUS. A seção de saúde da Constituição Federal e as Leis n. 8.080 e 8.142 de 1990 constituem as bases jurídicas, constitucionais e infraconsti- tucionais, do SUS. A instituição do SUS produziu resultados imediatos. O mais impor- tante foi o fim da separação que havia no sistema público de saúde brasileiro entre os incluídos e os não incluídos economicamente. Para os incluídos havia a Saúde Previdenciária a que tinham direito os portadores da “carteirinha” do Inamps; para os não incluídos resta- vam a atenção ambulatorial provida por unidades de medicina sim- plificada e a atenção hospitalar prestada por entidades filantrópicas aos indigentes. O SUS pôs fim, em pouco tempo, a essa figura iníqua dos indigentes sanitários, promovendo a integração do Inamps ao sistema público único de saúde. Dessa forma, o SUS rompeu com a trajetória de forma- ção do Estado brasileiro assentada na centralização e com uma con- cepção de cidadania que vinculava os direitos sociais à inserção no mercado de trabalho, a cidadania regulada (Santos,1979). Assim como a criação do SUS resultou de um processo social de longa maturação, esse sistema de saúde continuou reformando-se, continuamente, durante sua existência. Uma incursão a respeito das experiências internacionais de reformas sanitárias ajuda a entender melhor esse movimento de mudança continuada do sistema público de saúde brasileiro. As reformas sanitárias podem ser concebidas como movimentos de mudanças propositais, com objetivos predefinidos, incidentes sobre macrofunções estratégicas dos sistemas de saúde e que se sustentam ao longo do tempo. Há várias maneiras de caracterizar as reformas sanitárias. Uma das mais utilizadas é a de Ham (1997), que identifica quatro tipos principais: • a reforma big-bang, caracterizada por processos rápidos, implan- tada mediante um amplo e profundo arco de intervenções e coin- cidente com momentos de mudanças estruturais na sociedade, denominados, pelo autor, janelas históricas; • a reforma incremental, que se caracteriza por gradualismo na im- 27 CONASS plantação, menor abrangência em termos de macrofunções e por ser conduzida por demoradas negociações entre os distintos ato- res sociais em situação na arena sanitária; • a reforma de baixo para cima, com grande ênfase na descentrali- zação e implantada por meio de projetos-piloto; e • a reforma sem reforma, que se marca pela extrema dificuldade de obtenção de consensos em razão da existência de pontos inego- ciáveis entre os diferentes atores sociais, o que remete as mudan- ças a um plano adjetivo. A reforma sanitária brasileira de 1988 aproxima-se de uma reforma de tipo big-bang por sua coincidência com uma janela histórica repre- sentada pelo fim do regime militar e pela profundidade das mudanças propostas. Contudo, distancia-se desse tipo de reforma por ter sido politicamente construída e por ter sido negociada por longo tempo com vários atores sociais relevantes na arena sanitária. Além disso, numa perspectiva institucionalista, a reforma sanitária brasileira teve a constrangê-la no seu escopo as trajetórias passadas do sistema de saúde brasileiro, especialmente algumas presentes no modelo médico assistencial privatista e na Saúde Suplementar. Con- tudo, a partir de sua constituição jurídica, foi se recriando por meio de reformas incrementais leves, representadas pelas normas opera- cionais, obtidas por consenso das três esferas de governo após longas negociações e finalmente materializadas em Portarias Ministeriais. A primeira norma operacional, a NOB n. 01/1991, editada pela Pre- sidência do Inamps foi escrita segundo a cultura prevalecente naquela instituição de assistência médica e, portanto, tinha forte conotação centralizadora. Seguiu-se a NOB n. 01/1992, que manteve a estrutura da anterior e criou o Pró-Saúde, o Programa para a Reorganização dos Serviços de Saúde. A NOB n. 01/1993 institucionalizou as Comissões Intergestores Tri- partite e Bipartite criando, dessa forma, um sistema decisório compar- tilhado pelas diferentes instâncias federativas, além de impulsionar a municipalização mediante as habilitações em gestão incipiente, par- cial e semiplena. Posteriormente, a NOB n. 01/1996 consolidou a política de munici- palização estabelecendo o pleno exercício do poder municipal na fun- 31 CONASS SUS: AVANÇOS A CELEBRAR O SUS tem pouco mais de uma década e meia de existência. Não obstante, tem sido capaz de estruturar e consolidar um sistema públi- co de saúde de enorme relevância e que apresenta resultados inques- tionáveis para a população brasileira. A dimensão dos números e a qualidade de certos programas ates- tam os avanços obtidos pelo SUS e isso pode ser analisado nas pers- pectivas das estruturas existentes, dos processos de produção de ser- viços, dos resultados sanitários e da opinião da população brasileirO SUS organiza-se por meio de uma rede diversificada de serviços que envolve cerca de 6 mil hospitais, com mais de 440 mil leitos contrata- dos e 63 mil unidades ambulatoriais. São 26 mil equipes de saúde da família, 215 mil agentes comunitá- rios de saúde e 13 mil equipes de saúde bucal prestando serviços de atenção primária em mais de 5 mil municípios brasileiros. Os números anuais da produção de serviços de saúde são impres- sionantes: 12 milhões de internações hospitalares, mais de 1 bilhão de procedimentos em atenção primária à saúde, 150 milhões de con- sultas médicas, 2 milhões de partos, 300 milhões de exames laborato- riais, 1 milhão de tomografias computadorizadas, 9 milhões de exames de ultra-sonografia, 140 milhões de doses de vacina, mais de 15 mil transplantes de órgãos, entre outros. Analisados temporalmente, as estruturas e os processos produtivos mostram evoluções muito positivas, como se pode observar, a seguir, a partir de exemplos selecionados. 32 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS O Gráfico 1 mostra a evolução das equipes do Programa Saúde da Família (PSF) no período de 1994 a 2006 quando se passa de 300 para 26 mil equipes. Isso significa uma cobertura de 78,6 milhões de habi- tantes, ou seja, 44,4% da população brasileira. GRÁFICO 1: NÚMERO DE EQUIPES DO PSF (SUS) – PERÍODO DE 1994-2006. GRÁFICO 2: NÚMERO DE EXAMES DE IMAGENS POR MIL HABITANTES (SUS) – PERÍODO DE 1995-2004. Fonte: Ministério da Saúde: DAB (2006). Fonte: Ministério da Saúde: (2005a). 0 5 10 15 20 25 30 (X 1.000) META 0,3 0,7 0,8 1,6 4 5 10,5 17 20 21 23 25 26 30 REALIZADO 0,3 0,7 0,8 1,6 3,1 4,3 8,6 13,2 16,7 19,1 21,2 24,6 26 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 308,69309,26 278,99 264,86249,21253,5 242,08232219,84215,23 0 50 100 150 200 250 300 350 400 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Variação percentual 2004/1995: 43,43% 35 CONASS GRÁFICO 5: PROPORÇÃO DE PESSOAS QUE AUTO-AVALIARAM O SEU ESTADO DE SAÚDE COMO MUITO RUIM POR IDADE. BRASIL, 1998/2003 GRÁFICO 6: PROPORÇÃO DE PESSOAS QUE REFERIRAM DOENÇA CRÔNICA POR IDADE. BRASIL 1998/2003 Fonte: Travassos (2005). Fonte: Travassos (2005). 0,9 0,7 0,9 2 4,7 10,2 18,3 0,8 0,8 0,8 1,8 4,8 8,5 15 3,6 3,4 0,0 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0 12,0 14,0 16,0 18,0 20,0 TOTAL 0 A 4 ANOS 5 A 9 ANOS 14 A 19 ANOS 20 A 30 ANOS 40 A 40 ANOS 50 A 84ANOS 85 ANOS OU MAIS 1998 2003 9,1 9,0 13,3 29,7 52,5 69,3 80,5 9,1 9,4 11,2 24,6 46,6 64,5 77,6 31,6 29,9 0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 80,0 90,0 100,0 TOTAL 0 A 4 ANOS 5 A 13 ANOS 14 A 19 ANOS 20 A 39 ANOS 40 A 49 ANOS 50 A 64 ANOS 65 ANOS OU MAIS 1998 2003 No que se refere ao acesso a serviços de saúde de uso regular, tal como se vê no Gráfico 7, houve um aumento médio de 71,2% para 79,3% entre 1998 e 2003; mas esse aumento foi muito mais significa- tivo entre os brasileiros com renda familiar mensal de até cinco 36 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS GRÁFICO 7: PROPORÇÃO DE PESSOAS QUE REFERIRAM TER SERVIÇO DE SAÚDE DE USO REGULAR POR CLASSE DE RENDIMENTO FAMILIAR MENSAL. BRASIL 1998/2003 Os resultados das PNADs referentes ao uso dos serviços de saúde mostraram outros dados importantes. O acesso a serviço de saúde de uso regular variou, positivamente, no período, de 41,8% para 52,4% na atenção em centros de saúde e, negati- vamente, de 21,5% para 16,9% na atenção em ambulatórios de hospitais; isso pode ser resultado do fortalecimento da atenção primária à saúde no SUS. A proporção de pessoas que realizaram consultas médicas no ano anterior à entrevista variou de 54,7% para 62,8%, sendo significativa para todas as classes de rendimento familiar, para todos os grupos etários e para a população urbana e rural (Travassos, 2005). Quanto ao uso de serviços de saúde, medido pela proporção de pessoas que procuraram esses serviços nas duas semanas anterio- res à entrevista, tal como demonstra o Gráfico 8, houve um incremen- to, entre 1998 e 2003, de 13,0% para 14,6% que deriva de um aumento do uso por todos os grupos etários. O aumento do uso se deu nos dois sexos e em todas as classes de rendimento familiar; o maior aumento no uso deu-se nos centros de saúde; a melhoria no acesso foi acompanhada por maior procura e maior utilização; e houve redução das barreiras geográficas e financei- ras para o consumo dos serviços de saúde (Travassos, 2005). Contudo, o que explica o aumento do uso foi a utilização dos servi- ços do SUS, tal como se observa no Gráfico 9. A variação no período foi Fonte: Travassos (2005). 71,2 69,2 73,2 79,179,3 79,2 79,8 81,5 60,0 65,0 75,0 70.0 80,0 85,0 TOTAL ATÉ SM DE 5 SM ATÉ 20 SM MAIS DE 20 SM 1998 2003 salários mínimos, que variou de 69,2% para 79,2%, dez pontos per- centuais no período. 37 CONASS GRÁFICO 8: PROPORÇÃO DE PESSOAS QUE PROCURARAM SERVIÇO DE SAÚDE NAS DUAS SEMANAS ANTERIORES À ENTREVISTA POR IDADE. BRASIL, 1998/2003 GRÁFICO 9: FONTES DE FINANCIAMENTO DA UTILIZAÇÃO DE SERVIÇOS NAS DUAS SEMANAS ANTERIORES À ENTREVISTA. BRASIL, 1998/2003 Fonte: Travassos (2005). Fonte: Travassos (2005). 13,0 17,2 8,5 12,0 14,9 18,3 22,1 14,6 19,0 9,6 12,7 16,5 20,5 25,1 0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0 TOTAL 0 A 4 ANOS 5 A 19 20 A 39 40 A 49 50 A 64 65 ANOS OU MAIS 1998 2003 26,0 15,8 26,0 14,8 49,3 57,2 0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 SUS PLANO DE SAÚDE PAGAMENTO DO PRÓPRIO BOLSO 1998 2003 de 49,3% para 57,2%, o que significou o incremento de 7,9% no perío- do. Não houve variação significativa nos sistema de atenção médica suplementar e no sistema de desembolso direto. 40 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS O Programa de Controle do HIV/Aids é referência internacional, tanto no tratamento quanto na prevenção. Esse programa surgiu em 1986, como uma reação aos primeiros casos relatados no país. O pri- meiro caso de Aids foi notificado no início da década de 1980. No iní- cio a epidemia atingia particularmente grupos vulneráveis de homens que fazem sexo com homens, usuários de drogas injetáveis e profis- sionais do sexo. O Brasil adotou uma estratégia de controle de HIV/Aids que man- tém em equilíbrio as ações de prevenção e assistência, com vantagem comparativa em todos os sentidos. Isso foi possível graças à combina- ção de vários fatores: • intervenção precoce que contou com ampla participação da so- ciedade civil; • institucionalização de um programa nacional que opera de forma descentralizada; • financiamento com recursos próprios das ações de prevenção e assistência, sendo a participação de recursos externos da ordem de apenas 10% do total do financiamento do programa; • política de direitos humanos inserida em todas as frentes de tra- balho; • acesso universal ao tratamento. Com isso se evitou, em 2004, pelo sucesso das intervenções tera- pêuticas, 150 mil internações hospitalares; o tratamento dos 180 mil pacientes com antiretrovirais custou, em 2005, aproximadamente 850 milhões de reais. O uso regular de preservativos nas relações sexuais pela população de 16 a 65 anos cresceu de 23,9% em 1998 para 35,4% em 2005. A pro- porção de jovens de 16 a 19 anos que usaram preservativos na primei- ra relação sexual subiu, no período de 1998 a 2005, de 45% a 68% entre os homens e de 51% a 62% entre as mulheres. Estima-se que haja 193 mil usuários de drogas injetáveis no país, sendo que 76% deles relataram não compartilhar as seringas. Sessen- ta e oito por cento das escolas desenvolvem ações preventivas em relação às doenças sexualmente transmissíveis e HIV/Aids, 45% em relação à sexualidade e afetividade e 52% em relação à gravidez na adolescência (Okie, 2006). O SUS, além de mostrar avanços em termos de estrutura e proces- sos e de estar desenvolvendo programas de excelência, tem contri- buído para a melhoria dos níveis de saúde da população brasileira. 41 CONASS É o caso da mortalidade infantil no nosso país. No período de 1997 a 2003, tal como se vê no Gráfico 11, a taxa de mortalidade infantil caiu de 31,34 óbitos de menores de 1 ano por mil nascidos vivos para 24,11. Esse decréscimo manifestou-se em todas as regiões do país, sendo re- lativamente maior nas Regiões Nordeste e Norte. Dado que dois terços das mortes infantis no país ocorreram no período neonatal, fica clara a contribuição da melhoria dos serviços públicos de saúde para a queda verificada nos padrões de morte infantil. GRÁFICO 11: EVOLUÇÃO DA TAXA DE MORTALIDADE INFANTIL POR REGIÃO DO BRASIL. PERÍODO 1997/2003 Fonte: Ministério da Saúde: Rede Interagencial de Informações para Saúde (2003). Taxa de Mortalidade Infantil - Número de óbitos de menores de 1 ano por 1.000 nascidos vivos 15 20 25 30 35 40 45 50 55 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Região Norte Região Nordeste Região Sudeste Região Sul Região Centro-Oeste Brasil 42 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS Uma pesquisa nacional de opinião a respeito do SUS, realizada em 2002 pelo CONASS (por meio do Instituto Vox Populi), mostra da- dos que permitem compreender as percepções da população brasilei- ra acerca do SUS. A avaliação geral do SUS expressa no percentual que considera que o sistema funciona bem ou muito bem é de 45,2% nos usuários exclusivos do SUS, 41,6% nos usuários não exclusivos do SUS e 30,3% nos não-usuários. Isso significa que a avaliação é mais positiva entre os que mais utilizam o sistema. As avaliações positivas são maiores, também, nos grupos de menor renda: 47,2% no grupo de renda até dois salários mí- nimos e 30,6% no grupo de renda de mais de dez salários mínimos. A percepção a respeito do funcionamento dos serviços ofertados é diferenciada: o percentual dos serviços que são avaliados como funcio- nando bem ou muito bem,é de 61,2% nas ações preventivas, 37,1% nas ações assistenciais, 35,7% nas ações de promoção da saúde e 18,0% nas ações de reabilitação. Os atendimentos realizados por médicos e enfermeiras são conside- rados importantes e são muito bem avaliados pela população. Setenta e quatro por cento das famílias cadastradas no PSF estão satisfeitas ou muito satisfeitas com esse programa; da mesma forma, 70% das famílias adscritas aos agentes comunitários de saúde estão satisfeitas ou muito satisfeitas. Entre os usuários dos serviços prestados pelo SUS, os graus de sa- tisfação alta ou muito alta foram de: 79% nos serviços de vacinação; 60% nos serviços odontológicos; 56% nas consultas médicas; 62% nas consultas médicas especializadas; 63% nos exames laboratoriais; 67% nos exames de ultra-sonografia; 72% nas internações hospitalares; 80% nas cirurgias; e 81% nos serviços de alta complexidade. Os dados mostram que, em geral, as avaliações do SUS, especial- mente por aqueles que efetivamente utilizam o sistema, são fa- voráveis. As percepções negativas estão fortemente associadas ao tempo de espera: demora em ser atendido, espera em filas, tempo perdido na recepção (CONASS, 2003). É razoável concluir que as informações apresentadas, concernentes à estrutura, aos processos e produção, aos programas de Saúde Pú- blica, aos resultados finalísticos e às opiniões da população usuária, revelem que tem havido avanços inquestionáveis a celebrar no SUS. SUS: desafios a superar E 47 CONASS SUS: DESAFIOS A SUPERAR Têm sido muitos os avanços do SUS, mas persistem problemas a se- rem enfrentados para consolidá-lo como um sistema público universal que possa prestar serviços de qualidade a toda a população brasileira. Esses problemas podem ser agrupados em torno de grandes desafios a superar. Dentre eles, distinguem-se: o desafio da universalização; o desafio do financiamento; o desafio do modelo institucional; o desafio do modelo de atenção à saúde; o desafio da gestão do trabalho; e o desafio da participação social. 50 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS GRÁFICO 12: USUÁRIOS EXCLUSIVOS, NÃO EXCLUSIVOS E NÃO-USUÁRIOS DO SUS Por várias razões, especialmente pelas dificuldades de se criarem as bases materiais para a garantia do direito constitucional da univer- salização, o SUS vem se consolidando como parte de um sistema seg- mentado que incorpora dois outros subsistemas relevantes, o Sistema de Saúde Suplementar e o Sistema de Desembolso Direto. Este documento, ao considerar os avanços do SUS, produziu uma caracterização desse sistema público em termos de estrutura, proces- sos e produção e resultados. Agora, será feita a descrição dos dois Fonte: CONASS (2003). Isso significa que 61,5% dos brasileiros utilizam-se, também, dos sistemas privados e que 8,7% são usuários exclusivos dos sistemas privados. Esses grupos de usuários variam por regiões geográficas, portes dos municípios e localização urbana ou rural. Foi possível iden- tificar entre os usuários do SUS, exclusivos ou não, três grupos discri- minados segundo a intensidade do uso dos serviços do SUS, medida nos dois anos anteriores à pesquisa de opinião: usuários do SUS de alta intensidade (9 a 12 serviços utilizados), 6,8%; usuários de média intensidade (5 a 8 serviços utilizados), 52,4%; e usuários de baixa in- tensidade, 40,7% (CONASS, 2003). 28 ,6 % 20 ,6 % 25 ,6 % 31 ,9 % 29 ,6 % 33 ,0 % 30 ,1 % 27 ,6 % 28 ,3 % 29 ,9 % 61 ,5 % 69 ,2 % 67 ,1 % 64 ,2 % 57 ,7 % 57 ,5 % 55 ,7 % 65 ,2 % 61 ,0 % 63 ,6 % 8, 7% 8, 5% 5, 0% 3, 4% 11 ,8 % 8, 7% 13 ,0 % 5, 9% 9, 8% 3, 9% GERAL (96,4%) CENTRO- OESTE (95,8%) NORDESTE (96,1%) NORTE (96,5%) SUDESTE (97,3%) SUL (94,3%) CAPITAL RM (96,6%) INFERIOR (96,6%) URBANA (96,5%) RURAL (95,0%) USUÁRIO SUS EXCLUSIVO USUÁRIO SUS COMPARTILHADO NÃO USUÁRIO SUS NÃO IDENTIFICÁVEL Região Geográfica Parte do Município Zona Residencial 51 CONASS sistemas privados vigentes no país: o Sistema de Saúde Suplementar e o Sistema de Desembolso Direto. 1.2.1. Sistema de Saúde Suplementar O Sistema de Saúde Suplementar é um sistema privado de assis- tência à saúde, exercitado por operadoras privadas, sob a regulação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Sua caracteriza- ção pode ser feita a partir de informações dessa agência reguladora (Agência Nacional de Saúde Suplementar, 2006). Como se vê no Gráfico 13, o Sistema de Saúde Suplementar cobre uma população de 42,5 milhões de brasileiros, 35,8 milhões com cober- tura de planos médicos e odontológicos e 6,7 milhões como usuários exclusivos de planos odontológicos. É um sistema que cresceu, em termos de cobertura, 21% no período de 2000 a 2006. Esse crescimen- to perde força nos últimos dois anos e é menos evidente nos planos de assistência médica que, no período, crescem apenas 11% (Agência Nacional de Saúde Suplementar, 2006). GRÁFICO 13: VÍNCULOS A PLANOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE, POR SEGMENTAÇÃO ASSISTENCIAL NO BRASIL. PERÍODO 2000/2006 Fonte: Agência Nacional de Saúde Suplementar: Sistema de Informação de Benefícios (2006). 34,9 34,8 36,8 39,3 42,1 42,5 31,5 31,7 32,3 33,9 35,6 35,8 2,9 3,3 3,9 4,5 5,4 6,5 6,7 35,6 32,0 0,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0 35,0 40,0 45,0 dez/2000 (m ilh õe s) dez/2001 dez/2002 dez/2003 dez/2004 dez/2005 mar/2006 TOTAL DE VÍNCULOS VÍNCULOS A PLANOS DE ASSISTÊCIA MÉDICA COM OU SEM ODONTOLOGIA VÍNCULOS A PLANOS EXCLUSIVAMENTE ODONTOLÓGICOS São 35,8 milhões de brasileiros cobertos por planos de assistência médica; desses, 22,4 milhões são planos novos (62,5%), contratados após vigência da Lei n. 9.656/1998, e 13,4 milhões são planos antigos (37,5%), vigentes antes dessa lei. Dos planos novos, somente 5,4 mi- 52 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS GRÁFICO 14: BENEFICIÁRIOS DOS PLANOS DE ASSISTÊNCIA MÉDICA POR REGIÕES BRASILEIRAS, EM PERCENTUAIS, 2006 GRAFICO 14: BENEFICIÁRIOS DOS PLANOS DE ASSISTÊNCIA MEDICA POR REGIÕES BRASILEIRAS, EM PERCENTUAIS, 2006 SUDESTE 67,9% NORTE 2,8% CENTRO-OESTE 4,5% NORDESTE 11,6% SUL 13,2% FONTE: SISTEMA DE INFORMAÇÕES DE BENEFICIÁRIOS - AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR (2006) E POPULAÇÃO ESTIMADA 2006 (IBGE) NOTA: O TERMO “BENEFICIARIOS” REFERE-SE A VÍNCULO AOS PLANOS DE SAÚDE PODENDO INCLUIR VÁRIOS VÍNCULOS PARA UM MESMO INDIVÍDUO Em relação à distribuição dos beneficiários por modalidades de ope- radoras, conforme se nota no Gráfico 15, 38,4% estão na medicina de grupo, 31,5% nas cooperativas médicas, 14,6% na autogestão, 11,8% em seguradoras e 3,8% nas filantropias. No período de 2000 a 2006 as cooperativas médicas foram a única modalidade que apresentou um Fonte: Agência Nacional de Saúde Suplementar: Sistema de Informação de Benefícios (2006). IBGE: Po- pulação Estimada 2006. (o termo “beneficiários” refere-se a vínculo as planos de saúde podendo incluir vários vínculos para um mesmo indivíduo). lhões são contratos individuais, sendo os demais contratos coletivos. A cobertura de serviços ambulatoriais e hospitalares pelos planos é de 69,5%; os beneficiários dos planos de assistência médica, por gru- pos etários, concentram-se na população de 0 a 18 anos, 9,5 milhões, e de 59 anos ou mais, 4,2 milhões, sendo que a maior proporção de usuários de planos antigos está entre os mais idosos, 55%. Os usuários são do sexo feminino representam 53,6%, e os do masculino, 46,4%. Do ponto de vista da distribuição regional, como se observa no Gráfico 14, a cobertura concentra-se fortemente na região Sudeste, onde se encontram 67,9% dos beneficiários dos planos de assistência médica. As coberturas nas regiões Norte e Centro-Oeste são muito pequenas. A cobertura da população brasileira é, na média, de 19,4%, varian- do entre 2,3% em Roraima, 10,1% no Amazonas, 3,7% no Maranhão, 11,4% em Pernambuco, 18,5% em Minas Gerais, 30,6% no Rio de Janei- ro, 37,8% em São Paulo, 16,7% no Rio Grande do Sul, 18,1% no Paraná, 24,7% no Distrito Federal e 8,3% em Goiás. Essa cobertura está, tam- bém, concentrada: 38,1% nos municípios das capitais, 31,9% nas regi- ões metropolitanas e apenas 11,9% no interior dos Estados (Agência Nacional de Saúde Suplementar, 2006). 55 CONASS Para se compreender esse sistema há que se recorrer às pesquisas de orçamento familiar (POF/1996 e POF/2003) realizadas pelo IBGE em regiões metropolitanas do país (IBGE, 1996; IBGE, 2003b). A POF/2003 mostra que a despesa monetária e não monetária média mensal fami- liar foi de R$ 1.941,88 e que a despesa média mensal com saúde foi de R$ 104,72 por família brasileira; isso significa que os brasileiros, em média, despenderam 5,4% de sua renda familiar mensal com saúde. Os gastos das famílias com a saúde são distribuídos por diversos itens, conforme se observa na Tabela 1. Os maiores gastos são, em termos percentuais em relação ao gasto total, com medicamentos, 39,2%; com a Saúde Suplementar, 29,7%; e com serviços odontológicos, 10,4%. TABELA 1: DESPESAS MONETÁRIAS E NÃO MONETÁRIAS MÉDIAS MENSAIS COM SAÚDE, POR ITENS DE DESPESA, BRASIL, 2003 ITEM DA DESPESA DESPESA R$ % TOTAL EM SAÚDE 104,72 100,0 MEDICAMENTOS 41,08 39,2 SAÚDE SUPLEMENTAR 31,07 29,7 SERVIÇOS ODONTOLÓGICOS 10,78 10,4 TRATAMENTO AMBULATORIAL 6,61 6,3 CIRURGIAS 4,69 4,5 EXAMES 2,98 2,8 HOSPITALIZAÇÃO 1,04 0,9 OUTRAS 6,46 6,2 Fonte: IBGE (2003b). Contudo, as despesas das famílias com saúde variam significati- vamente em sua composição segundo as diferentes classes de rendi- mento mensal familiar. É o que se vê na Tabela 2, onde se comparam as duas classes de renda familiar extremas da pesquisa. A despesa fa- miliar média mensal com saúde é de R$ 19,95 nas famílias que perce- bem até 400 reais mensais e de R$ 498,16 nas famílias com rendimen- tos médios mensais superiores a 6 mil reais. A composição relativa por itens de despesas, nas duas classes de renda polares, mostra diferen- 56 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS ças significativas: os mais pobres gastam 39,2% da renda familiar com medicamentos e os mais ricos 23,5%; os mais pobres gastam 9,1% com a Saúde Suplementar e os mais ricos 37,3%; os mais pobres gastam 5,5% com tratamentos ambulatoriais e os mais ricos 5,6%; os mais po- bres gastam 3,2% com serviços odontológicos e os mais ricos 12,0%; os mais pobres gastam 0,2% com cirurgias e os mais ricos 11,7%. TABELA 2: DESPESAS MONETÁRIAS E NÃO MONETÁRIAS MÉDIAS MENSAIS COM SAÚDE E POR ITENS DE DESPESA, SEGUNDO CLASSES DE RENDIMENTO MENSAL FAMILIAR SELECIONADAS, BRASIL, 2003 ÍTEM DE DESPESA GRUPO DE MENOR RENDA GRUPO DE MAIOR RENDA % VALOR % VALOR TOTAL DA SAÚDE 19,95 100,0 498,16 100,0 MEDICAMENTOS 14,64 73,4 117,52 23,5 SAÚDE SUPLEMENTAR 1,82 9,1 185,89 37,3 SERVIÇOS ODONTOLÓGICOS 0,64 3,2 59,74 12,0 TRATAMENTO AMBULATORIAL 1,10 5,5 28,09 5,6 HOSPITALIZAÇÃO 0,03 0,2 7,65 1,5 EXAMES 0,59 2,9 7,92 1,6 CIRURGIAS 0,03 0,2 58,58 11,7 OUTRAS 1,10 5,5 32,77 6,6 Grupo de menor renda: Renda familiar mensal inferior a R$ 400,00 Grupo de maior renda: Renda familiar mensal superior a R$ 6.000,00 Fonte: IBGE (2003b). Comparando com 1996, houve uma queda nos gastos com saúde que foram, à época, de 6,5%, ou seja, uma diminuição de 20%. Além disso, uma comparação dos dados das Pesquisas de Orçamentos Fa- miliares (POFs) 1996 e 2003, ainda que as duas classes de rendimento familiar mensal tenham recortes diferentes, mostra que a participação percentual das despesas com saúde em relação à renda familiar men- sal da classe mais pobre caiu de 9,2% em 1996 para 4,1% em 2003. No mesmo período, a participação percentual das despesas com saúde 57 CONASS em relação à renda familiar mensal dos mais ricos manteve-se estável, variando de 5,7% em 1996 para 5,6% em 2003. Isso pode significar uma diminuição relativa das desigualdades no sistema de saúde brasilei- ro, verificada em tempos recentes e expressa numa queda importante das despesas diretas dos bolsos das famílias mais pobres em Saúde. Há que se ressaltar que houve uma mudança importante no item me- dicamentos entre as pesquisas de 1996 e 2003. As despesas das famí- lias mais pobres em medicamentos, que eram 52,4% do total da Saúde, subiram para 63,4% em 2003; o que indica que os gastos do próprio bolso com medicamentos é uma fonte de iniqüidade no sistema de saúde brasileiro. 1.3. Os resultados da segmentação dos sistemas de saúde Os sistemas segmentados de saúde são justificados por um argu- mento de senso comum de que, ao se instituírem sistemas especiais para os que podem pagar, sobrariam mais recursos públicos para aten- dimento aos pobres. As evidências empíricas vão em sentido contrá- rio. A instituição exclusiva de sistemas públicos para os pobres leva, inexoravelmente, a um subfinanciamento desses sistemas (Londoño e Frenk, s/data; Hsiao, 1994). A razão é simples: os pobres, em ge- ral, não conseguem se posicionar adequadamente na arena política e apresentam custos de organização muito altos; em conseqüência, dispõem de baixa capacidade de articulação de seus interesses e de vocalização política. Essa é a razão pela qual Lord Beveridge estava certo ao advertir, nos anos 40, que “políticas públicas para os pobres são políticas pobres”. O caso do sistema segmentado americano é ilustrativo: os dois sis- temas públicos, o Medicaid e o Medicare, apresentam diferenças qua- litativas significativas. A explicação é que o Medicaid apresenta pior qualidade porque é um sistema exclusivo para os pobres, enquanto o Medicare envolve idosos de diferentes estratos sociais, o que o torna mais suscetível a pressões de grupos sociais mais organizados, espe- cialmente os segmentos de classe média que dele fazem parte (Ema- nuel, 2000). No Chile, uma política deliberada do governo militar de segmentar o sistema nacional de saúde gerou iniqüidades profundas no sistema (Iturriaga, 2000). Os sistemas segmentados levam, em geral, à iniqüidade. O sistema segmentado dos Estados Unidos, apesar de ter o maior gasto per capi- ta no mundo, exclui de seus benefícios, de forma crescente, 43 milhões de cidadãos (Institute of Medicine, 2004). 60 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS GRÁFICO 16: PROPORÇÃO DE PESSOAS SEGUNDO AUTO-AVALIAÇÃO DE SAÚDE E USO DE SERVIÇOS POR CLASSE DE RENDIMENTO. BRASIL, 2003. 1.4. SUS universal, uma utopia? A resposta a essa questão envolve uma incursão, no cenário in- ternacional, para verificar os fatores que explicam porque alguns países optaram por sistemas públicos universais e outros por siste- mas segmentados. Essas alternativas de conformação dos sistemas de saúde são definidas a partir dos valores vigentes nas sociedades. Países que se organizaram com base em valores mais solidários, como as so- ciais-democracias européias, implantaram sistemas públicos uni- versais, sejam beveridgeanos, sejam bismarckianos. Países que se estruturaram a partir de valores mais individualistas articularam sis- temas segmentados. Fonte: Travassos (2005). 0 8,0 6,0 4,0 2.0 10,0 12,0 14,0 16,0 18,0 20,0 ATÉ 1 SALÁRIO MINÍMO MAIS DE 1 A 2 SALÁRIOS MINÍMOS MAIS DE 2 A 3 SALÁRIOS MINÍMOS MAIS DE 3 A 5 SALÁRIOS MINÍMOS MAIS DE 5 A 10 SALÁRIOS MINÍMOS MAIS DE 10 A 20 SALÁRIOS MINÍMOS MAIS DE 20 SALÁRIOS MINÍMOS USO DE SERVIÇOS AUTO-AVALIAÇÃO RUIM E MUITO RUIM 61 CONASS Esses valores da sociedade influem, de certa forma, na alocação de recursos para os sistemas de saúde, especialmente na composição re- lativa do gasto sanitário público e privado. A evidência internacional, mostrada na Tabela 3, permite afirmar que os sistemas públicos uni- versais caracterizam-se por uma participação relativa do gasto públi- co em relação ao gasto sanitário total em percentuais superiores a valores próximos a 70% (Canadá, Costa Rica, Cuba, França, Alemanha, Itália, Portugal, Espanha, Suécia e Reino Unido). Essa participação re- lativa no Brasil é de 45,3%, o que não é suficiente para desenvolver uma política pública de saúde universal. TABELA 3: PERCENTUAL DO GASTO PÚBLICO EM RELAÇÃO AO GASTO TOTAL EM SAÚDE EM PAÍSES SELECIONADOS, 2003 PAÍS % CUBA 86,8 REINO UNIDO 85,7 SUÉCIA 85,2 COSTA RICA 78,8 ALEMANHA 78,2 FRANÇA 76,3 ITÁLIA 75,1 ESPANHA 71,3 CANADÁ 69,9 PORTUGAL 69,7 CHILE 48,8 ARGENTINA 48,6 MÉXICO 46,4 BRASIL 45,3 ESTADOS UNIDOS 44,6 Fonte: World Health Organization (2006). Portanto, as possibilidades de um SUS universal passam por dois aspectos fundamentais: o sistema de valores da sociedade sobre os quais se estruturará o desenvolvimento brasileiro e o volume e a com- posição do gasto em Saúde. 62 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS A materialização do SUS como sistema público universal implicará definir que opção valorativa a sociedade brasileira irá tomar para o seu desenvolvimento econômico e social nos anos futuros. Essa opção talvez não tenha sido feita, ainda, em caráter definitivo. A outra ques- tão fundamental é: qual SUS a sociedade brasileira deseja e quanto está disposta a pagar por ele? Isso remete a outro desafio do SUS, o do seu financiamento. 65 CONASS dos pelo Instituto Nacional de Seguridade Social passaram a cobrir as despesas previdenciárias e o setor teve que disputar, com distintas áreas, outras fontes de receitas. Nesse cenário surgiram algumas soluções para dar maior estabili- dade ao financiamento da Saúde, como a Contribuição Provisória so- bre Movimentação Financeira (CPMF), em 1996, e a Emenda Cons- titucional n. 29, em 2000, que vinculou o mínimo a ser aplicado em ações e serviços de saúde pelos governos municipais e estaduais e pela União. Para os Estados, o mínimo é de 12% das receitas próprias e para os municípios, 15% das receitas próprias. No caso da União, o limite mínimo de gasto foi estabelecido como o valor empenhado em 1999, acrescido de 5% e, nos anos subseqüentes, da variação nominal do Produto Interno Bruto (CONASS, 2006). Não obstante a legislação construída ao longo dos anos, os recursos financeiros para o SUS têm sido insuficientes para dar suporte a um sistema público universal de qualidade. Na Tabela 3, página 61, pode-se observar que o Brasil tem uma com- posição de gasto em Saúde incompatível com o financiamento de um sistema público universal. Os gastos públicos representam 45,3% dos gastos totais em Saúde; esse valor é muito inferior aos dos países que têm sistemas públicos universais, um pouco superior ao valor dos Es- tados Unidos e inferior aos valores de Argentina, Chile e México. Na Tabela 4 pode-se verificar que, em termos internacionais, o Brasil gasta pouco em Saúde. Em termos percentuais do PIB o Brasil supera Chile, Costa Rica e México, mas situa-se abaixo da Argentina e dos paí- ses desenvolvidos da OECD, que, em média, despendem 8,5% do PIB com saúde. Contudo, em relação aos gastos per capita em dólares médios, o Brasil gasta, apenas, 212 dólares anuais per capita, valor inferior aos de Argentina (426 dólares), Chile (282 dólares), Costa Rica (305 dólares) e México (372 dólares). A comparação com a Argentina é interessante por- que, mesmo depois de uma enorme crise, aquele país ainda gasta mais em Saúde que o Brasil; anteriormente à crise, a Argentina gastava três vezes mais que o Brasil. Por certo, os gastos per capita do Brasil são muito inferiores aos dos países desenvolvidos. Entretanto, o que chama mais atenção é o gasto público per capita. O gasto público per capita do Brasil é de apenas 96 dólares anuais, frente a 148 dólares da Argentina, 137 dólares do Chile, 240 dólares da Costa Rica e 172 dólares do México (World Health Organization, 2006). 66 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS TABELA 4: GASTOS EM SAÚDE EM PAÍSES SELECIONADOS, 2003. PAÍS % DO PIB PER CAPITA (US$) PER CAPITA PÚBLICO (US$) ARGENTINA 8,9 305 148 BRASIL 7,6 212 96 CANADÁ 9,9 2.669 1.866 CHILE 6,2 282 137 COSTA RICA 7,3 305 240 ESTADOS UNIDOS 15,2 5.711 2.548 ITÁLIA 8,4 2.139 1.607 MÉXICO 6,2 372 172 PORTUGAL 9,6 1.348 940 REINO UNIDO 8,0 2.428 2.081 Fonte: World Health Organization (2006). Os gastos sanitários brasileiros, além de pequenos, apresentam nos últimos anos uma tendência declinante, como se observa na Tabela 5. De um valor per capita de US$ 243,00 passou, em 2003, para US$ 212,00 (World Health Organization, 2006). TABELA 5: GASTOS PER CAPITA EM SAÚDE NO BRASIL. PERÍODO 1999/2003. ANO GASTOS EM US$ 1999 243 2000 268 2001 224 2002 199 2003 212 Fonte: World Health Organization (2006). Os gastos em Saúde no Brasil, estimados para 2005, estão da Tabe- la 6. O gasto público foi de 68,8 bilhões no ano, o que representou um gasto per capita de 380 reais. Os gastos privados somaram 83 bilhões, dos quais 36,2 bilhões, 23,8% do total, foram no Sistema de Saúde Su- plementar e 46,8 bilhões, 30,9% do gasto total, no Sistema de Desem- bolso Direto. Mais uma vez manifesta-se a precariedade do gasto em Saúde no Brasil, especialmente do gasto público. Portanto, não há dúvidas de que, em comparações internacionais, o Brasil gasta pouco em Saúde e gasta muito pouco com o sistema público de saúde. 67 CONASS TABELA 6: GASTOS ESTIMADOS EM SAÚDE, POR SEGMENTOS. BRASIL, 2005 SEGMENTO DO SISTEMA DE SAÚDE GASTO ANUAL EM R$ BILHÕES % SUS 68,8 45,3 SISTEMA DE SAÚDE SUPLEMENTAR 36,2 23,8 SISTEMA DE DESEMBOLSO DIRETO 46.8 30,9 TOTAL 151,8 100,0 Fontes: Ministério da Fazenda: STN, In: Afonso (2006). Agência Nacional de Saúde Suplementar (2006). World Health Organization (2006). Dos dados apresentados pode-se concluir que o Brasil tem um gasto sanitário baixo, apresenta um gasto público em Saúde muito pequeno e que a tendência dos gastos em Saúde não é de aumento. Com esse volume e essa composição de gastos em Saúde não se poderá implan- tar um sistema público universal. Em conseqüência, é necessário ex- pandir o gasto público em Saúde. 2.3. O aumento do gasto público em Saúde no Brasil Não há dúvidas de que é necessário aumentar os gastos públicos em Saúde no Brasil para que se possa construir um sistema públi- co universal de qualidade. Todavia, há, no momento nacional, limites importantes a essa situação desejada. O financiamento do aumento dos gastos públicos, em geral, e dos gastos socais, em particular, no Brasil, vem sendo feito mediante o incremento constante da carga tributária. Esse mecanismo parece ter se esgotado. Em moeda constante de 2005, a carga tributária per capita no país passou de R$ 2.042,16 em 1980 para R$ 4.160,26 em 2005, o que signi- fica que esses valores mais que dobraram em uma geração. Uma outra forma de verificar o aumento da carga tributária é por meio do trabalho e pode ser medida pelos dias de trabalho despendi- dos para pagamento de impostos e contribuições. Em 1980 eram, em média, 89 dias de trabalho e em 2005 os brasileiros trabalharam 142 dias no ano só para pagar impostos. Essas informações mostram uma situação de maior número de dias de trabalho no Brasil para pagar tri- butos em relação a países como Holanda, Reino Unido, Canadá, Japão, Portugal e Estados Unidos. A carga tributária medida em percentual do PIB também teve um grande crescimento no Brasil. Somente no período de 2000 a 2005, a 70 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS Uma incursão pela composição do gasto público consolidado bra- sileiro, realizada na Tabela 8, mostra que 58,3% do total são gastos com a previdência social (38,7%) e com o serviço da dívida pública (19,6%). Os gastos com a previdência social representam 16,7% do PIB e os gastos com o serviço da dívida pública, 8,5% do PIB. Os gastos sociais atingem 21,9% do PIB, 12,4% com benefícios, 4,5% com Edu- cação e apenas 3,5% com Saúde. Portanto, não parece correto afirmar que a melhoria da qualidade do gasto público implica constranger os gastos com saúde. Ao contrário, pelos padrões internacionais, há que aumentá-los. Um melhor equilíbrio nos gastos públicos deve passar pelos seus dois componentes principais, que são a seguridade social e o serviço da dívida. Os gastos com serviço da dívida são 2,4% maiores que os gastos em Saúde, em relação ao PIB. TABELA 8: COMPOSIÇÃO DO GASTO PÚBLICO NO BRASIL POR FUNÇÕES, 2005 GRUPOS DE FUNÇÕES GASTO PÚBLICO TOTAL % PIB % SEGURIDADE SOCIAL E TRABALHO 38,7 16,7 SERVIÇO DA DÍVIDA 19,6 8,4 EDUCAÇÃO, CULTURA E DESPORTOS 11,0 4,7 SAÚDE 8,1 3,5 DEFESA E SEGURANÇA 5,1 2,2 SERVIÇOS URBANOS E SANEAMENTO 3,6 1,5 Fonte: Ministério da Fazenda: STN, In: Afonso (2006). No entanto, o necessário e desejável incremento do gasto públi- co em Saúde é dificultado por uma idéia, de senso comum, de que a Saúde já consumiria demasiados recursos públicos. Muitas vezes esse sentimento expressa-se, simbolicamente, na afirmação de que o Ministério da Saúde é o segundo melhor orçamento na Esplanada dos Ministérios. Numa incursão pelas evidências internacionais, feita na Tabela 9, pode-se verificar que os gastos públicos em Saúde em relação aos gastos governamentais totais são inferiores no Brasil a todos os países selecionados, sejam eles desenvolvidos ou em desen- volvimento. Interessante ressaltar que na economia mais liberal do 71 CONASS mundo, os Estados Unidos, o gasto público em Saúde atinge de 18,5% do gasto público total. Essas informações comparadas internacional- mente atestam, mais uma vez, que é justificável incrementar os gastos públicos em Saúde no Brasil. TABELA 9: GASTOS PÚBLICOS EM SAÚDE COMO PERCENTUAL DOS GASTOS PÚBLICOS TOTAIS EM PAÍSES SELECIONADOS, 2003 PAÍS % COSTA RICA 22,8 ESTADOS UNIDOS 18,5 ALEMANHA 17,6 CANADÁ 16,7 REINO UNIDO 15,8 ARGENTINA 14,7 PORTUGAL 14,1 ESPANHA 13,7 FRANÇA 12,8 ITÁLIA 12,8 CHILE 12,7 BRASIL 10,3 MÉXICO 11,7 FONTE: World Health Organization (2006). O aumento dos gastos públicos em Saúde tem, em geral, a oposi- ção de correntes de pensamento econômico que desejam melhorar a qualidade dos gastos governamentais pela diminuição da carga fiscal, transferindo, dessa forma, recursos públicos para os inves- timentos do setor privado. Óbvio que são, além disso, contrários à vinculação orçamentária dos recursos da Saúde. A argumentação desses setores está assentada, no caso da Saúde, na má qualidade dos gastos públicos sanitários a partir de estudos de correlação entre gastos públicos em Saúde e resultados sanitários finalísticos. É o caso de um estudo feito para a Federação do Comércio do Estado de São Paulo e que se denomina “Simplificando o Brasil” (Zockun et al., 2005). A partir de uma associação entre PIB per capita e 72 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS taxas de mortalidade infantil em diferentes países do mundo, conclui- se que o gasto público em Saúde no país tem baixa qualidade porque pela renda per capita era de se esperar uma mortalidade infantil de metade da atual. A partir dessa constatação sugere-se uma agenda de simplificação que inclui o aumento dos gastos públicos pela taxa de crescimento populacional, o aumento da desvinculação da DRU de 20% para 40%, o fim dos limites mínimos para gastos em Saúde e a redução das vinculações de receitas da Saúde e Educação. Essa pro- posta está calcada em supostos discutíveis. Estudos sólidos, feitos em relação ao mundo (Musgrove, 1996) ou em relação à América Latina e Caribe (Médici, 2005), não encontraram uma correlação entre gastos em Saúde e mortalidade infantil. A taxa de mortalidade infantil brasi- leira é alta frente às de outros países, não pela baixa produtividade dos serviços de saúde mas pela presença significativa de mortes infantis em regiões de baixo desenvolvimento econômico e social. Essas mor- tes excessivas, concentradas relativamente no componente pós-neo- natal, devem-se muito mais a fatores do ambiente do que aos serviços de saúde. Ou seja, o que transforma o Brasil em outlier na mortalidade infantil são as desigualdades de renda, de escolaridade e de acesso a serviços de saneamento. Por isso, a agenda derivada da análise não necessariamente vai impactar positivamente a mortalidade infantil no país, nem melhorar a qualidade do gasto público em Saúde. 2.4. O aumento do gasto público em Saúde como questão política Está claro que o aumento do gasto público em Saúde é tecnica- mente justificável, mas encontra seus limites na carga fiscal e nas dificuldades que o país tem tido em crescer de forma sustentada. Aumentar os gastos públicos em Saúde remete, portanto, a uma disputa distributiva nos orçamentos públicos com outras catego- rias de gastos. Essas decisões alocativas dos orçamentos públicos fazem-se na arena política. O que define, ao fim e ao cabo, os dire- cionamentos dos recursos escassos são as opções preferenciais da população que se transformam em demandas sociais e chegam aos agentes de decisão política. Como se viu anteriormente, o problema dos sistemas segmentados é que eles tendem ao subfinanciamento pela fragilidade da articula- ção dos interesses e da vocalização política das maiorias mais pobres. Os segmentos de classe média, os formadores de opinião, retiram-se do SUS e abrigam-se no Sistema de Saúde Suplementar e, por isso, não têm interesse em defender mais recursos para o sistema público, até mesmo porque têm uma imagem mais negativa do sistema público 75 CONASS tante, também, melhorar sua qualidade. A luta por mais recursos para o SUS muitas vezes obscurece a realidade de que existem ineficiên- cias e iniqüidades a superar. A questão da eficiência do SUS é um tema central a ser considerado e que, enfrentado com determinação, dará maior legitimidade para lutar por mais recursos públicos para a Saúde. Contudo, não se pode colocar a busca da eficiência do SUS como precondição para maiores recursos; essas ações devem ser rea- lizadas concomitantemente. A melhoria da qualidade dos gastos do SUS passa por uma integra- lidade regulada, por ações para superação das ineficiências econômi- cas e alocativas e pela diminuição das iniqüidades na alocação dos recursos financeiros do SUS. 2.7. A integralidade regulada 2.7.1. Conceito A integralidade é um conceito polissêmico, admitindo, portanto, várias significações. Num plano macro, tem sido decodificada como o conjunto de serviços que são ofertados pelos sistemas públicos de saúde aos cidadãos; num plano micro, pode ser entendida “como a arti- culação entre ações preventivas e assistenciais ou como um modo am- pliado de apreensão das necessidades das pessoas” (Mattos,2003). Aqui vai se trabalhar a integralidade em sua significação macro, o que implica defini-la como um conjunto de serviços de saúde ofertados nos diversos níveis dos sistemas, de natureza promocional, preventiva, curativa ou reabilitadora, proporcionado individual ou coletivamente, eticamente estruturado, de efetividade comprovada, provido com se- gurança para os profissionais de saúde e para os usuários e formatado para atender às necessidades de saúde da população. A integralidade, juntamente com a universalização, é um dos princípios valorativos do SUS. Todavia, difere, em sua aplicação, da universalização. Pelo princípio da universalização todos os brasileiros têm direito aos serviços do SUS e esse acesso universal não pode ser restringido, de nenhuma forma e em nenhuma circunstância. A inte- gralidade merece ser interpretada, não para impor restrições injusti- ficadas ou injustas ou para ferir direitos, mas para instituir, mediante consensos fundamentados na evidência científica e em princípios éti- cos, validados socialmente, regras claras e transparentes que impri- mam racionalidade à oferta dos serviços de saúde. 76 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS A integralidade, corretamente interpretada nos sistemas de saúde, racionaliza a oferta dos serviços e, por isso, transforma-se em instru- mento fundamental de melhoria da eficiência dos gastos em Saúde. Até porque a experiência internacional de reformas sanitárias mostra que as medidas mais eficazes de aumento da eficiência dos sistemas de saúde fazem-se do lado da oferta e não da demanda (Saltman e Figueras, 1997). 2.7.2. Integralidade clássica e uma nova integralidade A Organização Mundial da Saúde, no Relatório Mundial da Saúde de 2000, fala de diferentes interpretações do universalismo. Uma relei- tura desse posicionamento oficial da OMS, transposta para o campo da integralidade, permite identificar uma integralidade clássica e uma nova integralidade. A integralidade clássica, desenvolvida na primei- ra metade do século XX, especialmente nas economias de bem-estar social, implicava garantir, por meio de sistemas públicos universais, o livre acesso de todos os cidadãos a todos os serviços de saúde. Nas últimas décadas, contudo, fruto das profundas mudanças políticas e econômicas no mundo, foi se impondo uma nova integralidade em que os serviços ofertados aos cidadãos passaram a ser definidos por crité- rios de efetividade e aceitabilidade social. Assim se reconhece que os sistemas de saúde não devem nem podem ofertar a todas as pessoas a totalidade dos serviços disponíveis. Essa nova integralidade rejeita, por igual, o racionamento de serviços de saúde, técnica e socialmente necessários, a grupos inteiros da população, especialmente excluídos por níveis sócio-econômicos (World Health Organization, 2000). Por isso, afasta, por indesejável e eticamente injustificável, a proposta de cestas básicas de serviços de saúde que fizeram parte das reformas do setor nos anos 90 (Banco Mundial, 1993). Como propõe Gilson Carvalho (2006), a integralidade regulada se impõe no SUS e se expressará na definição e oferta, a todos os brasilei- ros, de um conjunto de serviços, discutido com base técnica na efeti- vidade e na segurança das tecnologias, no seu conteúdo ético, em sua conformidade com as necessidades de saúde da população e em sua aceitabilidade social. Assim, o SUS deve ofertar, a todos os brasileiros, um conjunto de serviços sanitária e socialmente necessários. 2.7.3. A experiência internacional A experiência internacional é variada na definição das carteiras de 77 CONASS serviços a serem ofertados nos sistemas de saúde. A Holanda propôs critérios baseados nas necessidades de saú- de, na efetividade, na eficiência e na responsabilidade social (Dun- nig, 1992). Na Suécia, uma Comissão Parlamentar propôs uma carteira de ser- viços a ser conformada pelos princípios de dignidade humana, neces- sidades de saúde da população, solidariedade social e custo/eficiên- cia (Swedish Parlamiamentary Priorities Comission, 1995). No Canadá, os serviços são ofertados, com variações entre provín- cias, a partir de critérios medicamente necessários, o que permite ex- cluir certos serviços (Deber et al., 1998). Na Espanha discute-se uma legislação sanitária que obriga à de- finição de carteiras de serviços, aprovada por Decreto Real, a partir dos critérios de eficácia, eficiência, efetividade, segurança e utilidade terapêutica, vantagens e alternativas assistenciais, cuidado a grupos menos protegidos ou de risco, necessidades sociais e impactos eco- nômicos e organizativos. Com base nesses critérios um ante-projeto de Decreto Real define a carteira de serviços do Sistema Nacional de Saúde espanhol. A carteira de serviços espanhola está dividida por serviços: Saúde Pública, atenção primária à saúde, atenção especiali- zada, atenção às urgências, atenção farmacêutica, serviços de órtese e próteses, produtos dietéticos e transporte sanitário (Ministério de Sanidad y Consumo, 2005). A Organização Pan-Americana da Saúde propõe que as carteiras de serviços sejam definidas de acordo com as prioridades das políticas de saúde, com as evidências disponíveis acerca de efetividade e cus- tos das tecnologias e com as preferências e os valores da sociedade (Organización Panamericana de la Salud, 2003). 2.7.4. Critérios para definição do conjunto de serviços do SUS O conjunto de serviços sanitária e socialmente necessários do SUS deveria ser definido, sob a liderança do Ministério da Saúde, por meio de um amplo movimento de discussão na sociedade brasileira, a partir de diferentes enfoques metodológicos: os estudos de carga das doen- ças; as prioridades da política nacional de saúde; a medicina baseada em evidência; a avaliação tecnológica em Saúde; os critérios bioéticos; as opiniões de prestadores e gestores de serviços; e a opinião da cida- dania organizada nos Conselhos de Saúde. O ideal é combinar esses 80 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS Uma singularidade dos serviços de saúde é que há uma relação es- treita entre escala e qualidade. Essa relação explica-se por uma crença generalizada de que os serviços de saúde ofertados em maior volume são mais prováveis de apresentar melhor qualidade. Por isso, é comum, em países desenvolvidos, que os sistemas públicos analisem o tamanho dos serviços que compram como uma proxy de qualidade. Por exemplo, há uma associação negativa entre o volume de cirurgias cardíacas rea- lizadas e as taxas de mortalidade por essas cirurgias nos hospitais. Por isso, na Holanda as unidades de cirurgia cardíaca só são credenciadas se apresentarem um volume de, no mínimo, 600 cirurgias por ano (Banta e Bos, 1991). Essa relação entre volume e qualidade dos serviços foi cons- tatada no SUS por Noronha et al. (2003) que demonstraram, em relação às cirurgias coronarianas, que os pacientes operados em hospitais de maior volume de cirurgias apresentaram menor risco de morrer que os opera- dos em hospitais com menor volume de cirurgias. Essa busca por eficiência e qualidade tem levado ao incremento do tamanho das unidades de saúde, especialmente de hospitais. Esse movimento de concentração hospitalar envolve fusões, alianças estra- tégicas e fechamento de hospitais, o que tem diminuído o número de hospitais. No Reino Unido, 63,5% dos hospitais contratados pelo Servi- ço Nacional de Saúde têm mais de 300 leitos e 90,5% dos leitos contra- tados estão em hospitais de mais de 200 leitos (Posnett, 2002). No SUS, o desenvolvimento do parque hospitalar público vem se fa- zendo no sentido contrário ao da experiência internacional. Em parte, isso decorre da forma como o processo de municipalização vem sendo realizado no país. Em função das características dos municípios brasi- leiros, em que 75% deles têm menos de 20 mil habitantes, a descentra- lização da gestão sanitária aos entes locais contribuiu para uma enor- me fragmentação dos serviços que exigem, para operar com eficiência e qualidade, uma escala adequada. É o caso dos hospitais do SUS. A atenção hospitalar do SUS vive uma crise crônica que se arras- ta por anos. Essa crise manifesta-se em três dimensões principais: • o subfinanciamento; • a baixa capacidade gerencial; e • a ineficiência de escala. É evidente que os recursos para a atenção hospitalar no SUS são in- suficientes e isso se manifesta no pagamento de procedimentos, espe- cialmente de média complexidade, por valores muito abaixo dos seus custos. O sistema funciona com baixa capacidade gerencial, seja no 81 CONASS setor estatal, seja no setor privado (BNDES, 2002). Por fim, há muitas ineficiências, especialmente de escala. O caso dos hospitais do SUS é um bom exemplo em que haverá que se aumentar os recursos para financiá-los, mas, concomitantemente, dar um choque de eficiência, com uma profunda reengenharia da rede hospitalar pública. A rede hospitalar do SUS, em 2003, era composta por 6.854 hos- pitais. Esses hospitais tinham 477.266 leitos contratados pelo SUS, 2,7 leitos por mil habitantes, que produziram 11,7 milhões de internações hospitalares, com um gasto anual próximo a 6,8 bilhões de reais. Na Tabela 10 faz-se um exame da composição da rede hospitalar do SUS em 2003, por porte dos hospitais, medido pelo número de leitos. O que se mostra é que 38,8% dos hospitais tinham 30 leitos ou menos; 22,0%, 31 a 50 leitos; 20,9%, 51 a 100 leitos; 11,9%, 101 a 200 leitos; e 6,4%, mais de 201 leitos (Ministério da Saúde, 2003). O exame des- ses números permite concluir que, tomadas as evidências recolhidas na literatura internacional como referências, apenas 1.253 hospitais, 18,3% do total apresentam possibilidades de operar com eficiência; portanto, 81,7% tendem a funcionar com deseconomias de escala. TABELA 10 – REDE HOSPITALAR DO SUS POR PORTE DOS HOSPITAIS, 2003 PORTE DOS HOSPITAIS POR N. DE LEITOS NÚMERO DE HOSPITAIS % 1 a 30 2.659 38,8 31 a 50 1.507 22,0 51 a 100 1.435 20,9 101 a 200 813 11,9 MAIS DE 200 440 6,4 TOTAL 6.854 100,0 Fonte: Ministério da Saúde (2003). A assertiva feita a respeito das ineficiências de escala hospitalar, em função de referências internacionais, foi verificada empiricamente no SUS. Um estudo feito pelo Banco Mundial (2005) acerca da efici- ência da rede hospitalar do SUS mostrou, como se vê no Gráfico 18, que há um grande aumento na eficiência dos hospitais à medida que o número de leitos cresce. A eficiência total dos hospitais com mais de 250 leitos é três vezes superior a dos hospitais com menos de 25 leitos. O que explica a maior parte desses ganhos de eficiência nos maiores hospitais é o componente da eficiência de escala que é, tam- bém, três vezes maior nos hospitais com mais de 250 leitos em relação aos hospitais com menos de 25 leitos. 82 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS GRÁFICO 18: A EFICIÊNCIA DOS HOSPITAIS DO SUS EM FUNÇÃO DO NÚMERO MÉDIO DE LEITOS, 2002 A explicação para a ineficiência de escala pode estar, como aponta a Tabela 11, nas taxas de ocupação dos leitos. Os hospitais do SUS apresentam uma taxa média de ocupação de 28,8%, muito abaixo de um padrão desejável em torno de 80%. Contudo, essa taxa é menor nos hospitais de menor porte, chegando, apenas, a 21,2% nos hospitais com menos de 25 leitos, e a 23,8% nos hospitais com 25 a 49 leitos. A taxa de ocupação só tem um comportamento aceitável nos hospitais com mais de 250 leitos, em que atinge 76,6% de ocupação, o que fala a favor de uma relação entre escala e eficiência. Uma caracterização da morbidade hospitalar permite aprofundar a compreensão do fenômeno das ineficiências de escala na rede hos- pitalar do SUS. É o que pode ser feito pelas internações por condições sensíveis à atenção ambulatorial. Esse indicador capta as condições que são realizadas devido à má qualidade da atenção primária e que, portanto, são condições evitáveis, e as internações desnecessárias que são fruto da aplicação, ao SUS, da Lei de Roemer. Ambos os fe- nômenos estão presentes nos hospitais do SUS; de um lado, há inter- nações que se fazem por deficiências na atenção primária à saúde; de Fonte: Banco Mundial (2005). 1,00 0,90 0,80 0,70 0,60 0,50 0,40 0,30 0,20 0,10 0,00 0-24 LEITOS 25-49 LEITOS 50-99 LEITOS 100-249 LEITOS 250 + LEITOS 1 EFICIÊNCIA INTERNA 2 EFICIÊNCIA DE ESCALA 3 EFICIÊNCIA TOTAL 85 CONASS TABELA 13: EXAMES DE PATOLOGIA CLÍNICA REALIZADOS E VALORES PAGOS PELO SUS. PERÍODO 2002/2005 ANO EXAMES VALOR PAGO R$ BILHÃO 2002 259.780.641 1,033 2003 273.628.095 1,098 2004 286.425.936 1,171 2005 315.349.862 1,304 Fonte: Ministério da Saúde: DATASUS: SIA/SUS (jun/2006). O sistema de apoio diagnóstico do SUS é um caso de enorme ine- ficiência. A respeito desse sistema, sequer se pode falar em aumento dos recursos, como no hospitalar, porque ele não parece estar signifi- cativamente subfinanciado. Aqui, o processo de eficientização parece passar por decisões políticas de superação das ineficiências, o que exigirá um reordenamento profundo para ganhar escala e qualidade. Esse processo tem alto custo político porque implica fechar um grande número de pequenos laboratórios. É necessário que o SUS se reestruture de forma a promover um adensamento da cadeia produtiva da Saúde. A forma de fazer isso é organizar-se em redes de atenção à saúde que descentralizem no limite as unidades de atenção primária à saúde e que centralize, para obter ganhos de escala e aumentar a qualidade dos serviços, as uni- dades de média e alta complexidade, nas regiões sanitárias. É o que se verá na discussão do modelo de atenção à saúde do SUS. 2.10. A ineficiência alocativa A eficiência dos sistemas de saúde depende de uma alocação equi- librada dos recursos entre seus diversos setores. A razão é simples: os problemas complexos como os da Saúde exigem soluções complexas e sistêmicas. Além disso, a situação de saúde brasileira exige, para seu enfrentamento eficiente, a estruturação de redes integradas de aten- ção à saúde. O que implica equilibrar as ações e os gastos do sistema de saúde nos níveis de atenção primária, secundária e terciária de atenção à saúde. Desequilíbrios internos ao sistema, na alocação dos recursos financeiros em função dos diferentes setores de prestação de serviços de saúde, tendem a provocar ineficiências alocativas, reper- cutindo negativamente nos resultados sanitários. A avaliação dos gastos do SUS, por funções, vista na Tabela 14, 86 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS mostra que 43,8% dos gastos são na assistência hospitalar e ambula- torial (ações de média e alta complexidade), 19,6% na atenção primária à saúde, 4,1% em procedimentos profiláticos e terapêuticos e 1,8 em vigilância em Saúde. Essa composição dos gastos do SUS por funções não se diferencia fundamentalmente do que se observa na experiência internacional. TABELA 14: GASTOS DO SUS POR FUNÇÕES, 2005 FUNÇÃO GASTO R$ BILHÕES GASTO % PIB % ASSISTÊNCIA HOSPITALAR E AMBULATORIAL 30,1 43,8 1,55 ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 13,4 19,6 0,69 APOIO PROFILÁTICO E TERAPÊUTICO 2,8 4,1 0,15 VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA 1,4 2,1 0,07 ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO 0,8 1,2 0,04 VIGILÂNCIA SANITÁRIA 0,4 0,6 0,02 DEMAIS FUNÇÕES 19,9 28,9 1,03 TOTAL 68,8 100,0 3,55 Fonte: Ministério da Fazenda: STN, In: Afonso (2006a). Uma análise mais acurada, realizada na função da assistência hos- pitalar e ambulatorial, traz informações menos tranquilizadoras. É que nesse componente, além de um forte subfinanciamento das ações de média complexidade, há uma migração interna desses recursos para os procedimentos de alta complexidade. O subfinanciamento das ações de média complexidade parece es- tar acontecendo no SUS e tem repercussões na eficiência dos gastos, na oferta de serviços e nos resultados sanitários. Uma fonte de cons- tantes reclamações da população em relação ao SUS está na dificulda- de de se obter consultas médicas e exames especializados em tempo oportuno. Sabe-se que há fortes restrições a internações em procedi- mentos de média complexidade. Tudo isso parece estar associado com a insuficiência dos recursos despendidos na média complexidade. Além disso, a restrição de recursos nos procedimentos de mé- dia complexidade faz com os valores pagos aos prestadores desses serviços, pelo SUS, estejam muito defasados e sofram dificuldades para serem reajustados. É o caso dos procedimentos de média com- plexidade hospitalar. 87 CONASS Estudo realizado pelo Ministério da Saúde (2002) acerca dos cus- tos e os valores pagos pelo SUS em relação a 107 procedimentos se- lecionados mostrou resultados preocupantes. Esses 107 procedimen- tos selecionados responderam por 65% dos gastos totais em atenção hospitalar do SUS. Houve variações muito fortes nas defasagens entre os custos dos procedimentos e os valores pagos pelo SUS, mas essas variações estavam determinadas pelas densidades tecnológicas dos procedimentos. Os procedimentos de alta complexidade, em geral, apresentaram valores próximos ou superiores aos custos; ao contrário, os procedimentos de média complexidade, em geral, não tinham seus custos cobertos pelos valores pagos, podendo chegar, nos serviços intensivos em cognição, a valores 75% inferiores aos custos. Jannett (2002) fez um trabalho de benchmarking, comparando os valores da tabela SUS com os valores pagos pelo Programa Medica- re na região metropolitana de Boston. Os valores adotados por esse sistema público americano, em termos relativos, não estão livres de distorções, mas vêm sendo constantemente equilibrados ao longo dos anos. Também, os valores absolutos pagos nos Estados Unidos são sempre maiores que os praticados pelo SUS, mas o que o autor quis analisar é a estrutura de valores relativos em ambos os sistemas. Os resultados desse trabalho mostram uma relação perversa no SUS, em que os procedimentos cognitivos são extremamente desvalorizados frente aos procedimentos intensivos em tecnologias de produtos. Isso pode ser constatado pelos seguintes dados concernentes às relações entre os valores SUS e Medicare: consulta médica, 1/65; ressonância para fígado, 1/3; e transplante renal, 1/2. A conclusão do trabalho é que as distorções da tabela SUS não encontram paralelo na experi- ência internacional e mostram uma desvalorização absoluta dos pro- cedimentos intensivos em cognição que compõem boa parte do con- junto dos serviços de média complexidade. Além dos problemas de remuneração dos procedimentos, há uma dinâmica perversa de reajustes da tabela SUS. Um estudo do Minis- tério da Saúde (2001) mostrou os seguintes reajustes porcentuais, de 1995 a 2001, na tabela de internações hospitalares: retirada de órgão para transplante, 300%; tratamento clínico da contusão cerebral, 113%; prostatectomia, 75%; insuficiência renal aguda, 51%; bronquite aguda, 48%; e crise hipertensiva, 47%. Por essas razões, as projeções de crescimento dos gastos do SUS até 2010, realizadas por Vianna et al. (2005), mostram um 90 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS medicamentos de dispensação em caráter excepcional cresceram de 80 por mês em 1996 para 600 por mês em 2002, um acréscimo de 650% no período (Kanamura, 2002). Os gastos do SUS com procedimentos de alta complexidade apresen- tam, nos medicamentos de dispensação em caráter excepcional, uma situação crítica que pode configurar crescente ineficiência alocativa dos recursos públicos de saúde. Pode-se verificar, no Gráfico 20, que a participação percentual dos gastos com medicamentos de dispensação em caráter excepcional em relação aos gastos totais do Ministério da Saú- de com medicamentos subiu de 14,9% em 1995 para 35,3% em 2005. O incremento dos gastos com medicamentos de dispensação em ca- ráter excepcional vem repercutindo nos orçamentos federal e estadu- ais da Saúde. Dados levantados pela Assessoria Técnica do CONASS (2006), contidos na Tabela 16, indicam que esses gastos subiram de 1,050 bilhão de reais em 2003 para 1,925 bilhão de reais em 2005. O au- mento desses gastos é verificado tanto no Ministério da Saúde quanto nas Secretarias Estaduais de Saúde. No caso dos medicamentos de dispensação em caráter excepcional (os de maior custo), o incremento de gastos com sua aquisição nos últimos anos tem onerado significativa e exponencialmente as Secre- tarias Estaduais de Saúde, apesar de que, originariamente, essa res- ponsabilidade seja exclusivamente federal. É preciso definitivamente estabelecer a reformulação do Progra- ma de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional, com aumento significativo do aporte de recursos federais. Certamente a solução dos problemas do desequilíbrio interno na assistência de alta e média complexidade passa pelo aumento dos gastos públicos em Saúde. Concomitantemente, medidas de aumento da qualidade desses gastos deveriam ser adotadas. Já se mencionou, anteriormente, a ne- cessidade de definir os serviços a serem ofertados, com critério de relevância sanitária e social, e a utilização de mecanismos de ava- liação tecnológica que estabeleçam as diretrizes de uso dessas tec- nologias. Contudo, para evitar a migração dos recursos da média para a alta complexidade, seria interessante separar, em dois blo- cos isolados, os recursos federais destinados a esses dois grupos de tecnologias sanitárias. Se isso não resolve o problema do volume dos gastos com esses serviços, pode dar maior transparência às alocações relativas de ambos e constranger o fluxo dos recursos da média para a alta complexidade. O Pacto pela Vida/Pacto de Gestão 91 CONASS GRÁFICO 20: PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL DOS GASTOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE EM MEDICAMENTOS DE DISPENSAÇÃO EM CARÁTER EXCEPCIONAL EM RELAÇÃO AOS GASTOS TOTAIS COM MEDICAMENTOS. PERÍODO 1995-2005 TABELA 16: GASTO FEDERAL E ESTADUAL DO SUS COM MEDICAMENTOS DE DISPENSAÇÃO EM CARÁTER EXCEPCIONAL. PERÍODO 2003 A 2005 ANO FEDERAL R$ ESTADUAL R$ TOTAL R$ 2003 523.721.259 527.164.730 1.050.885.889 2004 901.465.174 547.314.282 1.448.779.457 2005 1.206.640.566 718.854.126 1.925.494.692 Fonte: Assessoria técnica do CONASS (2006b). os coloca em um único bloco. Por fim, seria necessário elaborar e implantar sistemas mais robustos e transparentes para o creden- ciamento dos serviços de alta complexidade que considerassem, com base em evidências, além de critérios populacionais e de acesso, as relações entre volume e qualidade dos serviços. 2.11. A eqüidade do financiamento A eqüidade em Saúde foi definida pela Sociedade Internacional de Eqüidade em Saúde, na Conferência sobre Eqüidade em Saúde de (*) A estimativa considerou os gastos com antiretrovirais (DST/Aids), mas não inclui os gastos com medi- camentos destinados a paciente internados Fonte: Vianna et al (2005). 35,3 33,0 30,5 26,1 30,5 26,6 16,5 22,4 23,1 23,2 14,9 0,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0 35,0 40,0 1995 Ano 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 92 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS Havana de 2000, como a ausência de diferenças sistemática e po- tencialmente remediáveis em um ou mais aspectos da Saúde que se manifestam em populações ou grupos populacionais, definidos social, demográfica ou geograficamente (Starfield, 2006). A Organização Mundial da Saúde estabelece que um dos objetivos dos sistemas de saúde é o alcance de um nível ótimo de saúde, distri- buído de forma eqüitativa (World Health Organization, 2000). Apesar disso, a eqüidade não atinge, na legislação constitucional e infracons- titucional do SUS, um status jurídico singularizado. A Lei n. 8.080/1990 apenas menciona no seu art. 2º, parágrafo 1º, o dever do Estado de estabelecer acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde. Não obstante, a eqüida- de tem sido interpretada, seja no discurso oficial, seja na fala de atores sociais de relevância na arena sanitária, como um princípio do SUS. É justo que seja assim porque os sistemas públicos universais devem buscar a eqüidade. A eqüidade em Saúde pode ser analisada em diferentes perspec- tivas: no atendimento/uso dos serviços, nos resultados sanitários e no financiamento. Aqui, vai tratar-se da eqüidade no financiamento do SUS, a partir das transferências dos recursos do Ministério da Saúde aos Estados. Tem havido, especialmente em anos recentes, uma diminuição das diferenças nos valores per capita das transferências federais aos Es- tados. No período de 2002 a 2004 esses valores aumentaram 24,4% no Norte, 23,5% no Nordeste e 17% no Sudeste e Sul (Ministério da Saúde, 2005b). Em 2005 as transferências per capita dos recursos do Ministério da Saúde para os Estados brasileiros, conforme a Tabela 17, mostra uma situação que se aproxima de uma distribuição igualitária. Contudo, uma alocação de recursos igualitária, ainda que tenha as vantagens da aceitabilidade política e da transparência, não significa uma distribuição eqüitativa porque não se faz segundo as necessida- des em Saúde diferenciadas das populações. Se toma o IDH como uma proxy das necessidades em Saúde e a cobertura do Sistema de Saú- de Suplementar como uma proxy das necessidades socioeconômicas; como se vê na Tabela 17, a distribuição próxima à igualdade torna-se iníqua. Tomem-se os casos do Rio Grande do Norte e São Paulo. O Rio Grande do Norte recebeu do Ministério da Saúde, no ano, R$ 125,91 per capita e São Paulo um valor, muito próximo, de R$ 126,43. Entre- tanto, o Rio Grande do Norte tem um IDH de 0,705 e uma cobertura de planos privados de 10,3% da população; São Paulo tem um IDH de 0,820 e uma cobertura privada de 37,8% da população. 95 CONASS 3. O DESAFIO DO MODELO INSTITUCIONAL DO SUS O Brasil é um país federativo e, por essa razão, o modelo institucio- nal do SUS foi construído para ser operado pela trina federativa. Os entes federados mantêm, entre si, diretamente ou pela mediação de instituições de gestão compartilhada e de controle social, complexas inter-relações. Os avanços obtidos pelo SUS e o sucesso dos programas desenvol- vidos nos últimos anos devem-se, em boa parte, à contribuição parcei- ra dos governos federal, Estaduais e municipais e à vigilante ação de controle social exercida pelos Conselhos de Saúde, em suas diversas instâncias. O modelo institucional do SUS tem sido considerado uma prática exitosa de governança de políticas públicas, tanto que tem servido de modelo para outros setores governamentais, como os de segurança pública e assistência social. Não obstante, há desafios a superar no plano institucional que se devem às características singulares da federação brasileira, à crise do federalismo fiscal e às suas repercussões na Saúde, além do modelo descentralizador adotado na Saúde. 3.1. A federação brasileira Os países se organizam institucionalmente de várias formas: a aliança ou associação de Estados, a Confederação, a Federação e o federalismo. O Brasil optou pelo federalismo, ainda que não seja a forma mais comum de organizar as relações de poder em bases geo- políticas segundo a experiência internacional. A primeira experiência de federalismo, na acepção moderna do ter- mo, foram os Estados Unidos em 1787 e foi nela que se inspirou o fe- deralismo brasileiro. A essência do federalismo, expressa por Elazar (1987), é o equilíbrio entre o governo nacional e os governos subnacio- nais e entre a cooperação e a competição interfederativas. O federalismo pressupõe a dupla soberania: a derivada do poder de autogoverno dos entes subnacionais e a do poder nacional, repre- sentante de toda a população do país. A justificativa da solução federalista deve-se a duas caracterís- 96 SUS: AVANÇOS E DESAFIOS ticas essenciais, a heterogeneidade e a unidade na diversidade. A heterogeneidade pode materializar-se nas dimensões territoriais, étnicas, lingüísticas, econômicas, sociais, culturais e políticas. A uni- dade na diversidade garante as autonomias regionais ou locais, mas resguarda a integridade, especialmente a territorial, frente às hetero- geneidades. O federalismo implica o equilíbrio entre autonomia e interdepen- dência dos entes federativos porque esse modelo de governo é in- trinsecamente conflitivo. Isso se garante mediante uma Constituição escrita que define as regras de convivência pela instituição de um sis- tema de freios e contrapesos e por mecanismos de parceria entre os entes federados. Idealmente, há dois modelos de relacionamentos intergoverna- mentais no federalismo: o competitivo e o cooperativo (Abrúcio (2002). O modelo competitivo, muito valorizado nos Estados Unidos e baseado nos valores do mercado, estimula a competição entre os entes federados a fim de que os governos aumentem a responsividade para atender melhor e mais eficientemente aos seus cidadãos. Segun- do esse modelo, os cidadãos, considerados consumidores dos serviços dos governos, teriam maiores possibilidades de escolha num ambien- te de competição interfederativa. O modelo cooperativo, vigente em países como Austrália, Alemanha e Canadá, está assentado na possibilidade de submeter o auto-interesse ao interesse de todos, gerando um excedente cooperativo na ação interfederativa. Na reali- dade, as experiências federativas combinam cooperação e competição sendo desejável um equilíbrio entre elas. A presença relativa parece depender, como no caso dos sistemas de saúde, dos valores da socie- dade hegemônicos. O federalismo cooperativo admite duas alternativas: o federalis- mo interestadual e o federalismo intra-estatal. No federalismo in- terestadual há uma clara separação dos poderes entre os níveis de governo, de modo que as competências entre os membros do pacto federativo estejam bem definidas e as competências concorrentes mi- nimizadas. No federalismo intra-estatal há um incentivo às ações con- juntas nas políticas públicas; nesse caso, a delimitação das competên- cias é menos importante que a participação em colegiados de decisão e monitoramento das políticas. Essas duas formas de federalismo se encontram, ora com predominância do modelo interestadual, como nos Estados Unidos, ora com hegemonia do modelo intra-estatal, como na Alemanha e na Austrália. 97 CONASS O federalismo brasileiro é predominantemente cooperativo e he- gemonicamente intra-estatal. Ele apresenta elementos de competi- ção e de cooperação. O caso da guerra fiscal entre os Estados da fede- ração configura uma competição predatória no nosso federalismo. O caso do SUS aproxima-se de uma experiência de federalismo cooperativo. Um dos problemas do federalismo cooperativo é que em países de forte tradição centralizadora, como os latino-americanos, a cooperação costuma ser resultado de uma linha hierárquica descen- dente que enfraquece a autonomia dos governos subnacionais e cons- trange o excedente cooperativo da ação solidária (Abrúcio, 2002). Isso pode estar acontecendo no federalismo sanitário brasileiro. Além desse problema de falta de simetria entre os entes federados, o federalismo cooperativo brasileiro apresenta um problema de or- dem jurídica pela ausência de um instrumento legal que propicie uma vinculação forte em relação às políticas pactuadas. A forma jurídica de ordenamento da pactuação interfederativa é o convênio que é um mecanismo vertical e que institui regras unilaterais de relacionamen- to. Essa, talvez, seja a razão pela qual surgiu a nova legislação de con- sórcios que permite, inclusive, o consorciamento de entes federados distintos. Outro problema do federalismo cooperativo brasileiro está no municipalismo autárquico, expressão cunhada por Celso Daniel em 2001, segundo Abrúcio (2002). Essa forma de descentralização tem a vantagem de colocar as responsabilidades pelas políticas públicas mais próximas aos cidadãos e de aumentar a oferta local desses ser- viços. Por outro lado, apresenta desvantagens inequívocas. Uma delas é determinada pela situação de forte constrangimento dos recursos públicos; nesse caso, estabelece-se uma competição entre os entes federados, em que cada qual pretende repassar os seus custos aos outros. Na área social esse mecanismo foi identificado como uma ten- tativa de cada nível de governo transferir a outro os custos políticos e financeiros das políticas sociais e reservar, para si, os benefícios dela decorrentes (Arretche, 1996). E mais ainda, pode haver uma tendên- cia à fragmentação de certos serviços sociais, como os de saúde, que exigem escala para operarem com eficiência e qualidade. Assim, o municipalismo autárquico pode introduzir elementos de competição predatória nos sistemas sociais. O municipalismo autárquico articula-se com a natureza singular da descentralização brasileira, especialmente após a Constituição Fede-
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved