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Introdução ao problema de Sturm-Liouville, Notas de estudo de Matemática

Sturm-Liouville

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 03/05/2010

pedro-miranda-9
pedro-miranda-9 🇧🇷

4.6

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Baixe Introdução ao problema de Sturm-Liouville e outras Notas de estudo em PDF para Matemática, somente na Docsity! Caṕıtulo 14 Introdução ao Problema de Sturm-Liouville Conteúdo 14.1 Comentários Iniciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 661 14.2 O Problema de Sturm . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 666 14.2.1 Soluções Fundamentais e Funções de Green . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 667 14.2.2 A Função de Green. Resolvendo o Problema de Sturm . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 668 14.2.3 O Teorema de Green . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 671 14.3 O Problema de Sturm-Liouville . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 673 14.3.1 Propriedades Básicas dos Auto-Valores e Auto-Funções de Problemas de Sturm-Liouville . . . . 675 14.3.1.1 A Simplicidade dos Auto-Valores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 675 14.3.1.2 O Lema de Green . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 676 14.3.1.3 Realidade dos Auto-Valores e Auto-funções. Ortogonalidade de Auto-funções . . . . . . 677 14.3.1.4 Propriedades dos Autovalores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 679 14.3.2 A Equação Integral de Fredholm . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 683 14.3.3 Uma Aplicação do Problema de Sturm-Liouville . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 685 14.3.4 Métodos Variacionais de Determinação de Autovalores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 688 14.4 Comentários Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 691 14.4.1 Um Problema de Sturm-Liouville Singular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 691 14.5 Exerćıcios Adicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 694 APÊNDICES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 697 14.A Prova do Teorema 14.1. Existência e Unicidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 697 14.B Prova da Proposição 14.2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 698 14.C Comentário Sobre o Determinante Wronskiano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 699 14.D Demonstração do Teorema 14.3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 700 14.D.1 Prova da Desigualdade (14.D.17) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 703 O presente caṕıtulo é dedicado ao problema de Sturm1-Liouville2, um clássico problema da teoria das equaçõesdiferenciais, com diversas aplicações em F́ısica. Historicamente o problema de Sturm-Liouville engendrou umasérie de desenvolvimentos que conduziram, no começo do século XX, ao nascimento de uma nova e importanteárea da Matemática, a Análise Funcional, área essa que é de importância fundamental para a F́ısica Quântica. Há uma vasta literatura sobre o problema de Sturm-Liouville, sendo seus rudimentos tratados na grande maioria dos livros dedicados à teoria das equações diferenciais ordinárias. Para uma referência geral sobre o problema de Sturm-Liouville regular, centrada em aspectos anaĺıtico-funcionais, vide [85]. Para uma referência recente, vide [186]. No presente caṕıtulo trataremos apenas de problemas de Sturm-Liouville de segunda ordem, i.e., envolvendo equações diferenciais lineares de segunda ordem, e nos restringiremos também a uma classe de problemas ditos regulares. Para problemas de Sturm-Liouville de ordem superior, vide [87]. Na Seção 10.1 do Caṕıtulo 10, página 474, são feitas algumas generalizações a problemas não-regulares. 14.1 Comentários Iniciais Inúmeros problemas em F́ısica envolvem a resolução de equações diferenciais ordinárias lineares de segunda ordem e o estudo de propriedades gerais de suas soluções. De modo geral, uma equação diferencial desse tipo é da forma u′′ + a1(x)u ′ + a0(x)u = g(x) , (14.1) 1Jacques Charles François Sturm (1803–1855). 2Joseph Liouville (1809–1882). 661 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 662/1507 onde g, a0 e a1 são certas funções conhecidas de números reais em (na maioria dos casos) números reais, das quais eventualmente exige-se certas condições (como continuidade, diferenciabilidade etc.). A função u representa alguma grandeza f́ısica e a equação (14.1) é a expressão matemática de uma lei f́ısica que essa grandeza deve obedecer. Em muitos casos a função u é definida em um intervalo fechado finito [a, b] da reta real, b > a, e é obrigada a satisfazer certas condições nos extremos desse intervalo. Tais condições são chamadas de condições de contorno. Condições de contorno são ditadas ou por leis f́ısicas ou por restrições f́ısicas ou geométricas que devem ser impostas nos pontos a e b à grandeza representada por u. O caso mais t́ıpico é aquele no qual impõe-se que a função u ou sua primeira derivada (ou combinações lineares de ambas) assumem certos valores fixos nos pontos a e b. Há também muitas situações nas quais a função u é definida em intervalos semi-infinitos, como [0, ∞) ou infinitos, como (−∞, ∞), e as condições impostas podem exigir, por exemplo, que u se anule no infinito, que seja limitada ou que seja de quadrado integrável. No presente caṕıtulo não trataremos de tais casos. • Condições de contorno lineares e homogêneas Há muitos tipos distintos de condições de contorno. De particular importância são as condições de contorno lineares que, no caso de equações de segunda ordem, têm a seguinte estrutura. A função u está definida em um intervalo finito [a, b] e para certas constantes reais dadas α1, α2, β1, β2, ϕ1 e ϕ2 tais que (α1, α2) 6= (0, 0), (β1, β2) 6= (0, 0) a função u deve satisfazer o par de condições α1u(a) + α2u ′(a) = ϕ1, (14.2) β1u(b) + β2u ′(b) = ϕ2 . (14.3) Condições de contorno desse tipo são ditas lineares devido à dependência linear em u do lado esquerdo de (14.2) e (14.3). Estaremos interessados particularmente em condições do seguinte tipo: suporemos que u está definida em um intervalo finito [a, b] e que para certas constantes reais α1, α2, β1 e β2 tais que (α1, α2) 6= (0, 0), (β1, β2) 6= (0, 0) a função u satisfaça o par de condições α1u(a) + α2u ′(a) = 0 , (14.4) β1u(b) + β2u ′(b) = 0 . (14.5) Condições de contorno lineares desse tipo são ditas homogêneas devido ao lado direito de (14.4) e (14.5) ser zero. Condições de contorno são restrições de crucial importância na resolução de equações diferenciais. Para verificar essa importância, faça os seguintes exerćıcios simples: E. 14.1 Exerćıcio. Verifique que o problema de determinar uma função u tal que u′′ = 0 tal que u′(0) = 0 e u′(1) = 1 não tem soluções. 6 E. 14.2 Exerćıcio. Verifique que o problema de determinar uma função u tal que u′′ = 0 tal que u′(0) = 0 e u′(1) = 0 tem infinitas soluções. 6 E. 14.3 Exerćıcio. Verifique que o problema de determinar uma função u tal que u′′ + u = 0 com u(0) = ϕ1 e u(π) = ϕ2 tem infinitas soluções se ϕ1 = −ϕ2 e não tem solução se ϕ1 6= −ϕ2. 6 • Um teorema sobre existência e unicidade de soluções Os exemplos dos exerćıcios acima mostram que a questão da existência e unicidade de soluções em problemas que envolvem condições de contorno não é uma questão trivial. É importante nesse contexto mencionar um teorema, o Teorema 14.1, abaixo, o qual expressa certas condições necessárias e suficientes para garantir a existência e a unicidade de soluções. Antes de enunciá-lo precisamos do seguinte fato. Lema 14.1 Seja a equação diferencial linear homogênea de segunda ordem u′′ + a1(x)u ′ + a0(x)u = 0, onde a0 e a1 são funções reais e cont́ınuas definidas num intervalo finito e fechado [a, b]. Sejam u1, u2 duas soluções linearmente JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 665/1507 • Reescrevendo a equação diferencial na forma de Liouville Uma observação importante que devemos fazer sobre equações como (14.1) é que, para muitos casos, as mesmas sempre podem ser reescritas da seguinte forma equivalente, conhecida como forma de Liouville: (p(x)u′)′ + q(x)u = f(x) , (14.19) onde p(x) := exp (∫ x a a1(x ′) dx′ ) , q(x) := p(x)a0(x) e f(x) := p(x)g(x). Doravante estaremos usando esta forma da equação mais freqüentemente que a forma anterior. E. 14.4 Exerćıcio. Verifique a equivalência das duas formas da equação multiplicando (14.1) por p(x) e usando o fato que, pela definição, p′(x) = a1(x)p(x). 6 • Condições de contorno homogêneas caracterizam um espaço vetorial Um fato importante sobre problemas com condições de contorno homogêneas e que será implicitamente utilizado no que seguirá é o seguinte: Sejam fixadas as constantes α1, α2, β1 e β2. Se g1 e g2 são duas funções duas vezes diferenciáveis definidas no intervalo [a, b] tais que ambas satisfazem as condições de contorno homogêneas (14.4)-(14.5) então qualquer combinação linear de ambas γ1g1(x) + γ2g2(x) é também uma função duas vezes diferenciável no intervalo [a, b] que satisfaz as mesmas condições de contorno homogêneas (14.4)-(14.5). E. 14.5 Exerćıcio. Verifique essa afirmação. 6 Em outras palavras, o conjunto de todas as funções duas vezes diferenciáveis definidas no intervalo [a, b] que satisfazem as condições de contorno homogêneas (14.4)-(14.5) é um espaço vetorial (real ou complexo, dependente do caso). Esse espaço será denotado aqui por V(α1, α2, β1, β2), ou simplesmente por V, quando não houver confusão. A seguinte proposição, válida para funções do espaço vetorial V(α1, α2, β1, β2), será freqüentemente usada no que segue. Proposição 14.1 Se f e g são duas funções quaisquer de V(α1, α2, β1, β2), então valem as relações f(a)g′(a) − f ′(a)g(a) = 0 e f(b)g′(b) − f ′(b)g(b) = 0 . (14.20) 2 Prova. Como f e g são elementos de V(α1, α2, β1, β2), valem   f(a) f ′(a) g(a) g′(a)     α1 α2   =   0 0   e   f(b) f ′(b) g(b) g′(b)     β1 β2   =   0 0   . Como ( α1α2 ) 6= ( 00 ) e ( β1 β2 ) 6= ( 00 ), as matrizes ( f(a) f ′(a) g(a) g′(a) ) e ( f(b) f ′(b) g(b) g′(b) ) não podem ser inverśıveis e, portanto, têm determinante nulo, ou seja, valem as relações (14.20). • Condições de contorno não-homogêneas caracterizam um espaço convexo Sejam fixadas as constantes α1, α2, β1, β2, ϕ1 e ϕ2. Se g1 e g2 são duas funções duas vezes diferenciáveis definidas no intervalo [a, b] tais que ambas satisfazem as condições de contorno não-homogêneas (14.2)-(14.3) então qualquer combinação linear convexa de ambas γg1(x) + (1 − γ)g2(x), 0 ≤ γ ≤ 1, é também uma função duas vezes diferenciável no intervalo [a, b] que satisfaz as mesmas condições de contorno não-homogêneas (14.2)-(14.3). E. 14.6 Exerćıcio. Verifique essa afirmação. 6 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 666/1507 Em outras palavras, o conjunto de todas as funções duas vezes diferenciáveis definidas no intervalo [a, b] que satisfazem as condições de contorno não-homogêneas (14.2)-(14.3) é um espaço convexo. • Operadores de Liouville Como iremos daqui por diante tratar de equações diferenciais da forma (p(x)u′)′ + q(x)u = f(x), convém introduzir uma notação simplificadora: Lu := (p(x)u′)′ + q(x)u . L pode ser entendido como o operador diferencial linear L := d dx ( p(x) d dx ) + q(x) . L é linear pois claramente tem-se L(αu + βv) = αLu+ βLv para quaisquer constantes α e β e quaisquer funções (duas vezes diferenciáveis) u e v. Adiante, usaremos também o operador diferencial parcial Lx := ∂ ∂x ( p(x) ∂ ∂x ) + q(x) . Os operadores L e Lx são por vezes denominados operadores de Liouville. Para uso futuro, observemos que se F (x, y) é uma função duas vezes diferenciável, então vale L (∫ b a F (x, y) dy ) = ∫ b a LxF (x, y) dy . (14.21) * Após estas observações podemos passar a tratar nosso problema de forma mais sistemática. 14.2 O Problema de Sturm • Definição do problema Entende-se como o Problema de Sturm o problema de determinar as soluções da equação diferencial (p(x)u′)′ + q(x)u = f(x) , ou seja Lu = f , (14.22) para u definida no intervalo fechado finito [a, b] ⊂ R, a < b, com as condições de contorno lineares e homogêneas α1u(a) + α2u ′(a) = 0 , (14.23) β1u(b) + β2u ′(b) = 0 , (14.24) onde o seguinte estará sendo suposto: • As funções p, q e f são reais e cont́ınuas em [a, b]. • A função p é diferenciável em [a, b] e estritamente positiva: p(x) > 0, x ∈ [a, b]. • As constantes α1, α2, β1 e β2 são reais e tais que (α1, α2) 6= (0, 0) e (β1, β2) 6= (0, 0). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 667/1507 As condições acima são essenciais mas não delimitam ainda totalmente o Problema de Sturm, pois é preciso impor restrições que garantam a existência e unicidade de soluções do mesmo. Como aprendemos do Teorema 14.1, devemos impor ainda que det   α1u1(a) + α2u ′ 1(a) α1u2(a) + α2u ′ 2(a) β1u1(b) + β2u ′ 1(b) β1u2(b) + β2u ′ 2(b)   6= 0 , (14.25) onde u1 e u2 são duas soluções independentes quaisquer da equação homogênea Lu = 0. * Uma vez delineado o quadro onde iremos trabalhar, passemos ao importante conceito da função de Green que nos levará à solução do problema de Sturm. 14.2.1 Soluções Fundamentais e Funções de Green Comecemos com algumas definições geométricas que usaremos. Denotaremos por Q o quadrado fechado do plano R2 definido por Q := [a, b] × [a, b] = { (x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b e a ≤ y ≤ b } . O quadrado aberto Q0 é definido por Q0 := (a, b) × (a, b) = { (x, y) ∈ R2 : a < x < b e a < y < b } . O conjunto dos pontos de Q (de Q0) para os quais x = y é dito ser a diagonal principal de Q (de Q0). Denotaremos por R o conjunto formado por Q0 sem a sua diagonal principal. Como é fácil ver R := { (x, y) ∈ R2 : a < x < y < b ou a < y < x < b } . • Soluções fundamentais e funções de Green Uma função de duas variáveis H(x, y) com x, y ∈ [a, b] é dita ser uma solução fundamental do problema de Sturm delineado acima se satisfizer as seguintes condições: 1. H é cont́ınua em Q e duas vezes diferenciável em R, mas suas derivadas parciais não são necessariemente cont́ınuas na diagonal principal de Q0. 2. LxH(x, y) = 0 para todos (x, y) ∈ R. 3. Para toda função g : [a, b] → R, cont́ınua, a função ∫ b a H(x, y)g(y) dy satisfaz L (∫ b a H(x, y)g(y) dy ) = g(x) (14.26) para x ∈ [a, b]. Uma função de duas variáveis G(x, y) com x, y ∈ [a, b] é dita ser uma função de Green5 do problema de Sturm que delineamos acima se G for uma solução fundamental do problema de Sturm e se a função u(x) := ∫ b a G(x, y)f(y) dy (14.27) 5George Green (1793–1841). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 670/1507 função p(x)W (x) é constante no intervalo [a, b]. Isso significa provar que (p(x)W (x))′ = 0. De fato, (pW )′ = p′W + pW ′ = p′ (v1v ′ 2 − v′1v2) + p (v1v′2 − v′1v2)′ = p′ (v1v ′ 2 − v′1v2) + p (v′1v′2 + v1v′′2 − v′′1v2 − v′1v′2) = p′ (v1v ′ 2 − v′1v2) + p (v1v′′2 − v′′1 v2) = v1(p ′v′2 + pv ′′ 2 ) − v2(p′v′1 + pv′′1 ) = v1(pv ′ 2) ′ − v2(pv′1)′ = −v1qv2 + v2qv1 = 0 , (14.40) onde, na penúltima igualdade, usamos o fato que v1 e v2 satisfazem a equação homogênea. Assim, provamos que, para todo x ∈ [a, b], tem-se p(x)W (x) = p(a)W (a) = p(b)W (b). Dado que as funções v1 e v2 são cont́ınuas, é fácil ver que G é igualmente cont́ınua no quadrado Q onde está definida. Entretanto, as derivadas parciais Gx e Gy de G não são cont́ınuas em Q, apresentando uma descontinuidade ao longo da diagonal principal de Q (os pontos (x, y) ∈ Q com x = y). Como esse fato terá conseqüências adiante, vamos nos dedicar a estudar essa descontinuidade com mais detalhe. Dado que v1 e v2 são diferenciáveis, é claro que Gx(x, y) :=    v′1(x)v2(y) p(a)W (a) , para a ≤ x < y ≤ b , v1(y)v ′ 2(x) p(a)W (a) , para a ≤ y < x ≤ b . (14.41) Note que, nesta última expressão, exclúımos os pontos para os quais x = y, onde Gx não está definida. Entretanto, apesar de Gx não estar definida nesses pontos, os limites lim ǫ→0 Gx(x + ǫ, x) e lim ǫ→0 Gx(x − ǫ, x) existem mas são, porém, distintos, o mesmo se dando com os limites lim ǫ→0 Gx(x, x+ ǫ) e lim ǫ→0 Gx(x, x − ǫ) (aqui ǫ > 0). Dado que, para qualquer ǫ > 0, tem-se x+ ǫ > x e x− ǫ < x, segue que lim ǫ→0 Gx(x+ ǫ, x) = v1(x)v ′ 2(x) p(a)W (a) (14.42) e que lim ǫ→0 Gx(x− ǫ, x) = v′1(x)v2(x) p(a)W (a) . (14.43) Analogamente segue que lim ǫ→0 Gx(x, x− ǫ) = v1(x)v ′ 2(x) p(a)W (a) (14.44) e que lim ǫ→0 Gx(x, x+ ǫ) = v′1(x)v2(x) p(a)W (a) . (14.45) Portanto, segue que lim ǫ→0 Gx(x + ǫ, x) − lim ǫ→0 Gx(x − ǫ, x) = v1(x)v ′ 2(x) − v′1(x)v2(x) p(a)W (a) = W (x) p(a)W (a) = 1 p(x) , (14.46) pois, como vimos, para qualquer x ∈ [a, b] tem-se p(a)W (a) = p(x)W (x). De maneira idêntica, segue que lim ǫ→0 Gx(x, x− ǫ) − lim ǫ→0 Gx(x, x+ ǫ) = 1 p(x) . (14.47) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 671/1507 As relações (14.46) e (14.47) mostram-nos que, de fato, Gx é descont́ınua na diagonal de Q e nos dizem também quão grande é o salto dado pela função Gx quando se cruza a diagonal de Q no ponto (x, x). Na região a < x < y < b teremos, segundo a definição de G, LxG(x, y) = Lx ( v1(x) v2(y) p(a)W (a) ) = (Lv1)(x) v2(y) p(a)W (a) = 0 , pois Lv1 = 0 e na região a < y < x < b teremos LxG(x, y) = Lx ( v1(y) v2(x) p(a)W (a) ) = v1(y) (Lv2)(x) p(a)W (a) = 0 , também pois Lv2 = 0. Para provar que G é uma solução fundamental resta estudarmos o que ocorre quando x = y e estabelecermos que LxG(x, y) = δ(x− y). Isso será obtido provando que a função u(x) definida por u(x) = ∫ b a G(x, y) f(y) dy (14.48) satisfaz a equação não-homogênea (14.22). Posteriormente mostraremos que (14.48) satisfaz as condições de contorno (14.23)-(14.24). Isso diz-nos que G definida em (14.38) é a função de Green do problema de Sturm e que (14.48) é a solução procurada do mesmo. Essas afirmações são conhecidas como Teorema de Green e serão provadas na Seção 14.2.3. Observe-se que (14.48) pode ser escrita como u(x) = v2(x) p(a)W (a) ∫ x a v1(y) f(y) dy + v1(x) p(a)W (a) ∫ b x v2(y) f(y) dy . Finalizamos comentando que a função de Green de um problema de Sturm também pode ser escrita em termos de uma expansão envolvendo auto-valores e auto-funções de um problema de Sturm-Liouville. Isso será a apresentado na expressão (14.102), página 685. Esse última expressão é ainda mais relavante que (14.38), pois é válida em situações mais gerais, por exemplo, em problemas em mais de uma dimensão. Vide Caṕıtulo 13, página 643. 14.2.3 O Teorema de Green Vamos aqui demonstrar o Teorema de Green mencionado acima. Precisamos para tal calcular (pu′)′ + qu = pu′′ + p′u′ + qu para u(x) dada por (14.48) e demonstrar que isso é igual a f(x). Dado que G tem derivadas parciais descont́ınuas, é conveniente escrever u(x) = ∫ x a G(x, y) f(y) dy + ∫ b x G(x, y) f(y) dy . (14.49) Em cada um dos pedaços em que quebramos a integral acima tem-se que Gx é cont́ınua. Dáı, segue que u′(x) = G(x, x)f(x) + ∫ x a Gx(x, y) f(y) dy −G(x, x)f(x) + ∫ b x Gx(x, y) f(y) dy = ∫ x a Gx(x, y) f(y) dy + ∫ b x Gx(x, y) f(y) dy . (14.50) E. 14.7 Exerćıcio. Justifique as expressões acima. 6 De forma inteiramente análoga tem-se que u′′(x) = lim ǫ→0 Gx(x, x− ǫ)f(x) + ∫ x a Gxx(x, y) f(y) dy − lim ǫ→0 Gx(x, x+ ǫ)f(x) + ∫ b x Gxx(x, y) f(y) dy = f(x) p(x) + ∫ x a Gxx(x, y) f(y) dy + ∫ b x Gxx(x, y) f(y) dy , (14.51) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 672/1507 onde, na última igualdade, usamos (14.47). E. 14.8 Exerćıcio. Justifique as expressões acima. 6 Desta forma, temos que p(x)u′′ + p′(x)u′ + q(x)u = p(x) p(x) f(x) + ∫ x a [ p(x)Gxx(x, y) + p ′(x)Gx(x, y) + q(x)G(x, y) ] f(y) dy + ∫ b x [ p(x)Gxx(x, y) + p ′(x)Gx(x, y) + q(x)G(x, y) ] f(y) dy . (14.52) Entretanto, temos que p(x)Gxx(x, y) + p ′(x)Gx(x, y) + q(x)G(x, y) = 0 , (14.53) e isto vale tanto para y = [a, x) quanto para y = (x, b]. Para ver isso basta notar, por exemplo, que para y = [a, x) tem-se que p(x)Gxx(x, y) + p ′(x)Gx(x, y) + q(x)G(x, y) = v1(y) p(a)W (a) [ p(x)v′′2 (x) + p ′(x)v′2(x) + q(x)v2(x) ] = 0 , pois, por hipótese, v2 é solução da equação homogênea p(x)v ′′ 2 (x) + p ′(x)v′2(x) + q(x)v2(x) = 0. O caso y = (x, b] é análogo. E. 14.9 Exerćıcio. Verifique! 6 Assim, retomando a equação (14.52), vemos que p(x)u′′ + p′(x)u′ + q(x)u = f(x) . (14.54) Está, portanto, demonstrado que a função u dada por (14.48) é solução da equação diferencial não-homogênea. Resta provar que essa função u satisfaz as condições de contorno (14.4)-(14.5). Deixamos a importante verificação desse último fato como exerćıcio. E. 14.10 Exerćıcio. Mostre que (14.48) satisfaz as condições de contorno (14.4)–(14.5). 6 E. 14.11 Exerćıcio. Considere o problema de Sturm definido pela equação diferencial u′′(x) = f(x) no intervalo [0, 1] com as condições de contorno u(0) = 0 e u(1) = 0. Mostre que a função de Green é dada por G(x, y) =    x(y − 1) , para 0 ≤ x ≤ y ≤ 1 , (x − 1)y , para 0 ≤ y ≤ x ≤ 1 . (14.55) Constate que a função G, acima, satisfaz as condições de contorno requeridas (como função de x). De (14.55) obtém-se Gx(x, y) ≡ ∂xG(x, y) =    y − 1 , para 0 ≤ x < y ≤ 1 , y , para 0 ≤ y < x ≤ 1 . (14.56) Constate de (14.56) que lim ǫ→0 Gx(x+ ǫ, x)− lim ǫ→0 Gx(x− ǫ, x) = 1 (e lembre-se que no problema tratado p(x) ≡ 1). Constate de (14.56) que Gx(x, y) = y − 1 +H(x − y) e obtenha disso que ∂2xG(x, y) = δ(x− y). Aqui, H é a função de Heaviside, definida em (8.36), página 347, ou em (12.64), página 630. Obtenha explicitamente a solução no caso em que f(x) = ex calculando explicitamente u(x) = ∫ 1 0 G(x, y)f(y) dy = (x− 1) ∫ x 0 y ey dy + x ∫ 1 x (y − 1)ey dy . Constate que expressão assim obtida realmente satisfaz a equação u′′(x) = f(x) e as condições u(0) = 0 e u(1) = 0. 6 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 675/1507 14.3.1 Propriedades Básicas dos Auto-Valores e Auto-Funções de Proble- mas de Sturm-Liouville Na presente seção apresentaremos alguns resultados fundamentais sobre problemas de Sturm-Liouville regulares, como descritos acima. Provaremos que os auto-valores são simples (não-degenerados), que são reais, que as auto-funções podem ser escolhidas reais e que as mesmas satisfazem importantes relações denominadas relações de ortogonalidade. Por fim, estabeleceremos alguns resultados sobre a positividade dos autovalores. Como conseqüência, demonstraremos na Seção 14.3.2, página 683, uma relação, denominada fórmula de Mercer (eq. (14.102)), entre as funções de Green de problemas de Sturm e os autovalores e auto-funções de um problema de Sturm-Liouville. Tanto as relações de ortogonalidade quando a fórmula de Mercer são de grande relevância em aplicações. Comentamos, ainda, que alguns dos resultados que seguem serão alcançados com mais generalidade na Seção 10.1, página 474, do Caṕıtulo 10. 14.3.1.1 A Simplicidade dos Auto-Valores Se u1, u2 ∈ V(α1, α2, β1, β2) são duas auto-funções de um problema de Sturm-Liouville regular com o mesmo auto-valor λ, ou seja, Lu1 +λru1 = 0 e Lu2 +λru2 = 0, então é fácil verificar que qualquer combinação linear a1u1 +a2u2 é também um elemento de V(α1, α2, β1, β2) e é também uma auto-função com auto-valor λ: L(a1u1+a2u2)+λr(a1u1+a2u2) = 0. Em outras palavras, o conjunto das auto-funções de um um problema de Sturm-Liouville com um mesmo auto-valor é um espaço vetorial. Uma questão importante sobre problemas de auto-valores, como o de Sturm-Liouville, é a questão da multiplicidade dos auto-valores, ou seja, a questão de saber, dado um auto-valor λ, qual a dimensão do espaço vetorial de todas as suas auto-funções. No problema de Sturm-Liouville regular a dimensão é sempre igual a 1, ou seja, os auto-valores são simples, ou não-degenerados. A demonstração é a seguinte. Sejam u1, u2 ∈ V(α1, α2, β1, β2) não-nulas e tais que Lu1 + λru1 = 0 e Lu2 + λru2 = 0 para um dado λ. Considere-se a função W12(x) = det   u1(x) u ′ 1(x) u2(x) u ′ 2(x)   = u1(x)u ′ 2(x) − u′1(x)u2(x) . Vamos em primeiro lugar mostrar que p(x)W12(x) é constante no intervalo [a, b], ou seja, que (pW12) ′ = 0. De fato, (pW12) ′ = p′W12 + pW ′ 12 = p ′ (u1u ′ 2 − u′1u2) + p (u1u′2 − u′1u2)′ = p′ (u1u ′ 2 − u′1u2) + p (u′1u′2 + u1u′′2 − u′′1u2 − u′1u′2) = p′ (u1u ′ 2 − u′1u2) + p (u1u′′2 − u′′1u2) = u1(p ′u′2 + pu ′′ 2) − u2(p′u′1 + pu′′1) = u1(pu ′ 2) ′ − u2(pu′1)′ = −u1(qu2 + λru2) + u2(qu1 + λru1) = 0 . (14.65) Vamos agora mostrar que W12(b) = 0. Como acabamos de ver que p(x)W12(x) é constante, isso implica p(x)W12(x) = 0 para todo x ∈ [a, b]. Como as funções u1 e u2 são elementos de V(α1, α2, β1, β2), temos em x = b11   u1(b) u ′ 1(b) u2(b) u ′ 2(b)     β1 β2   =   0 0   . 11Um argumento análogo funciona também em x = a. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 676/1507 Agora, como ( β1 β2 ) 6= ( 00 ), segue que det ( u1(b) u ′ 1(b) u2(b) u ′ 2(b) ) = 0, ou seja, W12(b) = 0. Pelo que acabamos de provar, p(x)W12(x) = 0 para todo x ∈ [a, b]. Como p é estritamente positiva, segue que W12(x) = 0 para todo x ∈ [a, b], ou seja, det ( u1(x) u ′ 1(x) u2(x) u ′ 2(x) ) = 0, para todo x ∈ [a, b]. Isso diz que as duas linhas que formam a matriz acima são, para cada x ∈ [a, b], proporcionais uma a outra, ou seja, existe γ(x) tal que, por exemplo, u1(x) = γ(x)u2(x) e u ′ 1(x) = γ(x)u ′ 2(x) para cada x ∈ [a, b]. Derivando a primeira e comparando à segunda, conclui-se que γ(x) é constante, ou seja, não depende de x. Assim, verificamos que as funções u1 e u2 são múltiplas entre si. Com isso, mostramos que se tivermos duas auto- funções com o mesmo auto-valor as auto-funções são múltiplas uma da outra e o subespaço que ambas geram tem dimensão 1. Em resumo, auto-valores de problemas de Sturm-Liouville regular são sempre simples, ou não-degenerados. 14.3.1.2 O Lema de Green • Produtos escalares Seja C([a, b]) o conjunto das funções complexas cont́ınuas definidas no intervalo [a, b]. É bem sabido que C([a, b]) é um espaço vetorial. Para cada α1, α2, β1 e β2 o espaço V(α1, α2, β1, β2), definido à página 665, é um subespaço de C([a, b]). Podemos dotar o espaço vetorial C([a, b]) de vários produtos escalares12. Dois deles nos interessarão aqui. Para f , g ∈ C([a, b]) definimos o produto escalar 〈f, g〉 = ∫ b a f(x) g(x) dx , (14.66) e também o produto escalar 〈f, g〉r = ∫ b a f(x) g(x) r(x) dx , (14.67) onde a função r é a função estritamente positiva caracterizada acima no problema de Sturm-Liouville. Para o espaço linear real das funções cont́ınuas reais definidas no intervalo [a, b] podemos também definir os produtos escalares reais 〈f, g〉 = ∫ b a f(x) g(x) dx , (14.68) e 〈f, g〉r = ∫ b a f(x) g(x) r(x) dx (14.69) (por simplicidade usamos a mesmas notações 〈·, ·〉 e 〈·, ·〉r que para o caso complexo). • O Lema de Green O seguinte resultado será fundamental para o que segue: Lema 14.2 (Lema de Green) Sejam u e v duas funções definidas em J = [a, b], que sejam pelo menos duas vezes diferenciáveis e tais que ambas satisfaçam condições de contorno como (14.61)-(14.62), ou seja, ambas são elementos do espaço vetorial de funções V(α1, α2, β1, β2) (página 665). Então, tem-se 〈v, Lu〉 = 〈Lv, u〉 , ou seja, ∫ b a v(x) (Lu)(x) dx = ∫ b a (Lv)(x) u(x) dx . (14.70) 2 12A noção de produto escalar em um espaço vetorial foi introduzida na Seção 3.1.3, página 147. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 677/1507 Prova do Lema 14.2. Usando-se integração por partes, tem-se ∫ b a v(x) (Lu)(x) dx = ∫ b a v(x)(p(x)u′)′ dx+ ∫ b a v(x)q(x)u(x) dx = − ∫ b a v′(x)(p(x)u′) dx+ vpu′|ba + ∫ b a v(x)q(x)u(x) dx = ∫ b a u(pv′)′ dx+ vpu′|ba − v′pu ∣∣b a + ∫ b a v(x)q(x)u(x) dx = ∫ b a u(x) (Lv)(x) dx+ vpu′|ba − v′pu ∣∣b a . (14.71) Agora, escrevendo-se explicitamente tem-se que vpu′|ba − v′pu ∣∣b a = p(b)v(b)u′(b) − p(a)v(a)u′(a) − p(b)v′(b)u(b) + p(a)v′(a)u(a) = p(b) ( v(b)u′(b) − v′(b)u(b) ) − p(a) ( v(a)u′(a) − v′(a)u(a) ) . (14.72) Vamos agora provar que os fatores entre parênteses em (14.72) são nulos. Como u e v satisfazem (14.61)-(14.62), tem-se   v(a) v′(a) u(a) u′(a)     α1 α2   =   0 0   e   v(b) v′(b) u(b) u′(b)     β1 β2   =   0 0   . Como ( α1α2 ) 6= ( 00 ) e ( β1 β2 ) 6= ( 00 ) devemos ter det   v(a) v′(a) u(a) u′(a)   = 0 e det   v(b) v′(b) u(b) u′(b)   = 0 , ou seja, v(a)u′(a) − v′(a)u(a) = 0 e v(b)u′(b) − v′(b)u(b) = 0 . O lado esquerdo de ambas as expressões são os termos entre parênteses de (14.72). Logo, vpu′|ba − v′pu ∣∣b a = 0. Voltando à (14.71), isso completa a demonstração do Lema de Green. O Lema de Green afirma que L é um operador simétrico em relação ao produto escalar definido em (14.66) quando age em vetores do subespaço V(α1, α2, β1, β2). 14.3.1.3 Realidade dos Auto-Valores e Auto-funções. Ortogonalidade de Auto-funções Como conseqüência do Lema de Green, Lema 14.2, vamos aqui demonstrar algumas propriedades básicas comuns a todos os problemas de Sturm-Liouville regulares, tais como definidos acima. A saber, vamos provar que os autovalores são reais, que as auto-funções podem ser escolhidas reais e que as mesmas satisfazem uma série de relações importantes, denominadas relações de ortogonalidade. • Realidade dos autovalores Proposição 14.3 Os auto-valores de um problema de Sturm-Liouville, como descrito acima, são números reais. 2 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 680/1507 A demonstração é a seguinte. No ponto a uλ satisfaz α1uλ(a) + α2u ′ λ(a) = 0. Vamos primeiro supor que α2 6= 0. Multiplicando-se a expressão por uλ(a) obtem-se u′λ(a)uλ(a) = − α1 α2 uλ(a) 2 . Nesse caso, então, tomamos γ1 = −p(a)α1α2 . Caso α2 = 0, a relação α1uλ(a) +α2u ′ λ(a) = 0 diz-nos que uλ(a) = 0. Dáı, é evidente que p(a)uλ(a)u ′ λ(a) = γ1uλ(a) 2 , para qualquer constante γ1, pois ambos os lados são nulos. Isso provou (14.80). A demonstração de (14.81) é análoga, escolhendo-se γ2 = +p(b) β1 β2 , caso β2 6= 0. Inserindo (14.80) e (14.81) em (14.78) tem-se λ ∫ b a uλ(x) 2r(x) dx = ∫ b a (( u′λ(x) )2 p(x) − uλ(x)2q(x) ) dx+ γ1uλ(a) 2 + γ2uλ(b) 2 , (14.82) o que permite expressar o quociente de Rayleigh na forma λ = ∫ b a (( u′λ(x) )2 p(x) − uλ(x)2q(x) ) dx+ γ1uλ(a) 2 + γ2uλ(b) 2 ∫ b a uλ(x) 2r(x) dx . (14.83) Para futura referência lembremos que nas duas últimas expressões temos γ1 =    −p(a)α1α2 , caso α2 6= 0 , arbitrário , caso α2 = 0 , e γ2 =    +p(b)β1β2 , caso β2 6= 0 , arbitrário , caso β2 = 0 . O exerćıcio que segue ilustra o uso do quociente de Rayleigh (14.79) ou (14.83) no cálculo aproximado de autovalores. E. 14.12 Exerćıcio-Exemplo. Considere-se o problema de determinar a solução da equação u′′(x)+λu(x) = 0 no intervalo [0, 1] sujeita às condições de contorno u(0) = 0 e u(1) = 0. Trata-se de um problema de Sturm-Liouville regular definido no intervalo [a, b] = [0, 1] com p(x) = 1, q(x) = 0 e r(x) = 1 para todo x ∈ [0, 1], sendo ainda (α1, α2) = (1, 0) e (β1, β2) = (1, 0). Como é bem conhecido, os autovalores são λn = n 2π2 com n = 1, 2, 3, 4, . . ., e as correspondentes auto-funções (não-normalizadas) são da forma uλn(x) = sen (nπx). Tomemos o caso n = 1. A auto-função exata (não-normalizada) é uλ1(x) = sen (πx). Essa função anula-se em x = 0, em x = 1, é positiva no restante do intervalo [0, 1] e seu máximo igual a 1 nesse intervalo. A função u(1) = 4x(1− x) possui as mesmas propriedades e pode ser usada como aproximante de uλ1 (para convencer-se, desenhe um gráfico conjunto das duas funções em [0, 1]). Inserindo u(1) em lugar de uλ1 em (14.79) ou (14.83), teremos uma aproximação para o autovalor λ1 = π 2 que pode ser calculada muito facilmente: π2 ≅ ∫ 1 0 ( 1 − 2x )2 dx ∫ 1 0 x2(1 − x)2 dx = 1/3 1/30 = 10 , o que fornece a aproximação π ≅ √ 10 ≅ 3, 162, que possui um erro relativo de apenas 0, 66%! Complete os detalhes dos cálculos acima e procure aperfeiçoar a aproximação para π, substituindo u(1) = 4x(1 − x) por um outro aproximante polinomial melhor. 6 O método ilustrado no Exerćıcio E. 14.12, acima, foi desenvolvido por Rayleigh em 1870, que sistematizou-o, agregando-lhe idéias do cálculo variacional. Vide Seção 14.3.4, página 688, ou vide as referências [36] ou [145] para JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 681/1507 um tratamento sistemático do chamado método de Rayleigh, ou de Rayleigh-Ritz14, de determinação de autovalores. Esses métodos são abundantemente empregados na Mecânica Quântica. • Condições suficientes para a positividade dos auto-valores Em muitas aplicações de interesse f́ısico ocorre que os auto-valores de problemas de Sturm-Liouville regulares são (ou precisam ser) números positivos. Vamos apresentar agora um conjunto de condições que são suficientes para garantir isso. Proposição 14.5 Se forem simultaneamente válidas as condições 1. q(x) < 0 para todo x ∈ [a, b], 2. α1α2 ≤ 0, 3. β1β2 ≥ 0, então todos os auto-valores λ do problema de Sturm-Liouville correspondente são estritamente positivos: λ > 0. 2 Prova. A demonstração é um tanto indireta. Seja u uma auto-função (tomada doravante real) com auto-valor λ ∈ R, ou seja, (pu′)′ + qu + λru = 0. Podemos provar que λ > 0 se pudermos garantir que a expressão do lado direito de (14.78) é positiva, que é o que passamos a fazer. No ponto a, u satisfaz α1u(a) + α2u ′(a) = 0. Tomando-se o quadrado dessa expressão, tem-se α21u(a) 2 + α22u ′(a)2 + 2α1α2u(a)u ′(a) = 0 , ou seja, 2α1α2 u(a)u ′(a) = − ( α21u(a) 2 + α22u ′(a)2 ) . (14.84) Analogamente, para o ponto b, 2β1β2 u(b)u ′(b) = − ( β21u(b) 2 + β22u ′(b)2 ) . (14.85) Consideremos agora que α1α2 < 0 e β1β2 > 0. A expressão (14.84) ensina-nos que α1α2 e u(a)u ′(a) têm sinais opostos e (14.85) que β1β2 e u(b)u ′(b) têm sinais opostos. Portanto, se tivermos q(x) < 0 para todo x ∈ [a, b], α1α2 < 0 e β1β2 > 0 a soma do lado direito de (14.78) será estritamente positiva. Como ∫ b a u(x) 2r(x) dx > 0, já que r é também por hipótese estritamente positiva, segue de (14.78) que λ > 0. Se α1α2 = 0, então u(a)u ′(a) = 0 (por (14.84)). Portanto, se adicionalmente tivermos q(x) < 0 para todo x ∈ [a, b] e β1β2 > 0, então a soma do lado direito de (14.78) será estritamente positiva, o que implica λ > 0. Analogamente, se β1β2 = 0, então u(b)u ′(b) = 0 (por (14.85)). Assim, se adicionalmente tivermos q(x) ≤ 0 para todo x ∈ [a, b] e α1α2 < 0, então teremos novamente λ > 0. Por fim, se α1α2 = 0 e β1β2 = 0, então u(a)u′(a) = 0 e u(b)u′(b) = 0. Assim, com q(x) < 0 para todo x ∈ [a, b] teremos novamente λ > 0. • Comentário sobre auto-valores negativos É importante dizer aqui que existem problemas de Sturm-Liouville regulares onde ocorrem auto-valores negativos (vide Exerćıcio E. 14.13, abaixo). No Teorema 14.3, página 683, mostraremos que apesar de ser posśıvel a existência de auto-valores negativos, os mesmos não podem ser arbitrariamente negativos, ou seja, negativos mas com módulo |λ| arbitrariamente grande. Provaremos que existe uma constante M tal que λ ≥ M . A constante M pode ser positiva, negativa ou nula. Em verdade, em um problema de Sturm-Liouville regular pode ocorrer no máximo um número finito de auto-valores negativos. • Um exemplo O exemplo a seguir reúne situações que ilustram alguns dos resultados mencionados acima sobre propriedades de autovalores de problemas de Sturm-Liouville. 14Walther Ritz (1878–1909). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 682/1507 E. 14.13 Exerćıcio-exemplo. Seja o problema de Sturm-Liouville u′′ + λu = 0, no intervalo [0, 1], com as condições de contorno u(0) = 0 e β1u(1) + β2u ′(1) = 0. Aqui p(x) = 1, q(x) = 0, r(x) = 1, α1 = 1 e α2 = 0. A identidade (14.78) fica λ ∫ 1 0 u(x)2 dx = ∫ 1 0 ( u′(x) )2 dx− u(1)u′(1) . (14.86) Caso β1 = 0, teremos u ′(1) = 0. Caso β2 = 0, teremos u(1) = 0. Nesses dois casos, (14.86) fica λ ∫ 1 0 u(x)2 dx = ∫ 1 0 ( u′(x) )2 dx , que garante que λ > 0. No caso em que β1 e β2 são não-nulos, (14.85) diz-nos que λ ∫ 1 0 u(x)2 dx = ∫ 1 0 ( u′(x) )2 dx+ 1 2β1β2 (( β1u(1) )2 + ( β2u ′(1) )2) . (14.87) Como se vê, se β1β2 > 0 tem-se λ > 0, mas se β1β2 < 0 poderemos ter auto-valores negativos. Abaixo (item f), veremos que isso de fato ocorre caso −β21 < β2β1 < 0. a. No caso β1 = 0 mostre que os auto-valores são λn = ( n+ 12 )2 π2, n = 0, 1, 2, . . .. b. No caso β2 = 0 mostre que os auto-valores são λn = n 2π2, n = 1, 2, 3, . . .. c. Determine as auto-funções normalizadas nessas duas situações. d. No caso em que β1 e β2 são não-nulos mostre que os auto-valores positivos são as (infinitas!) soluções positivas de √ λ = −β1 β2 tan (√ λ ) . Mostre graficamente que essa equação tem infinitas soluções positivas quer β1β2 > 0 ou quer β1 β2 < 0. e. Para o caso β1 = −β2 mostre que também ocorre o auto-valor λ = 0, cuja auto-função é u(x) = αx, α sendo uma constante arbitrária não-nula. f. Mostre que se 0 < −β2β1 < 1, ou seja, se −β 2 1 < β2β1 < 0, ocorre também um (único!) auto-valor negativo, o qual é solução de √ −λ = −β1 β2 tanh (√ −λ ) . Mostre graficamente que essa equação não tem solução não-nula caso 0 > −β2β1 ou caso − β2 β1 > 1. Reunindo os resultados obtidos, indique no plano Cartesiano (β1, β2) a região onde os auto-valores são estritamente positivos, a região onde ocorre o auto-valor zero e a região onde, além dos positivos, ocorrem também auto-valores negativos. 6 • Um limite inferior para os auto-valores Ainda sobre os auto-valores de problemas de Sturm-Liouville regulares, o seguinte teorema pode ser demonstrado. Teorema 14.3 Seja o problema de Sturm-Liouville (regular) definido pela equação Lu+ λ r(x)u = 0 , onde p, q e r são funções reais definidas em [a, b], tais que p é cont́ınua, diferenciável e estritamente positiva em [a, b], ou seja, p(x) > 0 para todo x ∈ [a, b]; q é cont́ınua em [a, b]; r é cont́ınua e estritamente positiva em [a, b], ou seja, r(x) > 0 para todo x ∈ [a, b]; com as condições de contorno α1u(a) + α2u ′(a) = 0 , β1u(b) + β2u ′(b) = 0 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 685/1507 Mais precisamente, vale lim N→∞ 〈( f − N∑ n=1 cn un ) , ( f − N∑ n=1 cn un )〉 r = lim N→∞ ∫ b a ( f(x) − N∑ n=1 cn un(x) )2 r(x) dx = 0 . (14.99) 2 A demonstração deste teorema é elaborada e será apresentada ao longo da Seção 31.6, página 1440, do Caṕıtulo 31, fazendo uso da teoria dos operadores compactos. O que faremos naquela seção é mostrar que o operador de Fredholm K é um operador compacto e auto-adjunto e para tais operadores valem as propriedades espectrais mencionadas acima. A afirmação (14.97)-(14.99), por exemplo, é parte do chamado Teorema Espectral, o qual vale para operadores compactos e auto-adjuntos, como mostrado no Teorema 31.29 da página 1453. Notemos algumas conseqüências do teorema acima. Como os auto-valores de um problema de Sturm-Liouville regular λn são da forma λn = 1/αn, onde αn é um auto-valor de K, o teorema acima diz-nos que podemos ordenar os λn’s em ordem crescente: −∞ < λ1 < λ2 < λ3 < · · · (14.100) com lim n→∞ λn = +∞. Uma segunda conseqüência de importância relaciona o problema de Sturm-Liouville com a função de Green. Seja u um vetor arbitrário de Hr. Como dissemos, podemos escrever u = lim N→∞ uN , onde uN = N Σ n=1 cnun, onde os cn’s são dados por (14.98). Como K é cont́ınuo, temos que (Ku)(x) = lim N→∞ (KuN)(x) = lim N→∞ N∑ n=1 cn (Kun)(x) = lim N→∞ N∑ n=1 1 λn cn un(x) = lim N→∞ N∑ n=1 1 λn (∫ b a un(y)u(y)r(y) dy ) un(x) = ∫ b a r(y) ( lim N→∞ N∑ n=1 un(x)un(y) λn ) u(y) dy . (14.101) Por outro lado, sabemos que, pela definição, (Ku)(x) = − ∫ b a G(x, y)r(y) u(y). Como ambas relações valem para qualquer u ∈ Hr, conclúımos que G(x, y) = − ∞∑ n=1 un(x)un(y) λn . (14.102) É posśıvel demonstrar, o que não faremos aqui, que a soma do lado direito da última expressão é absoluta e uniformemente convergente (vide e.g. [141]). A relação (14.102), que é por vezes chamada fórmula de Mercer18, mostra que a função de Green de um problema de Sturm pode ser escrita como uma expansão envolvendo auto-valores e auto-funções de um problema de Sturm-Liouville. Esse fato é relevante tanto na prática da resolução de equações diferenciais quanto na obtenção de resultados qualitativos sobre a natureza das soluções. Estudaremos adiante algumas dessas aplicações. A expressão (14.102) é ainda mais relavante que a expressão (14.38), página 669, pois é válida em situações mais gerais, por exemplo, em problemas em mais de uma dimensão, onde (14.38) não mais se aplica. Vide Caṕıtulo 13, página 643. 14.3.3 Uma Aplicação do Problema de Sturm-Liouville Vamos aqui tratar do problema de encontrar as soluções da equação diferencial não-homogênea Lu+ γr(x)u = f(x) , (14.103) 18James Mercer (1883–1932). O trabalho original é: J. Mercer. “Functions of positive type and their connection with the theory of integral equations”. Transactions London Phil. Soc. (A) 209, 415–446 (1909). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 686/1507 onde a solução u está ainda sujeita às condições de contorno homogêneas (14.61)-(14.62). Acima, o operador L é definido como anteriormente e assumimos para as funções p, q e r as mesmas condições mencionadas no ińıcio do presente caṕıtulo. A função f será assumida uma função real e cont́ınua e γ um número real dado. Como veremos, a solução pode ser obtida com uso das auto-funções e auto-valores do problema de Sturm-Liouville Lu+ λr(x)u = 0 com condições de contorno homogêneas do tipo (14.4)-(14.5). Chamaremos esse problema de problema de Sturm-Liouville associado (ao problema (14.103)). Novamente suporemos que o problema de Sturm-Liouville associado não tem solução com auto-valor λ = 0. Com o uso da representação da função de Green em termos dos auto-valores e auto-funções do problema de Sturm- Liouville associado (fórmula de Mercer, (14.102)), vamos mostrar como podemos encontrar uma expressão para a solução desse problema. A equação diferencial (14.103) pode ser escrita como Lu = −γr(x)u + f . (14.104) Usando, como fizemos anteriormente, o Teorema de Green, podemos dizer que a função u(x) que satisfaz esta equação diferencial satisfaz também a equação integral u(x) = −γ ∫ b a G(x, y)r(y)u(y) dy + ∫ b a G(x, y)f(y) dy . (14.105) Definamos g(x) := ∫ b a G(x, y)f(y) dy . (14.106) Usando a fórmula de Mercer para a função de Green, podemos escrever (14.105) como u(x) = γ ∞∑ n=1 〈un, u〉r λn un(x) + g(x) . (14.107) E. 14.15 Exerćıcio. Mostre isso. 6 Tomando-se o produto escalar de ambos os lados da igualdade com o vetor um, tiramos que ( 1 − γ λm ) 〈um, u〉r = 〈um, g〉r . (14.108) Aplicando agora a fórmula de Mercer à definição de g em (14.106), tiramos que g(x) = − ∞∑ n=1 1 λn (∫ b a un(y) f(y) dy ) un(x) , (14.109) e, portanto, que 〈um, g〉r = − 1 λm ∫ b a um(y) f(y) dy , (14.110) ou seja, 〈um, g〉r = − 1 λm 〈um, f〉 . (14.111) E. 14.16 Exerćıcio. Mostre esses dois últimos resultados. 6 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 687/1507 Até agora não fizemos quaisquer restrições a respeito da constante γ que aparece na equação diferencial não-homogênea (14.103). Há dois casos a supor. Aquele em que γ não é igual a nenhum auto-valor λm do problema de Sturm-Liouville associado e aquele caso em que γ = λs, para algum auto-valor λs do problema de Sturm-Liouville associado. Caso I. γ não é um auto-valor. Nesse caso as relações (14.108) e (14.110) dizem-nos que 〈um, u〉r = 1 γ − λm ∫ b a um(y) f(y) dy (14.112) e, portanto, temos que u(x) = ∞∑ m=1 ( 1 γ − λm ∫ b a um(y) f(y) dy ) um(x) . (14.113) Esta fórmula dá-nos a solução do problema em termos das auto-funções e auto-valores do problema do Sturm-Liouville associado e mostra-nos uma das razões que tornam importante a solução do mesmo problema de Sturm-Liouville. A série do lado direito converge absoluta e uniformemente em J . É interessante observar que a solução (14.113) pode ser reescrita na forma u(x) = ∫ b a Gγ(x, y) f(y) dy , onde Gγ(x, y) := − ∞∑ m=1 um(x)um(y) λm − γ . (14.114) A função Gγ é, portanto, uma função de Green para o problema em questão. Caso II. γ = λs para algum s. Neste caso o problema tratado nem sempre tem soluções. Para ver isso, note que, supondo-se a existência de uma solução, a relação (14.108) diz-nos neste caso que 〈us, g〉r = 0, ou seja, por (14.111) 〈us, f〉 = ∫ b a us(y) f(y) dy = 0 . (14.115) Caso a função f seja tal que (14.115) não é satisfeita, então nenhuma solução é posśıvel para o problema tratado. Se f , porém, for tal que (14.115) seja válida, teremos que a função û dada por û(x) = ∞∑ m=1 m 6=s ( 1 γ − λm ∫ b a um(y) f(y) dy ) um(x) (14.116) é uma solução do problema tratado. A solução mais geral, porém, é dada por u(x) = cus(x) + û(x) , (14.117) onde c é uma constante, a ser determinada por alguma imposição adicional a ser feita ao problema. É novamente interessante observar que (14.116) pode ser reescrita na forma û(x) = ∫ b a Ĝγ(x, y) f(y) dy , onde Ĝγ(x, y) := − ∞∑ m=1 m 6=s um(x)um(y) λm − γ . (14.118) E. 14.17 Exerćıcio. Prove as várias afirmativas de acima seguindo passos semelhantes aos do caso I. 6 E. 14.18 Exerćıcio. Mostre que esta função u é de fato uma solução (substitua na equação (14.103) e verifique também se as condições de contorno são satisfeitas). Mostre que não pode haver solução mais geral que esta. Para isso use o fato que o auto-valor λs é simples. 6 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 690/1507 e disso obtemos que d dǫ N [v + ǫh] ∣∣∣∣ ǫ=0 = 2 ∫ b a ( v′(x)h′(x)p(x)−v(x)h(x)q(x) ) dx+ [ p(a) ( v(a)h′(a)+v′(a)h(a) ) −p(b) ( v(b)h′(b)+v′(b)h(b) )] e d dǫ D[v + ǫh] ∣∣∣∣ ǫ=0 = 2 ∫ b a v(x)h(x) r(x) dx . Para prosseguirmos, vamos desenvolver mais a expressão para ddǫN [v + ǫh] ∣∣ ǫ=0 . Para tal, vamos tratar a integral sobre v′(x)h′(x)p(x) usando integração por partes. Teremos ∫ b a v′(x)h′(x)p(x) dx = p(b)v′(b)h(b) − p(a)v′(a)h(a) − ∫ b a ( p(x)v′(x) )′ h(x) dx e, com isso, d dǫ N [v + ǫh] ∣∣∣∣ ǫ=0 = −2 ∫ b a [( p(x)v′(x) )′ +q(x)v(x) ] h(x) dx+ [ p(a) ( v(a)h′(a)−v′(a)h(a) ) −p(b) ( v(b)h′(b)−v′(b)h(b) )] . Conclúımos que a condição (14.125) é válida se e somente se −2 ∫ b a [( p(x)v′(x) )′ +q(x)v(x)+Λ[v]r(x)v(x) ] h(x) dx+ [ p(a) ( v(a)h′(a)−v′(a)h(a) ) −p(b) ( v(b)h′(b)−v′(b)h(b) )] = 0 . (14.126) A relação (14.126) é o ponto central da análise que segue. Observemos, em primeiro lugar, que se v = uλ, uma solução do problema de Sturm-Liouville (14.124) com autovalor λ, então, como vimos, Λ[uλ] = λ e o fator multiplicando h(x) na integral em (14.126) é nulo. Além disso, pela Proposição 14.1, página 665, as expressões uλ(a)h ′(a) − u′λ(a)h(a) e uλ(b)h′(b) − u′λ(b)h(b) também se anulam, já que uλ e h são elementos de V(α1, α2, β1, β2). Assim, conclúımos que (14.126) (e, portanto, (14.125)) é satisfeita para as autofunções do problema de Sturm-Liouville (14.124). A rećıproca dessa afirmação também pode ser provada. Comecemos considerando o caso em que h ∈ V(α1, α2, β1, β2) tem suporte compacto contido no intervalo aberto (a, b). Isso significa que h e h′ anulam-se nos extremos a e b e, portanto, (14.126) reduz-se a ∫ b a [( p(x)v′(x) )′ + q(x)v(x) + Λ[v]r(x)v(x) ] h(x) dx = 0 . Ora, a suposição de que essa igualdade é válida para todo h com suporte compacto no intervalo aberto (a, b) implica que ( p(x)v′(x) )′ + q(x)v(x) + Λ[v] r(x)v(x) = 0 (14.127) para todo x ∈ (a, b). Como Λ[v] é uma constante, isso mostra que v é uma autofunção com autovalor Λ[v]. E quanto às condições de contorno? Tomemos h ∈ V(α1, α2, β1, β2) mas agora com suporte no invervalo semi-aberto [a, b). Então, h e h′ anulam-se em b. Como já estabelecemos que v satisfaz (14.127) e temos h(b) = h′(b) = 0, a condição (14.126) afirma-nos que p(a) ( v(a)h′(a) − v′(a)h(a) ) = 0. Como p(a) 6= 0, conclúımos que 0 = v(a)h′(a) − v′(a)h(a) = det ( v(a) v′(a) h(a) h′(a) ) . Isso significa que as linhas da matriz ( v(a) v′(a) h(a) h′(a) ) não são linearmente independentes. Escolhendo h de forma que (h(a), h′(a)) 6= (0, 0), Isso significa que existe γ tal que v(a) = γh(a) e v′(a) = γh′(a). Mas isso implica que α1v(a) +α2v ′(a) = γ(α1h(a)+α2h ′(a)) = 0, pois h ∈ V(α1, α2, β1, β2). Mutatis mutantis, trocando os papéis dos pontos a e b na argumentação acima, provamos também que β1v(b) + β2v ′(b) = 0. Isso estabeleceu que v ∈ V(α1, α2, β1, β2). Provamos, portanto, que uma função duas vezes diferenciável v definida em [a, b] satisfaz a condição (14.125) para toda h ∈ V(α1, α2, β1, β2) se e somente se for uma auto-função do problema de Sturm-Liouville (14.124). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 691/1507 • Significado e relevância do Teorema 14.5 O Teorema 14.5 afirma que se considerarmos o funcional Λ[v] calculado em funções duas vezes diferenciáveis v definidas em [a, b] e considerarmos perturbações de v por funções de V(α1, α2, β1, β2) essas perturbações terão um extremo (máximo ou mı́nimo) se e somente se v for uma auto-função de um problema do Sturm-Liouville (14.124). Essa afirmação permite compreender o problema de Sturm-Liouville como um problema variacional, compreensão essa conhecida como prinćıpio de Rayleigh, que o descobriu em 187019. Reconhecemos também que os posśıveis auto-valores do problema do Sturm-Liouville (14.124) são os valores de Λ[v] calculado nos extremos (máximos ou mı́nimos) desse funcional quando consideradas perturbações por funções de V(α1, α2, β1, β2). Esse fato permite delinear um método de determinação aproximada de autovalores, tal como ilustrativamente apresentado no Exerćıcio E. 14.12, página 680, no qual se procura perturbar aproximações de autofunções por elementos de um certo subespaço de V(α1, α2, β1, β2) (tipicamente composto por polinômios) e se determina qual dessas perturbações extremiza Λ[v]. Um método sistemático de efetuar tal procedimento, devido a Ritz20, poder ser encontrado em diversos textos, e.g. [145] ou [36]-[37]. Métodos variacionais de determinação de auto-valores são muito utilizados na prática, especialmente em cômputos numéricos, tanto por sua simplicidade de implementação quanto por sua eficiência. Originalmente esses métodos foram desenvolvidos no estudo de problemas de Sturm-Liouville, mas os mesmos podem ser empregados em outros problemas envolvendo a determinação de autovalores isolados, problemas esses que ocorrem em diversas aplicações da Mecânica Quântica, tal como na F́ısica Atômica, na F́ısica Nuclear e na F́ısica de Estado Sólido. 14.4 Comentários Finais 14.4.1 Um Problema de Sturm-Liouville Singular Vamos aqui discutir brevemente uma variante do problema de Sturm-Liouville regular que consiste no problema de determinar as soluções da equação diferencial (pu′)′ + qu+ λru = 0 (14.128) para u definida no intervalo fechado finito [a, b] ⊂ R, b > a, com as seguintes condições de contorno u(a) e u′(a) são finitas, (14.129) β1u(b) + β2u ′(b) = 0 , (14.130) onde o seguinte estará sendo suposto: • As funções p, q e r são reais e cont́ınuas em [a, b]. • A função p é diferenciável em [a, b] e positiva: p(x) > 0 para x ∈ (a, b] mas se anula em x = a: p(a) = 0 • r é cont́ınua e estritamente positiva em J , ou seja, r(x) > 0 para todo x ∈ [a, b]. • As constantes α1, α2, β1 e β2 são reais e tais que (α1, α2) 6= (0, 0) e (β1, β2) 6= (0, 0). Como se percebe, a distinção básica entre este problema e o anteriormente tratado reside no fato de que agora p(x) se anula no ponto a. O fato de p anular-se em a implica que a solução pode ser singular nesse ponto. Dáı, nenhuma condição de contorno pode ser fixada para o ponto x = a, exceto que a solução e sua derivada não sejam divergentes naquele ponto (se isso for desejado). Um exemplo f́ısico que conduz a esse tipo de situação é o problema das oscilações de uma corda de densidade constante ρ e comprimento L, suspensa verticalmente em um campo gravitacional constante (a aceleração da gravidade sendo g) e presa em uma das suas extremidades, a outra ficando livre. Esse problema é resolvido na Seção 16.3.2, página 733. Se x representa a altura e o ponto onde uma das extremidades fica presa é x = L, então a equação que descreve o problema é ∂ ∂x ( gx ∂u ∂x ) = ∂2u ∂t2 19Phylosophical Transactions of the Royal Society, London, A, 161, 77 (1870). 20Walther Ritz (1878–1909). Trabalho original: W. Ritz “Über eine neue Methode zur Lösung gewisser Variationsprobleme der Mathema- tischen Physik”, Journal für die reine und angewandete Mathematik (Jounal de Crelle), Vol. 135, 1–61 (1909). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 692/1507 com as condições de contorno u(0, t) e u′(0, t) finitas e u(L, t) = 0. Usando o método de separação de variáveis e adotando-se u(x, t) = v(x)w(t), obtem-se para w a equação ẅ(t) + λw(t) = 0 e para v (gxv′)′ + λv = 0 , com v(L) = 0 e com v(0) e v′(0) finitos. Aqui λ é uma constante arbitrária a ser determinada pelas condições de contorno. A solução é vn(x) = cnJ0(2 √ λnx), onde J0 é a função de Bessel de ordem zero, cn é uma constante e λn é o n-ésimo auto-valor, dado por λn = (α0 n )2 4L , onde α 0 n é o n-ésimo zero de J0 no semi-eixo real positivo. Para um tratamento detalhado desse problema, vide Seção 16.3.2, página 733. O problema para v é claramente um problema de Sturm-Liouville do tipo mencionado acima, já que p(x) = gx se anula em x = 0. Esse tipo de problema de Sturm-Liouville é, por vezes, denominado Problema de Sturm-Liouville singular, e para ele nem sempre valem os mesmos resultados que no caso anteriormente tratado, o dos problemas de Sturm-Liouville regulares. Por exemplo, nem sempre pode ser garantida a existência de auto-valores e autovetores (ou seja, de soluções para o problema). Isso pode ser visto explicitamente no ilustrativo Exemplo 14.5, página 692. Mesmo assim, os problemas de Sturm-Liouville singulares, quando solúveis, compartilham algumas propriedades com os problemas regulares, tais como a realidade dos auto-valores e a ortogonalidade das auto-funções. De fato, é fácil ver que o Lema de Green também vale nesse caso. Seja V(β1, β2) o espaço vetorial de todas as funções f duas vezes diferenciáveis definidas no intervalo [a, b] tais que β1f(b)+β2f ′(b) = 0 e que sejam finitas em x = a. Então, se u e v são elementos de V(β1, β2) tem-se 〈v, Lu〉 = 〈Lv, u〉 , ou seja, ∫ b a v(x) (Lu)(x) dx = ∫ b a (Lv)(x) u(x) dx . (14.131) De fato, como em (14.71) e (14.72), página 677, tem-se ∫ b a v(x) (Lu)(x) dx = ∫ b a u(x) (Lv)(x) dx + p(b) ( v(b)u′(b) − v′(b)u(b) ) − p(a) ( v(a)u′(a) − v′(a)u(a) ) . (14.132) O último termo é zero, pois p(a) = 0 e v(a)u′(a) − v′(a)u(a) é finito. O termo v(b)u′(b) − v′(b)u(b) é nulo pelo mesmo argumento apresentado quando da primeira demonstração do Lema de Green, para o caso regular (vide página 676 e seguintes). Uma vez demonstrado o Lema de Green para o problema singular, segue de maneira totalmente análoga ao que demonstramos no caso regular que os auto-valores são reais e que auto-funções de auto-valores distintos são ortogonais entre si em relação ao produto escalar real 〈·, ·〉r: 〈uλ, uλ′〉r = ∫ b a uλ(x) uλ′(x) r(x) dx = 0 se λ 6= λ′. Não repetiremos a demonstração aqui e remetemos o leitor ao que foi feito no caso regular. E. 14.19 Exerćıcio. Mostre que, assim como no caso regular, os auto-valores, se existirem, são simples. Para isso estude a demonstração para o caso regular da Seção 14.3.1.1, página 675, e verifique que a mesma se generaliza. 6 Exemplo 14.5 [Ausência de Auto-Valores em um Problema Singular] Considere o seguinte problema de Sturm- Liouville singular definido no intervalo [0, 1]: (x2u′)′ + λu = 0 , com u(1) = 0 e u finita em x = 0. A equação diferencial é x2u′′ + 2xu′ + λu = 0 , JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 695/1507 E. 14.25 Exerćıcio. Uma part́ıcula de massa m > 0 se move em uma dimensão sob um potencial U(x) = kx2 2 com k > 0 (potencial do oscilador harmônico). Além disso, a part́ıcula está submetida a uma força externa f(t) que, como a notação indica, pode variar com o tempo. Suponha que se saiba que no instante de tempo t0 = 0 a part́ıcula encontra-se na posição x(t0) = 0 e que no instante de tempo t1 = π 2ω , onde ω = √ k m , a part́ıcula encontra-se novamente na posição x(t1) = 0. Determine a função de Green para o problema de Sturm associado ao problema mecânico acima e determine a trajetória x(t) da part́ıcula para t ∈ [t0, t1] para os seguintes tipos de força: a) f(t) = At, para A > 0, constante e b) f(t) = B sin(ωt), para B > 0, constante. 6 E. 14.26 Exerćıcio. Resolva os seguintes problemas de Sturm-Liouville, determinando os auto-valores e as auto-funções normalizadas: a) u′′ + λu = 0, com u(0) = 0, u(1) = 0. b) u′′ + λu = 0, com u(0) = 0, u′(1) = 0. c) u′′ + λu = 0, com u(0) = 0, u(1) + u′(1) = 0. d) u′′ + u′ + λu = 0, com u(0) = 0, u′(1) = 0. Neste caso, mostre graficamente que há infinitos auto-valores e que, à medida em que eles crescem, a distância entre eles tende a uma constante. Ocorrem auto-valores negativos? Zero é um posśıvel auto-valor? 6 E. 14.27 Exerćıcio. Para cada um dos casos do Exerćıcio E. 14.26, expresse a função de Green do problema de Sturm correspondente usando a fórmula de Mercer (14.102). Importante: não esqueça de normalizar as auto-funções. 6 E. 14.28 Exerćıcio. Resolva o seguinte problema de Sturm-Liouville, determinando os auto-valores e as auto-funções normalizadas: (xu′)′ + λ x u = 0 , com u(1) = 0 e u(e) = 0. Determine as relações de ortogonalidade entre as auto-funções. Verifique-as explicitamente. Expresse a função de Green do problema de Sturm correspondente usando a fórmula de Mercer. Sugestão: Verifique que funções do tipo c1e i √ λ ln x + c2e −i √ λ ln x , são as soluções gerais de (xu′)′ + λxu = 0. Mostre, dáı, que as auto-funções são da forma un(x) = cn sen (nπ lnx) , n = 1, 2, . . .. Determine cn impondo que cada un seja normalizada. 6 E. 14.29 Exerćıcio. Resolva explicitamente o problema de Sturm-Liouville semi-homogêneo (xu′)′ + γ x u = f(x) , x ∈ [1, e] , com u(1) = 0 e u(e) = 0, γ fixo, γ 6= n2π2, n = 1, 2, . . ., primeiramente para f genérica e depois, explicitamente, para f(x) = x−1. 6 E. 14.30 Exerćıcio. a. Determine explicitamente a função de Green do seguinte problema de Sturm, definido no intervalo [0, 1]: (exu′)′ = f(x) , JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 696/1507 com u(0) = u(1) = 0. b. Determine os auto-valores e as auto-funções normalizadas do problema de Sturm-Liouville (exu′)′ + λexu = 0 , com x ∈ [0, 1] e com u(0) = u(1) = 0. c. Usando a fórmula de Mercer, expresse função de Green em termos de uma série envolvendo os auto-valores e as auto-funções normalizadas. d. Determine explicitamente a solução da equação diferencial (exu′)′ + 5exu = f(x), x ∈ [0, 1] , com u(0) = u(1) = 0, para f(x) = ex/2. 6 E. 14.31 Exerćıcio. [Adaptado de [145]]. a. Obtenha a função de Green associada ao problema de Sturm y′′(x) = f(x) com x ∈ [0, 1] e y(0) = y(1) = 0. b. Mostre que as auto-funções do problema de Sturm-Liouville y′′(x) + λxy(x) = 0 com x ∈ [0, 1] e y(0) = y(1) = 0 são dadas por yn(x) = √ xJ1/3( 2 3 √ λnx3), com λn positivos e satisfazendo J1/3( 2 3 √ λn) = 0. c. Determine as relações de ortogonalidade entre essas auto-funções. Obtenha as auto-funções normalizadas. Sugestão: use as relações de ortogonalidade das funções de Bessel. d. Expresse a função de Green do problema de Sturm correspondente usando a fórmula de Mercer. e. Determine aproximadamente os dois primeiros auto-valores usando o método variacional. Sugestão: procure aproximantes da forma y(2)(x) = c1x(1 − x) + c2x2(1 − x). f. Obtenha os zeros “exatos” de J1/3 em alguma tabela e compare os resultados, indicando os erros percentuais. g. Resolva explicitamente a equação diferencial y′′ + γxy = f(x), x ∈ [0, 1], com y(0) = 0 e y(1) = 0, γ fixo, γ 6= λn, para todo n, primeiramente para f genérica e depois, explicitamente, para f(x) = 1√ 1 − x3 . Sugestão: use a identidade ∫ 1 0 Jν(au) 1√ 1 − u2 du = π 2 [ J ν 2 (a 2 ) ]2 , válida para a > 0, ν > −1. 6 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 697/1507 Apêndices 14.A Prova do Teorema 14.1. Existência e Unicidade Abaixo faremos uso da notação e de resultados do Caṕıtulo 8, página 328. A equação u′′ + a1(x)u ′ + a0(x)u = g(x) é equivalente à equação de primeira ordem Y ′(x) = A(x)Y (x) +G(x) onde Y (x) =   y1(x) y2(x)   , A(x) =   0 1 −a0(x) −a1(x)   , G(x) =   0 g(x)   , com as identificações u(x) = y1(x), u ′(x) = y2(x). A solução é da forma Y (x) = D(x, x0)Yx0 + ∫ x x0 D(x, y)G(y) dy , onde Yx0 = Y (x0), x0 arbitrário. É fácil ver dáı que a solução geral da equação u′′ + a1(x)u ′ + a0(x)u = g(x) é da forma u(x) = A1u1(x) +A2u2(x) + up(x) , onde A1 e A2 são constantes, u1 e u2 são soluções independentes da equação homogênea u ′′ + a1(x)u ′ + a0(x)u = 0 e up é uma solução particular da equação não-homogênea u′′ + a1(x)u ′ + a0(x)u = g(x). Desejamos impor as condições de contorno α1u(a) + α2u ′(a) = ϕ1, (14.A.1) β1u(b) + β2u ′(b) = ϕ2 , (14.A.2) à solução. Isso implica α1 ( A1u1(a) +A2u2(a) + up(a) ) + α2 ( A1u ′ 1(a) +A2u ′ 2(a) + u ′ p(a) ) = ϕ1 , (14.A.3) β1 ( A1u1(b) +A2u2(b) + up(b) ) + β2 ( A1u ′ 1(b) +A2u ′ 2(b) + u ′ p(b) ) = ϕ2 . (14.A.4) Esse par de equações pode ser escrito em forma matricial como   α1u1(a) + α2u ′ 1(a) α1u2(a) + α2u ′ 2(a) β1u1(b) + β2u ′ 1(b) β1u2(b) + β2u ′ 2(b)     A1 A2   =   ϕ1 − α1up(a) − α2u′p(a) ϕ2 − β1up(b) − β2u′p(b)   . (14.A.5) E. 14.32 Exerćıcio. Verifique. 6 Essa última equação (cujas incógnitas são A1 e A2) tem solução única se e somente se   α1u1(a) + α2u ′ 1(a) α1u2(a) + α2u ′ 2(a) β1u1(b) + β2u ′ 1(b) β1u2(b) + β2u ′ 2(b)   for uma matriz inverśıvel, ou seja, se e somente se seu determinante for não-nulo. Isso completa a demonstração. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 700/1507 onde Y (x) =   y1(x) y2(x)   , A(x) =   0 1 −a0(x) −a1(x)   , com as identificações u(x) = y1(x), u ′(x) = y2(x). A solução é da forma Y (x) = D(x, x0)Yx0 , onde Yx0 = Y (x0), x0 arbitrário. Se Y1 e Y2 são duas soluções independentes da equação homogênea Y ′(x) = A(x)Y (x), o determinante Wronskiano (segundo a definição usada no Caṕıtulo 8, página 8 (vide página 337)) é det [ Y1(x), Y2(x) ] . Como comentamos acima, Y1 e Y2 são da forma Y1(x) =   u1(x) u′1(x)   , Y2(x) =   u2(x) u′2(x)   , onde u1 e u2 são duas soluções independentes de Lu = 0. É claro então que det [ Y1(x), Y2(x) ] = det   u1(x) u2(x) u′1(x) u ′ 2(x)   = det   u1(x) u ′ 1(x) u2(x) u ′ 2(x)   . A última igualdade é apenas o fato de que o determinante de uma matriz não muda quando a transpomos. Por outro lado, a relação (14.B.7) nos diz que det   v1(x) v ′ 1(x) v2(x) v ′ 2(x)   = det   c11 c12 c21 c22   det   u1(x) u ′ 1(x) u2(x) u ′ 2(x)   . (14.C.13) Como det ( c11 c12c21 c22 ) é não-nulo, isso diz que det ( v1(x) v ′ 1(x) v2(x) v ′ 2(x) ) e det ( u1(x) u ′ 1(x) u2(x) u ′ 2(x) ) diferem apenas por um fator constante. Agora det ( v1(x) v ′ 1(x) v2(x) v ′ 2(x) ) é o determinante Wronskiano, introduzido em (14.39). Com isso, mostramos que o determinante Wronskiano do Caṕıtulo 8, página 328, difere apenas por um fator não-nulo constante daquele introduzido em (14.39). 14.D Demonstração do Teorema 14.3 A demonstração que se segue é parcialmente derivada da referência [76], mas as idéias empregadas ser encontradas de forma generalizada na literatura da Análise Funcional dedicada a estimativas de auto-valores. Nesse sentido, essa demonstração pode ser de particular interesse ao estudante interessado em propriedades do espectro de operadores diferenciais lineares, por representar um caso mais simples de resultados mais gerais obtidos com recursos, por vezes, mais elaborados. A expressão (14.82), página 680, será nosso ponto de partida para mostrar que os auto-valores λ são limitados inferiormente, ou seja, que existe uma constante M ∈ R tal que λ ≥M . As constantes γ1 e γ2 encontradas em (14.82) são números reais que podem ser positivos ou negativos. Vamos considerar os quatro casos posśıveis: 1. γ1 ≥ 0 e γ2 ≥ 0; 2. γ1 < 0 e γ2 ≥ 0; 3. γ1 ≥ 0 e γ2 < 0; 4. γ1 < 0 e γ2 < 0. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 701/1507 Caso 1. γ1 ≥ 0 e γ2 ≥ 0. Nesse caso tem-se de (14.82) que λ ∫ b a u(x)2r(x) dx ≥ − ∫ b a u(x)2q(x) dx , pois γ1u(a) 2 + γ2u(b) 2 ≥ 0 e ∫ b a ( u′(x) )2 p(x)dx ≥ 0, pois p(x) > 0. Logo, λ ≥ − ∫ b a u(x)2 q(x) dx ∫ b a u(x)2 r(x) dx = ∫ b a u(x)2 ( −q(x) r(x) ) r(x) dx ∫ b a u(x)2 r(x) dx . (14.D.14) Sejam agora Q = max x∈[a, b] q(x), R1 = max x∈[a, b] r(x), e R2 = min x∈[a, b] r(x) . Lembrando que r(x) > 0 para todo x ∈ [a, b], teremos − q(x)r(x) ≥ − Q r(x) . Como conseqüência disso, vale −q(x) r(x) ≥ B :=    0 , se Q = 0 , − Q R1 , se Q < 0 , − Q R2 , se Q > 0 . (14.D.15) E. 14.33 Exerćıcio. Justifique cuidadosamente as desigualdades acima. 6 Retornando a (14.D.14) λ ≥ ∫ b a |u(x)|2Br(x) dx ∫ b a |u(x)|2r(x) dx = B , onde B está definida em (14.D.15). Adotando M = B para esse caso, obtemos o que se queria provar. Caso 2. γ1 < 0 e γ2 ≥ 0. Nesse caso tem-se de (14.82) que λ ∫ b a u(x)2r(x) dx ≥ ∫ b a (( u′(x) )2 p(x) − u(x)2q(x) ) dx+ γ1u(a) 2 , (14.D.16) pois γ2u(b) 2 ≥ 0. No Apêndice 14.D.1, página 703, demonstramos a seguinte desigualdade, válida para todo x ∈ [a, b] e todo ǫ > 0: u(x)2 ≤ ǫ ∫ b a ( u′(y) )2 dy + ξ(ǫ) ∫ b a u(y)2r(y) dy , (14.D.17) onde ξ(ǫ) := 1 R2 ( 1 b− a + 1 ǫ ) , R2 sendo definido como acima: R2 = min x∈[a, b] r(x). Tomando x = a, temos γ1u(a) 2 ≥ γ1ǫ ∫ b a ( u′(y) )2 dy + γ1ξ(ǫ) ∫ b a u(y)2r(y) dy , JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 8 de julho de 2008. Caṕıtulo 14 702/1507 sendo que a desigualdade se inverteu pois γ1 < 0, por hipótese. Inserindo isso em (14.D.16), tem-se λ ∫ b a u(x)2r(x) dx ≥ ∫ b a (p(x) + γ1ǫ) ( u′(x) )2 dx + ∫ b a (γ1ξ(ǫ)r(x) − q(x)) u(x)2 dx . Até agora não fixamos o valor de ǫ. Vamos agora escolhê-lo pequeno o suficiente de modo que p(x) + γ1ǫ ≥ 0 , para todo x ∈ [a, b]. Isso é sempre posśıvel, pois, por hipótese p(x) > 0 para todo x ∈ [a, b]. Com essa escolha a integral∫ b a (p(x) + γ1ǫ) ( u′(x) )2 dx é positiva e podemos escrever λ ∫ b a u(x)2r(x) dx ≥ ∫ b a (γ1ξ(ǫ)r(x) − q(x)) u(x)2 dx = ∫ b a ( γ1ξ(ǫ) − q(x) r(x) ) u(x)2r(x) dx . Com o uso de (14.D.15) isso fica λ ∫ b a u(x)2r(x) dx ≥ (γ1ξ(ǫ) +B) ∫ b a u(x)2r(x) dx , o que implica λ ≥ (γ1ξ(ǫ) +B) . Adotando-se M = (γ1ξ(ǫ) +B) para esse caso, obtemos que queŕıamos provar. Caso 3. γ1 ≥ 0 e γ2 < 0. Esse caso é totalmente análogo ao caso 2, e não precisa ser considerado em detalhe. Caso 4. γ1 < 0 e γ2 < 0. Esse caso é também análogo ao caso 2, mas trataremos dos detalhes. De (14.82) temos λ ∫ b a u(x)2r(x) dx ≥ ∫ b a (( u′(x) )2 p(x) − u(x)2q(x) ) dx+ γ1u(a) 2 + γ2u(b) 2 . (14.D.18) Usando novamente a desigualdade (14.D.17) para x = a e x = b, temos γ1u(a) 2 + γ2u(b) 2 ≥ (γ1 + γ2)ǫ ∫ b a ( u′(y) )2 dy + (γ1 + γ2)ξ(ǫ) ∫ b a u(y)2r(y) dy, sendo que a desigualdade se inverteu pois γ1 < 0 e γ2 < 0, por hipótese. Inserindo isso em (14.D.16), tem-se λ ∫ b a u(x)2r(x) dx ≥ ∫ b a (p(x) + (γ1 + γ2)ǫ) ( u′(x) )2 dx+ ∫ b a ((γ1 + γ2)ξ(ǫ)r(x) − q(x)) u(x)2 dx. Até agora não fixamos o valor de ǫ. Vamos agora escolhê-lo pequeno o suficiente de modo que p(x) + (γ1 + γ2)ǫ ≥ 0 , para todo x ∈ [a, b]. Isso é sempre posśıvel, pois, por hipótese p(x) > 0 para todo x ∈ [a, b]. Com essa escolha a integral∫ b a (p(x) + (γ1 + γ2)ǫ) ( u′(x) )2 dx é positiva e podemos escrever λ ∫ b a u(x)2r(x) dx ≥ ∫ b a ((γ1 + γ2)ξ(ǫ)r(x) − q(x)) u(x)2 dx = ∫ b a ( (γ1 + γ2)ξ(ǫ) − q(x) r(x) ) |u(x)|2r(x) dx . Com o uso de (14.D.15) isso fica λ ∫ b a u(x)2r(x) dx ≥ ((γ1 + γ2)ξ(ǫ) +B) ∫ b a u(x)2r(x) dx , o que implica λ ≥ ( (γ1 + γ2)ξ(ǫ) +B ) . Adotando-se M = ((γ1 + γ2)ξ(ǫ) +B) para esse caso, isto é o que queŕıamos provar. Com isso, a demonstração do Teorema 14.3 está completa.
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