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Guias e Dicas
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Atenção Farmacêutica II - Nicotina, Notas de estudo de Farmácia

Atenção Farmacêutica II - Nicotina

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 13/08/2010

fabricio-teixeira-11
fabricio-teixeira-11 🇧🇷

4.8

(21)

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Baixe Atenção Farmacêutica II - Nicotina e outras Notas de estudo em PDF para Farmácia, somente na Docsity! DROGA UNIVERSAL Dr. José Rosemberg NICOTINA DROGA UNIVERSAL 8 – POSIÇÃO SOBRE A NICOTINO-DEPENDÊNCIA, DOS ÓRGÃOS DE SAÚDE PÚBLICA E MÉDICO-CIENTÍFICOS 67 9 – A HISTÓRIA DO TABACO HIPERNICOTINADO Y-1 68 10 – NICOTINA E SISTEMA CARDIOCIRCULATÓRIO 72 10.1 – ALTERAÇÕES NAS ARTÉRIAS. ANGIOGÊNESE 72 10.2 – ATEROSCLEROSE. ANGINA PECTORIS. 74 10.3 – TROMBOANGEITE OBLITERANTE. DOENÇA DE BUERGER 76 10.4 – IMPOTÊNCIA 76 11 – NICOTINA E CÂNCER 79 12 – NICOTINA E MAGREZA 83 13 – NICOTINA, ÚLCERA PÉPTICA E COLITE ULCEROSA 85 13.1 – ÚLCERA PÉPTICA 85 13.2 – COLITE ULCEROSA 86 14 – NICOTINA E AFTA BUCAL 87 15 – NICOTINA E ACNE 88 16 – NICOTINA E RUGAS 89 17 – NICOTINA E DESORDENS NEUROGÊNCIAS 90 17.1 – NICOTINA E DOENÇA DE PARKINSON 90 17.2 – DOENÇA DE ALZHEIMER 93 18 – NICOTINA, ESTRESSE E DEPRESSÃO 94 19 – NICOTINA. COGNIÇÃO E MEMÓRIA 97 20 – NICOTINA E A MULHER 99 20.1 – RESPOSTAS ORGÂNICAS À NICOTINA 100 20.2 – NICOTINA E ALTERAÇÕES ESTROGÊNICAS 101 20.3 – MENOPAUSA PRECOCE 101 20.4 – OSTEOPOROSE 102 20.5 – DISMENORRÉIA 102 20.6 – NICOTINA E INFERTILIDADE 103 20.7 – NICOTINA NA MULHER GESTANTE 103 20.8 – NICOTINA E CÂNCER DA MAMA 106 21 – NICOTINA. POLUIÇÃO TABÁGICA AMBIENTAL 112 21.1 – ASPECTOS GERAIS. NICOTINA NOS FUMANTES PASSIVOS 112 21.2 – NICOTINA NA GESTANTE FUMANTE PASSIVA 114 21.3 – NICOTINA E MORBI-LETALIDADE CARDIOCIRCULATÓRIA NOS FUMANTES PASSIVOS 114 21.4 – NICOTINA, POLUIÇÃO TABÁGICA E CÂNCER DO PULMÃO 115 21.5 – NICOTINA E POLUIÇÃO TABÁGICA. INFECÇÕES RESPIRATÓRIAS. CAPACIDADE FUNCIONAL PULMONAR 116 21.6 – POLUIÇÃO TABÁGICA AMBIENTAL. PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA MUNDIAL 117 21.7 – POLUIÇÃO TABÁGICA AMBIENTAL E INDÚSTRIA TABAQUEIRA 120 22 – CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A NICOTINA 125 23 – TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA DA NICOTINA. 127 23.1 – PORQUE TRATAR OS TABAGISTAS 127 23.2 – MÉTODOS DE TRATAMENTO DA NICOTINO-DEPENDÊNCIA 128 23.2.1 – TÉCNICA DA ABORDAGEM INTENSIVA DO FUMANTE 129 23.2.2 – TRATAMENTO MEDICAMENTOSO INTEGRADO NA ABORDAGEM COGNITIVO-COMPORTAMENTAL 132 23.3 – ABORDAGEM MÍNIMA (BREVE) DOS FUMANTES. 145 23.4 – AVALIAÇÃO GERAL DO TRATAMENTO PARA CESSAÇÃO DE FUMAR (TRATAMENTO DA NICOTINO-DEPENDÊNCIA) 149 23.5 – AÇÕES ANTITABÁGICAS PREVENTIVAS, VISANDO COMBATER O CONSUMO DO TABACO 152 24 – DIMENSÃO DA EPIDEMIA TABÁGICA E SUA MORBI-LETALIDADE. 160 24.1 – A EPIDEMIA DO TABAGISMO 160 24.2 – CONVENÇÃO QUADRO PARA O CONTROLE DO TABACO 164 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 175 REFERÊNCIAS. ADENDO DO CAPÍTULO 3.7 240 11 INTRODUÇÃO 1) “O cigarro é o mais perfeito dos prazeres. É requintado e deixa insatisfeito. Que mais se poderia desejar?”. Oscar Wilde, 1891 “Com o tabaco ocorreu um dos maiores fenômenos de transculturação no mundo”. Fernando Ortiz 2) Alguns pronunciamentos internos da indústria do tabaco, tornados públicos nos processos dos Estados Unidos, a partir de 1994: “Mais que o negócio de vender cigarros, a indústria tabaqueira tem por objetivo a venda atrativa de nicotina”. Brown and Williamson, subsidiária norte-americana da British American Tobacco,1963 “Estamos num negócio de vender nicotina, droga causadora de dependência”. Addison Yeman. Vice-Presidente da Brown and Williamson (documento secreto nº 1802.05) “O cigarro não deveria ser considerado como um produto, mas sim como um invólucro. O produto é a nicotina. Considere o maço de cigarros como um recipiente para o fornecimento diário de nicotina”. Phillip Morris, 1972 “Temos que nos conscientizar de que nossa organização é antes uma indústria de droga, que uma indústria de tabaco”. Rullin A Crellin – Chefe do Grupo de Pesquisas da British American Tobacco. 11.04.1980 “Enfrentamos dois fatos: o fumo do cigarro contém substância farmacologicamente ativa. A nicotina é um agente farmacológico potente. Todos os toxicólogos, fisiologistas, médicos e a maioria dos químicos, os sabem. Não é nenhum segredo”. Phillip Morris, 1982 12 “Os fumantes mantém o consumo de cigarros porque são fisicamente dependentes da nicotina”. Lorilard LTC (sem data) 3) Declarações sobre a nicotina de instituições médico-científicas e órgãos internacionais de saúde pública: “A dependência da nicotina é desordem mental de uso de substância psicoativa”. American Psiquiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 1980, 1987, 1994 “A dependência da nicotina é doença crônica com remissões continuadas”. Centers for Disease Control and Prevention. US Department of Health and Human Services. USA, 2000 “A síndrome da tabaco-dependência constitui doença, incluída na classificação internacional de doenças (ICD) sob a sigla F17.2”. Organização Mundial de Saúde, 1992 “Na atualidade consomem-se diariamente 200 toneladas de nicotina, totalizando 73 mil toneladas por ano. Há no mundo mais de 1 bilhão e 200 milhões de fumantes consumidores de nicotina. Estima-se que 2 bilhões de pessoas não-fumantes inalam nicotina por viverem expostas à poluição tabágica ambiental. Mais da metade da humanidade inala nicotina diretamente quando são fumantes e indiretamente quando convivem com fumantes. Há no mundo em torno de 1 bilhão de pessoas dependentes da nicotina”. Organização Mundial da Saúde Organização Panamericana de Saúde U.S. Department of Health and Human Services Convenção Quadro Internacional de Controle do Uso do Tabaco 1999, 2000, 2003 13 1 – ESBOÇO HISTÓRICO O berço no qual se disseminou a nicotina conduzida pelo tabaco foi a América. É de tempos imemoráveis o costume dos aborígines americanos de fumar tabaco nas cerimônias religiosas. É um enigma que tantas culturas indígenas espalhadas neste continente, as quais dificilmente podiam contactar-se, vivenciassem ritual semelhante mágico-religioso, sagrado, no qual o sacerdote, cacique ou pajé e seus circunstantes entravam em transe aspirando o fumo do tabaco Quando Colombo aportou nestas paragens, plantava-se tabaco em todo o continente. O primeiro contacto do mundo civilizado com a nicotina ocorreu no século XVI. Esta chegou à Europa por quatro caminhos: Espanha, Portugal, França e Inglaterra. Uma das primeiras notícias foi levada à Espanha por Don Rodrigo de Jeres, capitão da tripulação das naves de Colombo, levando para a Corte planta e sementes de tabaco. A primeira referência impressa é de 1526 na História Natural de las Índias, de Don Gonzalo Fernandes. Para Portugal, a primeira leva de tabaco foi através de Luís de Góes, donatário no Brasil em 1542, sendo cultivado pela Farmácia Real em Lisboa (1012). Para a França, o tabaco chegou por dois caminhos; remetido em 1560 por Damião Góes, ex-embaixador na Flandres, a Jean Nicot, por sua vez embaixador da França em Portugal. Este atribuiu à erva, então denominada “petum”, a cura de úlcera renitente que tinha na perna. Entusiasmado, enviou-a a rainha Catarina de Médicis, que informada de suas virtudes, usou-a em tizanas para melhorar sua enxaqueca crônica. O petum passou então a ser chamado “erva da rainha”, “erva mediceia” ou “catarinária”. Outro caminho para a França foi através de André Thevet, frade franciscano, que esteve no Brasil como capelão da expedição francesa chefiada por Cologny. Thevet, em 1555, cultivou o petum no jardim do seu mosteiro em Paris (255, 840, 1012). Em 1565, o tabaco chegou a Inglaterra por meio de Sir Hawkins, trazendo-o das plantações da colônia Virgínia e cultivando-o em Londres. Navegadores e viajantes informaram sobre o tabaco, destes destacaram-se Hans Staden, em 1557, e Jean Lery, em 1592, cujos relatos foram ilustrados com gravuras de pajés e oficiantes índios fumando em rituais religiosos (1012). O tabaco espalhou-se pela Europa como rastilho de pólvora. Cinqüenta anos após sua chegada, praticamente se fumava cachimbo em todo o continente: nobres, plebeus, soldados e marinheiros. Para os ricos, criaram-se as “Tabagies”, onde homens e mulheres se reuniam em tertúlias, fumando longos cachimbos. Rapidamente o tabaco integrou-se a todas as populações do mundo civilizado (137, 211, 1012). Na Prússia, o tabagismo difundiu-se impulsionado por Frederico Guilherme, que no início do século XVIII, em sua corte, fundou o “Tabak Collegium”, no qual, diariamente, ministros, generais, políticos e literatos discutiam, propunham e assinavam decretos, sentados em torno de imensa mesa chupando cachimbos com hastes de meio metro ou mais (211). A partir do século XVII, na Europa, praticamente todos os generais, soldados e populares fumavam. Um exemplo disso é o enorme navio “Vasa”, orgulho da frota escandinava, que afundou em 1628. Em 1961, ele foi içado, com sua estrutura e 16 2 – UNIVERSALIZAÇÃO DA NICOTINA Logo que chegou à Europa, o tabaco alterou imediata e dramaticamente o contexto da política econômica dos governos, tornando-se a maior fonte de renda dos cofres públicos. A Espanha, no começo do século XVII, mantinha grande parcela do comércio do tabaco na Europa e tentou estabelecer monopólio no continente, no que foi obstada pela Inglaterra e Holanda, que por anos dominaram as importações e exportações. Estas asseguraram o transporte de tabaco pelos seus navios cobrando pesadas taxas que os demais países eram obrigados a pagar. Empresas tornaram-se verdadeiras potências como a Companhia das Índias e a Virgínia Company da Inglaterra. Vários países defenderam-se com seus monopólios, como a França, que, em 1629, criou a chamada “Ferme Generale”, garantindo para o Estado um controle férreo, passando a ser o único importador, fabricante e vendedor de tabaco. A Ferme Generale adquiriu poderes ilimitados, prendendo e até executando os contrabandistas de tabaco. Destes, entrou para a história Louis Mandrin que, por volta de 1740, organizou uma poderosa rede de contrabando de tabaco, formando um verdadeiro exército, combatendo as tropas legais e dominando larga região da França. Até tabaco contrabandeado do Brasil entrou nesta rede. Ao final de 15 anos, Mandrin foi preso e supliciado em praça pública até a morte. A Revolução Francesa, através da Assembléia Nacional Constituinte, em 1791, extinguiu a Ferme Generale e seus dirigentes foram guilhotinados, entre eles o cientista Lavoisier, inventor de uma máquina de reduzir tabaco a pó (255, 1012). O tabaco chegou à Itália em 1561 por meio do Cardeal Prospero Santa Croce, que levou sementes fornecidas por Nicot. Foi cultivado no Vaticano, sendo chamado “erva santa” ou “divina”. O cachimbo e o rapé introduziram-se nas igrejas. A catedral de São Pedro obscurecia-se durante os ofícios. Clérigos aspiravam tabaco nos altares e, na Catedral de Sevilha, houve padres que cachimbavam durante a missa. O Papa Urbano VIII tomou uma decisão drástica, editando bula com interdição aos fumantes, condenando-os à excomunhão. Na discussão teológica que se estabeleceu, jesuítas levantaram a objeção de que fumar só seria pecado se o ato tivesse a intenção de desafiar a ordem divina (255, 1012). Portugal criou monopólio do tabaco em 1674, instituindo a Mesa de Inspeção de Tabaco com legislação punindo o contrabando, a qual vigorou inclusive no Brasil até depois da independência. No Brasil colônia, o tabaco serviu de moeda forte no escambo de escravos do Congo, de Guiné e de Angola. Chegando o tabaco ao mundo civilizado, a maneira comum de consumi-lo foi o cachimbo. Este dominou por quase três séculos. Prosperaram as fábricas de cachimbos que se expandiram por quase toda Europa e América do Norte. Praticamente todos os materiais caros e baratos foram aproveitados. Houve cachimbos caríssimos, sendo os mais célebres de propriedade de reis e nobres ricos, esculpidos em marfim, alguns deles expostos em museus. 17 A partir do século XVIII, espalhou-se a mania de aspirar rapé, que reinou por uns 200 anos. Os nobres usavam tabaqueiras até de ouro cravejadas de diamantes. Prosperou a indústria da ourivesaria miniaturizada, executada por artistas notórios. Havia os que usavam uma tabaqueira por dia, possuindo centenas de tipos diferentes. No casamento de Maria Antonieta com Delfim, que depois foi Louis XVI, constou verba de 38.205 libras para a aquisição de tabaqueiras. Meternich, possuidor de 600 tabaqueiras, dizia que o diplomata que não soubesse usá-la com distinção, perderia a partida nos acordos políticos. Napoleão, que restabeleceu a liberdade do plantio, fabrico e comércio do tabaco, presenteava todos os novos embaixadores com uma tabaqueira custando de 5 mil a 15 mil francos, conforme a importância do país (1012). Não conseguimos saber qual o custo da tabaqueira do embaixador brasileiro. O povo, sem posses, usava o rapé deposto no dorso do polegar da mão, que flexionado forma uma fosseta triangular. Nos livros de anatomia é chamada de “tabaqueira anatômica” (840). O charuto teve seu reinado no século XIX. Sua popularidade entre os abastados simbolizava elevado status econômico-social. Nos Estados Unidos, havia a figura do “uncle san” de cartola e com um enorme charuto na boca (255). O cigarro surgiu em meados do século XIX. Na Espanha, porém, muito antes já se fumava tabaco enrolado em papel, denominado “papelete”. Existe uma tapeçaria, desenhada por Goya em 1747, figurando jovens com cigarros entre os dedos. Parece que o termo “cigarillos” em espanhol deriva de cigarral, nome dado a hortas e plantações invadidas por cigarras. O nome generalizou-se: cigarette em francês, inglês e algumas outras línguas; zigarette em alemão; sigaretta em italiano e cigarro em português. Em várias línguas, cigarro ou cigar referem-se a charuto. Paris foi invadida pelo cigarro em 1860. Nos Estados Unidos, houve verdadeira explosão do cigarro na década de 1880, quando se inventou uma máquina que produzia duzentas unidades por minuto. Logo, surgiram máquinas produzindo centenas de milhões por dia. O cigarro teve sua expansão por ser mais econômico, mais cômodo de carregar e usar do que o charuto ou o cachimbo. A primeira grande expansão mundial foi após a Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918. Entretanto, sua difusão foi praticamente no sexo masculino. A difusão entre as mulheres cresce após a Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945 (255). A nicotina transportada pelo tabaco envolucrado no cigarro, generalizou-se pelo mundo, através de inusitada transculturação. Não cabendo aqui explicitar um quadro pormenorizado dessa aculturação, expomos apenas alguns exemplos do que já ventilamos em outra publicação (840). O tabaco foi e tem sido incensado em todos os ramos da manifestação cultural, sendo inclusive tema filosófico. Assim, por exemplo, já em 1650, foi grande o sucesso do “Balé do Tabaco” na corte de Savoia. Moliere, na peça Don Juan (1665), logo no primeiro ato, apresenta um ditirambo sobre o tabaco. Na música erudita, Bach escreve a cantata “Die tabakpfeifer” (1720). A ópera “Carmen de Bizet” e a “Secreto de Susana”, de Wolf-Ferrari, contêm temas sobre tabaco. A música popular de todos os países fala de tabaco, inclusive a brasileira, na qual temos quase uma centena delas (167). Trataram do tabaco, poetas como Baudelaire, Fernando Pessoa e ,entre nós, Augusto dos Anjos. Na literatura de ficção, são centenas de autores, destacando-se Tchekov, Thomas Mann, Ítalo Suevo, Dom 18 Franke e Graciliano Ramos; que abordaram o tabaco como tema central ou correlato. Flaubert tem o tabaco no seu dicionário de idéias. Dos livros policiais, os detetives vivem com o cachimbo na boca: Sherlock Holmes, de Conan Doyle, e Maigret, de Simenon. Freud tem extensa peroração sobre o tabagismo. Kant, em “Anthropologie”, menciona o tabaco como o meio de excitação das percepções e Sartre, em “L’etre et le neant”, faz longa peroração sobre o cigarro como símbolo da apropriação destrutiva. Sobe a um milhar o número de filmes que abordam o tabaco. Tobacco Road, de John Ford, tem a ação central voltada ao tabaco. Chaplin (Carlitos) conotou o charuto com a prepotência dos patrões, dos policiais e dos poderosos. Casablanca, de Michael Curtiz, tem toda a ação integrada com o fumo de cigarro na trama incerta e nebulosa e desenrolar da história. A pintura focaliza o tabaco desde as tapeçarias de Flandres, no século XVII ,com os quadros de Tarnier plasmando a vida popular, as telas de George Latour, Goya, Le Nain, Van Dyk, Delacroix, Courbet e até os impressionistas, cubistas e abstratos, Renoir, Cézanne, Manet, Degás, Seurat, Monet, Van Gogh, Gris, Leger, Braque, Picasso e tantos outros (840). Quanto à escultura, citam-se as 16 colunas monumentais em estilo misto corinto- jônico da rotunda do Capitólio de Washington, esculpidas com flores e folhas de tabaco ornando os capitéis. No Brasil, o único exemplo existente de heráldica oficial que inclui o tabaco são das Armas da República, copiadas das Armas do Império. A estrela central repousa sobre uma coroa formada com um ramo de café frutificado, “a dextra”, e outro fumo florido, “a sinistra”. A filatelia contém selos de correio, de mais de 40 países, com folhas e outros motivos do tabaco. Em linhas gerais, traçamos o panorama da difusão da nicotina no mundo. Essa droga é a mola mestra da universalização do tabaco. Como o uso dos derivados do tabaco inicia-se, em 99% dos casos, na adolescência, aos 19 anos de idade, mais de 90% já estão dependentes da nicotina. Por isso, o tabagismo é considerado doença pediátrica provocada pela nicotina (951, 1001). Consome-se, anualmente no mundo, a fabulosa quantidade de 73 mil toneladas de nicotina contida em 7 trilhões e 300 bilhões de cigarros fumados por cerca de 1 bilhão e 300 milhões de tabagistas, dos quais 80% – 1.040.000 – vivem nos países em desenvolvimento.(719,957,1086-B). Pormenores sobre esses dados estão no capítulo 24. 21 Estudos de absorção da nicotina, marcada com carbono 14, revelam diferenças na sua absorção nos organismos. Os não tragadores acusaram 22% a 42% de nicotina retida na cavidade oral, enquanto nos tragadores, ela foi absorvida entre 70% a 90% da dose tragada. Os que expiravam imediatamente a nicotina retida na boca, a absorção foi de 40% a 50%. O consumo diário de nicotina, apesar das variações, é em geral em torno de 10mg a 61mg. O mais importante, entretanto, é sua concentração no sangue (917, 918, 1023). As concentrações de nicotina caminham paralelamente à da carboxihemoglobina, porque, com a tragada, inala-se monóxido de carbono, também de acordo com o teor de nicotina contido no cigarro (quadro 2). Em média, inala-se 1.0mg de nicotina, sendo a escala entre 0.37mg a 1.56mg (31, 76, 82, 280, 999). Como dito atrás, a meia vida da nicotina é cerca de duas horas. Somando-se os valores das meia-vidas subseqüentes, pode-se prever que a nicotina se acumula, num fumante regular, a níveis significantes sanguíneos por pelo menos 6 a 8 horas depois de cessado de fumar. No ato de fumar, há picos na concentração sanguínea, os quais mesmo decrescendo depois, mantêm-se elevados por horas. Níveis plasmáticos de nicotina podem subir até 20 ng/ml durante o dia, caindo para em torno de 10ng/ml durante a noite (55). Portanto, quem fuma até o momento de dormir, é evidente que na circulação persistirão concentrações significantes de nicotina por toda à noite. Dessa forma, a nicotina não intoxica o organismo de modo intermitente, como pode parecer pelo modo de consumir o tabaco em tragadas sucessivas, com certo espaço de tempo entre elas. Ao contrário, o tabagista se expõe a uma intoxicação permanente, pois as doses múltiplas de nicotina que inala, embora degradas, em parte, acumulam-se de tal maneira, que a intoxicação é contínua durante as 24 horas do dia. Assim permanece constante por toda a vida do tabagista. Nenhuma outra droga age dessa forma. A nicotina, pela queima do tabaco, liberta-se em gotículas de 0.3 a 0.5 micras, sendo inalada e transportada aos bronquíolos terminais e alvéolos pulmonares. Passando para a circulação sanguínea, distribui-se por quase todo o organismo. Após a tragada, chega rapidamente ao cérebro atravessando facilmente a barreira hematoencefálica e as membranas celulares de todos os órgãos (931). O pH do fumo é importante para a absorção da nicotina: quanto mais ácida, mais ionizada se torna, e mais dificilmente atravessa as membranas. A imensa maioria do fumo de cigarros tem pH baixo, porque o tabaco para a confecção destes é curado em fornos com temperaturas específicas, ficando o pH em torno de 6.0. De acordo com o número de tragadas, a acidez aumenta descendo a 5.5. A esse nível, a nicotina está quase totalmente ionizada e não é absorvida pelas membranas celulares. Por isso, a nicotina dos fumantes de cigarros não é absorvida pela mucosa bucal, indo direto aos bronquíolos terminais e alvéolos. Aí ela se dissolve nos líquidos fisiológicos alcalinos com pH em torno de 7.4; atravessa as membranas celulares, passando aos vasos sanguíneos. É muito ampla a difusão na circulação da nicotina e de outros elementos do fumo, porque a superfície dos alvéolos, se desdobrados, representa uma área de cerca de 70 m² em cada pulmão. 22 Ao contrário, o tabaco destinado aos cachimbos e charutos é curado ao ar livre sob o sol, em condições naturais, tornando-se alcalino, com pH 7.0 ou mais, sendo então facilmente absorvido pela mucosa bucal. Isso faz com que os usuários de charutos ou cachimbos não tenham a necessidade de tragar, ou tragam pouco, diversamente dos consumidores de cigarros. A nicotina sofre várias metabolizações, a maior parte no fígado e, em grau bem menor, nos pulmões. Finalmente é excretada pelos rins por filtração glomerular e secreção tubular – essa excreção depende do pH. Quando a urina se acidifica, a secreção tubular diminui. Quando ela é alcalina, a nicotina não se ioniza, aumentando a absorção tubular, sendo portanto menos excretada, mantendo por maior tempo concentrações mais altas na circulação. A associação do fumo com a ingestão de álcool aumenta a eliminação da nicotina porque aquele acidifica a urina. É por isso que os nicotino-dependentes, quando tomam álcool, têm necessidade de encurtar o intervalo entre os cigarros fumados, pois os níveis sanguíneos daquele alcalóide caem mais rapidamente havendo necessidade de recompô-los; fumando mais (29, 69, 76, 165, 234, 375, 742, 748, 909). Os tabagistas são, por isso, obrigados a manter as concentrações de nicotina no sangue, exigidas pela dependência física (86, 852, 975, 999). Conseqüentemente quanto mais alcalina é a nicotina, maior tempo permanece no organismo e com níveis mais altos. O tabaco de mascar, o rapé e a goma-nicotina de mascar (polacrilex), para tratamento de cessação de fumar, têm pH alcalino, sendo a nicotina absorvida através dos tecidos e caindo diretamente na circulação. Nos fumantes, parte da nicotina é excretada pela saliva, que deglutida, chega ao estômago onde o meio é ácido, não sendo portanto absorvida, só o sendo no intestino delgado, onde o meio é alcalino. Esse mecanismo mantém níveis de concentração da nicotina na circulação por certo tempo, após deixar de fumar (31, 142, 358, 868, 869, 971). 3.4 – LIBERAÇÃO DA NICOTINA A nicotina encontra-se no tabaco sob diversos aspectos: uma fração situa-se na fase particulada e outra na fase gasosa. Nesta última, é absorvida mais facilmente pelo organismo. Por anos, a indústria tabaqueira pesquisou a transposição da nicotina da fase particulada para a gasosa (21, 52, 829). Existe uma nicotina livre no tabaco e outra ligada (presa) a sais diversos. A primeira é mais rapidamente absorvida e causa maior impacto nos centros nervosos cerebrais (426). A nicotina presa está geralmente na fase particulada. Parte da nicotina livre está nesta fase, mas a maior quantidade encontra- se na fase gasosa. A última é mais ativa. São rapidamente absorvidas e intensificam o grau de dependência (21, 52, 829). Dos 600 aditivos que a indústria emprega no tabaco, para torná-lo mais palatável, vários têm a função de liberar mais nicotina. Entre estes, o mais importante é a amônia (534). Esta é alcalina e eleva o pH da nicotina. Quanto mais alto o pH, de 11 para cima, maior a liberação da nicotina, maiores são sua difusão orgânica e penetração pelas membranas celulares nos tecidos (426, 534, 917, 918). Com o pH elevado, a nicotina é mais 23 retida no organismo porque é mais facilmente reabsorvida pelos túbulos renais, diminuindo sua eliminação, e, com isso, elevando sua concentração sanguínea (22, 52, 532, 594, 688). Com esse processo, eleva-se a nicotino-dependência, como se disse, tornando o tabagista escravo do cigarro. Em decorrência do processo mencionado, a inclusão da amônia no tabaco é prática corrente. A indústria tabaqueira afirma, falsamente, que sua inclusão é apenas para melhorar o sabor do fumo e torná-lo mais palatável (52, 594). Usa-se a amônia pura ou em forma de fosfato de diamônia (DAP) ou hidróxido de amônia e ainda uréia. A amônia é incorporada ao tabaco reconstituído. A quantidade deste chega a 25% do total do tabaco contido no cigarro (534). O tabaco reconstituído é fabricado por vários métodos, sendo o mais comum o seguinte: folhas, caules, resíduos e outros detritos são misturados e tratados com solvente líquido para formar uma pasta sobre chapa de metal. O líquido é extraído por compressão. Quase todos os cigarros têm tabaco reconstituído em proporções diversas contendo amônia (534, 1017). Em suma, a amônia constitui o melhor aditivo por liberar mais nicotina, provocando maior impacto cerebral e produzindo o efeito denominado “booster” (534). Assim, há maior liberação de dopamina, produzindo maior estado prazeroso e euforia no tabagista que, em conseqüência, consome mais cigarros (42, 402). O notável êxito comercial da Phillip Morris foi de, há mais de 30 anos, incorporar amônia no tabaco dos cigarros Marlboro, cujo consumo universalizou-se, saltando essa companhia para o primeiro lugar, deixando a British American Tobacco em segundo. A tecnologia da amônia foi adotada por toda a indústria tabaqueira e foi, há tempos, denunciada pela Food and Drugs Administration dos Estados Unidos (955). Análise de cinco marcas de cigarros brasileiros – Derby, King Size Filter, Hollywood Extra, Dallas, Marlboro – revelou níveis de amônia, indo de 13.15 a 14.96 microgramas na corrente principal (217). A absorção da nicotina pelo organismo é em média 1.0 mg por cigarro, variando de 0,34 mg a 1.56 mg (76). Além dos fatores mencionados acima, influi na absorção a maneira de fumar, a força e a profundidade das tragadas. Estudos realizados com nicotina, marcada com carbono 14, mostraram que fumantes que não tragam absorvem de 22% a 42% da nicotina mantida na cavidade bucal, enquanto os que tragam, inalam e absorvem de 70% a 90% da quantidade total de nicotina. Verificou-se também que quando se expira rapidamente após a tragada, a absorção da nicotina é de 40% a 50% do total. O consumo diário de tabagistas regulares é de 10mg a 61mg de nicotina (57, 234, 748, 917). 3.5 – TEORES DE NICOTINA DOS CIGARROS Na década dos anos 1950, as marcas de cigarros nos Estados Unidos continham 3mg a 4mg de nicotina. Dados de 1982 revelam que os teores de nicotina nos cigarros daquele país baixaram para 1.3mg e até 0.9mg. Inquérito realizado pela Organização Mundial de Saúde, em 1984, de 50 marcas de cigarros dos países em desenvolvimento, mostrou que todas elas continham teores superiores aos dos cigarros norte-americanos e de outros 26 Registrou-se que os fumantes de cigarros de baixos teores, pelo maior consumo e tragadas mais profundas, aspiram maiores quantidades de elementos tóxicos, além da nicotina e do alcatrão (745). Por isso, nesses tabagistas não há redução dos processos mórbidos tabaco-relacionados (84). Em adolescentes e adultos que fumam cigarros de baixos teores, verifica-se a mesma incidência de sintomas respiratórios, de bronquite crônica e de enfisema que nos consumidores de cigarros “fortes” (350, 529, 740, 759, 824, 1054). Os consumidores dos cigarros “fracos”, além de tragar com maior intensidade, tapando os orifícios do filtro, estabelecem forte pressão negativa, porque suas paredes são impermeáveis, inalando assim maior quantidade de nicotina, monóxido de carbono e todos os demais componentes do tabaco. Em conseqüência, esses cigarros são tanto ou até mais prejudiciais que os “fortes”, e há farta documentação comprovante disso (359). Estudo de 1.540 indivíduos, de 18 a 44 anos de idade, na qual havia consumidores de três tipos de cigarros (baixos, médios e altos teores de nicotina e alcatrão), revelou ao cabo de 6 meses, que além de não haver praticamente diferenças nas concentrações de nicotina e cotinina no sangue e na urina, tiveram as mesmas manifestações sintomáticas respiratórias e mesmos padrões de provas funcionais pulmonares (1057). Adolescentes, fumantes destes cigarros, com freqüência têm sintomas respiratórios e nos adultos a morbidade pulmonar elevada (529, 572, 745, 824, 1058). Também há registro de elevação significante, em adultos, de mortalidade por processos pulmonares, inclusive devido a câncer broncogênico (529, 689, 745). Confronto de fumantes de cigarros de baixos teores de nicotina com demais tabagistas revelou que o consumo dos cigarros de baixos teores provoca a mesma incidência de casos de elevação da tensão arterial, isquemia das coronárias e de infarto do coração (52, 529, 732, 950), podendo a incidência deste último ser até maior, como verificado no estudo prospectivo de Framinghan, nos Estados Unidos (166). A vaso-constrição das coronárias nesses fumantes foi confirmada pela arteriografia (673). Extenso estudo nos Estados Unidos constatou que, nos consumidores dos cigarros light e utra-light, o câncer do pulmão elevou-se 17 vezes nos homens e 10 vezes nas mulheres em confronto com não-fumantes no período de 1959 a 1991 (518, 745). Em suma, os cigarros de baixos teores têm a mesma toxidez que os demais (75, 357). Finalmente, os cigarros de baixos teores desencadeiam graus de dependência nicotínica semelhantes aos demais cigarros (594). Ao nosso ver, há um fato epidemiológico, demonstrativo da incapacidade dos cigarros de baixos teores diminuírem a incidência do câncer broncogênico e de seu alto poder cancerígeno. Com a expansão acelerada do tabagismo nas mulheres a partir da Segunda Guerra Mundial, seguiu-se à elevação aguda, dramática, da mortalidade por esse tipo de câncer, tanto que em diversos países já está sobrepujando o câncer da mama, assim como também elevação do infarto do miocárdio. Ora, praticamente desde então, todas as mulheres iniciaram-se no tabagismo fumando cigarros de baixos teores e estes são os únicos que elas vêm consumindo até hoje. Deve ser esclarecido que não há cigarros cujo tabaco contenha menos nicotina. Análise da quantidade de nicotina no tabaco de 15 marcas de cigarros norte-americanos constatou que a média era de 1.5% do alcalóide por peso de tabaco, tanto nos cigarros light como nos fortes (79). Na realidade, a proporção de nicotina no tabaco de todas as 27 marcas é a mesma. Os cigarros de baixos teores contém menos nicotina porque têm menos tabaco e possuem dispositivos que facilitam a remoção da nicotina e do alcatrão por filtração e difusão no ar. Já se viu que na prática isso nada ajuda; esses cigarros são igualmente nocivos quanto os cigarros ditos fortes e seus usuários sofrem os mesmos riscos à sua saúde. Não obstante esses conhecimentos, a indústria fumageira promove intensa propa- ganda dos cigarros de baixos teores, incutindo a crença de que não são nocivos, visando conquistar novos fumantes, especialmente os jovens e o sexo feminino, fazendo com que se continue fumando com a ilusão de que esses cigarros são inócuos. Para que os cigarros de baixos teores sejam mais consumidos, a indústria tabaqueira adiciona aditivos para proporcionar melhor e maior sabor. Esses são naturais e sintéticos, passando de mais de 600 (538). Muitos fornecem odor e sabor de frutas, licores e outras substâncias agradáveis, como por exemplo, etil-3- metilvalerato (maçã), fenilalcool (rosas), acetilpirazina (nozes) e anetol (anis). Para atrair os adolescentes, são muitos os aditivos, como os empregados no Brasil, que proporcionam gosto de suco de frutas (865). Vários desses aditivos são hepatotóxicos ou cancerígenos quando queimados, como: cumarina, glicerol, dodecam-5-ólido, nonam-4-ólido (855). Um grande número dos aditivos ainda não tiveram sua toxidez examinada (855). Os cigarros de baixos teores, “light”, começaram a ser lançados no comércio por volta dos anos de 1960, ante a intensificação das campanhas sobre os malefícios do tabagismo, em decorrência principalmente de dois relatórios de enorme repercussão: a monografia “Smoking and Health do Royal College of Physicians”, da Inglaterra, e o relatório “Luther Tierry, General Surgeon”, do Departamento de Saúde dos Estados Unidos, que reuniram dados de cerca de 30 mil estudos científicos provando ser o tabagismo a maior causa isolada de doença e morte. Ambos os relatórios tiveram impacto mundial. Em conseqüência, a voga dos cigarros “fracos” cresceu e seu consumo universalizou-se nos anos de 1970. As multinacionais do tabaco vêm mantendo propaganda enganosa de que os cigarros “fracos” são inócuos, enquanto paralelamente financiam pesquisas para obtenção de cigarros que aumentem a dependência químico-física, criando por técnicas de engenharia genética, planta de tabaco hipernicotinizada. Isso tudo veio à luz pela descoberta dos documentos secretos da indústria tabaqueira, os quais são amplamente comentados no capítulo 7. Considerando os comprovados perigos à saúde das populações dos cigarros de baixos teores, tanto ou mais que os demais cigarros, a Framework Convention on Tobacco Control – FCTC (Convenção Quadro Internacional do Controle do Uso do Tabaco) patrocinada pela Organização Mundial de Saúde, com a participação de 192 países (o Brasil inclusive) e mais de 200 ONGs, aprovou, entre outras, a seguinte medida: “proibição do emprego das expressões de cigarros light, ultra-light, mild, low-tar (cigarros fracos, leves, ultra leves, de baixos teores), bem como todos os demais termos que induzem a crer que esses cigarros não são nocivos” (206). O Brasil já adotou oficialmente essa proibição pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária com as resoluções nos 39 e 104, de 2000 e 2001. 28 As multinacionais tabaqueiras estão tentando obstaculizar as medidas que vão sendo aprovadas na FCTC. Por exemplo, quanto à proibição dos termos referentes aos cigarros de baixos teores, a indústria tabaqueira no Canadá está questionando a medida alegando que implica em rescisão institucional por ferir acordos comerciais internacionais. Ao finalizar este capítulo, esclarece-se que no estado atual dos nossos conhecimentos não há maneira de fumar que não seja nociva. É imprescindível esclarecer o público que o ideal é nunca começar a fumar, e que, se fumante, abandonar o tabaco o mais cedo possível. Isso ficou mais uma vez patenteado com o estudo da Universidade de Copenhagem, recentemente publicado, incluindo 19.732 homens e mulheres examinados cada 10 ou 15 anos, tabagistas consumindo quantidades diversas de cigarros diariamente, fossem eles fumantes pesados ou moderados, com os mais variados tipos de tabaco, cigarros fortes, suaves ou leves, tragando ou não tragando e outras formas de fumar e outros fatores diferentes. Os coeficientes de mortalidade foram os mesmos para todos os tipos de fumantes. A mortalidade só foi um tanto menor nos que deixaram de fumar (343). Assim fica confirmado: “o único cigarro que não faz mal é aquele que nunca se fuma”. Não há futuro com os chamados cigarros de baixos teores (6, 75, 357). 3.7 – SOBRE OS CIGARROS COM TOXIDEZ REDUZIDA (ADENDO) Afinal a indústria de cigarros, premida pelas circunstâncias, lança no mercado “pseudo-cigarros”, considerados por ela como menos tóxicos, rotulados, nos Estados Unidos, “Potencial Reduced Exposure Products” (PREPs) (1102, 1105). São produtos que “removem” substâncias cancerígenas do tabaco, notadamente nitrosaminas, as quais possuem alto potencial cancerígeno (1100). Além de menos tóxicos, esses cigarros diminuiriam a vontade de fumar e poderiam ser úteis nos tratamentos para cessação de fumar (1098). Veja capítulo 23.4. Destacam-se três produtos: “Eclipse”, da RJ Reynolds. Possui um mecanismo que transporta glicerina em sistema de conta-gotas dentro de um cilindro revestido de lâmina de alumínio, no qual há carvão em pó como combustível, isolado por fibras de vidro (1102, 1107). “Accord”, da Phillip Morris. Contém dispositivo que emite leve luz que tosta mas não queima o tabaco (1109). Contém tabaco reconstituído “com menos tóxicos”. Ambos os produtos reduzem a quantidade de fumaça que o fumante consegue aspirar. Através do carvão combustível, o tabaco reconstituído vaporiza-se. A glicerina também se vaporiza e facilita o transporte do tabaco. A nicotina, em menor concentração, é transportada através desse dispositivo, também vaporizada. “Quest”, da Vector, sucessora da Ligget. É confeccionado com tabaco modificado por engenharia genética, com quantidade mínima de nicotina (1111). 31 QUADRO 2 Concentrações de nicotina e de carboxihemoglobina no sangue de acordo com a quantidade inalada (ng/ml) 2.5mg 1.2mg 0.4mg NICOTINA teores de nicotina dos cigarros REFERÊNCIAS 12, 13, 19 32 4 – NICOTINA. TOXIDEZ. FARMACODINÂMICA A nicotina é uma droga de alta toxicidade. Há mais de um século que vem sendo usada como inseticida contra pragas da agricultura (709). Nos agricultores que manejam a planta do tabaco, os efeitos nocivos da nicotina são agravadas pelos agrotóxicos empregados no cultivo (999). De longa data citam-se intoxicações crônicas nos que manejam folhas de tabaco, causando lesões nos olhos, na pele e no aparelho respiratório. Os mais antigos registros são de Bernardino Ramazzini em 1770, que descreve operários triturando folhas de tabaco em moendas, sofrendo de dores de cabeça, náuseas e vômitos (803). Aqui no Brasil, há muitos anos citaram-se maior incidência de aborto e aumento da mortalidade em operárias da indústria do tabaco na Bahia (45) e intoxicações nos cultivadores de tabaco no Rio Grande do Sul (217). Esses efeitos tóxicos decorrentes da nicotina nos colhedores de folhas de tabaco são registrados em todos os lugares onde se cultivam tabaco (1079). Em 1990, a UNICEF, analisando dados mundiais, concluiu que é enorme o contingente de crianças que trabalham na colheita do tabaco e são acometidas da chamada “doença do tabaco verde”, pela absorção cutânea da nicotina, exteriorizando-se por náuseas, vômitos, dores de cabeça, cólicas abdominais, dificuldade de respirar, alterações o ritmo cardíaco e fraqueza orgânica geral. Seu número, no ano 2000, foi estimado em 6 milhões, com 32 mil óbitos anuais (151, 314, 368, 701). Há citações dessas crianças, que tendo fumado apenas um cigarro, tiveram sintomas cardio-respiratórios graves (12, 151, 368, 625, 701). Intoxicações crônicas, nicotínicas, em animais de laboratório têm efeito mortal (958, 1053). Nos tabagistas, por ação da nicotina, surgem diversos malefícios, alguns atingindo especificamente as mulheres. São conseqüências diretas da nicotina: hipertensão, aterosclerose, espassamentos da parede das artérias e sua obliteração, provocando, conforme as regiões, gangrena das extremidades (doença de Reynaud), impotência, doenças coronárias, angina do peito, infarto do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais (capítulos 10 e 21). Indiretamente, a nicotina participa de processos oncogênicos, produzindo pela nitrosação, nos procedimentos da cura do tabaco, nitrosaminas, que são substâncias de elevado potencial cancerígeno, específicas do tabaco. Essas nitrosaminas podem também ser sintetizadas no próprio organismo do tabagista (capítulo 11). Por outro lado, há evidência que certos metabolitos da nicotina têm diretamente ação cancerígena (capítulo 11). Na mulher, a nicotina diminui significantemente os estrógenos, provocando apressamento da menopausa e aumento do risco de osteoporose (capítulo 20). A nicotina diminui a fertilidade da mulher, pela ação tóxica sobre os oocistos. Quando a mulher fuma durante a gestação, a nicotina diminui a eficiência dos reflexos respiratórios do feto, aumentando o risco da síndrome da morte súbita infantil. Há registros de acidentes cardio-respiratórios de lactentes em casos cuja mãe fuma durante a lactação; a nicotina é veiculada pelo leite (capítulo 20). Certos fumantes têm distúrbios do sono com aumento da rotação dos olhos. Isso se verificou nas pessoas que receberam tratamento agudo da nicotina 33 administrada por via transdérmica (patch). Esses efeitos da nicotina parecem estar associados com a hipersensibilização do sistema colinérgico, que pode ocorrer nos fumantes pela ação da nicotina (875). Ao encerrar as informações sobre a toxicidade da nicotina, ressalta-se que esta tem uma peculiaridade não encontrada em nenhuma outra droga. Não se introduz nicotina pura no organismo. Ela está num invólucro que é o tabaco, contido no cigarro. Portanto, a nicotina é administrada ao organismo com milhares de substâncias tóxicas que existem no tabaco. Neste já foram isoladas cerca de 6.700, das quais 4.720 bem identificadas quimicamente (243, 375). O tabagista ao inalar a fumaça, com a nicotina da qual está dependente, inala juntamente, em média, 2.500 substâncias lesivas ao organismo. Dessa forma, a nicotina, além de ser diretamente causadora de vários malefícios à saúde, escraviza o fumante ao tabaco pela dependência física que provoca e carrega, para o seu organismo, milhares de componentes tóxicos, os quais elevam o risco de morbi-letalidade para mais de 50 doenças, sendo 10 com grande freqüência (238, 1081). Em conseqüência, a vida do tabagista é encurtada. A nicotina, sendo a responsável pela dependência físico-química, torna-se a maior propulsora da pandemia do tabagismo, por sua vez, agente causal de mortalidade prematura. A Organização Mundial de Saúde considera o tabagismo a maior causa isolada, evitável, de doença e de morte (1080). A dimensão mundial dessa mortalidade tabágica e seus diversos ângulos estão abordados no capítulo 24. 4.1 – NEUROFARMACOLOGIA DA NICOTINA Fumar é a única forma de administrar uma droga como a nicotina, que atravessando os pulmões invade o sistema arterial sem passar pela circulação venosa (76). Após a tragada, atinge o cérebro entre 7 e 19 segundos, geralmente. Os tabagistas que fumam 20 cigarros (1 maço) por dia, tragando em média 10 vezes por cigarro, realizam 200 impactos de nicotina no cérebro, totalizando 73 mil por ano. Os consumidores de apenas 1 cigarro diariamente, pensam que isso nada representa para a saúde, porém recebem 3.650 impactos de nicotina nos centros nervosos em um ano. Com nenhuma outra droga ocorre ação nociva tão massificante. A nicotina aspirada, atravessando a rede alvéolo-capilar, pode atingir no cérebro, níveis mais elevados, mais rapidamente do que quando injetada na veia. Comprova-se a dispersão de nicotina por radiotraçadores de emissão de positrons, sobre o cérebro e periferia do sistema nervoso (999). No cérebro propaga-se a todas as áreas, centros, até o córtex (837). A nicotina age sobre o sistema mesolimbico-dopaminico. São atingidos inclusive os neurônios dopaminérgicos do nigroestriado, centros como tálamo, hipotálamo, hipocampo, nucleoacumbens, córtex e tronco cerebral (veja quadro 3). O núcleo acumbens não tem estrutura uniforme. O núcleo central é envolvido por uma camada celular morfologicamente diferente, com repostas distintas à nicotina. Há consenso de que a nicotina exerce seus impactos sobre o cérebro interagindo com a gama de receptores 36 dose de tóxico que protege (imuniza) contra novas doses administradas repetidamente a intervalos curtos. É o que sucede com a nicotina e receptores nicotínicos cerebrais. Uma das hipóteses para a taquifilaxia no tabagismo é a dessensibilização dos receptores nicotínicos colinérgicos, envolvendo modificações resultantes do aumento de sua capacidade de ligar-se com agonistas, decrescendo a propriedade de transporte de íons (1034). Estudos recentes sugerem que, não obstante o aumento da densidade dos receptores nicotínicos, eles se insensibilizam ou inativam, pela administração crônica de nicotina, sendo recrutados novos receptores para compensar a referida insensibilização. Estabelece-se nesse intervalo, fase de tolerância, que é dose- dependente, sendo esta variável nos indivíduos, influindo fatores genéticos nessas diferenças (76, 187, 442, 461, 686, 1061). Em suma, a repetição da exposição à nicotina sobre o cérebro produz uma neuroadaptação (56, 77). Infere-se que o processo de fumar é muito complexo e a peculiaridade singular, é que o tabagista manipula as alterações e manifestações neurocerebrais, regulando o nível de doses de nicotina solicitado pelo organismo, variando a profundidade, o tempo e o número de tragadas. O tabagista manipula também o aporte da nicotina ao sistema nervoso em relação às diferenças, eventualmente, dos tipos de cigarros, fortes, fracos, com ou sem filtros e outras características imponderáveis (76, 190, 573, 868, 931, 975, 992, 999). QUADRO 3 Nicotina Ações sobre os centros nervosos Centro Mesolímbico Dopaminérgico Receptores Colinérgicos 5 sub-unidades Nigroestriado Neurônios Dopaminérgicos Área Ventral [ro Tegmental Hipotálamo Hipocampo Núcleo Acumbens Pituitária Putamen Córtex Adrenal Sistemas Medula - Córtex Tronco, Receptores Sinapses Pré-Sinapticos Neuromusculares Endocrínico Neuro. Simpático Parasimptático Endocrínico 37 38 QUADRO 4 Ação da nicotina Hormônios psicoativos e neuropeptides libertados pela nicotina Catecolaminas (particularmente, norodrenalina) Arenalina Epinefrina (neuro-transmissor) Acetilcolina Dopamina Neuropeptides (importante, vasopressina) Neuroquímicos Corticoesteróides (AC TH) Serotonina Prolactina Beta-endorfina Hormônios pituitários (anteriores e posteriores) REFERÊNCIA: 19 41 estão tabaco-dependentes. É por essa razão que a indústria fumageira joga o maior peso da propaganda visando os jovens, que, pela dependência, tornam- se permanentes consumidores de cigarros. Em poucas semanas, o tabagista pode se tornar dependente. Tem-se procurando fixar o limiar mínimo de nicotina na saliva ou no sangue para a geração da dependência. Foi proposto esse limiar, porém, com a ressalva de que a quantidade de cigarros fumados por dia possa estabelecer com segurança as dosagens (82). Um estudo verificou que a média de concentração da nicotina no sangue dos tabagistas dependentes é de 300ng por mililitro. Um cigarro produz no sangue concentração em torno de 14ng/ml, chegando a 70ng/ml nos que fumam 5 cigarros por dia. Segundo esse estudo, seria razoável estimar os níveis de 50 a 70ng/ml como os mínimos para gerar dependência. Esses níveis correspondem à inalação diária de 4mg a 6mg de nicotina (80). Por outro lado, outra proposta baseada na prática epidemiológica considera como nicotino-dependentes os que fumaram pelo menos 100 cigarros durante a vida e, principalmente, no mês anterior à entrevista (76, 80, 359, 908). De qualquer modo, é difícil estabelecer um parâmetro, pois há muitas variações individuais decorrentes de diversos fatores, inclusive genéticos. Estes últimos também estão correlacionados com a intensidade da dependência e com o tempo para a sua instalação (67, 80, 85, 752, 976, 999). Além dos fatores genéticos, pouco se sabe da interferência de outras causas reforçadoras dos efeitos farmacológicos da nicotina, intensificando ou diminuindo a dependência. Entre os fatores que concorrem para intensificar a dependência, está a ação direta da nicotina sobre as células pulmonares, com repetidos impactos, de acordo com o número e freqüência das tragadas. Sabe-se que esse mecanismo coopera com a intensificação da dependência. No capítulo 4, mencionou-se que a concentração da monoamino-oxidase (MAO) é diminuída nos fumantes e em conseqüência do mecanismo que citamos, há grande liberação de dopamina pelos centros dopaminérgicos, proporcionando o estado de euforia. Entretanto, a diminuição de MAO nos fumantes tem variações orgânicas, havendo os que agem menos nessa diminuição de MAO, ocasionando estados mais próximos à disforia. Por outro lado, como foi citado, existe um gene responsável pela síntese de MAO que, entretanto, é muito variável devido ao notável polimorfismo do referido gene. Essas diferenças desenvolvem graus diferentes de dependência (57A). Outro aspecto é a constatação que a ação crônica, continuada da nicotina, seleciona lócus cerebrais que dão respostas diferentes. A plasticidade dessas respostas ocasiona graus diferentes de dependência (57A). Em muitos casos ocorre dessensibilização dos centros dopaminérgicos, que necessitam de doses mais elevadas de nicotina para darem respostas do mesmo nível que davam antes. Isso se traduz na prática, intensificando a dependência. Recentemente verificou-se, mais aprofundadamente, a importância da idade em que se começa a fumar no desenvolvimento mais intenso da dependência da nicotina (127). Os que se iniciam no tabagismo em torno dos 14 anos de idade, cerca de 90% estão dependentes aos 19 anos. Tem-se comprovado que os que começam a fumar entre 14 e 16 anos, desenvolvem muito maior dependência da nicotina, em comparação com aqueles que fumaram o primeiro cigarro depois dos 20 anos de idade (127, 185, 503, 879, 951, 969). 42 Nos adolescentes, a nicotina provoca ação imediata sobre a função colinérgica, com alterações persistentes, refletindo-se na dependência, aprendizado e memória (879). O adolescente é mais vulnerável para a disfunção colinérgica quando submetido à ação da nicotina (968). A nicotina no adolescente produz rápida alteração no sistema noradrenérgico e dopaminérgico dos centros nervosos cerebrais (503). A vulnerabilidade dos adolescentes à nicotina deriva da circunstância de que o cérebro ainda não está completamente desenvolvido. Experimentalmente constatou-se que a instilação de nicotina em ratos jovens exerce extensa ação sobre os receptores acetilcolínicos, o que não ocorre nos ratos adultos. Além disso, verifica-se que em ratos mais jovens, a nicotina provoca maiores prejuízos funcionais no sistema de recompensa que em ratos adultos (968, 970). Estudos em humanos indicam que o cérebro de adolescentes é particularmente vulnerável à nicotina e que a dependência é mais intensa, razão porque a interrupção de sua administração, por deixar de fumar, apresenta maiores perturbações da função neurológica, com maior freqüência de depressão (61, 127, 503, 969, 1006). Estudo de mais de 30 mil homens e cerca de 19 mil mulheres, ambos adolescentes, demonstrou que os iniciados no tabagismo desenvolveram intensa dependência, traduzida pelo aumento de consumo de cigarros quando na idade adulta. Dos que começaram a fumar antes de 14 anos, 19,6%, quando adultos, consumiam 41 ou mais cigarros por dia, comparados com 10,3%, que começaram a fumar aos 20 ou mais anos de idade. O consumo foi um pouco inferior no sexo feminino (951). Outro estudo demonstrou que adolescentes fumantes têm duas vezes mais dificuldade de deixar de fumar que os tornados tabagistas depois de 20 anos (61, 1006). Em suma, é farta a documentação evidenciando que a dependência da nicotina processa-se mais rapidamente e é mais forte nos que ingressam no tabagismo em torno dos 14 anos, sendo mais difícil de superá-la, obrigando a consumir maior quantidade de cigarros continuamente, com sérias conseqüências à saúde. Como ventilado no capítulo 4, a nicotina pode dessensibilizar os receptores nicotínicos, gerando fase de tolerância. A sensibilidade inicial quase sempre se expressa por sintomas desagradáveis ao se fumar pela primeira vez. Podem surgir tonturas, náuseas, vômitos, dor de cabeça e dísforia, e nos casos de hipersen- sibilidade, suores frios, palidez e diarréia (56, 76, 999). Estabelecida à tolerância, o tabagista suporta doses de nicotina que são progressivamente maiores para obter o mesmo nível euforizante e prazeroso (56, 992, 999). Implantada a dependência, faltando o aporte de nicotina aos centros nervosos, surge dísforia e um quadro clínico de sintomas desagradáveis denominado “síndrome da abstinência”. Como mencionado atrás o sistema acetil-nicotínico, colinérgico nAhRs e a diminuição de neurotransmissores, principalmente da dopamina, concorrem para o desen- volvimento do quadro sintomático da síndrome de abstinência da nicotina (27-A, 532- A). No tabagista que cessa de fumar, esse quadro caracteriza-se por forte desejo de fumar, ansiedade, inquietação, irrabilidade, distúrbios do sono, dificuldade de concentração, além de outros sintomas. Os distúrbios do sono, que ocorrem pela falta da nicotina, quando se suspende o consumo de tabaco, têm relação com a nicotino-dependência. Ratos tratados com nicotina por longo tempo, ao se suspender à administração, ficam altamente 43 agitados com grandes distúrbios do sono. Nos fumantes, conforme o grau de dependência da nicotina, deixando de fumar, surgem comumente apnéia obstrutiva sufocante durante o sono. Esse distúrbio costuma ser tanto mais frequente quanto mais intensa for a dependência. Um estudo verificou que dos sofredores de apnéia sufocante durante o sono, 35% eram tabagistas, sendo 18% não-tabagistas. Esse estudo também constatou que a odds ratio desse distúrbio nos fumantes foi igual a 2.5; nos tabagistas foi 2,8 vezes mais frequente que nos ex-fumantes (195, 528, 821). Há evidência que a morte súbita infantil, que é mais frequente quando a mãe fumou durante a gestação, seja causada por ocorrência de apnéia sufocante durante o sono, associada à falta de nicotina que a criança recebeu durante os meses da vida intra-uterina (528). Depois de estabelecer a nicotino-dependência como desordem mental (16), a Associação Americana de Psiquiatria organizou um quadro de sintomas desagradáveis que surgem quando se suspende uma droga que produz dependência, no qual está incluída a síndrome de abstinência do tabagismo (18) (quadro 6). A síndrome de abstinência varia com o grau da intensidade da dependência. Como contra-prova de que é a nicotina a responsável pelos distúrbios que surgem ao cessar de fumar, está o fato de que bastam algumas tragadas de fumo ou a administração de nicotina por qualquer via, para que os sintomas desagradáveis desapareçam, voltando a euforia (56, 76, 77, 561, 924, 999). Há comprovações de que a liberação de dopamina e demais neurotransmissores psicoativos pelos centros nervosos, como o sistema mesolímbico dopaminérgico, os receptores colinérgicos, o nucleus acumbens, o hipotálamo e o hipocampo, exerce efeitos ansiolíticos, eufóricos, de realce e melhora da memória, vigilância, cognição da performance, execução de tarefas e ação antidepressiva e neuroestimulante (125, 317, 430, 933, 992, 999). Nos estressados, deprimidos, portadores de desordem afetiva, a ação neuroestimulante da nicotina mediada pela ativação dos receptores cerebrais e produção de neurotransmissores psicoativos é alta, o consumo de cigarros é compulsivo, desenvolvendo-se intensa dependência, e nos que conseguem parar de fumar, o índice de recaída é grande (125, 334, 344, 472, 784). Como foi exposto, a diminuição da dopamina produz estado de disforia que faz parte da síndrome de abstinência. Nos últimos tempos, vêm se constatando que entre os neurotransmissores liberados por ação da nicotina sobre os centros receptores cerebrais figura elemento confundido com a serotonina, que é a 5- hidroxitriptamina (5-HT). Pela ação continuada crônica da nicotina, ocorre resposta inversa, decrescendo sua produção no nigro-estriado e no nucleus acumbens; paralelamente estabelece-se o estado de disforia. Essa redução de 5-HT verifica- se em ratos submetidos à administração repetida da nicotina, sendo no hipocampo diminuída sua concentração e biosíntese. Exames “pós mortem” confirmam a redução da concentração 5-HT no hipocampo do cérebro de tabagistas inveterados, e ela ocorre, não obstante, nos casos em que persiste a sensibilidade à nicotina nos receptores nicotínicos e o aumento da densidade destes. Embora não se saibam se 5-HT contribui para a sensação prazerosa dos tabagistas, é certo que sua diminuição ou ausência coincide com os estados de disforia no contexto da síndrome de abstinência (89, 90, 230, 366). 46 QUADRO 6 Síndrome da abstinência SUPRESSÃO DA NICOTINA Forte desejo de fumar Suores Inquietação Sede Ansiedade Dor de cabeça Irritabilidade Constipação intestinal Agressividade Tonturas Tristeza Vertigens Distúrbios do sono Dificuldade de concentração Dificuldade de decisão Distúrbios de conduta psicomotora MINORA OU DESAPARECE COM: 2 a 3 tragadas de fumo Reposição da nicotina administrada por via: o Endovenosa o Intramuscular o Nasal (aerosol) o Transdérmica (adesivo com nicotina) o Mucosa bucal (goma nicotina) REFERÊNCIA 267 47 QUADRO 7 Avaliação do grau de dependência à nicotina Teste de Fagerström 1. Quanto tempo após acordar você fuma o seu primeiro cigarro? _______________ ( ) Dentro de 5 minutos = 3 Entre 6-30 minutos = 2 Entre 31-60 minutos = 1 Após 60 minutos = 0 2. Você acha difícil não fumar em lugares proibidos, como igrejas, bibliotecas, cinemas, ônibus, etc.? _______________ ( ) Sim = 1 Não = 2 3. Qual cigarro do dia traz mais satisfação? _______________ ( ) O primeiro da manhã = 1 Outros = 0 4. Quantos cigarros você fuma por dia? _______________ ( ) Menos de 10 = 0 De 11 a 20 = 1 De 21 a 30 = 2 Mais de 31 = 3 5. Você fuma mais freqüentemente pela manhã? _______________ ( ) Sim = 1 Não = 0 6. Você fuma, mesmo doente, quando precisa ficar de cama a maior parte do tempo? _______________ ( ) Sim = 1 Não = 0 Conclusão sobre o grau de dependência: 0 – 2 pontos = muito baixo 3 – 4 pontos = baixo 5 pontos = médio 6 – 7 pontos = elevado 8 – 10 pontos = muito elevado Uma soma acima de 6 pontos indica que, provavelmente, o paciente sentirá desconforto (síndrome de abstinência) ao deixar de fumar. Referências: 112, 113 48 QUADRO 8 Graus de nicotino-dependência e sua percentagem de frequência, segundo a pontuação do Teste de Fagerström 0-1 – Cerca de 20% - fraca nicotino-dependência e leves sintomas da Síndrome de Abstinência (SA). Esses fumantes raramente precisam de ajuda para abandonar o tabaco. 2-3 – Cerca de 30% - certo grau de nicotino-dependência. Podem ocorrer sintomas mais acentuados da SA. Com alguma freqüência há abandono espontâneo do tabaco. O tratamento é de ajuda. 4-5 – Cerca de 30% - a nicotino-dependência é acima da média. Fracos sintomas de SA. Com freqüência, o tratamento obtém resultados positivos. 6-7 – Cerca de 15% - a nicotino-dependência é intensa, assim como também a SA. Os danos à saúde são elevados. O tratamento deve ser mais enérgico e mais prolongado que o geralmente recomendado. É indicado suporte psicológico, particularmente quando há estresse e alto consumo de álcool. 8-10 – Cerca de 5% - a nicotino-dependência é incoersível e é grave o quadro da SA. É essencial a ajuda psicológica e o tratamento farmacológico com vários medicamentos associados. Os resultados são negativos na maioria desses fumantes. É comum a associação de morbidade, ansiedade, depressão e alto consumo de álcool. Nos fumantes com pontuação até três, os quais somam cerca de metade dos tabagistas, o aconselhamento mínimo é geralmente suficiente para abandonar o tabaco. Referências: 112, 114, 118, 778 51 6 – GENÉTICA E DIVERSIDADE DE COMPORTAMENTO EM RELAÇÃO À NICOTINA E AO TABAGISMO Os dados genéticos em relação ao tabagismo comportam dois aspectos distintos. Um é relacionado com a iniciação de fumar e outro com a reação do organismo ante à nicotina. Como abordado em vários capítulos a imensa maioria dos fumantes inicia- se no tabagismo na adolescência. Estudos demonstram que nos adolescentes o início do tabagismo decorre mais de fatores sócio-ambientais, sobretudo porque o tabaco é um produto lícito como o álcool. Fatores genéticos são submergidos pela influência ambiental. Estudos realizados em adolescentes demonstram isso (611-A). Mulheres, principalmente jovens, também ingressam no tabagismo, mais por influência ambiental (251-A). Entretanto, existem genes, como o 160H e TPH, que apressam a compulsão de fumar. Seus possuidores em média começam a fumar de 3 a 5 anos antes do que os que não têm esse gene no genoma (365-A, 589-A). Nos adultos, geralmente os fatores genéticos pesam mais para se iniciar a fumar, como se infere pelas pesquisas em gemeos mono e heterozigóticos. Fo- ram examinados 4.775 pares de gêmeos quando tinham entre 40 e 50 anos de idade. Em relação ao tabagismo, apurou-se que a concordância dos dois membros serem fumantes foi de odd ratio 1.38 quando eram gêmeos monozigóticos em comparação com os pares de gêmeos dizigóticos (160). Outro estudo verificou que gêmeos monozigóticos, mesmo vivendo separados, têm 84% de concordância de ambos serem fumantes, sendo que, nos gêmeos heterozigóticos, a concordância de ambos serem fumantes caiu a 24%, isto é, igual à encontrada em irmãos comuns (160, 471, 589). O outro aspecto é o do comportamento do organismo quanto à sua capacidade de metabolizar a nicotina. Esta tem base genética, é muito variável, devido ao grande polimorfismo dos genes implicados no processo. Essas diversidades genéticas independem das bases genéticas que influem na iniciação de fumar. Há extensa gama no comportamento das pessoas em relação ao tabagismo. São muitas as variações individuais quanto à sensibilidade ou tolerância à nicotina, a capacidade orgânica de sua metabolização, o grau de intensidade da nicotino-dependência, a maior e menor dificuldade de abandonar o tabaco, os riscos diversos de reincidência nos que deixam de fumar e outras peculiaridades. A base dessas variações é genética, cujas pesquisas aprofundaram-se nos últimos tempos. 52 6.1 – GENES MAIS CONHECIDOS IMPLICADOS NO COMPORTAMENTO EM RELAÇÃO À NICOTINA A metabolização da nicotina é feita no fígado pelo sistema citocromo P-450 e em pequena proporção no pulmão; 20% a 30% do total elimina-se pelo rim (684). Contra a expectativa, os fumantes regulares não metabolizam a nicotina mais rápida ou demoradamente em comparação com os que fumam pela primeira vez. As diferenças do tempo de metabolização da nicotina são reguladas geneticamente (81). Um dos maiores responsáveis pela diversidade do comportamento em relação à nicotina é o gene CYP2A6. Este gene tem seu lócus no cromossomo 19 e possui elevado polimorfismo. Tem muitos alelos, sendo uns vinte os mais estudados. Quadro 8-A. Nos casos de gene normal CYP2A6, homozigótico, a metabolização da nicotina é em torno de 80%; há grande consumo de tabaco; gera-se intensa nicotino-dependência; cancerígenos são ativados. Basta um só alelo heterozigótico ou nulo para diminuir a metabolização da nicotina e baixar o consumo de tabaco. Quadro 8-B. Nos casos do gene CYP2A6 ser defeituoso ou heterozigótico, ou possuir um ou mais alelos heterozigóticos ou nulos, a metabolização da nicotina cai a 50%, e pode descer até só 5%. Por outro lado há no fígado, diferenças nos microssomos em quantidades variáveis, alterando a ação do sistema P450, com grande variedade da capacidade de metabolizar a nicotina (650). Em síntese: com o gene CYP2A6 e seus alelos, todos normais e homozigóticos, a metabolização da nicotina é quase total, havendo grande consumo de tabaco, baixos níveis de nicotina no sangue, altas concentrações do seu metabólito a cotinina, intenso grau de nicotino-resistência, com recaídas freqüentes após o tratamento. O quadro é inverso com CYP2A6 defeituoso, heterozigótico ou com alelos heterozigóticos ou nulos: baixo consumo de tabaco, baixa ou nenhuma metabolização da nicotina, alta concentração desta no sangue, baixos níveis de cotinina no plasma, fraca nicotino-dependência. Quadros 8-A, 8-B. (27-A, 67, 156, 172, 291, 415, 415-A, 527, 636, 650, 751, 808-A, 828, 829, 976-A, 976-B, 1087-A, 1087-B). Essas enzimas e genes podem agir isoladamente, associadas ou faltar completamente. Com isso, estabelece-se extensa gama de atividades metabolizadoras da nicotina. Há, portanto, grande variedade de comportamentos individuais nessa metabolização. Estudos em curso podem indicar outros genes e enzimas implicados nesse polimorfismo (84, 211, 636). Para as diferenças do comportamento orgânico em relação à nicotina, além do gene CYP2A6, parece haver outros fatores intervenientes. Outro gene do mesmo sistema é o CYP2D6, que, porém, parece ter menor atuação sobre a metabolização da nicotina. Há, contudo, controvérsias sobre a atuação desse gene (291, 636). Todavia, vários aspectos estão confirmados. Assim, há evidência de que ele exerce maior efeito sobre o sexo feminino, provocando, neste, maior dificuldade de abandonar o tabaco (264, 650). Esse gene tem pronunciado polimorfismo de expressão (523, 587). Este se expressa também pela sua diferente freqüência em etnias raciais; e seu 53 estudo não está esgotado. Os portadores de CYP2D6 metabolizam menos nicotina e têm menos compulsão de fumar (183, 636). O fato de menor metabolização de nicotina proporciona mais efeitos diversos provenientes do consumo de tabaco (183). O gene CYP2D6 também tem notável polimorfismo. Está presente entre 5% a 10% nos povos ocidentais e em 1% nas populações orientais (523, 605, 636, 1009, 1031). O gene CYP2A6 também tem grandes diferenças de freqüência conforme as etnias. Apenas 1% da população norte-americana possui esse gene em situação heterozigótica e, portanto, com menos compulsão de fumar. Verifica-se que 20% dos não-fumantes têm CYP2A6 heterozigótico, quando fumam, consomem menos cigarros que os tabagistas em geral (976). O ideal seria poder intervir nas enzimas que codificam CYP2A6 e todos os demais fenótipos atrás mencionados. Nessa linha, parece ser útil a droga methoxsalen (Nicogen) que inibe a enzima codificadora de CYP2A6. Estudos estão em curso e possivelmente se abrirá o caminho para contornar grande gama da nicotino-dependência, diminuindo a compulsão de fumar (782, 784). Esse assunto é ventilado no capítulo 23.2.2. Normalmente, não há correspondência entre o teor das doses de nicotina administradas a fumantes e não-fumantes quanto ao grau de capacidade de sua metabolização. Esta independe daquelas e as diferenças individuais estão vinculadas à constituição genética (580). Como foi dito, nos portadores de alelos nulos de CYP2A6, há menor compulsão de fumar e, quando fumam, consomem poucos cigarros. Além da baixa metabolização da nicotina, desenvolve-se menos nicotino-dependência. Basta um só alelo heterozigótico nulo para reduzir a dependência (160, 172, 899, 976). O genótipo CYP2A6 pode influenciar no metabolismo da nicotina proveniente de outras fontes que não o tabaco, como nos casos de tratamento de reposição da nicotina (patch ou goma de mascar nicotinada) e nos tratamentos com nicotina nas doenças de Parkinson, Alzheimer e síndrome de Tourette. Há diferenças étnicas raciais na expressão do gene CYP2A6, como verificado nos negros norte-americanos (305, 751). Estes metabolizam mais nicotina pelo sistema citocromo 450, porém, a metabolização da cotinina é muito mais lenta. Assim nos negros, há concentrações mais elevadas desse metabolito, independentemente da quantidade de cigarros fumados ou de sua exposição à poluição tabágica ambiental. A maior capacidade de metabolização nicotínica induz ao maior consumo de cigarros e pode explicar porque os negros norte-americanos têm maior dificuldade de abandonar o tabaco e porque neles é maior a incidência de câncer de pulmão (156, 751, 899). Ao contrário, constatou que, nos chineses norte-americanos, para uma mesma quantidade de tabaco fumado, a metabolização da nicotina foi 35% mais lenta que nos brancos latinos. Aqueles consomem menos cigarros que estes últimos e, em decorrência, é mais baixa a incidência de câncer de pulmão (87, 979). Estudos congêneres deverão ser realizados para confrontar esses achados com os negros e chineses de outras regiões. Paralelamente, ressalta-se a vantagem do genótipo com alelo nulo de CYP2A6, porque diminui o consumo de tabaco e decresce as doenças tabaco-relacionadas. Ao contrário, 56 6.4 – SENSIBILIDADE, TOLERÂNCIA E DEPENDÊNCIA À NICOTINA Mais de um quarto dos que experimentaram o tabaco tornaram-se fumantes, dependendo de suas reações à nicotina (601, 641, 781). Como já expressado atrás, bases genéticas explicam diferenças individuais no comportamento tabágico. Com os estudos mais recentes, é geralmente aceito que os possuidores de elevada sensibilidade inata à nicotina sofram sintomas adversos ao experimentar fumar pela primeira vez (salivação, náuseas, vômitos, tontura, dor de cabeça, mau estar geral). Insistindo em fumar, desenvolve-se tolerância à nicotina. Esta é metabolizada lentamente. Acabam por tornar-se fumantes regulares, não só por condições genéticas, como também devido à influência ambiental-social. Esses tipos de tabagistas desenvolvem nicotino-dependência em cerca de 80% dos casos. Ao contrário, os que têm menor sensibilidade à nicotina, tornam-se mais facilmente fumantes regulares, mais por influência genética que ambiental. Se fumam muito (fumantes pesados), adquirem alto grau de nicotino-dependência, têm grandes dificuldades de abandonar o tabaco e sofrem severos sintomas no quadro da síndrome de abstinência. Estes voltam a fumar mais rapidamente e em maior proporção. Ser fumante ou abstêmio é o resultado da sensibilidade inicial à nicotina, mas o grau de dependência é determinado pela exposição à nicotina, coadjuvada pela influência ambiente-social (782). Complementando o exposto, é de interesse lembrar que no rato identificaram-se no cérebro duas classes de receptores nicotínicos, uma com alta afinidade para a nicotina e outra, baixa. Animais com maior número de receptores com maior afinidade respondem com grande sensibilidade, mesmo a baixas doses de nicotina (627). Tendo em vista o já citado aumento de receptores nicotínicos cerebrais verificados em autópsias de indivíduos que foram fumantes pesados (92), pode-se transportar os achados em animais, para explicar que indivíduos com proeminência de respostas dos receptores com alta afinidade sejam mais sensíveis à nicotina. Com a continuidade da exposição à nicotina, reduzem- se a magnitude das respostas de sensibilidade inclusive as subjetivas. Essa redução progressiva de sensibilidade estabelece o estado denominado “tolerância crônica”. Nos sensíveis à nicotina, quando fumam pela primeira vez, a concentração no plasma sanguíneo, a freqüência cardíaca e as pressões sistólica e diastólica elevam-se de 25 a 80 vezes a mais, em comparação com os que já vêm fumando regularmente (752, 753, 754, 782, 783, 788, 1040). As pesquisas sobre o comportamento individual, objetivando apurar a sensibilidade orgânica à nicotina, realizam-se com técnicas monitorizadas, empregando doses determinadas, sendo a via preferencial de administração em aerossol, nasal (783). Nos fumantes em estado de tolerância crônica, a sensibilidade à nicotina pode se restabelecer em torno de 24 horas depois de cessado de fumar, atingindo o seu acme com 7 dias de abstinência (583). As medidas de tolerância tabágica em função da nicotino- dependência, entre outros testes, vêm recebendo o apoio do teste de Fagerstrom, mesmo em alguns casos cujos índices não estejam de acordo com a realidade da dependência do fumante (601). 57 Os fumantes “destinados” a se tornarem tabagistas pesados são muito mais sensíveis à nicotina no início de fumar e adquirem maior tolerância crônica. Os dados fornecidos pela pesquisa sugerem que as diferenças individuais genéticas de sensibilidade à nicotina exercem acentuado papel na determinação prévia da tolerância e da dependência. Todavia, nesse contexto não devem ser subestimados as influências ambientais, sociais e educacionais (781, 782). A variabilidade individual do comportamento em relação ao tabagismo é um tanto diversa entre os sexos. Nas pesquisas citadas, são menos precisos e menos marcantes (752, 782). Os homens elevam muito o consumo de tabaco quando estressados ou deprimidos. Nas mesmas situações, as mulheres fumam menos que os homens e parece que necessitam de doses maiores de nicotina para manter o mesmo nível de resposta dos centros nervosos (752, 772, 782, 783). As mulheres respondem com resultados inferiores aos homens nos testes de reposição da nicotina (489, 541) e as recaídas são mais rápidas e mais freqüentes. Calcados em cinco estudos abrangentes sobre as variedades individuais de comportamento em relação ao tabaco em função da sensibilidade à nicotina, ao desenvolvimento da tolerância crônica e à nicotino-dependência (160, 554, 782, 783, 831, 861), são a seguir, de forma sintética, expostos os três tipos mais comuns de tabagistas (quadro 9): A – Indivíduos com alta sensibilidade à nicotina. Ao fumar pela primeira vez, têm fortes sintomas desagradáveis. Com a continuidade, fumando, desaparecem as respostas adversas e se estabelece tolerância crônica. O consumo de tabaco é grande. Implanta-se forte nicotino-dependência. Com a suspensão do fumar, surge a síndrome de abstinência com intensidade elevada, sendo os sintomas adversos agudos e dificilmente suportáveis. Este tipo de fumante tem alta compulsão por fumar. São fumantes pesados. B – Baixa sensibilidade à nicotina. Ao iniciar a fumar, os sintomas de intolerância são fracos. Com o continuar de fumar, estabelece-se completa tolerância. São fumantes moderados. Estabelecimento de dependência em grau médio. Com a suspensão de fumar, a síndrome de abstinência é discreta, com sintomas adversos, mais suportáveis. Existe risco de reincidência, porém, não muito elevada. C – Sensibilidade discreta ou nula, sem sintomas desagradáveis ao se iniciar a fumar. A intolerância é nula. Consumo muito baixo de tabaco. A continuação do fumar decorre mais da interferência de fatores ambientais-sociais. A nicotino-dependência pode não ser mensurável. A cessação de fumar não desencadeia a crise de abstinência. A nicotina é pouquíssimo ou nada metabolizada. São praticamente insensíveis à nicotina. Evidente que esses três tipos de resposta à nicotina, condicionando o comportamento no uso do tabaco, não constituem compartimentos estanques. Há pessoas que têm algumas das peculiaridades existentes nos outros tipos. Porém, a maioria pode, de modo geral, ser enquadrada em um dos tipos mencionados. Esse modo proteiforme de resposta à nicotina, como foi ventilado, depende de condições genéticas, com grande polimorfismo. Há, portanto, necessidade de aprofundar essa problemática para se obter maiores conhecimentos nas abordagens dos tabagistas para abandonarem o tabaco, tornando os métodos mais adequados para cada caso (76, 554, 752, 753, 781, 831, 999). 58 QUADRO 9 Diferenças individuais genéticas da sensibilidade à nicotina REFERÊNCIAS: 78, 121, 206, 209, 210 61 publicados numa série de artigos do New York Times (441). Após vários recursos dos fabricantes de cigarros alegando interferência na sua privacidade, a Corte Superior do Estado da Califórnia reconheceu sua legitimidade, decidindo que esses documentos deveriam ser do domínio público (441, 492). Em agosto de 1998, o promotor geral do Estado de Minnesota, Estados Unidos, e a Blue Cross Shield, desse estado, instauraram processo contra a indústria tabaqueira, representada no caso pela Phillip Morris Inc. Em 8 de maio de 1998, as companhias de tabaco prepuseram um acordo com o Estado de Minnesota. Nas cláusulas do acordo constou a obrigatoriedade da indústria tabaqueira dar acesso ao público aos seus documentos internos constantes de atas, memoriais, cartas, relatórios, planos de administração e toda a correspondência referente às suas atividades técnicas, científicas e comerciais. Em inúmeros desses documentos constam pronunciamentos de técnicos, cientistas, consultores, assessores e advogados. Toda essa documentação é de sete empresas fabricantes de cigarros e duas organizações a estas filiadas em atividade nos Estados Unidos: Phillip Morris Incorporated, RJ Reynolds Tobacco Company, British American Tobacco, Brown and Williamson, Lorillard Tobacco Company, American Tobacco Company, Liggett Group, Tobacco Institute e o Center for Tobacco Research. Nessa ocasião, tomou-se conhecimento dos documentos que o ex- técnico da BW tinha entregado ao professor Glantz. Ao todo são cinco milhões de documentos com 40 milhões de páginas. Esses documentos têm uma numeração especial e podem ser consultados através a internet. Estão à disposição no arquivo oficial de Minnesota e em Guilford Surrey, nos arredores de Londres. Muitos artigos foram publicados sobre os referidos documentos, sendo os mais importantes das seguintes referências: 32, 41, 64, 80, 133, 152, 186, 322, 324, 325, 367, 377, 404, 441, 444, 482, 492, 499, 517, 534, 538, 614, 715, 829, 918, 923, 955, 957, 981, 1017, 1070, 1087. Para facilidade de compulsar todos os documentos secretos da indústria tabaqueira, a Organização Mundial de Saúde publicou um Manual Prático com indicações de como encontrá-los e identificá-los e ler os seus conteúdos (1076). O que veio à tona com os documentos analisados é suficiente para avaliar como as multinacionais tabaqueiras vêm há anos trabalhando contra a saúde pública mundial, acumulando lucros astronômicos. Novas e edificantes comprovações dessa atividade criminosa serão conhecidas à medida que os demais documentos forem estudados. A seguir, sintetizamos as principais pesquisas, os relatórios de técnicos, suas conclusões e os pronunciamentos internos de altos diretores e executores da indústria de cigarros, ocorridos durante 22 anos, de 1962 a 1984, constantes dos citados documentos. Os estudos sobre a nicotina, realizados pela indústria tabaqueira, derivam de projetos e reuniões científicas, dos quais os mais significativos são os denominados Hippo I, Hippo II, Ariel, Pesquisas de Betelle e 18 reuniões técnicas. Os documentos referentes a esse gigantesco trabalho revelam em suma: a) as pesquisas conduzidas sobre a nicotina foram mais avançadas que as das comunidades médico-cinetíficas; b) de longa data, essas indústrias clara e comprovadamente tinham conhecimentos de que a nicotina é droga que causa dependência físico-química, agindo de forma deletéria sobre os centros nervosos cerebrais; e c) as pesquisas foram conduzidas com o objetivo de melhor esclarecer a neuro-farmacologia da nicotina, a natureza desta, suas formas de presença no tabaco, sua mais fácil liberação e maior ação sobre o cérebro, a elevação do seu teor no tabaco e a intensificação da dependência. 62 O elenco e a variedade das investigações em animais e em humanos são difíceis de resumir, porém, os itens mais marcantes são: - Estudos neuro-endocrínicos da ação da nicotina sobre os vários centros cerebrais; - Regulação da função da glândula pituitária; - Liberação mais rápida da nicotina e seu maior impacto sobre o cérebro; - Controle da nicotina sobre o estresse e efeito tranqüilizante; - Liberação de hormônios psico-ativos pela ação da nicotina sobre os centros nervosos cerebrais; - Transposição da nicotina presa em nicotina livre objetivando sua maior ação; - Transposição da nicotina da fase particulada para a fase gasosa, mais ativa; - Fenômeno de tolerância dos centros nervosos nicotínicos; - Graus da dependência à nicotina e sua elevação; - Métodos de engenharia genética para obtenção de tabaco com maiores teores de nicotina; e - Aumento dos teores de nicotina no tabaco através do tabaco reconstituído. Essas e outras linhas de pesquisa conduziram a vários conhecimentos, sendo os essenciais: - A ação neuro-farmacológica da nicotina é de proeminente importância para as pessoas fumarem; - Substâncias, como a amônia elevando o pH do tabaco, liberam mais nicotina; - Exploração de métodos de enriquecimento de nicotina no tabaco: o tabaco reconstituído e engenharia genética; - Eletroencelografia como o meio de medição dos graus da intensidade da nicotino-dependência; - Ajustamento dos tabagistas nas maneiras de fumar, para obter níveis mais adequados de nicotina no sangue, proporcionando maior “satisfação”; - Elevação do índice de absorção orgânica da nicotina, em geral na média de 11% para 40%; - Conseguir tabacos que farmacologicamente desencadeiam maior sensação prazerosa no fumante; - Cigarros que liberam menos de 0,7mg de nicotina não são vantajosos comercialmente; - É urgente a confecção de cigarros com maior nível de liberação de nicotina; e - Para os futuros produtos, é imprescindível a maior liberação de nicotina. Por isso, além dos procedimentos pesquisados, impõe-se a cooperação da engenharia genética para obtenção de tabaco mais rico de nicotina. As informações acima resumidas estão em muitas das 32 publicações cuja referência numérica bibliográfica elencamos no final. Muitas foram condensadas na revista JAMA (918). 63 7.3 – DECLARAÇÕES INTERNAS, SOBRE A NICOTINA, DE DIRIGENTES E TÉCNICOS DA INDÚSTRIA TABAQUEIRA A seguir, são citados alguns dos pronunciamentos de diretores executivos, efetuados nas reuniões da indústria do cigarro, extraídos dos referidos documentos secretos: “Estamos num negócio de vender nicotina, droga causadora de dependência”. Addison Yeaman. Vice-Presidente da Brown and Willianson (BW), subsidiária norte-americana da British American Tobacco (BAT). Documento nº 1802.05 “Penso que agora poderemos regular com precisão os níveis de nicotina para termos fumantes mais consumidores de cigarros”. R.B. Griffith, executivo da Brown and Williamson, 18 de setembro de 1963 “Mais que o negócio de vender cigarros, a indústria tabaqueira tem por objetivo a venda atrativa da nicotina”. Brown and Williamson, 1963 “As subsidiárias do Canadá foram encorajadas a investigar o processamento de tabaco reconstituído com altos teores de nicotina. Os consumidores necessitam ser mais estimulados a fumar”. Documento 1170.01, página 9. “Ante as provas colhidas com as pesquisas efetuadas, conclui-se que o mais importante do tabaco é a nicotina e, portanto, estamos numa indústria de nicotina, antes que de tabaco”. Sir Charles Ellis, cientista-chefe do grupo de pesquisas da Brown and Williamson. Junho de 1967, Documento 1201.01, página 10 “Investigações sobre a interligação da nicotina com possíveis mediadores cerebrais com atividade adenocorticotrópica poderiam nos dar a chave para explicar o fenômeno da tolerância e da dependência que provocam os sintomas da cessação de fumar”. Documentos 1212.03, página 4 “Os fumantes mantêm o consumo de cigarros porque são fisicamente dependentes da nicotina”. Lorillard LTC, sem data 66 Uma análise considerou muito bem que a palavra “satisfação” é um eufemismo que esconde a verdadeira intenção farmacológica, que é o desencadeamento da dependência. A intenção é de manter níveis adequados de nicotina no organismo para garantir o desenvolvimento da dependência (152). A amostragem destes documentos é mais que suficiente para comprovar como a indústria tabaqueira tem, há anos, a convicção de que a nicotina é droga essencial causadora da dependência e, portanto, é ela que mantém o consumo de cigarros. Isso internamente, porém, externamente, a indústria continua negando o fato, usando vários subterfúgios. Defendendo-se perante os processos contra ela movidos, os dirigentes tabaqueiros, para “provar” que a nicotina não causa dependência, invocaram o fato de que 40 milhões de fumantes norte-americanos deixaram de fumar nos últimos 40 anos. Alegaram, ainda, que tabagismo não é nocivo. Para a ação cancerígena, usaram a expressão “biologicamente ativo” e, para a dependência, o termo “satisfação” (367, 404). Com o correr dos dias, ante a evidência irretorquível da propriedade geradora de dependência da nicotina, passaram a abordar o assunto tangencialmente, advogando que o uso do tabaco é apenas uma atitude incrustada nas atividades diuturnas das pessoas. Isso está explícito na declaração difundida pela Tobacco Marketing Association, em 1998, que afirma: “a definição de dependência é ampla e variada. As pessoas ficam dependentes da Internet; outras são dependentes de fazer compras, sexo e do café; deve-se adotar o conceito de que o tabaco não cria dependência, apenas um hábito” (152, 324). O exposto neste capítulo expressa sobejamente a posição enganadora da indústria do cigarro para efeito externo, embora ela saiba que comercializa um produto tóxico, contendo droga psicoativa, a nicotina, que pela dependência que provoca, escraviza seu consumidor com graves conseqüências à sua saúde, à sua vida. 67 8 – POSIÇÃO SOBRE A NICOTINO- DEPENDÊNCIA, DOS ÓRGÃOS DE SAÚDE PÚBLICA E MÉDICO-CIENTÍFICOS Afinal, as instituições médico-científicas e órgãos internacionais de saúde, ante as provas científicas irrecusáveis, fizeram declarações incisivas de que a nicotina é droga psico-ativa responsável pela dependência químico-física. A Associação Americana de Psiquiatria, nos seus manuais publicados de 1980 a 1994, declarou a nicotino- dependência como “desordem mental de uso de substância psico-ativa” (16, 17, 18). A Organização Mundial de Saúde, em 1992, na Classificação Internacional de Doenças, incluiu a síndrome da tabaco-dependência no item F.17.2 (1069). Em 1999, a diretora geral desse órgão internacional de saúde, Dra. Gro Brudtland, declarou: “O cigarro não deveria ser visto como um produto, mas como um pacote. O produto é a nicotina. Pense no cigarro como um distribuidor de uma dose de nicotina. Pense na tragada como o veículo da nicotina” (382). Também fizeram declarações oficiais sobre a nicotina como droga psico-ativa causadora de dependência, instituições científicas de renome internacional, entre elas: Associação Americana de Psicologia, 1988 (19); Sociedade Real do Canadá, 1988 (857); Associação Médica Americana, 1993 (115); e o Conselho Britânico de Pesquisas Médicas, 1994 (642). Traçamos a longa trajetória da aquisição da verdade científica de que a nicotina é droga psico-ativa que induz dependência quase sempre superior a da cocaína e da heroína. Essa verdade foi postergada por anos pelo enorme poder econômico da indústria tabaqueira, usufruindo todos os canais de comunicação para propagar argumentos falsos, desacreditando os dados das instituições científicas, enquanto internamente ela os conhecia de longa data. 68 9 – A HISTÓRIA DO TABACO HIPERNICOTINADO Y-1 FUMO LOUCO Como exposto, por anos, a indústria tabaqueira orientou procedimentos objetivando elevar o teor da nicotina no tabaco. Uma das linhas mais promissoras foi a construção, por técnicas de engenharia genética, de planta de tabaco com capacidade de sintetizar maiores quantidades de nicotina, sem aumentar as de alcatrão. Pela tecnologia comum, quando se alteram os teores de alcatrão da planta, para mais ou para menos, paralelamente, os teores de nicotina acompanham essas modificações. Outro inconveniente dessa vinculação está em que para obter planta com teores altos de nicotina, a elevação simultânea do alcatrão torna o tabaco menos palatável e, portanto, menos aceitável pelos fumantes. Geneticistas norte-americanos e canadenses, há tempos, trabalham para conseguir variedade da planta com baixo nível de alcatrão, porém, rica em nicotina. São métodos custosos e difíceis. James Chaplin, da Universidade Carolina do Sul, consumado biotécnico, afirmou ser impossível dissociar o alcatrão da nicotina, sendo, portanto, desejável desenvolver planta do tabaco com mais nicotina, sem elevar o alcatrão (180, 534). A British American Tobacco, através sua subsidiária norte-americana, a Brown and Williamson – BW (a Souza Cruz é também sua subsidiária), patrocinou pesquisas com tecnologia de engenharia genética para obter planta de tabaco transgênico, capaz de sintetizar muito mais nicotina que a variedade comum, Nicotiana tabacum, sem elevar o teor de alcatrão. Consumiram-se 17 anos de pesquisas e mais de dezenas de milhões de dólares. No início de 1980, a BW cultivou plantas de tabaco na sua fazenda na Carolina do Norte. Em 1983, a BW contactou-se com a DNA Plant Tecnology para cooperar com as pesquisas. Afinal, conseguiu-se criar uma variedade de planta de tabaco geneticamente transformada, contendo até 6% de nicotina, portanto duas a três vezes mais que as variedades comuns da Nicotiana tabacum, que é de 2,5% a 3%. Toda a história desse tabaco, que recebeu a sigla Y-1, desde sua obtenção até sua comercialização, encontra-se registrada em muitas publicações das quais as mais esclarecedoras constam nas seguintes referências: 237, 534, 535, 536 537, 592, 593, 679, 955, 960. No contato da BW com a DNA Plant, esta recebeu sementes para cultivo da planta de tabaco geneticamente modificada. Para a obtenção desta, empregaram- se sementes de diversas variedades da Nicotiana tabacum, inclusive a Nicotiana rústica, da América Central e do Sul, com cruzamentos e recruzamentos de pólens de tecidos vegetais e combinações híbridas. Nos processos de cruzamentos adicionou-se um sal de nicotina na massa do tabaco reconstituído. Manipularam- se seqüências nucleotídeas do DNA, identificadoras das especificidades das bases de inserção, clivando fragmentos de restrição do polimorfismo do comprimento (RFLP – Rectriction Fragment Lenght Polymosphism). Com essas seqüências específicas de diversas variedades cruzadas de plantas de tabaco, 71 nem ocultamos agora, nem nunca ocultaremos... Nós não temos nenhuma pesquisa interna que prove que fumar gera dependência” (538). Pelo exposto, nos inteiramos do contraste do que a indústria do tabaco fala e age publicamente e do que pensa e age internamente. Negando peremptoriamente que a nicotina é droga bio-ativa geradora de dependência física, vem trabalhando há anos para aumentar o máximo possível sua concentração no tabaco, garantindo o consumo mundial de produto, que usado como recomenda sua propaganda, é altamente lesivo à saúde, levando à morte prematura, reduzindo significativamente a esperança de vida. 72 10 – NICOTINA E SISTEMA CARDIOCIRCULATÓRIO O principal agente do tabaco condutor dos distúrbios cardiovasculares é a nicotina. Análises em série das concentrações de nicotina no sangue revelam sua elevação rápida após cada tragada, podendo o pico máximo atingir a 10ng/ml ao cabo de 5 a 10 minutos. Há intenso efeito colinérgico no sistema nervoso central, assim como produção de adrenalina, catecolaminas, vasopressina e outros hormônios; desencadea- se aceleração da freqüência cardíaca e vaso-constrição elevando-se a pressão artérial. Por outro lado, o monóxido de carbono, que possui cerca de 250 vezes maior afinidade pelo oxigênio que a hemoglobina, formando carboxihemoglobina, diminui a oxigenação do miocárdio e dos tecidos em geral. Aumentando a freqüência cardíaca, o miocárdio trabalha mais e necessita consumir mais oxigênio. Este lhe é negado devido a vaso- constrição e pela elevação da carboxihemoglobina no sangue. Assim, o coração entra rapidamente em sofrimento. 10.1 – ALTERAÇÕES NAS ARTÉRIAS. ANGIOGÊNESE A constrição vasal provoca queda da temperatura, que, por exemplo, pode ser medida nas mãos com termograma especial, acusando diminuição de 2 a 3 graus nos dedos. A pressão arterial, medida entre as tragadas e após estas, mostra ascensão intermitente, elevando-se de acordo com os níveis de nicotina existentes no cigarro. Os charutos, de muito maior peso em tabaco, podem ter de 1g a 20 g de nicotina e produzem maiores quantidades de monóxido de carbono, de maneira que os fenômenos acima citados são de muito maior intensidade (22, 36, 54, 88, 387, 461, 999). Por efeito da nicotina, desenvolvem-se lesões no endotélio das artérias. Pela ultra- sonografia, demonstra-se que o endotélio lesado estreita a luz das artérias provocando angustiamento, com sérias conseqüências para a hemodinâmica (94). Em poucos minutos, após fumar um cigarro, a velocidade sanguínea chega a decrescer até 7% e a resistência vascular coronariana aumenta até 21%, mesmo sem repercussão na pressão arterial. A nicotina é o maior fator de risco, através do tabaco, de processo vaso-espático comprovado pela Doppler fluxometria. Em pacientes com angina pec- toris, o tabaco acentua muito mais o estreitamento das coronárias, demonstrável pela angiocoronariografia (480). Nos fumantes regulares, o tabagismo causa aumento da pressão sanguínea, que geralmente está elevada entre 6% e 16% (475). Registram-se distúrbios significantes da função diastólica ventricular esquerda nos fumantes, independente de seu fator de risco de esclerose coronariana (76, 774). Em certos fumantes, ao final de um dia, tendo fumado 20 cigarros, a pressão diastólica eleva-se 17% e a frequência cardíaca 34% (76). 73 A nicotina provoca a diminuição da prostaciclina (PIG-2), que é o maior inibidor da aglomeração das plaquetas; estas têm a dispersão diminuída, facilitando a formação de trombos. Simultaneamente, diminui a prostaglandina e eleva-se trombohexane A2, concorrendo tudo isso para a maior aderência das plaquetas, inibindo sua dispersão (1039). Nos últimos tempos, demonstrou-se o importante papel do óxido nítrico na desagregação e dispersão das plaquetas. A nicotina diminui sua produção, facilitando o efeito contrário com formação de trombos. Com todos esses fatores desfavoráveis, aumenta a viscosidade do sangue. Para o desenvolvimento da aterosclerose, concorre a diminuição das lipoproteínas de alta densidade (HDL), o que é prejudicial por serem ricas de apolipoproteínas AI e AII, protetoras da aterosclerose. Ao mesmo tempo, há aumento das lipoproteínas de baixa densidade (LDL – colesterol), importante fator de aterosclerose (quadro 10) (22, 36, 37, 46, 54, 56, 76, 88, 116, 143, 190, 296, 313, 333, 387, 461, 837, 982, 999). A nicotina, por meio do receptor cerebral de acetilcolina, expressa a estimulação da linhagem de células endoteliais; estimulando, inclusive, a angiogênese (193, 618). Simultaneamente, a nicotina sensibiliza e mobiliza os leucócitos e linfócitos T, agindo desse modo na estimulação dos monócitos, os quais também participam do processo de angiogênese (647, 928). Pesquisas in vitro mostram que a nicotina estimula a síntese do DNA das células endoteliais, estimulando sua proliferação. A nicotina, portanto, parece regular o crescimento das células endoteliais vasculares; entretanto, o mecanismo dessa atuação não está esclarecido. Essa ação obtém-se com doses inferiores às verificadas no sangue dos fumantes. A resposta à nicotina é assim, bi-modal: em doses pequenas, favorece a proliferação das células endoteliais vasculares, e nas doses usadas pelos tabagistas, ela é tóxica e importante fator, ao lado da angiogênese, de danos como disfunção vascular e da aterosclerose (50, 1013). Pela sua propriedade angiogenética, a nicotina facilita o crescimento de placas de ateromas, porque recebendo mais sangue, estas se multiplicam mais. Este processo recebe também o influxo das lipo-proteínas de baixa densidade, que são aumentadas, e da diminuição das prostaciclinas; ambos esses fatores desencadeados pela nicotina (790, 1026). Em suma, as placas de ateroma progridem pela ação da nicotina que provoca neovasculização, somada a vários ouros fatores que desenvolvem aterosclerose (296, 789). Como mencionado no capítulo 11, a propriedade de angiogênese da nicotina contribui também para a progressão dos processos cancerígenos, pela maior vascularização, propiciando a mais rápida multiplicação das células cancerosas (647). A nicotina, estimulando a proliferação das células endoteliais (647), estimula também receptores acetilcolinicos, que se tornam mediadores de sinapses. Há liberação do fator de crescimento fibroblástico (bFGE) agindo sobre as células dos músculos lisos, facilitando a fibrose da parede vasal (618, 1013). A ação proliferativa das células endoteliais, produzida pela nicotina, realiza-se pela mudança da expressão de gene identificado no DNA (1095). A estimulação que a nicotina exerce na neoformação de arteriolas aumenta a circulação, agindo sobre os processos inflamatórios, e paradoxalmente, por outro lado, com a produção de catecolaminas, provoca isquemia, que participa do processo de esclerose (436, 789). 76 10.3 – TROMBOANGEITE OBLITERANTE. DOENÇA DE BUERGER A nicotina lesa o endotélio de toda a rede vascular arterial, produzindo vaso-constrição, espessamento das paredes das artérias e angustiamento da luz, podendo levar à obstrução, que é a tromboangeite obliterante. Por isso, nos fumantes é constante a isquemia arterial. Essa isquemia, provocada pela nicotina, é de natureza crônica, obstaculizando a circulação nas artérias (38, 50, 1022). Quando a tromboangeite obliterante instala-se no ramo inferior da artéria ilíaca externa, que é a artéria femural, surge no membro inferior, dificuldade na deambulação, estabelecendo-se a síndrome de Leriche. Com o progredir do processo, a perna não recebe mais sangue e há evolução para a gangrena. Essa patologia constitui a doença de Buerger, que é a tromboangeite obliterante. Afeta principalmente as pernas e está fortemente associada à nicotina. Com freqüência, produz dores nas movimentações caracterizando o quadro denominado claudicação intermitente. A obliteração total das artérias leva à gangrena, obrigando a amputação. Na atualidade, é ponto pacífico considerar o tabagismo como um dos principais agentes de isquemia vascular obstrutiva periférica, que é a doença Buerger (38, 48, 400, 856, 1022). Invoca- se estado de hipersensibilidade à nicotina, propiciando, além das injúrias ao endotélio das artérias, maior agregação das plaquetas, formando trombos maiores (564). Há registros de pessoas com tão alta sensibilidade à nicotina, que na condição de fumante passivo, desenvolvem a doença de Buerger. Isso tem se verificado em mulheres não-fumantes convivendo com marido consumidor de 20 cigarros diários (227, 564, 991). A nicotina existente na atmosfera ambiental onde se fuma também exerce efeitos deletérios sobre o sistema cardiocirculatório. Está comprovado que os fumantes passivos sofrem risco significante de morbi-letalidade por infarto do miocárdio. Este assunto é tratado no capítulo 21 – Nicotina. Poluição Tabágica Ambiental. 10.4 – IMPOTÊNCIA Várias são as causas da impotência no homem. É consenso geral que a nicotina é agente direto causal desse mal. Este surge nos fumantes, quando o processo de angustiamento da luz da artéria ocorre a partir da artéria ilíaca primitiva, instalando- se na artéria pudenda interna e/ou artéria dorsal do pênis e artérias cavernosas. O afluxo do sangue ao pênis diminui, dificultando ou impedindo a ereção. Basta que a luz dos ramos da artéria cavernosa diminua 25% para se instalar a impotência (114, 1015, 1016). Ratos e cães, sob o efeito de dois cigarros, acusaram diminuição da circulação sanguínea arterial no pênis (520, 1016). O veículo do tabaco no desencadeamento da impotência é a nicotina. Injeções desta, em animais, ou de catecotaminas liberados por ela, desencadearam aterosclerose nas artérias do pênis (28, 520). Animais tratados com nicotina revelaram diminuição de resposta de reflexos eréteis à excitação elétrica (851). Pela angiografia, demonstrou-se em tabagistas, diminuição do fluxo sanguíneo na artéria pudenda (374). 77 Um estudo de clínica especializada constatou que, nos homens que jamais fumaram, a prevalência de impotentes foi de 2,2%, subindo a 37% nos tabagistas (506, 623). Vários estudos estatísticos constataram que dos impotentes, a prevalência de fumantes variou de 51,4% a 62% (374). Outro estudo encontrou a prevalência de 70% de fumantes nos impotentes, enquanto a prevalência tabágica na população das áreas onde viviam era de 32% (318, 623). Uma das mais extensas análises epidemiológicas e fisiopatológicas da impotência e disfunção erétil publicados nos últimos 30 anos, em homens entre 40 e 70 anos de idade, conclui que o tabagismo é o maior agente entre 14 causas arroladas (506, 648). Atualmente, é ponto pacífico considerar a nicotina, através do tabaco, como agente diretamente vinculado à impotência no homem. 78 QUADRO 10 Fisiopatologia do cigarro no infarto do coração 81 oncogênico: 4(dimetil nitrosamina), 1-3 piridil butanona, que é formado pela nitrosação desencadeada pela nicotina (225). Há maior proporção de deleção de CYP2A6 entre os portadores de câncer do pulmão em comparação com as pessoas sadias. (664-A). Com a deleção do referido gene, diminui substancialmente a susceptibilidade para o câncer do pulmão (664-A). O alelo CYP1A1 tem mais expressão nos casos de câncer do pescoço, do esôfago e bexiga. O alelo CYP2D6 diminui o risco de câncer do pulmão. O alelo CYP2CP está presente nos adutos de pacientes com câncer da laringe. Nas mulheres que possuem o alelo CYP1A1, quando integrado na produção de estrógeno, aumenta o risco de câncer da mama. Em síntese, todos os dados acima confirmam a vinculação do gene CYP2A6 e de seus alelos, com a capacidade de metabolização da nicotina e com o risco de desenvolver câncer nos tabagistas, e esses conhecimentos estão sendo aproveitados nos estudos de epidemiologia molecular de câncer (167, 68-A, 156, 172, 225, 650, 684-A, 899, 976-A). Com relação ao câncer do pulmão, surgiram recentemente novos interessantes conhecimentos. Descobriu-se que os pulmões do feto expressam altos níveis de receptores nicotínicos. O tecido normal dos pulmões na vida extra-uterina contém receptores nicotínicos, que se encontram nas células epiteliais brônquicas. Nos fumantes, uma forma pela qual o tabaco desencadeia o câncer do pulmão seria a interação da nicotina com os receptores de nicotina sobre as células epiteliais e as células a caminho de se tornarem cancerosas (897, 925, 977). (quadro 11). Finalmente, a nicotina é responsável pela dependência física e psíquica, obrigando o tabagista a fumar cada vez mais e, com isso, introduzindo no organismo dezenas de substâncias cancerígenas, além das nitrosaminas. Sendo a propulsora da epidemia tabágica, a nicotina é o maior agente responsável pela expansão de todos os tipos de câncer, entre estes, o mais difundido, o câncer de pulmão (836, 842). Nos tabagistas, portanto, o risco de contrair qualquer tipo de câncer aumenta em torno de 30%. A vinculação mais estreita do tabaco é com o câncer do pulmão. O tabagismo é responsável por 90% da mortalidade total do câncer do pulmão (1066, 1078). QUADRO 11 Nicotina e Carcinogênese NNK2 NNN NAB NAT Cancerígenos específicos Nitrosação Receptores nicotínicos NICOTINA no epitélio brônquico. Proliferação das células cancerosas Angeogênese Neo-formação de arteríolas Maior crescimento Vascularização dos dos ateromas nas neoplasmas. Maior artérias proliferação das células cancerosas s2 83 12 – NICOTINA E MAGREZA É fato extensamente conhecido que os tabagistas que abandonaram o tabaco têm tendência a aumentar seu peso corporal. Realmente, a nicotina aumenta o dispêndio de energia com maior consumo de calorias e influi no metabolismo lipídico. Pessoas permanecendo em câmara metabólica por 24 horas, fumando 24 cigarros, tiveram maior eliminação de norepibefrina na urina e gastaram cerca de 10% mais energia, em confronto com as pessoas que não fumaram. Indivíduos recebendo nicotina ou pla- cebo, os primeiros mesmo com atividade física leve, consomem mais calorias que os segundos. Experimentalmente, o mesmo se verifica em animais; os que recebem nicotina desenvolvem menos peso que os controles. Cessada a administração do alcalóide, o peso é recuperado para se igualar ao dos animais de controle. Estudos recentes sugerem a existência de lípase protéica cuja atividade diminui quando se para de fumar. A regulagem do peso, evidente, depende do perfil endocrínico, e este permite predizer o ganho de peso do fumante que abandona o tabaco pela sua “história corporal”. Os que deixam de fumar e se submetem ao tratamento pela reposição da nicotina não engordam enquanto este persiste (204, 293, 395, 454, 497, 545, 674, 746). Comumente, a maior diferença média de peso inferior nos fumantes é de um a dois quilos (911). Convém aqui, pelo interesse que o assunto desperta e por dificultar de certo modo aos tabagistas a deixar de fumar, abrir um parêntese para esclarecê-los que não há acerto na conduta de continuar fumando para não engordar. Os inquéritos em larga escala sobre o peso dos fumantes e dos abstêmios apresentam resultados contraditórios e não são de molde a aconselhar a fumar. Nos Estados Unidos, entre as pesquisas realizadas, destaca-se uma, com mais de 12 mil pessoas, constatando que os fumantes têm, em geral, talhe mais fino. Nesse inquérito e no III National Health and Nutrition Examination Survey verificou-se que os tabagistas tinham em média 4,4kg (homens) e 5kg (mulheres) menos que os abstêmios; porém, com 10 anos de tabagismo, a diferença era de apenas 2kg nos dois sexos (293). Outro importante inquérito na Itália, abordando 78 mil pessoas, constatou maior proporção de fumantes com peso inferior ao dos não-fumantes, mas, de outro lado, verificou que a quantidade de cigarros fumados e a obesidade nos dois sexos não foi linear, pois, com freqüência, encontrou fumantes inveterados com peso superior ao dos tabagistas mais moderados. Sabe-se que é grande o número de gordos e obesos que são tabagistas moderados, com peso superior aos do que consomem apenas alguns cigarros por dia. Parando de fumar, o maior peso eventualmente adquirido, geralmente diminui em alguns meses. Na imensa maioria, a diferença de peso entre tabagistas e abstêmios não passa de 1kg a 2,5kg (728). No estudo em andamento no SPA Médico de Sorocaba, encontramos apreciável número de pacientes com grande massa corporal e mesmo com obesidade, que são fumantes de um ou mais maços de cigarros diários há muitos anos (849). Outras pesquisas revelam que embora os fumantes tenham em geral uns quilos menos que os não-fumantes, eles têm má distribuição de gordura sobretudo na região pélvica, prejudicando a conformação corporal, especialmente nas mulheres (136, 911). 86 13.2 – COLITE ULCEROSA Paradoxalmente, há forte evidência de que a nicotina é responsável ou tem significativa participação na regressão do processo da colite ulcerosa, o que é corroborado pela sua remissão nos pacientes tabagistas submetidos ao tratamento da reposição da nicotina para deixar de fumar. Contudo, esse tratamento nem sempre é seguro, pois em muitos estudos a recaída não foi evitada. Há igual percentagem de recidivas nos que se tratam com goma-nicotina ou por via transdérmica (patch-nicotina) em comparação com os que receberam placebo (118, 406, 575, 941, 962). O mecanismo pelo qual a nicotina atua favoravelmente na colite ulcerosa não está totalmente esclarecido, parecendo ser pela sua propriedade farmacológica vaso- constritiva que em certas circunstâncias facilita a ação antiinflamatória; isso é observado na microcirculação do colo (94, 789, 928, 962). A colite ulcerosa parece ter associação inversa com tabagismo. Alguns inquéritos, entre eles o Boston Surveillance Program, registraram freqüência muito baixa dessa doença nos fumantes (508, 575, 809, 941, 965). Todavia, o assunto não é ponto pacífico: há registros contraditórios e outros que assinalam pequenas diferenças, não significantes, entre a incidência da colite ulcerosa em tabagistas e não- fumantes (149, 575, 959). 87 14 – NICOTINA E AFTA BUCAL Há várias pesquisas referindo menor freqüência das aftas ulcerosas da mucosa oral nos tabagistas (51, 364, 904, 1092). Esse efeito favorável é atribuído às propriedades farmacológicas antiinflamatórias da nicotina (94, 789, 928). Associação inversa relativa de afta bucal e tabagismo foi demonstrada (104, 876), assim como também há evidências de casos de piora das aftas nos que deixam de fumar e remissão nos que recomeçam a fumar (104, 876). Foi também verificado certo efeito favorável nos mascadores de tabaco (364). Contudo, deve-se deixar claro que esses possíveis benefícios restringem-se a uma minoria com condições orgânicas favorecedoras ao desenvolvimento de aftas. Isso, portanto, não autoriza a aconselhar a fumar para combater essa manifestação sem gravidade. É preciso considerar que os fumantes têm risco significante de câncer de boca, da laringe e, quando mascadores de tabaco, têm risco de estomatite, leucoplasia e câncer (184). 88 15 – NICOTINA E ACNE Um estudo na Inglaterra considerou que as taxas de acne nos tabagistas foram um tanto inferiores aos dos não-fumantes (659). Supõe-se que os efeitos da nicotina vasoconstritores e inibidores da síntese da prostaclínica endotelial podem influir favoravelmente nesses processos inflamatórios (268, 355, 658, 659). 91 efeito favorável do tabaco não foi absoluto, apenas negativo: as taxas médias de mortalidade nos fumantes foram 16 por 100 mil e nos não-fumantes, 20 por 100 mil. Extenso estudo em mais de oito mil homens seguidos por 26 anos, do Honolulu Hearth Program, registrou risco relativo de Parkinson nos fumantes de 0,39 e nos abstêmios de 0,44 (369). Já se conhecem alguns ângulos do mecanismo pelo qual o tabaco dificulta o desenvolvimento do Parkinson. Nesse há deficiência da liberação de dopamina (212, 369, 704, 935). Ora, a nicotina liga-se aos neurônios dopaminérgicos do nigroestriado, aumentando a neurotransmissão com maior produção de dopamina, com decorrente repercussão na estimulação motora, favorecendo melhor desempenho motor. No capítulo 4.1 essa propriedade da nicotina foi abordada com pormenores (55, 86, 99, 627, 999). No cérebro do rato, a nicotina protege os neurônios dopamínicos contra a degeneração induzida por lesões experimentais (254, 461, 494, 590, 672, 735, 999, 1002). Sugere-se, em conseqüência, que a nicotina melhora o tremor, a rigidez e a bradicinésia na doença de Parkinson, por elevar as concentrações de dopamina na circulação. Em modelos animais, a nicotina protege contra o parkinsonismo símile experimental (163, 704, 900, 935, 1002). Nos fumantes, há redução substancial e inativação da enzima monoaminoxidase B (MAO) no cérebro, nas plaquetas e em outros tecidos, demonstrado isso no primeiro, pela tomografia de emissão de positrons, usando-se deprenil como rádio marcador (299) (veja capítulo 4.1 e quadro 5). Elementos do fumo do tabaco podem facilitar a biotransformação de componentes endógenos e exógenos neurotóxicos, entre eles, o mais atuante, a metil-fenil-tetrahidro- piridina (MFTP), que produz redução da função dopamínica de neurônios do nigroestriado, com decorrente distúrbio da atividade locomotora; como verificado experimentalmente em animais. A redução de MAO constatada nos tabagistas, acima referida, facilita a biotransformação de MFTP de maneira que esta perde seu efeito redutor da dopamina (95, 163, 299, 338, 461, 900, 901, 1002). Assim, a nicotina decrescendo e inativando MAO e, em conseqüência, facilitando a biotransformação da MFTP, restabelece a liberação de dopamina, minorando o distúrbio locomotor da doença de Parkinson. A contra prova desse mecanismo se obteve tratando ratos com MFTP, sendo os distúrbios locomotores neutralizados com a associação de nicotina (163, 254).Todavia, como mencionado no capítulo 4.1, a síntese de MAO é variável porque depende de gene com grande polimorfismo, influindo na quantidade que é liberada (27-A). No homem, o efeito benéfico da nicotina no parkinsonismo observa-se com o emprego do adesivo com nicotina e da goma-nicotina. Os sintomas locomotores melhoram durante o tratamento, recrudessem com a suspensão e tornam a melhorar com o retorno do tratamento. Os melhores resultados obtêm-se nos casos iniciais (266, 487, 629). Outros estudos, entretanto, não acusam tais benefícios, descrevendo remissões sintomáticas passageiras ou nenhum efeito (192). Os efeitos da nicotina são notados somente no parkinsonismo. Por exemplo, na síndrome de Tourette (desordem extrapiramidal de movimentos involuntários com ticos múltiplos), ela é inativa. Nos portadores dessa síndrome, tratados com goma-nicotina, os resultados são nulos, só havendo certa melhora com associação de haloperidol (877). Quanto a discinesia (perturbações da coordenação dos movimentos voluntários), que surge nos tratamentos com bloqueadores da dopamina, seria de esperar benefícios com a nicotina. Ao contrário, fumantes sofrem duas a três vezes mais discinesia que 92 os não-fumantes. Como foi visto, a exposição crônica à nicotina inverte a produção de dopamina e os tabagistas são mais atingidos por discinesia tardia, inclusive doença de Parkinson (103, 544, 698, 1088). É preciso deixar claro que a ação favorável da nicotina na doença de Parkinson é exercida com doses diárias superiores às que em geral recebem os tabagistas, e por tempo relativamente curto. A administração crônica, como é efetuada no fumante, como já se viu, provoca efeito adverso, reduzindo a liberação de dopamina, diminuindo ou anulando os resultados favoráveis e, inclusive, agravando a discinesia tardia (544). Experimentalmente, a exposição crônica de animais à nicotina anula a proteção con- tra a neurotoxicidade da MFTP e, no homem, a diminuição de efeitos sobre o Parkinson é constatada clinicamente (744, 1002). Aliás, os estudos epidemiológicos mostram que a associação negativa entre tabagismo e doença de Parkinson é apenas relativa, porque apreciável contingente de fumantes sofrem desse mal. A epidemiologia mostra que nos tabagistas a doença de Parkinson se reduz nos fumantes entre 20% a 70%. O risco não é negativo, apenas mais baixo, em torno de 0,5, indicando que naqueles é metade dos não- fumantes (65). Acresce que esses estudos estão eivados de fatores de confusão (65). Ressalta-se que o parkinsonismo não facilita a manipulação de cigarros, o que foi bem ilustrado no estudo dos médicos ingleses (240), fazendo com que poucos doentes fumem, dando a falsa impressão que a doença é comum entre não-fumantes. Além disso, esses estudos são contraditórios. Em alguns se englobam pacientes de mal de Parkinson com parkinsonismo secundário. As taxas de mortalidade são falhas, porque o Parkinson, por si próprio, não é doença fatal, não figurando nos atestados de óbito. Com freqüência, o mal é omitido nos fumantes, figurando a causa imediata (cardíaca, pulmonar, etc). Os estudos, na maioria, são retrospectivos, avaliando-se apenas o certificado de óbito. Outro fator importante de confusão é que os tabagistas têm menor expectativa de vida, morrem mais cedo e menor número deles chegam a idades mais avançadas quando aumenta a prevalência do Parkinson. A análise lon- gitudinal aponta que, em geral, a propalada associação negativa resulta do fato que nas idades do Parkinson há menos fumantes (822). Contudo, é de interesse aprofundar as investigações sobre os efeitos terapêuticos da nicotina na doença de Parkinson. Esquemas de administração em confronto ou em associação com outros medicamentos devem ser estudados. É também útil investigar os efeitos do tabaco mascado, nesse campo. Se ficar provado benefício significante, o cientificamente correto será incorporar a nicotina, como medicamento, no arsenal terapêutico do Parkinson, mas jamais se justificará seu uso através do tabaco com suas cerca de sete mil substâncias tóxicas e com a administração anárquica e maciça da nicotina, como sucede com os fumantes. Aliás, os autores são unânimes em que não existem motivos científicos para aconselhar a fumar, porque a margem de vantagem em relação ao Parkinson é muito pequena, e até discutível, no cotejo com a alta gravidade à saúde decorrente do tabagismo. As elevadas incidências da doença de Parkinson são dos 70 anos para cima, quando oscilam entre 0,5% a 1,5%. Ora, o risco de morrer em conseqüência de dezenas de doenças devidas ao tabaco na faixa etária dos 34 a 69 anos de idade é altíssimo, totalizando em torno de um terço da mortalidade geral (65, 238, 762, 822). Portanto, o risco de fumar não compensa. 93 17.2 – DOENÇA DE ALZHEIMER Os possíveis efeitos benéficos do tabagismo sobre a doença de Alzheimer, noticiados em alguns artigos, não são claros e contrastam com outros trabalhos que acusam o tabaco de ser fator de risco desse distúrbio mental (698). Há investigações registrando risco duas vezes maior de Alzheimer nos tabagistas em relação aos não-fumantes (135, 219, 245, 306, 383, 902). A doença de Alzheimer constitui processo demencial progressivo neurodegenerativo com intensa deterioração da função cognitiva. Estão implicados nessa patologia a redução dos centros de ligação com os receptores da nicotina, colinérgicos cerebrais, corticais e dos núcleos subcorticais, decorrendo decréscimo da liberação de acetilcolina (910, 1046, 1047). Por sua vez, a nicotina atua sobre o sistema colinérgico, como já referido no capítulo 6.1, sendo de efeito neuroprotetor, por intensificar a produção de acetilcolina no animal e no homem (203, 219, 245, 371, 383, 461, 603, 757, 872, 896, 999, 1060, 1061). Sugere-se, pois, que a nicotina isolada ou veiculada pelo tabaco pode compensar a perda dos receptores colinérgicos, retardando a progressão da doença (130, 245). Todavia, as pesquisas com nicotina administrada em pacientes com Alzheimer, em várias doses por via subcutânea, endovenosa ou por meio de patch-nicotina, fornecem resultados contraditórios e pouco encorajantes; de um lado, agravamento da ansiedade e efeitos depressivos, e de outro, resultados discretos ou nulos quanto à atenção visual, informação e aprendizado da memória (511, 697, 734, 873, 1051). As pesquisas sobre o assunto precisam ser aprofundadas com os cuidados exigidos para o manejo da nicotina, por ser droga tóxica. Os estudos epidemiológicos, praticamente todos de casos-controle, são insuficientes e a revisão da bibliografia, realizada em 1992 (857), também forneceu resultados conflitantes. Dois registraram maior freqüência de casos com Alzheimer entre os fumantes (519, 902); dois, com resultados duvidosos (306, 370); três mostraram alguma evidência de associação inversa entre tabagismo e a doença (25, 277, 383) e três, com associação significante (136, 372, 433). O maior óbice, como fator de confusão nessas pesquisas, é que todas basearam-se numa mistura da incidência e da prevalência dos casos (130). Recentemente, investigou-se a hipótese da diferença de sobrevida entre fumantes e não- fumantes relacionada com a freqüência do alelo e4 do gene codificador da apolipoproteína E, para explicar a associação inversa, às vezes, encontrada entre história de tabagismo e início precoce da doença de Alzheimer. A conclusão foi que essa aparente relação inversa não pode ser explicada por aumento da mortalidade de tabagistas do genótipo apolipoproteína (244). Além dos dados controversos acima citados, precisa-se ter em conta, como sucede com a doença de Parkinson, que o mal de Alzheimer aumenta exponencialmente com o avançar da idade. A estimativa é de 0,5% aos 65 anos, 8% aos 75 e 10% aos 80 anos (130). Nesses grupos etários são poucos os fumantes, porque eles têm mortalidade precoce. Com relativamente poucos tabagistas e muitos com doença de Alzheimer nas idades avançadas, surge à impressão de associação inversa entre os dois. Na realidade, por outro lado, é apreciável o número de fumantes idosos com mal de Alzheimer. Entre estes, pela sua notoriedade, é ilustrativo o caso da célebre atriz Rita Hayworth, tabagista inveterada, desde a mocidade, vítima pela doença. Se, como se viu, para a doença de Parkinson não há fundamento científico para aconselhar a fumar, muito menos razão subsiste para fumar como preventivo da doença de Alzheimer. 96 estado depressivo, ou se a situação angustiosa faz parte dos sintomas adversos da síndrome de abstinência, dado que, nesses indivíduos com depressão, a nicotino- dependência costuma ser mais intensa e grave (222). Há referências de que nicotina pode atenuar ou negativar certos centros cerebrais, provocando depressão. Nesses casos, concorreria a elevada atividade adrenérgica da nicotina (948). Estudo crítico conclui que as informações são limitadas para aceitar que a nicotina provoca depressão (699). Entretanto, existem observações de casos, pouco freqüentes, de estressados que se sentem melhor abandonando o tabaco (736). Todavia, é consenso geral de que a nicotina, nos indivíduos com desarranjos nervosos, age como ansiolítica, favorecendo o processo psicomental (600). Isso porque a nicotina tem apreciável ação de liberação da dopamina, produzindo estados de euforia e prazerosos. O mecanismo dopaminérgico é complexo e está descrito pormenorizadamente no capítulo 4.1, que trata da neurofarmacologia da nicotina. Com o concurso da intervenção de centros cerebrais, há convergência para maior produção de dopamina nos portadores de depressão ou psicopatias, proporcionando- lhes alívio (281, 549). Aliás, parece que é por esse mecanismo que agem os ansiolíticos e antidepressivos, tricíclicos, clozapina, anfetamina e drogas antipsicóticas em geral (937, 1035). Em síntese, a associação da nicotina através o tabaco ocorre em praticamente 100% dos indivíduos com desordem mental, desenvolvendo rapidamente nicotino- dependência, invencível na imensa maioria dos casos. O estudo da nicotina nesse campo é boa oportunidade para aumentar os conhecimentos sobre o funcionamento do cérebro normal e da sua psicopatologia (321). Há quem prediz que na futura sociedade, quando não mais se fumar, o tabagismo ficará confinado aos anômalos mentais e psicopatas (752, 781). 97 19 – NICOTINA. COGNIÇÃO E MEMÓRIA O sistema colinérgico exerce substancial papel na cognição, e a ruptura da neurotransmissão colinérgica no cérebro por efeito farmacológico ou por causa neurodegenerativa provoca marcada piora da função cognitiva (219). Há evidência que a nicotina, seja como droga isolada ou através do tabaco, exerce aumento do desempenho cognitivo, particularmente, com respeito ao processamento da informação (580, 1032). A nicotina possui poderoso efeito psicoativo. Com a injeção subcutânea de solução salina contendo apenas 0,8mg de nicotina, verifica-se o desencadeamento rápido de resposta, afetando diretamente o processo de cognição e atenção. Isso ocorre em humanos não-fumantes (81). Injeções de nicotina em macacos jovens melhoram a memória para a execução de várias tarefas (558); assim como, em animais roedores, ela favorece a performance nos testes de memorização (58). No complexo mecanismo pelo qual a nicotina atua sobre o desempenho cognitivo, o sistema de receptores colinérgicos tem importante papel. Recentemente, experiência com neurônios do hipocampo do cérebro de ratos em cultura de tecidos, sobre os quais se aplicou nicotina, verificou-se resposta intersináptica, sugerindo que essa droga aumenta a liberação da neurotransmissão nesses neurônios. Os autores dessa pesquisa sugerem que esse processo reforça a idéia de que o hipocampo seja um centro de aprendizado da memória e levantam a hipótese de que a nicotina no tabaco poderia influenciar por esse mecanismo a cognição e memória nos fumantes (373). O valor do modelo animal para análise das propriedades farmacológicas da nicotina, relacionados com a função cognitiva, é o de aprofundar o conhecimento do seu mecanismo em doenças neuropatológicas como Parkinson e Alzheimer. Entretanto, sua transposição para investigações no homem tem sido desapontadora sob diversos ângulos (511). O cérebro deste é muito mais complexo que o do rato. No homem, o desempenho cognitivo e a memória envolvem inter-relações de muito maior número de estruturas cerebrais. Por outro lado, é extremamente diverso o modo como se analisa a farmacodinâmica da nicotina nas experiências com animais e no homem. É muito diferente o efeito da nicotina em animais de experimentação, porque é administrada controladamente por tempo limitado, do que sua ação prolongada crônica com repetição centenas de vezes diariamente e por muitos anos. Os receptores nicotínicos diminuem suas respostas ou dessensibilizam-se e os efeitos cognitivos, eventualmente vantajosos decorrentes de uma ou algumas doses de nicotina, desaparecem com a ação crônica por decênios no fumante. Nas próprias pesquisas em ratos, macacos e outros animais, o teor das doses de nicotina ou sua repetição continuada dessensibiliza os receptores nicotínicos, eleva-se a sua tolerância e as respostas variam amplamente, enfraquecem (101, 626, 896). Altas doses de nicotina suprimem a liberação de acetilcolina (30); a repetição crônica deprime a sua produção (675, 705). Devido a isso, recomenda-se que nas investigações experimentais usem-se doses adequadas, mantendo intervalos de tempo suficiente entre cada administração da droga (91). É, portanto, totalmente diversa a ação farmacológica da nicotina administrada em dosagens adequadas e em condições controladas de experimentação, do que a maneira 98 incontrolada repetidamente usada pelo fumante centenas de vezes por dia e por anos a fio. Os graves efeitos deletérios da nicotina pela forma que é usada nos fumantes, sufocam totalmente em qualidade e quantidade, de forma dramática, as escassas propriedades farmacológicas favoráveis que ela possa conter. Ao contrário do que sucede com a liberação e produção de dopamina por ação da nicotina produzindo estímulos experimentalmente manipulados, seu uso crônico incontrolado pelo tabagista altera o “turnover” daquela, com repercussão negativa para o desempenho cognitivo (91, 785). Recentemente, estudo sobre o assunto comprovou que o consumo crônico de tabaco provoca prejuízos significantes na performance cognitiva. Idosos com 60 ou mais anos, tabagistas por longos anos, revelaram anormalidades na função cognitiva em 11,95% a mais – odd ratio 2.33 – em comparação com os que jamais fumaram. Prejuízos semelhantes verificaram-se com o consumo de álcool (560). Prejuízos na função cognitiva provocados pelo tabaco também se constatam em jovens. Estudantes tabagistas, confrontados com não-fumantes, gastam muito mais horas na revisão de dados antes dos exames do que estes últimos, e a demora está vinculada à quantidade de cigarros fumados (1051). Há boas revisões sobre o assunto na literatura (933), mostrando que algumas conclusões em contrário resultam de fatores de confusão. O erro mais comum é comparar fumantes com outros que se abstiveram de fumar durante muitas horas. É evidente que nestes últimos surgem prejuízos no desempenho mental pela abstinência tabágica, porque são nicotino-dependentes. Uma dose de nicotina, satisfazendo a dependência, restabelece a sensação euforizante e o bem estar influindo no desempenho cognitivo. Isso é bem destacado nos adolescentes. Nestes, porque o cérebro está em desenvolvimento, os centros nervosos são mais sensíveis à nicotina. Esta exerce rápida alteração nos sistemas adrenérgicos e dopaminérgicos e outras alterações nervosas, comentadas nos capítulos 5 e 6. Há, em decorrência, repercussões maiores na cognição e comportamento (785, 879, 970). Isso, aliás, sucede com os usuários de qualquer droga que causa dependência. Pesquisas, com boa metodologia, dividiram pessoas em três grupos, formados pelos os que nunca fumaram, os fumantes regulares e os tabagistas que se abstiveram de fumar durante muitas horas antes dos testes. Todos foram submetidos a determinadas tarefas. Os fumantes que continuaram fumando tiveram desempenho igual aos que nunca fumaram, nos exercícios simples, como datilografar uma carta, porém, mostraram-se inferiores ao manipular um computador ou proceder manobras simuladas em automóvel, cometendo maior número de erros, provocando colisões. Para os fumantes, entrou outro fator agravante que é carboxihemoglobina (combinação do monóxido de carbono com a hemoglobina) que diminui a oxigenação do cérebro. Quanto mais complexas as tarefas, mais ficou ressaltada a inferioridade dos tabagistas em comparação com os que nunca fumaram. Os tabagistas que se abstiveram de fumar durante horas mostraram desempenho inferior aos dos que continuaram fumando, porque lhes faltou a nicotina que seus organismos necessitavam, premidos pela dependência químico-física (933). Pelo exposto, infere-se que interpretar as respostas farmacológicas obtidas no laboratório por experiências controladas como sendo benéficas aos tabagistas, incentivando-os a continuar fumando, é ignorância científica ou interesse de iludir com informação enganosa como procede a indústria tabaqueira.
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