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Guias e Dicas
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201CConvenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, Notas de estudo de Ciências da Educação

Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 30/08/2010

epeal-mestrado-6
epeal-mestrado-6 🇧🇷

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Baixe 201CConvenção sobre os direitos das pessoas com deficiência e outras Notas de estudo em PDF para Ciências da Educação, somente na Docsity! ora Presigência da República Secretaria Especial dos Direitos Humanos Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora De Deficiência - CORDE A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Comentada a q BRASÍLIA CORDE F2008—— | j d q FE ] | | | H E E é Presidência da República Secretaria Especial dos Direitos Humanos Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Comentada Organização: Ana Paula Crosara de Resende Flavia Maria de Paiva Vital BRASÍLIA CORDE 2008 Autores: 1. Alexandre Carvalho Baroni, Educador Social do Município de Maringá, Diretor Presidente do CVI-Brasil, Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência CONADE 2006/2008. xandao@wnet.com.br 2. Ana Paula Crosara de Resende, Advogada, Especialista em Direito Administrativo e Direito Empresarial. Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia. Sócia de Advocacia Catani e Crosara ( www.cataniecrosara.com.br ), Secretária do Instituto dos Advogados de Minas Gerais/Seção Uberlândia. Destaque Jurídico 2001 da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica do Triângulo Mineiro, Responsável pelos Quadros “De Igual para Igual” e “Questão de Direitos” no Programa Trocando em Miúdos da Rádio Universitária de Uberlândia. anapaulacrosara@gmail.com 3. Ana Paula Scramin, Enfermeira, Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Maringá/PR, Enfermeira Auditora da Secretaria de Saúde de Maringá/PR, Presidente do Centro de Vida Independente de Maringá/PR. anapaulascramin@uol.com.br 4. Ana Rita de Paula, Psicóloga, Mestre em Psicologia Social, Doutora em Psicologia Clínica e Pós-Doutoranda pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Consultora do Ministério da Saúde e da Sorri Brasil, Ganhadora dos Prêmios USP de Direitos Humanos, Direitos Humanos na categoria de Pessoas com Deficiência pela Presidência da República, e Prêmio Claúdia como Mulher do Ano na categoria de Políticas Públicas. Membro da equipe técnica do CVI Araci Nallin. arpa123@terra.com.br 5. Anahi Guedes de Mello, Membro do grupo de pesquisa em Acessibilidade e Tecnologias do Laboratório de Experimentação Remota da Universidade Federal de Santa Catarina – RExLab/ UFSC, Membro-Fundador e Presidente do Centro de Vida Independente de Florianópolis – CVI- Floripa. 6. Bárbara Kirchner, Administradora, Presidente da 3IN – Inclusão, Integridade e Independência www.3in.org.br . Participou da 8ª. sessão do Comitê da ONU que elaborou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. 7. Cláudio Vereza, Deputado Estadual do Espírito Santo e Militante da Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência. 8. Cleide Ramos Reis, Promotora de Justiça do Estado da Bahia. 9. Crismere Gadelha, Mestra em Antropologia Social pelo IFCH/Unicamp e tesoureira do Centro de Documentação e Informação do Portador de Deficiência (CEDIPOD). 10. Elza Ambrósio, Vice-diretora Executiva do Centro de Documentação e Informação do Portador de Deficiência (CEDIPOD), desenvolvedora de sites. rbnasc@uol.com.br 11. Fábio Adiron, Consultor e Professor de Marketing, Fundador da Associação Mais 1, Membro da Comissão Executiva do Fórum Permanente de Educação Inclusiva e Moderador do Grupo de Discussão sobre Síndrome de Down do Yahoo Grupos. Colaborador dos sites da Universidade Solidária (Unisol) e da Rede SACI, Responsável pelas Novidades do Dia. 12. Flávia Cintra, Jornalista, Consultora de Empresas e Ativista de Direitos Humanos e Desenvolvimento Inclusivo. Participou da 8ª. sessão do Comitê da ONU que elaborou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. 13. Flavia Maria de Paiva Vital, Graduada em Comunicação Social, Consultora Interna de Gestão da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo, Presidente do Centro de Vida Independente Araci Nallin, Membro da Rede Interamericana sobre Deficiência - RIADIS. Participou, com o Projeto Sul, da 7ª. e 8ª. sessão do Comitê da ONU que elaborou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. flaviam@cetsp.com.br 14. Geraldo Nogueira, Advogado. Diretor Jurídico do CVI-Brasil e Segundo Vice-Presidente da Rehabilitation International para América Latina. 15. Idari Alves da Silva, Historiador, Mestre em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia, com ênfase na cidadania da pessoa com deficiência. Coordenador do Núcleo de Acessibilidade da Prefeitura Municipal de Uberlândia. idari@saci.org.br 16. Izabel Maria Madeira de Loureiro Maior, Médica Fisiatra (especializada em medicina física e reabilitação), Mestre do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Especialista em Política Pública e Gestão Governamental, Titular da Academia Brasileira de Medicina de Reabilitação da UFRJ. Coordenadora Geral da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência CORDE, órgão vinculado a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Recebeu o Prêmio Cidadania 2006. Participou, da 7ª. e 8ª. sessão do Comitê da ONU que elaborou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. 17. Joelson Dias, Advogado, Representante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados 31. Vanessa Pugliesse, Assessora da Associação Vida Brasil, Salvador/Bahia. www.vidabrasil.org.br 32. Vitor Ribeiro Filho, Mestre e Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Professor do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pesquisador sobre o tema Planejamento Urbano e Deficiência. vitor.f@terra.com.br 33. Wiliam César Alves Machado, Enfermeiro, Doutor em Ciências da Enfermagem pela UFRJ, Professor Adjunto no DEF da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Pesquisador da Qualidade de Vida e Saúde de Pessoas com Deficiência. Presidente do Conselho Municipal das Pessoas com Deficiência de Três Rios/RJ. wilmachado@uol.com.br SUMÁRIO Titulo Autoria Pág. Autores ....................................................................................................5 Prefácio, Alexandre Carvalho Baroni..........................................................15 Apresentação, Izabel Maria Madeira de Loureiro Maior........................................19 Introdução, Ana Paula Crosara de Resende e Flavia Maria de Paiva Vital....................................................................................17 Preâmbulo, Flavia Maria de Paiva Vital.............................................................23 Artigo 1 - Propósito, Geraldo Nogueira..........................................................25 Artigo 2 - Definições, Lilia Pinto Marques......................................................27 Artigo 3 - Princípios gerais, Ana Rita de Paula...............................................30 Artigo 4 - Obrigações gerais, Izabel Maria Madeira de Loureiro Maior...........32 Artigo 5 - Igualdade e não discriminação, Ana Paula Crosara de Resende.....34 Artigo 6 - Mulheres com deficiência, Flávia Cintra........................................37 Artigo 7 - Crianças com deficiência, Flávia Cintra.........................................40 Artigo 8 - Conscientização, Ana Paula Crosara de Resende..........................41 Artigo 9 - Acessibilidade, Flávia Maria de Paiva Vital e Marco Antônio de Queiroz..................................................................................44 16 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência PREFÁCIO Alexandre Carvalho Baroni * O convite para o prefácio desta obra é, sem dúvida, um grande desafio para mim pois afinal, todas as pessoas que assumiram o compromisso e a responsabilidade de escrevê-la, são pessoas do mais alto nível profissional e pessoal. Esta obra é uma iniciativa ímpar no momento em que toda a sociedade brasileira precisa conhecer a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e conhecê-la não apenas sob seu aspecto técnico/jurídico, mas, sobretudo o que ela envolve em termos de avanços e conquistas para as pessoas com deficiência. Construída a partir da ótica de que as próprias pessoas com deficiência são as que sabem o que é melhor para elas e por isso devem ser ouvidas em todas as ações que as envolvam, o lema NADA SOBRE NÓS, SEM NÓS concede a esta obra, desde a sua concepção até seu desfecho final, a exata dimensão do que as pessoas com deficiência são capazes de fato. Por isso, percorrer as páginas desta obra, possibilitará a qualquer cidadão brasileiro conhecer a Convenção de maneira clara, objetiva e elucidativa e com isso, utilizá-la de maneira correta e eficaz passará a ser uma prerrogativa. A informação produzida aqui é também de suma importância para todos os nossos representantes legais, seja na esfera executiva, legislativa e judiciária, em seus três níveis – municipal, estadual e federal - pois a partir do conhecimento deles sobre a Convenção, poderemos garantir a efetiva mudança do paradigma do modelo médico para o modelo social da deficiência, um dos maiores avanços alcançados pela Convenção. Imperativo neste momento afirmar que esta obra, somada a todas as demais já existentes na área dos direitos humanos das pessoas com deficiência, torna-se mais um forte instrumento de ação política na medida em que agrega ao nosso arcabouço jurídico, um instrumento de pesquisa, conhecimento e ação. Conclamo assim a toda sociedade brasileira, e em especial as pessoas com deficiências e seus familiares, a se apoderarem das informações contidas nesta obra e a partir delas serem agentes de sua própria história, exigindo a garantia dos seus direitos. A todos os atores diretos e indiretos desta obra e, em especial as amigas Ana Paula Crosara de Resende e Flavia Maria de Paiva Vital cuja liderança e perseverança na construção e organização deste material foram vitais para o processo, meus parabéns e a certeza de que a frente do CONADE – Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência, meu desafio e responsabilidade assumidos de difundir os conceitos de vida independente, 17 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência autonomia, independência a partir de ações eficazes de transformação social, terão nesta obra e em todos aqueles que desejam uma sociedade sem exclusão, um grande aliado. E, para encerrar, o lema que traduz o que para mim, há de mais importante nesta obra: “NADA SOBRE AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, SEM AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA!!" * Presidente do Conselho Nacional dos Dieitos da Pessoa Portadora de Deficiência - CONADE 20 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência APRESENTAÇÃO Izabel Maria Madeira de Loureiro Maior * Estamos em 2008, o ano do sexagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos - DUDH, promulgada pelas Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, na expectativa de conformar uma sociedade construída com liberdade, justiça e paz. Após os crimes hediondos contra a humanidade, em especial contra os mais vulneráveis, os líderes dos países vencedores da II Guerra Mundial idealizaram uma casa e uma declaração para salvaguardar a dignidade, o valor da pessoa humana e os direitos humanos fundamentais. É muito difícil que não saibamos de cor, o artigo 1° dessa Declaração: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.” Nada mais seria necessário se, de fato, a igualdade fosse inequívoca entre os homens e as mulheres, independentemente de qualquer adjetivo usado, como mulheres pobres, homens idosos, pessoas negras ou crianças com deficiência, sem esgotar as possibilidades de desigualdade inicial. Da Carta de Direitos Humanos ao seu gozo e exercício plenos, há uma imensidão de obstáculos construídos pela própria humanidade, os quais o Estado de Direito não se mostrou suficiente para mitigar ou corrigir. Para celebrar esta data de alto simbolismo, a ONU cunhou a expressão “Dignidade e Justiça para Todos Nós” e sob esta inspiração, os Estados Partes estão desenvolvendo suas agendas de educação em direitos humanos. No Brasil, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, com status de ministério, já está trabalhando para a mais ampla divulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. As atividades se desenvolvem com base no lema “Iguais na Diferença”. Nada melhor do que juntarmos dignidade e justiça para reconhecer que muito deve ser feito até que as diferenças não nos impeçam de ser iguais. Se todos vão comemorar neste ano o 60° aniversário da DUDH, há um grupo que deixa de ser apenas subjetivamente protegido em seus direitos fundamentais e passa a ter a mais nova e surpreendente Convenção ou norma internacional vinculante, com seu Protocolo Facultativo. Estamos nos referindo à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, homologada pela Assembléia das Nações Unidas em 13 de dezembro de 2006, em homenagem ao 58° aniversário da DUDH. A mais recente das Convenções dirigidas a um segmento marginalizado da sociedade - nem por isto reduzido em tamanho - entrou em vigência em 3 de maio de 2008, após ultrapassar o mínimo de vinte ratificações. O tratado universal dos estimados 650 milhões de pessoas com deficiência traz as especificidades que tornam efetivos para elas os direitos e as garantias fundamentais do texto de 1948. A leitura de cada um dos 30 artigos da DUDH está 21 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência referida diretamente nos 40 artigos de conteúdo da Convenção estreante na ordem jurídica internacional, incluídos os artigos do Comitê e da Conferência dos Estados Partes. Agora este segmento da humanidade pode dizer que é parte dos iguais na diversidade e no valor inerente de cada pessoa. Como parte do calendário de 2008, o Brasil, que já é signatário da Convenção e do seu Protocolo Facultativo desde 30 de março de 2007, ratificará esses dois documentos. Entre os brasileiros há 14,5% da população com limitação funcional, aferida pelo IBGE em 2000. Nada menos que a equivalência à emenda constitucional nos interessa, aqui unidos Governo Federal com a Mensagem Presidencial n° 711, de 26 de setembro de 2007, e o movimento social das pessoas com deficiência, os mais diretamente envolvidos com o texto da ONU. Alguns aspectos não podem ser esquecidos. Em nosso país, a política de inclusão social das pessoas com deficiência existe desde a Constituição de 1988, que originou a Lei n° 7.853/1989, posteriormente regulamentada pelo Decreto n° 3.298/1999. Esses documentos nacionais, junto a outros, com destaque para as Leis n° 10.048 e 10.098, de 2000 e o Decreto n° 5.296/2004, conhecido como o decreto da acessibilidade, nos colocam em igualdade com o ideário da Convenção da ONU. Também cabe repetir que as questões referentes às pessoas com deficiência são conduzidas na esfera dos direitos humanos desde 1995, quando passou a existir, na estrutura do governo federal, a Secretaria Nacional de Cidadania do Ministério da Justiça. Nada aconteceu por acaso ou como benesse. Cada resultado foi marcado pela luta ininterrupta e pela intransigente promoção e defesa dos direitos desse grupo. As pessoas com deficiência escrevem no Brasil e na ONU a sua história, cada vez com mais avanços e conquistas que se traduzem em redução das desigualdades e equiparação das oportunidades. Em muitas ocasiões uma obra, um livro, um estudo, surge somente de uma das partes: o conceito de parceria não sai do papel e jaz como utopia. Aqui não aconteceu assim. A ONU abriu suas portas, pela primeira vez para a sociedade civil organizada, na elaboração, em tempo recorde, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2002 a 2006). A voz dos destinatários da convenção foi ouvida a cada sessão do Comitê Ad Hoc. Esta voz influenciou as representações diplomáticas e os especialistas dos 192 países-membros da ONU. Houve discordâncias pontuais, sanadas em discussões paralelas oficiais muito bem conduzidas. Não existe quem tenha participado que deixe de atestar a parceria da sociedade e do governo brasileiros. Fato novo, intrigante e instigante, marcará para sempre o peso e o valor da voz daqueles que estão à margem dos fatos. A ONU mudou antes e transformou-se ainda mais, com o êxito das negociações maduras, sensatas e progressistas da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Destacamos o Artigo 1°, que expressa: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.” Bastaria esta mudança de conceituação que retira da pessoa a deficiência e a remete 22 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência para o meio, bem como as obrigações dos Estados Partes, para que todo o trabalho tivesse sido recompensado. Porém, a Convenção supera nossas expectativas, ao cuidar dos direitos civis e políticos, econômicos, sociais e culturais dos cidadãos com deficiência. A Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, CORDE, órgão da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, tem a honra de editar e distribuir este trabalho do movimento das pessoas com deficiência, aqui representado por autores e ativistas de renome, conhecidos por sua militância e conteúdo prático e acadêmico a respeito dos temas abordados na Convenção. As considerações, reflexões e explicações são os resultados do amadurecimento e do fortalecimento da parceria essencial entre sociedade civil organizada e governo. Foi assim no processo de tessitura do texto da Convenção, tanto nos bastidores como no plenário. Foi assim na convicção que impulsionou o Presidente Lula a enviar a mensagem ao Congresso Nacional, na qual submete àquelas Casas a análise do tratado com equivalência a emenda constitucional, tornando a Convenção perene. Está sendo assim, em estreita parceria, o impulso que o movimento social oferece e cobra dos parlamentares responsáveis pela ratificação. Este processo precisa ser apressado, feito logo, sem mais nenhum atraso cabível. Ao apresentarmos, em nome do governo federal, uma criação da sociedade civil, sob a coordenação de Ana Paula Crosara Resende e Flávia Maria de Paiva Vital, o fazemos conscientes de que a obra servirá desde logo para a consulta de grupos interessados em conhecer, de forma rápida e profunda, as implicações da nova Convenção e sua compatibilidade com a legislação nacional. A obra se destina ao uso dos assessores e consultores legislativos, dos deputados e senadores, dos gestores e técnicos, das lideranças políticas, sindicais e sociais e de cada pessoa, com ou sem deficiência, que defende a Declaração Universal dos Direitos Humanos e há de cumprir igualmente a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência. A conquista acontecerá com a ratificação pelo Brasil deste tratado universal e será efetivada quando todos forem tratados com dignidade e justiça e puderem exercer o direito de ser iguais na diferença. * Coordenadora Geral da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; ativista do movimento das pessoas com deficiência desde 1977 e parceira na elaboração da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU. 25 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência significativa do PIB – Produto Interno Bruto. No Canadá, este estudo demonstra que 6,7% do PIB se perde devido à falta de contribuições das pessoas com deficiência e seus cuidadores. Na Europa, a União Mundial de Cegos estima que 70% das pessoas cegas não possuem emprego. Algumas estimativas sugerem que entre 15 a 20% das pessoas pobres nos países em vias de desenvolvimento vivem em situação de deficiência. No Uruguai, uma pesquisa feito com 500 famílias beneficiárias do Plano de Emergência - isto é, famílias que se encontram em condições abaixo da linha da pobreza -indicou que em 25% dos lares havia pelo menos uma pessoa com deficiência - em alguns casos eram mais do que uma (BIELER, 2007). Adicionalmente, como assinala Amartya Sen, Prêmio Nobel de Economia, a linha de pobreza para as pessoas com deficiência deve levar em conta os gastos adicionais nos quais incorrem para viverem dignamente, como os gastos com tecnologias assistivas. No Reino Unido, o índice de pobreza das pessoas com deficiência é de 23,1%, comparado com um índice geral de 17,9% em todo o país. Porém, se os gastos adicionais associados a se ter uma deficiência forem acrescidos, o índice de pobreza das pessoas com deficiência dispara para 47,4%. Para mudar este quadro, a cooperação internacional terá papel fundamental, não apenas com o apoio financeiro, mas com troca de experiências exitosas e tecnologias. Enfim, no seu item “y” o preâmbulo considera que: “uma convenção internacional geral e integral para promover e proteger os direitos e a dignidade das pessoas com deficiência prestará uma significativa contribuição para corrigir as profundas desvantagens sociais das pessoas com deficiência e para promover sua participação na vida econômica, social e cultural, em igualdade de oportunidades, tanto nos países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento”. Referências bibliográficas: DEVANDAS, C. Proyecto Sur. Trabalho apresentado na 2ª Reunião do Proyecto Sur. Nova York, 2006. Não publicado. BIELER, R. B. Desenvolvimento Inclusivo: Uma abordagem universal da Deficiência. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por: <flaviampv@uol.com.br>. Acesso em: 28.mar. 2007. Texto traduzido da Convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência. Disponível em: < http://www.assinoinclusao.org.br/ Downloads/Convencao.pdf >. Acesso em: 08.mar.2007. 1 1 26 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência ARTIGO 1 – PROPÓSITO Geraldo Nogueira Acostumamos ouvir a expressão “direitos humanos” mesmo quando os direitos referidos são civis ou antidiscriminatórios. É claro que para uma colocação informal não tem importância esta generalização dos termos, mas no sentido jurídico estas expressões têm significados bastante distintos. Direitos civis são aqueles mais diretamente ligados à cidadania, os que estabelecem as regras sociais, individuais ou para determinados grupos da sociedade, dando-lhes os limites para atuar dentro de um determinado marco legal. Objetivam a organização dos bens da vida, aqueles que interessam a todos os membros de uma comunidade ou sociedade. Existem por que foram criados pela legislação para regrarem as relações sociais em determinado tempo e lugar. Quanto às leis antidiscriminatórias ou leis que proíbem a discriminação negativa, são normas específicas que protegem os direitos de determinados grupos sociais que podem sofrer um tratamento diferente por causa de uma característica própria, como por exemplo, a diferença de gênero, preferência sexual, estilo de vida ou por ter alguma deficiência física, intelectual ou sensorial. Este tipo de norma geralmente não estabelece direito e sim, determina a proibição de determinados comportamentos sociais em relação às características próprias de grupos sociais fragilizados. Com relação às pessoas com deficiência, por exemplo, o sistema procura impedir comportamentos como negar trabalho ou emprego, impedir a inscrição em concursos públicos ou recusar matrícula em estabelecimento de ensino. Sobre os direitos humanos pode se dizer que a idéia vem desde os tempos antigos, quando estes ainda eram conhecidos por “direitos do homem” e precedidos por outros conceitos do direito, como naturais, inalienáveis, essenciais ou inerentes às pessoas. Filósofos gregos e romanos já os entendiam como direitos devidos ao simples fato da condição humana, estando estes direitos implícitos na própria essência do ser humano e por isso acima do direito positivo. Assim, a lei escrita pelo homem não pode eliminar ou reduzir este direito essencial que existe independentemente do reconhecimento legislativo. A base normativa internacional dos direitos humanos surgiu após os cometimentos do holocausto quando na noite de 10 de dezembro de 1948, em defesa dos direitos humanos, adotou- se a Declaração Universal dos Direitos Humanos, como primeira manifestação internacional da recém criada Organização das Nações Unidas – ONU. O objetivo foi estabelecer um consenso acerca de uma “ética universal”, através da qual todos os países pudessem compartilhar valores 27 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência básicos do bem comum e de garantia da dignidade humana. Estes procedimentos levaram a uma perspectiva que confirmou a indivisibilidade e universalidade dos direitos humanos, presentemente incorporando três dimensões fundamentais: os direitos civis e políticos, tidos como de primeira geração; os direitos econômicos, sociais e culturais, de segunda geração e os direitos ao desenvolvimento, à paz e ao meio ambiente, os de terceira geração. Desde então, estas três dimensões dos direitos humanos foram desdobradas e alguns dos temas regulamentados a partir da promulgação de documentos internacionais, como a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados (1951); Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966); Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966); Convenção sobre a eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (1969); Convenção sobre a eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (1979); Convenção sobre os Direitos Políticos das Mulheres (1979); Convenção sobre os Direitos das Crianças (1989). Podemos notar que faltava um tratamento legal internacional mais voltado para a temática dos direitos humanos das pessoas com deficiência o que se alcança com a Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência. A presente Convenção, em seu artigo primeiro, abaixo transcrito, define de plano que seu propósito é proteger e assegurar as condições de igualdade dos direitos humanos e liberdades fundamentais para todas as pessoas com deficiência. Artigo 1 - Propósito O propósito da presente Convenção é o de promover, proteger e assegurar o desfrute pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por parte de todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua inerente dignidade. Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas. Analisando mais atentamente a edição do artigo primeiro, acima transcrito, observamos que o legislador internacional preocupou-se mais com a garantia de que, pessoas com deficiência possam gozar dos direitos humanos e de sua liberdade fundamental, do que propriamente em instituir novos direitos. A técnica empregada foi adotar como parâmetro as condições de igualdade, tanto que ao desdobrar o artigo, reforça a idéia de que barreiras sociais podem impedir a participação do segmento em condições de igualdade. Portanto, podemos concluir que a conduta adotada pelo legislador internacional, para que as pessoas com deficiência usufruam dos seus direitos e liberdades, é justamente a maior condição de igualdade. Igualdade é um composto que pressupõe o respeito às diferenças pessoais, não significando o nivelamento de personalidades individuais. Pelo contrário, não se ganha uma 30 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência chamar de ajudas técnicas, servem para compensar restrições de movimentos, dos sentidos, da comunicação, e do acesso à informação que certos grupos experimentam, como o das pessoas com deficiência. As deficiências, como foi analisado anteriormente, representam o parâmetro mais eficaz para revelar a diversidade humana, assinalando as várias formas de ser que a pessoa pode exercer, e que fogem de um padrão tradicional de ser e perceber. É nas pessoas com deficiência que podemos observar com mais nitidez as várias formas de ser como pessoa, pelo que são erroneamente reconhecidas como especiais ou extraordinárias, mas realizando apenas a condição humana de estar no mundo de um modo diferente. Se analisarmos com mais profundidade a questão, vamos verificar que a diferença é apenas o modo como podemos exercer outras formas de ser. Exemplos não faltam de pessoas que escrevem com os pés, comunicam-se por gestos ou expressões faciais, ouvem pela leitura labial ou por meio de recursos ou técnicas específicos, enxergam com as mãos ou com instrumentos como a bengala, ou caminham por meio de uma cadeira de rodas. Neste sentido, passamos a entender a comunicação e a mobilidade de uma outra maneira, representando-as dentro de todos os recursos disponíveis para sua acessibilidade e a serem disponibilizadas para todos, como meios comuns de estar em interação com o mundo. A comunicação compreende a linguagem simples, escrita ou falada; a linguagem corporal ou gestual; as línguas, incluindo as línguas de sinais; o braile; a leitura labial; as legendas; a transcrição simultânea; a áudio-descrição; os softwares para leitura de telas; os textos de voz digitalizada; a comunicação tátil; os caracteres ampliados. A diversidade que é negada e ignorada pela sociedade, representa a única realidade plausível, enquanto somos seres singulares e únicos. Não há uma pessoa que por suas condições emocionais, físicas, culturais, sociais ou econômicas seja igual às outras. E é justamente na diversidade que devemos buscar e extrair as riquezas que nos acrescentam e completam. Portanto, é imperativo afirmar a diversidade e promover uma sociedade plural, inclusiva, baseada em direitos humanos, e na qual o acesso aos bens sociais seja universal. 31 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência ARTIGO 3 – PRINCÍPIOS GERAIS Ana Rita de Paula Os princípios da presente Convenção estão assim relacionados: a) O respeito pela dignidade inerente, independência da pessoa, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e autonomia individual. O conceito de dignidade humana implica no respeito e reconhecimento de nobreza a toda e qualquer pessoa, simplesmente por existir. A idéia do homem como centro do mundo surge no final da Idade Média e é consolidada em documento internacional quando da promulgação dos Direitos Humanos pela ONU em 1948. O reconhecimento da dignidade da pessoa com deficiência é fundamental, por opor-se à idéia de que a deficiência rebaixa esse ser a uma condição sub-humana ou a uma anomalia que “danifica” a sua condição de pertencer à humanidade. Do meu ponto de vista, o primeiro ítem deveria se restringir ao reconhecimento da dignidade das pessoas com deficiência, uma vez que não há nenhuma condição que rebaixe o seu status de ser humano. É particularmente prejudicial correlacionar dignidade com independência e autonomia. Toda pessoa é digna de respeito, quer seja ou não independente e/ou autônoma. Na área da atenção às pessoas com deficiência convencionou-se usar o termo autonomia à possibilidade das pessoas realizarem suas ações sem o auxílio de terceiros, porém ainda sujeitas à criação de condições pelo meio ambiente e contexto social. Já independência designa a capacidade da pessoa realizar escolhas, sem pedir autorização de alguém ou de alguma instituição. É importante ressaltar que o processo de construção da independência e da autonomia inicia-se desde a mais tenra infância, quando a mãe respeita as primeiras manifestações da vontade do bebê. b) A não-discriminação. Apesar da palavra discriminação ter adquirido o sentido negativo, ou seja, da retirada de direitos a determinados grupos sociais, a idéia de discriminar, desta vez positivamente, está na base das ações afirmativas, onde eu identifico determinados grupos para oferecer possibilidades de resgatar a dívida social para com estes. Considerando o sentido negativo adquirido pela palavra em nossa língua, considero interessante não nomear as inúmeras condições sociais geradoras de preconceito. 32 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência c) A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade. Do meu ponto de vista, o princípio da busca da participação plena é particularmente importante e deve se iniciar também na família e difundir-se para todos os outros espaços sócio-culturais e políticos, inclusive nas instituições e serviços de atendimento à população. É necessário, contudo, retificar o uso da palavra inclusão. O conceito de “inclusão” refere-se ao processo de construção de uma sociedade para todos e, portanto, os alvos de transformação são os ambientes sociais e não a pessoa. Assim, o termo inclusão não deve ser usado como sinônimo de inserção ou integração. d) O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade. Julgo fundamental estabelecer as origens das diferenças humanas porque há aquelas inerentes à natureza do ser humano, as diferenças ecológicas e as diferenças criadas pelo homem, a saber, as diferenças sócio-culturais e as de natureza política. Assim, nem todas as “diferenças” devem ser respeitadas. Aquelas originadas pela má distribuição de renda, pela opressão política, pela corrupção devem ser combatidas. Se não estabelecermos estas distinções, estaremos incorrendo no erro da despolitização do discurso e dos movimentos sociais. e) A igualdade de oportunidades. O conceito de igualdade de oportunidades é contemporâneo ao Plano da Ação Mundial e está intimamente relacionado à questão das diferenças. É necessário eliminar os mecanismos de produção da desigualdade e os meios mais eficazes para fazê-lo são a politização da discussão e a busca da igualdade de oportunidades. Tornar as oportunidades iguais significa criar condições diversificadas, respeitando-se as necessidades de cada pessoa. A principal área onde a igualdade de oportunidades gera transformações sociais é a da educação. Se entendermos educação não como mero serviço, e sim como direito inerente a todo ser humano, aí sim, estaremos construindo as bases de uma sociedade inclusiva. f) A acessibilidade A acessibilidade aqui precisa ser compreendida em seu sentido amplo, como ingresso e permanência aos meios físicos e aos de comunicação (desenho universal) e aos sistemas, políticas, serviços e programas implementados pela comunidade. g) A igualdade entre o homem e a mulher Apesar de haver um princípio de não discriminação é interessante explicitar a necessidade de igualdade de gêneros, uma vez que na área das deficiências a condição feminina torna a mulher com deficiência particularmente vulnerável e em condições de desvantagem social, havendo uma sobre-marginalização. h) O respeito pelas capacidades de desenvolvimento de crianças com deficiência e 35 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência de direitos e, a sua falta, passa a ser considerada discriminação. Este é um grande e importante avanço trazido pelo texto da Convenção, que está adiante da legislação de muitos países. Entretanto, quanto ao Brasil, esses e o tema da informação acessível para as pessoas com deficiência passaram à lei em 2.000 e estão operacionalizados pelo Decreto nº 5.296/04. Os temas capacitação de profissionais e de equipes que trabalham com pessoas com deficiência, em relação aos direitos em geral, pertencem às obrigações das nações e podem ser efetivados com apoio da cooperação internacional, sem reduzir a responsabilidade imediata dos próprios governos nacionais e igualmente cumpridas pelas unidades da federação, sem exceções aceitas pela Convenção. Estão em perfeita conformidade o comando do novo tratado internacional e as normas brasileiras quando estabelecem que na elaboração e implementação de legislação e políticas para executar a presente Convenção e em outros processos de tomada de decisão, deverão ser consultadas as pessoas com deficiência, inovando a Convenção quando se refere inclusive às crianças com deficiência, que por intermédio de suas organizações representativas passam ativamente a tomar parte nas deliberações que se relacionam às suas vidas. A comparação com o marco legal brasileiro e as obrigações gerais de cada Estado signatário da nova Convenção, tanto manifesta a qualidade do conjunto de normas legais com que trabalhamos, como ressalta em quais pontos a Convenção atualiza os direitos e mostra seu valor como novo parâmetro internacional de direitos humanos. As nações mais avançadas na inclusão das pessoas com deficiência têm a ganhar com a ratificação do documento da ONU e a grande maioria dos países que ainda não assegurou as garantias fundamentais desse segmento darão um grande salto pela dignidade das pessoas com deficiência. ARTIGO 5 – IGUALDADE E NÃO DISCRIMINAÇÃO Ana Paula Crosara de Resende O direito à igualdade perante a lei e em virtude dela é tido como regra de equilíbrio entre as pessoas que têm e as que não têm uma deficiência, uma vez que determina a todos, que todas as pessoas formam a população de um país. No direito, sempre se diz que a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, cuidando para que não hajam desequiparações fortuitas ou injustificadas (MELLO, 1998). Para a pessoa com deficiência significa que não pode haver nenhuma restrição ou impedimento apenas em razão da deficiência. 36 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência É uma garantia que não serão adotados critérios, teóricos ou práticos, que afastem ou impeçam o exercício de outros direitos protegidos e garantidos pela lei, sendo a regra de isonomia, a viga estrutural da sociedade. Sua existência também implica respeito às diferenças individuais e a obrigatoriedade de serem oferecidos serviços que atendam as necessidades de todos, independente da condição dos cidadãos. O princípio aqui comentado se dirige aos poderes constituídos dos Estados e também às pessoas que integram a população. Ou seja, ninguém está isento de tratar as pessoas como gente ou de “esquecer” alguns grupos sociais, nem mesmo os Administradores Públicos, os Legisladores ou os Julgadores. Importante destacar ainda que ao fazer novas leis, elas têm que estar em consonância com a isonomia e com os princípios da Convenção. Por exemplo, quando se exige que qualquer estabelecimento de uso público seja acessível, criou-se uma obrigação para quem é o responsável pelo lugar, que não poderá recusá-la e, ao mesmo tempo, se uma pessoa com deficiência não conseguir utilizar os serviços ou as instalações daquele prédio ela terá como exigir as adequações e até indenizações se for o caso, por determinação do direito à igualdade. Um dos propósitos principais da Convenção é o de promover, proteger e assegurar o usufruto de direitos humanos e liberdades fundamentais para as pessoas com deficiência. A dignidade da pessoa também é um valor que se destaca neste tratado e para que isso se efetive a igualdade foi eleita como uma regra de aplicação transversal em todos os artigos da Convenção, dado seu caráter de pilar de sustentação dos demais direitos (PALÁCIOS e BARIFFI, 2007). Esse princípio serve também como uma regra de flexibilidade para que a deficiência da pessoa, qualquer que seja a causa ou a severidade das limitações impostas, não seja sinônimo de deficiência de vida e impõe que os demais direitos assegurados por lei, devem ser usufruídos por todos. Sabe-se que a efetiva igualdade é utópica e muito dificilmente será conquistada, mesmo quando todo o ambiente em que vivem as pessoas com deficiência estiver adequado. Porém, como a (re)construção desse ambiente é feita diariamente, no mínimo, se garante que não hajam discriminações com base na deficiência, para que as pessoas possam lutar de forma eqüitativa e que não lhes sejam negadas oportunidades de acesso, não apenas físico, a tudo que a comunidade disponibiliza aos outros cidadãos (RESENDE, 2004). Outro ponto que foi destacado diz respeito aos ajustes de acessibilidade, aqui entendidos como uma das condições de promoção da efetiva igualdade e de eliminação de discriminações. Por isso, devem ser adotadas medidas eficazes e apropriadas pelos Estados, para que o direito assegurado não fique apenas no papel. A acessibilidade deve ser entendida como um fator de qualidade de vida e, assim, a garantia de instrumentos administrativos, legais e de prática cotidiana, como reflexo, na Convenção, de algumas boas práticas mundiais. No Brasil, o direito à igualdade já está previsto no artigo 5º da Constituição da República Federativa, de 1988, em diversos outros tratados, acordos, convenções internacionais e também 37 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência nas leis brasileiras que têm que refletir a determinação constitucional, pelo sistema jurídico aqui adotado. Para esclarecer: a igualdade vale tanto para a proteção legal, quanto para beneficiar-se da lei. Um detalhe importante: a igualdade não é só de direitos, mas também de deveres existentes para o povo. Prevê a Convenção que ninguém poderá ser discriminado com base na deficiência, como já firmado na Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação da OEA – Organização dos Estados Americanos – aqui no Brasil chamada de Convenção da Guatemala (Decreto nº 3.956/2001) e pretende emancipar cidadãos para construir seus lugares e influenciá-los da forma como melhor lhes aprouver. Fica, por esta Convenção, terminantemente proibida qualquer discriminação com base na deficiência e se garante proteção legal para coibir as que porventura ocorrerem, já que estamos falando de pessoas. A igualdade perante a lei serve para que as diferenças advindas da deficiência não sejam fatores de exclusão ou de marginalização social, já que garante a participação destas pessoas como parte da população. É fato que a deficiência é uma característica existente em qualquer sociedade que aparece sem distinção de classe social ou etária, mas um dos fatores que mais desiguala e agrava as deficiências na população é a pobreza, que hoje é causa e efeito da deficiência. Mais uma consideração que destaca-se do artigo 5 é que também foi assegurado que as medidas específicas que sejam importantes e úteis para acelerar ou alcançar a efetiva igualdade, como por exemplo, a exigência de legenda oculta em programas de televisão, não serão consideradas como discriminação, exatamente para que a tecnologia e até mesmo o capital, possam servir ao povo e não ao contrário. Fávero (2004) ensina que a principal forma para não discriminar é sempre que as pessoas com deficiência escolham o que é mais adequado para elas e que existam opções. E, por isso, o lema do movimento internacional das pessoas com deficiência utilizado muitas vezes no processo de construção desta Convenção deve prevalecer: NADA SOBRE AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, SEM AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, para que a igualdade e a inclusão sejam efetivas. Referências bibliográficas: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao_Compilado.htm. Acesso em: 08.mar.2007. ______ Decreto nº. 3.956 de 8 de outubro de 2001, publicado no Diário Oficial da União em 40 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência Os resultados de um relatório recente do Banco Mundial/Faculdade de Yale sobre HIV/ AIDS e Deficiência (2006) chamam a atenção para a extrema vulnerabilidade encarada pelas pessoas com deficiência nessa área. Estima-se que o abuso sexual entre jovens com alguma deficiência intelectual possa chegar a 70%. A falta de inclusão das pessoas com deficiência nos programas de saúde sexual agrava esta vulnerabilidade. Uma ativista para os direitos das pessoas com deficiência descreveu: “Eu vejo agentes de saúde passando de casa em casa, convidando todos os adultos para uma reunião sobre AIDS. Eles passam e saúdam uma senhora sentada na porta de casa em uma cadeira de rodas olhando seus filhos, mas eles não a convidam para participar”. A discriminação e a violência contra a mulher com deficiência também acontecem no âmbito institucional, ou seja, quando os serviços públicos são prestados em condições inadequadas, provocando danos físicos e psicológicos para a mulher, como longas esperas para receber atendimento médico, maus tratos verbais, intimidação, ameaças e falta de medicamentos. A mulher com deficiência, que sempre lutou pela igualdade, por vezes no anonimato, hoje conta com um novo e importante instrumento internacional para fazer valer seus direitos. Na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, os Estados reconhecem que mulheres e meninas com deficiência estão sujeitas a múltiplas formas de discriminação e, a este respeito, se comprometem a adotar medidas para assegurar-lhes o pleno e igual desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. Este instrumento, ao lado da Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, significa o reconhecimento da necessidade de que se promovam medidas de proteção a este grupo que vive em um contexto singular de discriminação e desvantagem no que se refere ao exercício de seus direitos fundamentais. Desta forma, o artigo 6 da Convenção que explicita a vulnerabilidade da mulher com deficiência e prevê a adoção de medidas que assegurem sua proteção, pode e deve ser trabalhado como uma referência positiva nas estratégias de inclusão das pessoas com deficiência que vierem a ser construídas daqui por diante, reforçando a necessidade de atendimento das demandas específicas das mulheres com deficiência no planejamento, desenvolvimento e monitoramento das políticas públicas nas esferas locais, regionais, nacionais e internacionais. 41 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência ARTIGO 7 – CRIANÇAS COM DEFICIENCIA Flávia Cintra Chegamos ao terceiro milênio diante da constatação de que os direitos universais das crianças ainda são violados em todas as partes do mundo. A ONU estima, por exemplo, que a cada ano, 2 milhões de meninas são submetidas a rituais de mutilação genital, principalmente na África e na Ásia, o que resulta em deficiências severas, infertilidade e mortalidade. Mutilação genital é a prática da extração total ou parcial dos órgãos genitais femininos. Sua forma mais severa inclui a mutilação total do clitóris, a excisão (extirpação total ou parcial dos lábios menores) e a raspagem dos lábios maiores para criar superfícies em carne viva que, depois de unidas pela cicatrização, tapem a vagina. A proteção da criança é abordada por muitas convenções internacionais. Ao dedicar um artigo da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência às crianças, as Nações Unidas reafirmam os direitos conquistados na Declaração dos Direitos da Criança de 1959, bem como nas Regras de Beijing de 1985, na Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), nas Regras das Nações Unidas para a proteção dos menores privados de liberdade (1990) e nas Diretrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinqüência Juvenil (Diretrizes de Riad – 1990). No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA é a norma aplicável a todos com idade de até 18 anos e, em casos excepcionais, até 21 anos. O ECA foi criado em consonância com a Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 21 de novembro de 1990 pelo Decreto 99.710, com o objetivo de satisfazer e garantir os direitos inerentes à criança e ao adolescente. Por falta de informação ou omissão da família e do poder público, milhões de crianças com deficiência ainda vivem escondidas em casa ou isoladas em instituições. O lugar destas crianças também é na escola. A inclusão é um conceito defendido por educadores de todas as partes do mundo. Atualmente, é difícil encontrar quem se oponha publicamente ao convívio de crianças com algum tipo de deficiência com outras de sua idade, tanto para o desenvolvimento social e educacional como para diminuir o preconceito. Porém, no Brasil, a realidade da rede pública de ensino ainda é de salas superlotadas, baixos salários, má formação dos professores, projetos pedagógicos ultrapassados e estrutura precária, o que dificulta a aprendizagem de qualquer criança. Os 42 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência defensores da inclusão acreditam que a entrada dos alunos com deficiência no ambiente educacional regular vai pressionar as escolas a se reestruturarem física e pedagogicamente, respeitando o ritmo de aprendizagem de cada aluno, tenha ele uma deficiência ou não. A Constituição Brasileira de 1988 garante o acesso ao Ensino Fundamental regular a todas as crianças, sem exceção. A inclusão ganhou reforço com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, e com a Convenção da Guatemala, de 2001, que proíbe qualquer tipo de restrição baseada na deficiência de uma pessoa. Todos os instrumentos nacionais e internacionais criados para proteger os direitos da criança, embora o âmbito possa variar, giram em torno do tema comum de promover seu bem- estar e desenvolvimento. Deste modo, espera-se combater o ciclo da invisibilidade das pessoas com deficiência. No Brasil, começam a aparecer os primeiros resultados. A presença das pessoas com deficiência na mídia, especialmente nas telenovelas, tem gerado reflexão do público a respeito da inclusão, como uma pauta social inadiável. O artigo 7 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é o mais novo instrumento que temos para trabalhar pela inclusão das crianças com deficiência em todas as rotinas educacionais e sociais, garantindo seu direito ao desenvolvimento pleno, saudável e seguro. ARTIGO 8 – CONSCIENTIZAÇÃO Ana Paula Crosara de Resende Importante registrar de início que não se pode lutar pela implementação de algo que não se conhece e ao discutirem e aprovarem, por unanimidade, essa Convenção, as pessoas que ali estavam tinham isso muito claro. Consciência é uma atitude muito prática, e deve ser estimulada para que seja cada vez mais próxima, dos princípios de direitos humanos. Temos que reconhecer que não pode haver processo de desenvolvimento se todos não estiverem incluídos, num processo constante de (re)construção do mundo. Inclusão não pode ser fruto de doações; na verdade, resulta do comprometimento pessoal e de atitudes de todos para melhorar as condições de vida para todos. Com relação às pessoas com deficiência é preciso divulgar e ensinar a não discriminá- las, a respeitá-las enquanto parte da população. Infelizmente ainda há muita “invisibilidade 45 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência sustentável, a presente Convenção por ser nova incomodará, despertará curiosidade, indiferença ou negação, terá adeptos e críticos e em razão disso foram previstos mecanismos para gerar conhecimentos sobre o tema. Mudanças de atitudes e de posturas não acontecem por acaso, são resultados de lutas individuais e coletivas de organizações de e para pessoas com deficiência que interagem na construção de uma sociedade mais justa, mais humana e para todos, com a participação de pessoas com deficiência também no processo de conscientização e sensibilização social. Referências bibliográficas: BAGGIO NETO, L. e GIL, M. Acessibilidade, humor, inclusão social e desenho universal: tudo a ver! Campanha Acesso de Humor. São Paulo: ABRASPP, Amankay, ARM, IIDI, Futerkids do Brasil, Planeta Educação, 2006. CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Campanha da Fraternidade 2006: texto- base. São Paulo: Editora Salesiana, 2005. FÁVERO, E. A. G. Direitos das pessoas com deficiência: garantia de igualdade na diversidade. Rio de Janeiro: WVA Ed., 2004. WERNECK, C. Manual da mídia legal: jornalistas e publicitários mais qualificados para abordar o tema inclusão das pessoas com deficiência na sociedade. Rio de Janeiro: WVA Ed., 2002. ______ Manual sobre desenvolvimento inclusivo para a mídia e profissionais de comunicação. Rio de Janeiro: WVA Ed., 2004. ARTIGO 9 – ACESSIBILIDADE Flavia Maria de Paiva Vital e Marco Antônio de Queiroz A Convenção se refere à acessibilidade como ferramenta para que as pessoas com 46 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência deficiência atinjam sua autonomia em todos os aspectos da vida, o que demonstra uma visão atualizada das especificidades destas pessoas, que buscam participar dos meios mais usuais que a sociedade em geral utiliza para funcionar plenamente nos dias de hoje, não se reduzindo apenas à acessibilidade ao meio físico. Acessibilidade: Meio Físico No meio do caminho tinha uma pedra/ Tinha uma pedra no meio do caminho/ Tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra/ Nunca mais me esquecerei desse acontecimento/ Na vida de minhas retinas tão fatigadas/ Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra/ Tinha uma pedra no meio do caminho/ No meio do caminho tinha uma pedra. (Carlos Drumond de Andrade) Parafraseando o poeta, são várias pedras nos nossos caminhos, que por mais que queiramos não conseguiríamos lembrar de todos os acontecimentos nas nossas vidas. A acessibilidade ao meio físico, está aquém do que já é previsto na legislação brasileira. Então, porque encontramos tantos obstáculos para desenvolvermos nossas atividades do dia a dia? A acessibilidade ao meio físico promove a inclusão, a equiparação de oportunidades e o exercício da cidadania para todas as pessoas. Ações que garantam a acessibilidade para pessoas com restrição de mobilidade aos sistemas de transportes, equipamentos urbanos e a circulação em áreas públicas são, nada mais, que o respeito de seus direitos fundamentais como indivíduos. Enquanto o espaço for produzido a partir dos referenciais do chamado “homem-padrão” (possuidor de todas as habilidades físicas, mentais e neurológicas), é comum que a construção de rampas nas esquinas e de uma determinada percentagem de vagas para estacionamento de veículos adaptados às pessoas com deficiência física, sejam considerados como “suficientes” para taxar o projeto urbano de “projeto inclusivo”. A percepção e a experiência de todos os usuários, no entanto, nem sempre é levada em consideração nestes momentos. Em função da idade, estado de saúde, estatura e outros fatores, muitas pessoas têm que ter um atendimento adequado para receberem informações, chegarem até os terminais e pontos de ônibus, entrarem nos veículos e realizarem seus deslocamentos pelos espaços públicos. Torna-se necessária uma visão que considera o acesso universal ao espaço, a partir de cenas do dia-a-dia, onde muitos enfrentam dificuldades para realização de ações simples, como o deslocamento até um centro comercial ou de serviços. As barreiras encontradas, muitas vezes são vistas com naturalidade por todas as pessoas, ou até mesmo não reconhecidas. 47 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência Todas as iniciativas em termos de políticas públicas devem buscar neutralizar ou minimizar os efeitos negativos da desvantagem no deslocamento das pessoas com mobilidade reduzida, causados pela existência de barreiras físicas. Mas estes processos têm que garantir os princípios de independência, autonomia e dignidade, de forma coletiva e individual. Neste contexto a acessibilidade não se refere somente às pessoas com deficiência contabilizadas pelo censo, mas também aos idosos, crianças, gestantes, pessoas temporariamente com mobilidade reduzida (vítimas de fraturas e entorses), dentre outras. Com certeza ao garantir o ir e vir das pessoas com deficiência criar-se-á uma situação de conforto e segurança para toda a população. Tão importante quanto adequar os espaços públicos para garantir a circulação dessas pessoas, eliminando-se as barreiras existentes, é não serem criadas diariamente novas barreiras, o que pode ser percebido na quase totalidade dos municípios brasileiros. Em muitos casos, as barreiras são o resultado, não apenas de projetos que ignoraram a questão, mas no erro de execução; há, ainda, as situações em que a tentativa de acertar não condiz com o conhecimento técnico necessário; e, por fim, encontra-se a falta de manutenção e fiscalização como um dos principais causadores de ambientes inacessíveis. Desde a assinatura do Decreto nº 5.296/2004, vários segmentos da sociedade brasileira vêm discutindo como se enquadrar em seus postulados. Isto porque este decreto especifica não apenas o como fazer, mas também dá prazos para sua execução. O Ministério Público Federal montou uma equipe com 8 procuradores, que juntamente com a Coordenação Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – Corde acompanha o cumprimento deste decreto. Contudo, nenhuma ação será efetiva sem a participação das pessoas com deficiência, especialmente dos organismos legitimamente formados, no controle social e monitoramento da correta implementação da acessibilidade. Acessibilidade nos meios de informação e comunicação. Muitas pessoas não sabem o que é, nem que importância tem, a acessibilidade associada aos meios de informação e comunicação, incluindo várias pessoas com deficiência que não se utilizam de tecnologia específica para tornar o acesso a elas, pleno e possível. Hoje em dia, existe tecnologia para se comunicar por telefone com uma pessoa surda, apesar desse meio de comunicação ser prioritariamente auditivo; a pessoa cega ou com limitação física severa pode se comunicar via internet, escrever, ler e navegar por suas páginas. Já é possível assistir televisão, filmes e noticiários, sem que alguém tenha que ajudar a descrever as cenas mudas para um assistente cego ou narrar, por meio de sinais, os diálogos televisivos para uma pessoa surda. Pessoas com deficiência visual ou auditiva podem participar de conferências que tenham 50 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência Como foi dito, os Direitos Humanos encontram-se em processo de construção permanente, já que vivemos em um mundo econômica e politicamente globalizado, que exige seu aprimoramento e efetivação. Como nos lembra Flávia Piovesan (2002): Não obstante a historicidade dos direitos humanos, traduzirem a todo tempo uma utopia, uma plataforma emancipatória em reação e repúdio às formas de opressão, exclusão, desigualdade e injustiças, os direitos humanos combinam sempre o exercício da capacidade de indignação com o direito à esperança, a partir de uma gramática da inclusão. Esta é afirmação da Vida, que exige o risco, a transitoriedade, o sonho e a determinação de mudança. O Direito à Vida é um princípio ou fundamento ético político de todas nossas ações. Deste princípio, como gênese social e origem de um desejo das populações mundiais sob a ótica da exclusão e das desigualdades sociais, como a questão da pobreza e da miséria, é que todas as convenções e tratados têm procurado afirmar a necessidade de um novo olhar para as pessoas em situação de marginalização ou de minoria, o que ocorre com 400 milhões dos 600 milhões de pessoas com deficiência no mundo. Por que então é fundamental associarmos o direito de dignidade ao direito de vida? Como resposta bastaria dizer, de forma simples, que sem esta dignificação do ser humano todas as afirmações anteriores ficam sem sentido. Sem a presença, para além do físico e do biológico, de seres humanos não há porque declarar a defesa de seus direitos humanos. O Direito à Vida exige a segurança social, a habitação, condições de alimentação e sobrevivência com dignidade, condições, em um mundo de exploração hipercapitalista, necessariamente ligadas aos direitos econômicos, o que nos alerta permanentemente para uma defesa intransigente e aguerrida de que a Vida tem de ser protegida e, é dever de todos os Estados a sua promoção e qualificação. Nesse sentido é que nas convenções e tratados deveríamos trocar o tempo dos verbos quando se fala de ‘adotarão medidas’, para uma assertiva de que os Estados ‘devem tomar medidas de proteção de seus cidadãos e cidadãs’. Há que ter dignidade para que possamos afirmar a vida. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência confirma o papel dos Estados Partes, dizendo que: reconhecem o direito à igualdade de condições de todas as pessoas com deficiência para viverem em comunidade, com opções iguais aos demais, e adotarão medidas efetivas e pertinentes para facilitar o pleno gozo deste direito pelas pessoas com deficiência e sua inclusão plena na comunidade. Deste ponto de vista é que a pessoa com deficiência(s), e demais pessoas em situação 51 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência de ‘vidas diferenciadas e segregadas’ (por situação de gênero, etnia, religião, idioma, cultura, etc.), precisam de equiparação de oportunidades para escolher o lugar onde vivem ou querem viver, a casa que podem ter, com o mínimo de acessibilidade e conforto, em igualdade de condições com os demais cidadãos e cidadãs (BUENO, JIMENEZ, 2007). Há que respeitar as diferentes formas de ser e estar no mundo. Há que considerar as necessidades diferenciadas e a diversidade humana, no caminho de um desenho universal das edificações, ruas, estradas ou veredas por onde todos os seres humanos têm o direito de ir e vir, o direito de passear, o direito de compartilhar, o direito de se manifestarem, o direito de namorar, o direito de respirar novos ares, o direito e o dever de preservar os seus meios ambientes, enfim os seus direitos de VIVER com o máximo de dignidade que possam usufruir. Talvez, somente assim podemos dizer que a vida tem mais possibilidades do que limitações ou restrições, e, conseqüentemente, muito mais possibilidades, que devem, urgentemente, serem equiparadas para todas as pessoas com deficiência. O Direito à Vida, quando afirmado como um direito inalienável de cada sujeito ou indivíduo, leva também à questão da aceitação e ao reconhecimento do direito à busca da igualdade quando a diferença nos torna inferiores, assim como o direito de afirmar nossas diferenças quando a igualdade, em especial a homogeinizadora e determinada politicamente, nos infringir uma perda de originalidade e singularidade. È afirmação do novo paradigma que não vê como atributo ou defeito do sujeito/indivíduo a sua deficiência, e sim como uma condição que tem no campo social sua origem e, portanto, onde deveríamos afirmar a igualdade de oportunidades, para que cada um pudesse fazer de suas vidas o melhor espetáculo possível. Somos espectadores ou espect-Atores da Vida? Como nos orientou o poeta Fernando Pessoa (1896): “Tenho uma espécie de dever de sonhar, pois, não sendo mais, nem querendo ser mais, que um espectador de mim mesmo, tenho que ter o melhor espetáculo que posso...”. Temos, juntos, o dever de continuar confirmando o direito ao sonho de uma vida melhor e com dignidade, para mim, para você, para seu vizinho, para seu companheiro ou companheira de viagem pela estrada aberta e surpreendente chamada VIDA. Referências bibliográficas: FREIRE, P. Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: Editora da UNESP, 2001. PIOVESAN, F. Democracia, Direitos Humanos e Globalização Econômica: desafios e perspectivas para construção da cidadania no Brasil, artigo acessado em: http://www.idec.org.br/ publica/500anos/flavia.htm, em 05/07/2002. 52 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência BUENO, L. C. P. JIMENEZ, E. T.. La Discapacidad como una cuestión de derechos humanos: una aproximación a la Convención Internacional sobre los Derechos de las Personas con Discapacidad, Madrid, España: Grupo Editorial Cinca, S.A., 2007. PESSOA, F. Livro do Desassossego, por Bernardo Soares. São Paulo: Brasiliense, 1896. ARTIGO 11 – SITUAÇÕES DE RISCO E EMERGÊNCIAS HUMANITÁRIAS Elza Valdette Ambrósio e Crismere Gadelha Enquanto representantes do Terceiro Setor, temos acompanhado as medidas de proteção e segurança voltadas às pessoas com deficiência nas mais diversas situações de risco. Os exemplos nacionais e internacionais se distinguem por serem diferentes suas características ambientais, em se tratando de desastres naturais; seus interesses políticos, econômicos e ou religiosos, em se tratando de conflitos armados; e as causas das emergências humanitárias, em se tratando de epidemias ou outras calamidades. Os brasileiros estão diariamente preocupados, por exemplo, com as enchentes e os desabamentos de encostas de morros, deixando muitas vidas desabrigadas e em situação de risco. Porém, podemos também nos lembrar de grandes tragédias que assolaram o país, como os incêndios dos edifícios Andrauss e Joelma, nos anos de 1972 e 1974, respectivamente, na cidade de São Paulo; ou o acidente radioativo causado pela abertura da cápsula contendo Césio- 137, ocorrido em Goiânia, em 1987. Exemplos internacionais são inúmeros, mesmo que nem citemos as situações de conflitos armados, trágicos e desumanos, recordemos especialmente o acidente na usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, e o desastre natural Tsunami, que assolou diversos países asiáticos, em 2004. Quais seriam as medidas para assegurar a proteção e a segurança das pessoas com deficiência nos trágicos acidentes acima enumerados? Esta é a proposição do Artigo 11 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. É importante destacar que este artigo não se refere às situações de risco que sejam causadores de deficiência, como poderia ser interpretado numa primeira leitura, como aqueles resultantes do estabelecimento inadequado de normas, padrões e procedimentos de segurança no trabalho, na acessibilidade às diferentes instalações públicas e privadas de uso público 55 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência em tóxicos; IV- os excepcionais sem completo desenvolvimento mental. A designação do curador se dá através de um procedimento judicial especial denominado “interdição”, pelo qual se reconhece a incapacidade civil total ou parcial da pessoa adulta interditanda, nomeando-lhe um curador que passa a representar ou assistir a pessoa interditada em todos ou em determinados atos da vida civil. O modelo vigente, de substituição da vontade da pessoa interditada pela vontade do curador, não se coaduna com o modelo de tomada de decisão assistida adotado pela Convenção. Ao dispor que as pessoas com deficiência têm capacidade jurídica nas mesmas bases que as demais pessoas, a Convenção avança e impede a supressão da capacidade civil da pessoa com base na sua deficiência. Em termos pragmáticos, isso implica em derrogação do código civil brasileiro, já que o nosso modelo sempre se baseou na presunção de que a pessoa com deficiência ou com transtorno mental é incapacitada para fazer valer sua vontade. O desafio que se coloca quanto à observância da Convenção Internacional perpassa basicamente pela ruptura dessa visão estigmatizante e pela adoção de medidas de efetiva inclusão social da pessoa com deficiência, semeando na sociedade a capacidade de conviver com a diversidade sem se sentir ameaçada por ela. Na Suécia já se adota um modelo altamente capacitante, tendo a pessoa do curador a incumbência de auxiliar a pessoa com deficiência a fazer escolhas e tomar decisões de forma independente. Essa figura, chamada de ombudsperson, não é indicada num processo judicial de interdição, fazendo parte dos quadros da Administração Pública, com a incumbência de se aproximar da pessoa com deficiência, conquistar sua confiança, o que pode levar dias, meses ou anos, e por fim auxiliá-la a manifestar a sua vontade sobre aspectos da sua vida, ou tão somente prestar apoio em momentos difíceis. Essa nova ótica, em linha de princípio, exige uma completa reformulação do modelo brasileiro, que perpassa desde a ruptura com o modelo exclusivamente biomédico, até a incorporação de estratégias de reabilitação baseada na comunidade que possam disseminar que essas pessoas sejam incluídas nas benesses sociais, tornando-se efetivamente sujeitos de direitos em igualdade de condições com os demais, com acesso aos serviços, tecnologias e bens sociais. As atitudes negativas em relação às pessoas com deficiência, em especial as que apresentam transtornos mentais ou deficiência intelectual, é reforçada pelas terminologias empregadas nas leis vigentes e na linguagem médica baseada exclusivamente no CID – Código Internacional de Doenças, cujo referencial teórico orienta os psiquiatras e as equipes multidisciplinares que emitem os laudos médicos nos processos de interdição judicial. Ao afirmar que a deficiência é um conceito em evolução condicionado por sua interação com os fatores ambientais, a Convenção desafia a sociedade e os profissionais de saúde a 56 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência ampliarem as bases de sua formulação teórica ao redor das questões afetas à funcionalidade, incapacidade e saúde. Esse aspecto deve interessar especificamente aos técnicos do Direito e aos legisladores, que devem começar a discutir quais medidas de salvaguardas devem ser disciplinadas e como será prestado o apoio requerido para que as pessoas com deficiência possam exercer a sua capacidade jurídica nas mesmas bases que as demais pessoas. Vê-se que a Convenção disciplina a questão da preservação da capacidade jurídica da pessoa com deficiência de forma ampla, mas genérica, havendo necessidade de se desenvolver mecanismos internos de regulação e controle. Nada é mais adequado com o espírito que norteou a Convenção do que a completa revogação do modelo incapacitante de interdição judicial que adotamos. A pessoa com deficiência tem que ser apoiada para exercer sua capacidade civil, e não interditada. O “curador” deve apoiar e auxiliar a pessoa com deficiência, e não substituir a sua vontade. Essa medida de apoio deve ser fixada por tempo curto, e sujeita a revisão em prazo a ser fixado em lei, independentemente de pedido da parte interessada. A fim de se coibir excessos da pessoa encarregada de dar esse suporte, há de se criminalizar determinados excessos mais ocorrentes, a exemplo do desvio de patrimônio, rendimentos e benefícios. Mas, basicamente, há de se conferir protagonismo à pessoa com deficiência no processo judicial pertinente, preocupando-se os operadores do Direito com a defesa e promoção de seus direitos fundamentais, adotando todas as medidas necessárias para salvaguardar esses direitos. Nem mesmo o nosso modelo de curatela parcial preserva a capacidade legal em toda a sua extensão, em que pese a manutenção do direito de cidadania da pessoa interditada, tomada apenas no seu aspecto de votar e ser votado. Com efeito, mesmo a figura do curador parcial do nosso ordenamento acaba por substituir a vontade da pessoa interditada, não se limitando a auxiliá-la. Prova disso é que em atos da vida civil, a exemplo de outorga de procurações, aquisição de bens, contratos bancários, administração de benefícios previdenciários e outros, a pessoa interditada não figura sozinha na relação jurídica estabelecida com as partes, sendo representada pelo curador. Esse modelo é altamente incapacitante e anti-ressocializador, não se coadunando com as modernas teorias a respeito da reabilitação psicossocial ou com o ideário de inclusão das pessoas com deficiência. Para entender os rumos que essa interpretação conduz é preciso antes de tudo se desvestir de preconceitos, e enxergar as pessoas com deficiência como pessoas iguais às outras, respeitando a peculiaridade do direito à igualdade em relação às pessoas socialmente mais vulnerabilizadas, que não prescinde do tratamento prioritário como forma de minimizar as diferenças e desigualdades do meio. Importa salientar que o modelo proposto se aplica até mesmo aos casos mais graves, em que a pessoa necessita de alto grau de apoio, a exemplo de pessoas em coma. Segundo o CAUCUS , “Há sempre a obrigação de fazer um esforço para descobrir os desejos e preferências 1 International Disability Caucus- IDC, uma coalização de cerca de 70 entidades da sociedade civil internacional de defesa e promoção dos direitos de pessoas com deficiência que participou do processo de discussão e elaboração desta Convenção. 57 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência da pessoa e segui-las. Decisões que são inevitáveis em determinadas situações terão que ser tomadas de acordo com padrões éticos legais, estritamente salvaguardadas, e devem seguir a obrigação de respeitar os desejos e preferências da pessoa, inclusive seguindo as instruções de diretrizes prévias”. É preciso ter em mente que a questão do tratamento dispensado à capacidade jurídica da pessoa com deficiência é uma das questões mais complexas da Convenção, dadas as diferenças culturais, políticas e econômicas entre os países-membros, o que não impediu o reconhecimento da grande injustiça e violação de direitos humanos até então em voga em grande parte dos países que admitem a limitação ou supressão da capacidade de exercício em razão da deficiência, modelo este que alimentou até então a absoluta segregação social das pessoas com deficiência. É preciso reforçar o que está expresso nesta Convenção e nas reivindicações da sociedade civil: a incapacidade depende do meio em que vive a pessoa, seja por influência de seus condicionantes sociais, econômicos ou ambientais ou mesmo pelos seus condicionantes culturais, dos quais se destaca o estigma e o preconceito incapacitante. Negar à pessoa com deficiência o exercício de sua capacidade jurídica em igualdade de condições com outras é manifesta e vil discriminação, a ser combatida arduamente pelos ordenamentos jurídicos modernos. ARTIGO 13 – ACESSO À JUSTIÇA Ana Paula Crosara de Resende Neste artigo precisamos resgatar alguns princípios discutidos anteriormente: o da igualdade, o da acessibilidade e o da inclusão; tudo para que a deficiência seja apenas mais uma característica das pessoas envolvidas e não seja motivo de exclusão de ninguém (RESENDE, 2004). A existência de igualdade perante a lei – enquanto regra de equilíbrio para que as pessoas com deficiência sejam compreendidas como parte da população – a “ferramenta” acessibilidade aos serviços e produtos disponibilizados ao povo de um modo geral e a inclusão geral e irrestrita de todos, garantem a eqüidade e a equiparação de oportunidades no exercício da cidadania. Preservando-se a independência e autonomia para as escolhas, com certeza, a participação em todos os processos e procedimentos judiciais, inclusive os preparatórios, tanto como 1 60 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência presença de um intérprete para outras línguas, como LIBRAS – Linguagem Brasileira de Sinais e/ ou intérpretes que repitam o que foi dito para que as pessoas surdas oralizadas façam a leitura labial ou para atender ao público com surdocegueira. Afinal, a comunicação é fundamental para que o acesso à justiça seja efetivo. Precisa ser respeitada ainda a acessibilidade nos processos eletrônicos e nos meios oficiais de publicações. Além disso, será necessária a plena capacitação e formação das pessoas que trabalham ou trabalharão nos procedimentos da Justiça, em todas as instâncias, nas funções de polícia e no sistema prisional para que respeitem a diversidade de características. Outro ponto que merece destaque é que pessoas com deficiência, por determinação constitucional e legal, têm vagas reservadas em todos os concursos públicos e será preciso acabar com o preconceito de que não podem ocupar cargos decisivos na Justiça, como o de magistrados, em razão da deficiência que possuem. Não é mais possível aceitar esse tipo de distinção com base na deficiência. Felizmente, foi reconsiderada, em sessão do Tribunal Pleno , em 20/09/2006, no Tribunal de Justiça do Estado do Pará a decisão de aposentar por invalidez um magistrado, de 33 anos, do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, que adquiriu uma deficiência física e após o processo de reabilitação requereu o retorno às atividades judicantes, por estar constatada a plena capacidade laboral, com a existência de ajudas técnicas. Aqui será imprescindível o trabalho de conscientização para que as pessoas, de um modo geral, possam ver não apenas a deficiência e sim o ser humano que necessariamente tem limitações e capacidades, facilitando a coexistência e a boa convivência entre todos, com o menor impacto possível, com a eliminação de barreiras arquitetônicas e atitudinais dentre outras. ARTIGO 14 – LIBERDADE E SEGURANÇA DA PESSOA Ana Paula Crosara de Resende e Geraldo Nogueira No presente artigo está clara a manifestação do legislador internacional no sentido de que a deficiência seja apenas mais uma das características dos seres humanos. Afinal, a pessoa com deficiência é parte integrante da população e não pode ser tratada como o centro das atenções. Por esse motivo a deficiência não pode ser justificativa para qualquer arbítrio ou Consulta pública no website http://www.tj.pa.gov.br no item Programação, no link Sessões Anteriores. Procure na Programação do Canal 2 - Pleno a data 20/09/2006 Sessão do Tribunal Pleno 5 5 61 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência restrição de liberdade, quer dizer, ninguém deve ser “preso” pelo Estado, por instituições de e para pessoas com deficiência ou mesmo pela família, só por ter uma deficiência, bem como quer dizer ainda, que a tutela deve ser a estritamente necessária para que a pessoa faça suas escolhas e responsabilize-se por elas. Também está garantido que, em casos lícitos e legais, as pessoas com deficiência serão processadas e punidas pela legislação em vigor. Uma das preocupações que temos que desenvolver é como os agentes carcerários e, de forma geral, as pessoas que trabalham nas cadeias, prisões, colônias penais, dentre outros, lidarão com presos(as) com deficiência e com as tecnologias assistivas por eles/elas utilizadas. Se existe dificuldade em lidar com pessoas com deficiência enquanto gente fora das prisões, isso não pode ser desconsiderado como um fator relevante na garantia da segurança do segmento enquanto parte da população que vive no sistema prisional. O que a Convenção quer assegurar para garantir a igualdade de oportunidades, é que existam adaptações razoáveis e acessibilidade nas celas, inclusive quanto aos meios de comunicação, para que a deficiência não seja impedimento para o cumprimento de penas e nem que as pessoas sejam submetidas a situações desumanas ou degradantes no sistema prisional/carcerário. Sendo esses sistemas regidos pelos direitos humanos, a pessoa com deficiência deverá ser considerada, com suas diferenças, mais uma entre os presentes e, suas necessidades específicas, em razão da deficiência, não podem ser desrespeitadas. Mas, se isso ainda é uma utopia, foi assegurada a liberdade para alterarmos essa situação fática. Liberdade de ir e vir, de poder escolher, de ter acessibilidade, de ser protagonista de sua história, de sair da invisibilidade social, de mudar a realidade por meio do respeito às diferenças e da própria diversidade humana. É uma proposta complexa, uma verdadeira alteração nos padrões existentes. Para implementar no nosso dia a dia, essa plena liberdade, precisamos sair da noção de liberdade passiva, de abstenção estatal, em não machucar, em não reprimir manifestações populares, para uma liberdade ativa com respeito às obrigações recíprocas, com a necessária atuação da Administração Pública na adoção de medidas que permitam o exercício de direitos/ deveres com eqüidade e em que haja condições para que o povo exerça de fato o poder de articulação e de construção de um mundo inclusivo e sustentável para todos. Logicamente, para exigir e exercitar direitos é preciso conhecê-los e só com liberdade isso é possível. No caso das pessoas com deficiência é imprescindível destacar que a invisibilidade dessa parte da população ainda é causa de muita violação de direitos e, inclusive, de restrição de liberdade, trazendo para o indivíduo sentimentos de inferioridade que dificultam sua plena participação social e reforçam o estigma de incapacidade, de inaptidão e de espectador passivo de discriminação. A discriminação perpetua o ciclo vicioso de pobreza e desigualdade social. Só com liberdade pode-se ter mecanismos efetivos de controle social, facilitando a mobilização de 62 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência diferentes setores, o que pode acarretar o desenvolvimento de políticas públicas para todos, e propiciar o fim da discriminação enquanto produto de violência estrutural. Estamos falando de uma nova forma de encarar a realidade na qual o processo de transformação da sociedade sofra rupturas na cultura do preconceito, permitindo florescer a cultura da diversidade. Só a liberdade pode garantir uma verdadeira inclusão. Outro ponto importante trazido ao texto da Convenção pelo legislador internacional é a questão da segurança da pessoa. O termo segurança, inserido no texto da norma, pressupõe condições não só ambientais, mas principalmente a segurança econômica e social. A idéia do legislador internacional parte do entendimento de que os fenômenos sociais não são criados pela natureza, mas resultado do convívio em sociedade. Sendo assim, as desigualdades sociais não podem ser percebidas como resultado de arranjos naturais ou fruto da incapacidade de uns de serem competentes e fortes o suficiente para sobreviverem entre os melhores. Neste contexto, percebe-se que a teoria de seleção natural das espécies de “Charles Darwin ” não tem valor no mundo social e que, o que cabe ao homem biológico está longe de ser determinante em suas qualidades sociais. A garantia da segurança dentro da Convenção se apóia sobre o ponto fundamental de que as desigualdades sócio-econômicas sejam reflexos de duas situações. A primeira é a da herança social e a segunda, das oportunidades sociais. É preciso que todos tenham igual segurança, levando-se em conta as suas desigualdades física, sensoriais, intelectuais, sociais e econômicas. Neste ponto a Convenção não ataca diretamente as discriminações, mas suas conseqüências estruturais e esta é uma questão da maior importância, pois só após o estabelecimento de igualdade na relação do Estado, usando de suas atribuições de regulador social, e dos próprios indivíduos entre si, com os diferentes e suas diferenças, será possível começar a sonhar em construir uma sociedade mais justa, com liberdade e segurança para todos. ARTIGO 15 – PREVENÇÃO CONTRA A TORTURA OU OS TRATAMENTOS OU PENAS CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES Fábio Adiron Transformar o outro em coisa inferior, para se colocar numa essência superior, é negar simultaneamente a sua liberdade e a própria. Enquanto o olhar de alguém objetiva o outro em coisa essencialmente inferior, o Charles Robert Darwin (Shrewsbury – 1809/1882) foi um naturalista britânico autor da teoria da seleção natural e sexual das espécies. 1 1 65 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência política, os direitos das crianças e adolescentes, mulheres, negros e indígenas. Mas ainda é incapaz de garantir estes direitos e liberdades”, afirma a pesquisa. Secretarias, conselhos e comissões são criados, mas não têm estrutura para funcionar. Programas são desenvolvidos sem diagnóstico adequado dos problemas, sem monitoramento e sem avaliação de progressos e resultados. Falta apoio político-institucional nas diferentes esferas de governo, no Legislativo e no Judiciário, o que impede a disseminação de boas práticas. Os recursos empregados também são insuficientes e, quando há cortes, estes programas são os primeiros a serem suspensos. O resultado, na avaliação dos pesquisadores do NEV, é menos transparência, responsabilização legal, participação social e respeito aos direitos humanos. “Nos últimos anos, houve uma fragilização dos programas de direitos humanos, não por um governo ou outro, mas compartilhada pelas diferentes esferas do Estado, pelo setor privado e pela sociedade civil”, explica Paulo de Mesquita Neto, coordenador do relatório. “Falta uma visão do valor dos direitos humanos para a promoção da cidadania. Ainda hoje, a garantia dos direitos humanos não é vista como um fator de proteção e promoção da democracia e do desenvolvimento social”, acredita. Nesse cenário, os abusos cometidos contra as pessoas com deficiência se tornam ainda mais freqüentes. Se a população visível é vítima, cada vez mais freqüente, dos abusos, quanto mais aqueles que ninguém vê. Relatos de abusos, constrangimentos, tortura psicológica são muito freqüentes nos grupos de discussão de pessoas com deficiência. Acontece em instituições que deveriam zelar pelo bem estar dessas pessoas, em escolas, em hospitais. Isso se, deixarmos de lado a humilhação que muitos passam em ambientes sem acessibilidade. O artigo 15 da Convenção é muito bonito mas, se os meios de aplicação do mesmo não forem criados, vamos somente continuar a ouvir histórias de horror e impunidade. ARTIGO 16 – PREVENÇÃO CONTRA A EXPLORAÇÃO, A VIOLÊNCIA E O ABUSO Vanessa Pugliese O poeta Carlos Drummond de Andrade (1979), em um belíssimo texto, indaga porque nos espantamos tanto com a existência de guerras, tragédias e violência, se o próprio ser humano, cotidianamente, cerca-se de palavras, idéias e referências sobre o ato de matar. De tal modo que, para o poeta, assombroso é ainda existirem no mundo amor, música, solidariedade. 2 66 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência Sob um primeiro olhar, talvez também nos cause um certo espanto - especialmente no momento atual em que tanto se fala em inclusão, respeito às diferenças, diversidade e cidadania - constatar que pessoas com algum tipo de deficiência sejam vítimas de inúmeros tipos de violência. No entanto, apesar da luta da sociedade civil pela garantia e efetivação de direitos ter se fortalecido ao longo dos anos e almejado importantes conquistas, o que percebemos, hoje, é que muitas pessoas com deficiência no mundo ainda recebem tratamento quase similar ao dispensado na Idade Antiga e Média: extermínio, abandono, segregação, sentimentos de repulsa, escárnio e piedade. Diante de tal quadro, como “espantar-se” com agressões contra pessoas com deficiência? Uma realidade que revela poucas políticas e atitudes de combate à discriminação não poderia, de fato, resultar em uma sociedade inclusiva, mas em atos de exploração, violência e abuso. Atos de violência podem ocorrer de diversas maneiras. Entendemos que toda forma de exploração, abusos, maus-tratos, exclusão e discriminação são formas de violência, mas é muito importante considerar não apenas as agressões físicas, como também a violência moral e psicológica. É um ato violento tanto aquele que gera um dano físico como o que impede o direito de ir e vir de uma pessoa com deficiência, “mesmo que não haja sangue” (WERNECK). É preciso considerar a violência em todas as suas manifestações, para que as estratégias de prevenção sejam mais eficazes. É fundamental que esses atos sejam entendidos como violadores dos direitos humanos das pessoas com deficiência. Durante séculos essas pessoas não foram consideradas como parte da sociedade nem como sujeitos independentes, com direitos comuns a todas as pessoas, como o direito humano à vida, à liberdade, à educação, ao trabalho, à participação na comunidade. Atentar contra os diretos humanos de pessoas com deficiência é continuar negando-lhes a própria humanidade. Porque, afinal, tanta brutalidade? Existem condições que podem aumentar ou mesmo gerar o risco da exploração e da violência contra pessoas com deficiência. São fatores sociais, econômicos, culturais, ambientais, que caracterizam o contexto e modo de vida dessas pessoas, que historicamente foram excluídas do acesso a direitos. Segundo a ONU, 82% das pessoas com deficiência no mundo ainda vivem abaixo da linha de pobreza, e cerca de 400 milhões vivem em condições precárias em países em desenvolvimento. No Brasil não é diferente. Além da relação entre deficiência e pobreza, fica também evidente sua relação com questões étnico/raciais, de gênero, região. A deficiência atinge em maior proporção as mulheres, a população negra e indígena e as populações do Norte e Nordeste (IBGE, 2000). Muitos casos de exploração estão diretamente relacionados a relações desequilibradas de poder. Quem pratica a violência em geral sente-se superior às vitimas, considerando-as mais “frágeis”. Em verdade, pessoas com deficiência estariam mais vulneráveis não pelo fato de terem uma deficiência, mas porque condições de exclusão, pobreza, invisibilidade e ambiente 67 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência inacessível podem acarretar ou fortalecer essa vulnerabilidade, que se torna ainda maior se a pessoa com deficiência for mulher, criança, adolescente ou idosa. A invisibilidade também reflete as estatísticas: são raros no Brasil dados oficiais sobre violência contra pessoas com deficiência, o que nos impede de conhecer sua real dimensão. A situação se repete para dados mais específicos, como abuso sexual e negligência contra crianças e adolescentes com deficiência ou dados sobre violência intrafamiliar. Se a violação não é reconhecida nem denunciada, a invisibilidade se perpetua nas pesquisas. Os registros que existem em geral são os decorrentes das delegacias especializadas da Mulher, Criança e do Idoso, de estudos e pesquisas genéricas sobre violência no país ou registros de instituições de atendimento. O espaço familiar ainda é o ambiente onde mais ocorrem casos registrados de violência, e onde o agressor é quase sempre um parente próximo. Crianças e adolescentes com deficiência têm mais risco de sofrerem abuso e violência sexual, especialmente nos casos de deficiência intelectual e auditiva. Do mesmo modo, mulheres com deficiência são vítimas de violência doméstica e discriminadas por serem mulheres e por possuírem deficiência. Outro ato comum de exploração é o desvio de benefícios sociais da pessoa com deficiência, em geral apropriados por membros da própria família. Outros registros apontam para a violência que ocorre dentro das próprias instituições que atendem pessoas com deficiência, quando podem ser sujeitas a tratamento e abusos degradantes. Os maus-tratos podem, inclusive, levar as vítimas, especialmente crianças e adolescentes, para uma situação de rua, onde estarão expostas a todo tipo de exploração, podendo ser forçadas à mendicância ou a executarem trabalhos forçados. É indispensável perceber que não há uma lista com maneiras que uma pessoa com deficiência pode sofrer violência ou abuso. Atos que as impeçam de exercerem direitos básicos e fundamentais são discriminatórios e podem também ser considerados agressivos, violentos, abusivos. Direitos pelo avesso? A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em seu artigo 16, estabelece que todos os países devem adotar medidas para proteger as pessoas com deficiência contra todas as formas de violência, abuso e exploração. No Brasil, há uma grande quantidade de normas legais protegendo direitos de pessoas com deficiência, embora muitos casos não sejam eficazes nessa garantia. Os temas sobre violência, exploração e abuso, no entanto, não são tratados de forma direta e com caráter protetivo específico. A lei 7853/89, por exemplo, define alguns crimes contra pessoas com deficiência, porém de forma restrita. A discriminação é tratada de forma generalizada na Constituição Federal, e apenas definida na Convenção da Guatemala, ratificada pelo Brasil. Algumas proteções específicas para crianças e adolescentes com deficiência são tratadas no ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece tratamento diferenciado de saúde 70 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência ter em conta que em muitos destes países ainda é comum a prática de abusos físicos e mentais contra pessoas com deficiência, até por acreditarem que pessoas na condição de “deficientes” são impuras e vítimas de sua própria sorte. Uma outra observação que podemos atentar é a diferença entre os termos integridade física e integridade mental. Quanto ao primeiro termo, nos parece lógico que a intenção do legislador internacional é a de garantir que as pessoas com deficiência, independentemente de sua condição física, tenha os mesmos direitos das demais pessoas quanto a preservação e utilização física de seus membros e órgãos, inclusive com possibilidades diferenciadas que facilite às pessoas com redução de capacidade física poderem usufruir de condições de igualdade. Quanto ao segundo termo, integridade mental, parece-nos que o legislador quer proteger o indivíduo com deficiência dos danos morais, personalíssimos ou intelectuais que possam atingir-lhe na condição de pessoa com deficiência. Por último, podemos observar que o próprio título do artigo 17, “Proteção da Integridade Pessoal”, destaca a pessoa com deficiência dando consciência de seu valor como indivíduo que é, capaz de intervenções únicas, próprias e diferenciadas e que possui sentimentos, interesses e necessidades variadas, não podendo ser identificada como sendo de um grupo específico em função de características físicas, sensoriais, mentais ou intelectuais em comum, conseqüentemente, requer a preservação de sua integridade pessoal. ARTIGO 18 – LIBERDADE DE MOVIMENTAÇÃO E NACIONALIDADE Vitor Ribeiro Filho e Ana Paula Crosara de Resende Cada nação tem suas regras de nacionalidade que são definidas internamente pela soberania de cada Estado. No entanto, a Convenção prevê que a deficiência não pode ser motivo para exclusão de nacionalidade ou impedimento para sua mudança, tanto de entrada ou saída de qualquer país, inclusive de seu próprio. Quer dizer, não é porque nasceu com ou adquiriu uma deficiência, que a pessoa vai perder sua nacionalidade e passar a ser apátrida. Não deve se confundir pobreza com deficiência, mesmo sabendo da estreita relação entre elas e das conseqüências da pobreza na vida das pessoas com deficiência. Os pobres também demandam um lugar para viver e os pobres com deficiência não podem ser privados de seus direitos inclusive os de liberdade de movimentos ou de mudanças, como se tivessem que justificar sua existência miserável, vez que são sujeitos de direitos humanos (PETTIT e MEYER-BISCH, 2003). A arbitrariedade não condiz com os direitos humanos e no, direito de ir e 71 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência vir da pessoa com deficiência, não poderia ser diferente. É importante ressaltar que compete ao Estado, para garantir a efetividade da liberdade de escolha de movimentação ou de moradia, impulsionar a equiparação de oportunidades, por meio de políticas públicas que preparem equipamentos utilizáveis por todos, além de disponibilizar os meios necessários para que os direitos sejam efetivos, respeitando-se as especificidades das pessoas com deficiência. No que diz respeito, ao local de moradia, a liberdade deve prevalecer e a escolha cabe à própria pessoa com deficiência. Ela deve fazer uma avaliação se quer ou não mudar-se, se quer ou não imigrar, dentro de um contexto de respeito às leis nacionais e a esta Convenção, na condição de protagonista de sua existência. E também deve ter a opção de morar em um ambiente sem obstáculos arquitetônicos e que facilite sua circulação, para que a deficiência seja considerada como uma característica da diversidade humana. Para assegurar a liberdade de escolha da moradia para as pessoas com deficiência é preciso assegurar também as condições de acessibilidade aos imóveis, ao sistema de transporte coletivo, aos equipamentos e mobiliários urbanos. Ou seja, o direito pleno ao usufruto da cidade (RESENDE, 2004) e a todos os demais direitos humanos. Os motivos que levam as pessoas a mudarem de residência ou de país são diversos, complexos e dizem respeito às necessidades da família, características do ambiente, ao ciclo da vida, condições econômicas e em alguns casos até mesmo em razão da segregação (RIBEIRO FILHO, 1999). Ao pensar em uma “cidade para todos” e em liberdade de escolha de movimentos devem ser garantidas políticas públicas que atendam aos cidadãos com deficiência para que a Convenção seja efetivada na vida cotidiana da população, inclusive com acessibilidade e qualidade de vida (SOARES, RIBEIRO FILHO e RESENDE, 2006). Um dos instrumentos para atingir este objetivo pode ser o planejamento urbano e também o planejamento da vida das pessoas com deficiência, incluindo o planejamento familiar, o nascimento e a educação das crianças. Neste sentido a liberdade de movimento poderá ser feita de forma mais justa e humana. Ressalta-se aqui a necessidade de equiparação de oportunidades para todos. Também prevê a Convenção a igualdade entre as pessoas de cada país para obter, possuir ou utilizar documentos relativos à sua nacionalidade ou qualquer outro documento de identificação. Um dos destaques deste artigo é o pertinente ao procedimento de imigração que não pode discriminar pela simples existência da deficiência ou outra conseqüência dela, o exercício da liberdade de deslocamento ou de mudança para outro país ou nação. Outra previsão interessante é o direito ao imediato registro de crianças com deficiência, assegurando-lhes um nome e uma nacionalidade, em igualdade de condição com as demais, vez que são seres humanos. Outrossim, elas terão o direito de saber quem são seus pais e serem educadas por eles, independentemente da condição de deficiência de uma das partes, ressalvando-se que o simples fato de conviver com uma deficiência não pode ser impedimento 72 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência para que os pais não eduquem seus filhos. E a existência dessas condições para a educação de crianças por pais com deficiência, muitas vezes, deve ser efetivada com a adoção de medidas para garantir que terceiros não interfiram nas escolhas dos pais, mesmo que tenham que suprir movimentos que eles não conseguem fazer, em razão da deficiência. Outra vez aparece a determinação que a deficiência não seja empecilho para o exercício de direitos. Referências bibliográficas: RESENDE. Todos na cidade: o direito a acessibilidade das pessoas com deficiência física em Uberlândia. Uberlândia: EDUFU, 2004. RIBEIRO FILHO. Mobilidade residencial em Manaus: uma análise introdutória. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1999. PETTIT, MEYER-BISCH. Direitos Humanos e Pobreza Extrema. IN: JANUSZ, Symonides (Org.). Direitos Humanos: novas dimensões e desafios. Brasília: UNESCO Brasil, Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2003, p. 207-235. SOARES, RIBEIRO FILHO, RESENDE. Acessibilidade em Uberlândia. Planejamento Urbano e Qualidade de Vida para as Pessoas com Deficiência. VI Seminário Latino Americano de Qualidade de Vida Urbana e V Seminário Internacional de Estudos Urbanos. Belo Horizonte: PPG/PUC MINAS, 2006. ARTIGO 19 – VIDA INDEPENDENTE E INCLUSÃO NA COMUNIDADE Romeu Kazumi Sassaki A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em seu artigo 19, destaca os seguintes conceitos, reconhecidos e a serem implementados pelos Estados Partes da Organização das Nações Unidas: 75 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência Uma outra medida assumida pelos Estados Partes consiste em garantir que todos os serviços e instalações da comunidade, que estejam ou vierem a estar disponíveis para a população em geral, sejam tornados adequados às pessoas com deficiência atendendo às suas necessidades. Não se trata de “adaptar” os sistemas comuns para as pessoas com deficiência. Pois quando adaptamos os sistemas comuns, continuamos mantendo-os como corretos, normais, referenciais, enquanto reforçamos – inadvertidamente - a idéia de que os sistemas adaptados são arremedos, quebra-galhos, produtos de segunda categoria. Trata-se, sim, de “adequar” os sistemas comuns às diversidades humanas e diferenças de todas as pessoas. Pois quando adequamos os sistemas comuns que ainda não estiverem acessíveis, estamos atendendo aos requisitos dos conceitos de “equiparação de oportunidades” e de “desenho universal” e tornando inclusivas todas as estruturas da sociedade no mesmo nível de importância. ARTIGO 20 – MOBILIDADE PESSOAL Mara Gabrilli Este compêndio aborda diversas questões muito importantes às pessoas com deficiência, inclusive este sobre mobilidade pessoal. Sou tetraplégica há 13 anos, desde que sofri um acidente de carro e quebrei a quarta e quinta vértebras e lesei da terceira à sexta. E ninguém melhor para falar de mobilidade do que quem não pode se mexer, apesar de parecer bastante controverso. Durante o meu dia, dependo de uma pessoa – uma ajudante que fica comigo 24 horas – para me dar água, comida, tirar o cabelo do rosto. Mesmo não tendo autonomia, tenho toda a independência para fazer o que eu quero. Como? Acredito que a primeira grande barreira a ser superada por uma pessoa com deficiência é o conhecimento dos seus limites e daquilo que pode transgredir. Por exemplo, eu não me furto de andar, correr, pedalar de bicicleta, plantar bananeira. Claro que não consigo fazer isso sozinha, não tenho autonomia para tal. Mas tenho a independência dessas escolhas. E essas minhas vontades podem ser feitas, apenas dependem de métodos. Para sermos exatos, esse “método” tem nome, se chama tecnologia assistiva. Além do método, existe outro fator nada técnico, mas igualmente importante: a vontade e desejo de superar os seus próprios limites. Para uma pessoa com deficiência, algumas limitações são impostas: como eu que não posso me mexer do pescoço para baixo, têm pessoas que não andam, pessoas que têm algum 76 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência membro amputado, pessoas que não ouvem, outras que não enxergam, e ainda outros tipos de deficiência. Quando o meio é ferramentado por tecnologias assistivas, as deficiências das pessoas desaparecem. Essas tecnologias podem ser próteses ou órteses (equipamentos que substituem parte do corpo humano podendo ser implantadas ou não), aparelhos auditivos, sistemas de comunicação alternativos (principalmente usados por pessoas com paralisia cerebral), telefones para surdos, softwares de voz para pessoas com deficiência visual e equipamentos tecnológicos em geral (eu pedalo numa bike adaptada e ando por eletroestimulação, por exemplo). Esses são alguns exemplos de tecnologia que faz com que as pessoas com deficiências se integrem com mais facilidade. Em 2007 tive a grata surpresa de uma homenagem. A Laramara (Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual) criou um Centro de Tecnologia Adaptada, ao qual deu o meu nome, voltado à criar móveis e outros utensílios com custo mais baixo para a população de baixa renda. O Centro desenvolve objetos adaptados a partir de materiais recicláveis, que são bem mais baratos, além de ensinar a sua confecção às famílias, que podem reaplicá-los de acordo com o crescimento da criança. Esse Centro de Tecnologia Adaptada é em São Paulo, mas a idéia é que seja expandido para todo o País. A Prefeitura da Cidade de São Paulo, por meio da Secretaria Especial da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, criada em 2005 e que tive a honra de comandar até o início do ano de 2007, desenvolveu diversos projetos para promover a integração social das pessoas com deficiência, disponibilizando equipamentos com tecnologias que garantam sua autonomia. Na cidade, já foram entregues 160 Telecentros – muitos já adaptados para receber pessoas com deficiência, sendo que pelo menos três foram criados com acessibilidade total. Ou seja, além de disponibilizarem o acesso físico, eles também oferecem softwares, equipamentos e acessórios adaptados. Por exemplo, os teclados intellikeys (que têm teclas grandes e de alta sensibilidade digital) e do tipo “colméia”, que permitem a utilização por pessoas com dificuldades motoras; mouse trackball, de tamanho maior e com movimentação do cursor pela parte superior; adaptadores anatômicos (que são tubos de silicone flexíveis e modeláveis para apoiar membros - mãos, pés, dedos e cabeça); softwares de voz para pessoas com deficiência visual e também uma lupa eletrônica que funciona com duas câmeras (uma fixa, colorida; outra móvel, em preto e branco) para aumentar a visualização da tela, para aqueles que têm baixa visão. Importante citar os sites de ajuda que disponibilizam dicionários em Libras, bem como um CD de Libras que é distribuído gratuitamente pelo Governo do Estado. Por meio desses equipamentos e acessórios, a chamada tecnologia da informação, as pessoas com deficiência têm acesso ao que está acontecendo no Brasil e no mundo. Essa interação é vital para o seu desenvolvimento. Não apenas das pessoas com deficiência, mas de todo o cidadão deste planeta. Além dos telecentros, mais de 70 km de calçadas foram adaptadas de forma estratégica nos pequenos centros urbanos das 31 subprefeituras da capital. A reforma do passeio público 77 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência prevê uma sinergia com o sistema de transporte da cidade, que conta com mais de 1.700 ônibus adaptados, a maioria com piso baixo – para entrada e acomodação de uma pessoa em cadeira de rodas, por exemplo. Esse número ainda é pequeno, mas representa o sêxtuplo da quantidade existente antes da criação da Secretaria. Essas ações, que são apenas algumas, ajudaram na integração tecnológica e na mobilidade urbana das pessoas com deficiência. Vocês podem se perguntar o que isso tem a ver com a independência e autonomia das pessoas com deficiência. E eu respondo: a tecnologia da informação pode ser usada como a base de dados para a formação da cidadania dessas pessoas. E quem tem conhecimento, informação, sabe fazer escolhas e requerer a sua independência, mesmo sem ter autonomia. Esta, por sua vez, é facilitada por meio das tecnologias assistivas, que ferramentam a deficiência do ambiente. E para acabar com todas as barreiras do ambiente, investimos na mobilidade urbana. De dentro para fora, as pessoas e as cidades vão se tornando mais inclusivas. Enquanto perdemos essas deficiências, ganhamos muito. Ganhamos cidadania, justiça, democracia e o que mais procuramos: a felicidade. ARTIGO 21: LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE OPINIÃO E ACESSO À INFORMAÇÃO Anahi Guedes de Mello A importância deste artigo 21 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência remonta ao artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembléia Geral das Nações Unidas, e que estabelece que “todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras.” No que concerne às pessoas com deficiência, essa declaração não garantiu a abrangência desse direito por muitas décadas, até surgir esta Convenção internacional, proclamada também pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 13 de dezembro de 2006. Muitas vezes os obstáculos que impedem o pleno exercício fundamental do direito à liberdade de expressão e de opinião das pessoas com deficiência ocorrem por falta de acesso aos meios necessários que lhes garantam receber e transmitir as informações que lhes interessam, em todas as suas formas redundantes, isto é, “(...) deve-se combinar o uso do som com o uso 80 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência particularidade, pessoalidade, privatividade. O direito à privacidade é garantido pelas Constituições de quase todos os países do mundo desde 1948, já que a Declaração Universal dos Direitos Humanos garante que “ninguém será objeto de ingerências arbitrárias em sua vida privada, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de ataques a sua honra ou reputação”. Definir o conceito de privacidade nos dias atuais é uma pauta que requer uma ampla discussão com todos os setores sociais. A vida urbana fez com que as pessoas se habituassem a ter suas vidas monitoradas por câmeras instaladas em lojas, condomínios, bancos, estacionamentos e em toda a parte... “Sorria! Você está sendo filmado”, concorde com isso ou não. Na “sociedade da informação”, somos diariamente flagrados e fotografados por radares. Recebemos malas diretas que nunca solicitamos, seja via correio ou via internet. Com a nova tecnologia GPS do celular, agora podemos localizar e ser localizados onde quer que estejamos. As empresas, por sua vez, têm acesso aos detalhes do que consumimos pela leitura dos cookies de navegação na internet. Sem contar o inconveniente de sermos importunados por insistentes telefonemas de profissionais de telemarketing. Todas estas situações representam um desrespeito à privacidade dos cidadãos, mas quando se trata das pessoas com deficiência esta pauta alcança dimensões que violam seus direitos humanos mais fundamentais. Desde 1988, a Constituição Brasileira, em seu art. 5º, inc. X dispõe que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. No caso das pessoas com deficiência, porém, não é raro assistirmos sua imagem sendo utilizada de modo sensacionalista e degradante pela mídia, expondo detalhes da sua intimidade, muitas vezes sem seu conhecimento, em matérias e reportagens subsidiadas por instituições de assistência que contam com a comoção do público para receber donativos. A realidade encontrada no cotidiano das pessoas com deficiência nos faz refletir e considerar que a privacidade é um direito que parece ter seu exercício precedido por outros. Muitas vezes, a pessoa com deficiência necessita, por exemplo, do auxílio de terceiros para realizar funções como comer, se vestir, escovar os dentes, se locomover, etc. Nestas situações, historicamente, aprendemos a acreditar que o cuidador deveria também decidir como, quando e em quais circunstâncias estas coisas seriam feitas. Desta forma, a pessoa com deficiência tinha sua privacidade desconsiderada, sua intimidade exposta, o acesso ao seu corpo banalizado e o seu direito de fazer as próprias escolhas cerceado. Vemos aqui que desrespeitar a privacidade da pessoa com deficiência gera também a violação de sua dignidade. A privacidade é um direito desconsiderado a ponto de muitos serviços parecerem ter sido elaborados com a premissa de que respeitá-la não é necessário quando seu usuário possuir alguma deficiência. Em bancos, por exemplo, é comum se ouvir a explicação de que a porta com detector de metais é necessária para proteger o banco e os clientes. Assim, o cliente é obrigado a se expor, colocando o material metálico que traz consigo em um compartimento transparente. 81 C onvenção sobreos D ireitos das Pessoas com D eficiência Para a maioria das pessoas com deficiência, retirar uma órtese ou prótese da perna não é uma tarefa tão simples quanto sacar o celular do bolso e depositá-lo em uma caixa transparente. As vezes é necessário que a pessoa retire parte da roupa para remover a prótese ou, ainda, pode ser que a pessoa esteja sozinha e precise de ajuda para esta tarefa. Mais grave ainda é a situação de quem precisa de um aparelho auditivo ou usa uma bengala para se locomover. Algumas pessoas surdas não ficam apenas sem a audição ao retirar o aparelho. Muitas têm a noção de equilíbrio, lateralidade e orientação prejudicados. Imagine a vulnerabilidade da pessoa que é obrigada a entrar em um banco nessas condições. Os bandidos já identificaram esta “oportunidade” e já não tem sido raro ouvir relatos de assaltos destas pessoas nestas situações. Neste cenário, portanto, violar a privacidade significa colocar a pessoa em situação de risco, desrespeitando seu direito à segurança. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência afirma expressamente, em seu artigo 22, que “nenhuma pessoa com deficiência, qualquer que seja seu local de residência ou tipo de moradia, deverá ser sujeita a interferência arbitrária ou ilegal em sua privacidade, família, domicílio ou correspondência ou outros tipos de comunicação, nem a ataques ilícitos à sua honra e reputação. As pessoas com deficiência têm o direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.” O direito à privacidade é, em última análise, o direito inerente a todo e qualquer cidadão de não deixar que certos aspectos de sua vida particular cheguem ao conhecimento de terceiros. A Convenção é uma importante ferramenta que deve ser utilizada em garantia e proteção da privacidade de todas as pessoas, pois quando positivamos os direitos das minorias estamos reafirmando e fortalecendo os direitos das maiorias. Exercitar os direitos humanos é o primeiro passo para a conquista da cidadania. ARTIGO 23 – RESPEITO PELO LAR E PELA FAMÍLIA Marineia Crosara de Resende e Roosevelt Leão Júnior A família é o principal grupo, no qual se dão os primeiros processos de desenvolvimento, é a primeira instituição à qual o indivíduo pertence e onde se forma sua base moral e consciência social. É na família que são traduzidos e comunicados valores sociais que poderão influenciar as 82 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência escolhas responsáveis para uma vida plena, o exercício da cidadania em diferentes contextos. A família auxilia a construção do autoconceito da criança, de suas convicções, valores e atitudes à respeito de si mesma; auxiliando o desenvolvimento do amor próprio e do senso de aceitação social à medida que ficam mais velhas. Ao longo do desenvolvimento, família e amigos intercalam papéis de importância na vida da pessoa, sempre relacionados à manutenção do bem estar e da saúde, à confirmação do existir e da aceitação social. A importância da família no desenvolvimento de habilidades individuais e sociais está clara e bem definida tanto na literatura como entre as pessoas mais simples e que não tiveram, às vezes, sequer oportunidades de vida digna. No entanto, ainda não há consenso sobre a formação de família entre ou com pessoas com deficiência. É importante destacar que a pessoa tem o direito de escolher seu futuro, se será ao lado de outrem, com ou sem filhos. No caso de terem filhos, a deficiência não deve ser motivo para justificar a separação da criança de seu pai/mãe. Tradicionalmente, uma família é constituída a partir do casamento e com o objetivo primário de gerar filhos. No entanto, na atualidade, a família ganhou nova roupagem, transformou-se num espaço onde se acentuam as relações de sentimentos entre os membros do grupo; tornou-se o refúgio privilegiado das pessoas contra as pressões econômicas e sociais. Portanto, hoje convivem, harmoniosamente, variados modelos de família, a patriarcal e a família nuclear - centrada sobre ela própria e sobre a criança, a qual substituiu a família numerosa por uma célula mais restrita. Há também a família monoparental, que é aquela formada pelos filhos e um dos genitores ou com outra pessoa, o casamento ou a união estável, que pode inclusive ser entre pessoas do mesmo sexo. O objetivo dessa união não é mais a geração de filhos, mas o amor, o afeto, o prazer sexual. No contraponto, a família pode se opor ao desenvolvimento da pessoa com deficiência e, nesses casos, cabe ao Estado resguardar a autonomia deste ser, com todas as limitações e mudanças que este fato implica, ou seja, que o indivíduo possa exercer a sua cidadania. E mesmo no caso de deficiência grave, não cabe aos pais e/ou responsáveis a violação da integridade física, cognitiva e/ou emocional, como por exemplo, a decisão de esterilizar a criança com deficiência. Para algumas pessoas com deficiência tem sido negado o direito à escolha de se constituir família: nos moldes tradicionais, como num caso que aconteceu numa cidade no interior de Minas Gerais, na década de 1990, onde o representante de uma Igreja negou-se a realizar o casamento, alegando que tal casal não poderia gerar filhos; ou mesmo através da educação em família, onde alguns pais proíbem seus filhos com deficiência de namorarem ou mesmo de conviverem com outras pessoas, inclusive, proibindo-os de saírem de casa, ou pior ainda, desacreditam na possibilidade de seus filhos poderem oferecer amor e se fazerem ser amados, destruindo assim, qualquer possibilidade de auto-aceitação da própria condição, de ter uma deficiência. 85 C onvenção sobreos D ireitos das Pessoas com D eficiência deficiência. As necessidades especiais são decorrentes de condições atípicas como, por exemplo: deficiências, insuficiências orgânicas, transtornos mentais, altas habilidades, experiências de vida marcantes etc. Estas condições podem ser agravadas e/ou resultantes de situações socialmente excludentes (trabalho infantil, prostituição, pobreza ou miséria, desnutrição, saneamento básico precário, abuso sexual, falta de estímulo do ambiente e de escolaridade). Na integração escolar, os alunos com deficiência eram o foco da atenção. Na inclusão escolar, o foco se amplia para os alunos com necessidades especiais (dos quais alguns têm deficiência), já que a inclusão traz para dentro da escola toda a diversidade humana. A seguir, parágrafos e letras do Artigo 24 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência serão mencionados entre colchetes após os comentários. Em primeiro lugar, a Convenção defende um sistema educacional inclusivo em todos os níveis [§ 5]. Em suas linhas, percebemos que a educação inclusiva é o conjunto de princípios e procedimentos implementados pelos sistemas de ensino para adequar a realidade das escolas à realidade do alunado que, por sua vez, deve representar toda a diversidade humana. Nenhum tipo de aluno poderá ser rejeitado pelas escolas [§ 2, “a”]. As escolas passam a ser chamadas inclusivas no momento em que decidem aprender com os alunos o que deve ser eliminado, modificado, substituído ou acrescentado no sistema escolar para que ele se torne totalmente acessível [§ 1°; § 2°, “b” e “c”; § 5°]. Isto permite que cada aluno possa aprender mediante seu estilo de aprendizagem e com o uso de todas as suas inteligências [§ 1°, “b”]. Portanto, a escola inclusiva percebe o aluno como um ser único e ajuda-o a aprender como uma pessoa por inteiro [§ 1°, “a”]. Para a Convenção, um dos objetivos da educação é a participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade livre [§ 1°, “c”; § 3°], o que exige a construção de escolas capazes de garantir o desenvolvimento integral de todos os alunos, sem exceção. Uma escola em processo de modificação sob o paradigma da inclusão é aquela que adota medidas concretas de acessibilidade [§ 2°, “d” e “e”; § 4°]. Quem deve adotar estas medidas? Professores, alunos, familiares, técnicos, funcionários, demais componentes da comunidade escolar, autoridades, entre outros. Cada uma destas pessoas tem a responsabilidade de contribuir com a sua parte, por menor que seja, para a construção da inclusividade em suas escolas. Exemplos: Arquitetura. Ajudando a remover barreiras físicas ao redor e dentro da escola, tais como: degraus, buracos e desníveis no chão, pisos escorregadios, portas estreitas, sanitários minúsculos, má iluminação, má ventilação, má localização de móveis e equipamentos etc. [§ 1°; § 2°, “b” e “c”]. Comunicação. Aprendendo o básico da língua de sinais brasileira (Libras) para se comunicar com alunos surdos; entendendo o braile e o sorobã para facilitar o aprendizado de alunos cegos; usando letras em tamanho ampliado para facilitar a leitura para alunos com baixa visão; permitindo o uso de computadores de mesa e/ou notebooks para alunos com 86 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência restrições motoras nas mãos; utilizando desenhos, fotos e figuras para facilitar a comunicação para alunos que tenham estilo visual de aprendizagem etc. [§ 3°, “a”, “b” e “c”; § 4°] Métodos, técnicas e teorias. Aprendendo e aplicando os vários estilos de aprendizagem; aprendendo e aplicando a teoria das inteligências múltiplas; utilizando materiais didáticos adequados às necessidades especiais etc. [§ 1°; § 2°; § 3° e § 4°]. Instrumentos. Adequando a forma como alguns alunos poderão usar o lápis, a caneta, a régua e todos os demais instrumentos de escrita, normalmente utilizados em sala de aula, na biblioteca, na secretaria administrativa, no serviço de reprografia, na lanchonete, na quadra de esportes etc. [§ 3°, “a” e “c”; § 4°] Programas. Revendo atentamente todos os programas, regulamentos, portarias e normas da escola, a fim de garantir a eliminação de barreiras invisíveis neles contidas, que possam impedir ou dificultar a participação plena de todos os alunos, com ou sem deficiência, na vida escolar [§ 1°]. Atitudes. Participando de atividades de sensibilização e conscientização, promovidas dentro e fora da escola a fim de eliminar preconceitos, estigmas e estereótipos, e estimular a convivência com alunos que tenham as mais diversas características atípicas (deficiência, síndrome, etnia, condição social etc.) para que todos aprendam a evitar comportamentos discriminatórios. Um ambiente escolar (e também familiar, comunitário etc.) que não seja preconceituoso melhora a auto-estima dos alunos e isto contribui para que eles realmente aprendam em menos tempo e com mais alegria, mais motivação, mais cooperação, mais amizade e mais felicidade [§ 4°]. ARTIGO 25 – SAÚDE Marineia Crosara de Resende e Sueli Aparecida Freire O conceito de saúde é complexo e controverso, Glass (2003) descreveu o desenvolvimento do termo segundo duas escolas: a psicologia social, que primeiramente o definiu como estado de bem-estar mental (por exemplo, aceitação da morte, satisfação com a vida); e a escola 87 C onvenção sobreos D ireitos das Pessoas com D eficiência biomédica, que o define como ausência de doença e incapacidade funcional. Embora não haja um consenso sobre a definição exata e o sentido do termo saúde, existem concordâncias que permitem concluir que é um fenômeno multifacetado. Pode-se entender saúde como uma capacidade relacionada à capacidade de ajustamento. O indivíduo bem ajustado é capaz de satisfazer suas necessidades, rápida e adequadamente, quando elas aparecem, mantendo-se assim saudável. Um construto relacionado à saúde mental foi proposto por Ryff (1989), que o chamou de bem-estar psicológico. De acordo com a autora, o seu modelo poderia ser considerado como sinônimo de ajustamento em seis domínios do funcionamento psicológico: auto-aceitação, relações positivas com os outros, autonomia, domínio sobre o ambiente, propósito na vida e crescimento pessoal. Vejamos como tais domínios podem ser vistos em relação à deficiência. A auto-aceitação significa uma atitude positiva do indivíduo em relação a si próprio e a seu passado e um reconhecimento e aceitação de suas características positivas e negativas. Nesse sentido, a aceitação da deficiência pode ser indicadora de ajustamento positivo, caracterizada por: a) capacidade de o indivíduo com deficiência perceber valor em habilidades e metas que não foram perdidas em conseqüência da deficiência; b) avaliação do próprio valor, de atributos e capacidades, físicos, sociais e psicológicos, como persistência e inteligência; c) mesmo quando o indivíduo é influenciado por percepções, atitudes e linguagem de outras pessoas, foca a sua própria atitude em relação à deficiência, enxergando-a como mais uma de suas características; d) o indivíduo reconhece o valor único da junção de suas características e habilidades, ao invés de apenas se comparar com padrões externos, freqüentemente inatingíveis. Ter relações positivas diz respeito a manter com os outros uma relação de qualidade, calorosa, satisfatória e verdadeira; preocupar-se com o bem-estar do outro e ser capaz de manter relações afetuosas e agradáveis sejam elas familiares, de intimidade ou de amizade (RYFF, 1989). Ou seja, trata-se de ser capaz de manter relações de trocas, de dar e receber apoio. No caso específico das pessoas com deficiência, o apoio social pode tornar-se mais significativo, pois o sentir-se amado e estimado pode dar ao indivíduo uma sensação de maior controle sobre sua própria vida (NOGUEIRA, 2001). A autonomia implica em ser auto-determinado e independente, mesmo que para isso a pessoa necessite de apoio para operacionalizar suas escolhas e, às vezes, até para o exercício de atividades de vida diária. Implica em tomar decisões de acordo com o que acredita ser melhor, dentro de seus próprios padrões, e em não ser influenciado por pressões sociais para pensar e agir. Para as pessoas com deficiência, significa dar conta da própria vida, fazendo escolhas que lhes são pertinentes, mesmo que precise de ajuda em alguns domínios. O senso de domínio sobre o ambiente significa ter competência para manejá-lo; usufruir as oportunidades que surgem ao redor; apresentar habilidades para escolher ou criar contextos adequados às suas necessidades e valores; eliminar barreiras e fazer adaptações pessoais ou no ambiente, quando necessárias. Pessoas que apresentam maior habilidade para manejar o 90 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência Ferreira (1986), define a palavra habilitação como: ato ou efeito de habilitar-se; conjunto de conhecimentos, aptidão, capacidade; formalidades jurídicas necessárias para aquisição de um direito ou a demonstração de capacidade legal para tal. Porém, no discurso teórico do segmento pessoas com deficiência habilitação aplica-se de forma mais específica no campo da organização para a inserção profissional no mercado de trabalho, no plano dos serviços que asseguram nossos direitos a nos habilitar para aquisição e a condução de veículos novos e adaptados, na esfera da educação especial e educação inclusiva etc. Ainda no mesmo Dicionário, a palavra reabilitação é definida como ato ou efeito de reabilitar-se; recuperação das faculdades físicas ou psíquicas dos incapacitados, com destaque para a expressão reabilitação motora, pautada nos processos da reeducação motora. Contudo, na linguagem formal do segmento seu enfoque remete às modalidades canalizadas para a reabilitação cognitiva, física, auditiva, visual, além de novas perspectivas advindas da reabilitação cidadã com propostas para efetivação das políticas públicas de interesse do segmento, compreendendo que não é o sujeito que precisa adaptar-se à sociedade e sim a sociedade que precisa adaptar-se às especificidades dos indivíduos. Por outro lado e baseados em relatório da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, sobre as atividades da Câmara Técnica - Década da Pessoa com Deficiência, realizada em Brasília, de 07 a 09 de dezembro de 2006, no capítulo IV – Resultados e ações estratégicas do tema: Saúde, Habilitação e Reabilitação ressaltamos a pertinência e relevância do estabelecido para as metas a seguir: efetivada a cobertura de 100% das pessoas com deficiência e 100% dos respectivos procedimentos pelo SUS, segundo os princípios da acessibilidade, eqüidade, universalidade e integralidade, bem como pelas políticas intersetoriais, entre as quais a assistência, previdência, educação, trabalho etc. Na referida Câmara Técnica ficaram também demarcados alguns elementos importantes para nosso segmento, inclusive estabelecidos prazos para seu cumprimento e operacionalização. A exemplo da ‘acessibilidade ao sistema’, incluindo na atenção básica todas as demandas de patologias e deficiências, além de atingir 100% de cobertura no atendimento em saúde bucal; no ‘controle social’, criando estratégias para fortalecer o controle social; quanto ao ‘financiamento’, na intenção de adotar orçamento específico nas três esferas de governo que integre as políticas setoriais e transversais etc; na ‘gestão’; na ‘integralidade’; nas ‘políticas intersetoriais’; na ‘prevenção e rede de serviços’, essas enfocando a ampliação do número de residências terapêuticas, casas-lar, além da criação de repúblicas e oficinas protegidas pelo SUS/SUAS. O mais importante é que nos atentemos para os prazos estabelecidos, uma vez que o grupo definiu que as ações estratégicas propostas devem atingir: 20% do que propõem em curto prazo, isto é, até final de 2007; 50% entre 2008 e 2011 e 100% até o final da década, isto é, 2016. Reforçando a pouca dimensão prática das políticas públicas para o atendimento às necessidades das pessoas com deficiência no Brasil, a Portaria nº 818/GM, de 05 de junho 91 C onvenção sobreos D ireitos das Pessoas com D eficiência de 2001, instituiu a criação das redes de assistência à pessoa com deficiência física em todo território nacional, abrindo oportunidade para que essas pessoas tenham acesso o mais próximo de seus domicílios de tratamento/acompanhamento em programas de reabilitação referendados por política pública de assistência a saúde. Vale lembrar que existem 5.562 municípios no Brasil mais o Distrito Federal e pessoas com deficiência desassistidas em todos eles, contrastando com os 136 serviços de Reabilitação Física habilitados pelo MS de 2002 a 2006. Muito boa intenção, porém limitada ao plano teórico e sem expressão na prática e realidade das pessoas com deficiência. Mais produtivo seria partir para iniciativas conjuntas com os conselhos municipais de pessoas com deficiência, pois dispomos do perfil diagnóstico do segmento nos municípios e maior possibilidade de atender a demanda. Sabe-se que a Portaria nº 1060/GM de 05 de junho de 2002, aprova em seu anexo, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência. Tendo como propósito, definir no Setor Saúde, uma política voltada para a reabilitação da pessoa com deficiência na sua capacidade funcional e desempenho humano, de modo a contribuir para a sua inclusão plena em todas as esferas da vida social; para tanto, preconiza a articulação intersetorial. E prevê também a capacitação de recursos humanos. A consecução desse propósito está pautada no processo de promoção da saúde, considerando, sobretudo, a possibilidade que enseja para a efetiva articulação entre os diversos setores do governo e a efetiva participação da sociedade. Para o alcance de tal propósito, são estabelecidas diretrizes, as quais orientarão a definição ou a readequação dos planos, programas, projetos e atividades voltados à operacionalização da presente Política Nacional: promoção da qualidade de vida, assistência integral à saúde das pessoas com deficiência; prevenção de deficiências; ampliação e fortalecimento dos mecanismos de informação; organização e funcionamento dos serviços de atenção à pessoa com deficiência nos níveis de atenção básica, atenção secundária e no nível terciário. É importante esclarecer o conceito da tecnologia assistiva, na intenção de que seu conhecimento possa contribuir para a habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência, seja nos ambientes institucionais, seja em seus domicílios. Assim, a tecnologia assistiva refere- se a qualquer item, peça de equipamento ou sistema de produtos, adquirido comercialmente ou desenvolvido artesanalmente, produzido em série, modificado ou feito sob medida, que é usado para aumentar, manter ou melhorar habilidades de pessoas com limitações funcionais, sejam físicas ou sensoriais. Finalmente, destacamos que o Sistema Único de Saúde (SUS), através da Portaria nº 1230 de 14 de outubro de 1999, implanta no SIA/SUS, a tabela de procedimentos, onde disponibiliza um Grupo específico para Órteses, Próteses e Meios Auxiliares de Locomoção (OPM). Importante enfatizar que, existe a descrição de cada item, mas, os produtos oferecidos não respeitam tal descrição. Além disso, o baixo valor estabelecido para cada item inviabiliza a compra do equipamento descrito. Destacamos ainda que foi publicada a Portaria nº 321 de 08 de fevereiro de 2007, que institui a Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses/Próteses e Materiais 92 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência Especiais - OPM do SUS que não traz reajuste de valores para tais equipamentos (OPM), que não são reajustados desde 1999. Como Estado Parte e signatário da Convenção, é fundamental que no Brasil sejam reavaliadas estratégias para viabilizar o acesso das pessoas com deficiência aos direitos a elas conferidos pela legislação vigente, bem assim eliminando barreiras que as impeçam de usufruir benefícios outorgados pelas políticas públicas anteriormente referidas. Referências Bibliográficas: Brasil (Br). Portaria nº 1.230 de 14 de outubro de 1999.Brasília (DF): Ministério da Saúde. 1999. Brasil (Br). Portaria nº 818/GM, de 05 de junho de 2001. Brasília (DF): Ministério da Saúde. 2001. Brasil (Br). Portaria nº 1060/GM de 05 de junho de 2002. Brasília (DF): Ministério da Saúde. 2002. BRASIL (Br). Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – Secretaria Nacional de Assistência Social. Manual de Orientações sobre as Modalidades de Atendimento às Pessoas com Deficiência e suas Famílias. Brasília (DF), 2004. Brasil (Br). Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência – CONADE. Resolução nº 33/2005. Brasil (Br). Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE. Relatório sobre as atividades da Câmara Técnica - Década da Pessoa com Deficiência, Brasília (DF), 2006. Brasil (Br). Portaria Nº 321 De 08 de Fevereiro de 2007. Brasília (DF): Ministério da Saúde. 2007. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1986. 95 C onvenção sobreos D ireitos das Pessoas com D eficiência etc. A Convenção, assim, universaliza o direito das pessoas com deficiência e, ao contrário do que alguns pensam, não significa um gueto institucional. É sim, sem sombra de dúvida, um instrumento jurídico adequado para que direitos nunca antes aplicados sejam efetivamente estendidos às pessoas com deficiência. É um instrumento jurídico certo para que os Direitos Humanos universais se viabilizem para esse grupo específico e para que eles se afirmem como um bem universal. Embora o Brasil tenha auferido méritos com sua política de emprego para pessoas com deficiência, eis que de 2000 para cá, desde a edição do decreto 3.298 em dezembro de 1999, pôde-se estimar a contratação de cerca de 100 mil pessoas com deficiência por empresas e pela Administração Direta e Indireta, segundo observações empíricas que decorrem de estatísticas do Ministério do Trabalho, muito há que fazer, inclusive aperfeiçoarem-se os métodos estatísticos de avaliação, pois há pessoas com deficiência em demasia que ainda não tiveram chances reais e isso deve ser superado. ARTIGO 28 – PADRÃO DE VIDA E PROTEÇÃO SOCIAL ADEQUADOS Luiz Baggio Neto Afirmar a necessidade e o direito das pessoas com deficiência serem protegidas pela sociedade, que lhes garanta boas condições de vida e o acesso aos serviços e bens sociais. Este é o princípio do capítulo 28 da Convenção, sobre o “Nível de vida adequado e proteção social”. Logo no primeiro parágrafo, o artigo afirma, em linhas gerais um dos direitos universais do ser humano: o de ter um nível adequado de vida, com moradia, vestuário, alimentação e a melhora contínua de suas condições, através de remuneração adequada no trabalho, acesso ao aperfeiçoamento educacional e às atividades sociais, por exemplo. São aquelas conquistas que fazemos e nos levam a progredir na vida. Curiosamente, nossa Constituição Federal e as outras leis complementares, salvo engano, não mencionam diretamente esse direito a um nível de vida adequado e a melhoria contínua dessas condições. Sim, o Estado e a sociedade se responsabilizam pela proteção da pessoa com deficiência quanto à reabilitação, a saúde, a acessibilidade, a educação e o acesso ao emprego em condições de igualdade. Mas será que essas são nossas únicas necessidades? O direito à moradia acessível, aos equipamentos com qualidade, mais avançados e realmente adequados a cada um (cadeiras de rodas, aparelhos ortopédicos, próteses, respiradores etc.), 96 C onvenção sobre os D ireitos das Pessoas com D eficiência o aperfeiçoamento profissional e outras questões caem no “vire-se quem puder”. Portarias e decretos regulam aquilo que não está claro na lei, mas é um evidente dever do Estado, como Saúde e Educação etc. Mas esses instrumentos legais têm prazo para encerrar ou não prevêem punições a quem não cumpre, por exemplo. Um caso fácil de lembrar é o dos impostos sobre aquisição de carros para quem tem deficiência e dirige e ou é transportado. A cada um ou dois anos todos ficam na expectativa da isenção. Por essa fragilidade de uma legislação nada inclusiva e que trata as pessoas com deficiência como algo muito excepcional, é que vivemos reclamando direitos e impetrando mandados de segurança, para conseguirmos os direitos que podem estar embutidos nas leis. O segundo parágrafo da introdução ao artigo 28 da Convenção menciona um dever dos países que nós, brasileiros, quase desconhecemos: o direito à proteção social. Fora o Artigo 24, item XIV, da Constituição Federal, que diz que o Estado deve legislar sobre a “proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência”, há poucas medidas legais que de fato garantam a proteção social das pessoas com deficiência. As que existem, são de caráter regional ou representam regulamentos isolados. Para se ter uma idéia do que representam esses direitos, o Artigo da Convenção menciona cinco medidas a serem tomadas entre várias outras. A primeira, que significa um avanço frente às carências de um país como o nosso, fala de acesso em condições de igualdade a bens e serviços públicos, como água potável, energia elétrica, esgotos, telefone, internet etc. com preços adequados para atender as necessidades de quem tem deficiência. Apesar de grande parte da nossa população não conseguir receber qualquer um desses serviços em suas casas, as únicas iniciativas isoladas referem-se às tarifas de telefone diferenciadas para pessoas com deficiência auditiva. Assim mesmo em algumas operadoras. Que dizer de outros tributos, como IPI e ICMS, IPTU, IPVA e outros, que sobrecarregam as famílias das pessoas com deficiência na aquisição de transporte adequado, cadeiras de rodas, remédios e outros equipamentos? Mais uma vez, temos uma legislação precária, que isenta de IPI e ICMS o carro da pessoa com deficiência que dirige, mas não o da que é conduzida no veículo, por exemplo, ou que não cobra IPTU de igrejas e clubes, mas atinge aquelas casas que necessitam área maior para conter acessibilidade a uma cadeira de rodas. O segundo exemplo exige a proteção especial das mulheres, das meninas e das pessoas idosas com deficiência nos programas de proteção social e combate à pobreza. Está aí uma questão que mereceria debate dentro de programas como o Fome Zero, Bolsa Escola e outros que lidem com a redução da pobreza. Porém, especial atenção deve ser dada às meninas e mulheres com deficiência, são elas as maiores vítimas da violência e dos abusos de toda ordem. Sua vulnerabilidade exige a criminalização de quaisquer atos lesivos a sua integridade, com punições rigorosas e processos com trânsito prioritário. A terceira medida assegura a assistência do Estado às famílias de baixa renda com pessoas com deficiência, na cobertura de gastos relacionados à sua deficiência, incluindo a formação 97 C onvenção sobreos D ireitos das Pessoas com D eficiência profissional, assistência financeira e os cuidados temporários. Vemos aqui uma contribuição importante no campo da profissionalização e da autonomia financeira da pessoa com deficiência. Além dos custos decorrentes de uma adaptação que a própria deficiência possa exigir para o exercício profissional, a Convenção abre muitas outras possibilidades para uma ampliação das habilidades de cada trabalhador com deficiência. Um dos argumentos para os baixos índices de empregabilidade desse segmento é a falta de formação e experiência profissionais. A preocupação da Convenção se estenderia, inclusive, às iniciativas relacionadas aos empresários com deficiência, que merecem apoio especial no financiamento e na implantação de seus negócios — aqui podemos imaginar as necessárias questões de acessibilidade, do trabalho em casa, dos equipamentos adaptados e outras formas de facilidades para o trabalhador. Trata-se de uma das exigências mais importantes da Convenção, pois traz um compromisso efetivo do Estado com o trabalhador e com as iniciativas profissionais das pessoas com deficiência. Aqui há uma inovação de fato no modo de encarar a produtividade e as possibilidades de inclusão profissional de um contingente expressivo de nossa população, ao se encarar de frente a importância do suporte financeiro e profissional. A quarta recomendação do artigo 28 propõe a criação de medidas específicas de inclusão das pessoas com deficiência nos programas habitacionais populares. No caso brasileiro, a adoção dessa norma traria um impacto positivo incontestável. É inacreditável, mas a reserva e a adaptação para pessoas com deficiência de moradias construídas pelos programas governamentais não é uma regra. Salvo algumas iniciativas como a do Governo do Estado de São Paulo, com a Lei nº 10.844 de 5 de julho de 2001 que apenas reserva um percentual de habitações para famílias com pessoas com deficiência, não há políticas ou regulamentações que normatizem a designação e a adaptação das moradias. Trata-se de uma urgência a adoção dessa recomendação, pois o problema da habitação no nosso país é crônico e representa um dos fatores de desagregação social. A Convenção ainda sugere a reflexão e a adoção de medidas que garantam regras para uma das grandes questões do trabalhador: a aposentadoria especial da pessoa com deficiência. Por enquanto, embora haja iniciativas favoráveis, não existe uma política clara ou legislação especifica determinando, por exemplo, a redução do tempo de serviço ou um plano de descontos nas contribuições à Previdência. Hoje, o aposentado por invalidez pode requerer um acréscimo de 25% em seus proventos, caso sua condição de saúde exija uma pessoa para auxiliar ou condições de dependência maiores do que as presentes no momento da aposentadoria. No caso de algumas doenças que sejam crônicas, graves ou de novas paralisias irreversíveis, é possível requerer a isenção do Imposto de Renda. O capítulo da Previdência exige um tratamento sério e responsável por parte da nossa sociedade. As pessoas com deficiência necessitam e merecem uma abordagem particular, que respeite suas diferenças e particularidades.
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