Baixe nc - cap17 e outras Notas de estudo em PDF para Física, somente na Docsity! Caṕıtulo 17 Alguns Problemas Selecionados de Interesse F́ısico Conteúdo 17.1 Dedução de Algumas Equações Diferenciais de Interesse . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 744 17.1.1 Dedução Informal da Equação de Difusão de Calor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 744 17.1.2 Dedução Informal da Equação da Corda Vibrante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 748 17.2 As Equações de Helmholtz e de Laplace . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 754 17.2.1 Problemas em Duas Dimensões em Coordenadas Polares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 756 17.2.2 Problemas em Três Dimensões em Coordenadas Esféricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 758 17.3 Problemas de Difusão em uma Dimensão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 761 17.3.1 A Evolução da Temperatura de uma Barra Finita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 761 17.3.2 A Evolução da Temperatura de uma Barra Infinita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 765 17.3.3 A Evolução da Temperatura de uma Barra Semi-Infinita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 770 17.4 A Equação de Ondas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 775 17.4.1 A Equação de Ondas em 1 + 1 Dimensões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 775 17.4.2 Interlúdio: Ondas Caminhantes e a Equação do Telégrafo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 778 17.4.3 Outro Interlúdio: Sólitons . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 781 17.4.3.1 Sólitons na Equação de Korteweg-de Vries . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 782 17.4.3.2 Sólitons na Equação de Sine-Gordon . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 783 17.4.3.3 Sólitons no Modelo de Poço-Duplo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 784 17.4.3.4 Sólitons na Equação de Schrödinger Não-Linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 786 17.4.4 A Equação de Ondas e Transformadas de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 790 17.4.4.1 A Equação de Ondas em 3 + 1 Dimensões. A Solução de Kirchhoff . . . . . . . . . . . . 793 17.4.4.2 A Equação de Ondas em 2 + 1 Dimensões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 794 17.5 O Problema da Corda Vibrante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 796 17.5.1 Corda Vibrante Homogênea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 797 17.5.2 O Problema da Corda Homogênea Pendurada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 799 17.5.3 Corda Vibrante Não-Homogênea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 801 17.5.4 O Problema da Membrana Retangular Homogênea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 804 17.6 O Problema da Membrana Circular Homogênea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 806 17.7 O Oscilador Harmônico na Mecânica Quântica e a Equação de Hermite . . . . . . . . . . 808 17.8 O Átomo de Hidrogênio e a Equação de Laguerre Associada . . . . . . . . . . . . . . . . . 810 17.9 Propagação de Ondas em Tanques Ciĺındricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 812 17.10 Equações Hiperbólicas Lineares em 1+1 Dimensões e Equações Integrais . . . . . . . . . 820 17.11 Aplicações do Método da Função de Green . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 827 17.11.1 A Equação de Poisson em Três Dimensões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 828 17.11.2 A Equação de Difusão Não-Homogênea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 829 17.11.3 A Equação de Ondas Não-Homogênea em n + 1-Dimensões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 831 17.11.3.1 A Equação de Ondas Não-Homogênea em 3 + 1-Dimensões . . . . . . . . . . . . . . . . 835 17.11.3.2 Aplicações à Eletrodinâmica. Potenciais Retardados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 837 17.11.3.3 A Equação de Ondas Não-Homogênea em 2 + 1-Dimensões . . . . . . . . . . . . . . . . 840 17.11.3.4 A Equação de Ondas Não-Homogênea em 1 + 1-Dimensões . . . . . . . . . . . . . . . . 842 17.12 Exerćıcios Adicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 844 17.12.1 Problemas Selecionados de Eletrostática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 844 17.12.2 Barras Condutoras de Calor em uma Dimensão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 847 17.12.3 Cordas Vibrantes em uma Dimensão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 850 17.12.4 Modos de Vibração de Membranas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 854 17.12.5 Problemas sobre Ondas e Difusão em Três Dimensões Espaciais . . . . . . . . . . . . . . . . . 858 743 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 744/1730 17.12.6 Problemas Envolvendo Funções de Green . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 860 APÊNDICES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 861 17.A Duas Transformadas de Laplace . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 861 N este caṕıtulo discutiremos aplicações em problemas f́ısicos de vários dos métodos que discutimos alhures deresolução de equações diferenciais e integrais. Por exemplo, trataremos de alguns problemas f́ısicos dos quaisemergem algumas das equações diferenciais ordinárias que estudamos em caṕıtulos anteriores, tais como asequações de Euler, de Bessel, de Legendre, de Legendre associada, de Bessel esférica, de Hermite, de Laguerre e de Laguerre associada. O estudante que estiver procurando a motivação e a origem f́ısica daquelas equações poderá ler parcialmente o presente caṕıtulo sem precisar dominar totalmente o material anteriormente apresentado, pelo menos até o ponto em que apresentarmos as soluções das equações. Também evocaremos no que segue o chamado método de separação de variáveis e alguns teoremas de unicidade de solução de equações a derivadas parciais. Tais assuntos são discutidos no Caṕıtulo 13 ao qual o estudante poderá (deverá) passar sem perdas, se julgar necessário. Faremos uso de diversas das propriedades estudadas no Caṕıtulo 12, página 527, especialmente das relações de ortogonalidade. Na Seção 17.1 apresentamos a dedução de algumas equações a derivadas parciais de maior interesse em aplicações f́ısicas, como a equação de difusão e a equação da corda vibrante. Nosso tratamento será primordialmente informal, mas procuraremos obter equações bastante gerais e discutir a origem f́ısica das condições de contorno mais comummente usadas. A Seção 17.12, página 844, contém diversos outros problemas de interesse na forma de exerćıcios. 17.1 Dedução de Algumas Equações Diferenciais de Interesse Nesta seção apresentaremos deduções de natureza matematicamente informal (mas fisicamente geral) das equações de difusão de calor e das equações da corda vibrante (em particular, da equação de ondas em uma dimensão). Essa apresentação é aqui realizada em benef́ıcio do estudante e esta seção diferencia-se das demais seções deste caṕıtulo pois nela não trataremos de métodos de solução das equações. A escolha das equações de difusão de calor e das equações da corda vibrante decorre de serem essas equações freqüentemente encontradas em problemas f́ısicos, assim como as equações de Helmholtz e de Laplace, as quais encontraremos na Seção 17.2, página 754. Essas são também protótipos de equações a derivadas parciais de segunda ordem de tipo parabólico (equação de difusão), hiperbólico (equação de ondas) e eĺıptico (equação de Laplace), conforme a classificação discutida no Caṕıtulo 13, página 597 (vide Seção 13.2.2, página 608). 17.1.1 Dedução Informal da Equação de Difusão de Calor Nesta seção apresentaremos uma dedução informal da equação de difusão de calor em materiais sólidos. Nosso tratamento é informal por duas razões fortemente relacionadas. Em primeiro lugar, pois fazemos uso da chamada Lei de Fourier da difusão de calor (vide adiante), a qual, ainda que largamente validada empiricamente, carece até o presente de uma justificativa microscópica em termos de um tratamento estat́ıstico do movimento de átomos e moléculas que compõe o material estudado e suas interações. De fato, a justificativa teórica da Lei de Fourier é assunto corrente de pesquisa, sendo um dos mais importantes problemas em aberto da Mecânica Estat́ıstica. Em segundo lugar, nosso tratamento pressupõe a validade do equiĺıbrio termodinâmico local e da existência de uma temperatura bem definida em cada ponto do material em cada instante de tempo, mesmo em situações nas quais ocorra troca de calor. Essa hipótese, ainda que aceitável em situações nas quais o fluxo térmico não seja grande, carece de validade geral e sua justificativa em termos dos prinćıpios da Mecânica Estat́ıstica ainda está longe de ser satisfatória. Consideremos um material sólido no qual calor possa ser transferido por difusão de um ponto a outro (não considera- remos, portanto, transporte de calor por convecção, como ocorre em ĺıquidos e gases, ou por radiação). Denotemos por u(~x, t) a temperatura desse material no ponto ~x no instante t. Nossa tarefa é encontrar uma equação diferencial que permita determinar a evolução temporal e espacial de u(~x, t) e que, portanto, expresse as leis f́ısicas que regem a difusão de calor em corpos sólidos. O prinćıpio f́ısico fundamental que rege o processo de difusão de calor é a chamada Lei de Fourier, proposta com base JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 747/1730 valer que κ(~y, t)/σ(~y, t) ≪ 1/ ∣∣∂u ∂n (~y, t) ∣∣ para todo ~y ∈ ∂W e todo t, o que ocorre se o contacto térmico entre o meio material e o meio externo for muito bom, então (17.8) pode ser aproximada por u(~y, t) = T (~y, t) , para todo ~y ∈ ∂W e t > 0 , (17.10) o que significa que a temperatura do meio material e o meio externo igualam-se na superf́ıcie ∂W . Outro caso particular de interesse se dá quando σ(~y, t)/κ(~y, t) ≪ 1/ ∣∣u(~y, t) − T (~y, t) ∣∣ para todo ~y ∈ ∂W e todo t, o que ocorre se o meio material estiver em mau contacto térmico com o meio externo (isolamento térmico). Nesse caso, (17.8) aproxima-se por ∂u ∂n (~y, t) = 0 , para todo ~y ∈ ∂W e t > 0 , (17.11) o que equivale a adotar q(~y, t) ≡ 0 em (17.7). Esses comentários justificam considerar-se em problemas de difusão de calor os seguintes tipos de condição de contorno lineares em ∂W : 1. Condição de Dirichlet3: u(~y, t) = h(~y, t) , para todo ~y ∈ ∂W e t > 0 ; 2. Condição de Neumann4: ∂u ∂n (~y, t) = q(~y, t) , para todo ~y ∈ ∂W e t > 0 ; 3. Condição mista: α1(~y, t)u(~y, t) + α2(~y, t) ∂u ∂n (~y, t) = g(~y, t) , para todo ~y ∈ ∂W e t > 0 ; as funções h, q, g, α1 e α2 sendo dadas pelo problema. Em muitos casos considera-se também condições ditas homogêneas: 1. Condição de Dirichlet homogênea: u(~y, t) = 0 , para todo ~y ∈ ∂W e t > 0 ; 2. Condição de Neumann homogênea: ∂u ∂n (~y, t) = 0 , para todo ~y ∈ ∂W e t > 0 ; 3. Condição mista homogênea: α1(~y, t)u(~y, t) + α2(~y, t) ∂u ∂n (~y, t) = 0 , para todo ~y ∈ ∂W e t > 0 ; α1 e α2 sendo funções dadas pelo problema. Em seções que se seguirão teremos a oportunidade de resolver alguns problemas nos quais algumas das condições de acima são impostas. 3Johann Peter Gustav Lejeune Dirichlet (1805–1859). 4Carl Neumann (1832–1925). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 748/1730 17.1.2 Dedução Informal da Equação da Corda Vibrante Nesta seção apresentamos uma dedução informal de diversas versões da equação da corda vibrante em uma dimensão. Nossa dedução é informal, pois uma dedução de primeiros prinćıpios deveria incluir um tratamento microscópico do movimento de átomos e moléculas que compõe a corda e de suas interações, assim como a tomada de um limite ma- croscópico adequado das equações resultantes, no esṕırito do grupo de renormalização. Um tal tratamento está além de nossas pretensões. Alguns métodos de solução de algumas das equações que encontraremos serão apresentados nas seções seguintes. Consideremos uma corda de diâmetro despreźıvel, tensionada e que, em uma situação de equiĺıbrio, estenda-se ao longo do eixo x, cuja direção, definida pelo versor ı̂, denominaremos “direção longitudinal da corda”. Ao ser retirada de sua posição de equiĺıbrio um ponto de coordenada x sofre no instante t um deslocamento transversal de u(x, t) na direção do versor ̂. Não consideraremos descolamentos da corda na direção ı̂ ou na direção k̂ = ı̂ × ̂. A direção de ̂ será denominada “direção transversal da corda”. Vide Figura 17.1, página 748. u(x, t) x k î ĵ ^ Figura 17.1: Os versores ı̂, ̂ e k̂ = ı̂ × ̂, este último saindo do plano do papel. u(x, t) representa o deslocamento na direção ̂ no instante t do ponto da corda situado, quando no equiĺıbrio, na posição x. Não consideramos deslocamentos da corda nas direções ı̂ ou k̂. Denotaremos por ρ(x) a densidade linear de massa da corda e denotaremos por ~τ (x, t) a força de tensão que a porção da corda situada em x′ > x exerce no ponto x sobre a porção da corda situada em x′ < x no instante t (Figura 17.2, página 749). Como só permitimos movimentos no plano dos versores ı̂ e ̂, podemos escrever ~τ (x, t) = τl(x, t)̂ı+ τt(x, t)̂ e com essa notação queremos dizer que τl(x, t) é a componente longitudinal de ~τ(x, t) e τt(x, t) é a componente transversal. Além da força de tensão, cada ponto x da corda poderá estar submetido a uma força “externa” por unidade de comprimento ~f(x, t) a qual poderá conter a força peso, forças de atrito viscoso (dependentes da velocidade ∂u∂t ), forças restauradoras etc. Por ora não precisaremos detalhar que tipo de forças consideraremos e delas trataremos mais adiante. A força por unidade comprimento ~f pode depender de x e de t, assim como de u e de algumas de suas derivadas parciais, mas por simplicidade notacional vamos designá-la apenas por ~f(x, t), omitindo provisoriamente dependências com u e suas derivadas parciais. Suporemos que essas forças externas têm apenas componentes longitudinais e transversais e, em coerência com a notação de acima, escrevemos ~f(x, t) = fl(x, t)̂ı+ ft(x, t)̂ . Supomos que a corda move-se apenas na direção transversal e, portanto, o momento linear de um trecho de corda situado entre x0 e x é dado por ∫ x x0 ρ(x′) ∂u ∂t (x′, t)dx′ ̂. Pela segunda lei de Newton, a variação temporal desse momento JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 749/1730 x k î ĵ ^ u(x, t) x τ (x, t) τ u(x , t) (x , t) 0 0 0 − Figura 17.2: O trecho de corda entre x0 e x. Indicados estão também as tensões −~τ(x0, t) e ~τ (x, t) aplicadas nos pontos x0 e x, respectivamente. Posteriormente, demonstra-se que esses vetores são tangentes à corda nos respectivos pontos. satisfaz d dt ∫ x x0 ρ(x′) ∂u ∂t (x′, t)dx′ ̂ = ~τ (x, t) − ~τ (x0, t) + ∫ x x0 ~f(x′, t) dx′ . (17.12) Os diversos termos do lado direito representam forças agindo sobre o trecho de corda situado entre x0 e x e são de fácil explicação. O termo ~τ (x, t) é, por definição, a força de tensão que a porção da corda situada em x′ > x exerce no ponto x. O termo −~τ(x0, t) é (pelo prinćıpio de ação e reação) a força de tensão que a porção da corda situada em x′ < x0 exerce no ponto x0. Por fim, ∫ x x0 ~f(x′, t) dx′ é a força total exercida pelas forças “externas” sobre o trecho de corda situado entre x0 e x. Naturalmente, podemos escrever (17.12) como ∫ x x0 ρ(x′) ∂2u ∂t2 (x′, t)dx′ ̂ = ~τ (x, t) − ~τ (x0, t) + ∫ x x0 ~f(x′, t) dx′ . (17.13) Em suas componentes, essa expressão significa 0 = τl(x, t) − τl(x0, t) + ∫ x x0 fl(x ′, t) dx′ , (17.14) ∫ x x0 ρ(x′) ∂2u ∂t2 (x′, t)dx′ = τt(x, t) − τt(x0, t) + ∫ x x0 ft(x ′, t) dx′ . (17.15) Diferenciando (17.14) e (17.15) em relação a x, obtemos 0 = ∂τl ∂x (x, t) + fl(x, t) , (17.16) ρ(x) ∂2u ∂t2 (x, t) = ∂τt ∂x (x, t) + ft(x, t) . (17.17) No instante de tempo t, o vetor posição de um ponto da corda cuja posição de equiĺıbrio é x é dado por xı̂+u(x, t)̂. Assim, o momento angular (em relação à origem) do trecho da corda situado entre x0 e x é dado por ∫ x x0 ρ(x′) ( x′ ı̂+ u(x′, t)̂ ) × ( ∂u ∂t (x′, t) ̂ ) dx′ = (∫ x x0 ρ(x′)x′ ∂u ∂t (x′, t) dx′ ) k̂ , onde × denota o produto vetorial. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 752/1730 τ (x , t) 0 − τ (x, t) x k î ĵ ^ u(x, t) x u(x , t) 0 0 g Figura 17.3: Corda sob campo gravitacional transverso. Acima, à direita, ~g = −ĝ. As tensões −~τ(x0, t) e ~τ (x, t) são indicadas tangentes à curva nos respectivos pontos de atuação x0 e x. Se desejarmos considerar que a corda se move em um meio viscoso (por exemplo, o ar) e sofre, ao mover-se nesse meio, uma força de atrito viscoso proporcional e oposta à sua velocidade em cada ponto, devemos adotar ft = −γ ∂u ∂t (com γ > 0) e, nesse caso, (17.25) fica ρ(x) ∂2u ∂t2 (x, t) = τ(t) ∂2u ∂x2 (x, t) − γ ∂u ∂t (x, t) . (17.29) Se incluirmos tanto a força peso quanto a força viscosa, teremos a equação ρ(x) ∂2u ∂t2 (x, t) = τ(t) ∂2u ∂x2 (x, t) − γ ∂u ∂t (x, t) − ρ(x)g . (17.30) • Equação da corda vibrante com forças longitudinais externas Vamos agora tratar de incluir forças externas longitudinais. Consideremos primeiramente a situação na qual fl é não-nula, mas forças transversais externas estão ausentes. A equação (17.21) fica ρ(x) ∂2u ∂t2 (x, t) = ( τl(x0, t) − ∫ x x0 fl(x ′, t) dx′ ) ∂2u ∂x2 (x, t) − fl(x, t) ∂u ∂x (x, t) , (17.31) para qualquer x0. Um caso de interesse á aquele em que a corda é disposta verticalmente em um campo gravitacional, como na Figura 17.4, página 753 (corda “pendurada”). Teremos fl(x, t) = −ρ(x)g e supondo que a tensão longitudinal em x0 = 0 seja nula (x0 = 0 é o extremo inferior da corda e supomos que nele não são exercidas forças), teremos τl(x, t) = g ∫ x 0 ρ(x′) dx′. Nesse caso, (17.31) assume a forma ρ(x) ∂2u ∂t2 (x, t) = g (∫ x 0 ρ(x′) dx′ ) ∂2u ∂x2 (x, t) + gρ(x) ∂u ∂x (x, t) . (17.32) Essa á a equação da corda pendurada com densidade variável. No caso de a densidade ρ(x) ser constante ρ(x) ≡ ρ, essa equação assume a forma ∂2u ∂t2 (x, t) = gx ∂2u ∂x2 (x, t) + g ∂u ∂x (x, t) , ou seja ∂2u ∂t2 (x, t) = g ∂ ∂x ( x ∂u ∂x (x, t) ) . (17.33) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 753/1730 u(x , t) ĵ î k̂ x x = 0 g Figura 17.4: Corda sob campo gravitacional longitudinal. Indicados à esquerda são os versores ı̂, ̂ e k̂ = ı̂ × ̂, este último entrando do plano do papel (ao contrário da Figura 17.1). À direita, a aceleração da gravidade ~g = −gı̂. Essa é equação da corda pendurada homogênea. Há também interesse em considerar-se situações nas quais a corda pendurada move-se em um meio viscoso (por exemplo, o ar), situação essa na qual devemos, como antes, acrescentar uma força transversa viscosa do tipo ft = −γ ∂u ∂t , com γ > 0. Nesse caso, a equação da corda pendurada não-homogênea (17.32) assume a forma ρ(x) ∂2u ∂t2 (x, t) = g (∫ x 0 ρ(x′) dx′ ) ∂2u ∂x2 (x, t) + gρ(x) ∂u ∂x (x, t) − γ ∂u ∂t (x, t) , (17.34) enquanto que a equação da corda pendurada homogênea (17.33) assume a forma ∂2u ∂t2 (x, t) = g ∂ ∂x ( x ∂u ∂x (x, t) ) − γ ∂u ∂t (x, t) . (17.35) • Comentários sobre condições de contorno no problema da corda vibrante Caso a corda esteja fixa em um ponto, digamos, x = 0, deve-se naturalmente impor a condição de contorno u(0, t) = 0 para todo t ∈ R . Mais genericamente, podemos querer considerar a situação na qual o ponto da corda localizado em x = 0 executa um movimento forçado por um agente externo, de sorte que tenhamos u(0, t) = f1(t) para todo t ∈ R , para alguma função f1 dada. Um outro tipo de situação ocorre quando um dos extremos da corda, digamos, x = 0, pode mover-se livremente na direção transversal. Nesse caso entendemos que esse ponto se move sem a ação de uma tensão transversal. Segundo (17.20), ao impormos nesse caso que τt(0, t) ≡ 0 estamos impondo que ∂u ∂x (0, t) = 0 para todo t ∈ R , JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 754/1730 desde que tenhamos τl(0, t) 6= 0. Essa última hipótese é usualmente adotada quando de uma corda não sujeita a forças longitudinais externas. No caso da corda pendurada, porém, ela não pode ser imposta no extremo inferior da corda, pois nesse caso a tensão longitudinal em um ponto qualquer da corda é dada pelo peso do trecho de corda abaixo desse ponto, sendo, portanto, nulo no extremo inferior. Uma outra situação particular ocorre quando um ponto, digamos, x = 0, estiver preso a uma mola que aplica uma força restauradora −ku(0, t), k > 0, sobre a corda. Nesse caso teremos τt(0, t) = −ku(0, t) (supondo a ausência de outras forças transversais externas) e, por (17.20), valerá ku(0, t) + τl(0, t) ∂u ∂x (0, t) = 0 , para todo t ∈ R . Se a força restauradora for do tipo −k ( u(0, t) − y(t) ) , k > 0, (o que ocorre se a corda estiver presa no ponto x = 0 a uma mola cujo ponto de equiĺıbrio se move transversalmente à corda segundo a função y(t)), teremos ku(0, t) + τl(0, t) ∂u ∂x (0, t) = ky(t) , para todo t ∈ R . Esses comentários justificam considerar-se no problema da corda vibrante os seguintes tipos de condição de contorno lineares em um ponto, digamos, x = 0: 1. Condição de Dirichlet: u(0, t) = h1(t) , para todo t ∈ R ; 2. Condição de Neumann: ∂u ∂x (0, t) = q1(t) , para todo t ∈ R ; 3. Condição mista: α1(t)u(0, t) + α2(t) ∂u ∂x (0, t) = g1(t) , para todo t ∈ R ; as funções h1, q1, g1, α1 e α2 dadas pelo problema. Em muitos casos estaremos também considerando condições ditas homogêneas: 1. Condição de Dirichlet homogênea: u(0, t) = 0 , para todo t ∈ R ; 2. Condição de Neumann homogênea: ∂u ∂x (0, t) = 0 , para todo t ∈ R ; 3. Condição mista homogênea: α1(t)u(0, t) + α2(t) ∂u ∂x (0, t) = 0 , para todo t ∈ R ; α1, α2 sendo funções dadas pelo problema. 17.2 As Equações de Helmholtz e de Laplace Nesta seção apresentaremos alguns problemas envolvendo as equações diferenciais parciais de Laplace e Helmholtz dos quais emergem, pelo método de separação de variáveis, algumas das equações diferenciais ordinárias – e suas soluções – de que tratamos em caṕıtulos anteriores. O método de separação de variáveis é discutido na Seção 13.3, página 612. • A equação de ondas A equação de ondas ∂2u ∂t2 (~x, t) − c2∆u(~x, t) = 0 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 757/1730 Acima α’s, β’s, γ’s e δ’s são constantes arbitrárias a serem fixadas por condições adicionais a serem impostas à solução. Por exemplo, se desejarmos que as soluções sejam funções periódicas em ϕ de peŕıodo 2π, então devemos impor que δ0 = 0 e que ν seja um inteiro. A solução geral da equação de Laplace em duas dimensões que representa funções periódicas de peŕıodo 2π em ϕ é, portanto, u(ρ, ϕ) = γ0 ln(ρ) + ∞∑ m=−∞ ( αmρ m + βmρ −m )( δm cos(mϕ) + γm sen (mϕ) ) , ou, em forma complexa, u(ρ, ϕ) = γ0 ln(ρ) + ∞∑ m=−∞ ( amρ m + bmρ −m ) eimϕ , onde γ0, am e bm são constantes a serem determinadas por condições adicionais a serem impostas à solução. • A Equação de Helmholtz em duas dimensões em coordenadas polares Devido à forma do operador Laplaciano em duas dimensões em coordenadas polares dada em (17.40), a equação de Helmholtz assume a forma 1 ρ ∂ ∂ρ ( ρ ∂E ∂ρ ) + 1 ρ2 ∂2E ∂ϕ2 + λ2E = 0 . E agora é tomada como uma função de ρ e ϕ. O método de separação de variáveis propõe procurarmos soluções independentes dessa equação que sejam da forma de um produto: E(ρ, ϕ) = Ξ(ρ)Φ(ϕ). Inserindo isso na equação de Helmholtz, somos levados a ρ (ρΞ′(ρ))′ Ξ(ρ) + λ2ρ2 = −Φ ′′(ϕ) Φ(ϕ) . Como o lado esquerdo é uma função somente de ρ e o lado direito uma função somente de ϕ, a igualdade acima só é posśıvel se ambos os lados forem iguais a uma constante de separação, a qual denotaremos por ν2. Assim, conclúımos que ρ2Ξ′′(ρ) + ρΞ′(ρ) + (λ2ρ2 − ν2)Ξ(ρ) = 0 , Φ′′(ϕ) + ν2Φ(ϕ) = 0 . Pela mudança de variável7 z = λρ e definindo y(z) = y(λρ) = Ξ(ρ), a primeira equação acima transforma-se em z2y′′(z) + zy′(z) + (z2 − ν2)y(z) = 0 , que podemos reconhecer como sendo a equação de Bessel de ordem ν. Vemos assim que o método de separação de variáveis para a equação de Helmholtz em duas dimensões em coordenadas polares conduz a soluções independentes da forma E(ρ, ϕ) = y(λρ)Φ(ϕ) onde as funções y e Φ satisfazem as equações ordinárias z2y′′(z) + zy′(z) + (z2 − ν2)y(z) = 0 , Φ′′(ϕ) + ν2Φ(ϕ) = 0 . sendo z = λρ. Conclúımos que a equação de Helmholtz em duas dimensões em coordenadas polares possui soluções independentes da forma E(ρ, ϕ) = ( α0J0(λρ) + β0N0(λρ) )( δ0ϕ+ γ0 ) , caso ν = 0 , E(ρ, ϕ) = ( ανJν(λρ) + βνNν(λρ) )( δν cos(νϕ) + γν sen (νϕ) ) , caso ν 6= 0 . (17.42) 7Aqui supomos λ 6= 0. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 758/1730 Acima, Jν são as funções de Bessel de ordem ν e Nν são as funções de Neumann de ordem ν. Fora isso, α’s, β’s, γ’s e δ’s são constantes arbitrárias a serem fixadas por condições adicionais a serem impostas à solução. Por exemplo, se desejarmos que as soluções sejam funções periódicas em ϕ de peŕıodo 2π, então devemos impor que δ0 = 0 e que ν seja um inteiro. A solução geral da equação de Helmholtz em duas dimensões que representa funções periódicas de peŕıodo 2π em ϕ é, portanto, u(ρ, ϕ) = ∞∑ m=−∞ ( αmJm(λρ) + βmNm(λρ) )( δm cos(mϕ) + γm sen (mϕ) ) , ou, em forma complexa, u(ρ, ϕ) = ∞∑ m=−∞ ( amJm(λρ) + bmNm(λρ) ) eimϕ , onde am e bm são constantes a serem determinadas por condições adicionais a serem impostas à solução. Recomendamos ao leitor o exerćıcio instrutivo de comparar as equações radiais obtidas acima no caso de Laplace e de Helmholtz em duas dimensões, assim como suas soluções. 17.2.2 Problemas em Três Dimensões em Coordenadas Esféricas • A Equação de Laplace em três dimensões em coordenadas esféricas O operador Laplaciano em três dimensões em coordenadas esféricas assume a forma ∆u = 1 r2 [ ∂ ∂r ( r2 ∂u ∂r ) + 1 sen θ ∂ ∂θ ( ( sen θ) ∂u ∂θ ) + 1 ( sen θ)2 ∂2u ∂ϕ2 ] . (17.43) Vide (4.33), página 190. Assim, a equação de Laplace em três dimensões em coordenadas esféricas fica 1 r2 [ ∂ ∂r ( r2 ∂E ∂r ) + 1 sen θ ∂ ∂θ ( ( sen θ) ∂E ∂θ ) + 1 ( sen θ)2 ∂2E ∂ϕ2 ] = 0 , onde E agora é uma função de r, θ e ϕ. O método de separação de variáveis propõe procurarmos soluções independentes dessa equação que sejam da forma de um produto: E(r, θ, ϕ) = R(r)Y (θ, ϕ). Inserindo isso na equação de Laplace, somos levados a ( r2R′(r) )′ R(r) = − 1 Y (θ, ϕ) [ 1 sen θ ∂ ∂θ ( ( sen θ) ∂Y ∂θ (θ, ϕ) ) + 1 ( sen θ)2 ∂2Y ∂ϕ2 (θ, ϕ) ] . Mais uma vez constatamos que, pelo fato de o lado esquerdo ser função apenas de r enquanto que o lado direito é função de θ e ϕ, a igualdade acima implica que ambos os lados devem ser iguais a uma constante. Por conveniência futura, escrevemos essa constante na forma σ(σ + 1) (note que todo número complexo c pode ser escrito dessa forma, pois a equação σ2 + σ − c = 0 sempre tem pelo menos uma solução). Conclúımos que r2R′′(r) + 2rR′(r) − σ(σ + 1)R(r) = 0 . (17.44) 1 sen θ ∂ ∂θ ( ( sen θ) ∂Y ∂θ (θ, ϕ) ) + 1 ( sen θ)2 ∂2Y ∂ϕ2 (θ, ϕ) + σ(σ + 1)Y (θ, ϕ) = 0 . (17.45) Reconhecemos que a equação para R é uma equação de Euler, cujas soluções são R(r) = α1r σ + α2r −(1+σ) , caso σ 6= − 12 , R(r) = r− 1 2 (α1 ln(r) + α2) , caso σ = − 12 . (17.46) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 759/1730 Passemos agora à equação para Y (θ, ϕ), a qual propomos novamente tratar pelo método de separação de variáveis. Tomemos, então, Y na forma de um produto Y (θ, ϕ) = Θ(θ)Φ(ϕ). Somos conduzidos a sen θ Θ(θ) d dθ ( ( sen θ) dΘ dθ (θ) ) + σ(σ + 1)( sen θ)2 = −Φ ′′(ϕ) Φ(ϕ) . Mais uma vez, a igualdade acima só é posśıvel se ambos os lados forem iguais a uma constante, que escrevemos na forma µ2. Ficamos com 1 sen (θ) d dθ ( sen (θ) dΘ dθ (θ) ) + σ(σ + 1)Θ(θ) − µ 2 ( sen (θ))2 Θ(θ) = 0 , (17.47) Φ′′(ϕ) + µ2Φ(ϕ) = 0 . (17.48) A equação para Φ tem por soluções Φ(ϕ) = δ0ϕ+ γ0 , caso µ = 0 , δµ cos(µϕ) + γµ sen (µϕ) , caso µ 6= 0 . (17.49) Claramente, se desejarmos que Φ(ϕ) seja cont́ınua e periódica de peŕıodo 2π devemos impor que δ0 = 0 e que µ seja um inteiro, ou seja, µ = m ∈ Z em cujo caso a solução fica Φ(ϕ) = δm cos(mϕ) + γm sen (mϕ) para todo µ = m ∈ Z (inclusive m = 0). Essa solução pode também ser escrita de forma complexa como Φ(ϕ) = ame imϕ + bme −imϕ para outras constantes am e bm. A experiência ensina que para melhor tratarmos a equação (17.47) convém proceder a mudança de variável ζ = cos θ , com d dζ = − 1 sen (θ) d dθ . Definindo também y(ζ) = Θ(θ), ou seja, Θ(θ) = y(cos θ), a equação diferencial para Θ transforma-se em d dζ ( (1 − ζ2)dy dζ (ζ) ) + σ(σ + 1) y(ζ) − µ 2 1 − ζ2 y(ζ) = 0 , ou, equivalentemente, (1 − ζ2)y′′(ζ) − 2ζy′(ζ) + σ(σ + 1) y(ζ) − µ 2 1 − ζ2 y(ζ) = 0 . Reconhecemos que se trata da equação de Legendre associada. Por (17.49) vemos que para o caso em que Φ é cont́ınua e periódica de peŕıodo 2π devemos necessariamente ter µ = m ∈ Z. Como discutimos quando tratamos da equação de Legendre associada, se desejarmos também que y(ζ) seja finita nos extremos ±1 (ou seja, que Θ(θ) seja finita nos extremos θ = 0 e θ = π), devemos ter também que σ = l ∈ N0, sendo que l e m relacionam-se por −l ≤ m ≤ l. As soluções para y(ζ) nesse caso são os polinômios de Legendre associados y(ζ) = Pml (ζ) ou, em termos de θ, Θ(θ) = P m l (cos(θ)). Conclúımos, assim, que se desejarmos soluções que sejam periódicas de peŕıodo 2π em ϕ e finitas nos extremos θ = 0 e θ = π, temos Y (θ, ϕ) = Pml (cos(θ)) ( δm cos(mϕ) + γm sen (mϕ) ) ou, em forma complexa, Y (θ, ϕ) = Pml (cos(θ)) ( ame imϕ + bme −imϕ ) . Constatamos que o lado direito é uma combinação linear das funções harmônicas esféricas Y ml (θ, ϕ) e Y −m l (θ, ϕ), definidos em (12.93). Assim, retornando à E(r, θ, ϕ), conclúımos que sob as condições mencionadas a equação de Laplace tem soluções independentes da forma E(r, θ, ϕ) = ( α rl + β rl+1 ) Y ml (θ, ϕ) , JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 762/1730 O problema que consideraremos é o de encontrar soluções para a equação de difusão de um meio termicamente condutor homogêneo sem fontes: ∂u ∂t −D∂ 2u ∂x2 = 0 , com D > 0, constante, t ≥ 0 e x ∈ [0, L] para algum L > 0. A constante D representa a constante de difusão térmica da barra homogênea localizada em [0, L] (de comprimento L, portanto) e u(x, t) representa a temperatura dessa barra na posição x no instante t. A condição inicial a ser considerada será u(x, 0) = u0(x) , x ∈ [0, L] , onde u0 é uma função dada da qual suporemos certas propriedades mais adiante. u0 representa a temperatura inicial da barra. • Condições de contorno Tratamos de apresentar rapidamente as condições de contorno mais comummente empregadas. Consideraremos que a barra está termicamente isolada, exceto nos seus extremos, onde pode trocar calor com meios externos. De acordo com a Lei de Fourier, o fluxo de calor em x = 0 é dado por −k ∂u∂x (0, t) (com k sendo a condutibilidade térmica da barra). Assim, se a barra estiver em contacto térmico com uma fonte de calor que injete um fluxo de calor q1(t) através da posição x = 0, devemos impor a condição −k∂u ∂x (0, t) = q1(t) . Se, por exemplo, a fonte de calor for um meio externo a temperatura T1(t) o fluxo q1(t) será, também segundo a Lei de Fourier, proporcional à diferença de entre a temperatura barra em x = 0 e a temperatura do meio externo em contacto com a barra no mesmo ponto: −k∂u ∂x (0, t) = σ1 ( T1(t) − u(0, t) ) , (17.55) σ1 sendo a condutibilidade do contacto térmico da barra com o meio externo em x = 0. No outro extremo x = L teremos, analogamente, −k∂u ∂x (L, t) = σ2 ( u(L, t) − T2(t) ) , (17.56) σ2 sendo a condutibilidade do contacto térmico da barra com o meio externo em x = L, a temperatura deste meio sendo T2(t). Caso k/σ1 ≪ 1/ ∣∣∂u ∂x (x, 0) ∣∣, a barra está em excelente contacto térmico com o meio em x = 0 e a condição (17.55) reduz-se a u(0, t) = T1(t). Caso σ1/k ≪ 1/ ∣∣T1(t) − u(0, t) ∣∣, a barra está termicamente isolada do meio em x = 0 e a condição (17.55) reduz-se a ∂u∂x (0, t) = 0. Esses comentários justificam considerar-se em problemas de difusão os seguintes tipos de condição de contorno lineares em x = 0: 1. Condição de Dirichlet: u(0, t) = h1(t) , para todo t > 0 ; 2. Condição de Neumann: ∂u ∂x (0, t) = q1(t) , para todo t > 0 ; 3. Condição mista: α1(t)u(0, t) + α2(t) ∂u ∂x (0, t) = g1(t) , para todo t > 0 ; as funções h1, q1, g1, α1 e α2 sendo dadas pelo problema. Em x = L tem-se relações análogas. Em muitos casos estaremos também considerando condições ditas homogêneas: 1. Condição de Dirichlet homogênea: u(0, t) = 0 , para todo t > 0 ; JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 763/1730 2. Condição de Neumann homogênea: ∂u ∂x (0, t) = 0 , para todo t > 0 ; 3. Condição mista homogênea: α1(t)u(0, t) + α2(t) ∂u ∂x (0, t) = 0 , para todo t > 0 ; α1, α2 sendo funções dadas pelo problema, e analogamente em x = L. • Resolução pelo método de separação de variáveis e pelo prinćıpio de sobreposição Como ilustração, vamos considerar o problema mais simples de determinar a evolução da temperatura, descrita pela equação de difusão simples ∂u ∂t −D ∂ 2u ∂x2 = 0 , (17.57) com t ≥ 0 e 0 ≤ x ≤ L, de uma barra metálica de comprimento L > 0 e constante de difusão térmica D > 0, cujas extremidades (situadas em x = 0 e x = L) são postas em bom contacto térmico com banhos térmicos de temperatura 0, de sorte que tenhamos as condições de contorno de Dirichlet homogêneas u(0, t) = 0 e u(L, t) = 0 , ∀t > 0 , e a condição inicial u(x, 0) = u0(x), x ∈ [0, L] . Para encontrar as soluções de (17.57) satisfazendo as condições iniciais e de contorno mencionadas acima, procede-se pelo método de separação de variáveis, procurando primeiramente soluções particulares que sejam da forma u(x, t) = T (t)U(x). Inserindo em (17.57), obtém-se 1 D T ′(t) T (t) = U ′′(x) U(x) . Essa igualdade só é posśıvel se ambos os lados forem iguais a uma constante de separação, que denotamos por −λ2. Chegamos com isso a T ′(t) + λ2DT (t) = 0 , (17.58) U ′′(x) + λ2U(x) = 0 . (17.59) As soluções da primeira equação, naturalmente, são T (t) = a0t+ b0 , caso λ = 0 , (17.60) T (t) = a1e −λ2Dt , caso λ 6= 0 . (17.61) Para λ = 0 a equação (17.59) reduz-se a U ′′(x) = 0, cuja solução é U(x) = c1x+c2. Como desejamos que U(0) = U(L) = 0, de modo que u(x, t) = T (t)U(x) satisfaça as condições de contorno, obtém-se c1 = c2 = 0, ou seja, obtém-se a solução trivial U(x) ≡ 0. O caso interessante, portanto, está em λ 6= 0. No caso λ 6= 0, as soluções de (17.59) são, como é bem conhecido, U(x) = β1 cos(λx) + β2 sen (λx) . A imposição que U(0) = 0 implica β1 = 0, levando a U(x) = β2 sen (λx). A imposição que U(L) = 0 implica λL = nπ, com n ∈ Z (tomar β2 = 0 conduz novamente à solução trivial U(x) ≡ 0) e, assim, U(x) = Un(x) = β2 sen ( nπx L ) , n ∈ Z. Em verdade, podemos nos restringir a n’s positivos não-nulos, i.e., n = 1, 2, 3, . . ., pois para n = 0 tem-se U0(x) ≡ 0 (solução trivial) e U−n(x) = Un(x), mostrando que as soluções com Un(x) e U−n(x) não são independentes. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 764/1730 Resumindo, para cada n = 1, 2, , 3, . . . temos λn = nπ L e Un(x) = β2 sen ( nπx L ) . Para tais valores de λ a solução (17.61) fica ane −D(nπL ) 2 t, e as soluções particulares para u(x, t) = T (t)U(x) ficam un(x, t) = ane −D(nπL ) 2 t sen (nπx L ) , n = 1, 2, 3, . . . (aqui, absorvemos a constante β2 dentro das constantes an, as quais ainda estão indeterminadas e podem depender de n). Chegamos até aqui com o método de separação de variáveis. Evocando o prinćıpio de sobreposição, obtemos uma solução mais geral de (17.57) satisfazendo as condições de contorno homogêneas somando as soluções acima: u(x, t) = ∞∑ n=1 ane −D(nπL ) 2 t sen (nπx L ) . (17.62) A imposição da condição inicial u(x, 0) = u0(x), que fixa a temperatura em t = 0, conduz a u0(x) = ∞∑ n=1 an sen (nπx L ) . (17.63) Em (17.63) a função u0 é expressa em termos de uma série de Fourier de senos e a justificativa para a validade dessa expansão, sobre hipóteses adequadas para a função u0, é apresentada na Proposição 30.12, página 1423. A teoria geral das séries de Fourier encontra-se desenvolvida na Seção 30.4, página 1407. Para invertermos essas relações, expressando as constantes an em termos de u0, fazemos uso das bem-conhecidas relações de ortogonalidade da função seno: ∫ π 0 sen (my) sen (ny) dy = π 2 δm, n , m, n = 1, 2, 3, . . . . (17.64) Assim, multiplicando (17.63) por sen ( mπx L ) e integrando de 0 a L, obtemos ∫ L 0 sen (mπx L ) u0(x) dx = ∞∑ n=1 an ∫ L 0 sen (mπx L ) sen (nπx L ) dx y=πx/L = L π ∞∑ n=1 an ∫ π 0 sen (my) sen (ny) dy = L 2 am , ou seja, an = 2 L ∫ L 0 sen ( nπx′ L ) u0(x ′) dx′ (17.65) para todo n = 1, 2, 3, . . .. • A função de Green para as condições iniciais Usando (17.65) podemos reescrever (17.62) como u(x, t) = ∫ L 0 G(x, t, x′)u0(x ′) dx′ , (17.66) onde, formalmente, G(x, t, x′) = 2 L ∞∑ n=1 sen ( nπx L ) sen ( nπx′ L ) e−D( nπ L ) 2 t . (17.67) Essa expressão é denominada função de Green do problema de valor inicial em questão. Para t > 0 é muito fácil constatar a convergência uniforme da série que define G. Para t = 0 a convergência deve ser entendida no sentido de distribuições. Vide Caṕıtulo 31, página 1455. A importância de (17.66) está em expressar a solução diretamente em termos das condição inicial u0. A função G contém em si a informação de como os valores das condição inicial no ponto x ′ influencia a solução no ponto x no instante t. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 767/1730 E. 17.1 Exerćıcio. Obtenha explicitamente a solução u(x, t) fornecida por (17.74) para o caso em que u0(x) = exp ( − (x−x0) 2 σ ) , x ∈ R, onde σ > 0 e x0 ∈ R são constantes. Sugestão: use o resultado do Exerćıcio E. 31.8, página 1469. 6 • A equação de difusão em Rn O exerćıcio a seguir indica como as considerações de acima podem ser estendidas a mais de uma dimensão. E. 17.2 Exerćıcio. Considere equação de difusão ∂u ∂t −D∆u = 0 em Rn (com D > 0, constante) sob a condição inicial u(x, 0) = u0(x), x = (x1, . . . , xn) ∈ Rn, com u0 ∈ S (Rn). Usando transformadas de Fourier, obtenha a solução u(x, t) = ∫ Rn G(x, t; y) u0(y) d ny com G(x, t; y) := exp ( − (x−y) 2 4Dt ) ( 4πDt )n/2 , x, y ∈ Rn e t > 0. 6 Observações. Acima, ∆u := ∂2u ∂x2 1 + · · · + ∂2u ∂x2n , o Laplaciano de u, e (x− y)2 = (x1 − y1)2 + · · · + (xn − yn)2. ♣ • Discussão sobre a solução (17.72): algumas propriedades da função de Green (17.73) Recordemos que até o presente supomos a hipótese que u0 seja um elemento do espaço de Schwartz S (R). Há de imediato três questões a se colocar: se (17.72) é de fato solução de (17.68), se a condição inicial (17.69) é de fato satisfeita e, não menos importante, se essa solução é única. Uma quarta questão que postergaremos é a de se saber se a condição u0 ∈ S (R) pode ser enfraquecida, permitindo que (17.72) também forneça uma solução de nosso problema com a condição inicial (17.69), mas para um conjunto maior de funções u0. Que (17.72) satisfaz (17.68) para todos x ∈ R e t > 0 pode ser diretamente verificado diferenciando-se sob o śımbolo de integral (o que é permitido pelo rápido decaimento do integrando, sob a hipótese que u0 ∈ S (R)). Quanto à condição inicial, tem-se o seguinte. A expressão do lado direito de (17.68) não está diretamente definida em t = 0 (o integrando não está definido em t = 0). No entanto, é posśıvel demonstrar que para u0 ∈ S (R) vale lim t→0+ ∫ ∞ −∞ G(x, t; y) u0(y) dy = u0(x) . (17.75) De fato, conforme discutido na Seção 30.2, página 1387, G(x, t; y) compõe uma seqüência delta de Dirac, no seguinte sentido: para todos x ∈ R e t > 0 vale ∫ ∞ −∞ G(x, t; y) dy = 1 (17.76) e para todos x ∈ R e δ > 0 vale lim t→0+ [∫ x−δ −∞ G(x, t; y) dy + ∫ ∞ x+δ G(x, t; y) dy ] = 0 . (17.77) A demonstração de (17.76) é elementar (integral de Laplace. Faça-o!) e a demonstração de (17.77) pode ser encontrada à página 1388 quando discutimos o exemplo da seqüência delta de Dirac Gaussiana (substitua-se n por 1/ √ 4Dt em (30.12)). Vide, por exemplo, (30.14). Com isso, segue do Teorema 30.1, página 1389, que o limite (17.75) é de fato verdadeiro (e uniforme em R) desde que u0 seja uniformemente cont́ınua e limitada em R (o que é o caso se u0 ∈ S (R)). Reunimos nossos resultados na seguinte proposição: Proposição 17.1 Seja u0 ∈ S (R). A função u(x, t) = ∫ ∞ −∞ G(x, t; y) u0(y) dy , com G(x, t; y) := exp ( − (x−y) 2 4Dt ) √ 4πDt , x, y ∈ R e t > 0 , (17.78) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 768/1730 satisfaz a equação de difusão ∂u ∂t −D∂ 2u ∂x2 = 0 para todos x ∈ R e t > 0 e satisfaz lim t→0+ u(x, t) = u0(x) para todo x ∈ R, com o limite sendo uniforme, ou seja, lim t→0+ sup x∈R ∣∣u(x, t) − u0(x) ∣∣ = 0. 2 É relevante para o que virá a seguir observar que a solução exposta em (17.78) é identicamente nula caso u0 seja a função identicamente nula. Desejamos em seguida discutir a questão da unicidade da solução (17.78) da equação de difusão de (17.68) com a condição inicial (17.69) e aqui encontraremos uma interessante surpresa: a solução não é única! Antes de tratarmos dessa questão é relevante fazermos um comentário sobre a natureza da solução (17.78). • Discussão sobre a solução (17.78): não-causalidade de Einstein Como dissemos, a expressão (17.74) permite a seguinte interpretação: a função G(x, t; y) pesa quão grande é a influência da condição inicial u0 no ponto y sobre a solução u no instante de tempo t > 0 na posição x. Tendo essa interpretação em mente, salta aos olhos uma caracteŕıstica da propagação de calor regida por (17.78): uma alteração no valor de u0 próximo a um ponto y modifica instantaneamente a função u em todo x ∈ R, pois para todo t > 0 a função G(x, t; y) é não-nula para quaisquer x, y ∈ R. Assim, perturbações nas condições iniciais propagam-se com velocidade arbitrariamente grande, revelando o caráter não-relativ́ıstico da propagação de calor, tal como descrita pela equação de difusão (17.68). Em outras palavras a equação (17.68) e a função de Green (17.73) não são Einstein causais10. Matematicamente isso se deve ao caráter não-hiperbólico da equação de difusão (17.68) (que é uma equação parabólica, como já comentamos). Fisicamente isso é uma decorrência do fato de que na demonstração da equação de difusão (17.68) não são levados em conta aspectos relativ́ısticos que impliquem uma propagação de calor com velocidade inferior à da luz. Uma versão da equação de difusão compat́ıvel com a causalidade de Einstein deve ter da forma de uma equação hiperbólica, como ∂u ∂t −D ( ∂2u ∂x2 − 1 C2 ∂2u ∂t2 ) = 0 , (17.79) (com 0 < C ≤ c, c sendo a velocidade da luz) cuja função de Green G(x, t; y) tem suporte na região |x− y| ≤ Ct, com t > 0. Diversas equações da forma (17.79) têm sido propostas na literatura, sendo o assunto ainda controverso e ojbeto de pesquisa11. A solução de equações hiperbólicas ainda mais gerais que a equação (17.79) em 1 + 1-dimensões é apresentada em detalhe na Seção 17.10, página 820, e com a solução lá apresentada fica expĺıcito o caráter Einstein-causal da solução. Como discutiremos adiante, essas questões sobre a natureza não-Einstein causal da equação (17.68) têm implicações na discussão sobre a unicidade da solução (17.78). • A não-unicidade de solução. Um contra-exemplo de Tikhonov A questão da unicidade da solução apresentada em (17.72) para a equação (17.68) sob a condição inicial u(x, 0) = 0 é respondida negativamente através de um fascinante contra-exemplo encontrado por Tikhonov12 em 1935 (a referência completa é A. N. Tychonoff, “Théorèmes d’unicité pour l’equation de la chaleur”, Mat. Sbornic, Vol. 42, 1–57 (1935)). Observemos que para a equação de difusão em intervalos compactos a questão unicidade de solução tem resposta positiva para as condições de contorno mais comuns, tal como apresentado na Seção 13.6, página 656 (vide, em particular, Proposição 13.2, página 656, ou sua generalização, Proposição 13.7, página 663). 10A causalidade de Einstein é o prinćıpio segundo o qual efeitos f́ısicos não podem propagar-se com velocidade superior à da luz. 11Algumas referências sobre o tema: • C. R. Cattaneo, “Sur une de l’equation de la chaleur liminant le paradoxe d’une propagation instantane”, Compte. Rend. de L’Academie des Sciences, Series I-Mathematics, 247 (4), 431–433 (1958). • A. Barletta, E. Zanchini, “Hyperbolic heat conduction and local equilibrium: a second law analysis”, Int. J. Heat Mass Trans. 40 (5), 1007 (1997). • Y. M. Ali, L. C. Zhang, “Relativistic heat conduction”, Int. J. Heat Mass Trans. 48, 2397 (2005). • Y. M. Ali, L. C. Zhang, “Relativistic moving heat source”, Int. J. Heat Mass Trans. 48, 2741 (2005). 12Andrei Nikolaevich Tikhonov (1906–1993). O sobre-nome russo “Tikhonov” é por vezes transliterado como “Tykhonov”, “Tichonov” ou ainda “Tychonoff”. Trata-se do mesmo Tikhonov do célebre Teorema de Tikhonov da Topologia Geral. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 769/1730 Seguindo proximamente a exposição de [112], apresentaremos no que segue esse instrutivo contra-exemplo de Tikho- nov. A supracitada referência de Tikhonov de 1935 contém resultados ainda mais fortes, pois apresenta uma solução geral da equação (17.68). Sejam a e b ∈ R tais que 0 < a < b <∞ e seja g : R → R a função definida por g(z) := e − 12 “ 1 (z−a)2 + 1 (z−b)2 ” , para a < z < b , 0 , para z ≤ a ou z ≥ b . A função g é cont́ınua e infinitamente diferenciável e tem suporte, assim como todas as suas derivadas, no intervalo [a, b]. É posśıvel demonstrar (vide [112], Lemma 67.2) que para cada n ∈ N0 vale a seguinte majoração para a n-ésima derivada de g: ∣∣∣g(n)(x) ∣∣∣ ≤ 26nn3n/2 , (17.80) para todo x ∈ R. Seja agora a função φ(x, t) definida por φ(x, t) := ∞∑ m=0 g(m)(Dt) (2m)! x2m . (17.81) Com a majoração (17.80) é relativamente fácil demonstrar que para cada t ∈ R, a série do lado direito é absolutamente convergente em {x ∈ C||x| < R} para todo R > 0 e, portanto, é uniformemente convergente como função de x em todo compacto de C. Assim, φ está definida para todo t ∈ R e todo x ∈ C e, para cada t ∈ R, a função φ(x, t) é anaĺıtica como função de x em todo C. A função φ, como função de t, tem suporte no intervalo [a/D, b/D] e, portanto, vale φ(x, 0) = 0 para todo x ∈ R. Usando a majoração (17.80) é relativamente fácil demonstrar também que, para cada p, q ∈ N0, a série de derivadas parciais em relação a t e x dada por ∞∑ m=0 ∂p+q ∂tp∂xq ( g(m)(Dt) (2m)! x2m ) = Dp ∞∑ m=0 2m≥q g(m+p)(Dt) (2m− q)! x 2m−q (17.82) também converge absoluta e uniformemente em compactos. Segundo a Proposição 30.4, página 1384, isso mostra que φ é infinitamente diferenciável e que ∂ p+q ∂tp∂xqφ(x, t) é dada pelo lado direito de (17.82). Temos, portanto que ∂ ∂t φ(x, t) = D ∞∑ m=0 g(m+1)(Dt) (2m)! x2m m→m−1 = D ∞∑ m=1 g(m)(Dt) (2m− 2)! x 2m−2 e que D ∂2 ∂x2 φ(x, t) = D ∞∑ m=0 2m≥2 g(m)(Dt) (2m− 2)! x 2m−2 = D ∞∑ m=1 g(m)(Dt) (2m− 2)! x 2m−2 . Comparando as duas expressões constatamos ter provado que ∂∂tφ(x, t) = D ∂2 ∂x2φ(x, t) para todos x ∈ R e t ∈ R. Isso prova que φ satisfaz a equação de difusão (17.68), satisfazendo também a condição inicial φ(x, 0) = 0 para todo x ∈ R. Logo, tomando u dado em (17.78) e a função φ acima, conclúımos que a função v = u + φ também satisfaz (17.68) para todos x ∈ R e t > 0 e satisfaz lim t→0+ v(x, t) = u0(x) para todo x ∈ R, com o limite sendo uniforme, ou seja, lim t→0+ sup x∈R ∣∣v(x, t) − u0(x) ∣∣ = 0. Assim, a solução de (17.68) satisfazendo também a condição inicial u(x, 0) = 0 não é única! A solução φ de (17.81) é identicamente nula até t = a/D, então torna-se não-nula entre t = a/D e t = b/D, tornando- se novamente identicamente nula para todo t > b/D. Se pensarmos no modelo de uma barra termicamente condutora infinita e isolada, essa solução é anti-intuitiva, pois não se espera de uma barra isolada a temperatura zero que esta espontaneamente adquira uma distribuição de temperaturas não-nula durante um intervalo finito e, depois do mesmo, retorne ao estado de temperatura nula. O que explica essa solução é o fato discutido acima de que, em problemas de difusão como o aqui tratado, o calor pode propagar-se com velocidade arbitrariamente grande. Soluções como a JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 772/1730 onde a última desigualdade segue da hipótese que f e g satisfazem (17.91). Com isso, segue que L[αf +βg](s) está bem definida para Re (s) ≥ γ e vale L[αf + βg](s) = αL[f ](s) + βL[g](s) , (17.93) que expressa a linearidade da transformada de Laplace. 2. Regra de derivação. Seja f : R+ → C uma função que satisfaz as seguintes hipóteses: a) f satisfaz (17.91) para algum γ ∈ R; b) f é continua e diferenciável e sua derivada f ′ também satisfaz (17.91) para o mesmo γ ∈ R. Com essa última condição L[f ′](s) está bem definida para Re (s) ≥ γ e vale, por integração por partes, L[f ′](s) = f(t)e−st ∣∣∞ 0 − ∫ ∞ 0 dtf(t) d dt e−st . (17.94) Pela hipótese que f satisfaz (17.91) segue que lim t→∞ f(t)e−st = 0. Dáı, segue imediatamente que L[f ′](s) = −f(0) + s ∫ ∞ 0 dtf(t)e−st , (17.95) ou seja, L[f ′](s) = sL[f ](s) − f(0) . (17.96) Esta relação é extremamente útil nas aplicações da transformada de Laplace à teoria das equações diferenciais. Diŕıamos que é a própria razão-de-ser das transformadas de Laplace. Veremos adiante como fazer uso dela. Para finalizar esse rápido resumo sobre as transformadas de Laplace, citemos a propriedade, dita 3. Propriedade de convolução: se f e g possuem uma transformada de Laplace, então L[f ](s)L[g](s) = L[f ∗ g](s) , (17.97) onde (f ∗ g)(t) := ∫ t 0 f(t− τ)g(τ) dτ . (17.98) E. 17.5 Exerćıcio. Demonstre isso. 6 A expressão f ∗ g é denominada produto de convolução de f e g e valem as seguintes relações: comutatividade, f ∗ g = g ∗ f (17.99) e associatividade, f ∗ (g ∗ h) = (f ∗ g) ∗ h . (17.100) E. 17.6 Exerćıcio. Verifique essas últimas relações. 6 • Resolução de problemas da classe I Retornemos agora aos problemas da classe I que discutimos acima e vamos tentar atacá-los fazendo uso da trans- formada de Laplace. Consideremos a temperatura u(t, x), solução de (17.84) com as condições iniciais e de contorno correspondentes e vamos admitir, por ora sem justificativa, que L[u] e L[∂u∂t ] estejam bem definidas (para, digamos, s > 0). A justificativa pode ser apresentada a posteriori, quando nos confrontarmos com a solução assim obtida. Como u é uma função de duas variáveis, temos que precisar o que entendemos por L[u]. Aqui, L[u] representa a transformada de Laplace em relação à variável t: L[u](s, x) = ∫ ∞ 0 dt u(t, x)e−st . (17.101) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 773/1730 (Note-se que podemos também definir uma transformada de Laplace em relação à variável x, mas não o faremos aqui). Aplicando a transformada de Laplace à equação (17.84) obtemos L [ ∂u ∂t ] (s, x) −DL [ ∂2u ∂x2 ] (s, x) = 0 . (17.102) Usando a regra de derivação da transformada de Laplace isso fica sL [u] (s, x) − u(0, x) −DL [ ∂2u ∂x2 ] (s, x) = 0 . (17.103) Tem-se também que L [ ∂2u ∂x2 ] (s, x) = ∂2 ∂x2 L[u](s, x) . (17.104) E. 17.7 Exerćıcio. Justifique essa última expressão. 6 Assim, usando a condição inicial u(0, x) = u0(x), conclúımos: ∂2 ∂x2 L[u](s, x) − s D L [u] (s, x) = − 1 D u0(x) . (17.105) Esta é em geral uma equação diferencial linear ordinária (pois só envolve derivadas em relação a x) não-homogênea (devido ao termo − 1Du0(x) do lado direito) para a função L[u](s, x). Sua solução é fundamental para o método. Não vamos resolve-la aqui na sua forma mais geral mas, a t́ıtulo de ilustração, vamos fazê-lo no caso em que u0(x) ≡ 0, ou seja, no caso em que a temperatura inicial da barra é zero em toda parte. Com essa restrição, a equação acima torna-se simplesmente ∂2 ∂x2 L[u](s, x) − s D L [u] (s, x) = 0 , (17.106) cuja solução geral é L[u](s, x) = A(s)e − x√ D √ s +B(s)e + x√ D √ s , s > 0 , (17.107) onde A(s) e B(s) são funções limitadas arbitrárias a serem convenientemente escolhidas, E. 17.8 Exerćıcio. Justifique essa última expressão. 6 Passemos agora à determinação das funções A e B. A primeira observação que fazemos é a seguinte: para uma solução u(t, x) fisicamente razoável, ou seja, que satisfaça à “condição de contorno no infinito” lim x→∞ u(t, x) < ∞ para todo t ≥ 0 mencionada acima, devemos ter B(s) ≡ 0. Com o dito acima, a relação (17.107) reduz-se a L[u](s, x) = A(s)e − x√ D √ s , s > 0, (17.108) Resta-nos determinar a função A(s), o que será feito impondo-se as condições de contorno. O que fazemos para a classe I é tomar a derivada em relação a x de ambos os lados de (17.108), obtendo L [ ∂u ∂x ] (s, x) = ∫ ∞ 0 e−st ∂u ∂x (t, x) = − √ s√ D A(s)e − x√ D √ s , s > 0 , (17.109) Tomando-se x = 0, e lembrando que ∂u∂x (t, x) = −q(t), ficamos com A(s) = √ D 1√ s L[q](s) . (17.110) Portanto, L[u](s, x) = √ D L[q](s) e − x√ D √ s √ s . (17.111) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 774/1730 Notemos neste ponto que e − x√ D √ s √ s = L [ 1√ π e− x2 4Dt √ t ] (s) , (17.112) expressão essa que demonstramos no Apêndice 17.A, página 861. Logo, usando a propriedade de convolução, segue que u(t, x) = √ D π ∫ t 0 q(t− τ)e − x24Dτ √ τ dτ . (17.113) Para cada função q dada a última relação expressa a solução u(t, x) desejada. A tarefa de calcular a integral do lado direito nem sempre pode ser completada de modo fechado, mesmo para funções mais simples. Por exemplo, se q(t) = q0, constante, o que expressa uma condição de contorno em que o fluxo de calor para dentro da barra é constante no tempo, temos u(t, x) = q0 √ D π ∫ t 0 e− x2 4Dτ √ τ dτ (17.114) e a integral a direita não pode ser expressa em termos de funções elementares. E. 17.9 Exerćıcio. A equação (17.113) expressa a solução dos problemas da classe I para o caso em que u0 é identicamente nula. Tente obter a solução para o caso em que u0 é não-nula. 6 • Resolução de problemas da classe II Trataremos agora dos problemas de tipo II, adotando novamente u0(x) ≡ 0. Seguindo os mesmos passos do caso I chegamos novamente à relação (17.108) e determinamos agora A(s) tomando x = 0 em ambos os lados, o que fornece A(s) = L[T ](s) . (17.115) Assim, L[u](s, x) = L[T ](s) e − x√ D √ s . (17.116) Notemos, então, que e − x√ D √ s = x 2 √ Dπ L [ e− x2 4Dt t3/2 ] (s) , (17.117) igualdade essa que se encontra demonstrada no Apêndice 17.A, página 861. Logo, usando a propriedade de convolução, segue que u(t, x) = x 2 √ Dπ ∫ t 0 T (t− τ)e − x24Dτ τ3/2 dτ . (17.118) Novamente temos acima a solução para uma função T (t) arbitrária. Consideremos o caso particular em que T (t) = T0, constante, que corresponde à condição inicial na qual o extremo da barra está em contacto com um reservatório à temperatura constante. Com a mudança de variável y = x√ 4D τ−1/2 ficamos com u(t, x) = T0 2√ π ∫ ∞ x√ 4Dt e−y 2 dy , ou seja, u(t, x) = T0 ( 1 − erf ( x√ 4Dt )) , (17.119) onde erf é a chamada função erro, definida como erf (x) := 2 π ∫ x 0 e−y 2 dy, x ∈ R . (17.120) E. 17.10 Exerćıcio. Verifique essas últimas expressões. 6 Note-se que u(t, x) é constante para x = α √ t, α constante. Esse comportamento com a raiz quadrada é t́ıpico de processos difusivos em uma dimensão. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 777/1730 no instante t > 0? Contemplando a solução de D’Alembert (17.125), vemos que só afetarão u(x, t) as modificações feitas em u0 nas posições x ± ct e as modificações feitas em v0 em todo o intervalo (x − ct, x + ct). Modificações fora dessas regiões não afetam u na posição x no instante t > 0. Assim, o valor de u na posição x no instante t > 0 é causalmente17 afetado apenas pelo que ocorre no intervalo espacial [x − ct, x + ct] do instante t = 0, sendo que no caso da condição f , apenas pelo que ocorre nos extremos desse intervalo. Esse intervalo da superf́ıcie inicial do qual u(x, t) depende é denominado domı́nio de dependência de u(x, t). Se as condições iniciais tivessem sido fixadas em um instante t′ < t evidentemente concluiŕıamos que só afetariam o valor de u(x, t) os valores de u0 e v0 contidos no intervalo [x − c(t − t′), x + c(t − t′)]. Generalizando, conclúımos que só poderão afetar o valor de u(x, t) os valores de condições iniciais fixados dentro do fecho do cone de luz passado com vértice em (x, t), V −(x, t), definido por V −(x, t) := { (x′, t′) ∈ R2, (t− t′)2 − c2(x − x′)2 > 0 , t′ < t } . Vide Figura 17.5, página 777. x (x, t) t + − V V (x, t) (x, t) Figura 17.5: Os cones de luz futuro V +(x, t) e passado V − (x, t) com vértice em (x, t). A figura também indica (linhas em negrito) as respectivas fronteiras: ∂V +(x, t) e ∂V − (x, t). Essa caracteŕıstica da equação de ondas é comum a todas as equações de tipo hiperbólico (para a definição, vide adiante). Omitiremos a demonstração dessa afirmação aqui. Devido à natureza hiperbólica de todas as equações f́ısicas fundamentais18, a noção de que eventos em um ponto (x, t) só podem ser afetados por eventos ocorridos no fecho de seu cone de luz passado V −(x, t) é denominado prinćıpio de propagação com velocidade finita. No contexto do Eletromagnetismo e da Teoria de Campos esse é um prinćıpio f́ısico fundamental e é denominado prinćıpio de causalidade de Einstein19. Trata-se de um prinćıpio com conseqüências fundamentais no domı́nio da Teoria da Relatividade Geral e na Teoria Quântica de Campos. Definimos analogamente o cone de luz futuro com vértice em (x, t), V +(x, t), por V +(x, t) := { (x′, t′) ∈ R2, (t− t′)2 − c2(x − x′)2 > 0 , t′ > t } . 17De “causa”, no sentido de “causa e efeito”. 18A equação de Schrödinger, assim como a equação de difusão, não são hiperbólicas, pois são equações válidas apenas no domı́nio não- relativ́ıstico. Já as equações de Maxwell, de Dirac e de Klein-Gordon têm caráter hiperbólico. 19Albert Einstein (1879–1955). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 778/1730 O mesmo prinćıpio de causalidade afirma que eventos ocorridos em (x, t) só podem afetar eventos contidos em V +(x, t), que é também denominado domı́nio de influência de (x, t). Igualmente importante é a fronteira dos cones V ±(x, t), denotadas por ∂V ± (x, t) e dadas por ∂V −(x, t) = { (x′, t′) ∈ R2, (t−t′)2−c2(x−x′)2 = 0, t′ ≤ t } e ∂V +(x, t) = { (x′, t′) ∈ R2, (t−t′)2−c2(x−x′)2 = 0, t′ ≥ t } . • O Prinćıpio de Huygens em 1 + 1 dimensões Existe mais um aspecto da solução de D’Alembert que merece comentário. Como facilmente se infere da mesma e da discussão acima, mudanças na condição inicial u(x, 0) no ponto20 (x, 0) propagam-se para o futuro ao longo de ∂V +(x, 0) enquanto que mudanças na condição inicial ∂u∂t (x, 0) no ponto (x, 0) propagam-se para o futuro ao longo de V +(x, 0). E. 17.13 Exerćıcio. Justifique as afirmativas do último parágrafo! 6 Em espaços com dimensão espacial 3, 5, 7, ou qualquer número ı́mpar diferente de 1, ocorre que mudanças em ambas as condições inicial u(~x, 0) e ∂u∂t (~x, 0) no ponto (~x, 0) propagam-se para o futuro ao longo de ∂V + (~x, 0). Esse fenômeno é denominado Prinćıpio de Huygens21. Em espaços com dimensão espacial 2, 4, 6, ou qualquer número par, ocorre que mudanças em ambas as condições inicial u(~x, 0) e ∂u∂t (~x, 0) no ponto (~x, 0) propagam-se para o futuro ao longo de V + (x, 0). O caso de uma dimensão espacial, como comentamos acima, é especial, pois vale o prinćıpio de Huygens para a condição inicial u(x, 0) mas não para a condição inicial ∂u∂t (x, 0). Mais adiante veremos de forma expĺıcita o que ocorre em 3+ 1 e 2+ 1 dimensões. Para uma discussão detalhada do prinćıpio de Huygens em várias dimensões e mesmo para famı́lias mais gerais de equações que as equações de ondas, vide [41], Caṕıtulo VI, [195] ou [49]. 17.4.2 Interlúdio: Ondas Caminhantes e a Equação do Telégrafo • A equação do telégrafo Sob hipóteses adequadas, a equação diferencial que rege uma linha de transmissão elétrica é a chamada equação do telégrafo ∂2u ∂t2 − c2 ∂ 2u ∂x2 + γ ∂u ∂t + βu = 0 , (17.128) onde u(x, t) pode representar o potencial (em relação à terra) no ponto x no instante t da linha (suposta idealmente unidimensional e homogênea) ou a corrente elétrica nesse mesmo ponto, e onde as constantes c, γ e β relacionam-se com parâmetros f́ısicos da linha através das seguintes equações: c = 1√ ℓκ , β = ρσ ℓκ e γ = ρκ+ ℓσ ℓκ , (17.129) sendo ρ a resistividade (resistência por unidade de comprimento) do fio condutor que compõe a linha, ℓ a indutância por unidade de comprimento da linha, κ a capacitância por unidade de comprimento da linha e σ sendo a condutividade (inverso da resistência) por unidade de comprimento associada às perdas de corrente da linha ao ambiente produzidas por imperfeições do isolamento elétrico do fio condutor que a compõe (perdas essas que não podem ser desprezadas em linhas de transmissão de longas distâncias). A equação (17.128)–(17.129), provavelmente obtida pela primeira vez por William Thomson22, futuro Lord Kelvin, descreve bem tanto linhas de transmissão de potência (como aquelas que saem das grandes usinas de energia elétrica), quanto linhas de transmissão telegráfica e telefônica, como cabos continentais ou submarinos de comunicação, existentes desde meados do século XIX. É de se observar que, segundo (17.129), as constantes c, β e γ são estritamente positivas em situações realistas, o que assumiremos no que segue. 20Isso é um abuso de linguagem, pois, estritamente falando, mudanças não podem ser feitas em um único ponto (isso violaria a continuidade das funções), mas em uma pequena vizinhança de um ponto. 21Christiaan Huygens (1629–1695). 22William Thomson (1824–1907). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 779/1730 A dedução de (17.128)–(17.129) não é dif́ıcil, sendo para tal empregados alguns dos prinćıpios básicos do Eletromag- netismo, como a Lei de Indução de Faraday23, a Lei de Kirchhoff24 etc. Uma dedução de (17.128)–(17.129) pode ser acompanhada, por exemplo, em [54]. A solução do problema de Cauchy da equação (17.128) é discutida na Seção 17.10, página 820, como caso particular da equação lá tratada. Aqui vamos considerar a equação (17.128) na semi-reta x > 0, tendo por objetivo descrever uma situação na qual um sinal (de telégrafo, de telefone etc) é produzido em x = 0, propagando-se para a região x > 0. A equação (17.128) é uma equação hiperbólica mas, ao contrário da equação de ondas, equação (17.121), a equação do telégrafo não apresenta soluções na forma de ondas caminhantes do tipo f(x− c0t) (que se propagam sem deformação da esquerda para direita com velocidade c0, para algum parâmetro c0 > 0) e que possuam caracteŕısticas f́ısicas “razoáveis”. Isso é melhor entendido no exerćıcio que segue. E. 17.14 Exerćıcio-dirigido. Considere que exista uma função f tal que u(x, t) = f(x − c0t) seja solução de (17.128) (para c > 0, β > 0 e γ > 0) na região x > 0 para alguma constante c0 > 0. Mostre que f satisfaz a equação diferencial ordinária linear a coeficientes constantes ( c20 − c2 ) f ′′ − c0γf ′ + βf = 0 . Há vários casos a considerar. I. Caso c0 = c a solução dessa equação é (a menos de uma constante multiplicativa) f(s) = e β c0γ s, fornecendo para (17.128) a solução u(x, t) = e β c0γ (x−ct) . Para cada t essa solução diverge em x → ∞, o que significa que uma tal solução requer energia infinita para ser produzida. II. Caso c0 6= c, mostre que a solução dessa equação é da forma f(s) = A+e λ+s +A−e λ−s , para s ∈ R, com A± sendo constantes arbitrárias e com λ± = c0γ 2 ( c20 − c2 ) [ 1 ± √ 1 − 4β γ2 ( 1 − c 2 c20 )] . Há dois casos a se considerar: IIa. Caso c0 > c. Nesse caso, ou λ± são ambas reais e positivas ou ambas têm parte real c0γ 2 ( c20−c2 ) , que é igualmente positiva. Justifique! Assim, a solução de (17.128) seria u(x, t) = A+e λ+(x−ct) +A−e λ−(x−ct) , que também diverge em x→ ∞ para cada t, uma situação desinteressante pelas razões já expostas. IIb. Caso c0 < c. Nesse caso, λ± são ambas reais, com λ+ sendo sempre negativa e λ− sempre positiva. Justifique! Assim, escolhendo A− = 0 teremos interesse pela solução u(x, t) = A+e λ+(x−ct) para (17.128), a qual decai a zero para x → ∞. Porém, para cada x ≥ 0 essa solução diverge quando t → ∞, indicando que para que a mesma seja produzida uma energia ilimitada deve ser dispendida pela fonte (situada, digamos, em x = 0) ao longo do tempo. Da análise dos casos acima constata-se que (17.128) não exibe soluções que se propagam sem se deformar com velocidade finita a partir de uma fonte localizada em x = 0 e que sejam produzidas com energia finita. É de se notar também que, ao contrário da equação de ondas (17.121), não há aqui soluções na forma f(x − c0t) para funções f arbitrárias, apenas para certas funções f espećıficas. Assim, não há a possibilidade, mesmo com energia infinita à disposição, de se ter transmissão de sinais arbitrários e que se propaguem com velocidade definida e sem deformação. 6 23Michael Faraday (1791–1867). 24Gustav Robert Kirchhoff (1824–1887). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 782/1730 17.4.3.1 Sólitons na Equação de Korteweg-de Vries Vamos considerar a equação de Korteweg-de Vries (13.13) (também denominada equação KdV) na sua forma (13.14): ∂ u ∂t + ∂3 u ∂x3 + 6u ∂ u ∂x = 0 (17.132) e procuremos para (17.132) soluções na forma de ondas caminhantes u(x, t) = f(x − c0t) para x ∈ R e t ∈ R, para alguma função f e alguma constante c0. Inserindo o Ansatz u(x, t) = f(x − c0t) em (17.132), obtém-se f ′′′(x − c0t) + 6f(x − c0t)f ′(x − c0t) − c0f ′(x − c0t) = 0. Verifique! Escrevendo s := x − c0t, procuramos, portanto, soluções f da equação diferencial ordinária f ′′′(s) + 6f(s)f ′(s) − c0f ′(s) = 0 (17.133) para todo s ∈ R. Trata-se de uma equação de terceira ordem e não-linear. Para resolvermos (17.133) seguiremos um procedimento comummente usado na resolução de equações ordinárias, a saber, procuramos transformar (17.133) em uma equação de ordem menor. Observe-se em primeiro lugar que (17.133) pode ser reescrita como f ′′′(s) + 3 dds ( f(s)2 ) − c0f ′(s) = 0 ou seja, d ds ( f ′′(s) + 3f(s)2 − c0f(s) ) = 0 , o que implica f ′′(s) + 3f(s)2 − c0f(s) = a , (17.134) para alguma constante a. Multiplicando-se (17.134) por f ′(s), obtemos f ′(s)f ′′(s) + 3f(s)2f ′(s) − c0f(s)f ′(s) = af ′(s), que equivale a d ds ( 1 2 ( f ′(s) )2 + f(s)3 − c0 2 f(s)2 − af(s) ) = 0 , o que, por sua vez, implica ( f ′(s) )2 + 2f(s)3 − c0f(s)2 − 2af(s) = b (17.135) para alguma constante b. Essa é uma equação de primeira ordem equivalente à equação de terceira ordem (17.133). No que segue, obteremos não a solução geral de (17.135) (o que não é dif́ıcil, por integração, fornecendo a solução em termos de funções eĺıpticas), mas nos interessaremos por soluções espećıficas que satisfaçam lim s→∞ f(s) = lim s→∞ f ′(s) = lim s→∞ f ′′(s) = 0 , (17.136) (ou, equivalentemente, a mesma condição com s → ∞ substitúıda por s → −∞). Como veremos, essas condições (que representam condições de contorno em +∞) correspondem a soluções essencialmente localizadas em uma região finita e que decaem rapidamente a zero em ±∞. A imposição de (17.136) a (17.134) implica a = 0 e a (17.135) que b = 0. Ficamos assim restritos a resolver a equação ( f ′(s) )2 = c0f(s) 2 − 2f(s)3 , que equivale ao par de equações f ′(s) = ± √ c0f(s)2 − 2f(s)3. Como a troca de sinais ± equivale à troca s → ±s, é suficiente resolvermos uma das equações, por exemplo f ′(s) = − √ c0f(s)2 − 2f(s)3 , (17.137) o que pode ser feito por integração. Temos ∫ df f √ c0 − 2f = − ∫ ds = −(s− x0) , para alguma constante de integração x0. A integral do lado esquerdo pode ser facilmente calculada com a mudança de variável f = c02 ( cosh θ )−2 , com o que teremos ∫ df f √ c0−2f = − 2√ c0 ∫ dθ = − 2√c0 θ. Verifique! Assim, θ = √ c0 2 (s − x0), e obtemos f(s) = c0 2 1 [ cosh (√ c0 2 (s− x0) )]2 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 783/1730 como solução de (17.137) satisfazendo (17.136). Portanto, a solução procurada para a equação de Korteweg-de Vries (17.132) é u(x, t) = c0 2 1 [ cosh (√ c0 2 ( x− c0t− x0 ))]2 . (17.138) Essa solução é dita ser o sóliton da equação de Korteweg-de Vries. As constantes x0 e c0, acima, são arbitrárias. Alterar o valor de x0 equivale apenas a uma translação espacial da solução ou do sistema de coordenadas. Já a constante c0, além de representar a velocidade de fase da onda (17.138) aparece multiplicando a função do lado direito e seu argumento. Assim, aumentar c0 aumenta a velocidade de fase da onda, aumenta sua amplitude e torna-a mais estreita. Vide Figura 17.6, página 783. Esse sóliton é considerado uma excelente descrição teórica da onda observada por Scott Russell e pode ser produzido facilmente em laboratório usando-se canais rasos e estreitos. u x c 0 u x c 0 Figura 17.6: As duas figuras reproduzem o perfil de sólitons do tipo (17.138) da equação de Korteweg-de Vries em um dado instante de tempo para dois valores de c0. O valor de c0 na figura do lado esquerdo é menor que na do lado direito. Aumentando-se c0 aumentam a velocidade de fase da onda e sua a amplitude, mas seu perfil torna-se mais estreito. E. 17.15 Exerćıcio. Procedendo de forma análoga àquela que empregamos no tratamento da equação de Korteweg-de Vries obtenha soluções solitônicas para a equação ∂ u ∂t + ∂3 u ∂x3 + 6u2 ∂ u ∂x = 0 , (17.139) denominada equação de Korteweg-de Vries modificada, ou equação MKdV. 6 17.4.3.2 Sólitons na Equação de Sine-Gordon Uma outra equação a derivadas parciais relevante que exibe soluções do tipo de sólitons é a chamada equação de Sine- Gordon, equação (13.12), página 602: ∂2 u ∂t2 − c2 ∂ 2 u ∂x2 + β sen (u) = 0 , (17.140) com c > 0, β > 0. Essa equação ocorre em diversos sistemas f́ısicos, entre eles, uma cadeia de pêndulos idênticos harmonicamente acoplados suspensos em um campo gravitacional constante. Seguindo os passos do tratamento que demos logo acima à equação KdV, procuremos para (17.140) soluções da forma u(x, t) = f(x − c0t) para alguma função f e alguma constante c0 > 0. Da equação (17.140) obtemos para f a equação diferencial ( c2 − c20 ) f ′′(s) − β sen ( f(s) ) = 0 , novamente com s = x − c0t. Para resolver essa equação vamos transformá-la em uma equação de primeira ordem. Multiplicando-a por f ′(s) e usando os fatos que f ′(s)f ′′(s) = 12 d ds ( f ′(s) )2 e que f ′(s) sen ( f(s) ) = − dds cos ( f(s) ) , JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 784/1730 obtemos d ds (( c2 − c20 ) 2 ( f ′(s) )2 + β cos ( f(s) ) ) = 0 , o que implica ( c2 − c20 ) 2 ( f ′(s) )2 + β cos ( f(s) ) = a (17.141) para alguma constante a. Não vamos no que segue procurar a solução geral dessa equação, mas apenas aquelas que satisfaçam as seguintes condições: lim s→−∞ f(s) = lim s→−∞ f ′(s) = 0 . Impondo essas condições a (17.141) obtemos a = β. Com isso (17.141) fica c2−c20 2 ( f ′(s) )2 + β ( cos ( f(s) ) − 1 ) = 0, que também pode ser escrita como ( c2 − c20 ) 2 ( f ′(s) )2 = 2β ( sen ( f(s) 2 ))2 . (17.142) Observe-se que, como β > 0, essa equação só é posśıvel para |c0| < c, o que suporemos doravante. A equação (17.142) equivale às equações f ′(s) = ±2 √ β c2−c20 sen ( f(s) 2 ) . Como a troca de sinais corresponde à troca s→ ±s, consideraremos apenas a equação f ′(s) = 2 √ β c2 − c20 sen ( f(s) 2 ) . Dela obtemos ∫ df sen ( f(s) 2 ) = 2 √ β c2 − c20 ( s− x0 ) , (17.143) com x0 sendo uma constante de integração. Com a mudança de variáveis f = 4 arctan(e y) teremos df = 4e y 1+e2y dy e sen ( f 2 ) = 2e y 1+e2y . Verifique! Assim, ∫ df sen ( f(s)2 ) = 2 ∫ dy = 2y (verifique!) e obtemos de (17.143) que y = √ β c2−c20 ( s−x0 ) . Logo, f(s) = 4 arctan ( e r β c2−c2 0 ( s−x0 )) é a solução procurada de (17.142), do que se conclui que a a solução procurada de (17.140) é u(x, t) = 4 arctan ( e r β c2−c2 0 ( x−c0t−x0 )) , (17.144) com |c0| < c. Essa solução é dita ser o sóliton da equação de Sine-Gordon. As constantes x0 e c0, acima, são arbitrárias, mas com |c0| < c. Alterar o valor de x0 equivale apenas a uma translação espacial da solução ou do sistema de coordenadas. Quando c0 aproxima-se de c o perfil da função torna-se mais estreito. Vide Figura 17.7, página 785. Da solução (17.144) é fácil de se provar que para cada t vale lim x→−∞ u(x, t) = 0 mas lim x→+∞ u(x, t) = 2π. Assim, a solução (17.144) interpola 0 a 2π quando x vai de −∞ a +∞ e isso para cada instante t. 17.4.3.3 Sólitons no Modelo de Poço-Duplo O tratamento que demos acima à equação de Sine-Gordon pode ser estendido a uma classe de equações com caracteŕısticas semelhantes àquela. Seja V : R → R uma função não-negativa (isto é, V (u) ≥ 0 para todo u ∈ R) diferenciável, com um mı́nimo em u0 onde valha V (u0) = 0. Dizemos que V é o potencial do problema tratado. Considere-se a equação a derivadas parciais ∂2 u ∂t2 − c2 ∂ 2 u ∂x2 + V ′(u) = 0 , (17.145) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 787/1730 Escrevendo u na forma polar u = ρeiφ, com ρ e φ reais, obtemos de (17.151) após separarmos as partes real e imaginária, o par de equações ρt = − ~ m ρxφx − ~ 2m ρφxx , (17.152) ρφt = ~ 2m ρxx − ~ 2m ρ ( φx )2 − g ~ ρ3 . (17.153) Verifique! Adotemos agora φ na forma φ(x, t) = λx+ ωt com λ e ω constantes. Com essa escolha (17.152)–(17.153) ficam ρt = − ~λ m ρx , (17.154) ρxx = 2mg ~2 ρ3 + ( 2m ~ ω + λ2 ) ρ . (17.155) Verifique! A equação (17.154) implica que ρ é da forma ρ(x, t) = f(x− c0t) (17.156) para alguma função f a ser determinada por (17.155), sendo c0 = ~λ m , ou seja, ρ tem a forma de uma onda caminhante com velocidade de fase c0. Com isso, vemos que estamos lidando com soluções u para (17.151) da forma u(x, t) = f(x− c0t) ei(λx+ωt) . (17.157) Com (17.156) a equação (17.155) fica f ′′(s) = 2mg ~2 f(s)3 + ( 2m ~ ω + λ2 ) f(s) , (17.158) com s := x− c0t. Multiplicando-se ambos os lados de (17.158) por f ′(s) obtemos d ds [ 1 2 ( f ′(s) )2 − mg 2~2 f(s)4 − 1 2 ( 2m ~ ω + λ2 ) f(s)2 ] = 0 , do que se conclui que ( f ′(s) )2 − αf(s)4 − βf(s)2 = a , (17.159) com a sendo uma constante e onde definimos α := mg ~2 e β := 2m ~ ω + λ2 . A partir deste ponto diversas condições distintas devem ser consideradas e iremos nos concentrar naquelas de conduzem aos resultados que nos interessam no presente contexto. I. Caso a = 0. Se impusermos condições de contorno em s→ −∞ do tipo lim s→−∞ f ′(s) = 0 e lim s→−∞ ( αf(s)4 + βf(s)2 ) = 0 então (17.159) implica a = 0 e (17.159) torna-se ( f ′(s) )2 = αf(s)4 + βf(s)2 . (17.160) Note-se que essa equação é imposśıvel se α < 0 e β < 0. Como nos interessamos pelo caso em que o termo não-linear de (17.151) está presente, ou seja, g 6= 0, temos α 6= 0. Há, quatro casos a considerar. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 788/1730 I.a. Caso α < 0 e β > 0. Neste caso, (17.160) implica f ′(s) = ± √ βf(s) √ 1 − γf(s)2 com γ := |α|β . O sinal ± pode ser absorvido com a troca s → ±s e, escolhendo o sinal −, teremos ∫ df f √ 1−γf(s)2 = −√β(s − x0), com x0 sendo uma constante de integração. A mudança de variável f = 1√γ cosh θ conduz a ∫ df f √ γf(s)2−1 = − ∫ dθ = −θ. Assim, θ = √ β(s− x0) e obtemos f(s) = 1 √ γ cosh (√ β(s− x0) ) . (17.161) Essa expressão conduz a uma solução de tipo sóliton, a qual discutiremos logo adiante. Os três casos seguintes também apresentam soluções de tipo sóliton, mas todas têm um interesse reduzido devido à presença de singularidades nas mesmas. I.b. Caso α > 0 e β > 0. Neste caso, (17.160) implica f ′(s) = ± √ βf(s) √ γf(s)2 + 1 com γ := αβ . O sinal ± pode ser absorvido com a troca s→ ±s e, escolhendo o sinal −, teremos ∫ df f √ γf(s)2+1 = − √ β(s− x0), com x0 sendo uma constante de integração. A mudança de variável f = 1√γ senhθ conduz a ∫ df f √ γf(s)2+1 = − ∫ dθ = −θ. Assim, θ = √ β(s−x0) e obtemos f(s) = 1 √ γ senh (√ β(s− x0) ) . Essa solução é de interesse limitado, pois é singular em s = x0. I.c. Caso α > 0 e β < 0. Neste caso, (17.160) implica f ′(s) = ± √ |β|f(s) √ γf(s)2 − 1 com γ := α|β| . O sinal ± pode ser absorvido com a troca s→ ±s e, escolhendo o sinal +, teremos ∫ df f √ γf(s)2−1 = √ β(s− x0), com x0 sendo uma constante de integração. A mudança de variável f = 1√γ cos θ conduz a ∫ df f √ γf(s)2−1 = ∫ dθ = θ. Assim, θ = √ |β|(s− x0) e obtemos f(s) = 1 √ γ cos (√ |β|(s− x0) ) . Essa solução é de interesse limitado, pois é singular em s = x0 ± π2 . I.d. Caso α > 0 e β = 0. Neste caso, (17.160) implica f ′(s) = ±√αf(s)2, cuja solução é f(s) = ∓1√ α(s− x0) . Essa solução é de interesse limitado, pois é singular em s = x0. II. Caso a 6= 0. Dentre todos os casos posśıveis vamos nos interessar por um especificamente, a saber, aquele no qual α > 0 e β < 0. A relação (17.159) se escreve ( f ′(s) )2 = αf(s)4 − |β|f(s)2 + a = α ( f(s)2 − |β| 2α )2 + a− |β| 2 4α . (17.162) Se impusermos condições de contorno em s→ −∞ do tipo lim s→−∞ f ′(s) = 0 e lim s→−∞ f(s) = − √ |β| 2α , então (17.162) implica a = |β| 2 4α e ficamos com ( f ′(s) )2 = α ( f(s)2 − |β| 2α )2 , (17.163) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 789/1730 Consideremos, portanto a equação f ′(s) = −√α ( f(s)2 − |β|2α ) . Temos ∫ df f2− |β|2α = −√α(s− x0). Com a mudança de variáveis f = √ |β| 2α y obtemos ∫ df f2− |β|2α = − √ 2α |β| ∫ dy 1−y2 = − √ 2α |β|argtanh(y). Logo, f(s) = √ |β| 2α tanh (√ |β| 2 (s− x0) ) . (17.164) Essa expressão conduz a uma solução de tipo sóliton, a qual discutiremos logo adiante. Podemos agora retornar a (17.157) com nossos resultados de acima, mas iremos nos limitar às soluções (17.161) e (17.164). • O sóliton “claro” da equação de Schrödinger não-linear Para o caso α < 0 (ou seja, g < 0) e β > 0 com a = 0 encontramos a solução (17.161) para f . Retornando a (17.157), isso corresponde a soluções da forma u(x, t) = 1√ γ exp [ i ( λx+ ωt )] cosh (√ β ( x− c0t− x0 )) , com γ := |α|β , c0 := ~λ m , α := mg ~2 e β := 2m ~ ω + λ2. Como a amplitude dessa onda é A := 1√γ e sua velocidade de fase é c0, é conveniente escrevermos u em termos desses dois parâmetros (além de x0 e dos parâmetros da equação de Schrödinger não-linear, g, m e ~). Após algumas contas elementares, obtemos a solução solitônica u(x, t) = A exp { i ~ [ mc0x− 1 2 ( gA2 +mc20 ) t ]} 1 cosh ( A √−mg ~ ( x− c0t− x0 )) . (17.165) (Recordar que g < 0 aqui). A equação de Schrödinger não-linear descreve a propagação de ondas eletromagnéticas em fibras ópticas, onde a quantidade |u(x, t)|2 descreve a intensidade da radiação. Segundo (17.165), |u(x, t)|2 = A2 1[ cosh ( A √−mg ~ ( x− c0t− x0 ))]2 . (17.166) Nesse caso a intensidade luminosa |u(x, t)|2 decai a zero para x→ ±∞ em cada instante t. Um esboço do gráfico dessa função para um dado instante é exibido na Figura, 17.9, página 790, e, como se vê, descreve um pulso localizado de luz de amplitude A2 que se propaga com velocidade c0. Por essa razão a solução (17.165) é denominada sóliton claro da equação de Schrödinger não-linear. O segundo sóliton que discutiremos é do tipo “escuro”. • O sóliton “escuro” da equação de Schrödinger não-linear Para o caso α > 0 (ou seja, g > 0) e β < 0, com a assumindo um valor espećıfico não-nulo, encontramos a solução (17.164) para f . Retornando a (17.157) isso corresponde a soluções da forma u(x, t) = √ |β| 2α exp [ i ( λx+ ωt )] tanh (√ |β| 2 ( x− c0t− x0 ) ) , com c0 := ~λ m , α := mg ~2 e β := 2m ~ ω + λ2. Como a amplitude dessa onda é A := √ |β| 2α e sua velocidade de fase é c0, é conveniente escrevermos u em termos desses dois parâmetros (além de x0 e dos parâmetros da equação de Schrödinger não-linear, g, m e ~). Após algumas contas elementares, obtemos u(x, t) = A exp { i ~ [ mc0x− 1 2 ( gA2 +mc20 ) t ]} tanh ( A √ mg ~ ( x− c0t− x0 )) . (17.167) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 792/1730 com A ∈ S (Rd) e v0(x) = 1 (2π)d/2 ∫ Rd c‖p‖B(p) eip·x dnp = F−1[C](x) , com C(p) := c‖p‖B(p) ∈ S (Rd). Assim, obtemos A(p) = F[u0](p) e B(p) = 1 c‖p‖F[v0](p) . Com isso, (17.173) fica u(x, t) = 1 (2π)d/2 ∫ Rd ( F[u0](p) cos ( c‖p‖t ) + F[v0](p) sen ( c‖p‖t ) c‖p‖ ) eip·x dnp . (17.175) • Justificando a solução (17.175) A expressão (17.175) foi obtida sob a hipótese de a solução u do problema de Cauchy (17.169)–(17.170) (com u0 e v0 ∈ S (Rd)) é um elemento de S (Rd) como função de x. Essa hipótese não foi previamente justificada, mas podemos justifica-la a posteriori estabelecendo por verificação direta que a função do lado direito de (17.175) é, de fato, uma solução do problema de Cauchy (17.169)–(17.170). Isso é o que faremos nas linhas que seguem. Comecemos colocando três observações. A primeira é que as funções cos ( c‖p‖t ) e sen ( c‖p‖t ) c‖p‖ são ambas infinitamente diferenciáveis como funções de p. De fato, as expansões em série de Taylor das funções cosx e sen xx são ∑∞ n=0 (−1)nx2n (2n)! e ∑∞ n=0 (−1)nx2n (2n+1)! , respectivamente e, como se vê, são expansões em série de potências em x 2 e convergentes para todo x ∈ R. Dáı, conclúımos que cos ( c‖p‖t ) e sen ( c‖p‖t ) c‖p‖ podem ser expressas em termos de expansões em séries de potências de p2 = p21 + · · · + p2d, o que faz de ambas funções infinitamente diferenciáveis de (p1, . . . , pd). A segunda observação é que as derivadas das funções cos ( c‖p‖t ) e sen ( c‖p‖t ) c‖p‖ são polinomialmente limitadas. No caso da função cos ( c‖p‖t ) isso é um tanto evidente (por que?), mas no caso da função sen ( c‖p‖t ) c‖p‖ isso segue da observação que as derivadas da função sen x x são compostas por combinações lineares finitas de monômios em 1/x multiplicados pela função senx ou cosx. A terceira observação é que as funções F[u0](p) cos ( c‖p‖t ) e F[v0](p) sen ( c‖p‖t ) c‖p‖ são elementos de S (R d). Isso decorre das duas observações anteriores e do fato que, por hipótese, F[u0](p) e F[v0](p) são elementos de S (R d). Conclui-se disso que o termo entre parênteses na integral em (17.175) é um elemento de S (Rd), o que faz dela uma integral bem-definida. Mais que isso, esse fato justifica diferenciar o lado direito sob o śımbolo de integral (vide Proposição 30.5, página 1385) e obter ∂2 ∂t2 ∫ Rd ( F[u0](p) cos ( c‖p‖t ) + F[v0](p) sen ( c‖p‖t ) c‖p‖ ) eip·x dnp = −c2 ∫ Rd ‖p‖2 ( F[u0](p) cos ( c‖p‖t ) + F[v0](p) sen ( c‖p‖t ) c‖p‖ ) eip·x dnp (17.176) e, analogamente, c2∆ ∫ Rd ( F[u0](p) cos ( c‖p‖t ) + F[v0](p) sen ( c‖p‖t ) c‖p‖ ) eip·x dnp = −c2 ∫ Rd ‖p‖2 ( F[u0](p) cos ( c‖p‖t ) + F[v0](p) sen ( c‖p‖t ) c‖p‖ ) eip·x dnp . (17.177) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 793/1730 A manifesta relação de igualdade entre o lado direito de (17.176) e o lado direito de (17.177) significa que o lado direito de (17.175) é, de fato, solução da equação diferencial (17.169). De forma totalmente análoga constata-se que a função do lado direito de (17.175) realmente satisfaz as condições iniciais (17.170) e, portanto, (17.175) é solução do problema de Cauchy (17.169)–(17.170) sob a hipótese que u0 e v0 são elementos de S (R d). • Dependência com os dados de Cauchy u0 e v0 A relação (17.175) expressa u em termos das condições iniciais u0 e v0, mas a relação é um tanto indireta, pois em (17.175) ocorrem as transformadas de Fourier dessas funções. É de grande interesse tentarmos reescrever (17.175) de modo a expressarmos u diretamente em termos de u0 e v0, tal como, por exemplo, na solução dita de D’Alembert do caso d = 1, fornecida em (17.125), página 776. Isso é posśıvel, mas sua implementação depende fortemente, um tanto surpreendentemente, de se a dimensão espacial d é um número par ou um número ı́mpar. * *** * E. 17.16 Exerćıcio. Re-obtenha a solução de D’Alembert (17.125) para a equação de ondas em 1 + 1 dimensões a partir da solução (17.175). 6 17.4.4.1 A Equação de Ondas em 3 + 1 Dimensões. A Solução de Kirchhoff Vamos tratar de obter a solução da equação de ondas em 3+1 dimensões (i.e., três dimensões espaciais e uma temporal) antes de obter a solução da equação de ondas em 2+1 dimensões pois, curiosamente, como veremos, a solução da última pode ser mais facilmente obtida a partir da solução da primeira. Para um melhor acompanhamento do que segue recomendamos ao leitor um estudo prévio da Seção 31.2.2.2, página 1483, pois dela usaremos definições, notações e resultados. No caso d = 3, (17.175) fica u(x, t) = 1 (2π)3/2 ∫ R3 ( F[u0](p) cos ( c‖p‖t )) eip·x d3p+ t (2π)3/2 ∫ R3 ( F[v0](p) sen ( ‖p‖ct ) ‖p‖ct ) eip·x d3p = ∂ ∂t [ 1 (2π)3/2 ∫ R3 ( F[u0](p) sen ( ‖p‖ct ) ‖p‖c ) eip·x d3p ] + 1 (2π)3/2 ∫ R3 ( F[v0](p) sen ( ‖p‖ct ) ‖p‖c ) eip·x d3p . Observemos agora que, por (31.78), podemos para d = 3 escrever sen ( ‖p‖ct ) ‖p‖ct = M [ep](ct), com a média M definida em (31.75). Assim, se y ∈ Rd for um vetor com ‖y‖ = ct, teremos sen ( ‖p‖ct ) ‖p‖ct = ∫ S2 e−ip·ydΩy. Com isso, u(x, t) pode ser reescrita como u(x, t) = ∂ ∂t ( tF−1 [ F[u0]M [ep](ct) ] (x) ) + tF−1 [ F[v0]M [ep](ct) ] (x) . Evocando agora o Proposição 31.12, página 1486, conclúımos que u(x, t) = ∂ ∂t ( tK[u0](x, ct) ) + tK[v0](x, ct) , (17.178) onde, conforme definido na mesma Proposição 31.12, página 1486, K[v0](x, ct) representa a média de v0 na superf́ıcie da esfera de raio ct centrada em x. A expressão apresentada em (17.178) fornece a solução u em d+1 dimensões diretamente em termos das condições iniciais u0 e v0, como previamente prometemos. Sua interpretação será discutida logo adiante. Para futura referência, resumimos nossos resultados na seguinte proposição: Proposição 17.2 (Solução da equação de ondas em 3 + 1-dimensões) A solução da equação de ondas ∂2u ∂t2 − c2∆u = 0 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 794/1730 em 3 + 1 dimensões com as condições iniciais u(x, 0) = u0(x) e ∂u ∂t (x, 0) = v0(x), com u0 e v0 sendo elementos de S (R3), é dada para t > 0 e x ∈ R3 por u(x, t) = ∂ ∂t ( tK[u0](x, ct) ) + tK[v0](x, ct) , (17.179) com x = (x1, x2, x3) ∈ R3, onde, para g ∈ S (R3), K[g](x, r) := 1 4π ∫ π −π ∫ π 0 g ( x+ rz(θ, ϕ) ) sen θdθ dϕ , para x ∈ R3 e r > 0, sendo z(θ, ϕ) := ( sen θ cosϕ, sen θ senϕ, cos θ ) . K[g](x, r) representa a média de g na superf́ıcie da esfera de raio r centrada em x. 2 A solução (17.179) do problema de Cauchy (17.169)–(17.170) (equação de ondas) em 3 + 1 dimensões é denominada solução de Kirchhoff41. • O prinćıpio de Huygens em 3 + 1 dimensões Um dos aspectos mais interessantes da solução obtida na Proposição 17.2, a qual fornece a solução da equação de ondas em três dimensões espaciais em termos dos dados de Cauchy (condições iniciais), está no fato de a mesma exibir que a solução no ponto x ∈ R3 no instante t > 0 depende apenas das condições iniciais u0 e v0 nos pontos y ∈ R3 situados exatamente a uma distância ct de x. Essa situação é ilustrada geometricamente na Figura 17.10, página 796, e indica que no caso de ondas se propagando em 3 + 1 dimensões a propagação de sinais se dá apenas dentro do cone de luz {y ∈ R3, ‖y − x‖ = ct}. É interessante comparar essa situação com o caso da propagação de ondas em 1 + 1 dimensões, que discutimos anteriormente (página 778). Lá vimos que a condição inicial u0 propaga-se no cone de luz, o seja, em {y ∈ R, |y − x| = ct}, enquanto que a condição inicial v0 propaga-se no interior do cone de luz, ou seja, em {y ∈ R, |y − x| ≤ ct}. 17.4.4.2 A Equação de Ondas em 2 + 1 Dimensões A solução geral da equação de ondas em 2+1 dimensões pode ser obtida a partir da solução em 3+1 dimensões fornecida em (17.178). A intuição por trás dessa afirmação é a seguinte. Se em 3 + 1 dimensões tomarmos condições iniciais u0(x1, x2, x3) e v0(x1, x2, x3) que sejam independentes da coordenada x3, não haverá propagação ao longo dessa direção e tudo se passa como se tratássemos de um problema em 2 + 1 dimensões. O problema em implementar esse argumento reside no fato que uma função u0(x1, x2, x3) que independe de x3 não é uma função do espaço de Schwartz S (R3) e, portanto, (17.178) não pode ser aplicada diretamente. O que se faz para remediar isso, porém, é algo bem simples. Consideramos no caso de 3 + 1 dimensões condições iniciais ũ0 e ṽ0 da forma ũ0(x1, x2, x3) = u0(x1, x2)f(x3) e ṽ0(x1, x2, x3) = v0(x1, x2)f(x3), onde f é uma função de S (R) escolhida de forma que f(x3) = 1 para todo x3 no intervalo [−cT, cT ], para algum T > 0 é escolhido arbitrariamente. Para essas condições iniciais podemos aplicar (17.178) e teremos a solução ũ(x, t) = ∂ ∂t ( tK[ũ0](x, ct) ) + tK[ṽ0](x, ct) = ∂ ∂t ( tK[u0f ](x, ct) ) + tK[v0f ](x, ct) , (17.180) com x = (x1, x2, x3). Seja agora |t| < T . Afirmamos que para x1 e x2 fixos arbitrários a função ũ(x1, x2, x3, t) não varia na região |x3| < c(T − |t|). A argumentação é a seguinte. K[u0f ] e K[v0f ] representam a média das funções u0f e v0f , respectivamente, na superf́ıcie da esfera de raio c|t| centrada em x = (x1, x2, x3). Se os pontos da superf́ıcie dessa esfera têm coordenadas (x′1, x ′ 2, x ′ 3) temos |x′3 − x3| ≤ c|t|. Logo, |x′3| < |x′3 − x3| + |x3| < c|t| + c(T − |t|) = cT . Por definição, na região |x′3| < cT a função f(x′3) é constante e igual a 1. Logo, na região em questão valem K[u0f ] = K[u0] e K[v0f ] = K[v0] e ambas não dependem de x3 quando |x3| < c(T − |t|). Assim, para |t| < T e |x3| < c(T − |t|) ũ satisfaz ∂2ũ ∂t2 − c2 ( ∂2ũ ∂x21 + ∂2ũ ∂x22 ) = 0 , 41Gustav Robert Kirchhoff (1824–1887). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 797/1730 17.5.1 Corda Vibrante Homogênea O caso mais simples da equação (17.182) é aquele no qual ρ(x) ≡ ρ0 e τ(x) ≡ τ0 são constantes, em cujo caso (17.182) assume a forma ∂2u ∂t2 − c2 ∂ 2u ∂x2 = 0 , c = √ τ0 ρ0 . (17.183) Uma corda com ρ(x) ≡ ρ0 constante é dita ser uma corda homogênea. Na situação em que a corda encontra-se presa em suas extremidades localizadas em x = 0 e x = L, as condições de contorno a serem impostas são u(0, t) = 0 para todo t e u(L, t) = 0 para todo t. Tipicamente considera-se também condições iniciais que fixam a posição e velocidade transversais da corda em t = 0: u(x, 0) = u0(x) e ∂u ∂t (x, 0) = v0(x), sendo u0 e v0 duas funções dadas, dotadas de propriedades convenientes. Para encontrar as soluções de (17.183) satisfazendo as condições iniciais e de contorno mencionadas acima, procede-se pelo método de separação de variáveis, procurando primeiramente soluções particulares que sejam da forma u(x, t) = T (t)U(x). Inserindo em (17.183), obtém-se 1 c2 T ′′(t) T (t) = U ′′(x) U(x) . Essa igualdade só é posśıvel se ambos os lados forem iguais a uma constante de separação, que denotamos por −λ2. Chegamos com isso a T ′′(t) + λ2c2T (t) = 0 , (17.184) U ′′(x) + λ2U(x) = 0 . (17.185) As soluções da primeira equação, naturalmente, são T (t) = a0t+ b0 , caso λ = 0 , (17.186) T (t) = a1 cos(λct) + b1 sen (λct) , caso λ 6= 0 . (17.187) Para λ = 0 a equação (17.185) reduz-se a U ′′(x) = 0, cuja solução é U(x) = c1x + c2. Como desejamos que U(0) = U(L) = 0, de modo que u(x, t) = T (t)U(x) satisfaça as condições de contorno, obtém-se c1 = c2 = 0, ou seja, obtém-se a solução trivial U(x) ≡ 0, o que corresponde a uma corda eternamente parada. O caso interessante, portanto, está em λ 6= 0. No caso λ 6= 0, as soluções de (17.185) são, como é bem conhecido, U(x) = β1 cos(λx) + β2 sen (λx) . A imposição que U(0) = 0 implica β1 = 0, levando a U(x) = β2 sen (λx). A imposição que U(L) = 0 implica λL = nπ, com n ∈ Z (tomar β2 = 0 conduz novamente à solução trivial U(x) ≡ 0) e, assim, U(x) = Un(x) = β2 sen ( nπx L ) , n ∈ Z. Em verdade, podemos nos restringir a n’s positivos não-nulos, i.e., n = 1, 2, 3, . . ., pois para n = 0 tem-se U0(x) ≡ 0 (solução trivial) e U−n(x) = Un(x), mostrando que as soluções com Un(x) e U−n(x) não são independentes. Resumindo, para cada n = 1, 2, , 3, . . . temos λn = nπ L e Un(x) = β2 sen ( nπx L ) . Para tais valores de λ a solução (17.187) fica a1 cos ( nπct L ) + b1 sen ( nπct L ) , e as soluções particulares para u(x, t) = T (t)U(x) ficam un(x, t) = [ an cos (ωnt) + bn sen (ωnt) ] sen (nπx L ) , n = 1, 2, 3, . . ., onde ωn := nπc L (aqui, absorvemos a constante β2 dentro das constantes an e bn, as quais ainda estão indeterminadas e podem depender de n). Chegamos até aqui com o método de separação de variáveis. Evocando o prinćıpio de sobreposição, obtemos uma solução mais geral de (17.183) somando as soluções acima: u(x, t) = ∞∑ n=1 [ an cos (ωnt) + bn sen (ωnt) ] sen (nπx L ) , (17.188) ∂u ∂t (x, t) = ∞∑ n=1 [ − anωn sen (ωnt) + bnωn cos (ωnt) ] sen (nπx L ) . (17.189) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 798/1730 A imposição das condições iniciais u(x, 0) = u0(x) e ∂u ∂t (x, 0) = v0(x), que fixam posição e velocidade da corda em t = 0, conduz a u0(x) = ∞∑ n=1 an sen (nπx L ) , (17.190) v0(x) = ∞∑ n=1 bnωn sen (nπx L ) . (17.191) Em (17.190) e (17.191) as funções u0 e v0 são expressas em termos de séries de Fourier de senos e a justificativa para a validade dessa expansão, sobre hipóteses adequadas para as funções u0 e v0, é apresentada na Proposição 30.12, página 1423. A teoria geral das séries de Fourier encontra-se desenvolvida na Seção 30.4, página 1407. Para invertermos essas relações, expressando as constantes an em termos de u0 e as constantes bn em termos de v0, fazemos uso das bem-conhecidas relações de ortogonalidade da função seno: ∫ π 0 sen (my) sen (ny) dy = π 2 δm, n , m, n = 1, 2, 3, . . . . (17.192) Assim, multiplicando (17.190) por sen ( mπx L ) e integrando de 0 a L, obtemos ∫ L 0 sen (mπx L ) u0(x) dx = ∞∑ n=1 an ∫ L 0 sen (mπx L ) sen (nπx L ) dx y=πx/L = L π ∞∑ n=1 an ∫ π 0 sen (my) sen (ny) dy = L 2 am , ou seja, an = 2 L ∫ L 0 sen ( nπx′ L ) u0(x ′) dx′ (17.193) para todo n = 1, 2, 3, . . .. De forma totalmente análoga, obtém-se de (17.191) bn = 2 ωnL ∫ L 0 sen ( nπx′ L ) v0(x ′) dx′ = 2 nπc ∫ L 0 sen ( nπx′ L ) v0(x ′) dx′ (17.194) para todo n = 1, 2, 3, . . .. • A função de Green para as condições iniciais Usando (17.193)-(17.194) podemos reescrever (17.188) como u(x, t) = ∂ ∂t ∫ L 0 G(x, t, x′)u0(x ′) dx′ + ∫ L 0 G(x, t, x′)v0(x ′) dx′ , (17.195) onde, formalmente, G(x, t, x′) = ∞∑ n=1 2 nπc sen ( nπx L ) sen ( nπx′ L ) sen ( nπct L ) . (17.196) Comparar com (17.126)–(17.127). Essa expressão é denominada função de Green do problema de valor inicial em questão. As duas últimas expressões são formais e devem ser entendidas no sentido de distribuições44. Vide Caṕıtulo 31, página 1455. A importância de (17.195) está em expressar a solução diretamente em termos das condições iniciais u0 e v0. A função G contém em si a informação de como os valores das condições iniciais no ponto x′ influenciam a solução no ponto x no instante t. 44Note-se, por exemplo, que a série de funções no lado direito de (17.196) não é uniformemente convergente, ao contrário do que ocorre, por exemplo, com a função de Green de (17.67). A convergência da série em (17.196) se dá no sentido de distribuições. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 799/1730 17.5.2 O Problema da Corda Homogênea Pendurada Nosso propósito aqui é o de aplicar a equação (17.182) para determinar o movimento de uma corda, ou barbante, homogênea (ou seja, de densidade constante) e de comprimento L que esteja pendurada por uma das suas extremidades em um campo gravitacional constante (por exemplo, o da superf́ıcie da Terra), a outra extremidade sendo mantida livre. Cada ponto da corda estará sujeito a uma tensão igual ao peso do trecho de corda abaixo de si. Para fixar idéias, vamos denotar por z a coordenada vertical e supor que a corda, quando parada, localize-se no intervalo 0 ≤ z ≤ L, estando presa no ponto z = L, apenas. A função u(z, t) representará o deslocamento horizontal da corda, digamos, no plano xz45, do ponto z no instante de tempo t. O ponto da corda situada à altura z sustenta o peso do trecho de corda situado abaixo de si, ou seja, entre 0 e z. Como a corda é homogênea, esse peso é ρgz, onde g é a aceleração da gravidade. Assim, para a tensão τ(z) tem-se τ(z) = ρgz e o problema que queremos resolver é o de determinar a solução da equação diferencial ρ∂ 2u ∂t2 − ∂∂z ( ρgz ∂u∂z ) = 0, ou seja, ∂2u ∂t2 − g ∂ ∂z ( z ∂u ∂z ) = 0 , (17.197) para 0 ≤ z ≤ L, submetida à condição de contorno u(L, t) = 0 para todo t e a certas condições iniciais u(z, 0) = u0(z) e ∂u∂t (z, 0) = v0(z) que fixam posição e velocidade transversal de cada ponto da corda em t = 0. Uma dedução geral da equação (17.197) é apresentada na Seção 17.1.2, página 748 (vide particularmente a equação (17.33)). Observemos que no presente problema, apesar de o extremo inferior da corda (o ponto z = 0) estar livre, não devemos impor a condição de contorno ∂u∂z (0, t) = 0 para todo t. Esse ponto foi discutido à página 753 e decorre do fato de que a tensão longitudinal sobre a corda também anula-se em z = 0, o que torna a condição ∂u∂z (0, t) = 0 inválida. Como ficará claro ao encontrarmos a solução geral do problema, há sim uma condição a ser satisfeita em z = 0, a saber, a que u(0, t) seja finita. Comecemos seguindo o método de separação de variáveis e procuremos soluções particulares na forma de um produto u(z, t) = T (t)U(z). Inserindo isso em (17.197), obtemos facilmente 1 g T ′′(t) T (t) = (zU ′(z))′ U(z) . Essa igualdade só é posśıvel se ambos os lados forem iguais a uma constante de separação, que denotamos por −λ2. Chegamos com isso a T ′′(t) + gλ2T (t) = 0 , (17.198) zU ′′(z) + U ′(z) + λ2U(z) = 0 . (17.199) As soluções da primeira equação, naturalmente, são T (t) = a0t+ b0 , caso λ = 0 , T (t) = a1 cos(λ √ gt) + b1 sen (λ √ gt) , caso λ 6= 0 . Para λ = 0 a equação (17.199) reduz-se a zU ′′(z) + U ′(z) = 0, cuja solução é U(z) = c1 ln(z) + c2. Como desejamos que U(0) seja finita (o deslocamento da corda não pode divergir em nenhum ponto), devemos impor c1 = 0 e, portanto, U(z) = c2. Porém, como u(L, t) = 0 para todo t, devemos impor U(L) = 0. Assim, c2 = 0 também e obtemos apenas a solução trivial U(z) = 0, o que corresponde a uma corda eternamente parada. O caso interessante, portanto, está em λ 6= 0. A equação (17.199) para λ 6= 0 pode ser transformada em uma equação conhecida através da mudança de variáveis ζ = √ 4λ2z , U(z) = y(ζ) = y ( √ 4λ2z) , com a qual obtemos ζ2y′′(ζ) + ζy′(ζ) + ζ2y(ζ) = 0 . 45Movimentos no plano yz podem ser tratados também mas, por simplicidade, consideramos apenas esse caso mais simples. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 802/1730 τ seja constante (τ(x) ≡ τ0). Sob essas hipóteses (17.182) assume a forma ρ(x) ∂2u ∂t2 − τ0 ∂2u ∂x2 = 0 . (17.207) Para encontrar as soluções de (17.207) satisfazendo as condições iniciais e de contorno, procederemos novamente pelo método de separação de variáveis, procurando primeiramente soluções particulares que sejam da forma u(x, t) = T (t)U(x). Inserindo em (17.183), obtém-se 1 τ0 T ′′(t) T (t) = 1 ρ(x) U ′′(x) U(x) . Essa igualdade só é posśıvel se ambos os lados forem iguais a uma constante de separação, que denotamos por −λ2. Chegamos com isso a T ′′(t) + λ2τ0T (t) = 0 , (17.208) U ′′(x) + λ2ρ(x)U(x) = 0 . (17.209) As soluções da primeira equação, naturalmente, são T (t) = a0t+ b0 , caso λ = 0 , (17.210) T (t) = a1 cos(λ √ τ0 t) + b1 sen (λ √ τ0 t) , caso λ 6= 0 . (17.211) Para λ = 0 a equação (17.209) reduz-se a U ′′(x) = 0, cuja solução é U(x) = c1x + c2. Como desejamos que U(0) = U(L) = 0, de modo que u(x, t) = T (t)U(x) satisfaça as condições de contorno, obtém-se c1 = c2 = 0, ou seja, obtém-se a solução trivial U(x) ≡ 0, o que corresponde a uma corda eternamente parada. Novamente, o caso interessante, portanto, está em λ 6= 0. A resolução de (17.209) depende, obviamente, da função ρ(x). No que segue suporemos que essa função é da forma ρ(x) = ρ0 + ηx, onde ρ0 e η são constantes. Essa é uma primeira correção (linear) ao caso de ρ constante, que tratamos acima. A equação (17.209) torna-se, portanto, U ′′(x) + λ2(ρ0 + ηx)U(x) = 0 . (17.212) Com a mudança de variáveis ξ = ρ0 + ηx, U(x) = V (ξ) = V (ρ0 + ηx), essa equação assume a forma V ′′(ξ) + µ2ξV (ξ) = 0 , onde µ = λ/η. Trata-se de uma equação de Airy, cujas soluções podem ser escritas em termos de funções de Bessel J±1/3 (vide página 504): V (ξ) = A √ ξJ1/3 ( 2 3 √ µ2ξ3 ) +B √ ξJ−1/3 ( 2 3 √ µ2ξ3 ) , A e B sendo constantes. Assim, U(x) = √ (ρ0 + ηx) [ AJ1/3 ( 2 3 √ µ2(ρ0 + ηx)3 ) +BJ−1/3 ( 2 3 √ µ2(ρ0 + ηx)3 )] . (17.213) O caso mais simples é aquele no qual ρ0 = 0 com η > 0. Ficamos com U(x) = A √ xJ1/3 ( 2 3 λ √ ηx3 ) +B √ xJ−1/3 ( 2 3 λ √ ηx3 ) . A e B sendo constantes. Pela expressão (11.119), página 502, que define as funções de Bessel, a função √ xJ1/3 ( 2 3x 3/2 ) anula-se em x = 0, enquanto que a função √ xJ−1/3 ( 2 3x 3/2 ) assume em x = 0 um valor não-nulo. Assim, a imposição da condição de contorno U(x) = 0 implica B = 0 e, portanto, U(x) = A √ xJ1/3 ( 2 3 λ √ ηx3 ) . JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 803/1730 A imposição da condição de contorno U(L) = 0 implica 23λ √ ηL3 = α (1/3) k , onde α (1/3) k é o k-ésimo zero de J1/3 em R+. Assim, λ ≡ λk := 3α (1/3) k 2 √ ηL3 e U(x) ≡ Uk(x) = Ak √ x L J1/3 ( 2 3 λk √ ηx3 ) = Ak √ x L J1/3 ( α (1/3) k √( x L )3 ) , ambas válidas para todo k = 1, 2, 3, . . ., Ak sendo constantes. Obtemos para u(x, t) a solução geral expressa em termos de uma série de modos normais: u(x, t) = ∞∑ k=1 ( ak cos(λk √ τ0 t) + bk sen (λk √ τ0 t) )√x L J1/3 ( α (1/3) k √( x L )3 ) = ∞∑ k=1 ( ak cos (ωk t) + bk sen (ωk t) )√ x L J1/3 ( α (1/3) k √( x L )3 ) , sendo ωk := 3 2 α (1/3) k √ τ0 ηL3 . Naturalmente, segue disso que ∂u ∂t (x, t) = ∞∑ k=1 ( − ωkak sen (ωk t) + ωkbk cos (ωk t) )√x L J1/3 ( α (1/3) k √( x L )3 ) . (17.214) Dessa forma, impondo condições iniciais u(x, 0) = u0(x), ∂u ∂t (x, 0) = v0(x), tem-se u0(x) = ∞∑ k=1 ak √ x L J1/3 ( α (1/3) k √( x L )3 ) , v0(x) = ∞∑ k=1 ωkbk √ x L J1/3 ( α (1/3) k √( x L )3 ) . Multiplicando a primeira das expressões acima por ( x L )3/2 J1/3 ( α (1/3) l √( x L )3 ) e integrando de 0 a L, obtemos ∫ L 0 u0(x) ( x L )3/2 J1/3 ( α (1/3) l √( x L )3 ) dx = ∞∑ k=1 ak ∫ L 0 ( x L )2 J1/3 ( α (1/3) k √( x L )3 ) J1/3 ( α (1/3) l √( x L )3 ) dx y=x/L = ∞∑ k=1 akL ∫ 1 0 y2 J1/3 ( α (1/3) k √ y3 ) J1/3 ( α (1/3) l √ y3 ) dy u=y3/2 = ∞∑ k=1 2akL 3 ∫ 1 0 u J1/3 ( α (1/3) k u ) J1/3 ( α (1/3) l u ) du (12.201) = alL 3 ( J2/3 ( α (1/3) l ))2 = alL 3 ( J ′1/3 ( α (1/3) l ))2 . JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 804/1730 Disso, obtemos al = 3 L ( J2/3 ( α (1/3) l ))2 ∫ L 0 u0(x ′) ( x′ L )3/2 J1/3 α(1/3)l √( x′ L )3 dx′ e, analogamente, bl = 3 ωlL ( J2/3 ( α (1/3) l ))2 ∫ L 0 v0(x ′) ( x′ L )3/2 J1/3 α(1/3)l √( x′ L )3 dx′ para todo l = 1, 2, 3, . . .. • A função de Green para as condições iniciais Reunindo os resultados acima, podemos escrever u(x, t) = ∂ ∂t ∫ L 0 G(x, t, x′) u0(x ′) x′ dx′ + ∫ L 0 G(x, t, x′) v0(x ′) x′ dx′ , (17.215) com G(x, t, x′) := 3 ∞∑ k=1 √ x L J1/3 ( α (1/3) k √( x L )3 )√ x′ L J1/3 α(1/3)k √( x′ L )3 ωkL2 ( J2/3 ( α (1/3) k ))2 sen ( 3 2 α (1/3) k √ τ0 ηL3 t ) , sendo a função de Green do problema de valor inicial em questão. Comparar com (17.126)–(17.127). As duas últimas expressões são formais e devem ser entendidas no sentido de distribuições. Vide Caṕıtulo 31, página 1455. A importância de (17.215) está em expressar a solução diretamente em termos das condições iniciais u0 e v0. A função G contêm em si a informação de como os valores das condições iniciais no ponto x′ influenciam a solução no ponto x no instante de tempo t. Nota. Há duas razões para usarmos a medida de integração x′dx′ em (17.215) e não apenas a medida dx′. Primeiro, obtém-se dessa forma uma funções G simétrica pela troca x ↔ x′ (como se vê explicitamente na expressão para G, acima). Segundo, como temos ρ0 = 0, (17.209) é da forma U ′′(x) + ηλ2xU(x) = 0 e estamos, portanto, lidando com um problema de Sturm-Liouville com r(x) = x (para a teoria de Sturm-Liouville, vide Caṕıtulo 14, página 670). Ora, em problemas de Sturm-Liouville a medida natural de integração é r(x′)dx′, para a qual valem as relações de ortogonalidade das auto-funções, dáı ser natural a escolha que fizemos. ♣ * E. 17.18 Exerćıcio. Retornando a (17.213) considere agora o caso ρ0 6= 0, η 6= 0, e, segundo os passos de acima, obtenha a solução do problema em termos de condições iniciais e as funções de Green. Para determinar as relações de ortogonalidade siga as idéias da demonstração do Teorema 12.7, página 586. Isso poderá ser trabalhoso. 6 17.5.4 O Problema da Membrana Retangular Homogênea Vamos aqui abordar o problema de determinar o movimento vibratório, a partir de condições iniciais, de uma membrana, ou tambor, retangular, plana, de lados L1 e L2, homogênea, cujas bordas são fixas. Esse problema é, como veremos, uma simples generalização do problema da corda vibrante tratado na Seção 17.5.1, página 797. Matematicamente, o problema consiste em determinar as soluções da equação de ondas dentro do retângulo mencionado no plano bidimensional, ou seja, da equação ∂2u ∂t2 (x, y, t) − c2∆u(x, y, t) = 0 , (17.216) com c > 0, sendo (x, y) restrito ao retângulo {(x, y), 0 ≤ x ≤ L1, 0 ≤ y ≤ L2}. As condições iniciais são u(x, y, 0) = u0(x, y) e ∂u ∂t (x, y, 0) = v0(x, y) para certas funções u0(x, y) e v0(x, y) convenientes e fixam a posição e velocidade, JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 807/1730 onde αmk é o k-ésimo zero da função de Bessel Jm(x) para x > 0. Isso fixa os valores da constante de separação λ. Para cada k a solução da equação temporal (17.36) fica T (t) = α1 cos ( αmk c R t ) + α2 sen ( αmk c R t ) . Assim, uma solução particular da equação de ondas satisfazendo as condições de contorno é [ ak, m cos ( αmk ct R ) + bk, m sen ( αmk ct R )] Jm ( αmk ρ R ) eimϕ , ak, m e bk, m sendo constantes. Cada uma dessas funções, para k ∈ N e m ∈ Z, representa um modo de vibração da membrana circular de raio R. Pelo prinćıpio de sobreposição (ou seja, pela linearidade e homogeneidade da equação (17.223) e das condições de contorno consideradas), a solução geral u da equação de ondas satisfazendo as condições de contorno e sua derivada temporal ∂u∂t são dadas por u(ρ, ϕ, t) = ∞∑ k=1 ∞∑ m=−∞ [ ak, m cos ( αmk ct R ) + bk, m sen ( αmk ct R )] Jm ( αmk ρ R ) eimϕ , (17.224) ∂u ∂t (ρ, ϕ, t) = ∞∑ k=1 ∞∑ m=−∞ [ −ak, mα m k c R sen ( αmk ct R ) + bk, mα m k c R cos ( αmk ct R )] Jm ( αmk ρ R ) eimϕ . As constantes ak, m e bk, m devem ser determinadas pelas condições iniciais. É aqui que entram as relações de ortogonalidade das funções de Bessel e das funções eimϕ. As condições iniciais impõem (tomando t = 0 nas duas equações acima) que u0(ρ, ϕ) = ∞∑ k′=1 ∞∑ m′=−∞ ak′, m′ Jm′ ( αm ′ k′ ρ R ) eim ′ϕ , v0(ρ, ϕ) = ∞∑ k′=1 ∞∑ m′=−∞ bk′, m′α m′ k′ c R Jm′ ( αm ′ k′ ρ R ) eim ′ϕ . Multiplicando ambos os lados de ambas as expressões por e−imϕ e tomando-se a integral em ϕ no intervalo −π ≤ ϕ ≤ π, obtemos com o uso de ∫ π −π e i(m−m′)ϕdϕ = 2πδm, m′ , ∫ π −π u0(ρ, ϕ)e −imϕdϕ = 2π ∞∑ k′=1 ak′, m Jm ( αmk′ρ R ) , ∫ π −π v0(ρ, ϕ)e −imϕdϕ = 2π ∞∑ k′=1 bk′, m α m k′c R Jm ( αmk′ρ R ) . Multiplicando ambos os lados de ambas as expressões por Jm ( αmk ρ R ) ρ R e integrando-se as expressões resultantes para ρ entre 0 e R, obtemos ∫ R 0 ∫ π −π u0(ρ, ϕ)e −imϕJm ( αmk ρ R ) ρ R dρdϕ = 2π ∞∑ k′=1 ak′, m ∫ R 0 Jm ( αmk ρ R ) Jm ( αmk′ρ R ) ρ R dρ , ∫ R 0 ∫ π −π v0(ρ, ϕ)e −imϕJm ( αmk ρ R ) ρ R dρdϕ = 2π ∞∑ k′=1 bk′, m α m k′c R ∫ R 0 Jm ( αmk ρ R ) Jm ( αmk′ρ R ) ρ R dρ . JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 808/1730 Temos, porém, com a óbvia mudança de variáveis x = ρR , ∫ R 0 Jm ( αmk ρ R ) Jm ( αmk′ρ R ) ρ R dρ = R ∫ 1 0 Jm (α m k x)Jm (α m k′x) xdx (12.201) = δk, k′ R (Jm+1(α m k )) 2 2 e, portanto, ak, m = 1 π (Jm+1(αmk )) 2R2 ∫ R 0 ∫ π −π u0(ρ, ϕ)e −imϕJm ( αmk ρ R ) ρdρdϕ , (17.225) bk, m = 1 παmk c (Jm+1(α m k )) 2 R ∫ R 0 ∫ π −π v0(ρ, ϕ)e −imϕJm ( αmk ρ R ) ρdρdϕ . (17.226) Essas expressões determinam completamente os coeficientes ak, m e bk, m para todos k e m em temos das condições iniciais. A solução assim obtida satisfaz, então, as condições de contorno e iniciais. A Proposição 13.9, página 666, garante que a solução assim obtida é a única solução do problema proposto (as condições de contorno que tratamos são do tipo de Dirichlet) o que, a posteriori, justifica todo o nosso proceder. • A função de Green para as condições iniciais Assim como no problema da corda pendurada, podemos expressar a solução diretamente em termos das condições iniciais com o uso de uma função de Green. Usando (17.225)-(17.226), podemos reescrever (17.224) como u(ρ, ϕ, t) = ∂ ∂t ∫ R 0 ∫ π −π G(ρ, ϕ, t, ρ′, ϕ′)u0(ρ ′, ϕ′) ρ′dρ′dϕ′ + ∫ R 0 ∫ π −π G(ρ, ϕ, t, ρ′, ϕ′) v0(ρ ′, ϕ′) ρ′dρ′dϕ′ , (17.227) onde G(ρ, ϕ, t, ρ′, ϕ′) := ∞∑ k=1 ∞∑ m=−∞ Jm ( αmk ρ R ) Jm ( αmk ρ ′ R ) eim(ϕ−ϕ ′) παmk c ( Jm+1(α m k ) )2 R sen ( αmk ct R ) . Essa é a função de Green para do problema de valor inicial em questão. Comparar com (17.126)–(17.127). Novamente comentamos que as duas últimas expressões são formais e devem ser entendidas no sentido de distribuições. Vide Caṕıtulo 31, página 1455. Tal como nos problemas anteriores, a importância de (17.227) está em expressar a solução diretamente em termos das condições iniciais u0 e v0. A função G contêm em si a informação de como os valores das condições iniciais no ponto (ρ′, ϕ′) influenciam a solução no ponto (ρ, ϕ) no instante de tempo t. 17.7 O Oscilador Harmônico na Mecânica Quântica e a Equa- ção de Hermite A equação de Schrödinger49 independente do tempo para o oscilador harmônico unidimensional é − ~ 2 2m d2 dx2 ψ(x) + k 2 x2 ψ(x) = Eψ(x) , (17.228) onde E é um autovalor do operador de Hamilton50, ~ é a constante de Planck51, m a massa da part́ıcula e k a constante de Hooke52. Definindo α := ( ~ 2 mk )1/4 , ω0 := √ k m , λ := 2E ~ω0 − 1, z := x α , v(z) := ψ(x) = v(x/α) , (17.229) 49Erwin Rudolf Josef Alexander Schrödinger (1887–1961). 50Sir William Rowan Hamilton (1805–1865). 51Max Karl Ernst Ludwig Planck (1858–1947). 52Robert Hooke (1635–1703). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 809/1730 a equação (17.228) fica v′′(z) + (λ+ 1 − z2)v(z) = 0 . A experiência mostra que para melhor tratarmos dessa equação devemos definir uma nova função u(z) := ez 2/2v(z), ou seja, escrevemos v(z) = e−z 2/2u(z), obtendo para u a equação diferencial u′′(z) − 2zu′(z) + λu(z) = 0 , (17.230) a qual reconhecemos ser a equação de Hermite. Como discutimos, essa equação só possui soluções que crescem mais lentamente que e+z 2/2 para |z| → ∞ se λ = 2n, sendo n um inteiro não-negativo. A condição que u cresce mais lentamente que e+z 2/2 para |z| → ∞ é necessária para que v(z) e, portanto, ψ(x), seja de quadrado integrável, uma condição fundamental para a Mecânica Quântica. No caso em que λ = 2n, sendo n um inteiro não-negativo, a solução para (17.230) é u(z) = Hn(z), sendo Hn o n-ésimo polinômio de Hermite. Se λ = 2n, então, por (17.229), o valor de E é dado por En := ~ω0 ( n+ 1 2 ) , para n = 0, 1, 2, 3 . . .. Essa equação expressa a quantização da energia do oscilador harmônico unidimensional na Mecânica Quântica. Ainda para λ = 2n, sendo n um inteiro não-negativo, a solução ψn(x) da equação de Schrödinger (17.228) será ψn(x) = cnHn(z)e −z2/2 = cnHn (x α ) exp ( − x 2 2α2 ) , cn sendo uma constante de normalização a ser fixada. Na Mecânica Quântica adota-se a normalização ∫∞ −∞ |ψn(x)|2dx = 1. Isso implica, 1 = |cn|2 ∫ ∞ −∞ ( Hn (x α ))2 exp ( −x 2 α2 ) dx = α|cn|2 ∫ ∞ −∞ (Hn (z)) 2 exp ( −z2 ) dz (12.117) = α|cn|22nn! √ π , de onde se extrai, escolhendo-se cn real e positivo, que cn = √ 1 α2nn! √ π e, portanto, ψn(x) = √ 1 α2nn! √ π Hn (x α ) exp ( − x 2 2α2 ) são os auto-estados normalizados de energia En para n = 0, 1, 2, 3 . . .. Com o uso de (12.117), é trivial verificar ainda que ∫ ∞ −∞ ψn(x)ψm(x) dx = δn, m , a bem-conhecida relação de ortogonalidade das auto-funções ψn. E. 17.19 Exerćıcio. Mostre que ∫ ∞ −∞ x2 |ψn(x)|2 dx = 1 α2nn! √ π ∫ ∞ −∞ x2 ( Hn (x α ))2 exp ( −x 2 α2 ) dx = α2 ( n+ 1 2 ) , para todo n ∈ N0, α sendo uma constante positiva. Na Mecânica Quântica a expressão do lado esquerdo, acima, representa o valor médio do quadrado do operador de posição, ou seja, de x2, no auto-estado normalizado ψn do operador Hamiltoniano do oscilador harmônico. Sugestão. Use as relações de recorrência (12.123), página 566, e as relações de ortogonalidade (12.117), página 564, das funções Hn. 6 JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 812/1730 com p ≥ l + 1, l ∈ N0, e m ∈ Z com −l ≤ m ≤ l. • Um comentário sobre a ortonormalidade das funções ψp, l, m Nota para o leitor com conhecimento de Mecânica Quântica Por serem auto-funções normalizadas do operador Hamiltoniano, as funções ψp, l, m devem satisfazer as relações de ortogonalidade 〈ψp′, l, m, ψp, l, m〉 = δp, p′ . Integrando a parte angular, isso significa que ∫ ∞ 0 [ exp ( − βr 2p′ ) L (2l+1) p′+l ( βr p′ )][ exp ( −βr 2p ) L (2l+1) p+l ( βr p )] r2l+2 dr = δp, p′ 2 p2l+4((p+ l)!)3 β2l+3 (p− l− 1)! . O fator β pode ser absorvido com a mudança de variáveis ρ = βr e obtém-se ∫ ∞ 0 [ ρle − ρ 2p′ L (2l+1) p′+l ( ρ p′ )][ ρle− ρ 2pL (2l+1) p+l ( ρ p )] ρ2 dρ = δp, p′ 2 p2l+4((p+ l)!)3 (p− l − 1)! , (17.231) para todo p, p′ inteiros positivos (não-nulos). Essas são relações de ortogonalidade, não exatamente para os polinômio de Laguerre associados, mas para a famı́lia de funções ρle− ρ 2pL (2l+1) p+l ( ρ p ) , p ≥ l + 1 (para cada l ≥ 0, inteiro). Perceba-se que não podemos eliminar simultaneamente p e p′ por uma mudança de variáveis na integral em (17.231). É de se notar que essa relação de ortogonalidade não tem muito a ver com a relação de ortogonalidade dos polinômios de Laguerre associados que obtivemos em (12.148). Infelizmente, poucos livros de Mecânica Quântica ou de F́ısica- Matemática comentam esse ponto55, uma exceção um tanto surpreendente sendo [8] e estas Notas. Comentamos que toda a teoria do átomo de hidrogênio, incluindo as várias expressões complexas que derivamos acima envolvendo polinômios de Laguerre, e muito mais, já se encontrava nos primeiros trabalhos de Schrödinger sobre a Mecânica Quântica, de 1926. 17.9 Propagação de Ondas em Tanques Ciĺındricos A versão original desta seção é de autoria de André M. Timpanaro, Fleury J. Oliveira e Paulo H. Reimberg56 A Mecânica de Fluidos, quando consideramos fluidos ideais, é baseada fundamentalmente na equação de Euler (vide, e.g., [118] ou [30]) ∂~v ∂t + (~v · ∇)~v + 1 ρ ∇p − ~g = 0 , (17.232) onde ~v é o campo de velocidades, ρ a densidade do fluido, p a pressão e ~g a aceleração da gravidade. Esta equação, apesar de não-linear, pode, para certos limites, ser aproximada por equações lineares. Quando isto se dá, a dificuldade em encontrar soluções expĺıcitas diminui consideravelmente. Será este o caso tratado neste trabalho: o estudo de soluções expĺıcitas do problema de propagação de ondas na superf́ıcie de um ĺıquido contido num tanque ciĺındrico. Consideraremos três casos limites com a caracteŕıstica comum de que o comprimento de onda é muito maior que sua amplitude. O primeiro caso tratado é o da propagação de tais ondas em um tanque cuja profundidade é muito grande, não havendo, desta forma, influência do fundo na solução das equações. O segundo caso tratado é um limite do anterior, fazendo com que o raio do tanque seja infinito. O terceiro, e último caso estudado é aquele no qual a profundidade do tanque é muito menor que o comprimento de onda, para o qual obtém-se uma solução bastante parecida com a do problema da membrana circular da Seção 17.6, página 806 (mas com condições de contorno do tipo de Neumann). • Ondas de gravitação e a propagação de ondas em tanques profundos A superf́ıcie de um fluido em equiĺıbrio sob a influência de um campo gravitacional uniforme é plana. Se, por meio de uma ação exterior qualquer, a superf́ıcie do fluido sair de seu estado de equiĺıbrio em um ponto, um movimento inicia-se no fluido. Este movimento se propaga por todo o fluido sob a forma de ondas. 55[117] e [163] ignoram o assunto e mesmo o excelente [59] atribui erroneamente a normalização de ψp, l, m às relações de ortogonalidade (12.148). 56No ano de 2005, alunos de graduação do Instituto de F́ısica da Universidade de São Paulo. T́ıtulo original da monografia: “Propagação de ondas na superf́ıcie de um ĺıquido contido em tanques circulares - uma breve análise”, apresentada no curso de Mecânica dos Fluidos ministrado pelo Prof. M. Cattani. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 813/1730 Admitamos, primeiramente, que as ondas têm comprimentos muito maiores que suas amplitudes. Assim, como será demonstrado, o termo não linear da equação de Euler, (~v · ∇)~v, pode ser desprezado em comparação com ∂~v∂t . Seja τ o peŕıodo de oscilações das part́ıculas da onda, estas part́ıculas percorrem uma distância da ordem da amplitude, a, da onda. A velocidade de seu movimento é , portanto, v ∼ aτ . A velocidade v varia de maneira notável para peŕıodos de tempo da ordem de τ e para comprimentos de onda, λ, dependendo da direção de propagação da onda. Desta forma, a derivada da velocidade em relação ao tempo é aproximadamente vτ , e v λ é a diferença de velocidades entre dois pontos distintos do espaço percorridos pela part́ıcula em um certo intervalo de tempo. Assim, se λ≫ a, que é nossa aproximação inicial, tem-se 1 τ a τ ≫ a τ 2 1 λ , 1 τ v ≫ v λ v , ∂~v ∂t ≫ (~v · ∇) v . Vemos que (~v · ∇)~v é despreźıvel em relação a ∂~v∂t . Assim, obtemos para a equação de Euler a simplificação ∂~v ∂t = −1 ρ ∇p−∇φ , (17.233) onde φ é o potencial gravitacional (−∇φ = ~g). Para o caso isentrópico, ou seja, para entropia constante, temos: 1 ρ ∇p = ∇ (h+ φ) , (17.234) onde h é a entalpia do sistema. Aplicando o rotacional em ambos os lados da equação (17.233) obtemos: ∂ ∂t ∇× ~v = 0 ou seja, ∇× ~v = constante . (17.235) No entanto, para o movimento oscilatório, a média temporal de ~v é nula de forma que ∇ × ~v = 0, sendo o fluido potencial em primeira aproximação (ou seja, ~v é o gradiente de um “potencial”, por ter rotacional nulo). Pode-se então definir uma função potencial, ϕ, como sendo: ~v = ∇ϕ (17.236) Aplicando a definição (17.236) à equação de Euler (17.233) obtemos: ∂ϕ ∂t = −p ρ − gz . (17.237) Assim, temos p = −ρgz − ρ∂ϕ ∂t . (17.238) Suporemos o eixo z orientado verticalmente para cima e um sistema de coordenadas polares planas r, θ tendo como origem o centro do tanque ciĺındrico. Designaremos a coordenada z dos pontos da superf́ıcie do fluido por ζ; ζ é a função das coordenadas r, θ, e do tempo. Se na superf́ıcie a pressão for uma constante p0, por exemplo, a pressão atmosférica, obteremos para a equação (17.238) p0 = −ρgζ − ρ ∂ϕ ∂t . (17.239) Como, para um fluido incompresśıvel, ∇ ( ϕ+ p0 ρ t ) = ∇ϕ , (17.240) podemos definir um novo potencial ϕ′ por: ϕ′ := ϕ+ p0 ρ t . (17.241) Assim, gζ + ∂ϕ′ ∂t ∣∣∣∣ z=ζ = 0 . (17.242) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 814/1730 Como ζ é pequeno, visto que as ondas também o são, podemos considerar que ∂ζ ∂t = vz (17.236) = ∂ϕ ∂z (17.241) = ∂ϕ′ ∂z , (17.243) de forma que a derivada temporal da equação (17.242) torna-se ( ∂ϕ′ ∂z + 1 g ∂2ϕ′ ∂t2 )∣∣∣∣ z=ζ = 0 . (17.244) Novamente, como as oscilações são pequenas, pode-se substituir na equação (17.244) z = 0 no lugar de z = ζ e ϕ′ por ϕ. De tal maneira, obtemos o sistema de equações diferencias que determinam as ondas na superf́ıcie do fluido. ∇2ϕ = 0 , (17.245) ( ∂ϕ ∂z + 1 g ∂2ϕ ∂t2 )∣∣∣∣ z=0 = 0 . (17.246) Seja (por separação de variáveis) ϕ (r, θ, z, t) = Λ (r)A (θ)V (z)T (t). Obtém-se de (17.245) as seguintes equações para os fatores Λ, A e V : r2Λ′′ + rΛ′ + ( σ2r2 − ν2 ) Λ = 0 , (17.247) A′′ + ν2A = 0 , (17.248) V ′′ − σ2V = 0 . (17.249) Para que a solução seja periódica em θ, de peŕıodo 2π, devemos ter que ν = m, onde m ∈ Z. Para V , obtemos de (17.249) V (z) = Aeσz + Be−σz caso σ 6= 0 e V (z) = Az + B caso σ = 0, A e B sendo constantes. Como desejamos uma solução finita para z → −∞ (onde localiza-se o fundo do tanque), devemos ter Re (σ) ≥ 0 e V (z) = Aeσz . Disso obtém-se V ′(0)/V (0) = σ e, por (17.246), obtemos para o fator T a equação T ′′ + gσT = 0 . (17.250) Para que essa equação tenha um caráter oscilatório e não divirja para t→ ±∞ devemos ter Im (σ) = 0 e σ > 0. Aplicando as condições de contorno (velocidade radial igual a zero em r = R) e admitindo que o tanque seja profundo o bastante para que o fundo não interfira, obtém-se: ϕ (r, θ, z, t) = ∞∑ k=1 ∞∑ m=−∞ Jm ( βmk r R ) eimθ+ βmk z R [ ak, m cos (√ gβmk R t ) + bk, m sen (√ gβmk R t )] , (17.251) onde Jm (x) são as funções de Bessel e β m k é o k-ésimo zero da função J ′ m (x) em R+ \ {0}. Para a parte radial, não consideramos as funções de Neumann como posśıveis soluções da equação de Bessel (17.247), pois estas soluções não são compat́ıveis com a finitude da energia, devido à presença de uma singularidade na origem. Seja v0 a velocidade aplicada na superf́ıcie do fluido no instante t = 0 na direção de z, ou seja, v0 ≡ v0 (r, θ, z = 0, t = 0) ẑ. Então, v0(r, θ) = ∞∑ k=1 ∞∑ m=−∞ ak,mJm ( βmk r R ) eimθ . (17.252) A partir da equação (17.242) no caso em que ζ ≈ 0 e t = 0, temos ζ0(r, θ) = − ∞∑ k=1 ∞∑ m=−∞ bk,m √ βmk gR Jm ( βmk r R ) eimθ , (17.253) onde ζ0 é a forma da superf́ıcie no instante inicial. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 817/1730 Então, se Skν(r, θ) = Z(r, θ, 0), tem-se Skν(r, θ) = kJν(rk)e iνθEkν =⇒ ∫ π −π Se−iλθ dθ = ∫ ∞ 0 ∞∑ ν=−∞ 2πkJν(rk)Ekνδνλ dk = ∫ ∞ 0 2πkJλ(rk)Ekλ dk = H −1 λ ( 2π √ k r Ekλ ) =⇒ √ kEkλ = Hλ (∫ π −π √ rS(r, θ)e−iλθ 2π dθ ) , o que nos leva a Ekν = ∫ ∞ 0 ∫ π −π rZ(r, θ, 0) 2π e−iνθJν(rk) dθ dr . (17.273) Se R(r, θ) = T (r, θ, 0), então Rkν(r, θ) = √ gkJν(rk)Fkν =⇒ ∫ π −π Re−iλθ dθ = ∫ ∞ 0 ∞∑ ν=−∞ 2π √ gkJν(rk)Fkνδνλ dk = = ∫ ∞ 0 2π √ gkJλ(rk)Fkλ dk = H −1 λ ( 2π √ g r Fkλ ) =⇒ Fkλ = Hλ (√ r g 1 2π ∫ π −π Re−iλθ dθ ) e, portanto, Fkν = √ k g ∫ ∞ 0 ∫ π −π rT (r, θ, 0) 2π e−iνθJν(rk) dθ dr . (17.274) As funções Z e T podem ser obtidas a partir de ζ e ∂ζ∂t , as condições iniciais, a partir das equações (17.241), (17.242) e (17.243) que também podem ser utilizadas para obter ζ. Por fim podemos obter o campo de velocidades tomando ~v = ∇ϕ. E e F determinam completamente ϕ: ϕ(r, z, θ, t) = ∞∑ ν=−∞ ∫ ∞ 0 Jν(rk)e iνθ+kz [ Ekν cos (√ gk t ) + Fkν sen (√ gk t )] dk , (17.275) ~v(r, z, θ, t) = ∇ϕ(r, z, θ, t) , (17.276) ζ(r, θ, t) = − p0 ρg − 1 g ∂ϕ ∂t (r, θ, 0, t) . (17.277) • Grandes ondas de gravitação e a propagação de ondas em tanques rasos Trataremos agora da propagação de ondas com um comprimento de onda grande relativamente à profundidade do meio onde se dá a propagação, mas amplitude pequena em relação ao comprimento de onda. Suporemos tratar de tanque ciĺındrico de raio R. Na situação de equiĺıbrio, sem movimento, o fluido atinge uma altura h0 do tanque. Suporemos um sistema de coordenadas ciĺındricas r, θ, z, com o eixo z coincidente com o eixo de simetria do tanque, sendo a coordenada z medida a partir do fundo do tanque no sentido crescente para cima. Em havendo movimento do fluido, cada ponto da sua superf́ıcie terá altura h(r, θ), medida a partir do fundo do tanque. Definindo ζ(r, θ) = h(r, θ) − h0, podemos escrever h = h0 + ζ. A grandeza ζ descreve o afastamento da superf́ıcie do fluido em relação à superf́ıcie de equiĺıbrio. Como justificado anteriormente, podemos novamente desconsiderar o termo não-linear da equação de Euler (17.232), que reduz-se a ∂~v ∂t = −∇p ρ + ~g (17.278) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 818/1730 Escrevendo esta equação para as componentes radial e tangencial, respectivamente, teremos ∂vr ∂t = −1 ρ ∂p ∂r , (17.279) ∂vθ ∂t = − 1 ρr ∂p ∂θ , (17.280) ∂vz ∂t = −∂p ∂z . (17.281) Lembrando que a pressão num ponto interior a um fluido aproximadamente estático é dada por p ∼= p0 + ρg (h− z) onde h é altura da superf́ıcie do fluido medida a partir do fundo, obteremos, substituindo esta em (17.279) e em (17.280), a aproximação ∂vr ∂t ∼= −g ∂h ∂r , (17.282) ∂vθ ∂t ∼= −g r ∂h ∂θ , (17.283) ∂vz ∂t ∼= 0 . (17.284) A equação de continuidade ∂ρ∂t + ∇ · (ρ~v) = 0 reduz-se, para fluidos incompresśıveis (ou seja, com ρ = const.) a ∇ · ~v = 0. Em coordenadas ciĺındricas isso significa ∂vz ∂z + 1 r ∂ (rvr) ∂r + 1 r ∂vθ ∂θ = 0 . Integrando-se essa equação em z entre z = 0 (fundo do tanque) e z = h(r, θ, t) := h0 + ζ(r, θ, t) (superf́ıcie superior do fluido), obtemos vz(r, θ, h(r, θ, t), t) + ∫ h 0 1 r ∂ (rvr) ∂r dz + ∫ h 0 1 r ∂vθ ∂θ dz = 0 , onde usamos a hipótese que vz(z = 0) = 0 (ou seja, o fluido não se move verticalmente no fundo do tanque). Supondo agora que o tanque seja raso, e que vr e vθ não dependam da altura z, a última expressão pode ser aproximada por vz(r, θ, h(r, θ, t), t) + h(r, θ, t) 1 r ∂ (rvr) ∂r + h(r, θ, t) 1 r ∂vθ ∂θ = 0 , Lembrando que vz(r, θ, h, t) = ∂h ∂t , obtemos ∂h ∂t + h r ∂ (rvr) ∂r + h r ∂vθ ∂θ = 0 . Derivando esta equação em relação ao tempo, teremos ∂2h ∂t2 + h r ∂ ∂r ( r ( ∂vr ∂t )) + h r ∂ ∂θ ( ∂vθ ∂t ) + vz r ∂ ∂r (rvr) + vz r ∂vθ ∂θ = 0 . Usando as expressões (17.282) e (17.283) a equação acima fica ∂2h ∂t2 − g h r ∂ ∂r ( r ( ∂h ∂r )) − g h r2 ( ∂2h ∂θ2 ) + vz r ∂ ∂r (rvr) + vz r ∂vθ ∂θ = 0 . JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 819/1730 Utilizando h = h0 + ζ, desprezando termos quadráticos em ζ e nas velocidades, obtém-se ∂2ζ ∂t2 − gh0 ( ∂2ζ ∂r2 + 1 r ∂ζ ∂r + 1 r2 ∂2ζ ∂θ2 ) = 0 . (17.285) Podemos notar que a expressão entre parênteses é o Laplaciano bidimensional escrito em coordenadas polares. Com isso podemos escrever (17.285) mais sucintamente como: ∂2ζ ∂t2 − gh0∇2ζ = 0 . (17.286) Vemos que esta é uma equação de ondas em duas dimensões, que corresponde a ondas com velocidade de propagação√ gh0 (Comentário en pasant: o fato de a velocidade de propagação diminuir com a profundidade do tanque explica o por quê de uma onda “quebrar” ao se aproximar de uma praia). As ondas cuja propagação é descrita por (17.286) são denominadas grandes ondas de gravitação na literatura da Mecânica dos Fluidos. Vide e.g. [118]. Como desejamos conhecer a forma de ondas na superf́ıcie de um tanque ciĺındrico devemos aplicar o método de separação de variáveis à equação (17.286). Supondo ζ da forma Λ (r)A (θ)T (t) na equação (17.286), teremos: T ′′ + σ2 gh0 T = 0 , (17.287) r2Λ′′ + rΛ′ + ( σ2r2 − ν2 ) Λ = 0 , (17.288) A′′ + ν2A = 0 . (17.289) Devido à expressão (17.282), e ao fato de a velocidade radial vr ser nula na borda do tanque (quando r = R) para todo tempo t, constatamos que devemos ter ∂ζ∂r ∣∣∣ r=R = ∂h∂r ∣∣ r=R = 0. Essa relação deve ser entendida como condição de contorno (do tipo de Neumann) a ser satisfeita pela função ζ(r, θ). Resolvendo sistema de equações diferenciais (17.287)-(17.289) sujeito à condição de contorno de que a derivada de ζ em relação ao raio deve anular-se em r = R a solução para o perfil das ondas na superf́ıcie do ĺıquido será: ζ (r, θ, t) = ∞∑ k=1 ∞∑ m=−∞ [ ak,m cos ( βmk √ gh0t R ) + bk,m sen ( βmk √ gh0t R )] Jm ( βmk r R ) eimθ , (17.290) onde ν = m ∈ N0 para que a solução seja periódica de peŕıodo 2π em θ e onde, como anteriormente, βmk designa o k-ésimo zero de J ′m em R+ \ {0}. Para a parte radial, não consideramos as funções de Neumann como posśıveis soluções da equação de Bessel, pois estas não são compat́ıveis com a finitude da energia, devido à presença de uma singularidade na origem. Supondo, como condições iniciais, que a superf́ıcie do ĺıquido tenha uma forma descrita por uma função ζ0(r, θ) e uma distribuição de velocidades verticais dada por v0(r, θ) em t = 0, teremos: ζ0 (r, θ) = ∞∑ k=1 ∞∑ m=−∞ ak, mJm ( βmk r R ) eimθ , (17.291) v0 (r, θ) = ∞∑ k=1 ∞∑ m=−∞ bk, m βmk √ gh0 R Jm ( βmk r R ) eimθ . (17.292) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 822/1730 sob as condições w(ξ, ξ) = h(ξ) (17.303) ∂ w ∂ξ (ξ, ξ) = φ(ξ) (17.304) ∂ w ∂η (ξ, ξ) = ψ(ξ) (17.305) com a constante κ e as funções G, h, φ e ψ definidas acima. Para o que segue é relevante notar que h′ = φ+ ψ, o que implica h(α) − h(β) = ∫ α β φ(s) ds+ ∫ α β ψ(s) ds , de onde se conclui que h(α) − ∫ α β φ(s) ds = h(β) + ∫ α β ψ(s) ds, o que implica h(α) − ∫ α β φ(s) ds = h(α) + h(β) 2 + 1 2 ∫ α β φ(s) ds− 1 2 ∫ α β ψ(s) ds . (17.306) O que faremos agora é transformar o problema (17.302)-(17.305) em uma equação integral e, para tal, tomamos um ponto (α, β) no semi-plano ξ > η do plano ξ-η e integramos ambos os lados de (17.302) no triângulo fechado ∆(α, β), indicado na Figura 17.11, página 822, definido pelos pontos (α, β), (α, α) e (β, β). (α, β)(β, β) (α, α) ξ = η ξ η ∆(α, β) Figura 17.11: O triângulo fechado ∆(α, β) definido pelos pontos (α, β), (α, α) e (β, β) com α > β. A figura também indica a linha ξ = η onde as condições iniciais estão definidas. Na Figura 17.12, página 823, esse triângulo é representado no plano x–t. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 823/1730 t (x, t) x Figura 17.12: O triângulo fechado ∆(α, β) representado no plano x–t. As linhas inclinadas representam o cone de luz passando pelo ponto (x, t). O segmento em negrito no eixo x representa o domı́nio de dependência de (x, t) em t = 0 (vide página 777). Temos, integrando primeiramente em ξ, que x ∆(α, β) ∂2w ∂ξ∂η dξdη = ∫ α β (∫ α η ∂2w ∂ξ∂η (ξ, η) dξ ) dη = ∫ α β ( ∂ w ∂η (α, η) − ∂ w ∂η (η, η) ) dη = w(α, α) − w(α, β) − ∫ α β ∂ w ∂η (η, η) dη (17.303) e (17.305) = h(α) − w(α, β) − ∫ α β ψ(η) dη . (17.307) (17.306) = −w(α, β) + h(α) + h(β) 2 + 1 2 ∫ α β φ(ξ) dξ − 1 2 ∫ α β ψ(η) dη . (17.308) que é simétrica em α e β (razão de usarmos (17.306) na última passagem). Assim, provamos que w(α, β) = ( h(α) + h(β) 2 + 1 2 ∫ α β ϕ(ξ) dξ ) − x ∆(α, β) ∂2w ∂ξ∂η dξdη , onde ϕ := φ− ψ, isto é, ϕ(ξ) = (( bc− d 2c2 ) f(ξ) + 1 c g(ξ) ) exp [ − ( d 2c2 ) ξ ] . Substituindo ∂ 2w ∂ξ∂η do lado direito usando (17.302), obtemos w(α, β) = H(α, β) + κ x ∆(α, β) w(ξ, η) dξdη (17.309) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 824/1730 onde introduzimos H(α, β) := h(α) + h(β) 2 + 1 2 ∫ α β ϕ(ξ) dξ − x ∆(α, β) G(ξ, η) dξdη . (17.310) A equação (17.309) é a equação integral prometida que equivale (como pode ser facilmente constatado) ao problema (17.302)-(17.305). Ela pode ser resolvida iterativamente e para provar existência e unicidade da solução assim obtida faremos uso da Proposição 17.4, que passamos a tratar. Para A > B fixo seja C(∆(A, B)) o espaço das funções cont́ınuas definidas no triângulo fechado ∆(A, B) do plano ξ-η. Como é bem sabido, C(∆(A, B)) é um espaço métrico completo para a métrica do supremo d∞ ( r1, r2 ) = sup {∣∣r1(ξ, η) − r2(ξ, η) ∣∣, (ξ, η) ∈ ∆(A, B) } , sendo r1, r2 ∈ C(∆(A, B)). Para cada χ ∈ C(∆(A, B)) a expressão T (χ)(α, β) = H(α, β) + κ x ∆(α, β) χ(ξ, η) dξdη , (α, β) ⊂ ∆(A, B) define uma nova função de C(∆(A, B)) (verifique!). Notar que ∆(α, β) ⊂ ∆(A, B) se (α, β) ⊂ ∆(A, B). Proposição 17.4 Existe m ∈ N grande o suficiente tal que Tm é uma contração, ou seja, existe q com 0 ≤ q < 1 tal que para todo χ1, χ2 ∈ C(∆(A, B)) vale d∞ (Tm(χ1), Tm(χ2)) ≤ qd∞ (χ1, χ2); 2 Prova. Primeiramente, temos que T (χ1)(α, β) − T (χ2)(α, β) = κ x ∆(α, β) ( χ1(ξ, η) − χ2(ξ, η) ) dξdη . Assim, ∣∣∣T (χ1)(α, β) − T (χ2)(α, β) ∣∣∣ ≤ |κ| d∞ (χ1, χ2) x ∆(α, β) dξdη = |κ| (α− β) 2 2 d∞ (χ1, χ2) . (17.311) Portanto, ∣∣∣T 2(χ1)(α, β) − T 2(χ2)(α, β) ∣∣∣ = ∣∣∣∣∣∣ κ x ∆(α, β) ( T (χ1)(ξ, η) − T (χ2)(ξ, η) ) dξdη ∣∣∣∣∣∣ (17.311) ≤ |κ|2d∞ (χ1, χ2) x ∆(α, β) (ξ − η)2 2 dξdη = |κ|2 (α− β) 4 4! d∞ (χ1, χ2) . Acima, usamos a identidade x ∆(α, β) (ξ − η)n dξdη = (α− β) n+2 (n+ 1)(n+ 2) , válida para todo n ∈ N e cuja demonstração deixamos como exerćıcio (faça-o!). Dáı, é fácil provar por indução que ∣∣∣T n(χ1)(α, β) − T n(χ2)(α, β) ∣∣∣ ≤ |κ|n (α− β) 2n (2n)! d∞ (χ1, χ2) para todo n ∈ N. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 827/1730 No caso homogêneo temos F ≡ 0 e, assim, u(x, t) = f(x+ ct) + f(x− ct) 2 + 1 2c ∫ x+ct x−ct g(s) ds , que é a bem-conhecida solução de D’Alembert encontrada em (17.125), página 776. Como esperado, uma simples inspeção da solução geral (17.315), acima, comprova que a mesma respeita o prinćıpio de causalidade de Einstein, t́ıpico de sistemas hiperbólicos: as influências que determinam a solução u no ponto (x, t) posteriores ao instante t′ = 0 encontram-se no cone de luz passado a (x, t) e posterior a t′ = 0 (onde as condições iniciais foram fixadas), ou seja, na região {(x′, t′) ∈ R2|(t− t′)2− c2(x−x′)2 ≥ 0, 0 ≤ t′ ≤ t}. Essa região é o triângulo indicado na Figura 17.12, página 823, e coincide com a triângulo ∆(x− ct, x+ ct), que surge na solução u, acima, quando este é representado no plano x–t. 17.11 Aplicações do Método da Função de Green Um método importante para a solução de equações diferenciais lineares não-homogêneas, submetidas a certas condições de contorno, é o chamado método da função de Green58. Esse método é de relevância tanto teórica quanto prática em diversas áreas da F́ısica, como no Eletromagnetismo, na Teoria de Transporte (como na Teoria da Difusão de Calor), na Teoria da Elasticidade e na Mecânica dos Fluidos. Nesta Seção vamos descrever operacionalmente como o método funciona e tratar de diversos exemplos de aplicação. Faremos uso de transformadas de Fourier e um certo conhecimento prévio da noção de distribuição será também suposto. Tais noções são desenvolvidas no Caṕıtulo 31, página 1455. Advertimos o leitor quando ao fato que, no esṕırito do presente caṕıtulo, concentraremo-nos nos aspectos operacionais do método da função de Green, deixando sua discussão matematicamente precisa para o Caṕıtulo 31, página 1455. • O método da função de Green Vamos brevemente descrever o chamado método da função de Green para a resolução de equações diferenciais lineares com coeficientes constantes e não-homogêneas em um aberto conexo Ω de Rn submetidas a condições de contorno lineares e homogêneas na fronteira de Ω, tais como condições de Dirichlet ou Neumann. Seja α1, . . . , αN um conjunto de n-multi-́ındices 59 não-nulos distintos com |α1| ≤ · · · ≤ |αN |. Seja L um operador diferencial linear de ordem |αN | com coeficientes constantes da forma L = N∑ k=1 ak D αk = N∑ k=1 ak ∂|αk| ∂xα11 · · · ∂xαnn , onde a1, . . . , aN são constantes. Consideremos a equação diferencial linear com coeficientes constantes e não-homogênea Lu = h , definida em um aberto conexo Ω ⊂ Rn. A função h ≡ h(x1, . . . , xn) supostamente satisfaz certas condições, tais como como um rápido decaimento no infinito de algumas de suas derivadas (caso Ω não seja limitado) ou outras que garantam a existência de soluções. Em muitos problemas são também supostas condições de contorno lineares e homogênea sobre u, ou seja, condições que u deve satisfazer na fronteira de Ω, tais como condições de Dirichlet, de Neumann ou condições mistas (sempre homogêneas). Uma solução fundamental associada ao operador L é uma solução da equação LxH(x, y) = δ(x− y) . De posse de uma solução fundamental para L podemos obter uma solução particular up de Lu = h com up(x) = ∫ Ω H(x, y)h(y) dy , pois, como se constata, Lup(x) = ∫ Ω LxH(x, y)h(y) dy = ∫ Ω δ(x− y)h(y) dy = h(x). 58George Green (1793–1841). 59A noção de multi-́ındice foi introduzida na Seção 13.1, página 598. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 828/1730 A uma solução fundamental podemos adicionar uma solução da equação homogênea Lu = 0, obtendo-se, assim, uma nova solução fundamental. Uma solução fundamental que forneça uma solução particular up satisfazendo as condições de contorno lineares e homogêneas do problema considerado é dita ser uma função de Green do problema em questão. No que segue vamos mostrar como obter soluções fundamentais e funções de Green de alguns problemas de interesse f́ısico. 17.11.1 A Equação de Poisson em Três Dimensões Consideremos a equação de Poisson60 em R3: ∆u = h, equação essa que surge naturalmente em problemas de Ele- trostática. Uma solução fundamental para a equação de Poisson satisfaz ∆xH(x, y) = δ(x− y) , (17.316) x, y ∈ R3. Seja Ĥ(p, y), com p ∈ R3, a transformada de Fourier inversa (em relação à variável x) de H(x, y): Ĥ(p, y) := 1 (2π)3/2 ∫ R3 eip·xH(x, y) d3x . Como H(x, y) = 1 (2π)3/2 ∫ R3 e−ip·xĤ(p, y) d3p vemos que (17.316) fica − 1 (2π)3/2 ∫ R3 e−ip·x‖p‖2Ĥ(p, y) d3p = δ(x− y) , pois ∆xe −ip·x = −‖p‖2e−ip·x. Tomando-se a transformada de Fourier inversa de ambos os lados dessa expressão, obtemos −‖p‖2Ĥ(p, y) = 1 (2π)3/2 eip·y . Logo, H(x, y) = − 1 (2π)3 ∫ R3 1 ‖p‖2 e −ip·(x−y) d3p . Para calcular esta integral, assumamos x 6= y e adotemos um sistema de coordenadas esféricas (r, θ, ϕ) com r ≡ ‖p‖ e com o eixo “z” coincidindo com a direção de x− y. Teremos, H(x, y) = − 1 (2π)3 ∫ R3 1 ‖p‖2 e −ip·(x−y) d3p = − 1 (2π)3 ∫ π −π ∫ π 0 ∫ ∞ 0 1 r2 e−ir‖x−y‖ cos θ r2 sen θ drdθdϕ = − 1 (2π)2 ∫ ∞ 0 (∫ π 0 e−ir‖x−y‖ cos θ sen θdθ ) dr u=cos θ = − 1 (2π)2 ∫ ∞ 0 (∫ 1 −1 e−ir‖x−y‖udu ) dr = − 2 (2π)2 ∫ ∞ 0 sen ( r‖x− y‖ ) r‖x− y‖ dr = − 1 4π 1 ‖x− y‖ . Na última igualdade usamos que ∫∞ 0 sen t t dt = π 2 . 60Siméon Denis Poisson (1781–1840). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 829/1730 Assim, uma solução fundamental para a equação de Poisson em R3 é H(x, y) = − 1 4π 1 ‖x− y‖ , (17.317) para x 6= y. Uma solução fundamental mais geral é obtida adicionando-se a esta uma solução da equação de Laplace ∆u = 0. Do Teorema 16.1, página 733, aprendemos, porém, que se exigirmos que u e seu gradiente decaiam rapidamente a zero no infinito, então u deverá ser identicamente nula. Assim, podemos afirmar que a função de Green para a equação de Poisson em R3 sob as condições lim ‖y‖→∞ |u(y)| = 0 e lim ‖y‖→∞ ‖y‖ ∥∥∥~∇u(y) ∥∥∥ = 0 é (17.317). A solução procurada da equação de Poisson será, portanto, u(x) = − 1 4π ∫ R3 h(y) ‖x− y‖ d 3y , (17.318) pressupondo, é claro, que a função h seja tal que a integral acima esteja bem definida e seja tal que as condições de contorno mencionadas sejam satisfeitas. Vide Teorema 16.2, página 734. 17.11.2 A Equação de Difusão Não-Homogênea Consideremos a equação de difusão não-homogênea em n dimensões espaciais ( ∂ ∂t −D∆ ) u(x, t) = h(x, t) , (17.319) com x = (x1, . . . , xn) ∈ Rn e com D > 0, constante. Para esse caso, interessamo-nos pela solução fundamental associada ao operador de difusão L = ∂∂t −D∆, ou seja, pela solução G de ( ∂ ∂t −D∆x ) G(x, t; x′, t′) = δ(x− x′)δ(t− t′) , (17.320) com x, x′ ∈ Rn e t, t′ ∈ R. Seja Ĝ(p, p0; x′, t′) a transformada de Fourier inversa de G em relação às variáveis (x, t): Ĝ(p, p0; x ′, t′) := 1 (2π)(n+1)/2 ∫ Rn+1 eip·x+ip0tG(x, t; x′, t′) dnxdt , com p ∈ Rn e p0 ∈ R. Como G(x, t; x′, t′) = 1 (2π)(n+1)/2 ∫ Rn+1 e−ip·x−ip0tĜ(p, p0; x ′, t′) dnpdp0 , (17.321) temos por (17.320) que 1 (2π)(n+1)/2 ∫ Rn+1 e−ip·x−ip0t ( − ip0 +D‖p‖2 ) Ĝ(p, p0; x ′, t′) dnpdp0 = δ(x− x′)δ(t− t′) , onde ‖p‖2 = p21 + · · · + p2n. Tomando a transformada inversa de ambos os lados em relação a (x, t), teremos ( − ip0 +D‖p‖2 ) Ĝ(p, p0; x ′, t′) = 1 (2π)(n+1)/2 eip·x ′+ip0t ′ . (17.322) Assim, temos de (17.321) G(x, t; x′, t′) = i (2π)(n+1) ∫ Rn+1 e−ip·(x−x ′)−ip0(t−t′) p0 + iD‖p‖2 dnpdp0 = i (2π)(n+1) ∫ Rn e−ip·(x−x ′) (∫ ∞ −∞ e−ip0(t−t ′) p0 + iD‖p‖2 dp0 ) dnp . JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 832/1730 pois, recordando o fato que xδ(x) = 0, temos que γ+(p, x ′, t′) ( p0 + c‖p‖ )( p0 − c‖p‖ ) 1 ‖p‖δ ( p0 − c‖p‖ ) = γ+(p, x ′, t′)2c‖p‖ 1‖p‖ ( p0 − c‖p‖ ) δ ( p0 − c‖p‖ ) = 0 , e analogamente com o termo com γ−. Dessa forma, podemos escrever Ĝ(p, p0; x ′, t′) = c2 (2π)(n+1)/2 eip·x ′+ip0t ′ ( p0 − c‖p‖ )( p0 + c‖p‖ ) + γ+(p, x ′, t′) ‖p‖ δ ( p0 − c‖p‖ ) + γ−(p, x′, t′) ‖p‖ δ ( p0 + c‖p‖ ) , e de (17.326) obtemos G(x, t; x′, t′) = c2 (2π)n+1 ∫ Rn+1 e−ip·(x−x ′)−ip0(t−t′) ( p0 − c‖p‖ )( p0 + c‖p‖ ) dnp dp0 + 1 (2π)(n+1)/2 ∫ Rn γ+(p, x ′, t′) ‖p‖ e −ip·x−ic‖p‖t dnp+ 1 (2π)(n+1)/2 ∫ Rn γ−(p, x′, t′) ‖p‖ e −ip·x+ic‖p‖t dnp , (17.328) com γ± estando por ora indeterminadas. É relevante observarmos que os dois últimos termos são soluções da equação de ondas homogênea ( ∆x − 1c2 ∂ 2 ∂t2 ) u(x, t) = 0, pois as funções e−ip·x∓ic‖p‖t são soluções dessa equação. Assim, de acordo com nossas observações gerais, esses dois últimos termos podem ou não ser adicionados à solução conforme a conveniência. Vamos agora nos concentrar no primeiro termo da última expressão, que vamos denotar por G0(x, t; x ′, t′). Temos G0(x, t; x ′, t′) = c2 (2π)n+1 ∫ Rn+1 e−ip·(x−x ′)−ip0(t−t′) ( p0 − c‖p‖ )( p0 + c‖p‖ ) dnpdp0 = c2 (2π)n+1 ∫ Rn (∫ ∞ −∞ e−ip0(t−t ′) ( p0 − c‖p‖ )( p0 + c‖p‖ ) dp0 ) e−ip·(x−x ′) dnp . (17.329) As integrais acima devem ser entendidas no sentido de valor principal e vamos passar agora a delicada tarefa de calculá-las e analisá-las. A integral em p0, que denotamos por I(t− t′), é dada por62 I(t− t′) = lim R→∞ lim ǫ→0 IR, ǫ(t− t′) , onde IR, ǫ(t− t′) := ∫ L(R, ǫ) e−ip0(t−t ′) ( p0 − c‖p‖ )( p0 + c‖p‖ ) dp0 , (17.330) com L(R, ǫ) sendo a união dos intervalos de R indicados na Figura 17.14, página 833, isto é, L(R, ǫ) = ( −R, −c‖p‖ − ǫ ) ∪ ( − c‖p‖ + ǫ, c‖p‖ − ǫ ) ∪ ( c‖p‖ + ǫ, R ) , ou seja, IR, ǫ(t− t′) := ∫ −c‖p‖−ǫ −R e−ip0(t−t ′) ( p0 − c‖p‖ )( p0 + c‖p‖ ) dp0 + ∫ c‖p‖−ǫ −c‖p‖+ǫ e−ip0(t−t ′) ( p0 − c‖p‖ )( p0 + c‖p‖ ) dp0 + ∫ R c‖p‖+ǫ e−ip0(t−t ′) ( p0 − c‖p‖ )( p0 + c‖p‖ ) dp0 . I(t− t′) é melhor calculada encarando as integrais acima como integrais no plano complexo e escrevendo IR, ǫ(t− t′) = ∫ BR, ǫ e−iz(t−t ′) ( z − c‖p‖ )( z + c‖p‖ ) dz − ∫ A1, ǫ e−iz(t−t ′) ( z − c‖p‖ )( z + c‖p‖ ) dz − ∫ A2, ǫ e−iz(t−t ′) ( z − c‖p‖ )( z + c‖p‖ ) dz , JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 833/1730 Rz 2ε2ε 00−R −z0 Figura 17.14: Os três segmentos com maior espessura representam o conjunto de segmentos de reta L(R, ǫ). Acima, z0 = c‖p‖. Rz 00−R −z ε ε AA ε1, 2,ε 0 Figura 17.15: O caminho de integração BR, ǫ, conectando −R a R com os semi-ćırculos A1, ǫ e A2, ǫ. Acima, z0 = c‖p‖. A1, ǫ é um semi-ćırculo de raio ǫ centrado em −c‖p‖ e A2, ǫ é um semi-ćırculo de raio ǫ centrado em c‖p‖. onde BR, ǫ, A1, ǫ e A2, ǫ são indicados na Figura 17.15, página 833. A1, ǫ é um semi-ćırculo de raio ǫ centrado em −c‖p‖ e A2, ǫ é um semi-ćırculo de raio ǫ centrado em c‖p‖. Vamos agora estudar cada uma das integrais acima, começando pela integral em A1, ǫ. Os pontos em A1, ǫ podem ser parametrizados por um ângulo θ ∈ [0, π] como z = −c‖p‖ + ǫeiθ com dz = ieiθdθ. Assim, ∫ A1, ǫ e−iz(t−t ′) ( z − c‖p‖ )( z + c‖p‖ ) dz = −eic‖p‖(t−t′) ∫ 0 −π e−iǫe iθ(t−t′) ( − 2c‖p‖+ ǫeiθ )( ǫeiθ ) iǫeiθ dθ , o sinal “-” antes do fator eic‖p‖(t−t ′) do lado direito sendo devido ao fato de a integração se dar em sentido horário. É evidente que no limite ǫ → 0 o lado direito converge a πi2c e ic‖p‖(t−t′) ‖p‖ . Analogamente, a integral em A2, ǫ converge a −πi2c e −ic‖p‖(t−t′) ‖p‖ no limite ǫ→ 0, e temos I(t− t′) = lim R→∞ lim ǫ→0 JR, ǫ(t− t′) + πi 2c e−ic‖p‖(t−t ′) ‖p‖ − πi 2c eic‖p‖(t−t ′) ‖p‖ , (17.331) onde JR, ǫ(t− t′) := ∫ BR, ǫ e−iz(t−t ′) ( z − c‖p‖ )( z + c‖p‖ ) dz . Antes de calcularmos JR, ǫ(t − t′), é importante observarmos que a contribuição dos dois últimos termos de (17.331) a G0(x, t; x ′, t′) (vide (17.329)) é icπ 2(2π)n+1 ∫ Rn e−ic‖p‖(t−t ′) ‖p‖ e −ip·(x−x′) dnp− icπ (2π)n+1 ∫ Rn eic‖p‖(t−t ′) ‖p‖ e −ip·(x−x′) dnp 62A ordem dos limites em (17.330) não pode ser alterada. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 834/1730 e a contribuição desses dois termos a G(x, t; x′, t′) (vide (17.328)) pode ser absorvida nos dois últimos termos de (17.328) pela substituição γ±(p, x ′, t′) −→ γ±(p, x′, t′) ∓ icπ 2(2π)(n+1)/2 eip·x ′±ic‖p‖t′ . Passemos agora à determinação de JR, ǫ(t − t′). Utilizando uma técnica bem-conhecida de integração complexa, podemos substituir a curva BR, ǫ por uma das curvas fechadas CR, ǫ indicadas na Figura 17.16, página 834, dependendo de t− t′ ser positivo ou negativo, desde que a integral sobre o arco de ćırculo AR (vide Figura 17.16) vá a zero quando o limite R → ∞ for tomado. Rz 0−R −z ε ε AA ε1, 2,ε 0 R z 0−z ε ε AA ε1, 2,ε 0 R −R R CR, ε CR, ε RA RA Figura 17.16: Os caminhos de integração CR, ǫ (curvas fechadas) e os semi-ćırculos A1, ǫ, A2, ǫ e AR. Acima, z0 = c‖p‖. A1, ǫ é um semi-ćırculo de raio ǫ centrado em −c‖p‖ e A2, ǫ é um semi-ćırculo de raio ǫ centrado em c‖p‖. Por sua vez, AR é um semi-ćırculo de raio R centrado em 0. Os eixos horizontal e vertical são os eixos real e imaginário, respectivamente. O caminho de integração CR, ǫ à esquerda é tomado quando t− t′ < 0 e o caminho de integração CR, ǫ à direita é tomado quando t − t′ > 0. No interior da região delimitada pela curva CR, ǫ à esquerda não ocorrem pólos do integrando, mas sim no interior da região delimitada pela curva CR, ǫ à direita, a saber em ±z0. Para t − t′ < 0 devemos fechar a curva por cima e para t − t′ > 0 devemos fechar a curva por baixo (vide Figura 17.16). No caso t− t′ < 0 a integral em CR, ǫ anula-se, pois o integrando não possui singularidades no interior da região delimitada por CR, ǫ. No caso t − t′ > 0 a integral em CR, ǫ é não-nula, pois o integrando tem dois pólos simples no interior da região delimitada por CR, ǫ, a saber em p0 = ±c‖p‖. De acordo com a fórmula integral de Cauchy o resultado da integral é −2πi ( eic‖p‖(t−t ′) −2c‖p‖ + e−ic‖p‖(t−t ′) 2c‖p‖ ) , o sinal “-” global sendo devido ao fato de a integral ser tomada em sentido horário. Assim, para todo t− t′ temos JR, ǫ(t− t′) = H(t− t′) πi c ( eic‖p‖(t−t ′) ‖p‖ − e−ic‖p‖(t−t ′) ‖p‖ ) = −H(t− t′)2π c sen ( c‖p‖(t− t′) ) ‖p‖ . A contribuição dessa expressão aG(x, t; x′, t′) define a chamada função de Green retardada, denotada porGret(x, t; x′, t′) JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 837/1730 denominada solução avançada da equação de ondas não-homogênea (17.324) em 3 + 1-dimensões. A solução expressa em (17.336), ainda que seja uma solução matematicamente leǵıtima de (17.324), não respeita o prinćıpio de causalidade pois, como se percebe, o valor de uav(x, t) depende dos valores de h em instantes de tempo posteriores a t. R0−R ε A 1,ε ε A 2,ε 0 z 0z− Figura 17.17: O caminho de integração BR, ǫ e os semi-ćırculos A1, ǫ e A2, ǫ, agora passando ambos por baixo das singularidades em ±z0 = ±c‖p‖. À primeira vista pode surpreender o estudante que soluções desse tipo existam, mas é preciso recordar que o operador de onda ∆ − 1c2 ∂ 2 ∂t2 é invariante pela reversão temporal t → −t (propriedade não satisfeita pelo operador de difusão ∂ ∂t − D∆). Desse ponto de vista, é natural pensarmos que a toda solução causal como uret(x, t) corresponde uma solução não-causal uret(x, −t). O descarte de soluções avançadas na equação de ondas não-homogênea não tem origem matemática, mas deve-se a um requerimento de origem f́ısica: a crença de que causas precedem seus efeitos. Nesse contexto é de se observar também que no caso da equação de difusão o prinćıpio de causalidade surgiu natu- ralmente, não precisando ser imposto por uma restrição à solução. Tal se deve ao fato de que o operador de difusão não ser invariante por reversão temporal t→ −t. Isso se deve à natureza irreverśıvel de processos difusivos, fato intimamente ligado à Segunda Lei da Termodinâmica. 17.11.3.2 Aplicações à Eletrodinâmica. Potenciais Retardados No chamado sistema internacional de unidades (SI) as equações de Maxwell63 fora de meios materiais são ∇ · ~E = ρ ǫ0 , ∇ · ~B = 0 , ~∇× ~B = µ0 ~J + 1 c2 ∂ ~E ∂t , ~∇× ~E = −∂ ~B ∂t , com c = 1√µoǫ0 , onde ~E e ~B são o campo elétrico e magnético, respectivamente, ρ sendo a densidade de carga elétrica e ~J sendo a densidade de corrente elétrica. Uma conseqüência imediata das equações acima é a lei de conservação de carga elétrica, expressa na equação ∂ ρ∂t + ∇ · ~J = 0. Para ρ e ~J dados, decaindo rapidamente a zero no infinito espacial, as equações de Maxwell podem ser resolvidas da seguinte forma. Das equações ∇ · ~B = 0 e ~∇× ~E = −∂ ~B∂t escrevemos ~B = ~∇× ~A , ~E = −~∇φ− ∂ ~A ∂t . (17.337) Os campos φ e ~A são denominados potencial escalar (ou potencial elétrico) e potencial vetor, respectivamente. Com isso, as equações ∇ · ~E = ρǫ0 e ~∇× ~B = µ0 ~J + 1 c2 ∂ ~E ∂t ficam −∆φ− ∂ ∇ · ~A ∂t = ρ ǫ0 e ~∇ ( ∇ · ~A+ 1 c2 ∂ φ ∂t ) − ∆ ~A+ 1 c2 ∂2 ~A ∂t2 = µ0 ~J , (17.338) onde usamos o fato que para qualquer campo ~C vale ~∇× ( ~∇× ~C ) = ~∇ ( ∇ · ~C ) − ∆~C . (17.339) 63James Clerk Maxwell (1831–1879). JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 838/1730 Vide (4.26), página 187. Vamos agora provar que podemos escolher os campos φ e ~A de sorte que valha (17.337) e de sorte que valha também a chamada condição de Lorenz64: 1 c2 ∂ φ ∂t + ∇ · ~A = 0 , (17.340) com o que as duas equações em (17.338) transformam-se em ∆φ− 1 c2 ∂2 φ ∂t2 = − ρ ǫ0 e ∆ ~A− 1 c2 ∂2 ~A ∂t2 = −µ0 ~J . (17.341) Seja λ ≡ λ(x, t) um campo escalar e definamos ~A′ := ~A+ ~∇λ e φ′ := φ− ∂ λ ∂t . (17.342) É fácil constatar que ~∇× ~A′ = ~∇× ~A = ~B e − ~∇φ′ − ∂ ~A′ ∂t = −~∇φ− ∂ ~A ∂t = ~E . Assim, ~A′ e φ′ poderiam ser usados em lugar de ~A e φ em (17.337), pois produzem os mesmos campos elétrico e magnético. Devido a essa propriedade de manterem invariantes as grandezas f́ısicas ~E e ~B, as transformações (17.342) são entendidas como transformações de simetria do sistema que consideramos e são denominadas transformações de calibre, ou transformações de “gauge”. Vamos agora supor que φ e ~A não satisfaçam a condição (17.340). É fácil verificar que ∇ · ~A′ + 1 c2 ∂ φ′ ∂t = ∇ · ~A+ 1 c2 ∂ φ ∂t + ( ∆λ− 1 c2 ∂2 λ ∂t2 ) . Logo, se λ for tal que ∆λ− 1 c2 ∂2 λ ∂t2 = − ( ∇ · ~A+ 1 c2 ∂ φ ∂t ) , (17.343) teremos satisfeita ∇ · ~A′ + 1 c2 ∂ φ′ ∂t = 0 , que é a condição (17.340) para φ′ e ~A′. A equação (17.343) é uma equação de ondas não-homogênea para λ e uma posśıvel solução é, como vimos, a solução retardada65 λ(x, t) = 1 4π ∫ R3 ( ∇ · ~A+ 1c2 ∂ φ ∂t )( x′, t− ‖x−x ′‖ c ) ‖x− x′‖ d 3x′ . Assim, existe um campo escalar λ satisfazendo (17.343) e um par de campos φ′ e ~A′ satisfazendo (17.340) produzindo os mesmos campos ~E e ~B, como queŕıamos mostrar. Conclúımos que podemos supor ser (17.340) verdadeira e, retornando a (17.338), constatamos que se tratam novamente de duas equações de ondas não-homogêneas, possuindo as soluções retardadas φret(x, t) = 1 4πǫ0 ∫ R3 ρ ( x′, t− ‖x−x ′‖ c ) ‖x− x′‖ d 3x′ e ~Aret(x, t) = µ0 4π ∫ R3 ~J ( x′, t− ‖x−x ′‖ c ) ‖x− x′‖ d 3x′ . (17.344) 64Ludvig Valentin Lorenz (1829–1891). O nome de Lorenz é freqüentemente confundido com o de Hendrik Antoon Lorentz (1853–1928). Lorenz foi um f́ısico dinamarquês enquanto que Lorentz foi um f́ısico holandês, ambos tendo dado contribuições importantes à Eletrodinâmica. Curiosamente, muitos livros-texto denominam incorretamente a condição de Lorenz como “condição de Lorentz”, talvez devido ao fato de a condição de Lorenz ser invariante por transformações de Lorentz. Vide também comentários da página 294 da terceira edição de [100]. Na Óptica existe uma importante equação denominada Equação de Lorentz–Lorenz, ou Relação de Clausius–Mossotti (Ottaviano-Fabrizio Mossotti (1791–1863), Rudolf Julius Emanuel Clausius (1822–1888)). 65Neste caso, a solução avançada (ou uma combinação linear convexa das duas) também pode ser tomada, já que não há a necessidade de se impor a condição de causalidade para a o campo auxiliar λ, posto que o mesmo não representa uma grandeza f́ısica. JCABarata. Curso de F́ısica-Matemática Versão de 19 de março de 2010. Caṕıtulo 17 839/1730 Esses são os chamados potenciais retardados (escalar e vetorial, respectivamente). Recordemos que essas não são as soluções mais gerais de (17.341), pois a elas ainda podemos adicionar soluções φh e ~Ah da equação de ondas homogênea. Com os potenciais φret +φh e ~Aret + ~Ah podemos calcular os campos elétrico e magnético ~E e ~B usando (17.337). Esses potenciais φret +φh e ~Aret + ~Ah contêm as contribuições das fontes de cargas e correntes elétricas ρ e ~J (em φret e ~Aret) e de ondas eletromagnéticas vindas do infinito (em φh e ~Ah). • As equações de Jefimenko E. 17.25 Exerćıcio. Usando (17.337) e (17.344) obtenha os campos elétrico e magnético retardados ~Eret(x, t) = 1 4πǫ0 ∫ R3 [ ρ ( x′, t− ‖x− x ′‖ c ) x− x′ ‖x− x′‖3 + 1 c x− x′ ‖x− x′‖2 ( ∂ρ ∂t )( x′, t− ‖x− x ′‖ c ) − 1 c2 1 ‖x− x′‖ ( ∂ ~J ∂t )( x′, t− ‖x− x ′‖ c )] d3x′ (17.345) e ~Bret(x, t) = µ0 4π ∫ R3 [ ~J ( x′, t− ‖x− x ′‖ c ) + ‖x− x′‖ c ( ∂ ~J ∂t )( x′, t− ‖x− x ′‖ c )] × x− x ′ ‖x− x′‖3 d 3x′ . (17.346) As equações (17.345) e (17.346) são denominadas equações de Jefimenko6667. É interessante, e recomendado ao estudante, comparar (17.344), (17.345) e (17.346) às soluções (16.33) e (16.34) da Eletrostática e da Magnetostática. 6 E. 17.26 Exerćıcio. Tomando o rotacional de ambos os lados das equações de Maxwell ~∇ × ~E = −∂ ~B∂t e ~∇ × ~B = µ0 ~J + 1 c2 ∂ ~E ∂t , usando essas mesmas equações e (17.339), obtenha ~∇ ( ∇ · ~E ) − ∆ ~E = −µ0 ∂ ~J ∂t − 1 c2 ∂2 ~E ∂t2 e ~∇ ( ∇ · ~B ) − ∆ ~B = µ0~∇× ~J − 1 c2 ∂2 ~B ∂t2 . Usando as duas equações de Maxwell restantes ∇ · ~E = ρǫ0 e ∇ · ~B = 0, obtenha disso ∆ ~E − 1 c2 ∂2 ~E ∂t2 = 1 ǫ0 ( ~∇ρ+ 1 c2 ∂ ~J ∂t ) , (17.347) ∆ ~B − 1 c2 ∂2 ~B ∂t2 = −µ0~∇× ~J . (17.348) Trata-se novamente de equações de ondas não-homogêneas e obtenha para as mesmas as soluções retardadas ~Eret(x, t) = − 1 4πǫ0 ∫ R3 1 ‖x− x′‖ ( ~∇ρ+ 1 c2 ∂ ~J ∂t )( x′, t− ‖x− x ′‖ c ) d3x′ , (17.349) ~Bret(x, t) = µ0 4π ∫ R3 1 ‖x− x′‖ ( ~∇× ~J )( x′, t− ‖x− x ′‖ c ) d3x′ . (17.350) Analogamente às equações de Jefimenko (17.345) e (17.346), as expressões (17.349) e (17.350) também fornecem os campos elétrico e magnético em termos das fontes de carga e de corrente retardadas. A relação de (17.349) e (17.350) com as equações de Jefimenko (17.345) e (17.346) é estabelecida no Exerćıcio E. 17.27. 66Oleg D. Jefimenko (??–). 67É um tanto surpreendente e curioso que as equações de Jefimenko (17.345) e (17.346) aparentemente só foram apresentadas e discutidas em sua forma de acima nos anos sessenta do Séc. XX.