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Guias e Dicas
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Dicionário de filosofia - José Ferrater Mora, Notas de estudo de Filosofia

Dicionario de filosofia

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 06/10/2010

arthur-gobi-3
arthur-gobi-3 🇧🇷

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Baixe Dicionário de filosofia - José Ferrater Mora e outras Notas de estudo em PDF para Filosofia, somente na Docsity! DICIONÁRIO DE FILOSOFIA JOSÉ FERRATER MORA DICIONÁRIO DE FILOSOFIA TEXTO PREPARADO POR EDUARDO GARC A BELSUNCE E EZEQUIEL OLASO TRADUZIDO DO ESPANHOL POR ANTÓNIO JOSÉ MASSANO E MANUEL PALMEIRIM PUBLICAÇÕES DOM QUIXOTE LISBOA 1978 ALGUNS DADOS SOBRE JOSÉ FERRATER MORA: -- José ferrater mora nasceu em 1912, em Barcelona. Estudou na sua cidade natal, indo viver depois, sucessivamente, para Cuba, (1931-1934), Chile (1941-1947), e Estados Unidos, onde ainda reside. Foi professor de filosofia na Universidade do Chile e, a partir de 1949, no Bryn Mawr College (Pennsylvania, E. U. A.). Simultaneamente foi dirigindo cursos em muitas Universidades da Europa (especialmente da Espanha e da França) e do continente americano. É membro, desde 1962, do INSTITUTO INTERNACIONAL DE FILOSOFIA, organismo que reúne um número restrito de membros -- nunca superior a cem e todos recrutados pelo instituto -- recrutados em todos os países do mundo. Ferrater Mora tornou-se internacionalmente conhecido pelo seu monumental DICION RIO DE FILOSOFIA, uma obra que o seu autor foi pacientemente elaborando, refundindo e ampliando desde a sua primeira edição até à actual. A obra, cuja última edição se apresenta em dois grossos volumes, constitui um trabalho sem paralelo no género. Ela patenteia não só a vasta e quase incrível informação que Ferrater Mora possui sobre toda a história da filosofia e sobre todas as disciplinas filosóficas -- e uma também excepcional informação científica e humanística --, mas ainda uma impressionante capacidade de síntese. O presente volume, editado sob o título de DICION RIO DE FILOSOFIA, é uma versão abreviada do volumoso e desenvolvido trabalho de Ferrater Mora: mas uma versão abreviada feita sob a orientação do autor e com a sua supervisão. PRÓLOGO DO AUTOR A partir do momento em que o meu Dicionário de Filosofia atingiu as dimensões de uma verdadeira "enciclopédia", editor e autor começaram a pensar em preparar uma edição abreviada para uso de alunos de ensino médio, de cursos universitários e, ainda, de um vasto público que, embora muito interessado na filosofia, não está normalmente na disposição de adquirir ou consultar uma obra que, devido apenas ao seu volume, foi qualificada de "monumental". Essa edição abreviada deveria conter o essencial da edição maior sem prejudicar a utilidade e a clareza. Tratava-se de uma tarefa árdua. Se Ezequiel de Olaso e Eduardo Garcia Belsunce não tivessem generosamente aceite levá-la a cabo, duvido muito que hoje fosse uma realidade. Muitas e variadas virtudes e aptidões se requeriam para o efeito: um conhecimento profundo do conteúdo e estrutura do Dicionário de Filosofia, um saber filosófico amplo e sólido, um excepcional bom critério para seleccionar o fundamental e eliminar o menos urgente e, não será necessário dizê-lo, uma invulgar capacidade de síntese. Estas e outras virtudes e aptidões possuem-nas os signatários deste Dicionário de Filosofia abreviado, que inclusive pode ser consultado por aqueles que possuem a obra grande, quando tiverem necessidade de fazer uma consulta rápida. Podem estar certos de que vão encontrar nestas páginas simultaneamente densas e lúcidas, tudo o que procuram e, como acontece amiúde nos dicionários bem equilibrados, algumas coisas que lhes serão dadas por acréscimo. Ezequiel de Olaso e Eduardo Garcia Belsunce explicam num prefácio os critérios em que se basearam, e que os guiam, na elaboração da presente obra. Embora nunca tenha tido dúvidas sobre a capacidade e o bom senso destes meus grandes amigos e colegas, tenho de confessar que o resultado ultrapassou a minha expectativa. Este Dicionário de Filosofia revela vantagens que saltam à vista: utilidade, facilidade de consulta, pureza de estilo e aquilo a que se poderia chamar "proporcionalidade". Esta última é tão extraordinária que poderia considerar-se inclusive a obra maior como uma ampliação e extensão da edição abreviada. Revela uma outra grande vantagem: o seu preço incrivelmente baixo. A editorial Sudamericana, que não se poupa a sacrifícios para pôr ao alcance de toda a gente o que há de melhor e de mais vivo na cultura universal, deitou mais uma vez mãos à obra para acrescentar um anel a uma cadeia de publicações que lhe granjearam merecido prestígio em todo o mundo. Todos os dirigentes da editorial merecem sinceras felicitações pelo seu espírito de empresa cultural, mas quero terminar com a menção de dois nomes que me são muito caros. O de Antonio López Llausás, que orientou com mão firme e segura a editorial desde o início, e o do seu mui chorado filho, Jorge, que tão cedo nos foi arrebatado e ao qual se devem muitas das coisas e dos projectos que hoje em dia se estão a realizar. Este Dicionário de Filosofia abreviado tem, e espero por muito tempo continue a ter, o seu cunho. José Ferrater Mora. A A, AB, AD -- As proposições latinas _a, _ab, figuram em muitas locuções latinas usadas na literatura filosófica, principalmente escolástica, em língua latina, mas também noutras línguas; algumas dessas proposições são, por outro lado, de uso corrente, como _a _priori (v.) _a _posteriori (v.) a priori), etc. Apresentam-se, em seguida, por ordem alfabética, uma lista de algumas dessas locuções. @A CONTRÁrio -- A PARI - estas duas locuções foram usadas na linguagem jurídica para indicar que um argumento usado referente a uma determinada espécie se aplica a outra do mesmo género. O argumento a contrário procede de uma oposição encontrada numa relação com algo segundo outra coisa. AD ALIQUID SECUNDUM SE -- o que tem relação com algo segundo o seu próprio ser ou modo de ser essencial. AD ALIQUID SECUNDUM RATIONEM TANTUM -- O que tem relação com algo segundo a mente ou segundo o entendimento. AD ALIQUID SECUNDUM REM -- O que tem relação com algo segundo a própria coisa. AD EXTRA - AD INTRA -- A primeira locução refere-se a um movimento transitivo ou transcendente. A segunda refere-se a um movimento imanente. AD HOC -- Uma ideia, uma teoria ad hoc são as que só valem para um caso particular, geralmente sem ter em conta outros casos possíveis. AD HOMINEM -- É o argumento que é válido, supõe-se que é válido ou acaba por ser válido só para um homem determinado ou também para um grupo determinado de homens. Em vez da locução ad hominem usa-se, por vezes a locução ex concessis. AD HUMANITATEM -- É o argumento que se supõe válido para todos os homens sem excepção. Esse argumento considera-se, pois, como um argumento que vai para além de todo o indivíduo particular e, nessa qualidade, como um argumento ad rem. Isto é, segundo a própria coisa considerada. AD IGNORANTIAM -- É um argumento fundado na ignorância, suposta ou efectiva, do interlocutor. AD IMPOSSIBILI -- Equivalente à expressão ad absurdum. AD INTRA V. AD EXTRA-- AD INTRA. AD JUDICIUM -- Segundo Locke, um argumento ad judicium é o que se justifica por si mesmo, pelo juízo, e não é, portanto, um argumento ad hominem, ad ignorantiam ou ad verecundiam (v. à frente). AD PERSONAM -- É um argumento contra uma pessoa determinada, que se funda em efectivas ou supostas debilidades da pessoa em questão e tende a diminuir o prestígio da pessoa contra a qual se dirige. AD QUEM V. A QUO-- AD QUEM. AD REM V. AD HUMANITATEM. AD VALOREM -- É o argumento que se funda no valor da coisa ou coisas consideradas ou defendidas. AD VERECUNDIAM -- É o argumento que se funda na intimidação supostamente exercida pela autoridade ou autoridades às quais se recorre para convencer o interlocutor ou interlocutores. A PRIORI -- Embora na antiguidade e na idade média se tenha tratado o problema a que se refere esta expressão, a questão do a priori começa a ser tratada com toda a amplitude na época moderna. Um caso disso é constituído pela filosofia de Descartes. Não há neste nenhuma doutrina formal do a priori, mas a sua noção de -- ideia inata-- (Meditações Metafísicas. Os Princípios da Filosofia). aproxima-se da concepção moderna de - ideia a priori. Locke, em contra partida, faz uma crítica ao inatismo - v. -- que pode equiparar-se a uma crítica de qualquer elemento a priori no conhecimento. Uma distinção entre tipos de conhecimento que leva à concepção de um a priori encontra-se pela primeira vez apenas em Hume e Leibniz. A distinção proposta por Hume - Investigação - de "todos os objectos da razão ou investigação humana" em relações de ideias e factos equivale a uma distinção entre enunciados analíticos e sintéticos, respectivamente - v, analítico e sintético. Os enunciados analíticos são inteiramente a priori; não procedem da experiência nem podem dizer nada sobre a experiência ou sobre "os factos". Limitam-se a constituir a base de raciocínios meramente formais e descobrem-se mediante a "mera operação do pensamento", podendo comparar- se a regras de linguagem. Por sua vez Leibniz distingue entre verdades de razão e verdades de facto. As primeiras são eternas, inatas e a priori, ao contrário das verdades de facto, que são empíricas, actuais e contingentes. "A razão -- escreve Leibniz -- é a verdade conhecida cuja ligação com outra verdade menos conhecida nos faz dar o nosso assentimento a esta. Mas, de modo particular, e por excelência, chama-se razão se for a causa não só do nosso juízo, mas também da própria verdade, a qual se chama também razão a priori, e a causa nas coisas corresponde à razão nas verdades. (Teodiceia). Deve ter-se, todavia, em conta que a aprioridade bem como o carácter inato das verdades de razão, não significa que estas estejam sempre presentes na mente; as verdades de razão e a priori, em rigor, aquelas que se devem reconhecer como evidentes quando se apresentam a um espírito atento. Apesar das diferenças existentes entre a filosofia de Hume e a filosofia de Leibniz, estes autores são unânimes num aspecto: em que os enunciados a priori são analíticos e não sintéticos. Mas enquanto para Hume isso é consequência do seu carácter meramente linguístico, para Leibniz é resultado da sua preeminência sobre a experiência. É diferente a concepção de a priori defendida por Kant. Os conceitos e as proposições a priori têm de ser pensadas com carácter de necessidade absoluta. Mas não por serem todos meramente formais. Se o fossem, haveria que desistir de formular proposições universais e necessárias relativas à natureza. A universalidade e a necessidade dessas proposições seria então apenas a consequência do seu carácter analítico. Por outro lado, os conceitos da razão não podem aplicar-se à realidade em si e muito menos servem como exemplos ou paradigmas dessa realidade; qualquer metafísica baseada em meros conceitos de razão transcende a experiência e resulta numa pura imaginação racional, logo, não sintética. Kant considera que o conhecimento a priori é independente da experiência, ao contrário do conhecimento a posteriori que tem a sua origem na experiência (Crítica da Razão Pura). "Toda a mudança tem uma causa" Não é, para Kant, uma proposição absolutamente a priori, porque a noção de mudança procede da experiência. não deve entender-se a independência da experiência meramente em sentido psicológico; O problema de que Kant se ocupa na crítica da razão pura não é o da origem do conhecimento (como em Locke e em Hume), mas o da sua validade. Ora, Kant admite que pode haver juízos sintéticos a priori. O a priori não é, pois, sempre apenas analítico. se o fosse, nenhum conhecimento relativo à natureza poderia constituir-se em ciência. Mem sequer o senso comum pode prescindir de modos de conhecimento a priori. Perguntar se há juízos sintéticos a priori na matemática e na ciência da natureza, equivale a perguntar se estas ciências são possíveis, e como o são. A resposta de Kant é afirmativa em ambos os casos, mas isso deve-se a que o a priori não se refere às coisas em si (v. coisa), mas às aparências (v. aparência). Os elementos a priori condicionam a possibilidade de proposições universais e necessárias. Em contra partida não há na metafísica juízos sintéticos a priori porque o a priori não se aplica aos noumena (v. númeno). A doutrina kantiana foi ao mesmo tempo criticada e elaborada pelos idealistas alemães pós-kantianos. Exemplo desta dupla atitude é a atitude de Hegel. Por um lado, Hegel aceita a concepção do a priori enquanto admite (pelo menos ao expor a doutrina de Kant) que a universalidade e a necessidade devem criar a priori, isto é, na razão (Lições sobre a História da Filosofia). Por outro pois o acidente predicável, ou seja o modo pelo qual algo "inere" a um sujeito. No ponto de vista ontológico, o acidente é predicamental ou real, isto é, expressa o modo pelo qual o ente existe. Deste acidente se diz que naturalmente não é em si, mas noutro, pelo qual o acidente possui metafisicamente uma espécie de alteridade. Daí que os escolásticos vejam no acidente algo totalmente distinto algo que precisa de um sujeito. Assim o expressa a fórmula de S. Tomás que afirma que o acidente é "a coisa cuja natureza deve estar noutro" (Suma Teológica). Muitas das correntes da filosofia moderna, sobretudo da metafísica do século XVIII, não aceitam a distinção real entre acidente e substância, pois o acidente se lhes apresenta como um aspecto da substância. O acidente chama-se, nesse caso, quase sempre, modo (v.), e considera-se, como acontece em Espinosa, como afecção da substância. Mas ao ser colocado, por assim dizer, dentro da substância, o acidente tende a identificar-se com ela e a anular-se qualquer distinção possível. ACTO E ACTUALIDADE --Aristóteles introduziu na sua filosofia os termos "acto" ou "actualidade" e "potência" (v.), como uma tentativa para explicar o movimento enquanto devir (v.). O movimento como mudança numa realidade necessita de três condições que parecem ser ao mesmo tempo "princípio": a matéria (v.), a forma "v e a privação (v.). Ora, a mudança seria ininteligível se não houvesse no objecto que vai mudar uma potência para mudar. A sua mudança é, em rigor, a passagem de um estado de potência ou potencialidade a um estado de acto ou actualidade. Esta mudança é levada a cabo por meio de uma causa eficiente que pode ser "externa" (na arte) ou "interna" (na própria natureza do objecto considerado). A mudança pode então definir-se assim: É o levar a cabo o que existe potencialmente (Física). Neste "levar a cabo", o ser passa da potência de ser algo ao acto de o ser; a mudança é passagem da potência à actualidade. Não é fácil definir a noção aristotélica de "acto". Pode dizer-se que o acto é a realidade do ser de tal modo que o acto é anterior à potência e que só pelo actual se pode entender o potencial. Pode dizer-se também que o acto determina o ser. Sendo deste modo ao mesmo tempo a sua realidade própria e o seu princípio. Pode destacar-se o aspecto formal ou o aspecto real do acto. Finalmente, pode dizer-se que o acto é "aquilo que faz ser aquilo que é". Nenhuma das definições é suficiente. Aristóteles, que se apercebe desta dificuldade, apresenta com frequência a noção de acto e de potência por meio de exemplos, fiel à sua ideia de que "não há que tentar definir tudo, pois há que saber contentar-se com compreender a analogia". Seja como for, como conceber o ser como ser que muda? Platão afirmou que a mudança de um ser é a sombra do ser. Os Megáricos afirmam que só pode entender-se aquilo que existe actualmente: um dado objecto, x, afirmavam eles, é ou p (isto é possui tal ou tal propriedade ou está em tal ou tal estado), ou então não p (isto é, não possui tal ou tal propriedade ou não está em tal ou tal estado). Aristóteles rejeitou a doutrina de Platão, porque este fazia da mudança uma espécie de ilusão ou aparência do ser que não muda, e a doutrina dos megáricos porque não explicavam a mudança. Se, pois, há mudança, deve haver algo que tem uma propriedade ou esteja num estado e pode possuir outra propriedade ou passar a outro estado. Quando isto acontece, a propriedade "posterior" ou o "último" estado constituem actos ou actualizações de uma potência prévia. Esta potência não é uma potência qualquer. Como diz Aristóteles (Física), o homem não é potêncialmente uma vaca, mas uma criança é potêncialmente um homem, pois de contrário continuaria a ser sempre uma criança. O homem é assim a actualidade da criança. a passagem daquilo que está em potência àquilo que é em acto requer certas condições: estar precisamente em potência de algo e não de outra coisa. Além da criança e do homem há "algo" que não é nem criança nem homem, mas que virá a ser homem. Se só se admitisse o ser actual, nada poderia converter-se em nada. Embora haja seres em potência e seres em acto, isso não significa que potência e acto sejam, eles mesmos, seres. Podemos defini-los como princípios dos seres, ou "princípios complementares" dos seres. Estes princípios não existem, contudo separadamente, mas estão incorporados nas realidades. Aristóteles apercebe-se de que a sua teoria do acto não pode limitar-se ao exposto e de que pode entender-se o acto de várias maneiras. Para já, destas duas: 1. O acto é "o movimento relativamente à potência", 2. O acto é "a substância formal relativamente a alguma matéria". No primeiro caso, a noção de acto tem sobretudo aplicação na física; no segundo, tem aplicação na metafísica. Como se a complicação fosse ainda pouca, a noção de acto não se aplica do mesmo modo a todos os "actos". Em certos casos, não se pode enunciar, de um ser, a sua acção e o facto de a ter realizado -- aprender e ter aprendido, curar e ter curado. Noutros casos, pode enunciar-se simultaneamente o movimento e o resultado -- como quando se diz que se pode ver e ter visto, pensar e ter pensado. "Destes diferentes processos -- diz Aristóteles -- há que chamar a uns movimentos e a outros acto, pois todo o movimento é imperfeito, como o emagrecimento, o estudo, o andamento, a construção: são movimentos e movimentos imperfeitos. Com efeito, não se pode ao mesmo tempo andar e ter andado, acontecer e ter acontecido, receber o movimento e tê-lo recebido; também não é a mesma coisa mover e ter movido. Mas é a mesma coisa a que ao mesmo tempo vê e viu, pensa e pensou,.A esse processo chamo-lhe acto, e ao outro, movimento" (Metafísica). Esta citação mostra que Aristóteles não se sente satisfeito com opor simplesmente o acto à potência e com examinar a noção de acto segundo o ponto de vista de uma explicação da mudança dentro dos limites de uma "ontologia física". Parece que Aristóteles tem interesse em mostrar que há entes que estão constitutivamente mais "em acto" do que outros. Além disso, esses entes podem servir de modelos para tudo o que se diz que está em acto. Alguns autores neoplatónicos e cristãos inclinaram-se para uma ideia do acto como a perfeição dinâmica de uma realidade. Um dos exemplos desse estar em acto é a intimidade pessoal. Pode então conceber-se o acto como uma tensão pura, que não é movimento nem mudança porque constitui a fonte duradoira de todo o movimento e mudança. E se se alegar que isto não pode acontecer porque o sentido primário das descrições aristotélicas de "acto" e "actualidade" o excluem, pode responder-se com Plotino que deve distinguir-se o sentido de "acto" consoante se aplique ao sensível ou ao inteligível. No sensível, o ser em acto representa a união da forma e do ser em potência, de modo que aqui não pode haver nenhum equívoco: o acto é a forma. No inteligível, em contrapartida, a actualidade é própria de todos os seres, de modo que sendo o ser em acto o próprio acto, a forma não é um mero acto, mas, antes, está em acto. As noções de acto e actualidade foram elaboradas com grande pormenor pelos escolásticos, a partir, principalmente, dos conceitos aristotélicos, ampliados embora consideravelmente em três sentidos fundamentais. Primeiro, não confinando essas noções, como em Aristóteles, a processos naturais, mas usando-as para esclarecer o problema da natureza de Deus como Acto puro. Segundo, pela tentativa de precisar o seu significado até onde fosse constitui um processo que transforma os meios de produção em capital e ao mesmo tempo transforma os produtores em assalariados (O Capital). Logo, é preciso libertar o homem da escravidão provocada pelo trabalho que não lhe pertence (a "mais-valia" de trabalho) mediante uma apropriação do trabalho. Deste modo, o homem pode deixar de viver em estado alienado para alcançar a liberdade. ALMA -- Até ao final da cultura antiga -- e em muitas concepções populares dentro do ocidente e até aos nossos dias -- dominaram representações da alma formadas de camadas muito diferentes: a alma como um membro -- sombra que desce ao seio da terra --; a alma como um "alento" ou princípio de vida; a alma como realidade aérea, que vagueia em redor dos vivos e se manifesta sob a forma de forças e acções, etc. Estas representações influíram além disso, nas ideias que muitos filósofos fizeram da alma. Antes de Platão, constituiu-se um complexo de especulações sobre a ideia de alma que logo foi absorvido, por assim dizer, purificado, por esse filósofo. A princípio, especialmente no Fédon, defendeu um dualismo quase radical do corpo e da alma; a alma era, para ele, uma realidade essencialmente imortal (v. imortalidade) e "separável". A alma aspira a libertar-se do corpo para regressar à sua origem divina e viver, entre as ideias, no mundo inteligível. Mesmo dentro do corpo, a alma pode recordar as ideias que tinha contemplado puramente na sua vida anterior. A teoria da alma pura é, em Platão, o fundamento da sua teoria do conhecimento verdadeiro e, ao mesmo tempo, este constitui uma prova da existência da alma pura. Contudo Platão deu imediatamente conta de que o dualismo corpo-alma apresentava muitas dificuldades. Para já, tinha de haver algum ponto ou lugar por onde a alma ficasse inserida no corpo; de contrário, não se entenderia a relação entre as operações de uma e de outro. Para resolver este problema, Platão distinguiu entre várias ordens ou tipos de actividades da alma: a parte sensitiva -- sede dos apetites ou desejo --; a parte irascível -- sede do valor --, e a parte inteligível -- sede da razão. Seja como for, continua de pé o problema da relação entre as várias ordens da alma; Platão pensou resolvê-lo estabelecendo entre estas ordens uma relação de subordinação: as partes inferiores devem subordinar-se à parte superior, isto é, a alma como razão deve conduzir e guiar a alma como valor e como apetite. Do que o homem fizer na sua vida dependerá que se salve, isto é, se torne imortal, isto é, se torne inteiro e cabalmente "alma pura". Plotino levantou também o problema da união da alma com o corpo. Excluiu que ambos constituíssem uma mistura e só admitiu que a alma fosse forma do corpo. A alma é por si mesma, enquanto separada do corpo, uma realidade impassível, mas pode dizer-se que tem duas partes: a separada ou separável e a que constitui uma forma do corpo. Até pode falar-se de uma parte média ou mediadora entre as duas partes fundamentais. Plotino interessa-se particularmente pela parte superior e inteligível, a que não sofre alteração e é incorruptível. A alma divide-se quando se orienta para o sensível; unifica-se, em contrapartida, quando se orienta para o inteligível, a ponto de adquirir uma categoria divina. As doutrinas aristotélicas sobre a alma são muito complexas e estão formuladas, de preferência, de um ponto de vista "biológico" e "orgânico". A alma, diz Aristóteles, é de certo modo o princípio da vida animal (Sobre a alma), enquanto vida que se move a si mesma espontaneamente. Mas isto não significa que a alma se mova a si mesma; ser princípio de movimento não significa ser movimento. Ora, dado que todo o corpo natural possuidor de vida é uma substância (enquanto realidade composta) e possui um corpo, não se pode dizer que o corpo seja alma. O corpo é a matéria; a alma é uma certa forma. Não faz, pois, sentido perguntar se o corpo e a alma são uma só realidade; isso seria o mesmo que perguntar porque é que a cera e a forma da cera são uma realidade. O sentido de unidade do corpo e da alma é a relação de uma actualidade com uma potencialidade. A alma é, pois, uma substância; é o quid essencial do corpo. Como escreve Aristóteles: "se o olho fosse um animal, a vista seria a sua alma, pois a vista é a substância ou forma do olho". A alma é, pois a forma do corpo enquanto constitui o conjunto de possíveis operações do corpo. Tal como é próprio do martelo dar marteladas, é próprio da alma fazer que o corpo tenha a forma que lhe corresponde como corpo, e, portanto, fazer que o corpo seja realmente corpo. A alma é a causa ou a fonte do corpo vivo. Ora, se a alma é o princípio das operações do corpo natural e orgânico, pode distinguir-se entre vários tipos de operações. A isso corresponde a divisão entre várias "partes" da alma, que como se mostrou, não destrói de modo algum a sua unidade como forma. A alma é o ser e princípio dos seres vivos, por quanto esse ser e esse princípio consistem em viver. As doutrinas aristotélicas sobre a alma não são, pois, apenas de caracter biológico ou psicológico, constituem o mais importante fragmento de uma "ontologia do vivo. Uma característica básica desta ontologia é a análise dos conceitos de função e das diversas funções possíveis. Os diversos tipos de alma -- vegetativa, animal, humana -- são, pois, diversos tipos de função. E as partes da alma em cada um destes tipos de função constituem outros tantos tipos de operação. No caso da alma humana, o modo de operação principal é a racionalidade, que distingue esta alma de outras no reino orgânico. Isso não significa que não haja nessa alma outras operações. Pode falar-se da parte nutritiva, sensitiva, imaginativa e apetitiva da alma, ou seja de outras tantas operações. Mediante as operações da alma, especialmente da sensível e da pensante, a alma pode reflectir todas as coisas, já que todas são sensíveis ou pensáveis e isso faz que, como diz Aristóteles numa fórmula muito comentada, a alma seja de certo modo todas as coisas. Um dos problemas mais importantes levantados por esta teoria é o da unidade do entendimento. Com efeito, como pensar que reconhecer racionalmente o que existe, e o que faz que isso exista e, sobretudo, os princípios supremos daquilo que existe, pode-se supor que todas as operações racionais são iguais em todas as almas dotadas da faculdade de pensar. Nesse caso, não haveria almas pensantes individuais mas uma só alma pensante. Aristóteles não se inclinou por uma rigorosa unidade do entendimento". Mas alguns dos seus seguidores mantiveram uma opinião radical a este respeito, como parece ter acontecido com Averróis. A doutrina da unidade do intelecto acentua a racionalidade e a espiritualidade da alma humana, mas em detrimento da sua individualidade. A partir de Aristóteles -- com os estóicos, neoplatónicos e depois os cristãos -- multiplicaram-se as questões relativas à alma. à sua natureza, às suas partes e à sua relação com o corpo e com o cosmos. Praticamente todos os filósofos admitiram uma certa espécie de alma, mas definiram-na de maneiras muito diversas. Uns, como os epicuristas e em parte os estóicos, consideraram que a alma é uma realidade de certa maneira "material", embora de uma matéria mais fina e mais subtil do que todas as outras. Outros, seguidores de Aristóteles, sublinharam a realidade da alma como uma forma ou um princípio do ser vivo. Outros, final mente, inclinados para Platão, destacaram a natureza espiritual e inteligível da alma. Santo Agostinho rejeita energicamente toda a concepção da alma como entidade material e sublinha o carácter pensante da alma. Mas esse carácter não é o de uma pura razão impessoal. A alma é uma intimidade-- e uma intimidade pessoal. Maimónides, que se inspira em parte em Averróis, defende que as almas humanas são compostas de matéria e forma, não são puramente imateriais: "a alma que é entender-se a análise como a decomposição de um todo nas suas partes. Mais que de um todo real e dos seus componentes reais -- como acontece nas análises químicas -- entende-se essa decomposição num sentido lógico ou então mental. Fala-se assim de análise de uma proposição enquanto investigação dos elementos que a compõem, ou de análise de um conceito enquanto investigação dos subconceitos com que se construiu esse conceito. Em todos estes casos, a análise opõe- se à síntese: que é uma decomposição do previamente decomposto. Note-se, contudo que essa oposição não impede que se usem os dois métodos, o analítico e o sintético, quer na ciência, quer na filosofia. É uma opinião muito generalizada de que os dois métodos têm de ser complementares, uma vez analisado um todo nas suas partes componentes, a recomposição sintética destas partes tem de dar como resultado o todo de que se partiu. Este segundo conceito de análise foi usado também por muitos filósofos e cientistas modernos, especialmente no século XVII. A co-existência destes dois sentidos do termo, cujo o exemplo mais destacado talvez seja a obra de Descartes, produz uma peculiar imprecisão que só pode solucionar-se atendendo ao termo e ao contexto em que se encontre. De qualquer modo, foi a significação implícita no segundo preceito, do -Discurso- "dividir cada uma das dificuldades que se examinam nas partes que for possível e necessário para melhor as resolver" que teve mais fecundas consequências na literatura filosófica posterior. As actuais correntes ou escolas designadas por "análise lógica" e "movimento analítico", podem considerar-se como um refinamento deste sentido. Dever-se-iam, pois, classificar as filosofias em analíticas e sintéticas. As primeiras supõem, de um modo geral, que a realidade de um todo, qualquer que ele seja, aparece na decomposição das suas partes. As segundas afirmam que o todo é irredutível às suas partes. Com o termo "análise", ou também com a expressão análise lógica, designa- se hoje um amplo movimento filosófico de carácter anti- metafísico que abarca tendências muito diversas: Positivismo lógico, empirismo lógico ou científico., escola (analítica) de Cambridge (v.), grupo de Oxford (v.), círculo de Wittgenstein (v.), etc. Neste movimento incorporam-se muitos dos que trabalham em temas de lógica simbólica e de semiótica, quando esse trabalho não é entendido num sentido neutral e pretende dar uma determinada ideia da actividade filosófica. Muito comum nestas tendências é a rejeição dos rasgos especulativos do pensamento filosófico e a redução deste a um pensar crítico e analítico, com o consequente desmascaramento dos problemas tradicionais como "imbróglios" causados pela complexidade da linguagem vulgar. A juntar a isto, é comum, mas não exclusivo das tendências analíticas, a negação de que a filosofia tenha um objecto próprio; assim, a filosofia reduz-se a um exame das proposições com o fim de averiguar se têm ou não significação. Se são regras lógicas ou linguísticas, proposições sobre factos ou meras expressões de emoções. Ora, estas bases comuns não são suficientes para caracterizar nenhuma das tendências qualificadas de analíticas; cada uma delas tem, além disso, caracteres próprios e por vezes dificilmente comparáveis aos de outras tendências. De qualquer modo, pode tentar-se uma classificação que, embora só aproximada, permite situar as diferentes correntes: a) o analitismo antiformalista linguístico, preocupado com as opiniões formuladas em linguagem vulgar, com o fim de ver se têm ou não sentido ou demonstrar que todas as questões filosóficas são pseudoproblemas; b( o analitismo antiformalista psicológico, que se aplica um tanto à posição anterior, mas que resolve os problemas considerando a linguagem um dos modos do comportamento humano e não mediante puras análises linguísticas; c( o analitismo formalista, mais interessado nos problemas lógicos, e mais preocupado com construir linguagens precisas onde fiquem eliminados os paradoxos e nas quais possam traduzir-se as partes não contraditórias da linguagem falada. Paradoxalmente, os partidários da posição c(, que é mais técnica que as duas anteriores, que parece mais afastada das tradicionais posições filosóficas, são os que mais se aproximam delas. Com efeito, o analitismo no sentido c( pretende, em última análise, forjar linguagens em que possa descrever-se com rigor a experiência. Portanto, essas linguagens, mesmo quando são formais, devem ser utilizadas para descrever a realidade, ao contrário do que acontece com os outros dois analitismos, que são antes um modo de iludir os problemas da descrição do real. As três posições atrás citadas encontram-se em Wittgenstein mas foram desenvolvidas muitas vezes independentemente dele. Como representantes destacados das mesmas, podemos considerar os seguintes: para a posição a(, os chamados analistas de Cambridge, tais como Moore, John Wistom e, em geral, antigos discípulos de Moore; wittgensteinianos de tendência linguística; Ryle e os filósofos do grupo de Oxford. Para a posição b(, os wittgensteinianos que aderiram ao positivismo terapêutico. Para a posição c(, os antigos positivistas lógicos de tendência formalista, como Carnap e muitos dos que trabalham no campo da lógica matemática com o fim de encontrarem linguagens no sentido indicado. ANALÍTICO E SINTÉTICO -- Depois de Kant, chama-se analítico ao juízo cujo predicado está compreendido no sujeito. Os juízos analíticos, diz Kant, "são aqueles em que a ligação do sujeito com o predicado se consegue por identidade", contrariamente aos sintéticos, onde o predicado é alheio ao sujeito e a ligação não contem, portanto, identidade. Kant chama-lhes também juízos explicativos porquanto o atributo não acrescenta nada ao sujeito, mas apenas o decompõe em conceitos parciais compreendidos no mesmo. São exemplos de juízos analíticos: "todos os corpos são extensos". "o triângulo é uma figura com três ângulos", etc. Estes juízos são todos a priori, isto é, válidos independentemente da experiência, ao contrário dos juízos sintéticos, que podem ser ou exclusivamente a posteriori ou então, como Kant também admite, a priori. Em rigor, a discussão versou quase sempre sobre a natureza dos juízos sintéticos. Muitos autores não reconhecem a possibilidade de falar de juízos sintéticos a priori e afirmam -- como se fazia antes -- ou como faz grande parte das tendências neopositivistas contemporâneas -- que todo o juízo sintético é a posteriori. Nesse caso, não se reconhece nenhum plano transcendental, único que, ao que parece, pode servir de elo e união entre o a priori e o sintético. Por outras palavras, os juízos sintéticos seriam todos derivados de experiências e os analíticos poderiam reduzir-se a tautologias. O juízo analítico não diria, em rigor, nada acerca do real. Esta concepção opõe- se, pois, decididamente à kantiana e opõe-se, por conseguinte, ao suposto último da filosofia transcendental de que o ser é o conjunto de factos e de que a significação "se apresenta" ou inclusive "existe como númeno. Opõe-se também à solução dada por Husserl à concepção dos juízos analíticos e sintéticos. Husserl admite a possibilidade do pensar sintético sem necessidade de reconhecer um plano transcendental, porque refere tal pensar ao mundo de essências distintas das categorias, dos meros nomes e das realidades. Assim, para Husserl, há juízos a priori que não são puramente vazios e que também não precisam de ser transcendentais. Entre os lógicos contemporâneos, a tendência mais forte durante muito tempo consistiu em defender a impossibilidade dos sintéticos a priori. Parece que cada vez se acentuou mais o carácter exclusivamente analítico das proposições necessárias. Deste modo, termos análogos -- analogia de igualdade, analogia de atribuição e analogia de proporcionalidade, mencionados por Aristóteles, embora com terminologia diferente --, só o último constitui, a seu ver, a analogia. Em geral, pode dizer-se que, para o Tomismo, compete a todos os seres existir numa relação semelhante de um modo intrinsecamente diverso, pois, sem dúvida, o ser nunca é um género que se determine por diferenças extrínsecas, mas ao mesmo tempo sustenta uma analogia de atribuição entre o Criador e os seres criados, e entre a substância e os acidentes, pois o ser dos últimos depende do dos primeiros. Em todo o caso, a noção analógica do ser pretende resolver o problema capital da Teologia escolástica: o da relação entre Deus e as criaturas, portanto, embora na ordem do ser Deus exceda tudo o que é criado, como causa suficiente dos entes criados, e de todo o ser, contém actualmente todas as suas perfeições. A tendência geral da filosofia moderna consistiu quase sempre em se referir à analogia ou então no sentido de uma similaridade de relações nos termos abstractos ou então no sentido de uma semelhança nas coisas, dando portanto neste último caso à analogia um sentido claramente metafórico A referência propriamente metafísica ficou deste modo eliminada. Especialmente nas correntes fenomenistas e funcionalistas que abandonaram formalmente a noção de substância. APARêNCIA -- É, de um modo geral, o aspecto que uma coisa oferece, diferente, e até em oposição, do seu ser verdadeiro. Mas o aspecto da coisa pode ser também a sua verdade e a evidência dela; o aparente revela assim a verdade da coisa, porque supõe que por detrás dessa aparência não há um ser verdadeiro que se serve dela para se ocultar; na maioria dos casos, o vocábulo "aparência" alude ao aspecto ocultador do ser verdadeiro; a aparência tem então um sentido análogo ao de fenómeno e pode apresentar, como este, três aspectos diferentes: o de verdade da coisa, enquanto esta se identifica com o aspecto que apresenta; o de ocultação dessa verdade, e o de caminho para chegar a ela. No primeiro caso, diz-se que a coisa não é senão o conjunto das suas aparências ou aspectos; no segundo, que é algo situado para além da aparência, a qual deve ser atravessada para alcançar a essência do ser; no terceiro, que só mediante a compreensão do aspecto ou aspectos que uma coisa oferece podemos saber o que verdadeiramente ela é. Daí que nem sempre seja possível confundir a aparência com uma falsa realidade; a sua significação mais geralmente aceite é a de realidade aparente, isto é, usando uma expressão paradoxal, a de _aparência verdadeira, aspecto que encobre e simultaneamente permite descobrir a verdade de um ser. Em rigor, os diferentes graus e significações da aparência podem entender-se consoante o plano procurado: no plano vulgar, a aparência -- sempre que seja, como se apontou, verdadeira -- é suficiente; no plano d a reflexão e do saber, a aparência é antes aquilo que aponta a direcção em que se encontra o ser verdadeiro e último da coisa, pois, como diz Husserl, "para uma fenomenologia da verdadeira realidade, é absolutamente indispensável a fenomenologia da fútil aparência" (Ideias); no plano metafísico, a aparência é o caminho que pode conduzir ao sentido do ser examinado, isto é, à descoberta do lugar especial deste ser dentro da totalidade. Kant discutiu muitas vezes a noção de aparência na Crítica da Razão Pura. "Aparência, escreveu ele, é o nome dado ao objecto não determinado de uma intuição empírica". Pode distinguir-se entre a matéria e a forma da aparência; a primeira é aquilo que na aparência corresponde à sensação; a forma é aquilo que determina a diversidade das aparências, quando se dispõem numa ordem segundo certas relações. As aparências opõem-se às coisas em si. É certo que "as aparências não são apenas representações de coisas cujo ser em si é desconhecido", o que parece indicar por um momento (embora seja esta a doutrina de Leibniz, que Kant rejeita) que as aparências são aparências de realidades transcendentes. Mas as aparências são, na verdade, unicamente aquilo a que se aplicam as formas _a _priori da sensibilidade, primeiro, e depois, mediante novas sínteses, os conceitos do entendimento. As aparências não são distintas das suas apreensões, pois, "se as aparências fossem coisas em si, e visto que podemos referir-nos unicamente às nossas representações, nunca poderíamos deixar estabelecido, à base da sucessão das representações, de que modo pode ligar-se no objecto a sua diversidade". Os conceitos do entendimento são "(ilegitimamente) usados de modo transcendental (no sentido "clássico" de "transcendental") nas coisas em geral e em si, mas são (legitimamente) aplicadas de modo empírico só às aparências, ou aos objectos da experiência possível. Quando são pensadas como objectos de acordo com a unidade das categorias, as aparências recebem o nome de "fenómenos". Kant chamou à sua doutrina, segundo a qual as aparências são consideradas apenas como representações e não como coisas em si, _idealismo _transcendental, ao contrário do realismo transcendental e do idealismo empírico, que interpretam as aparências externas como coisas em si. A teoria da aparência congo uma forma de ser não é admitida por todos os filósofos. Para alguns, não tem sentido perguntar se uma realidade é verdadeira ou falsa, autêntica ou aparente, pois a realidade é o que é, e isso de tal modo que a verdade é precisamente a conformidade da realidade com a aparência, ou, por outras palavras, a maneira de a realidade se manifestar a si mesma. Os fenomenólogos negam também o conflito entre o ser e o parecer, pois para eles o ser revela-se nas apresentações das aparências, de modo que o fenómeno pode ser estudado como tal enquanto "absolutamente indicativo de si mesmo". APERCEPÇÃO -- É o nome dado à percepção atenta, à percepção acompanhada de consciência. Descartes escreveu que "é certo que não podemos querer outra coisa sem a aperceber pelo mesmo meio que a queremos" (As Paixões da Alma). Leibniz distinguia entre percepção -- que representa uma multidão na unidade ou na substância simples -- e apercepção, que equivale à consciência )Monadologia). Os cartesianos, alega Leibniz, só tiveram em conta as percepções de que há consciência, isto é, as apercepções. Mas há também percepções confusas e obscuras. Como as percepções de certas mónadas "em estado de aturdimento". Há, pois, que distinguir entre percepção e apercepção, embora esta última, como acontece com a primeira, seja contínua com ela. Kant distinguiu entre _apercepção empírica e _apercepção pura ou transcendental. A primeira é própria do sujeito que possui um sentido internos do fluxo das aparências. a segunda é a condição de qualquer consciência, incluindo a consciência empírica (Crítica da Razão Pura). A apercepção transcendental é a pura consciência original e inalterável; não é uma realidade propriamente dita, mas aquilo que torna possível, para um sujeito, a realidade enquanto realidade. Os próprios conceitos _a _priori são possíveis mediante a referência das intuições à unidade da consciência transcendental, de modo que a unidade numérica desta apercepção é o fundamento _a _priori de todos os conceitos, tal como a diversidade do espaço, e o tempo é o fundamento _a _priori das intuições da sensibilidade. Por meio da unidade transcendental da apercepção é possível, segundo Kant, a própria ideia do objecto em geral, a qual não fora todavia possível através das intuições do espaço e do tempo e das intuições introduzidas pelos conceitos puros do entendimento ou categorias. Acontece pois que a unidade transcendental da apercepção que se manifesta na apercepção transcendental constitui o fundamento último do objecto enquanto objecto de conhecimento (não enquanto coisa em si). Portanto "a unidade da síntese, de acordo com conceitos empíricos, seria completamente fortuita se não se baseasse no dificuldade lógica insuperável. Também pode identificar-se com a antinomia ou o paradoxo. Mas vamos fazer a distinção entre estes dois termos. Usamos _antinomia principalmente no sentido kantiano, como algo que deriva da aplicação da razão pura à realidade e especialmente às proposições cosmológicas. Usamos o termo _paradoxo no sentido das dificuldades lógicas e semânticas, que surgem tão depressa como uma proposição, depois de se ter afirmado a si mesma, se contradiz a si mesma. Exemplos típicos das aporias no nosso sentido são, em contrapartida, as argumentações de Zenão de Eleia (v. pré- socráticos) contra o movimento, especialmente a aporia de Aquiles e a tartaruga. A fórmula mais intuitiva, embora menos precisa, desta aporia pode formular-se assim: suponhamos que Aquiles, o mais veloz, e a tartaruga, o animal lento por excelência, partem simultaneamente para uma corrida de velocidade na mesma direcção. Suponhamos também que aquiles corre dez vezes mais depressa do que a tartaruga. Se no instante inicial da corrida se dá à tartaruga um metro de vantagem sobre Aquiles, acontecerá que quando Aquiles tiver percorrido esse metro, a tartaruga terá percorrido já um decímetro; quando Aquiles tiver percorrido esse decímetro, a tartaruga terá percorrido um centímetro; quando Aquiles tiver percorrido esse centímetro, a tartaruga terá percorrido um milímetro, e assim sucessivamente, de tal modo que Aquiles não poderá alcançar nunca a tartaruga, embora se vá aproximando infinitamente dela. Um enunciado mais preciso reduziria aquiles e a tartaruga a dois pontos que se deslocam ao longo de uma linha com uma vantagem inicial por parte do ponto mais lento e uma velocidade superior uniforme por parte do ponto mais rápido. A distância entre os dois pontos dados, embora se vá reduzindo progressivamente a zero, nunca poderá atingir o zero. O propósito de Zenão de Eleia consistia em defender a doutrina de Parménides, que exigia a negação do movimento real e a afirmação de que todo o movimento é ilusório. Embora de facto, Aquiles alcance a tartaruga, esse facto é, para Zenão, fenoménico e, portanto, não conclui nada contra a aporia. Bertrand Russel tentou outra refutação. Segundo Russel, tanto a série de momentos temporais como a série de pontos da linha são contínuos matemáticos e não há, por conseguinte, momentos consecutivos ou, melhor dizendo, não há terceiros momentos que se vão interpondo até ao infinito entre dois momentos dados. De um ponto de vista estritamente filosófico, Aristóteles aduziu a distinção entre o infinito em potência e o infinito em acto. Potencialmente, a linha ou segmento de tempo são infinitamente divisíveis; actualmente, em contrapartida, são indivisíveis, isto é, podem ser _actuados. A refutação tentada por Bergson, em contrapartida, funda-se em sustentar que Zenão espacializou o tempo. Se o tempo fosse redutível ao espaço, a aporia seria insolúvel. Mas se considerarmos o tempo como uma fluência indivisível que, em princípio, não se pode decompor em momentos concebidos por analogia com os tempos espaciais, Aquiles poderá alcançar a tartaruga. Segundo Bergson, toda a dificuldade consiste em ter aplicado ao tempo e ao movimento os conceitos de ser e de coisa, em vez de lhes aplicar os conceitos de fluência de acto. ARBÍTRIO (LIVRE) -- a expressão livre arbítrio ou _arbítrio, muito usada por teólogos e filósofos cristãos, tem por vezes o mesmo significado que a expressão _liberdade. Contudo, Santo Agostinho estabeleceu uma distinção clara entre essas duas expressões. O livre arbítrio designa a possibilidade de escolher entre o bem e o mal; a liberdade é o bom uso do livre arbítrio. O homem não é, pois, sempre _livre, no sentido de liberdade, quando goza do livre arbítrio, depende do uso que dele faça. Neste sentido, equiparou-se por vezes o livre arbítrio à vontade. Contudo, pode distinguir-se entre a vontade, que é um acto ou acção, e o livre arbítrio, que é antes uma faculdade. Por vezes, fundamentou-se a mencionada distinção entre o livre arbítrio e a liberdade, defendendo que, enquanto o primeiro requer a ausência de coacção externa, a segunda implica também a ausência de coacção interna. Este último sentido, fala-se de _livre _arbítrio e de _indiferença e também de _livre _de _equilíbrio. Significa então a pura e simples possibilidade de agir ou não agir, ou de agir mais num sentido do que noutro. Contra esta ideia se declarou que não pode haver, nesse caso, nenhuma decisão, de tal modo que o livre arbítrio de indiferença significa a pura suspensão de toda a acção e de toda a decisão. A noção do livre arbítrio foi objecto de apaixonados debates durante a idade média e durante os séculos XVI e XVII, especialmente porque implicava o célebre problema da compatibilidade entre a omnipotência divina e a liberdade humana. Já Santo Agostinho tinha sublinhado que a dependência em que se encontram o ser e a obra humana relativamente a Deus não significa que o pecado seja obra de Deus. Ora, se considerarmos o mal como algo ontologicamente negativo, acontecerá que o ser e a acção que a ele se refere carecem de existência. E se o considerarmos como algo ontologicamente positivo, há a possibilidade de postular um maniqueísmo. As soluções apresentadas para resolver a questão evitavam a supressão de um dos dois termos. Talvez só em duas posições extremas se postulasse esta supressão: a do livre arbítrio na concepção luterana e a da omnipotência divina na ideia da autonomia radical e absoluta do homem. ARGUMENTO -- É, em geral, um raciocínio mediante o qual se pretende provar ou refutar uma tese, convencendo alguém da verdade ou falsidade da mesma. Usa-se também, a este respeito, o vocábulo _argumentação. Os antigos -- sofistas e Platão, Aristóteles, cépticos, etc. -- prestaram considerável atenção à questão da natureza dos argumentos, da sua validade ou falta de validade. Alguns dos argumentos estudados eram de carácter logico-formal, mas muitos não encaixavam plenamente dentro da lógica. Aristóteles reconheceu isto, pois enquanto nos _Analíticos tratou primeiramente de argumentos de tipo estritamente lógico, nos _Tópicos e na _Retórica ocupou-se dos chamados argumentos dialécticos ou argumentos meramente prováveis, ou raciocínios a partir de opiniões vulgarmente aceites. Muitos autores modernos adoptaram esta divisão ou outra semelhante a esta. Por exemplo, Kant distinguiu entre o fundamento da prova e a demonstração. O primeiro é rigoroso, enquanto a demonstração não o é. Pode distinguir-se também entre prova ou demonstração --- enquanto são logicamente rigorosas -- argumento -- que não o é ou não precisa de o ser. Ao mesmo tempo, pode considerar-se o argumento: 1/ como aquilo a que Aristóteles chamava "provas dialécticas" -- por meio das quais se tenta refutar um adversário ou convencê-lo da verdade da opinião defendida por aquele que argumenta -- e 2/ como raciocínio ou pseudo-raciocínio orientado, antes demais, para o convencimento ou a persuasão. Os limites entre estas duas formas de argumento são imprecisos, mas pode considerar- se que a persuasão é demonstrativamente mais débil do que o convencimento. Na maior parte dos estudos dos argumentos, ao contrário das provas estritas, sublinhou-se a importância do logro do assentimento do argumentado. S. Tomás expressa este aspecto ao definir o argumento como "o que o espírito argui para o assentimento de alguém" (questões disputadas sobre a verdade). ARTE -- Hoje pode usar-se o termo "arte" em português -- e noutros idiomas -- em vários sentidos: Fala-se da arte de viver, da arte de escrever, da arte de pensar; "arte" significa, neste sentido, determinada virtude ou habilidade para fazer ou produzir algo. Fala-se de arte mecânica e de arte liberal. Fala-se também de bela arte e de belas artes e, nesse caso, toma-se _arte em sentido estético como "a Arte". Estes significados não são totalmente uma descrição das conexões entre processos mentais, e o associacionismo filosófico, que está relacionado com o atomismo e se contrapôs, muitas vezes, ao estruturalismo. associação doutrina associacionista recebeu diversas críticas. O principal argumento lançado contra ela foi a advertência de que, nos processos psíquicos, há uma direcção, levada a cabo pelo pensamento ou regida por outras "tendências determinantes". Os psicólogos estruturalistas, por seu lado, aduziram experiências com que se provou que os hábitos não produzem acção, que o comportamento tem um propósito ou que há reacções a relações, o que não tem em conta nem pode explicar o associacionismo. Isso não quer dizer que ele tenha sido abandonado inteiramente em psicologia. Por um lado, adoptaram-se muitas conclusões do associacionismo, mesmo quando se refinou esta doutrina mediante experiências e críticas analíticas. Por outro lado, o próprio estruturalismo não nega totalmente o processo associativo, mas rejeita os fundamentos atomistas atribuídos ao mesmo e especialmente a tendência manifestada pelos associacionistas clássicos de basear as suas explicações em puras combinações mecânicas sem fazer intervir tendências ou propósitos. ATARAXIA -- Costuma traduzir-se este termo por "ausência de inquietação", "tranquilidade da alma" e "imperturbabilidade". Demócrito foi talvez o primeiro a usar o termo, mas foram os epicuristas, os estóicos e os cépticos que o colocaram no centro da sua doutrina. Segundo Epicuro, a felicidade obtém-se mediante a ausência de pena ou de dor, pela ataraxia. Gozam delas os Deuses, que não se ocupam nem do governo do cosmos nem dos assuntos humanos. ataraxia é, para Epicuro, um equilíbrio permanente na alma e no corpo. Para obter a felicidade há que ater-se à ataraxia mas também à já mencionada ausência de pena, à ausência de temor e à apatia ou ausência de paixões. Todas elas constituem a liberdade. A ataraxia é, para Pirro, o culminar da suspensão do juízo. Há que praticar esta para alcançar aquela, o que só pode fazer um homem capaz de viver sem transferências. Em contrapartida, Arcesilau considerou a ataraxia como sintoma da suspensão do juízo e não como o seu coroamento. A noção de ataraxia funda-se nos mesmos supostos e suscita os mesmos problemas que as noções afins usadas pelos filósofos mencionados. Funda- se na divisão, elaborada sobretudo pelos estóicos, entre o que está em nosso poder e aquilo que é exterior a nós, e na suposição que o último inclui as "paixões"; na confiança de que o homem como ser racional (ou pelo menos os filósofos como homens eminentemente racionais) é capaz de conseguir a eliminação das perturbações; e na ideia de que a tranquilidade é, pelo menos moralmente, melhor do que a experiência. Os problemas que suscita baseiam-se sobretudo na definição excessivamente negativa da liberdade em que desemboca e na escassa clareza e desejabilidade dos supostos. ATOMISMO LóGICO -- A filosofia do atomismo lógico foi exposta por Bertrand Russell. Muitas das suas ideias a respeito dele foram o resultado das suas discussões com Ludwig Wittgenstein durante os anos 1912-1914, quando este preparava o seu TRACTATUS LOGICO- PHILOSOFICUS, que se pode considerar como um contributo decisivo para a tendência aqui referida. Russell declarou que a filosofia do atomismo lógico era consequência de certas meditações sobre a matemática e da tentativa de embeber a linguagem matemática na linguagem lógica. Isto correspondia à sua ideia de que o que importava no pensamento filosófico era a lógica em que se fundava. A filosofia de Hegel e seus seguidores tem como base uma lógica monista dentro de cujo marco "a aparente multiplicidade do mundo consiste meramente em fases e divisões irreais de uma só Realidade indivisível" (LóGICA E CONHECIMENTO). No atomismo lógico, em contrapartida, o mundo aparece como uma multiplicidade infinita de elementos separados. Estes elementos são os átomos, mas trata-se de átomos lógicos, não físicos. Os átomos lógicos são o que fica como último resíduo da análise lógica. Mediante a lógica do atomismo lógico, pode descrever-se o mundo como composto de factos atómicos. O próprio Russell debateu pormenorizadamente a natureza desses factos atómicos. O comum a qualquer facto atómico é o já não ser analisável. Mas nem todos esses factos são iguais. Alguns baseiam-se em entidades particulares simbolizantes mediante nomes próprios; outros, em factos que consistem na posse de uma qualidade por uma entidade particular; outros, em relações entre factos (as quais podem ser diádicas, triádicas, etc). Os factos atómicos não são, pois, necessariamente coisas particulares existentes, pois estas não convertem um enunciado em verdadeiro ou falso. Há factos que se podem chamar gerais, como os simbolizados em "todos os homens são mortais". A linguagem proposta pelo atomismo lógico é, em intenção, uma "linguagem perfeita", isto é, mostra em seguida a estrutura lógica do que se afirma ou nega. Embora o atomismo lógico seja uma metafísica, trata-se de uma metafísica em que, segundo Russell, se cumprem duas finalidades. Uma, a de chegar teoricamente às entidades simples de que o mundo é composto. Outra, a de seguir a máxima de Ocam, ou a ele atribuída, de não multiplicar os entes mais do que o necessário. As entidades simples não são propriamente factos, pois os factos são "aquelas coisas que se afirmam ou se negam mediante proposições, e não são propriamente, de nenhum modo, emtidades no mesmo sentido em que são os seus elementos constituintes". Os factos não podem nomear--se; só podem negar-se, afirmar-se ou considerar-se, embora "noutro sentido seja certo que não se pode conhecer o mundo se não se conhecerem os factos que constituem as verdades do mundo; mas o conhecimento dos factos é algo diferente do conhecimento dos elementos simples". ATRIBUTO -- Usualmente, tem um significado lógico e define--se como aquilo que se afirma ou nega do sujeito; neste sentido, confunde-se por vezes com o predicado. Por vezes também se usa o termo "atributo" para o distinguir do predicado lógico; neste caso, o atributo é um carácter ou qualidade da substância. Segundo Aristóteles, há certos acidentes que, sem pertencerem à essência do sujeito, estão fundados nessa essência; por exemplo, o facto de um triângulo ter os seus três ângulos iguais a dois ângulos rectos (METAFíSICA). Este tipo de "acidente essencial" pode chamar-se atributo. Entre os escolásticos, o termo "atributo" usava-se, primeiramente, para se referir aos atributos de Deus. Na ordem metafísica, definia-se o atributo como a propriedade necessária à essência da coisa e estabelecia-se deste modo algo como uma equiparação entre a essência e os atributos . Na verdade, o que acontecia é que nas coisas criadas havia, efectivamente, distinção real entre essência e atributos. Mas, na realidade divina, não havia essa distinção real entre atributos e essência. Outro foi o uso inaugurado por Descartes e continuado por Espinosa.. Descartes assinala (OS PRINC PIOS DA FILOSOFIA) que o atributo é algo inamovível e inseparável da essência do seu sujeito, opondo-se então o atributo ao modo. O atributo, sustenta Espinosa, é "aquilo enunciados cuja validade se submete a prova. Axiomas e teoremas são, portanto, elementos integrantes de qualquer sistema dedutivo. Usualmente, a definição do conceito de teorema requer o uso do conceito de axioma (bem como o uso dos conceitos de regra de inferência e de prova), enquanto o conceito de axioma se define por enumeração. Pode, pois, dizer-se que houve duas correntes diferentes na concepção dos axiomas. Uma dessas correntes destaca a intuitividade e auto-evidência dos axiomas; a outra destaca a sua formalidade e inclusive recusa-se a adscrever a qualquer axioma o predicado "é verdadeiro". Esta última corrente, dita formalista, foi a que mais se impôs no nosso tempo. B BELEZA - BELO -- No diálogo H PIAS O MAIOR, Platão formulou muitas das questões que depois se levantaram, em estética e filosofia geral, acerca da natureza do belo e da beleza. Ao contrário de Hípias, para o qual o belo é, em suma, o nome comum dado a todas as coisas belas (o ouro, o útil, o grato, etc), Platão defende que o belo é aquilo que faz que haja coisas belas. O belo é, pois, para Platão, independente, em princípio, da aparência do belo: é uma ideia análoga às ideias de ser, de verdade e de bondade. Ao dizer "análoga", quer-se destacar que não pode simplesmente confundir-se a verdade com a beleza. Platão adverte que dizer de algo que existe e que é verdadeiro equivale a afirmar, no fundo, a mesma coisa. Em contrapartida, não é exactamente a mesma coisa dizer de algo que existe e que é belo. Por isso a ideia de beleza possui, a partir de Platão, certas propriedades que outros transcendentais não possuem; como indica Platão no FEDRO, enquanto na terra não há imagens visíveis da Sabedoria há, em contrapartida, imagens visíveis da beleza. Quer dizer que a participação das coisas terrestres no ser verdadeiro está duplamente afastada deste, enquanto a participação das mesmas coisas no belo em si é directa. A verdade não reluz nas coisas terrestres, enquanto a beleza brilha nelas. Isto não significa que a contemplação da Beleza seja uma operação sensível. No FILEBO, Platão chega à conclusão de que aquilo que chamamos beleza sensível deve consistir em pura forma; linhas, pontos, medida, simetria e até "cores puras" são os elementos com que é feito o belo que contemplamos. Acrescenta-se a isso, conforme aponta nas LEIS, a harmonia e o ritmo no que diz respeito à música, e às boas acções, no que diz respeito à vida social. Além disso, embora haja sempre a mencionada diferença entre o ser verdadeiro e o ser belo, não se pode negar que o segundo conduz ao primeiro: a célebre "escada da beleza" de que fala Platão no BANQUETE, é a expressão metafórica (ou mítica) desta concepção do belo que o converte "no acesso ao ser". Depois de Platão foi tão considerável o número de definições que se deram do belo que se torna necessário proceder a uma classificação das mesmas; escolheu-se, entre muitos outros, o método que classifica as opiniões sobre o belo segundo o predomínio de uma disciplina filosófica ou, melhor dizendo, de uma determinada linguagem. Consideramos que há vários modos de falar do belo, os quais não são independentes uns dos outros, pois costumam combinar-se, mas as definições mais habituais são determinadas em grande parte pelo predomínio de um deles: I. O PONTO DE VISTA SEM NTICO: consiste em averiguar quais as expressões sinónimas de "x é belo". Das inúmeras sinonímias que se podem estabelecer ("x é desejável", "x é desejado", "x é perfeito", etc), cabe destacar "x é grato", pois envolve a discussão entre as duas grandes posições: a que defende que os juízos de beleza são subjectivos e a que afirma que são objectivos. II. O PONTO DE VISTA PSICOLÓGICO: consiste em examinar o problema da natureza do belo de acordo com a análise dos processos psicológicos por meio dos quais formulamos juízos estéticos. Quando se entende o psicológico em sentido colectivo, o modo de falar psicológico pode converter-se em modo de falar social: a natureza do belo depende então do que se entenda por essa sociedade. III. O PONTO DE VISTA METAFÍSICO: ao expor a posição de Platão, apresentámos as teses centrais do principal representante deste "modo de falar". O que lhe é peculiar é que tenta reduzir todas as questões relativas ao belo a questões acerca da natureza última da beleza em si. I.. O PONTO DE VISTA ÉTICO: este modo é pouco frequente nas teorias filosóficas, mas não é totalmente inexistente. Aparece a partir do momento em que se supõe que algo se pode qualificar de belo só enquanto oferece analogias com uma acção moral. V. O PONTO DE VISTA AXIOLÓGICO: muito amiúde, o pensamento contemporâneo apelou para o falar axiológico. Este funda-se nas teorias dos valores a que nos referimos no artigo _valor. Segundo o mesmo, a beleza não é uma propriedade das coisas ou uma realidade em si mesma, mas um valor. não é uma entidade real, ideal ou metafísica, porque essas entidades são, enquanto o belo não é, mas vale. Ora, dentro do modo de falar axiológico, há diversas teorias possíveis; as mais conhecidas são as teorias subjectivistas e objectivistas. Quando se leva a primeira a um extremo, desemboca-se num puro relativismo, quando se faz o mesmo com a segunda, chega-se a um completo absolutismo. Por isso se viu a necessidade de procurar posições intermédias. BEM -- Dentro das atitudes possíveis acerca do problema do bem (considerar o Bem como um "termo" ou como uma "noção"), referimo- nos ao Bem como algo real. Convém precisar imediatamente o tipo de realidade a que se adscreve. É mister, portanto, perceber se se entende o bem como um ente ou como um ser; como uma propriedade de um ente -- ou de um ser -- ou como um valor. Mas depois de ter esclarecido este ponto, é, todavia, conveniente saber de que _realidade se trata. Enfrentaram-se duas opiniões diferentes a respeito disto: Primeira: o bem é uma realidade metafísica; segunda: o bem é algo moral. Antes de analisar cada uma destas opiniões, é preciso distinguir o bem em si mesmo do bem relativamente a outra coisa. Esta distinção aparece já em Aristóteles, que assinala que o primeiro é preferível ao segundo, mas tendo em conta que o bem em si mesmo nem sempre equivale ao Bem absoluto; designa um Bem mais independente que o bem relativo. Por exemplo, diz que recobrar a saúde é melhor que sofrer uma amputação, pois o primeiro é bom absolutamente, e o segundo só o é para o que precisa de ser amputado. Esta distinção foi adoptada por muitos escolásticos. Uma consequência desta distinção foi a negação de que o bem é exclusivamente uma substância ou realidade absoluta. Aristóteles e muitos escolásticos rejeitavam, por conseguinte, a doutrina platónica -- e por vezes plotiniana -- do Bem como ideia absoluta ou como ideia das ideias, tão elevada e magnífica que, em rigor, está, como disse Platão, "para além do ser" de tal modo que as coisas boas o são enquanto unicamente participações do único Bem absoluto. Com efeito, na concepção aristotélica, pode dizer-se que o bem de cada coisa não é -- ou não é só -- a sua participação no Bem absoluto e separado, mas que cada coisa pode ter o seu bem, isto é, a sua perfeição. 1. o bem em si mesmo equipara-se frequentemente ao bem metafísico. Nesse caso, costuma dizer-se que o bem e o incompatíveis com o bem comum da sociedade como tal; pertencem a outra ordem. Há que estabelecer como se relacionam as duas ordens mas sem destruir uma delas. Perante a tendência para subordinar demasiado radicalmente a ordem natural e temporal à ordem divina e espiritual, muitos escritores modernos adoptaram o ponto de vista contrário, considerando o bem comum do estado o último bem possível. BOA VONTADE -- Em a FUNDAMENTAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES, escreveu Kant: "nem no mundo nem fora dele é possível conceber algo que possa ser considerado como bom sem restrição, excepto uma boa vontade", esta frase suscitou muitos comentários e vários tipos de críticas. Entre estas últimas, mencionamos especialmente duas que foram formuladas neste século: 1: alguns autores tentaram demonstrar que a noção de boa vontade é incompreensível ou inócua sem os valores e a sua hierarquia própria. Perante eles, pode alegar-se que a ética de Kant não é incompatível com uma ética axiológica na qual a boa vontade tenha a função de um valor de santidade. 2: por seu lado, os neopositivistas proclamaram que o vocábulo "bom" não possui por si mesmo significação, e por conseguinte, não pode fundar-se uma ética na noção de boa vontade. A isto pode responder-se que uma análise semântica do termo "bom" nada diz, todavia, sobre o fundamento das decisões morais. Outra polémica, mais tradicional, refere-se ao próprio sentido da expressão "boa vontade". Alguns críticos de Kant perguntaram-se em que medida a boa vontade se relaciona com os demais bens e se não é possível pensar que outros bens não possam conceber-se como ilimitados. Os defensores de Kant responderam que enquanto os bens não são a boa vontade dependem, para a sua bondade, de uma situação determinada: o saber é bom se for usado para um bom fim, o prazer é bom se contribuir para o valor moral, etc. A boa vontade, pelo contrário, não depende de nenhuma situação determinada. Isto implica que existem outros bens valiosos, mas como a situação é sempre um limite para eles, não podem considerar-se como o sumo bem. C CATEGORIA -- Aristóteles foi o primeiro que usou "categoria" em sentido técnico. Às vezes pode traduzir-se por "denominação"; com maior frequência por "predicação" e "atribuição". O mais corrente é usar simplesmente o vocábulo "categoria" que foi o que aqui adoptámos. No tratado sobre as categorias, Aristóteles divide as expressões em expressões sem ligação -- como "homem", "é vencedor" -- e expressões com ligação, como "o homem corre", "o homem é vencedor". As expressões sem ligação não afirmam nem negam nada por si mesmas, mas apenas ligadas a outras expressões. Mas as expressões sem ligação ou termos últimos e não analisáveis agrupam-se em categorias. Aristóteles apresenta algumas listas dessas categorias. A mais conhecida é: 1: _substância, por exemplo "o homem" ou "o cavalo"; 2: _quantidade, por exemplo "duas ou três varas"; 3: _qualidade, por exemplo "branco"; 4: _relação, por exemplo "duplo" "médio"; 5: _lugar, por exemplo "no liceu", "no mercado"; 6: _tempo ou data, por exemplo "ontem"; 7: _situação ou posição, por exemplo "deitado", "sentado"; 8: _posse ou condição, por exemplo "armado"; 9: _acção, por exemplo "corta", fala"; 10: _paixão, por exemplo "cortado". Vamos mencionar em seguida, alguns problemas levantados pela doutrina aristotélica das categorias: O primeiro problema é o da natureza das categorias. Propuseram-se várias interpretações de que mencionamos: 1: as categorias equivalem a parte da oração e, portanto, devem ser interpretadas _gramaticalmente. Esta opinião esquece que uns elementos e os outros não são exactamente sobreponíveis e que Aristóteles trata das partes da oração -- como o nome e o verbo -- separadamente. 2: as categorias designam expressões ou termos sem ligação que, como o próprio Aristóteles assinala, _significam a substância, a quantidade, a qualidade, etc. Esta opinião baseia-se numa interpretação linguística ou, melhor dizendo, _semântica das categorias e tem um fundamento muito firme em muitos textos de Aristóteles. 3: as categorias designam possíveis grupos de respostas a _certos tipos de _perguntas: "o que é x?" "como é x?", "onde está x?", etc. Cada tipo de pergunta reconhece certos tipos de predicados, de tal modo que "os predicados que satisfizerem a mesma forma interrogativa são da mesma categoria". 4: as categorias expressam flexões ou casos do ser e podem, por conseguinte, definir-se como _géneros supremos das coisas. É opinião tradicional, que é admitida não só pelos escolásticos, mas também por muitos historiadores modernos. As categorias não são para Aristóteles, apenas termos sem ligação não utilitariamente analisáveis. Mas também diversos modos de falar do ser como substância, qualidade, quantidade, etc, o que seria impossível se o ser não estivesse articulado de acordo com esses modos de predicação. O segundo problema é o da relação entre a substância e as demais categorias. Embora seja certo que pode responder-se "Sócrates é uma substância" à pergunta "o que é Sócrates?", acontece sempre que a categoria de substância se concebe como mais fundamental do que as outras, em virtude de conhecidos supostos filosóficos do Estagirita. Por outro lado, enquanto a substância se divide em substância primeira e segunda, nas demais categorias não aparece essa divisão. O terceiro problema é o do conhecimento das categorias. Pode perguntar- se, com efeito, se o seu conhecimento é empírico ou não empírico. A solução de Aristóteles é intermédia. As categorias obtêm-se por meio de uma espécie de _percepção intelectual, diferente da que descobre o princípio de não contradição, mas diferente também da que proporciona o conhecimento sensível. O quarto problema é o já mencionado sobre o número de categorias. as soluções são: a: um número indeterminado; b: um número determinado. Esta última opinião, que é a tradicional, atem-se à lista de dez categorias. Pode perguntar-se agora se há precedentes para a doutrina aristotélica. Considera-se, usualmente, que os mais importantes se encontram em Platão. O mesmo problema se pode levantar quanto às doutrinas que se seguiram à de Aristóteles no decurso da filosofia grega. Parece provável que as noções de substância, qualidade, modo e relação propostas pelos estóicos eram uma derivação das categorias aristotélicas. O problema das categorias passou, desde então, para a filosofia medieval, onde foi ampla e insistentemente tratado como doutrina daquilo a que se chamou os predicamentos. Estes eram também géneros supremos das coisas, pelo que, como em Aristóteles, se distinguiu entre os _predicamentos ou _categorias e os _predicáveis ou categoremas. Com efeito, os predicáveis são as coisas atribuídas ao sujeito segundo a razão do género, da espécie, da diferença, etc, enquanto os predicamentos consideram a coisa em si mesma, no seu ser e não no que há dela na mente e na intenção da mente. Daí que os predicáveis sejam fundamentalmente objecto da lógica, enquanto os predicamentos podem considerar-se objectos da lógica ou metafísica. Enquanto _géneros, deverão, além disso, conforme vimos, distinguir-se dos transcendentais do ser, os quais, como se sabe, se encontram na filosofia escolástica e em toda a ontologia tradicional para além de todo o género. Partindo desta base, os predicamentos dividiam- se, na escolástica, de acordo com a tábua aristotélica. Na época moderna, a doutrina das categorias seguiu, imediatamente, o destino das sucessivas reelaborações metafísicas, pois dependia da concepção do ente pelo facto de este se articular ou flexionar de uma determinada maneira. No causa eficiente, que é o processo da mudança; a causa material, ou aquilo do qual algo surge ou mediante o qual virá a ser; a causa formal, que é a ideia ou o paradigma; a causa final ou o fim, a realidade para que algo tende a ser. Há, pois, na produção de algo o concurso de várias causas e não só de uma. Por outro lado, as causas podem ser recíprocas. Embora todas as causas concorram para a produção de algo -- a produção do efeito --, a causa final parece ter um certo predomínio, já que é o _bem da coisa, e a causa final como tal pode considerar-se como o bem por excelência. O que faz que uma coisa tenha a possibilidade de produzir outras não é (em tal pensamento) tanto o facto de ser causa como o facto de ser substância. Ser substância significa ser princípio das modificações, quer das próprias, quer das executadas em outras substâncias. As quatro causas aristotélicas podem considerar-se como os diversos modos como se manifestam as substâncias enquanto substâncias. Muitos filósofos do último período do mundo antigo e da idade média trataram extensamente da noção de causa. Destacaremos aqui, para já, duas tendências: Por um lado, encontramos o chamado _exemplarismo agostiniano e boaventuriano. por outro lado, encontramos uma parte considerável do pensamento escolástico, onde se destaca o tomismo. No _exemplarismo de Santo Agostinho e de S. Boaventura não se exclui inteiramente a acção das chamadas "causas segundas", as causas tais como se supõe que operam na natureza e que são ao mesmo tempo de tipo eficiente e final. Estas causas são admitidas ao lado das causas primeiras, mas considera-se que a sua eficácia é limitada em virtude de certa _insuficiência ontológica da natureza. causa em sentido próprio é só a Causa criadora, que opera segundo as razões eternas. Isso não significa que a Causa criadora seja unicamente como um artífice ou demiurgo que se limita a organizar o real. A Causa criadora tira a realidade do nada, sem que se pergunte pela _razão da sua produção. No pensamento escolástico, e especialmente no tomismo, a doutrina aristotélica sobre a natureza da causa e as espécies desta concretiza-se e refina-se consideravelmente. A causa é, para S. Tomás, aquilo ao qual algo se segue necessariamente. Trata-se de um princípio, mas de um princípio de carácter positivo que afecta realmente algo. A causa distingue-se, neste sentido, do princípio geral. O princípio é aquilo de que algo procede (o principiado) de "um modo qualquer"; a causa é aquilo de que algo procede (o causado) de um modo específico. Princípio e causa são ambos, de certo modo, _princípios, mas enquanto o primeiro o é segundo o intelecto, a segunda é-o segundo a coisa (ou a realidade). Assim se estabelece a diferença entre a relação _princípio-consequência e _causa-efeito, de fundamental importância no tratamento da noção de causa. Em geral, os filósofos antigos e medievais tiveram tendência a considerar a relação _causa-efeito do ponto de vista predominantemente ontológico. Além disso, inclinaram-se muitas vezes para considerar a noção de causa em estreita relação com a de substância. No que diz respeito à investigação sobre a causa, durante o Renascimento e começos da época Moderna, note-se que há em alguns pensadores um grande interesse pelos modos de operação das causas finais. Mas pode dizer-se, grosso-modo, que há uma diferença de princípio entre as concepções antigas e medievais, e a maior parte das concepções modernas relativamente à ideia de causa. O modo de causalidade que se expressa na nova física constitui uma linha divisória bem marcada. Antes de Galileu, a noção de causa tem como motivo principal dar a razão das próprias coisas; depois dele, a noção de causa dá razão de variações e deslocações enquanto susceptíveis de medida e expressáveis matematicamente. A física moderna recusa-se a explicar a natureza ontológica da mudança; limita-se a dar uma razão mensurável do movimento. Durante os séculos XVII e XVIII, debateu-se amplamente a questão da natureza da causa. Defrontaram-se duas grandes teorias: Uma delas pode classificar-se de _racionalista e foi representada por Descartes, Espinosa e Leibniz. Limitar-nos-emos a indicar a tendência capital do tratamento racionalista da causa: que se identificasse esta com a razão. Esta identificação -- paralela da redução dos processos reais a relações ideais e matemáticas -- é radical em Espinosa. É menos acentuada em Leibniz. Contudo, apesar de Leibniz distinguir a razão como princípio e a razão como causa, aproxima a noção de causalidade do princípio de razão suficiente ou determinante, segundo o qual nada acontece sem razão, sendo o acontecido a consequência de um estado anterior ao qual convém cabalmente o termo _causa. O suposto que domina esta interpretação é, além da identificação apontada entre a causa e o principio, a tese característica de uma parte da filosofia moderna que, em oposição à cristã e como continuação da grega, nega que "o ser criado surge do nada" ou o relega para uma forma especial ou irracional de produção. A identidade da causa e do efeito postulada pelo racionalismo implica a negação do acontecer e a submissão do acontecimento às suas proporções matemáticas. E é precisamente esta matematização do conceito de causa, que já apareceu em Galileu, que levantou à filosofia moderna os maiores problemas na relação _causa-_efeito, precisamente porque procurou solucioná-lo passando continuamente da esfera da produção para a esfera da relação. Juntamente com esta corrente racionalista, as tendências ocasionalistas e empiristas atacam de outro ângulo o problema da causação. Estas tendências não são, além disso, especificamente modernas nem tão-pouco obedecem, nas suas primeiras formulações a supostos empíricos. Malebranche e os ocasionalistas vêem-se obrigados a resolver o dualismo entre a substância pensante e a substância extensa levantado por Descartes, mediante a suposição de que as causas, pelo menos as segundas, são ocasiões e que, portanto, só Deus pode ser verdadeira causa eficiente. Dado que o racionalismo voltava sempre, de certo modo, à identificação da causa com o efeito e da causa com a razão, e como o ocasionalismo postulava algo irracional para explicar o facto que supunha precisar de uma explicação inteligível, a crítica de Hume procedeu a uma dissolução radical da conexão causal e das suas implicações ontológicas. Já Locke afirmava que a causa é "aquilo que produz qualquer ideia simples ou complexa" (ENSAIOS), reduzindo o âmbito dentro do qual se dá a causalidade aos horizontes onde se produzem e originam as ideias. Hume chega a reduzir a causa à sucessão e a destruir o nexo lógico inclusive meramente racional da relação _causa-_efeito. Só se descobre, diz ele, que um acontecimento sucede a outro, sem que se possa compreender nenhuma força ou poder pelo qual opera a causa ou qualquer conexão entre ela e o seu suposto efeito, de tal modo que os dois termos estão unidos mas não relacionados. Daí que possa definir-se a causa como um objecto seguido por outro e cuja aparência implica sempre o pensamento desse outro. Como noutros pontos, o pensamento de Kant sobre a noção de causa e sobre a relação causal constitui uma tentativa para superar as dificuldades suscitadas pelo racionalismo e pelo empirismo. Ambos supõem que, para que possa afirmar-se a relação causal, esta deve encontrar-se "no real". Se não se descobrir aí, só poderá encontrar-se "na mente". Até aqui, Hume tinha razão. Mas o modo como Hume resolveu o problema era, para Kant, insatisfatório. Com efeito, se a relação causal é resultado de _conjunções e não de _conexões, se é questão de hábito e de _crença, então não se pode conceber a causalidade como algo universal e necessário e isso equivale (na opinião de Kant) a deixar sem fundamento a ciência, e em particular a mecânica de Newton. Para assentar as bases filosóficas desta, e assegurar vários elementos em comum: serem capazes de descrever séries de fenómenos; serem comprováveis por meio da observação dos factos e da experimentação; serem capazes de predizer -- quer mediante predicação completa, quer mediante predicação estatística -- acontecimentos futuros. A comprovação e predicação nem sempre se efectuam da mesma maneira, não em cada uma das ciências, mas também em diversas esferas da mesma ciência. Em grande parte, dependem do nível das teorias correspondentes. Em geral, pode dizer-se que uma teoria científica mais compreensiva obedece mais facilmente a exigências de natureza interna, à estrutura da teoria -- simplicidade, harmonia, coerência etc -- do que uma teoria menos compreensiva. As teorias de teorias (como por exemplo, a teoria da relatividade) parecem por isso mais _afastadas dos factos ou, melhor dizendo, menos necessitadas de um grupo relativamente grande e considerável de factos para serem confirmadas. A comprovação e precisão atrás referidas dependem também dos métodos usados, os quais também são diferentes para cada ciência e para partes diferentes da mesma ciência. Em geral, considera-se que uma teoria científica é tanto mais perfeita quanto mais formalizada estiver. O que mais nos interessa é a relação entre ciência e filosofia. São possíveis três respostas fundamentais a este respeito: 1: A cIÊNCIA E A FILOSOFIA NÃO TÊM QUALQUER RELAÇÃO: 2: A CIÊNCIA E A FILOSOFIA ESTÃO TÃO INTIMAMENTE INTERLIGADAS ENTRE SI QUE, DE FACTO, SÃO A MESMA COISA. 3: A CI NCIA E A FILOSOFIA MANé-SE ENTRE SI RELAÇÕES MUITO COMPLEXAS. Vamos indicar algumas das razões apresentadas a favor desta última resposta: 3 a: A relação entre a filosofia e a ciência é de índole histórica: a filosofia foi e continuará a ser a mãe das ciências, por ser aquela disciplina que se ocupa da formação de problemas, depois tomados pela ciência para os solucionar. 3 b: A filosofia é não só a mãe das ciências no decurso da história, mas também a rainha das ciências em absoluto, quer por conhecer mediante o mais alto grau de abstracção, quer por se ocupar do ser em geral, quer por tratar dos supostos da ciência. 3 c: A ciência -- ou as ciências -- constituem um dos objectos da filosofia ao lado dos outros. Há por isso uma filosofia das ciências (e das diversas ciências fundamentais) tal como há uma filosofia da religião, da arte, etc.. 3 d: A filosofia é fundamentalmente uma teoria do conhecimento das ciências. 3 e: As teorias científicas mais compreensivas são teorias de teorias. 3 f: A filosofia está em relação de constante intercâmbio mútuo relativamente à ciência; proporciona-lhe certos conceitos gerais (ou certas análises), enquanto esta proporciona àquela dados sobre os quais desenvolve esses conceitos gerais (ou leva cabo essas análises). 3 g: A filosofia examina certos enunciados que a ciência pressupõe, mas que não pertencem à linguagem da ciência. É fácil comprovar então que a maior parte dos argumentos são de carácter parcial; esta parcialidade deve-se a um suposto prévio: o de que ciência e filosofia são conjuntos de proposições que se procura comparar, identificar, subordinar, etc. Quando em contrapartida, se insiste em examinar os _pontos de vista adoptados por uma e outra, nota-se que é possível afirmar a existência de relações complexas e variáveis sem por isso se agarrar a argumentações parciais ou desembocar num historicismo radical. Estes pontos de vista não precisam, além disso, de ser opostos, mas isso não significa tão-pouco que sejam totalmente diferentes; podem ser, em muitos aspectos, complementares. A isso aspiram pelo menos muitos filósofos para os quais a ciência não é nem um erro, nem um conhecimento superficial, nem um saber subordinado ao filosófico, mas uma das poucas grandes criações humanas, e também muitos cientistas para os quais a filosofia não é nem um conjunto de sofismas, nem de sentimentos que emergem e se fundem continuamente, nem de mais ou menos lindas concepções de índole, em última análise, poética. CLASSE -- I: CONCEITO LÓGICO: definiu-se por vezes a classe como uma série, grupo, colecção, agregado ou conjunto de entidades (chamadas membros) que possuem pelo menos uma característica comum. Exemplos de classe podem ser: a classe dos homens, a classe de objectos cuja temperatura em estado sólido é inferior a dez graus centígrados, a classe dos vocábulos que começam pela letra _c nesta página. Confundiu-se, por vezes, a noção de classe com as noções de agregado ou de todo. Deve evitar-se esta confusão, pois, de contrário, corre-se o risco de equiparar uma entidade concreta a uma entidade abstracta. As classes são entidades abstractas, mesmo quando os membros de que se compõem são entidades concretas. II: CONCEITO SOCIOLÓGICO: em sentido sociológico, "classe" designa, em sentido lato, um agrupamento de indivíduos com o mesmo grau, ou a mesma qualidade _social, ou o mesmo ofício. Em sentido restrito, dá-se, contudo, o nome de _classe só àqueles agrupamentos humanos que se caracterizam por certos _constitutivos sociais. Estes podem ser os meios de riqueza, especialmente a posse dos meios de produção, os modos de viver, a consideração social em que são tidos os seus membros, etc. Regra geral, reserva-se o nome de classe apenas para os agrupamentos que surgiram na época moderna. As discussões sobre o conceito de classe na época moderna referiram-se sobretudo a dois pontos: O primeiro é o próprio conceito de classe. O segundo é o de saber se esse conceito é objectivo ou subjectivo. É compreensível que numa sociedade onde os meios económicos e as relações económicas foram adquirindo cada vez mais importância (como aconteceu na sociedade moderna) se tenha sublinhado a importância do _constitutivo económico para a formação da classe. Muitos autores (marxistas e não marxistas) são a favor disso; em parte, Marx não fez mais que sistematizar e levar às suas últimas consequências essas ideias considerando as classes sociais como o tecido fundamental da história e definindo esta como uma luta de classes. CLINAMEN -- Aristóteles objectou a Demócrito que os átomos que se movem com a mesma velocidade em direcção vertical nunca podem encontrar-se. Para responder a esta objecção, supõe-se que Epicuro forjou a doutrina a que Lucrécio chamou do _clinamen ou inclinação dos átomos. Consiste em supor que os átomos sofrem um pequeno _desvio que lhes permite encontrar-se. O peso dos átomos empurra-os para baixo; o desvio, o clinamen, permite-lhes mover- se noutras direcções. Deste modo, considera-se o clinamen como a inserção da liberdade dentro de um mundo dominado pelo mecanicismo. O vocábulo clinamen foi forjado por Lucrécio e a doutrina em questão está expressa no seu poema SOBRE A NATUREZA DAS COISAS: "mas que o próprio espírito não tenha de estar dominado fazendo tudo por uma necessidade interna, e que não tenha de estar obrigado, como coisa conquistada, a suportar passivamente os acontecimentos, isso é efeito desse pequeno desvio dos elementos principais, que não têm de ir para um lugar determinado num tempo fixo". COGITO, ergo sum -- a proposição usualmente conhecida pela expressão _cogito _ergo _sum, e muitas vezes pelo simples termo cogito, é uma das teses centrais de Descartes. NO DISCURSO DO MÉTODO (IV) escreve, com efeito: "e da coisa. Isto equivale a um pensar do tipo "coisista" e substancialista. O conceito de pessoa, em contrapartida, vai-se introduzindo à medida que se reconhecem tipos de realidade não redutíveis ao fixo, ao estável, ao exterior, à figura, etc. De entre esses tipos de realidade, destacam aquilo a que se chama "vida íntima" ou "espírito". O cristianismo contribuiu para destacar esses tipos de realidade. Em geral, pode dizer-se que na medida em que se predomina a ideia de ser como ser em si, predomina também a noção de coisa, e na proporção em que predomina a ideia de um ser como ser para si, predomina a noção de pessoa. COISA EM SI -- Kant chamou "coisas em si" ás realidades que não se podem conhecer por se encontrarem fora dos limites da experiência possível, isto é, que transcendem as possibilidades do conhecimento, tal como foram delineadas na CRÍTICA DA RAZÃO PURA. As coisas em si podem ser pensadas -- melhor ainda, pode pensar-se o conceito de uma coisa em si enquanto é possível, ou não envolve contradição -- mas não ser conhecidas. Uma coisa é pensar um conceito, outra coisa é dar ao mesmo validade objectiva, isto é, possibilidade real e não meramente lógica. As coisas em si opõem-se às aparências, no sentido kantiano de _aparência. Kant mostra que nem o espaço nem o tempo são propriedades de coisas em si. Mostra também que os conceitos do entendimento são também transcendentais e não estruturas ontológicas próprias de uma realidade em si. A natureza e função do conceito de coisa em si na filosofia crítica de Kant foi objecto de muitos debates, alguns deles provocados pelo carácter vacilante do vocabulário kantiano. Umas vezes, Kant distingue entre coisa em si e objecto transcendental. outras vezes identifica-os ou deixa simplesmente de falar no último. Umas vezes, a noção de coisa em si parece distinta da de númeno; outras vezes, é praticamente idêntica. COMPREENSÃO -- chama-se compreensão de um conceito ao seu conteúdo, pelo qual deve entender-se o facto de um conceito determinado se referir precisamente a esse objecto determinado. compreensão conteúdo diferem pois, da mera soma das notas do objecto e, naturalmente, do objecto próprio enquanto tal, enquanto termo de referência dessas notas. Este novo sentido da compreensão- conteúdo, posto em circulação pela lógica fenomenológica, destina-se a evitar as confusões de certas lógicas entre o conceito e o objecto, bem como o conceito e o objecto formal; chega-se deste modo a uma distinção rigorosa entre conteúdo do conceito, objecto formal e objecto material, cuja correlação não equivale forçosamente a uma identificação. Noutro sentido muito diferente, chama-se compreensão a uma forma de apreensão que refere às expressões do espírito e que se opõe, como método da psicologia e das ciências do espírito, ao método explicativo próprio da ciência natural. Embora a ideia da compreensão esteja mais ou menos claramente formulada no romantismo alemão, deve-se a Dilthey a sua elaboração precisa e consequente. Dilthey entende por compreensão o acto pelo qual se apreende o psíquico através das suas múltiplas exteriorizações. O psíquico, que constitui um reino peculiar e que tem uma forma de realidade distinta da natural, não pode ser objecto de mera explicação. A vida psíquica resiste a toda a apreensão que não aponte para o sentido das suas manifestações, da sua própria estrutura. Ao exteriorizar-se, a vida psíquica converte-se em expressão ou em espírito objectivo. Este último, que constitui a parte essencial e fundamental das ciências do espírito propriamente ditas, consiste em exteriorizações relativamente autónomas da vida psíquica, exteriorizações que têm na sua própria estrutura uma direcção e um sentido. O método da compreensão, que originariamente é psicológico, converte-se, pois, para Dilthey, num processo mais amplo, numa hermenêutica que se encaminha para a interpretação das estruturas objectivas enquanto expressões da vida psíquica. Compreender significa, portanto, passar de uma exteriorização do espírito à sua vivência originária, isto é, ao conjunto de actos que produzem ou produziram, sob as mais diversas formas -- gesto, linguagem, objectos da cultura, etc --, a mencionada exteriorização. CONCEITO -- I: segundo uma opinião corrente, os conceitos são os elementos últimos de todos os pensamentos. Nesta caracterização está implícita uma radical distinção entre o conceito entendido como uma entidade lógica e o conceito tal como é apreendido no decurso dos actos psicológicos. A doutrina do conceito é, neste caso, unicamente uma parte da lógica e nada tem a ver com a psicologia. O conceito distingue-se assim da imagem, bem como do facto da sua possibilidade ou impossibilidade de representação. Por outro lado, deve distinguir-se entre o conceito, a palavra e o objecto. Se os conceitos podem ser o conteúdo significativo de determinadas palavras, essas palavras não são os conceitos, mas unicamente os signos, os símbolos das significações. Com efeito, há ou pode haver conceitos sem que existam as palavras correspondentes, bem como palavras ou frases sem sentido, que carecem das correspondentes significações. O conceito distingue- se também do objecto: se é verdade que todo o conceito se refere a um objecto num sentido mais geral deste vocábulo, o conceito não é o objecto, nem sequer o reproduz, mas é simplesmente o seu correlato intencional. Os objectos a que os conceitos se podem referir são todos os objectos, os reais, os ideais, os metafísicos e os axiológicos e, portanto, os próprios conceitos. Sendo todo o objecto, por conseguinte, um correlato intencional do conceito, deverá distinguir-se entre o objecto como é em si e o objecto como é determinado pelo conceito. Chama-se ao primeiro, _objecto material, isto é, objecto material do conceito, e, ao segundo, _objecto _formal. Segundo a concepção anterior, a lógica trata predominantemente do objecto formal. Qualquer conceito tem compreensão ou conteúdo e extensão; a primeira já se definiu e é diferente da mera soma das notas do objecto; a segunda consiste nos objectos que o conceito compreende, nos objectos que caem sob o conceito. No que se refere à sua classificação, os conceitos dividem-se, primeiramente, em objectivos e funcionais. Os primeiros são os conceitos de objectos propriamente ditos, os que têm como correlato intencional um sujeito ou um predicado de um juízo. Os segundos são os conceitos que relacionam (por exemplo, a cópula do juízo), os quais não se devem confundir com os conceitos das relações (por exemplo, igualdade, semelhança, a cópula de um juízo como sujeito de um juízo), são objectos ideais e, portanto, objectos mencionados por um conceito. Os conceitos de objectos classificam-se, por sua vez, em conceitos de indivíduo, de espécie e de género. II: A análise anterior da noção de conceito foi feita á luz da lógica de inspiração fenomenológica, que considerou esta noção com particular atenção e pormenor. Nos textos da lógica simbólica, por exemplo, encontramos muito poucas referências ao termo "conceito". As diferenças entre uma e a outra lógica, a tal respeito, devem-se em grande parte à diferença de grau na unificação e formalização da linguagem: escasso na lógica fenomenológica; considerável, na lógica simbólica. Maior relação tem a doutrina fenomenológica com algumas teorias clássicas, especialmente escolásticas, não obstante as críticas a que as submeteram. A filosofia antiga centrou a discussão em torno do problema da noção, do termo, do _logos, mas este último é muito mais do que aquilo que modernamente se designa por conceito. O conceito, tal como foi usado na lógica formal de inspiração aristotélica, não representa apenas os caracteres comuns a um Levanta-se, finalmente, o problema do papel desempenhado pelo pensamento e, em geral, pelo sujeito no condicionamento da realidade enquanto conhecida. Este sentido de _condição, ao mesmo tempo, epistemológico e metafísico, pois mesmo quando a princípio se conceba a condição do ângulo apenas cognoscitivo é difícil admitir a adopção de uma posição epistemológica (realista, idealista, etc) sem adoptar ao mesmo tempo alguns supostos metafísicos sobre a realidade. CONFIRMAÇÃO -- Na filosofia contemporânea usou-se o vocábulo "confirmação" e os vocábulos afins _confirmar, _confirmável, _confirmabilidade, etc, em dois sentidos principais. Por um lado, e de um modo geral, falou-se de confirmação num sentido semelhante ao de verificação. Do mesmo modo que se admitiram graus de verificação, admitiram-se graus de confirmação, ou confirmabilidade, de enunciados. Por outro lado, e de um modo mais específico e estrito, falou-se de confirmação em relação às inferências indutivas. Com efeito, levantou-se o problema de saber como, até que ponto e em que grau ou graus pode dizer- se que uma hipótese é confirmável. Isto equivale a perguntar-se que regras permitem distinguir entre inferências indutivas válidas e inferências indutivas não válidas. O problema da confirmação pode formular-se como o problema da relação que existe entre dois enunciados e1 e e2, tais que e1 é um enunciado que confirma e2. Ora, quando se procuravam formular com toda a precisão as condições necessárias para que um enunciado pudesse ser considerados como confirmação de outro enunciado, descobriram-se vários paradoxos, usualmente chamados "paradoxos da confirmação". Um dos paradoxos é o seguinte: se um enunciado: e1 é consequência do enunciado e1 e da união de e1 com qualquer outro enunciado, e n e portanto, se um enunciado, e1 e a união de e1 com qualquer outro enunciado, e n, acontecerá que e1 e n terão como consequência também e1. Portanto, qualquer enunciado confirmará qualquer enunciado. Este paradoxo resolve-se reconhecendo que dado um enunciado, h1, que representa uma hipótese, todos os enunciados e n, que confirmam h1 são consequências de h1, mas que nem todas as consequências de h1 confirmam h1. Em rigor, só confirmam h1 os enunciados que são consequência de h1 e, ao mesmo tempo, são exemplos de h1. Assim, um dos paradoxos é o seguinte: Se supusermos o enunciado: todos os cisnes são brancos 1: o enunciado a: é um cisne branco 2: será uma confirmação de 1. suponhamos agora o seguinte enunciado: P é um cisne não branco 3: este enunciado não parece nem confirmar nem desconfirmar 1. consideremos agora o enunciado: Todas as coisas não brancas são não cisnes 4:. o enunciado: C é um não cisne não branco 5: está relacionado com 4 do mesmo modo que 2 está relacionado com 1. Com efeito, 1 e 4 são logicamente equivalentes, isto é, expressam a mesma lei, embora difiram no modo de a formular. Portanto, qualquer confirmação de 4 terá de ser uma confirmação de 1. Mas então 5 será uma confirmação de 1. Por outras palavras, qualquer enunciado como: C é um gato pardo, c é uma pedra preciosa, c é um livro sobre lógica indutiva, etc, terão de ser confirmações do enunciado: Todos os cisnes são brancos. Procurou-se resolver este paradoxo, apelando para o cálculo de probabilidades sem recorrer a leis de uma suposta "lógica indutiva independente". Outros procuraram restringir as regras por meio das quais se afirma que um dado enunciado confirma ou não confirma uma dada hipótese. Estes e outros paradoxos mostram que o conceito de confirmação é extremamente complexo. Para já, pode distinguir-se, com Carnap, entre um conceito semântico e um conceito lógico de confirmação, e dentro do primeiro, entre um conceito comparativo e um conceito quantitativo de confirmação. Logo, pode distinguir-se entre diversos graus de confirmação ou confirmabilidade. Para este efeito, Podem usar-se diversos termos ou expressões tais como "a é confirmado por n", "a é apoiado por b", "b proporciona uma prova positiva de a", etc. Podem apresentar-se também valores numéricos para os graus de confirmação. CONHECIMENTO -- Quase todos os filósofos trataram os problemas do conhecimento, mas a importância adquirida pela teoria do conhecimento como "disciplina filosófica" é um assunto relativamente recente. Os gregos trataram problemas gnoseológicos, mas costumavam subordiná-los a questões depois chamadas _ontológicas. A pergunta "o que é o conhecimento?" esteve muitas vezes em estreita relação com a pergunta "o que é a realidade?" Algo de parecido aconteceu em muitos filósofos medievais. Isto não quer dizer que não trataram pormenorizadamente o problema do conhecimento. Contudo, é plausível defender que só na época moderna -- com vários autores renascentistas interessados no método e com Descartes, Malebranche, Leibniz, Locke, Berkeley, Hume e outros -- o problema do conhecimento se converte amiúde em problema central -- embora não único -- do pensamento filosófico. A constante preocupação dos autores aludidos e citados, pelo método e pela estrutura do conhecimento é, a este respeito, muito sintomático. Todavia, não se concebia um estudo do conhecimento como capaz de dar impulso a uma disciplina filosófica especial. A partir de Kant, em contrapartida, o problema do conhecimento começou a ser objecto da teoria do conhecimento. É indubitável que teoria ocupa um lugar muito destacado no pensamento desse filósofo. Por isso, alguns autores chegaram à conclusão de que a teoria do conhecimento é a disciplina filosófica central. Outros tentaram mostrar que é uma disciplina independente ou relativamente independente. Em todo o caso, pode continuar a reconhecer-se à teoria do conhecimento um lugar destacado sem, por isso, a separar de outras disciplinas filosóficas. Trataremos dos seguintes aspectos do problema do conhecimento: a descrição do fenómeno do conhecimento ou fenomenologia do conhecimento; a questão da possibilidade do conhecimento; a questão do fundamento do conhecimento; a questão das formas possíveis do conhecimento. FENOMENOLOGIA DO CONHECIMENTO: Entendemos o termo "fenomenologia"num sentido muito geral, como "pura descrição daquilo que aparece"; a fenomenologia do conhecimento propõe-se descrever o processo do conhecer como tal, isto é, independentemente de, previamente a , quaisquer interpretações do conhecimento de quaisquer explicações que se possam dar das causas do conhecer. Portanto, a fenomenologia do conhecimento não é uma descrição genética e de facto, mas "pura". A única coisa que tal fenomenologia procura pôr a claro é o que significa ser objecto do conhecimento, ou ser sujeito cognoscente, apreender o objecto, etc. Parece óbvio o resultado de tal fenomenologia: Conhecer é aquilo que tem lugar quando um sujeito apreende um objecto. Contudo, o resultado não é óbvio nem tão-pouco simples. Portanto, a pura descrição do conhecer põe em relevo a indispensável coexistência, co-presença e, de certo modo, co-operação, de dois elementos que não sã admitidos com o mesmo grau de necessidade por todas as filosofias. Algumas filosofias insistem no primado do objecto (realismo em geral); outras, no primado do sujeito (idealismo em geral); Outras na equiparação _neutral de sujeito e de objecto. A fenomenologia do conhecimento não reduz nem tão-pouco equipara: reconhece a necessidade do sujeito e do objecto sem precisar em que consistem cada um deles isto é sem se deter a conhecer -- uma base sobre a qual assentam as ideia gerais. Pode adoptar- se um empirismo a que, por vezes, se chamou _total: é o que recusa ater-se às impressões sensíveis por considerar que estas são só uma parte, e não a mais importante, da _experiência. A _experiência não é unicamente a experiência sensível, pode ser também experiência intelectual, experiência histórica ou experiência interior, ou todas elas ao mesmo tempo, Pode adoptar-se também um empirismo que não deriva o conhecimento das estruturas lógicas e matemáticas das impressões sensíveis, precisamente porque considera que essas estruturas não são nem empíricas nem tão pouco racionais: são estruturas puramente formais, sem conteúdo. Isso acontece com Hume e diversas formas do neopositivismo. Pode adoptar-se também um empirismo que parte do material dado para as expressões sensíveis, mas admite a possibilidade de abstrair delas "formas" é o empirismo de cariz aristotélico e os derivados do mesmo. Quanto ao chamado _grosso- modo, _racionalista, adoptou também formas muito diversas, de acordo com o significado que se tenha dado às expressões como "realidade inteligível", _ideias, _formas, _razões, etc. Com efeito não é a mesma coisa um racionalismo que parte do inteligível como tal para considerar o sensível como reflexão do inteligível, de um racionalismo para o qual o conhecimento se funda na razão, mas onde esta não é uma realidade inteligível, mas um conjunto de supostos ou evidências, uma série de verdades eternas. Outras duas posições capitais são as conhecidas pelos nomes de _realismo e _idealismo. Indiquemos aqui unicamente que o que é característico de cada uma dessas posições é a insistência em tomar um ponto de partida no objecto ou no sujeito. Mesmo assim, não é fácil explicar o significado próprio de _realismo e de _idealismo, em virtude dos muitos sentidos que adquirem dentro destas posições os termos _objecto e _sujeito. Assim, no que diz respeito ao _sujeito, a natureza da posição adoptada depende, em grande parte de se se entende o sujeito em questão como sujeito psicológico, como sujeito transcendental no sentido kantiano, como sujeito metafísico. FORMAS DO CONHECIMENTO: Já nos referimos ao conhecimento como conhecimento sensível e como conhecimento inteligível. Em muitos casos, admite-se que ambas as formas de conhecimento são intuitivas, mas, por vezes, propõe-se que o conhecimento intuitivo é distinto de todas as demais formas de conhecimento. Isso acontece especialmente quando se entende a intuição como um acesso à realidade absoluta. Particularmente significativa foi a classificação das formas de conhecimento proposta por Nicolau de Cusa. Cusa distinguiu quatro graus de conhecimento: os sentidos que proporcionam imagens confusas e incoerentes; a razão que as diversifica e ordena; o intelecto ou razão especulativa, que as unifica; e a contemplação intuitiva, que, ao levar a alma à presença de Deus, alcança o conhecimento da unidade dos contrários. Outras formas de conhecimento de que se falou muitas vezes são o conhecimento _a _priori e o conhecimento _a _posteriori. Finalmente, podem distinguir- se formas de conhecimento de acordo com divisões introduzidas na própria realidade e no modo de a considerar. Propôs-se neste sentido, uma divisão entre o conhecimento da Natureza e o conhecimento do espírito. Rickert e Wildenband insistiram com particular ênfase nessa distinção, que hoje não é aceite por todos os epistemólogos. De qualquer modo, há que destacar que o problema das formas de conhecimento está neste caso relacionado com o problema da classificação dos saberes. CONSCIÊNCIA -- O termo "consciência" tem, em português, pelo menos dois sentidos, descoberta ou reconhecimento de algo, quer de algo exterior, como um objecto, uma realidade, uma situação, etc, quer de algo interior, como as modificações sofridas pelo próprio eu; conhecimento do bem e do mal. O sentido segundo expressa-se mais propriamente por meio da expressão consciência moral, pelo que reservamos um artigo especial a este último conceito. Neste artigo, referir-nos-emos apenas ao sentido primeiro. O sentido primeiro pode desdobrar-se noutros sentidos: o psicológico, o epistemológico ou gnoseológico, e o metafísico. Em sentido psicológico, a consciência é a percepção do eu por si mesmo, que por vezes também se chama apercepção. Em sentido epistemológico, a consciência é primeiramente o sujeito do conhecimento, falando-se então da relação consciência-objecto consciente como se equivalesse à relação sujeito-objecto. Em sentido metafísico, chama-se muitas vezes à consciência o Eu. Trata-se, umas vezes de uma hipótese da consciência psicológica ou gnoseológica e, outras vezes, de uma realidade que se supõe prévia a qualquer esfera psicológica ou gnoseológica. No decurso da história da filosofia, houve muitas vezes confusões entre o sentido mencionado. A única coisa que parece comum a estes três sentidos é o carácter supostamente unificado e unificante da consciência. Dentro de cada um destes sentidos, e especialmente dentro dos dois primeiros, estabeleceram-se várias distinções. Falou-se, por exemplo, de consciência sensitiva e intelectiva, de consciência directa e de consciência reflexa, de consciência não intencional e de consciência intencional. Esta última divisão é, a nosso ver, fundamental. Com efeito, quase todas as concepções da consciência na história da filosofia podem classificar-se nos que admitem a intencionalidade e nos que a negam ou simplesmente não a supõem. Os filósofos que se inclinaram a conceber a consciência como uma _coisa entre as _coisas negaram a intencionalidade ou não a tiveram em conta. A consciência é então descrita como uma _faculdade com certas características únicas. Em contrapartida, aqueles que propenderam para não considerar a consciência como uma _coisa -- nem sequer como uma _coisa _reflecionante -- afirmaram ou supuseram, de algum modo, a intencionalidade da consciência. A consciência é então descrita como uma função ou conjunto de funções, como um foco de actividades ou, melhor dizendo, como um conjunto de actos orientados para algo: aquilo de que a consciência está consciente. Muitos filósofos gregos inclinaram-se para uma concepção não intencional e _coisista da consciência. Muitos filósofos cristãos sublinharam o carácter intencional da consciência. Muitos filósofos modernos, como por exemplo, Descartes, inclinaram-se para uma concepção de natureza intencional e intimista. Kant estabeleceu uma distinção entre a consciência empírica (psicológica) e a consciência transcendental (gnoseológica) CRÍTICA DA RAZÃO PURA. A primeira pertence ao mundo fenoménico; a sua unidade só pode ser proporcionada pelas sínteses levadas a cabo mediante as intuições do espaço e do tempo e dos conceitos do entendimento. A segunda é a possibilidade da unificação de qualquer consciência empírica e, portanto, da sua identidade -- e, em última análise, -- a possibilidade de todo o conhecimento. Logo que exclui a noção de coisa em si, a consciência pura (sensível) kantiana passou de ser princípio de unificação de um material empírico dado (embora não organizado) a princípio de realidade. isso aconteceu com os idealistas pós-kantianos. Em Fichte e Hegel, temos uma passagem da ideia de consciência transcendental (gnoseológica) para a ideia de consciência METAFÍSICA. Fichte faz da consciência o fundamento da experiência total e identifica-a com o Eu que se surgir ou pode não surgir no homem, mas também a de que o seu _conteúdo depende por sua vez do conteúdo natural, histórico, social, etc. As teorias naturalistas, historicistas, social- históricas, sociais, etc, entram dentro deste grupo. 3: a origem da consciência moral pode ser atribuída a uma entidade divina. A moral resultante é então heterónoma ou, mais propriamente teónoma. 4: a origem da consciência moral pode atribuir-se a uma fonte humana. Por sua vez, essa fonte humana pode conceber-se como natural, histórica ou social, e assim esta posição combina-se com a dois. Também pode considerar-se que esta fonte é _individual ou _social. 5: o fundo donde procede uma consciência moral pode ser _racional ou _irracional. Estas duas posições combinam-se frequentemente com quaisquer outras das atrás mencionadas. 6: o fundo donde procede a consciência moral pode ser pessoal ou impessoal. 7: finalmente, o fundo donde procede a consciência moral pode ser autêntico ou inautêntico. Se se dá o primeiro, podem admitir-se muitas das concepções anteriores. Se se dá o segundo, as concepções usualmente admitidas são as da sua origem natural e puramente social. A consciência moral é então desmascarada como um sentido que o homem adquiriu em virtude de certas conveniências sociais ou de certos processos naturais e que pode desaparecer logo que essas conveniências deixem de vigorar. CONSEQUENTE -- Em geral os escolásticos consideraram a consequência como uma proposição condicional ou uma proposição hipotética composta, pelo menos, por dois enunciados unidos condicionalmente, de tal maneira que, se se diz verdadeira quanto o antecedente implica o consequente, isto é, quando do antecedente pode considerar-se o consequente. Uma vez elaborada a doutrina das consequências, proporciona um conjunto muito complexo de regras que governam as inferências válidas ou por meio das quais podem executar-se tais inferências. Exemplos de regras consequenciais são: "do verdadeiro nunca se segue o falso", "uma proposição conjuntiva implica qualquer dos seus componentes", "uma proposição disjuntiva é implicada por qualquer dos seus componentes". Os escolásticos dedicaram grande atenção à classificação dos tipos de consequências. Podem ser _fácticas ou _simples, _formais ou _materiais, etc. Sobretudo é importante a distinção entre consequência formal e material. Consequência formal é aquela que vale para todos os termos segundo a disposição e forma dos mesmos, isto é, a que vale para todos os termos desde que retenham a mesma forma. Consequência material é aquela na qual não se cumpre essa validade, isto é, aquela que não vale para todos os termos, retendo embora a mesma forma. Em suma, a consequência formal é logicamente válida por si mesma sem depender de nada mais que da disposição dos termos. Logicamente falando, as regras consequenciais mais importantes são as que se referem a consequências formais, pois a validade lógica de uma consequência material depende da possibilidade em a inserir dentro de uma consequência formal. CONSISTÊNCIA -- Em filosofia costuma usar-se este termo em dois sentidos principais: 1: em expressões metafísicas em que se descreve a completa subsistência de uma realidade e se descreve essa subsistência em termos de "real consistente". Deste ponto de vista, costuma dizer-se que só realidades tais como o Absoluto e o Incondicionado são verdadeiramente consistentes. Este uso de "consistência" é vago e pouco recomendável. 2: em expressões, habitualmente metafísicas, em que se equipara a consistência com a essência. Assim, declara-se que a essência de algo é aquilo em que este algo _consiste. A consistência contrapõe-se, neste caso, à existência. Seja como for, os significados de _essência e de _consistência não se sobrepõem exactamente; enquanto _essência corresponde ao uso tradicional, _consistência, está mais próxima de outros tipos de essência, entre os quais se deve mencionar a essência no sentido da fenomenologia. CONSTITUIÇÃO E CONSTITUTIVO -- O vocábulo "constituição" tem significados muito diferentes que, embora centrados na acção de fundar, oscilam entre a criação e a simples ordenação dos dados. Isto acontece sobretudo quando o acto de constituir e o carácter constitutivo se referem a certas formas de relação entre o entendimento e o objecto apreendido por este. Kant chama, por exemplo, constitutivos aos conceitos puros do entendimento ou categorias porquanto _constituem "fundam, estabelecem" o objecto do conhecimento; a função das categorias é, portanto, a de fazer do dado algo constituído "disposto, ordenado" em objecto de conhecimento em virtude do que nele é estabelecido. Em contrapartida, as ideias -- em sentido kantiano -- são reguladoras; não constituem o mencionado objecto por funcionar no vazio, mas são directrizes mediante as quais pode prosseguir-se até ao infinito a investigação. As categorias estão situadas entre as _intuições e as _ideias; as primeiras são necessárias ao conhecimento; porque são sua condição; as segundas não facilitam o conhecimento, porquanto não são leis da realidade, mas permitem que o conhecimento possa apresentar os seus problemas e solucioná-los dentro dos limites traçados pelo uso regulador. Esta significação primeiramente gnoseológica, da constituição levanta problemas de tal índole que, a partir de Kant especialmente dentro do chamado idealismo pós-kantiano, a questão torna-se decididamente METAFÍSICA. Com efeito, na medida em que prime o construtivismo do eu transcendental e em que se acentue, como em Fichte, o primado do estabelecido sobre o dado, o constituir não será já só o estabelecer o objecto enquanto objecto. Neste sentido, podemos dizer que o construtivismo idealista fez aproximar a constituição da criação. O problema da constituição e do constitutivo converteu-se desde então num problema capital para muitas correntes filosóficas, mesmo para aquelas que rejeitaram explicitamente as bases construtivas do idealismo. Por exemplo, as investigações de Husserl têm em conta a questão do significado do estabelecido do objecto na consciência e, por conseguinte, destacam o problema levantado pela constituição da realidade. E isso a tal ponto que o livro segundo das IDEIAS é consagrado uma série de "investigações fenomenológicas para a constituição", no decurso das quais se procede a uma descrição da constituição da natureza material, da natureza animal, da realidade anímica através do corpo, da realidade anímica na empatia e do mundo espiritual. O problema da constituição foi examinado também -- embora num sentido predominantemente epistemológico -- nos debates em torno do primado do constitutivo ou do regulador que tiveram lugar, explícita ou implicitamente, em várias correntes filosóficas contemporâneas, desde as neokantianas às pragmatistas, dando assim origem a duas opiniões opostas: o realismo metafísico- gnoseológico da constituição e o nominalismo quase radical da pura regulação e convenção. CONTINGÊNCIA -- Na linguagem de Aristóteles, o contingente opõe- se ao necessário. A expressão "é contingente que p" (onde p representa uma proposição) é considerada em lógica como uma das expressões modais a que nos referimos com mais pormenor no artigo _modalidade. É discutível o sentido de "é contingente". Uns consideram que "é contingente que p" é o mesmo que "é possível que p"; outros pensam que "é contingente que p" equivale à conjunção: "é possível que p" e "é possível que não p". Na literatura lógica clássica, define-se frequentemente a contingência como a possibilidade de que algo seja e a possibilidade que algo não seja. Se o termo _algo se refere a uma proposição, a definição corresponde efectivamente à lógica. Se _algo observamos entre dois seres (por exemplo, entre a semente e o fruto, ou entre diversas formas geométricas, tais como a parábola, a elipse e a hipérbole) são diferenças meramente externas. Com efeito, logo que descobrimos classes de seres intermédias que se introduzem entre as diversas diferenças notamos que podemos ir _enchendo os vazios aparentes, de tal modo que chega um momento em que vemos com perfeita clareza que um ser leva _continuamente ao outro. O princípio de continuidade garante a ordem e a regularidade na Natureza, e é ao mesmo tempo a expressão dessa ordem e regularidade. O poder da matemática radica no facto de ser capaz de expressar a continuidade da Natureza; a geometria é a ciência do contínuo, e "para que haja regularidade e ordem na natureza, o físico deve estar em constante harmonia com o geométrico". Mas Leibniz não se limitou a reiterar a ideia de continuidade, mas afirmou que pode descobrir-se a lei do contínuo. E, em última análise, poderia descobrir-se uma lei que seria a lei da realidade inteira e que, por agora, só podemos expressar assinalando a sua existência no princípio universal de continuidade. Esta ideia não foi, contudo, aceite por todos os filósofos; muitos pensaram que parece impossível escapar às ANTINOMIAS que Zenão de Eleia pôs em relevo pela primeira vez. Assim, Kant tratou o problema do contínuo dentro da segunda antinomia na CRÍTICA DA RAZÃO PURA. A tese afirma a impossibilidade de uma divisibilidade infinita, pois, de contrário, o ser dissolver-se-ia no nada. A antítese defende a infinita divisibilidade de uma parte, pois, de contrário, não haveria extensão. Ora, a antinomia deve-se, segundo Kant, a que, na tese, o espaço é considerado como algo em si, e, na antítese, como algo fenoménico. Assim, parece ter-se descoberto a origem da dificuldade. Mas ao mesmo tempo a solução baseia-se num suposto que não é forçoso aceitar, e que nem sequer é plausível: a divisão do _real em _fenómeno e númeno. Suprimido o suposto, volta a introduzir-se o problema tradicional. Visto isso , alguns pensadores consideraram que não tem solução ou que só a tem adoptando -- por convenção ou por convicção -- alguma posição da física última. É difícil separar o problema filosófico do contínuo dos problemas levantados pela noção de continuidade na física e na matemática, e esta última noção foi insistentemente explicada por físicos e matemáticos, durante os últimos séculos. CONTRADIÇÃO -- Esta noção é estudada tradicionalmente sob a forma de um princípio: o chamado princípio de _contradição (e que, mais propriamente, deveria qualificar-se de princípio de não contradição). Muitas vezes esse princípio é considerado como um princípio ontológico, e enuncia-se então do seguinte modo: "é impossível que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto? outras vezes, é considerado como um princípio lógico (num sentido amplo deste termo), e enuncia-se então do seguinte modo:"não ao mesmo tempo p e não p", donde p é símbolo de um enunciado declarativo. Alguns autores sugeriram que há também um sentido psicológico do princípio, o qual se enunciaria assim: "não é possível pensar ao mesmo tempo p e não p" (se o conteúdo do pensar for lógico). ou assim: "não é possível pensar que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto"(se o conteúdo do pensar for ontológico). Nós consideramos que deve eliminar-se o sentido psicológico; a impossibilidade de pensar algo é um facto e não um princípio. Teria mais justificação considerar o princípio do ponto de vista epistemológico, enquanto lei _mental, _subjectiva ou _transcendental que confirmasse todos os nossos juízos sobre a experiência, mas pensamos que isso equivaleria a introduzir supostos que não são necessários numa análise primária no significado e no sentido fundamental do princípio. Notamos que a expressão "ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto", mencionada quando nos referimos ao sentido ontológico do termo, é absolutamente necessária para que o princípio seja válido; se ausência de semelhante restrição abre o flanco a objecções fáceis contra o mesmo. As discussões em torno do princípio de contradição diferiram consoante se tenha acentuado o aspecto ontológico (e principalmente metafísico) e o aspecto lógico e metalógico. Quando predominou o lado ontológico, procurou-se sobretudo afirmar o princípio como expressão de uma estrutura constitutiva do real, ou então negá-lo por se supor que a própria realidade e é _contraditória ou que, no processo dialéctico da sua evolução, a realidade _supera, _transcende ou "vai mais além" do princípio de contradição. Típica a este respeito é a posição de Hegel ao fazer da contradição uma das bases do movimento interno da realidade, mesmo quando deve ter-se em conta que, na maior parte dos casos, os exemplos dados pelo filósofo não se referem a realidades contraditórias, mas contrárias. Quando predominou o lado lógico e metalógico, em contrapartida, procurou-se sobretudo saber se o princípio deve ser considerado como um axioma evidente por si mesmo ou então como uma convenção da nossa linguagem que nos permite falar acerca da realidade. Apoiando.-se, por um lado, em Hegel e, por outro, no exame da realidade social e histórica, (e na acção a desenvolver nessa realidade), Marx propôs uma dialéctica na qual o princípio ou lei de contradição ficava desbancado. Mais sistematicamente, Engels formulou duas das três "grandes leis dialécticas". "a lei da negação da negação" e a "lei da coincidência dos opostos". CONVERSÃO -- Dos muitos sentidos em que se usa a noção de conversão, em filosofia, vamos destacar especialmente dois: o lógico e o metafísico. 1: Na lógica clássica, a conversão é um modo de inversão de proposições, de tal maneira que, sem alterar a verdade de uma proposição dada "s é p", possa colocar-se _s em lugar de _p ou _p no lugar de _s. admitiram-se a este respeito três modos principais de conversão. a: a conversão simples, na qual sujeito e predicado conservam a quantidade ou a extensão; b: a conversão por acidente, na qual se conserva apenas a extensão; c: a conversão por contraposição, na qual sujeito e predicado se convertem por meio das anteposições da negativa a cada um dos termos invertidos. Os lógicos estabeleceram várias regras para a conversão, baseadas na conversão de um termo, enquanto sujeito, com a mesma extensão que esse termo tinha como predicado. Quando não se cumpre esta condição, surgem sofismas. Assim, por exemplo, é admissível a conversão de "nenhum animal é racional" em "nenhum ser racional é animal", mas não o é a conversão de "todos os homens bondosos falam com franqueza" em "todos os que falam com franqueza são bondosos". 2: em sentido metafísico, pode entender-se a noção de conversão como contraposta à noção de processo; é o sentido mais corrente entre os neoplatónicos, e, particularmente, em Plotino. Segundo Plotino, o Uno não é o único, porque funda precisamente a diversidade, aquilo que dele emana como podem emanar do real a sombra e o reflexo, os seres cuja forma de existência não é eterna permanência no alto, recolhendo no seu ser toda a existência, mas a queda, distensão da primitiva, perfeita e originária tensão da realidade suma. Pois o Sumo vive, por assim dizer, em absoluta e completa tensão, recolhendo com ele a restante realidade. O duplo movimento de processão e conversão, de desenvolvimento, é a consequência dessa posição de toda a realidade a partir do momento em que se apresenta a Unidade suprema e, no pólo oposto, o Nada: a perfeição gera, pela sua própria natureza, o semelhante, a cópia e o reflexo, que subsistem graças ao facto de estarem crença gravitará sempre mais para o lado do assentimento subjectivo e eliminará toda a transcendência que é indispensável para a constituição da fé. No sentido mais subjectivo da expressão, a crença aparecerá, portanto, como algo oposto também oposto ao saber e, em certa medida, à opinião, mas ao mesmo tempo como algo que pode fundamentar, pelo menos de um modo imanente, todo o saber. Há que distinguir entre a crença como algo que transcende os actos mediante os quais se efectua o seu assentimento e a crença como um acto imanente, embora dirigido para um objecto. Dentro desta última acepção, convém distinguir entre a crença como um acto por meio do qual um sujeito de conhecimento efectua uma asserção, e um acto limitado à esfera das operações psíquicas, principalmente voluntária. E dentro desta última significação, pode estabelecer-se uma distinção entre três sentidos da palavra 1: adesão a uma ideia, isto é, persuasão de que a ideia é verdadeira. todo o juízo propõe então algo a título de verdade. 2: oposição a certeza passional, como o corpo das crenças religiosas, metafísicas, morais, políticas; portanto, assentimento completo, com exclusão de dúvida. 3: simples probabilidade, como na expressão "creio que vai chover". CRIAÇÃO -- O termo _criação pode entender-se, filosoficamente, em quatro sentidos: 1: produção humana de algo a partir de alguma realidade preexistente, mas de tal forma que o produzido não esteja necessariamente nessa realidade; 2: produção natural de algo a partir de algo preexistente, mas sem que o efeito esteja excluído na causa, ou sem que haja estrita necessidade de tal efeito; 3: produção divina de algo a partir de uma realidade preexistente, resultando uma ordem ou um cosmos de um caos anterior. 4: produção divina de algo a partir do nada. O sentido 1 é o que se dá usualmente à produção humana de bens culturais, e muito em particular à produção ou criação artística. O sentido 2 foi usado especialmente por autores que deram certas interpretações à evolução do mundo e especialmente das espécies biológicas. É o que acontece com a noção de _evolução _criadora, Bergson. O sentido 3 é o que se dá à criação quando se interpreta sob a forma de um demiurgo de tipo platónico. Também se pode incluir neste sentido a noção de emanação, mas então há que introduzir modificações substanciais. Quanto ao sentido 4, é o que foi considerado mais próprio da tradição hebraico- cristã. A criação no sentido de uma produção original de algo, mas à base de alguma realidade preexistente, foi amplamente tratada pelos gregos. Estes não podiam admitir nem conceber outra forma de criação. A essa produção chamaram os gregos _poesia, obra, produção. Podia ter lugar sob diversas formas e em diversas realidades. Quando a produção tinha lugar no pensamento, deparavam-se-lhe certas dificuldades: produzir um pensamento não parece ser a mesma coisa que produzir um objecto. Contudo, os gregos procuraram entender um modo de produção a partir do outro. Uns epicuristas em parte estóicos -- procuraram explicar a produção do pensamento por analogia com a produção de _coisas. Outros -- principalmente os neoplatónicos -- seguiram o caminho inverso. Esta última concepção estendeu-se rapidamente no final do mundo antigo, a tal ponto que, por vezes, foi considerada a tipicamente helénica. Basta notar que o pensamento grego, particularmente na sua última época, realizou muitos esforços para explicar a produção metafisicamente, mas sem chegar nunca à ideia hebraico-cristã de criação a partir do nada. Esta última ideia não é, em absoluto, tributária do pensamento grego, embora se tenha depois utilizado amplamente este com o fim da explicitar. Em contrapartida, na tradição hebraico-cristã, é central a ideia de criação como criação do nada. Já está expressa em parte nas Escrituras. A noção de criação, tal como foi proposta dentro do judaísmo e tal como atingiu a maturidade intelectual dentro do mundo cristão, admite uma causalidade eficiente de natureza absoluta e divina. O modo de criação por produção aparece como próprio e exclusivo de um agente que, em vez de extrair de si uma substância parecida e, ao mesmo tempo, separada, ou em vez de fazer emergir de si um modo de ser novo e distinto, leva fora de si à existência algo não preexistente. S. Tomás frisou que o nada do qual se extrai o algo que se leva a existência (e, certamente, o extrair é aqui apenas uma metáfora) não é compreensível por analogia com nenhuma das realidades que podem servir para entender uma produção não criadora; não é, com efeito, uma matéria, mas também não é um instrumento e menos ainda uma causa. Por isso diz S. Tomás que, na criação a partir do nada, o _do expressa unicamente ordem de sucessão e não causa material. Além disso, só assim se pode admitir a ideia de criação contínua, que foi afirmada pela maior parte dos filósofos cristãos, desde S. Tomás a Descartes e Leibniz.. Segundo este último, a criatura depende continuamente da criação divina de modo que não continuaria a existir se Deus não continuasse a operar (TEODICEIA). S. Tomás defendia já que a conversão das coisas por Deus não se efectua mediante nenhuma nova acção, mas pela continuação da acção que dá o ser (SUMA TEOL GICA). E Descartes proclamava (MEDITAÇÕES METAS) a momentaneidade essencial de cada instante do tempo e do mundo, defendidos sempre pela incessante operação divina. Se voltarmos ao problema da compreensão intelectual da criação paralelamente à clássica oposição entre o "do nada não surge nada" e o "do nada surge todo o ente enquanto ente", encontramos várias opiniões, que vamos compendiar nas seguintes posições: 1: a daqueles que, ao verificarem a impossibilidade de um tratamento conceptual da questão a:, a relegaram para um artigo de fé (cisão do saber e da criação); b: a negaram formalmente como incompatível com o saber racional ou empírico (eliminação da criação pelo saber); ou c: a consideraram como uma questão METAFÍSICA que a razão não pode solucionar, mas que nunca deixará de aguçar o espírito humano e que talvez possa resolver-se pelo primado de acção da razão prática. 2: A daqueles que tentaram atacar o problema de um modo radical. Esta última posição juntou-se frequentemente à daqueles que conceberam a questão como algo que transcende da razão pura e pode ser viável por outras vias. Em rigor, toda a filosofia ocidental, muito particularmente a partir do cristianismo, poderia conceber-se como uma tentativa para saltar o obstáculo levantado por Parménides. Ora, esse obstáculo só se pode saltar quando se ampliar de alguma maneira o marco do princípio de identidade para dar lugar a toda uma diferente série de princípios, desde os que procuram, partindo do próprio princípio de identidade, uma compreensão do real, até aos que pretendem ir "às próprias coisas". A ampliação do marco da lógica da identidade numa lógica do devir, numa lógica da vida, etc., é o resultado de um esforço que alcança em Hegel, uma altura decisiva. Possivelmente o processo filosófico, de Santo Agostinho a Hegel, é uma mesma caminhada para um pensamento cristão, isto é, para um pensamento daquilo que adveio com o cristianismo: a passagem da fórmula que mais se aproxima da identidade -- do nada não surge nada -- para aquela que mais se afasta dela -- do nada surge o ser -- criado; o mundo surgiu por um acto de pura e radical criação. Considerando agora de novo a noção de criação tal como foi tratada por filósofos e teólogos, e referindo-nos especialmente à questão da relação entre uma criação divina e uma criação humana, entre criação e produção, pensamos que estas duas noções mantém uma relação que poderia chamar-se dialéctica. Logo que tentamos compreender uma, caímos facilmente na outra. De certo modo, a criação humana só pode compreender-se quando há nela algo daquilo que pode considerar-se como criação divina, isto é, quando passa de uma proposição a outras proposições até chegar a uma proposição que considera a conclusão do processo; 4. É a derivação do concreto a partir do abstracto; 5. É a operação inversa da indução; 6. É um raciocínio equivalente ao silogismo e, portanto, uma operação estritamente distinta da indutiva; 7. É uma operação discursiva na qual se procede necessariamente de umas proposições para outras. Cada uma das definições anteriores enferma de vários inconvenientes, mas, ao mesmo tempo, aponta para uma ou mais características esclarecedoras da dedução. Uma definição hoje muito comum e que se aplica a todas as formas de dedução é a que defende que, no processo dedutivo, se derivam certos enunciados de outros enunciados de um modo puramente formal, isto é, apenas em virtude da forma (lógica) dos mesmos. O enunciado ou enunciados do qual ou dos quais se parte para efectuar a derivação são a premissa ou premissas; o enunciado último derivado dessas premissas é a conclusão. A derivação, até chegar à conclusão, efectua-se por meio das regras de inferências, às quais se dá também o nome de regras da dedução. O método dedutivo usa-se em todas as ciências -- matemática, física, biologia, ciências sociais --, mas é particularmente apropriado nas ciências mais formalizadas tais como a lógica, a matemática a física teórica. Por meio desse método, é possível levar a cabo nessas ciências provas formais nas quais se estabelece que as conclusões a que se chega são formalmente válidas. DEDUÇÃO TRANSCENDENTAL -- Na "analítica transcendental" da CRÍTICA DA RAZÃO PURA, Kant usa u termo "dedução" na expressão "dedução transcendental" no antigo sentido jurídico de "justificação" de direito ou prova legal, ao contrário da questão de facto. Há muitos conceitos empíricos que se usam sem justificação. Mas certos conceitos devem justificar-se _legalmente, isto é, ser objecto, em termos kantianos, de "dedução transcendental", são os conceitos puros do entendimento ou categorias. Esses conceitos não podem ser simplesmente deduzidos de modo casual e empírico. Corresponde à sua natureza o serem deduzidos _a _priori, pois de outra maneira não teriam validade objectiva, isto é, não poderiam ser usados de tal forma que dessem origem a enunciados empíricos (enquanto enunciados que descrevem objectivamente o mundo como mundo fenomenológico). Trata-se de saber como as ideias subjectivas do pensamento podem possuir validade objectiva, isto é, como podem proporcionar as condições da possibilidade de todo o conhecimento de objectos". Em rigor, trata-se de saber como podem constituir-se os objectos como objectos de conhecimento para fundamentar o conhecimento objectivo da realidade e, portanto, estabelecer as condições da validade da ciência. Kant põe em relevo que as diversas representações que constituem o conhecimento (ou o material do conhecimento) devem estar de certo modo unidas, uma vez que, de outra maneira, não poderia falar-se propriamente de conhecimento. Essa união pode estudar-se do ponto de vista da actividade do sujeito cognoscente. A premissa fundamental é a a consciência da diversidade no tempo, a qual produz, por um lado, a consciência de um eu unificado (não um eu metafísico ou um eu empírico, mas um eu transcendental) e, por outro lado, a consciência de um algo que constitui o objecto enquanto objecto de conhecimento. Esta modificação opera-se mediante uma síntese da diversidade. A possibilidade desta está arreigada numa condição fundamental originária: a chamada "apercepção transcendental" ou _pura. Esta apercepção não tem carácter subjectivo, mas carácter objectivo enquanto representa a condição para qualquer possível objectividade. A dedução transcendental tem precisamente como objecto mostrar as condições _a _priori da experiência possível em geral como condições da possibilidade dos objectos da experiência (enquanto objectos cognoscentes). não é uma imposição de algo subjectivo à realidade. Não é uma derivação lógica de um princípio. Não é uma indução efectuada a partir dos dados da experiência (os quais, precisamente, se trata de tornar inteligíveis como tais dados). É antes um modo de mostrar como se constitui o objecto como objecto de conhecimento, enquanto este objecto em geral se encontra ligado aos objectos reais empíricos. Kant usa também a ideia de uma dedução transcendental na CRÍTICA DA RAZÃO PR TICA. Nesta, trata-se de mostrar como é válida a lei moral, isto é, trata-se de justificar a lei moral. DEFINIÇÃO -- De um ponto de vista geral, a definição equivale à delimitação, isto é à indicação dos fins ou limites _conceptuais de um ente relativamente aos demais. Por isso se concebeu muitas vezes a definição como uma negação; delimitamos um ente relativamente aos outros, porque negamos os outros até ficarmos mentalmente com o ente definido. Supõe-se que ao levar a cabo, de um modo consequente, esta delimitação alcançamos a natureza essencial da coisa definida. Por isso, definir não é o mesmo que discernir. A acção de discernir a aprovação empírica da verdade ou falsidade do objecto considerado, e a de definir supõe delimitação intelectual da sua essência. Isto não significa, naturalmente, que a definição seja sempre uma operação mental independente da comprovação empírica. Acontece muitas vezes que só depois de muitas comprovações empíricas acerca de um objecto dado possamos passar a defini-lo. Sócrates e Platão proporcionaram uma das interpretações mais influentes: aquela segundo a qual a definição _universal de qualquer ente é possível por meio da divisão de todos os entes do universo de acordo com certas articulações simultaneamente lógicas e ontológica..Definir um ente consiste, fundamentalmente, em tomar a classe da qual é membro e em pôr essa classe no "lugar ontológico" correspondente. Esse "lugar ontológico" foi determinado por dois elementos de carácter lógico: o género próximo e a diferença específica. Daí a fórmula tradicional: "a definição realiza-se por género próximo e diferença específica". Deste modo se formula a célebre definição: animal racional, que define o homem. Com efeito, Animal é o género próximo , a classe mais próxima na qual está incluída a classe homem. E racional é a diferença específica por meio da qual separamos conceptualmente a classe dos homens da classe de todos os outros animais. Por outro lado, é necessário que em qualquer definição se esgotem as características do ente definido que se consideram essenciais. Da mencionada necessidade surgiram as regras que se aplicaram com frequência (sobretudo a partir dos escolásticos) com vistas à definição .Eis algumas delas: a definição deve ser mais clara que a coisa definida; o definido tem que ficar excluído da definição; a definição não deve conter nem mais nem menos que aquilo que é susceptível de ser definido. Aristóteles examinou a definição como uma das quatro classes de predicáveis, o predicável que tem a característica de ser essencial e convertível. E, além exposiçÃo dos elementos da lógica simbólica. Embora Russell tenha dividido as expressÕes em indefinidas (como "um tal") e definidas ("como o tal"), referir-nos-emos unicamente às segundas. Notamos somente que, como afirmou Russell, há algo comum na definiçÃo de uma descriçÃo indefinida (ou ambígua) e de uma descriçÃo definida: que a definiçÃo que se procura é uma definiçÃo de proposiçÕes nas quais aparece a expressÃo "o tal" ou a expressÃo "um tal", nÃo uma definiçÃo da própria expressÃo isolada. Esta advertência é necessária, sobretudo no caso das expressÕes definidas; com efeito, toda a gente estará de acordo em que uma expressÃo tal como "um cÃo nÃo é nenhum objecto definido que possa definir-se por si mesmo, em contrapartida, há pensadores para os quais uma expressÃo como "o cÃo" pode definir-se isoladamente. Isto é, na opiniÃo de Russell, um erro grave, devido ao facto de se esquecer a diferença entre um nome e uma descriçÃo definida. Pelo que atrás se apontou, já se pode compreender que as descriçÕes (que entenderemos desde agora como definidas ou nÃo ambíguas) sÃo expressÕes que se iniciam com o artigo _o (ou _a). Assim, por exemplo, "o rei da Suécia ", "o autor do Dom Quixote"sÃo descriçÕes. Cada uma dessas expressÕes pretende designar uma entidade. Assim, "o rei da Suécia" pretende designar o rei da Suécia. "o autor do Dom Quixote" pretende designar o autor do Dom Quixote, etc. Se considerarmos agora enunciados onde aparecem descriçÕes como as anteriores, verificamos que uns enunciados sÃo verdadeiros e outros falsos. A teoria das descriçÕes tem de estabelecer certas condiçÕes que permitam ver se um enunciado onde aparece uma descriçÃo é verdadeiro ou falso. Estas condiçÕes sÃo: a( deve haver, pelo menos, um tal; b( deve haver, em suma, um tal; c( o tal em questÃo deve ser tal e qual. A introduçÃo de descriçÕes é importante porque elimina os nomes próprios e aclara a noçÃo de existência. Uma descriçÃo definida e um nome próprio nÃo sÃo a mesma coisa; a descriçÃo nÃo é um simples símbolo, enquanto o nome o é. Por este motivo, uma expressÃo como "Cervantes é o autor do Dom Quixote" nÃo é a mesma coisa que uma expressÃo como "Cervantes é Cervantes". Mas enquanto podemos perguntar por exemplo, se Cervantes existiu, nÃo podemos perguntar se "Cervantes é um nome. Ao eliminar o nome próprio e ao substituí-lo pela descriçÃo, nÃo é possível formular questÕes acerca da existência. Daí que Russell conclua que "só pode ser afirmada significativamente a existência de descriçÕes." DESEJO -- durante séculos, utilizaram-se as expressÕes _apetite e desejo para designar afecçÕes ou movimentos da alma, entendida esta num sentido muito geral. Como o primeiro desses já caiu em desuso, preferimos referir-nos aos dois neste artigo. Para Aristóteles, o desejo é uma das classes do apetite. O desejo nÃo é necessariamente irracional; pode ser e é muitas vezes, um acto deliberado (ÉTICA A NICóMACO), que tem como objecto algo que está em nosso poder de deliberaçÃo. Em rigor, aquilo a que se chama _eleiçÃo ou _preferência é é um "desejo deliberado". Com estas análises, Aristóteles parecia rejeitar o contraste estabelecido por PlatÃo entre desejo e razÃo (REP BLICA), mas deve ter-se em conta que a concepçÃo platónica de desejo é mais complexa do que parece se considerarmos unicamente o texto citado; com efeito, PlatÃo admitia nÃo só a distinçÃo entre desejos necessários e desejos desnecessários. Mas considerava ainda a possibilidade de um desejo que pertenceria exclusivamente à natureza da alma (FILEBO). Era normal, no mundo antigo, a referência ao desejo como uma paixÃo da alma, embora nÃo se deva dar sempre ao termo _paixÃo um sentido pejorativo. Quando se acentuava o carácter racional da alma, contudo, qualquer das suas _paixÕes podia aparecer como um obstáculo para a razÃo. Assim acontecia com os velhos estóicos; por exemplo, ZenÃo de Citio falava do desejo como uma das quatro _paixÕes juntamente com o temor, a dor e o prazer. Na sua discussÃo da noçÃo de _concupiscência, S. Tomás (SUMA TEOL GICA)nega que a concupiscência, ou desejo estejam unicamente no apetite sensitivo. Isto nÃo quer dizer que se estenda sem limites por todas as formas do apetite. O desejo pode ser sensível ou racional, e aspira a um bem que nÃo se possui. Mas nÃo deve confundir-se o desejo com o amor ou a deleitaçÃo. Em S. Tomás, a bondade ou maldade do desejo dependem do objecto considerado. Os autores modernos trataram do desejo fundamentalmente como uma das chamadas "paixÕes da alma". O principal interesse que move esses autores é _psicológico (num sentido muito amplo do termo). Assim acontece com Descartes, quando escreve que "a paixÃo do desejo é uma agitaçÃo da alma causada pelos espíritos que a dispÕem a querer para o porvir coisas que se representam como convenientes para ela" (AS PAIXÕES DA ALMA). Também em Locke: "a ansiedade que um homem encontra em si por causa da ausência de algo cujo gozo presente leva consigo a ideia de deleite é aquilo a que chamamos desejo, o qual é maior ou menor, consoante essa ansiedade seja mais ou menos veemente" (ENSAIO). Semelhante ansiedade nÃo é, em si mesma, má; em rigor, pode ser o incentivo para a destreza humana. Espinosa nÃo estabelece nenhuma distinçÃo entre apetite e desejo: "o desejo é o apetite acompanhado da consciência de si mesmo" (ÉTICA). Hegel, por seu lado, afirma que "a consciência de si mesmo é o estado de desejo em geral" (FENOMENOLOGIA DO ESP RITO). A condiçÃo do _desejo e do _trabalho (ou esforço) aparece no processo em que a consciência volta a si mesma no decurso das suas transformaçÕes como consciência feliz. Para Sartre, o desejo nÃo é pura subjectividade, tÃo-pouco é pura apetência, análoga à do conhecimento. A intencionalidade do desejo nÃo se esgota num "para algo". O desejo é algo que "eu faço a mim próprio" ao mesmo tempo que estou fazendo ao outro desejado, como desejado. Por isso Sartre diz que o desejo -- que exemplifica no desejo sexual -- tem um ideal impossível, porque aspira a possuir a transcendência do outro "como pura transcendência e, contudo, com corpo", isto é, porque aspira a "reduzir o outro à sua simples factuidade, já que se encontra entÃo no meio do meu mundo" e, ao mesmo tempo, quer que "esta felicidade seja uma perpétua apresentaçÃo da sua transcendência aniquiladora" (O SER E O NADA) DETERMINISMO -- costuma definir-se o determinismo como a doutrina segundo a qual todos e cada um dos acontecimentos do universo estÃo submetidos às leis naturais. Estas leis sÃo de carácter causal. Com efeito, se fossem de carácter teleológico nÃo teríamos o determinismo, mas uma doutrina diferente -- doutrinas tais como as do destino e da predestinaçÃo, que foram aplicadas às almas e nÃo aos acontecimentos naturais. Bergson afirmou que um determinismo estrito e um teleologismo estrito têm as mesmas consequências: ambos afirmam que há um encadeamento rigoroso de todos os fenómenos e, portanto, nem numa doutrina nem na outra pode afirmar-se a existência da criaçÃo e da liberdade. Embora a observaçÃo de Bergson seja em parte verdadeira, note-se que o termo _determinismo se usa mais propriamente em relaçÃo com causas eficientes do que em relaçÃo com causas finais. Além disso, as doutrinas deterministas modernas, às quais nos referiremos aqui principalmente, estÃo ligadas a uma concepçÃo mecanicista do universo, a tal ponto que, por vezes, se identificaram determinismo e mecanicismo. Característico do determinismo moderno é aquilo a que pode chamar-se o seu _universalismo; uma doutrina determinista costuma referir-se a todos os
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