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Max Weber - Textos Selecionados (Os Economistas), Notas de estudo de Economia

Max Weber - Textos Selecionados (Os Economistas)

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 12/10/2010

ricardo-costa-72
ricardo-costa-72 🇧🇷

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Baixe Max Weber - Textos Selecionados (Os Economistas) e outras Notas de estudo em PDF para Economia, somente na Docsity! OS ECONOMISTAS APRESENTAÇÃO Maurício Tragtenberg Pondo-se de lado alguns trabalhos precursores, como os de Ma- quiavel (1469-1527) e Montesquieu (1689-1755), o estudo científico dos fatos humanos somente começou a se constituir em meados do século XIX. Nessa época, assistia-se ao triunfo dos métodos das ciências na- turais, concretizadas nas radicais transformações da vida material do homem, operadas pela Revolução Industrial. Diante dessa comprovação inequívoca da fecundidade do caminho metodológico apontado por Ga- lileu (1564-1642) e outros, alguns pensadores que procuravam conhecer cientificamente os fatos humanos passaram a abordá-los segundo as coordenadas das ciências naturais. Outros, ao contrário, afirmando a peculiaridade do fato humano e a conseqüente necessidade de uma metodologia própria. Essa metodologia deveria levar em consideração o fato de que o conhecimento dos fenômenos naturais é um conheci- mento de algo externo ao próprio homem, enquanto nas ciências sociais o que se procura conhecer é a própria experiência humana. De acordo com a distinção entre experiência externa e experiência interna, po- der-se-ia distinguir uma série de contrastes metodológicos entre os dois grupos de ciências. As ciências exatas partiriam da observação sensível e seriam experimentais, procurando obter dados mensuráveis e regularidades estatísticas que conduzissem à formulação de leis de caráter matemático. As ciências humanas, ao contrário, dizendo respeito à própria experiência humana, seriam introspectivas, utilizando a intuição direta dos fatos, e procurariam atingir não generalidades de caráter mate- mático, mas descrições qualitativas de tipos e formas fundamentais da vida do espírito. Os positivistas (como eram chamados os teóricos da identidade fundamental entre as ciências exatas e as ciências humanas) tinham suas origens sobretudo na tradição empirista inglesa que remonta a Francis Bacon (1561-1626) e encontrou expressão em David Hume 5 (1711-1776), nos utilitaristas do século XIX e outros. Nessa linha me- todológica de abordagem dos fatos humanos se colocariam Augusto Comte (1798-1857) e Émile Durkheim (1858-1917), este considerado por muitos o fundador da sociologia como disciplina científica. Os an- tipositivistas, adeptos da distinção entre ciências humanas e ciências naturais, foram sobretudo os alemães, vinculados ao idealismo dos fi- lósofos da época do Romantismo, principalmente Hegel (1770-1831) e Schleiermacher (1768-1834). Os principais representantes dessa orien- tação foram os neokantianos Wilhelm Dilthey (1833-1911), Wilhelm Windelband (1848-1915) e Heinrich Rickert (1863-1936). Dilthey esta- beleceu uma distinção que fez fortuna: entre explicação (erklären) e compreensão (verstehen). O modo explicativo seria característico das ciências naturais, que procuram o relacionamento causal entre os fe- nômenos. A compreensão seria o modo típico de proceder das ciências humanas, que não estudam fatos que possam ser explicados propria- mente, mas visam aos processos permanentemente vivos da experiência humana e procuram extrair deles seu sentido (Sinn). Os sentidos (ou significados) são dados, segundo Dilthey, na própria experiência do investigador, e poderiam ser empaticamente apreendidos na experiên- cia dos outros. Dilthey (como Windelband e Rickert), contudo, foi sobretudo fi- lósofo e historiador e não, propriamente, cientista social, no sentido que a expressão ganharia no século XX. Outros levaram o método da compreensão ao estudo de fatos humanos particulares, constituindo diversas disciplinas compreensivas. Na sociologia, a tarefa ficaria re- servada a Max Weber. Uma educação humanista apurada Max Weber nasceu e teve sua formação intelectual no período em que as primeiras disputas sobre a metodologia das ciências sociais começavam a surgir na Europa, sobretudo em seu país, a Alemanha. Filho de uma família da alta classe média, Weber encontrou em sua casa uma atmosfera intelectualmente estimulante. Seu pai era um conhecido advogado e desde cedo orientou-o no sentido das humani- dades. Weber recebeu excelente educação secundária em línguas, his- tória e literatura clássica. Em 1882, começou os estudos superiores em Heidelberg, continuando-os em Göttingen e Berlim, em cujas uni- versidades dedicou-se simultaneamente à economia, à história, à filo- sofia e ao direito. Concluído o curso, trabalhou na Universidade de Berlim, na qualidade de livre-docente, ao mesmo tempo que servia como assessor do governo. Em 1893, casou-se e, no ano seguinte, tor- nou-se professor de economia na Universidade de Freiburg, da qual se transferiu para a de Heidelberg, em 1896. Dois anos depois, sofreu sérias perturbações nervosas, que o levaram a deixar os trabalhos do- centes, só voltando à atividade em 1903, na qualidade de co-editor do OS ECONOMISTAS 6 Arquivo de Ciências Sociais (Archiv für Sozialwissenschaft), publicação extremamente importante no desenvolvimento dos estudos sociológicos na Alemanha. A partir dessa época, Weber somente deu aulas parti- culares, salvo em algumas ocasiões, em que proferiu conferências nas universidades de Viena e Munique, nos anos que precederam sua morte, em 1920. Compreensão e explicação Dentro das coordenadas metodológicas que se opunham à assi- milação das ciências sociais aos quadros teóricos das ciências naturais, Weber concebe o objeto da sociologia como, fundamentalmente, “a cap- tação da relação de sentido” da ação humana. Em outras palavras, conhecer um fenômeno social seria extrair o conteúdo simbólico da ação ou ações que o configuram. Por ação, Weber entende “aquela cujo sentido pensado pelo sujeito ou sujeitos é referido ao comportamento dos outros, orientando-se por ele o seu comportamento”. Tal colocação do problema de como se abordar o fato significa que não é possível propriamente explicá-lo como resultado de um relacionamento de cau- sas e efeitos (procedimento das ciências naturais), mas compreendê-lo como fato carregado de sentido, isto é, como algo que aponta para outros fatos e somente em função dos quais poderia ser conhecido em toda a sua amplitude. O método compreensivo, defendido por Weber, consiste em en- tender o sentido que as ações de um indivíduo contêm e não apenas o aspecto exterior dessas mesmas ações. Se, por exemplo, uma pessoa dá a outra um pedaço de papel, esse fato, em si mesmo, é irrelevante para o cientista social. Somente quando se sabe que a primeira pessoa deu o papel para a outra como forma de saldar uma dívida (o pedaço de papel é um cheque) é que se está diante de um fato propriamente humano, ou seja, de uma ação carregada de sentido. O fato em questão não se esgota em si mesmo e aponta para todo um complexo de sig- nificações sociais, na medida em que as duas pessoas envolvidas atri- buem ao pedaço de papel a função de servir como meio de troca ou pagamento; além disso, essa função é reconhecida por uma comunidade maior de pessoas. Segundo Weber, a captação desses sentidos contidos nas ações humanas não poderia ser realizada por meio, exclusivamente, dos pro- cedimentos metodológicos das ciências naturais, embora a rigorosa ob- servação dos fatos (como nas ciências naturais) seja essencial para o cientista social. Contudo, Weber não pretende cavar um abismo entre os dois grupos de ciências. Segundo ele, a consideração de que os fe- nômenos obedecem a uma regularidade causal envolve referência a um mesmo esquema lógico de prova, tanto nas ciências naturais quanto nas humanas. Entretanto, se a lógica da explicação causal é idêntica, o mesmo não se poderia dizer dos tipos de leis gerais a serem formulados WEBER 7 seria possível encontrar fenômenos sociais que poderiam ser incluídos neles, quanto se poderia também deparar com fatos limítrofes entre um e outro tipo. Entretanto, observa Weber, essa fluidez só pode ser claramente percebida quando os próprios conceitos tipológicos não são fluidos e estabelecem fronteiras rígidas entre um e outro. Um conceito bem definido estabelece nitidamente propriedades cuja presença nos fenômenos sociais permite diferenciar um fenômeno de outro; estes, contudo, raramente podem ser classificados de forma rígida. O sistema de tipos ideais Na primeira parte de Economia e Sociedade, Max Weber expõe seu sistema de tipos ideais, entre os quais os de lei, democracia, ca- pitalismo, feudalismo, sociedade, burocracia, patrimonialismo, sulta- nismo. Todos esses tipos ideais são apresentados pelo autor como con- ceitos definidos conforme critérios pessoais, isto é, trata-se de concei- tuações do que ele entende pelo termo empregado, de forma a que o leitor perceba claramente do que ele está falando. O importante nessa tipologia reside no meticuloso cuidado com que Weber articula suas definições e na maneira sistemática com que esses conceitos são relacio- nados uns aos outros. A partir dos conceitos mais gerais do comportamento social e das relações sociais, Weber formula novos conceitos mais especí- ficos, pormenorizando cada vez mais as características concretas. Sua abordagem em termos de tipos ideais coloca-se em oposição, por um lado, à explicação estrutural dos fenômenos, e, por outro, à perspectiva que vê os fenômenos como entidades qualitativamente di- ferentes. Para Weber, as singularidades históricas resultam de com- binações específicas de fatores gerais que, se isolados, são quantificá- veis, de tal modo que os mesmos elementos podem ser vistos numa série de outras combinações singulares. Tudo aquilo que se afirma de uma ação concreta, seus graus de adequação de sentido, sua explicação compreensiva e causal, seriam hipóteses suscetíveis de verificação. Para Weber, a interpretação causal correta de uma ação concreta significa que “o desenvolvimento externo e o motivo da ação foram conhecidos de modo certo e, ao mesmo tempo, compreendidos com sentido em sua relação”. Por outro lado, a interpretação causal correta de uma ação típica significa que o acontecimento considerado típico se oferece com adequação de sentido e pode ser comprovado como causalmente ade- quado, pelo menos em algum grau. O capitalismo é protestante? As soluções encontradas por Weber para os intrincados problemas metodológicos que ocuparam a atenção dos cientistas sociais do começo do século XX permitiram-lhe lançar novas luzes sobre vários problemas sociais e históricos, e fazer contribuições extremamente importantes OS ECONOMISTAS 10 para as ciências sociais. Particularmente relevantes nesse sentido foram seus estudos sobre a sociologia da religião, mais exatamente suas inter- pretações sobre as relações entre as idéias e atitudes religiosas, por um lado, e as atividades e organização econômica correspondentes, por outro. Esses estudos de Weber, embora incompletos, foram publicados nos três volumes de sua Sociologia da Religião. A linha mestra dessa obra é constituída pelo exame dos aspectos mais importantes da ordem social e econômica do mundo ocidental, nas várias etapas de seu de- senvolvimento histórico. Esse problema já se tinha colocado para outros pensadores anteriores a Weber, dentre os quais Karl Marx (1818-1883), cuja obra, além de seu caráter teórico, constituía elemento fundamental para a luta econômica e política dos partidos operários, por ele mesmo criados. Por essas razões, a pergunta que os sociólogos alemães se faziam era se o materialismo histórico formulado por Marx era ou não o verdadeiro, ao transformar o fator econômico no elemento determi- nante de todas as estruturas sociais e culturais, inclusive a religião. Inúmeros trabalhos foram escritos para resolver o problema, substi- tuindo-se o fator econômico como dominante por outros fatores, tais como raça, clima, topografia, idéias filosóficas, poder político. Alguns autores, como Whilhelm Dilthey, Ernst Troeltsch (1865-1923) e Werner Sombart (1863-1941), já se tinham orientado no sentido de ressaltar a influência das idéias e das convicções éticas como fatores determi- nantes, e chegaram à conclusão de que o moderno capitalismo não poderia ter surgido sem uma mudança espiritual básica, como aquela que ocorreu nos fins da Idade Média. Contudo, somente com os tra- balhos de Weber foi possível elaborar uma verdadeira teoria geral capaz de confrontar-se com a de Marx. A primeira idéia que ocorreu a Weber na elaboração dessa teoria foi a de que, para conhecer corretamente a causa ou causas do surgi- mento do capitalismo, era necessário fazer um estudo comparativo entre as várias sociedades do mundo ocidental (único lugar em que o capi- talismo, como um tipo ideal, tinha surgido) e as outras civilizações, principalmente as do Oriente, onde nada de semelhante ao capitalismo ocidental tinha aparecido. Depois de exaustivas análises nesse sentido, Weber foi conduzido à tese de que a explicação para o fato deveria ser encontrada na íntima vinculação do capitalismo com o protestantismo: “Qualquer observação da estatística ocupacional de um país de com- posição religiosa mista traz à luz, com notável freqüência, um fenômeno que já tem provocado repetidas discussões na imprensa e literatura católicas e em congressos católicos na Alemanha: o fato de os líderes do mundo dos negócios e proprietários do capital, assim como os níveis mais altos de mão-de-obra qualificada, principalmente o pessoal técnico e comercialmente especializado das modernas empresas, serem pre- ponderantemente protestantes”. A partir dessa afirmação, Weber coloca uma série de hipóteses WEBER 11 referentes a fatores que poderiam explicar o fato. Analisando detida- mente esses fatores, Weber elimina-os, um a um, mediante exemplos históricos, e chega à conclusão final de que os protestantes, tanto como classe dirigente, quanto como classe dirigida, seja como maioria, seja como minoria, sempre teriam demonstrado tendência específica para o racionalismo econômico. A razão desse fato deveria, portanto, ser buscada no caráter intrínseco e permanente de suas crenças religiosas e não apenas em suas temporárias situações externas na história e na política. Uma vez indicado o papel que as crenças religiosas teriam exer- cido na gênese do espírito capitalista, Weber propõe-se a investigar quais os elementos dessas crenças que atuaram no sentido indicado e procura definir o que entende por “espírito do capitalismo”. Este é entendido por Weber como constituído fundamentalmente por uma ética peculiar, que pode ser exemplificada muito nitidamente por trechos de discursos de Benjamin Franklin (1706-1790), um dos líderes da independência dos Estados Unidos. Benjamin Franklin, representante típico da mentalidade dos colonos americanos e do espírito pequeno- burguês, afirma em seus discursos que “ganhar dinheiro dentro da ordem econômica moderna é, enquanto isso for feito legalmente, o re- sultado e a expressão da virtude e da eficiência de uma vocação”. Se- gundo a interpretação dada por Weber a esse texto, Benjamin Franklin expressa um utilitarismo, mas um utilitarismo com forte conteúdo ético, na medida em que o aumento de capital é considerado um fim em si mesmo e, sobretudo, um dever do indivíduo. O aspecto mais interes- sante desse utilitarismo residiria no fato de que a ética de obtenção de mais e mais dinheiro é combinada com o estrito afastamento de todo gozo espontâneo da vida. A questão seguinte colocada por Weber diz respeito aos fatores que teriam levado a transformar-se em vocação uma atividade que, anteriormente ao advento do capitalismo, era, na melhor das hipóteses, apenas tolerada. O conceito de vocação como valorização do cumpri- mento do dever dentro das profissões seculares Weber encontra ex- presso nos escritos de Martinho Lutero (1483-1546), a partir do qual esse conceito se tornou o dogma central de todos os ramos do protes- tantismo. Em Lutero, contudo, o conceito de vocação teria permanecido em sua forma tradicional, isto é, algo aceito como ordem divina à qual cada indivíduo deveria adaptar-se. Nesse caso, o resultado ético, se- gundo Weber, é inteiramente negativo, levando à submissão. O lute- ranismo, portanto, não poderia ter sido a razão explicativa do espírito do capitalismo. Weber volta-se então para outras formas de protestantismo di- versas do luteranismo, em especial para o calvinismo e outras seitas, cujo elemento básico era o profundo isolamento espiritual do indivíduo em relação a seu Deus, o que, na prática, significava a racionalização OS ECONOMISTAS 12 da autoridade e a competência privada do indivíduo, fora de sua au- toridade. Seu status é total, na medida em que seus vários papéis estão muito mais integrados do que no caso de um ofício no Estado racional-legal. Em relação ao tipo de autoridade tradicional, Weber apresenta uma subclassificação em termos do desenvolvimento e do papel do corpo administrativo: gerontocracia e patriarcalismo. Ambos são tipos em que nem um indivíduo, nem um grupo, segundo o caso, ocupam posição de autoridade independentemente do controle de um corpo administrativo, cujo status e cujas funções são tradicionalmente fixados. No tipo patrimonialista de autoridade, as prerrogativas pes- soais do “chefe” são muito mais extensas e parte considerável da es- trutura da autoridade tende a se emancipar do controle da tradição. A dominação carismática é um tipo de apelo que se opõe às bases de legitimidade da ordem estabelecida e institucionalizada. O líder carismático, em certo sentido, é sempre revolucionário, na medida em que se coloca em oposição consciente a algum aspecto estabelecido da sociedade em que atua. Para que se estabeleça uma autoridade desse tipo, é necessário que o apelo do líder seja considerado legítimo por seus seguidores, os quais estabelecem com ele uma lealdade de tipo pessoal. Fenômeno excepcional, a dominação carismática não pode es- tabilizar-se sem sofrer profundas mudanças estruturais, tornando-se, de acordo com os padrões de sucessão que adotar e com a evolução do corpo administrativo ou racional-legal ou tradicional, em algumas de suas configurações básicas. WEBER 15 CRONOLOGIA 1864 — Max Weber nasce em Erfurt, Turíngia, em 21 de abril. 1869 — Muda-se para Berlim com a família. 1882 — Conclui seus estudos pré-universitários e matricula-se na Fa- culdade de Direito de Heidelberg. 1883 — Transfere-se para Estrasburgo, onde presta um ano de serviço militar. 1884 — Reinicia os estudos universitários. 1888 — Conclui seus estudos e começa a trabalhar nos tribunais de Berlim. 1889 — Escreve sua tese de doutoramento sobre a história das com- panhias de comércio durante a Idade Média. 1891 — Escreve uma tese, História das Instituições Agrárias. 1893 — Casa-se com Marianne Schnitger. 1894 — Exerce a cátedra de economia na Universidade de Freiburg. 1896 — Aceita uma cátedra em Heidelberg. 1898 — Consegue uma licença remunerada na universidade, por motivo de saúde. 1899 — É internado numa casa de saúde para doentes mentais, onde permanece algumas semanas. 1903 — Participa, junto com Sombart, da direção de uma das mais destacadas publicações de ciências sociais da Alemanha. 1904 — Publica ensaios sobre os problemas econômicos das proprieda- des dos Junker, sobre a objetividade nas ciências sociais e a pri- meira parte de A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 1905 — Parte para os Estados Unidos, onde pronuncia conferências e recolhe material para a continuação de A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 1906 — Redige dois ensaios sobre a Rússia: A Situação da Democracia Burguesa na Rússia e A Transição da Rússia para o Constitu- cionalismo de Fachada. 1914 — Início da Primeira Guerra Mundial. Weber, no posto de capitão, é encarregado de organizar e administrar nove hospi- tais em Heidelberg. 17 PARLAMENTARISMO E GOVERNO NUMA ALEMANHA RECONSTRUÍDA* (UMA CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA POLÍTICA DO FUNCIONALISMO E DA POLÍTICA PARTIDÁRIA) Tradução de Maurício Tragtenberg Revisão de Cássio Gomes * Traduzido de: “Parlament und Regierung im neugeordneten Deutschland”, in Max Weber, Gesammelte politische Schriften, J. C. B. Mohr (Paul Siebeck), Tübingen, 1958, 2ª edição, preparada por Johannes Winckelmann, págs. 294-394. nossos soldados; esses atos vãos sem dúvida prejudicavam grandemente as possibilidades de uma discussão política objetiva. Parece-me que nossa tarefa primordial em casa consiste em tornar possível para os soldados que regressam a reconstrução da Alemanha que eles salvaram — com o voto em suas mãos e através de seus representantes eleitos. Assim precisamos eliminar os obstáculos levan- tados pelas condições atuais, a fim de que os soldados possam dar início à reconstrução logo após o término da guerra, em vez de ter de se envolver em controvérsias estéreis. Nenhum sofisma pode esconder o fato de que o sufrágio imparcial e o governo parlamentar são o único meio para esse objetivo. Insincera e sem-vergonha é a queixa de se estar considerando uma reforma — “sem que os soldados fossem con- sultados” — quando, de fato, só a reforma lhes daria a oportunidade de participarem decisivamente de assuntos políticos. Diz-se, além disso, que toda crítica à nossa forma de governo proporcionaria munição a nossos inimigos. Durante vinte anos esse argumento foi usado para nos fazer calar. Agora é muito tarde. Que podemos agora perder fora do país com essa crítica? Os inimigos podem se parabenizar se os antigos danos persistirem. Especialmente agora, que a grande guerra atingiu o estágio em que a diplomacia começa a entrar em ação novamente, é chegada a hora de fazer tudo para impedir a repetição dos velhos erros. Por enquanto as perspectivas são infeliz- mente muito limitadas. Mas os inimigos sabem, ou virão a saber, que a democracia alemã não pode concluir uma paz desfavorável se pretende ter algum futuro. O indivíduo cujas crenças supremas colocam toda forma de go- verno autoritário acima de todos os interesses políticos da nação pode defender essas suas idéias. Não é possível discutir com ele. Contudo, não nos venha com conversa vã sobre o contraste entre as concepções de Estado da “Europa Ocidental” e “da Alemanha”. Estamos lidando aqui com simples questões de técnicas (constitucionais) para a formu- lação de políticas nacionais. Para um Estado de massas existe apenas um número limitado de alternativas. Para um político racional a forma de governo adequada, em qualquer época, é uma questão objetiva que depende das tarefas políticas da nação. É meramente uma falta de fé nas potencialidades da Alemanha quando afirmam que a germanicidade estaria sendo posta em risco se compartilhássemos técnicas e institui- ções úteis de governo com outros povos. Mais ainda, o parlamentarismo nunca foi estranho à história alemã, e nenhum dos sistemas contras- tantes, característico da Alemanha somente. Circunstâncias plenamen- te obrigatórias e objetivas farão com que um Estado alemão com governo parlamentarista seja diferente de qualquer outro. Não seria uma po- lítica equilibrada, mas sim ao estilo dos literatos se essa questão fosse transformada num objeto de vaidade nacional. Não sabemos hoje se uma reconstrução parlamentar positiva ocorrerá na Alemanha. Tal re- WEBER 25 construção poderá ser frustrada pela direita ou ser impedida pela es- querda. Essa última hipótese também é possível. Os interesses vitais da nação colocam-se, é claro, acima da democracia e do parlamenta- rismo. Mas se o parlamento fracassasse e o velho sistema voltasse, isso teria sem dúvida conseqüências de longo alcance. Mesmo então poder-se-ia dar graças ao destino por sermos alemães. Mas ter-se-ia que abandonar para sempre quaisquer grandes esperanças pelo futuro da Alemanha, independente do tipo de paz que teríamos. O autor, que votou pelo partido conservador há quase três décadas e mais tarde votou pelo partido democrático, e foi então convidado a escrever para o Kreuzzeitung e escreve agora para jornais liberais, não é político ativo e nem pretende sê-lo. A título de precaução, deve-se aduzir que ele não tem ligações de natureza alguma com nenhum importante político alemão. Tem boas razões para crer que nenhum partido, nem mesmo a esquerda, se identificará com o que ele tem a dizer. Isso se aplica particularmente ao que lhe é mais importante pessoalmente (seç. IV, abaixo), e esse é um assunto sobre o qual os partidos não têm opiniões divergentes. O autor optou por suas opiniões políticas porque os acontecimentos das últimas décadas há muito o convenceram de que toda política alemã, independente de seus obje- tivos, está condenada ao fracasso, em vista da estrutura constitucional e da natureza de nossa máquina política, e de que essa situação per- durará se as condições não mudarem. Mais ainda, ele considera muito improvável que sempre existirão líderes militares, ao preço de enormes sacrifícios de vidas. Mudanças técnicas na forma de governo por si mesmas não fazem uma nação vigorosa, ou feliz, ou valiosa. Elas podem somente eliminar obstáculos técnicos e são, assim, meramente um meio para determinado fim. É lamentável talvez que tais assuntos burgueses e prosaicos, que aqui discutiremos com deliberada autolimitação e com exclusão de todas as grandes questões culturais essenciais que se nos defrontem, possam ser de fato importantes. Mas assim são as coisas. Tem sido provado pelos acontecimentos importantes e tri- viais: pela evolução política das décadas recentes, mas também muito recentemente pelo malogro total da liderança política na pessoa de um burocrata excepcionalmente capaz e decente (Georg Michaelis) — foi uma espécie de teste para a análise apresentada pouco antes do acontecimento nos artigos aqui republicados.1 OS ECONOMISTAS 26 1 As seções I a III tinham sido originalmente publicadas no Frankfurter Zeitung de 27 de maio, 5 e 6 de junho e 24 de junho de 1917, sob o título “Parlamentarismo Alemão no Passado e no Futuro”. Conforme a bibliografia em Max Weber — Werk und Person organizada por Edward Baumgarten (Tübingen: Mohr, 1964), 711: também a introdução de Winckel- mann a GPS, 2ª ed., XXXV. Sobre a queda do Chanceler Bethmann-Hollweg a 14 de julho de 1917 e o breve mandato do Chanceler Michaelis (até 30 de outubro de 1917), ver notas 27 e 29, abaixo. Quem quer que não esteja convencido por esses acontecimentos não se satisfará com nenhuma prova. Em questões de técnica de Estado, o político conta com as gerações vindouras. Mas este presente trabalho, ocasional, pretende simplesmente contribuir para o debate de questões contemporâneas. A longa demora até chegar a esta publicação, aliás sugerida por amigos que pensam como o autor, deve-se a outras pre- ocupações, e também, desde novembro, às costumeiras dificuldades téc- nicas do impressor. WEBER 27 mar-se como se partilhassem de seu espírito. Sabemos que Bismarck tinha o maior dos desprezos por esse grupo muito influente, ainda que não fosse contrário a tirar proveitos políticos desses cortesãos, como o fez com o Sr. Busch e sua laia. !1 À margem de um memorando que hoje chamaríamos de Pangermânico (alldeutsch), ele certa vez anotou: “Bom- bástico no conteúdo e pueril na forma”. Referiam-se essas observa- ções a um manuscrito que ele havia solicitado como amostra de um homem que diferia dos representantes de hoje deste tipo por ter servido à nação corajosamente, não apenas declamando palavras. O que Bismarck pensava de seus pares conservadores ele anotava em suas memórias. Bismarck tinha razões de sobra para ter seus pares em tão baixa estima. Pois que foi que lhe aconteceu quando foi forçado a afastar-se do poder em 1890? Honestamente, não podia esperar simpatia do Par- tido do Centro, ao qual tinha tentado ligar o assassino Kullmann; !2 dos sociais-democratas, a quem ele tinha perseguido com o parágrafo de banimento (local) da legislação anti-socialista; dos progressistas (Frei- sinnige), a quem ele estigmatizara como “inimigos do Reich”. Mas os outros, que tinham aplaudido esses atos estrondosamente, que fizeram? Lacaios conservadores ocupavam as cadeiras dos ministros prussianos e eram membros dos ministérios federais. Que fizeram? Aguardaram os acontecimentos. “Simplesmente um novo superior” — foi esse o fim da questão. Políticos conservadores sentavam-se nas cadeiras presi- denciais dos parlamentos do Império e da Prússia. Que palavras de simpatia ofereceram ao criador do Reich demissionário? Não pronun- ciaram uma palavra. Qual dos grandes partidos de seus seguidores exigiu alguma ex- plicação das razões de sua exoneração? Nem sequer se moveram, sim- plesmente voltaram-se para o novo sol. Esse acontecimento não tem paralelo nos anais de nenhum outro povo orgulhoso. Mas o desprezo que esse acontecimento merece só pode ser realçado por aquele entu- OS ECONOMISTAS 30 1 Moritz Busch (1821-1899) foi o principal agente de publicidade e panegirista oficial de Bismarck. Suas memórias, Bismarck: Algumas Páginas Secretas de Sua História (Londres: Macmillan, 1898), foram primeiramente publicadas na Inglaterra, devido a restrições legais vigentes na Alemanha. 2 Após as medidas iniciais do esforço de Bismarck para controlar a Igreja Católica (o chamado Kulturkampf, 1872-1887, solidamente apoiado pelos partidos liberais), ocorreu um atentado contra sua vida perpetrado por certo Kullmann, tanoeiro desempregado, católico, em Bad Kissingen, em julho de 1874. Como ocorreu novamente em 1878, quando os social-democratas foram responsabilizados pelos atentados de Hodel e de Nobiling contra a vida do velho imperador, Bismarck imediatamente tentou tirar vantagem política deste incidente em seu conflito com o Partido do Centro. “Podeis repudiar este assassino quanto o quiserdes”, exclamou ele (estando bem vivo) durante o debate do orçamento seguinte, “mas ele se agarra firmemente à aba de vossos casacos; sois vós quem ele considera seu partido.” Ver Karl Bachen, Vorgeschichte und Politik der deutschen Zentrumspartei, III (Köln: Bachen, 1927); 219s. siasmo por Bismarck, do qual os mesmos partidos mais tarde fizeram um arrendamento hereditário. Há meio século, os conservadores prus- sianos não têm conseguido mostrar nenhum “caráter” em seu compro- metimento com grandes objetivos políticos ou com quaisquer outros ideais, como os possuíam, à sua maneira, homens como Stahl e Gerlach e os membros do velho movimento cristão-social. !1 Somente quando seus interesses financeiros, o monopólio dos be- nefícios de seu cargo, seu patronato de cargos públicos ou — e o que é a mesma coisa — seus privilégios eleitorais estavam em jogo, só então é que sua máquina de votação governamental entrava em fun- cionamento, mesmo contra o rei. Então todo o triste mecanismo de palavrório “cristão”, “monár- quico” e “nacional” era posto em movimento — o mesmo tipo de frases feitas que aqueles cavalheiros agora condenam como jargão profissional nos políticos anglo-saxões. Quando, vários anos após a exoneração de Bismarck, os interesses materiais desses políticos foram afetados, es- pecialmente por questões tarifárias, só então lembraram-se de Bis- marck como o seu homem, e só desde aquela época têm eles represen- tado com muita seriedade serem os guardiões da tradição do chanceler. Há boas razões para supor que Bismarck não tinha senão menosprezo por tais movimentos. Isso é provado por afirmações confidenciais. Quem pode culpá-lo por isso? Mas a vergonha sobre a caricatura da maturi- dade política proporcionada pela nação em 1890 não deve turvar nosso reconhecimento do fato de que, mediante esse comportamento indeco- roso de seus partidários, Bismarck tragicamente colheu o que semeou; pois ele tinha desejado — e deliberadamente consumou — a impotência política do parlamento e dos líderes partidários. Nenhum estadista que assumiu o poder sem responsabilidade parlamentar já teve um aliado parlamentar tão cooperativo com tantos talentos políticos como o teve Bismarck (nos liberais-nacionais) entre 1867 e 1878. É perfei- tamente possível discordar das opiniões políticas dos líderes liberais- nacionais daquela época. É claro que não se pode compará-los a Bis- marck no que se refere a habilidade diplomática e energia intelectual; ao lado de Bismarck emergem, no máximo, políticos do tipo médio, mas isso é verdadeiro também com relação a todos os outros políticos alemães e muitos estrangeiros. Um gênio aparece no máximo uma vez em vários séculos. Mas poderíamos agradecer ao destino se nosso go- WEBER 31 1 Friederich Julius Stahl (1802-1861) e Ludwig von Gerlack (1795-1877), ambos conselheiros do romântico rei prussiano Frederico Guilherme IV, eram líderes do conservadorismo agrário protestante na Prússia da metade do século. Stahl, um dos mais eficientes porta-vozes do Direito Divino dos Reis após a revolução de 1848, foi de grande influência na formulação em diretrizes conservadoras da Constituição prussiana de 1850. Gerlack, co-fundador do Kreuzzeitung, opôs-se a Bismarck até o fim, chegando mesmo a ser membro dos delegados do Partido do Centro do Reichstag depois de 1870. Sobre o mais antigo movimento cris- tão-social em geral, ver W. O. Shanahan, German Protestants Face the Social Question: The Conservative Phase, 1815-1871 (Notre Dame: University of Notre-Dame Press, 1954). verno estivesse agora, e se estiver no futuro, nas mãos de políticos de tal gabarito. É, na realidade, uma das mais deslavadas distorções da verdade os escritores políticos fazerem a nação acreditar que, até o momento, o parlamento alemão não conseguiu produzir grandes talen- tos políticos. É ultrajante que a atual onda de críticos medíocres negue a categoria de representantes do “Geist alemão” a líderes parlamentares tais como Bennigsen, Stauffenberg e Völk, ou a democratas como o patriota prussiano Waldeck;1 afinal de contas, o “espírito alemão” esteve no mínimo tão vigoroso na igreja de São Paulo (em Frankfurt, em 1848) como tem estado na burocracia, e, sem dúvida, mais do que nos tinteiros desses cavalheiros. Esses homens do período inicial do Reichstag tinham uma grande vantagem: conheciam suas próprias limitações e reconheciam seus erros passados e a tremenda superioridade intelectual de Bismarck. Em ne- nhum outro lugar, mesmo entre os que posteriormente se tornaram separatistas (liberais da ala esquerda), tinha Bismarck admiradores pessoais mais ardentes do que nesses círculos. Um fato em particular é prova de sua envergadura pessoal. Eram totalmente destituídos de ressentimentos contra a superioridade de Bismarck. Quem os tenha conhecido absolverá todas as maiores figuras dentre eles dessa acusa- ção. A todos os indivíduos bem informados da época, a suspeita de Bismarck de que esses homens pudessem pensar em derrubá-lo devia parecer tocar as raias da paranóia. Várias vezes ouvi de seus líderes2 que estes considerariam o cesarismo — governo exercido por um gênio — a melhor organização política para a Alemanha, se sempre surgisse um novo Bismarck. Esta era sua convicção sincera. É claro que tinham duelado vigorosamente com ele no passado. Por essa mesma razão conheciam também as limitações do chanceler e não estavam dispostos a fazer nenhum sacrifício intelectual degradante. É verdade que se OS ECONOMISTAS 32 1 Rudolf von Bennigsen (1824-1902), Joseph Völk (1819-1882) e Franz August Freikerr Schenk von Stauffenberg (1834-1901) eram líderes do Partido Nacional Liberal. Bennigsen chefiou o partido de 1866 a 1898; recusou uma cadeira no governo de 1877 e afastou-se do reichstag durante 1883-1887, pois sentia não mais poder cooperar com Bismarck. O direitista Völk deixou o partido na primeira discussão sobre legislação tarifária em 1878; Stauffenberg, do sul da Alemanha, foi um dos líderes do Sezession esquerdista de 1881. Benedikt Franz Leo Waldeck (1802-1870) era o líder da esquerda democrática na Assembléia Nacional Prussiana de 1848 e novamente na Dieta prussiana durante o conflito constitucional de 1861-1869. 2 O pai de Weber desempenhou papel significativo no Partido Nacional Liberal de Berlim da era bismarckina. Foi magistrado municipal delegado na Dieta prussiana e delegado no Reichstag. Bennigsen, Miquel e outros líderes do partido eram hóspedes freqüentes em sua casa, e “já se permitiam aos filhos mais crescidos... ouvir as discussões políticas e absorver aquilo que pudessem compreender”. (Marianne Weber, Max Weber: Ein Lebensbild, Tübingen, Mohr, 1926, 42.) Ainda que Weber só tivesse catorze anos em 1878, os interesses do menino precoce penetravam profundamente em assuntos políticos (cf. as cartas do menino de catorze e quinze anos reeditadas na obra de Baumgarten, Max Weber, op. cit., 6-13); conseqüentemente, esta afirmação e as seguintes podem realmente ser baseadas em suas próprias memórias daquele período. numa tumultuosa campanha eleitoral sob o lema: “Exército do Kaiser ou exército do parlamento”. Era este um lema altamente enganador, pois o exército com uma dotação de um ano teria sido uma instituição mais parlamentar do que o seria com uma dotação de sete anos. Tanto mais porque, de resto, a dotação de sete anos permanecia em grande parte fictícia. Em 1887 o Reichstag foi dissolvido tão-somente por causa da questão do efetivo militar autorizado, na qual todos os partidos bürgerlichen (civis) concordavam. Deveria o efetivo ser determinado cada três ou cada quatro anos? A dotação para três anos foi declarada “uma agressão” aos privilégios da Coroa. Mas três anos mais tarde, em 1890, um novo projeto sobre efetivo militar foi apresentado ao par- lamento. Windthorst (líder do Partido do Centro) !1 não deixou de re- preender seus adversários por essa inconsistência. Fê-lo com desdém, mas com total justeza. Dessa maneira, as velhas e sepultadas contro- vérsias militares do conflito constitucional prussiano passaram para a área da política do Reich, e o papel do exército tornou-se sujeito à política dos partidos. Não se deve deixar de reconhecer que era esta precisamente a intenção de Bismarck: naquele lema demagógico, ele divisou um meio de fazer com que o imperador, que tinha atravessado o conflito constitucional, suspeitasse que o Reichstag e os partidos li- berais eram hostis ao exército. Ao mesmo tempo que antevia também uma forma de desacreditar os nacionais-liberais junto a seus eleitores, como traidores de direitos orçamentários parlamentares, desde que tinham aceito a dotação de sete anos (Septennat). Pode-se dizer exa- tamente o mesmo com referência à legislação anti-socialista. Os na- cionais-liberais estavam dispostos a fazer amplíssimas concessões a Bismarck, e mesmo os progressistas concordavam que se tomassem medidas no sentido de que se constituísse em delito comum o que eles denominavam de “incitação ao ódio de classes”. !2 Mas Bismarck desejava legislação de emergência. Durante o furor popular provocado pelo se- gundo atentado contra a vida do imperador (em 1878), Bismarck dis- solveu o Reichstag sem fazer nenhuma tentativa no sentido de ajustar suas diferenças com ele, simplesmente porque percebia uma oportuni- dade demagógica de destruir o único partido poderoso da época. Bismarck triunfou. E as conseqüências? Em vez de chegar a um acordo com o partido parlamentar que lhe era íntimo a despeito de toda a oposição, e que tinha cooperado com ele desde a fundação do Reich, Bismarck tornou-se permanentemente dependente do Partido WEBER 35 1 Ludwig Windthorst (1812-1891), antigo ministro hanoveriano da Justiça, era o líder do Partido Católico do Centro, e como tal era o maior adversário parlamentar de Bismarck, ainda que às vezes cooperasse durante toda a gestão deste. 2 Sobre Bismarck e a legislação anti-socialista, ver Guenther Roth, The Social Democrats in Imperial Germany (Totowa, N.Y.: The Bedminster Press, 1963) ch. III; Vernon L. Lidtke, The Owtlawed Party: Social Democracy in Germany, 1878-1890 (Princeton Uni- versity Press, 1966). (católico) do Centro, o qual não obstante o odiou até o dia de sua morte. Esse partido tinha uma sede de poder fora do parlamento, inex- pugnável ao ataque de Bismarck. Quando este mais tarde pronunciou seu famoso discurso sobre o término da primavera dos povos (Völker- frühling), Windthorst replicou sarcasticamente, mas outra vez com exa- tidão, que ele próprio tinha destruído o grande partido que o apoiara no passado. Quando os nacionais-liberais fizeram propostas específicas para salvaguardar o direito do Reichstag de elevar as receitas, Bismarck as rejeitara com a alegação de que conduziriam a “domínio parlamen- tar”, mas foi eventualmente forçado a conceder a mesma coisa ao Par- tido do Centro na pior forma possível — no parágrafo das gorjetas a chamada cláusula Franckenstein, à qual, na Prússia se aditou algo ainda pior, a lei de Huene. (Esta mais tarde foi eliminada novamente, mas com grandes dificuldades.)1 Mas, ainda, Bismarck teve que tolerar (como parte do preço por essas receitas) a grave derrota da autoridade do Estado na luta contra a Igreja Católica, o Kulturkampf, a qual ele tinha combatido com armas totalmente inadequadas e por cujo acon- tecimento negava responsabilidade, em vão e com pouca honestidade. Por outro lado, em suas leis anti-socialistas, ele oferecia a mais es- plêndida bandeira eleitoral aos sociais-democratas pela própria causa. Ser convertida em demagogia (e péssima demagogia, diga-se) foi tam- bém o destino da legislação da previdência social do Reich nas mãos de Bismarck, por mais valiosa que se possa considerar essa legislação em si mesma. Bismarck rejeitava a legislação trabalhista de proteção, a qual, afinal de contas, era indispensável à preservação da força da nação. Rejeitava-a acusando-a, em parte com argumentos incrivelmente superficiais, de interferir nos direitos do patrão. Pela mesma razão, Bismarck utilizou-se das disposições da legislação antisocialista para fazer a polícia destruir os sindicatos, os únicos possíveis portadores de uma representação objetiva de interesses da classe operária. Assim, compeliu os membros dos sindicatos ao mais extremo radicalismo de pura política partidária. Por outro lado, imitando certas práticas ame- ricanas, Bismarck acreditava poder criar uma atitude positiva para OS ECONOMISTAS 36 1 Quando Bismarck, em 1879, quis elevar as tarifas alfandegárias a fim de tornar o Reich menos dependente das contribuições financeiras dos Estados-membros, o Partido do Centro particularista (mas protecionista), de cujos votos ele precisava, insistiu que qualquer excesso acima de cento e trinta milhões de marcos nas novas rendas fosse transferido aos Estados; se o Reich quisesse qualquer parcela de tais somas, a questão seria novamente remitida ao parlamento, o qual votava as contribuições de inscrição anuais. Georg von Und zu Franckenstein (1825-1890), preeminente membro bávaro do partido, foi o autor desta cláu- sula. Na Prússia ela foi complementada pelo projeto Huene (1885-1893), obra do delegado do Centro e latifundiário silesiano Karl Huene Baron von Hoiningen (1837-1900); esse projeto exigia que o Estado prussiano passasse quase quinze milhões de marcos do legado Franckenstein aos condados e municipalidades, “a fim de eliminar um estímulo para gastos insalubres do orçamento do Estado Prussiano”. Cf. Ernst Rodolp Huber, Deutsche Verfas- sungsgeschichte seit 1789, III (Stuttgart: Kohl-hammer, 1963), 951; Bachen, Zentrumspartei, op. cit., III, 394 ff. com o Estado, uma gratidão política, através da concessão de benefícios sociais a partir de fundos públicos ou de fundos privados compulsórios. Grave erro político: toda política, que já tenha contado com gratidão política, fracassou. Também para a prática política das boas obras, vale o ditado: “Perderam seu salário”. Obtivemos benefícios para os enfermos, para os inválidos, para os veteranos e para os velhos. Al- mejávamos isso, sem dúvida. Mas não conseguimos as garantias ne- cessárias para preservar a saúde física e mental, e para propiciar, para a saúde física e psíquica, a defesa de seus interesses com sobrie- dade e dignidade; em outras palavras, precisamente a parte politica- mente relevante da população operária foi deixada de lado. Como no Kulturkampf, Bismarck aqui passou por cima de todas as considerações psicológicas importantes. Acima de tudo, na questão dos sindicatos, um detalhe passou despercebido, detalhe esse que mesmo hoje alguns políticos ainda não entendem. Um Estado que deseja basear o espírito das massas de seu povo na honra e na solidariedade não pode esquecer que, na vida diária e nas lutas econômicas dos operários, os sentimentos de honra e solidariedade são as únicas forças morais decisivas para a educação das massas, e que por essa razão deve-se deixar que esses sentimentos se desenvolvam livremente. Isso, sim, significa, sob o as- pecto puramente político, praticar “democracia social” numa época que inevitavelmente ainda permanecerá capitalista durante muito tempo. Estamos ainda hoje sofrendo as conseqüências dessa política. Bismarck havia criado em torno de si uma atmosfera política que, em 1890, deixava-lhe apenas a alternativa de rendição incondicional a Windt- horst ou de um coup d’état, se ele quisesse permanecer no poder. Assim, não foi acidental que a nação tivesse reagido com total indiferença à sua renúncia. Em vista da habitual glorificação não crítica, não diferençada, e principalmente degradante da política de Bismarck, parecia já não sem tempo, para variar, chamar a atenção para esse lado da questão. Pois a parte mais influente da literatura popular sobre Bismarck tem sido escrita para a mesa de Natal do filisteu (isto é, burguês de espírito vulgar e estreito), que prefere a forma totalmente apolítica de adoração de herói tornada tão comum entre nós. A literatura sobre Bismarck nesse estilo satisfaz a tal sentimentalismo e toma a liberdade de servir seu herói ocultando suas limitações e difamando seus adversários. Mas não se pode educar dessa maneira a nação no sentido de que ela de- senvolva hábitos de pensamento político independente. Não diminui a estatura gigante de Bismarck o ser justo para com seus adversários, salientar sem disfarces as conseqüências de sua misantropia e assinalar o fato de que, desde 1878, a nação está desa- costumada a participar, mediante seus representantes eleitos, da re- solução de seus assuntos políticos. Tal participação, afinal de contas, é a precondição para desenvolver o discernimento político. WEBER 37 seia-se na disciplina burocrática. O avanço do burocratismo na admi- nistração municipal difere pouco do desenvolvimento geral; esse avanço é tanto mais rápido quanto maior for a comunidade, ou quanto mais essa comunidade perca autonomia local em favor de associações técnicas e econômicas. Na Igreja, o mais importante resultado (do Concílio Va- ticano) de 1870 não foi o mui debatido dogma da infantibilidade, mas o episcopado universal (do papa) que criou a burocracia eclesiástica (Kaplanokratie) e transformou o bispo e o pároco, em contraste com a Idade Média, em meros funcionários do poder central, a Cúria romana. A mesma tendência burocrática predomina nas grandes empresas pri- vadas de nossa época, na razão direta de seu tamanho, isto é, quanto maior for a empresa, maior será a burocracia que a envolve. Funcio- nários assalariados segundo as estatísticas aumentam mais depressa que os operários. É simplesmente ridículo que os novos críticos acreditem que o trabalho feito nos escritórios seja diferente do trabalho realizado em uma repartição pública, ainda que a diferença imaginada seja mínima. Ambos são basicamente idênticos. Sociologicamente falando, o Estado moderno é uma “empresa” (Betrieb) idêntica a uma fábrica: esta, exa- tamente, é sua peculiaridade histórica. Aqui como lá, as relações de autoridade têm as mesmas raízes. A relativa independência do artesão, do dono da indústria caseira, do camponês senhorial, do comendatário, do cavaleiro e do vassalo baseava-se em sua propriedade das ferra- mentas, suprimentos, finanças e armas, com os quais exerciam suas funções econômicas, políticas e militares, e se mantinham. Em con- traste, a dependência hierárquica do trabalhador assalariado, do fun- cionário administrativo e técnico, do assistente no instituto acadêmico, assim como do servidor público e do soldado, deve-se ao fato de que, em seu caso, os meios indispensáveis para a consecução da empresa e para o ganho da subsistência estão nas mãos do empresário, ou mandatário político. A maioria dos soldados russos, por exemplo, não queria continuar a guerra (em 1917). Mas eles não tinham escolha, pois tanto os meios de destruição quanto os de manutenção eram con- trolados por indivíduos que usavam esses meios para compelir os sol- dados a irem para as trincheiras, da mesma maneira que o capitalista que possui os meios de produção força os operários a irem para as fábricas e minas. Esse fato econômico de extrema importância: a “se- paração” entre o trabalhador e o meio material de produção, de des- truição, de administração, de pesquisa acadêmica, e de finanças, em geral, é a base comum do Estado moderno, em suas esferas políticas, cultural, militar, e da economia privada capitalista. Em ambos os casos, a autoridade sobre esses meios acha-se nas mãos daquele poder a quem o aparelho burocrático (de juízes, funcionários, oficiais, supervisores, escrivães e sub-oficiais) obedece diretamente ou a quem está sempre disponível, em caso de necessidade. Esse aparelho é hoje em dia igual- OS ECONOMISTAS 40 mente típico de todas essas organizações; sua existência e sua função são inseparavelmente causa e efeito dessa concentração dos meios de produção — de fato, o aparelho é sua própria forma. A crescente “so- cialização” na esfera econômica, hoje, significa um inevitável aumento na burocratização. O “progresso” em direção ao Estado burocrático que julga e ad- ministra segundo o direito e preceitos racionalmente estabelecidos tem hoje em dia estreitas relações com o desenvolvimento capitalista mo- derno. A moderna empresa capitalista baseia-se fundamentalmente no cálculo e pressupõe um sistema administrativo e legal cujo funciona- mento pode ser racionalmente calculado, em princípio pelo menos, em virtude de suas normas gerais fixas, exatamente como o desempenho previsível de uma máquina. A moderna empresa capitalista não pode aceitar o que é popularmente denominado “justiça de cádi”: julgar, segundo o senso de eqüidade do juiz, determinada causa ou segundo outros meios e princípios irracionais de aplicação jurídica que existiram em toda parte no passado e ainda existem no Oriente. A empresa moderna também acha incompatíveis os governos teo- cráticos ou patrimoniais da Ásia e de nosso próprio passado, cujas administrações funcionavam de maneira patriarcal segundo seu próprio critério individual e, de resto, segundo a tradição inviolavelmente sa- grada, mas irracional. O fato de que a “justiça de cádi” e a correspon- dente administração são freqüentemente venais, precisamente em fun- ção de seu caráter irracional, permitiu o desenvolvimento, e amiúde a exuberante prosperidade, do capitalismo de negociantes e fornece- dores do governo, e de todos os tipos pré-racionais de capitalismo co- nhecidos durante quatro mil anos, especialmente o capitalismo do aven- tureiro e do buscador de pilhagem, que viviam da política, da guerra e da administração. Contudo, as características específicas do capita- lismo moderno, isto é, a organização do trabalho rigorosamente racional, implantada na tecnologia racional, em contraste com as formas antigas de aquisição capitalista, não se desenvolveram em nenhum desses Es- tados irracionalmente e nunca poderiam ter neles aparecido, porque essas organizações modernas, com seu capital fixo e cálculos precisos, são por demais vulneráveis a irracionalidades legais e administrativas. Somente poderiam ter se manifestado em circunstâncias tais como: 1) na Inglaterra, onde o desenvolvimento da jurisprudência estava pra- ticamente nas mãos dos advogados, que, a serviço de seus clientes capitalistas, inventaram formas apropriadas para a transação de ne- gócios, e de cujo meio eram recrutados os juízes, rigorosamente ligados a casos precedentes, isto é, a esquemas previsíveis; 2) onde o juiz, como no Estado burocrático com suas leis racionais, é mais ou menos um autômato cumpridor de parágrafos: os documentos legais, junta- mente com as custas e emolumentos, são colocados na entrada na esperança de que a decisão emerja na saída juntamente com argumen- WEBER 41 tos mais ou menos válidos, ou seja, trata-se de uma máquina, cujo funcionamento, de modo geral, é calculável ou prognosticado.1 2. As Realidades da Política Partidária e a Falácia do Estado Corporativo Dentro dos partidos políticos, a burocratização se desenvolve da mesma forma que na economia e na administração pública. A existência dos partidos não é reconhecida por nenhuma Cons- tituição, ou, pelo menos na Alemanha, por nenhuma lei, ainda que os partidos sejam hoje os mais importantes veículos políticos para aqueles que são governados pela burocracia — os cidadãos. Os partidos são essencialmente organizações voluntárias baseadas no recrutamento sempre renovado, não importando quantos meios se empreguem para prender sua clientela permanentemente. Isso os distingue de todas as organizações que possuem um quadro de associados definido e instituído por lei ou por contrato. Hoje, o objetivo dos partidos é sempre a obtenção de votos numa eleição para cargos políticos ou um colégio eleitoral. Um núcleo permanente de membros interessados é dirigido por um líder ou por um grupo de pessoas eminentes; esse núcleo difere gran- demente no grau de sua organização hierárquica, contudo é hoje em dia freqüentemente burocratizado; ele cuida das finanças do partido com o apoio de patrocinadores ricos, de interesses econômicos, de in- divíduos que buscam cargos públicos ou de associados contribuintes. Na maior parte dos casos, utilizam-se várias dessas fontes. Esse núcleo também define programas e táticas e seleciona os candidatos. Mesmo em partidos de massa com constituições muito democráticas, os votantes e a maioria dos membros comuns não participam (ou só o fazem for- malmente) da esquematização do programa e da seleção dos candidatos, pois por sua própria natureza tais partidos desenvolvem um funcio- nalismo assalariado. Os votantes exercem influência somente no que diz respeito a adaptação e seleção de programas e candidatos, de acordo com as possibilidades destes receberem apoio eleitoral. OS ECONOMISTAS 42 1 A idéia de que o Direito Romano fomentou o capitalismo é parte do anedotário dos críticos amadores: todo estudante deve saber que todos os princípios elementares legais caracte- rísticos do capitalismo moderno (desde a ação, o debênture, a hipoteca moderna, a letra de câmbio e todos os tipos de transação, até as formas capitalistas de associação na indústria, na mineração e no comércio) eram completamente desconhecidos no Direito Romano e são de origem medieval, e em parte germânicos. Além disso, o Direito Romano nunca conseguiu se firmar na Inglaterra, onde o capitalismo moderno se originou. A aceitação do Direito Romano na Alemanha tornou-se possível devido à ausência das grandes associações nacio- nais de advogados que na Inglaterra se opuseram a esta evolução, e devido à burocratização do direito e da administração. O capitalismo moderno, em seus inícios, não se originou nos burocráticos Estados-modelo, onde a burocracia era um produto do racionalismo do Estado. O capitalismo avançado, também, a princípio não se limitou a esses países; de fato, nem se localizou neles em primeiro lugar; apareceu onde os juízes eram recrutados das fileiras de advogados. Hoje, contudo, o capitalismo e a burocracia se encontraram e formaram íntima união. (Nota de rodapé de Weber.) partidária e querem dedicar-se à concretização de ideais políticos que lhe são inerentes. De forma relativamente pura, esse tipo era repre- sentado na Alemanha pelo Partido Católico do Centro da década de 1870 e pelos sociais-democratas antes de se burocratizarem. De maneira geral, os partidos combinam ambos os tipos. Têm objetivos explícitos que são determinados pela tradição, e por isso esses objetivos só podem ser modificados pouco a pouco. Além disso, querem controlar também a concessão de cargos. Em primeiro lugar, objetivam colocar seus líderes nos principais postos políticos. Se obtêm êxito na luta eleitoral, os líderes e funcionários podem proporcionar a seus adeptos cargos esta- tais seguros durante o período de preponderância do partido. Esta é a regra em Estados parlamentaristas; portanto, os partidos ideológicos também seguiram esse caminho. Em Estados não-parlamentaristas (como a Alemanha Imperial), os partidos não controlam a concessão dos cargos máximos, mas os partidos mais influentes podem geralmente pressionar a burocracia dominante no sentido de conceder cargos apo- líticos a seus protegidos, ao lado dos candidatos recomendados por ligações com funcionários efetivos; logo, esses partidos podem exercer concessão “subalterna”. Durante a racionalização de técnicas de campanha política nas décadas passadas, todos os partidos tomaram providências no sentido de se organizarem burocraticamente. Cada partido atingiu um estágio diferente nesse desenvolvimento, mas pelo menos nos Estados de gran- des massas a tendência geral é óbvia. A “panelinha” de Joseph Cham- berlain na Inglaterra, o aparecimento da “máquina”, como é significa- tivamente chamada nos Estados Unidos, e a crescente importância do funcionalismo partidário em toda parte, inclusive na Alemanha, são todos estágios desse processo. Na Alemanha ele progride mais rapida- mente no Partido Social-Democrático — o que é muito natural, pois é o partido mais democrático. Para o Partido do Centro funciona o apa- relho eclesiástico, a burocracia eclesiástica (Kaplanokratie), e para o Partido Conservador na Prússia, desde o ministério Puttkamer (1881- 88), o mecanismo governamental local e do condado do Landrat e do Amtsvorstehar, independendo de quão aberta ou dissimuladamente te- nha sido conduzido. O poder dos partidos repousa fundamentalmente na eficiência organizacional dessas burocracias. As hostilidades mútuas das máquinas eleitorais partidárias, muito mais do que as diferenças programáticas, são responsáveis pelas dificuldades da fusão de partidos. O fato de que os dois delegados do Reichstag, Eugen Richter e Heinrich Rickert, conservaram cada qual sua organização local do Partido Pro- gressista prenunciou a eventual cisão do partido.1 WEBER 45 1 Sobre o Sezession e sua fusão com o Partido Progressista, ver acima, parte II, cap. XIV, nº 9. Sobre a organização em geral dos partidos alemães durante o Império, ver Thomas Nipperdey, Die Organization der deutschen Parteien vor 1918 (Düsseldorf: Droste, 1961). 3. Burocratização e a Ingenuidade dos Críticos Naturalmente há muitas diferenças entre as várias espécies de burocracia: entre a administração militar e civil, entre Estado e partido, entre comunidade, igreja, banco, cartel, cooperativa de produtores, fá- brica e grupo de interesse (como associações de empregadores ou a Liga dos Agricultores). O grau de participação de dignitários não-re- munerados e de grupos de interesse também varia muito. Nem o chefe de partido nem os membros do conselho de uma sociedade anônima por ações são burocratas. Sob as várias formas do denominado “auto- governo”, dignitários ou representantes eleitos dos governados ou con- tribuintes podem, como grupo corporativo ou como órgãos individuais, se associar à burocracia de forma subordinada ou de domínio, e ter funções co-determinantes, supervisoras, consultivas, e, às vezes, exe- cutivas. A última dessas modalidades ocorre particularmente nas ad- ministrações municipais. Contudo, não nos interessam aqui essas ins- tituições, ainda que não sejam sem significado prático. (Assim, não discutimos aqui numerosas instituições das quais podemos nos orgulhar na Alemanha e algumas das quais são realmente exemplares. Mas é erro crasso dos críticos imaginarem que o governo de um grande país é basicamente idêntico ao autogoverno de qualquer cidade de tamanho médio. Política significa conflito). Em nossas circunstâncias, é decisivo que na administração de associações de massas os funcionários espe- cializados sempre componham o núcleo do mecanismo, pois sua disci- plina é a precondição absoluta do êxito. Isso é tanto mais verdadeiro quanto maior for a associação, quanto mais complicadas forem suas tarefas e, acima de tudo, quanto mais sua existência depender do poder — quer se trate de uma luta pelo poder no mercado, na arena eleitoral ou no campo de batalha. Isso é especialmente verídico com relação aos partidos políticos. Está condenado o sistema de administração parti- dária local por dignitários, sistema que ainda existe na França, cuja misère parlamentar deve-se à ausência de partidos burocratizados. Isso se dá também parcialmente na Alemanha. Na Idade Média, a admi- nistração exercida por dignitários locais dominava todas as formas de associações; ainda predomina em comunidades pequenas e de tamanho médio, mas hoje em dia “os cidadãos respeitáveis”, “preeminentes ho- mens de ciência”, ou qualquer que seja seu rótulo, são usados mera- mente como propaganda, não como executores das rotinas decisivas. Pela mesma razão, vários dignitários decorativos figuram nos conselhos das sociedades anônimas por ações; príncipes da Igreja são ostentados nos congressos do laicato católico; autênticos e pseudo-aristocratas com- parecem às reuniões da Liga dos Agricultores, e dignos historiadores, biólogos e especialistas do gênero, geralmente inexperientes em assun- tos políticos, são atraídos para a agitação dos paladinos pangermânicos, ansiosos de proveitos de guerra e privilégios eleitorais. O trabalho pro- OS ECONOMISTAS 46 priamente, em todas as organizações, é realizado cada vez mais por empregados assalariados e por funcionários de todos os tipos. O resto é aparência e ostentação. Assim como os italianos e, depois deles, os ingleses magistral- mente desenvolveram as modernas formas capitalistas de organização econômica, assim os bizantinos, depois os italianos, depois os Estados territoriais da época absolutista, a centralização revolucionária francesa e, finalmente, superando a todos eles, os alemães consumaram a or- ganização burocrática racional, funcional e especializada de todas as formas de dominação, da fábrica ao exército e à administração pública. Por enquanto, os alemães só foram superados no que se refere à técnica de organização partidária por algumas nações, especialmente pelos americanos. A atual guerra mundial significa o triunfo universal dessa forma de vida, que aliás já estava em andamento. Já antes da guerra, as universidades, escolas politécnicas e comerciais, escolas profissio- nais, academias militares e escolas especializadas de todas as espécies imagináveis (até de jornalismo) agitaram-se com exigências urgentes movidas pelos interesses de aliciamento de estudantes para as escolas e pela obsessão dos diplomados por sinecuras: o exame profissional deveria ser a precondição para todos os cargos bem remunerados e principalmente seguros nas burocracias pública e privada; o diploma deveria ser a base de todas as pretensões de prestígio social (de con- nubium e commercium social com os círculos que se consideram a si mesmos como “sociedade”); o “salário”, socialmente adequado e garan- tido, sucedido por uma aposentadoria deveria ser a forma de remune- ração; finalmente, os aumentos salariais e as promoções deveriam de- pender do tempo de serviço. Os efeitos podem ser observados dentro e fora das instituições governamentais, mas aqui só estamos interes- sados nas conseqüências para a vida política. É esse fato sóbrio de burocratização universal que se encontra por trás das chamadas “idéias alemãs de 1914", ou seja, por trás do que os críticos eufemisticamente denominam ”socialismo do futuro", por trás dos lemas de “sociedade organizada”, “economia cooperativa”, e todas as frases semelhantes da atualidade. Mesmo que busquem o oposto, sempre promovem o apa- recimento da burocracia. É verdade que a burocracia não é decidida- mente a única forma moderna de organização, assim como a fábrica também decididamente não é a única forma de empresa comercial, mas ambas marcam o caráter da época atual e do futuro previsível. O futuro pertence à burocratização, e é evidente que, nesse particular, os críticos obedecem a vocação de proporcionar sua salva de palmas às potências promissoras, da mesma maneira como o fizeram na época do laissez-faire, em ambas as vezes com a mesma ingenuidade. A burocracia distingue-se das outras influências históricas do mo- derno sistema racional de vida por ser muito mais persistente e porque dela não se pode fugir. A História nos mostra que onde quer que a WEBER 47 político e social poder-nos-ia trazer “individualismo” ou “democracia” em demasia ou outras coisas semelhantes, e quem não riria também de sua antevisão de que a “verdadeira liberdade” só se manifestará quando a atual “anarquia” da produção econômica e as “maquinações partidárias” de nossos parlamentos forem abolidas em favor de “ordem” social e “estratificação orgânica” — isto é, em favor do pacifismo da impotência social sob a tutela do único poder a que realmente não se pode escapar: a burocracia instalada no Estado e na economia. 4. As Limitações Políticas da Burocracia1 Devido ao fato básico do avanço irresistível da burocratização, a pergunta sobre as formas futuras de organização política só pode ser formulada do seguinte modo: 1. Como se poderá preservar qualquer resquício de liberdade “in- dividualista”, em qualquer sentido? Afinal de contas, é uma ilusão flagrante acreditar que, sem as conquistas da época dos Direitos do Homem, qualquer um de nós, até mesmo dos mais conservadores, po- derá viver hoje sua vida. Mas não nos deteremos aqui nesta pergunta, pois há outra: 2. Em vista da crescente indispensabilidade da burocracia estatal e de seu correspondente aumento de poder, como poderá haver qualquer garantia de que permanecerão em existência forças que possam conter e controlar eficazmente a tremenda influência desse segmento? Mesmo nesse sentido, como será a democracia de todo possível? Contudo, esta também não é a única pergunta que nos diz respeito aqui. 3. Uma terceira pergunta, e a mais importante de todas, levan- ta-se em face de considerações sobre as limitações inerentes à buro- cracia propriamente dita. Pode-se notar facilmente que a eficiência da burocracia tem limitações definidas em nível público e governamental, assim como na economia privada. “A mente dirigente” e “o espírito em movimento” — do empresário e do político respectivamente — diferem substancialmente da mentalidade do funcionário da administração pú- blica. É fato que o empresário trabalha num escritório, da mesma maneira que o comandante do exército, que formalmente não é diferente de outros oficiais. Se o presidente de uma grande empresa é um em- pregado assalariado de uma sociedade anônima por ações, é legalmente um funcionário como outros. Na vida pública o mesmo é verídico com relação ao chefe de um órgão político. O ministro em exercício é for- malmente um funcionário assalariado com direito a aposentadoria. O fato de que, segundo todas as Constituições, ele pode ser exonerado OS ECONOMISTAS 50 1 Veja também o comentário de Weber na convenção de “Verein für Sozialpolitik” em Viena, em 1909, no qual ele comparou a geração mais velha de membros que tinham levado a efeito a superioridade da burocracia em relação ao “manchesterismo”, reimpresso em Grazss, 412 ss. ou renunciar a qualquer momento torna sua posição diferente da de muitos, mas não da de todos os funcionários. Muito mais surpreendente é o fato de que ele e só ele não tem necessidade de provar possuir formação profissional. Isso indica que o significado de sua posição o distingue, afinal de contas, de outros funcionários, como distingue o empresário e o presidente da companhia na economia privada. Real- mente, é mais exato dizer-se que ele deve ser algo diferente. E assim é de fato. Se um homem numa posição de comando mostra ser um “funcionário” no espírito de seu desempenho, isto é, seja um homem que, não importa quão qualificado seja, tem o hábito de trabalhar di- ligente e honradamente obedecendo a regulamentos e instruções, então ele é tão ineficaz no leme de uma empresa privada como no de um governo. Infelizmente, nosso próprio governo demonstrou a validade desse argumento. A diferença está apenas em parte na espécie de de- sempenho esperado. Tomadas de decisão independentes e aptidão or- ganizacional imaginativa em pormenores são geralmente também exi- gidas do burocrata e muito freqüentemente esperadas mesmo em as- suntos de maior envergadura. Que o burocrata é absorvido pela rotina subalterna e que somente o “diretor” executa as tarefas interessantes e intelectualmente estimulantes é uma idéia preconcebida dos críticos e só é possível num país que não tem compreensão da maneira pela qual seus assuntos e o trabalho de seu funcionalismo são geridos. A diferença acha-se, antes, no tipo de responsabilidade, e é isso que real- mente determina os diferentes pré-requisitos para ambas as espécies de cargos. Um funcionário que recebe uma diretriz a qual ele considera errônea pode e deve objetar a ela. Se seu superior insistir na execução de tal diretriz, é dever do funcionário e até motivo de orgulho executá-la como se isso correspondesse à sua convicção mais íntima, demonstrando assim que sua consciência do dever coloca-se acima de suas preferências pessoais. Não importa se a ordem emana de uma “autoridade”, de uma “companhia” ou de uma “assembléia”. Esta é a ética profissional. Um líder político que agisse dessa maneira mereceria desprezo. Ele fre- qüentemente será forçado a fazer concessões, isto é, sacrificar o menos importante ao mais importante. Se ele não tiver êxito em exigir de seu patrão, seja este um monarca ou o povo: “Ou obtenho de vós a autorização que agora necessito, ou renuncio”, ele será um miserável pegajoso — como denominou Bismarck este tipo — e não líder. “Estar acima dos partidos” — de fato, permanecer fora da luta pelo poder — é o papel do funcionário, enquanto luta pelo poder pessoal e a resultante responsabilidade pessoal pela própria causa são os princípios essenciais do político assim como do empresário. Desde a renúncia do príncipe Bismarck, a Alemanha tem sido governada por “burocratas” (no melhor sentido da palavra) porque ele eliminou todo talento político. A Alemanha continuou a manter uma burocracia militar e civil superior a todas as outras no mundo em WEBER 51 termos de integridade, educação, escrupulosidade e inteligência. O de- sempenho alemão na guerra, tanto no exterior quanto dentro das fron- teiras, demonstrou o que estes meios podem atingir. Mas que dizer sobre a direção da política alemã (nacional e exterior) durante as dé- cadas recentes? O que de mais benévolo se dizia a esse respeito era que “as vitórias dos exércitos alemães compensavam as derrotas de tal política”. Faremos silêncio a respeito dos sacrifícios envolvidos e indagaremos, em vez disso, sobre as razões desses fracassos. No exterior imagina-se que a “autocracia” alemã seja o erro. Enquanto na Alemanha, graças às infantis fantasias históricas de nossos críticos, supõe-se freqüentemente o contrário: uma conspira- ção da “democracia” internacional provocou a artificial coligação mundial contra nós. Usa-se no exterior a hipócrita expressão “liber- tar os alemães da autocracia”. Na Alemanha, os interessados no sistema vigente até o momento (ainda chegaremos a conhecê-los) empregam o palavrório igualmente hipócrita da necessidade de pro- teger o “espírito alemão” da contaminação pela “democracia”, ou procuram outros bodes expiatórios. Tornou-se costumeiro, por exemplo, criticar a diplomacia alemã, o que é possivelmente injustificável. Provavelmente ela era, em média, tão boa quanto a de outros países. Há uma confusão aí. O que faltava era que o Estado fosse dirigido por um político — não por um gênio político, o que se espera ocorra uma vez a cada século, nem mesmo por um grande talento político, mas simplesmente por um político. 5. O Papel Limitado do Monarca Isso nos leva diretamente à discussão dos dois únicos poderes que podem ser forças controladoras e dirigentes no Estado constitu- cional moderno, ao lado do onipotente funcionalismo: o monarca e o parlamento. A posição das dinastias alemãs sairá incólume da guerra, a menos que haja muita imprudência e nada tenha sido aprendido dos erros do passado. Quem quer que tenha tido a oportunidade de conversar com os sociais-democratas alemães poderá tê-los levado a admitir quase sempre, depois de intensa discussão, que “em si mesma” a monarquia constitucional era a forma apropriada de governo para a Alemanha, em vista de sua singular situação internacional. As coisas assim se apresentavam muito antes de 4 de agosto de 1914, e não me refiro aqui a “revisionistas”, delegados parlamentares ou membros de sindi- catos, mas a funcionários comuns do partido, em parte muito radicais. Basta apenas atentar, um momento, para a Rússia a fim de compreen- der que a transição para a monarquia parlamentar, como o desejavam os políticos liberais, teria conservado a dinastia, teria destruído o do- mínio descarado da burocracia, e no final teria fortalecido o país tanto quanto ele agora se acha enfraquecido pela presente república de in- OS ECONOMISTAS 52 minuta população, as melhores partes de todos os continentes? Que vulgar é aquela expressão que tem tão forte sabor de ressentimento de súdito. Passemos agora ao parlamento. 6. Parlamentos Fracos e Fortes, Política Negativa e Positiva Os parlamentos modernos são primeiramente órgãos represen- tativos dos indivíduos governados por meios burocráticos. Afinal de contas, um mínimo de consentimento da parte dos governados, pelo menos das camadas socialmente importantes, é a condição prévia da durabilidade de toda dominação, inclusive da mais bem organizada. Os parlamentos são hoje o meio de manifestar esse consentimento mínimo. Para certos atos dos poderes públicos, por lei é obrigatório o consenso do parlamento, após prévia deliberação; nisso se inclui, es- pecialmente, o orçamento. O controle sobre a arrecadação da receita — o direito sobre o orçamento — é o instrumento de poder decisivo do parlamento, como sempre tem sido desde que os privilégios corpo- rativos das classes políticas começaram a existir. Entretanto, na medida em que um parlamento só possa apoiar as queixas dos cidadãos contra a administração apenas rejeitando dotações e projetos de lei e apre- sentando noções descabidas, esse parlamento se exclui de participação positiva na direção de assuntos políticos. Esse parlamento só poderá desenvolver uma “política negativa”, isto é, enfrentar os chefes admi- nistrativos como se o parlamento fosse um poder hostil; nessas condi- ções o parlamento receberá apenas o mínimo indispensável de infor- mações e será considerado um simples freio, um conglomerado de crí- ticos impotentes e sabichões. Por sua vez, a burocracia facilmente pa- recerá ao parlamento e aos eleitores deste como sendo uma casta de carreiristas e apaziguados que submetem o povo a suas atividades inoportunas e, em grande parte, supérfluas. As coisas são diferentes quando o parlamento impõe que os chefes da administração sejam tirados de seu meio (sistema parlamentar pro- priamente dito) ou, então, que, para se manterem em seus cargos, precisam do voto expresso e declarado de confiança da maioria, ou, ao menos, que não sejam objeto do voto de desconfiança (seleção parla- mentar dos líderes) e, por essa razão, devem prestar contas absolutas de seus atos à revisão do parlamento ou de suas comissões (responsa- bilidade parlamentar dos líderes) e deverão, ainda, conduzir a admi- nistração de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo parlamento (controle administrativo do parlamento). Então os líderes dos partidos dominantes têm uma participação positiva no governo, e o parlamento converte-se num fator de política positiva, ao lado do monarca que agora gorverna não mais em virtude de seus direitos formais da coroa — pelo menos não exclusivamente —, mas em virtude de sua influência pessoal, influência que permanece grande de qualquer maneira, mas WEBER 55 varia de acordo com seu grau de prudência e energia política. Isso é o que significa Volksstaat (Estado do povo), independente de o termo ser apropriado ou não; em contraposição, um parlamento de gover- nados que só recorre à política negativa em face de uma burocracia dominante representa uma versão do Obrigkeitsstaat (Estado de au- toridades). Aqui estamos interessados nas conseqüências concretas da posição do parlamento. Quer amando, quer odiando a política parlamentar — não pode- mos afastá-la. Quando muito, o parlamento pode ser reduzido à im- potência política, como fez Bismarck com o Reichstag. Além das con- seqüências gerais da “política negativa”, a fraqueza do parlamento tem outros resultados (que podem ser mais bem compreendidos se primei- ramente nos lembrarmos do papel de um parlamento forte). Todo con- flito no parlamento implica não somente numa luta por questões im- portantes mas também numa luta pelo poder pessoal. Onde quer que o parlamento seja tão forte que, via de regra, o monarca confie o governo ao porta-voz de uma maioria bem definida, a luta dos partidos pelo poder será uma disputa pelo mais alto posto executivo. A luta é então conduzida por homens que têm fortes instintos de poder político e qualidades altamente desenvolvidas de liderança política, e conseqüen- temente a possibilidade de assumir as posições mais elevadas; pois a sobrevivência do partido fora do parlamento, e incontáveis interesses de natureza ideológica e parcialmente bem material, estreitamente li- gados ao partido, exigem que líderes capazes cheguem a posições-chave. Somente sob semelhantes condições podem homens com temperamento e talento políticos ser motivados a se sujeitarem a essa espécie de seleção pela competição. As coisas são completamente diferentes se, sob o rótulo de “go- verno monárquico”, a indicação a posições-chave for conseqüência de autopromoção de burocratas ou devida a uma acidental amizade in- fluente (da corte), e se um parlamento impotente precisar se submeter a tal formação de governo. Também nesse caso as ambições pessoais, à parte de questões importantes, desempenham naturalmente um papel e direções de formas subalternas muito diferentes, e direções como as que têm sido seguidas na Alemanha desde 1890. Além de representar os interesses econômicos locais de leitores influentes, a concessão de cargos subalternos torna-se o principal interesse dos partidos. O choque entre o Chanceler Bülow e o Partido do Centro (em 1906) não foi motivado por diferenças políticas, mas essencialmente pela tentativa do chanceler de ab-rogar o direito de concessões de cargos do partido que ainda hoje caracterizam a composição do corpo de pessoal de alguns órgãos centrais do Reich. O Partido do Centro não é o único nesse particular. Os partidos conservadores mantêm seu monopólio de cargo na Prússia e procuram atemorizar o monarca com o espectro de “re- volução” sempre que esses benefícios se encontrem em perigo. Os par- OS ECONOMISTAS 56 tidos que se encontram em exclusão permanente esforçam-se por se compensarem cuidando das administrações municipais e dos fundos de seguro da saúde pública, e adotar no parlamento, como costumavam fazer os sociais-democratas, políticas hostis ao governo ou alienadas do Estado. Isso é muito natural, pois todo partido luta pelo poder, isto é, por uma participação na administração e, conseqüentemente, no preenchimento de cargos. No que diz respeito a este último fenômeno, nossas classes governantes não são superadas por nenhuma outra, mas não podem ser responsabilizadas por isso, pois a procura e a concessão de cargos ocorrem nos bastidores e implicam posições su- bordinadas que não são responsáveis pela composição do pessoal do funcionalismo público. Nossa burocracia, por sua vez, beneficia-se desse estado de coisas, dispondo de sua parte de forma pessoal e sem controle, que sejam pagas aos partidos dominantes as necessárias “gratificações” em forma de insignificantes benefícios. Isso é o resultado natural do fato de que o partido (ou a coalização partidária) que realmente se constitui em maioria pró ou contra o governo não é chamado oficial- mente para preencher o cargo político máximo. Por outro lado, esse sistema permite que burocratas qualificados, que todavia não possuem vestígios de talento político, conservem-se em importantes postos políticos até que alguma intriga os substitua em favor de personagens semelhantes. Assim nossa instituição parti- dária de distribuição de cargos é idêntica em grau à de outros países, mas a nossa se apresenta desonestamente disfarçada, e de uma maneira que sempre favorece certas perspectivas sectárias aceitáveis na corte. Contudo, essa parcialidade está longe de ser o pior aspecto do assunto. Seria politicamente tolerável se a instituição partidária de distribuição de cargos partidários propiciasse pelo menos uma oportunidade para recrutar, desses partidos da corte, líderes capazes de dirigir a nação. Con- tudo, não é o que acontece. Isso só seria possível num sistema parlamentar, ou pelo menos num sistema que torne os cargos-chave disponíveis à dis- tribuição parlamentar de cargos. Aqui encontramos um obstáculo pura- mente formal que a atual Constituição do Reich lhe opõe. 7. As Fraquezas Constitucionais do Reichstag e o Problema da Liderança O artigo 9 da Constituição do Reich (de 1871) declara que “nin- guém pode ser simultaneamente membro do Bundesrat e do Reichstag”. Conseqüentemente, enquanto em outros sistemas parlamentares con- sidera-se absolutamente necessário que os líderes do governo sejam membros do parlamento, isso é legalmente impossível na Alemanha. O chanceler imperial, um ministro representando seu Estado no Bun- desrat, ou um secretário imperial de Estado, podem ser membros de um parlamento de um Estado em particular — por exemplo, da Dieta prussiana — e podem ali influenciar ou mesmo liderar seu partido, WEBER 57 a sua grande capacidade de trabalho e a seu insuperável conhecimento sobre o orçamento. Ele foi certamente o último delegado a ser capaz de verificar o destino que o Ministério da Guerra dava a cada centavo gasto até na mais remota cantina. Apesar de aborrecidos, funcionários do Ministério da Guerra em diversas ocasiões expressaram a mim sua admiração com referência à capacidade de entendimento que Richter demonstrava ter desses assuntos. Presentemente, a eminente posição de Matthias Erzberger, do Partido do Centro, reside em sua atividade frenética, sem a qual a influência desse político, cujo talento político é bastante limitado, mal seria compreensível.1 Contudo, a atividade não qualifica um homem para a liderança no governo nem em um partido — duas coisas que de modo algum são tão diferentes quanto o supõem nossos românticos críticos. Que eu saiba, todos os partidos alemães tiveram no passado homens com ta- lento de liderança política: Von Bennigsen; Von Miquel, Von Stauffen- berg, Völk e outros, entre os nacionais-liberais; Von Mallinckrodt e Windhorst, do Partido do Centro; Von Bethusy-Huc, Von Minnigerode, Von Manteuffel, entre os conservadores; Von Saucken-Tarputschen, entre os progressistas; e Von Vollmar, entre os sociais-democratas. Todos eles faleceram ou se retiraram do parlamento, como Bennigsen na década de 1880, porque não podiam ingressar no governo como líderes partidários. Se delegados tornam-se de fato ministros, como Von Miquel e Möller, têm que abandonar seus compromissos políticos anteriores a fim de se ajustarem aos ministérios puramente burocrá- ticos. (Na ocasião, Möller disse encontrar-se na desagradável situação de ter tornado públicas suas opiniões particulares em seus antigos discursos quando ainda era deputado!) Contudo, restam muito líderes natos na Alemanha. Mas onde se encontram? A resposta agora é fácil. Para citar um exemplo, refiro-me a um homem cujas opiniões e atitudes políticas em relação a reformas sociais são radicalmente opostas às minhas. Por acaso acredita alguém que o atual diretor da Krupp, an- teriormente um funcionário público, elemento ativo na política relativa às fronteiras orientais, estava destinado a administrar a maior empresa industrial da Alemanha, em vez de dirigir um ministério-chave ou um poderoso partido parlamentar?2 Por que então preenche ele a primeira função e, presumivelmente, sob as atuais condições, recusaria a se- gunda? Para ganhar mais dinheiro? Suponho, em vez disso, uma razão OS ECONOMISTAS 60 1 Matthias Erzberger (1875-1921) foi o mais preeminente membro do Partido do Centro durante o período da guerra. Líder da ala esquerda democrática, desempenhou papel-chave no processo de parlamentarização e nos primeiros tempos do governo de pós-guerra; foi assassinado por fanáticos nacionalistas em 1921. Cf. Klaus Epstein, Matthias Erzberger and the Dilemma of German Democracy (Princeton: Princeton University Press, 1959). 2 Após 1918, Alfred Hugenberg realmente tornou-se ambas as coisas: de sua base propagan- dística no jornalismo e na indústria cinematográfica ele prosseguiu para chefiar o Deutsch- Nationale Partei direitista em 1928 e ingressou no primeiro gabinete de Hitler como ministro da Economia em 1933, na esperança completamente errônea de poder manipular Hitler. mais simples: ou seja, em vista da impotência do parlamento e do resultante caráter burocrático dos postos ministeriais, um homem pos- suidor de forte impulso para o poder e das qualidades que acompanham esse impulso teria que ser tolo para se aventurar nessa teia miserável de mútuo ressentimento e caminhar no terreno escorregadio das in- trigas políticas, enquanto seus talentos e energias podem ser canali- zados para atividades como a das indústrias gigantes, a dos cartéis, a dos bancos e a do comércio atacadista. Pessoas desse porte preferem financiar jornais pangermanistas e franqueá-los ao palavreado dos crí- ticos. Nosso assim dito governo monárquico nada mais é do que esse processo de seleção negativa, ou, em termos mais simples, desvia todos os grandes talentos para o serviço dos interesses capitalistas. Pois ape- nas no terreno do capitalismo privado existe hoje algo que se aproxima de uma seleção de homens com talentos de liderança. Por quê? Porque a Gemütlichkeit (comodidade, conforto) — neste caso, a retórica dos críticos — chega ao fim, logo que interesses econômicos envolvendo milhões e bilhões de marcos e dezenas e centenas de milhares de tra- balhadores são afetados.1 E por que não existe tal seleção no governo? Porque um dos piores legados de Bismarck foi o fato de que ele con- siderava necessário a seu regime cesarista buscar abrigo atrás da le- gitimidade do monarca. Seus sucessores, que não eram césares mas austeros burocratas, imitaram-no fielmente. A nação politicamente sem instrução aceitou a retórica de Bismarck em seu valor aparente, e os críticos forneceram o aplauso costumeiro. Isso é lógico, pois eles exa- minam os futuros funcionários e consideram-se funcionários e pais de funcionários. Seu ressentimento dirige-se contra todos que buscam e ganham o poder sem se legitimarem por um diploma. Desde que Bis- marck tinha desabituado a nação de se preocupar a respeito de assuntos públicos e especialmente de política exterior, ela se deu ao luxo de se deixar convencer a aceitar como sendo “governo monárquico” o que na realidade era o domínio irrestrito da burocracia. Sob tal sistema, qua- lidades de liderança política nunca apareceram e frutificaram em ne- nhum lugar do mundo. Nossa administração pública realmente possui homens com qualidades de liderança; certamente não seria nosso desejo negá-lo aqui. Contudo, as convenções e as peculiaridades internas da hierarquia burocrática impedem rigorosamente as oportunidades de carreira precisamente desses talentos, e a natureza total do funciona- lismo moderno é excessivamente desfavorável ao desenvolvimento da autonomia política (que precisa ser distinguida da liberdade interior do indivíduo). A essência da política — como teremos que salientar freqüentemente — é luta, aliciamento de adeptos e aliados voluntários; WEBER 61 1 Isso é uma referência a um provérbio muito usado: “Em assuntos monetários Gemütlichkeit encontra seus limites”; diz-se que foi formulado pela primeira vez pelo industrial e líder liberal David Nansemann na Dieta prussiana em 8 de junho de 1847. sob o sistema de carreira do Obrigkeitsstaat, é impossível o treinamento nessa difícil arte. É bem conhecido que a escola de Bismarck era a Dieta Federal de Frankfurt.1 No exército, o treinamento é dirigido com vistas ao combate, e isso pode produzir líderes militares. Entretanto, para o político moderno a escola de lutas apropriada é o parlamento e as disputas dos partidos perante o público geral; nem a concorrência pela promoção burocrática nem qualquer outra coisa se constituirá num substituto adequado. Evidentemente, isso só é verdadeiro com relação a um parlamento cujo líder pode assumir o governo. Por que razão homens com qualidades de liderança deveriam ser atraídos por um partido que na melhor das hipóteses pode alterar alguns itens do orçamento de acordo com os interesses dos eleitores e proporcionar alguns benefícios secundários ou protegidos dos figurões desse partido? Que oportunidades pode o partido oferecer a líderes em potencial? A tendência em relação à política simplesmente negativa de nosso parlamento reflete-se hoje nos menores detalhes da agenda e das convenções do Reichstag e dos partidos. Conheço muitos casos nos quais jovens talentos políticos foram simplesmente supressos pela velha guarda de dignitários locais e figurões partidários cobertos de méritos. Isso acontece em todas as associações e é muito natural num parlamento impotente restrito à política negativa, pois numa instituição dessa espécie predominam exclusivamente os instintos de associação. Um partido orientado no sentido de participar do poder e da respon- sabilidade governamentais jamais poderia se dar a esse luxo; todos os membros saberiam que a sobrevivência do partido e de todos os inte- resses que os prendem ao partido dependem da subordinação do partido a líderes capazes. Em nenhum lugar do mundo, nem mesmo na In- glaterra, pode o corpo parlamentar constituído de muitas cabeças como tal governar e determinar políticas. A grande massa de deputados funciona somente como um séquito do líder ou dos poucos líderes que formam o governo, e essa massa segue seus líderes cegamente enquanto eles tiverem êxito. É assim que deve ser. A ação política é sempre determinada pelo “princípio de números pequenos”, isto é, a manobra- bilidade política superior de pequenos grupos líderes. Em Estados de massas, esse elemento cesarista é inextirpável. Contudo, esse elemento sozinho garante que a responsabilidade para com o público, que se dissiparia dentro de uma assembléia cons- tituída de muitas cabeças a governar, está a cargo de pessoas clara- mente identificáveis. Isso é especialmente verídico de uma democracia propriamente dita. Funcionários eleitos diretamente pelo povo revela- ram-se em duas situações: primeiramente, nos cantões locais, onde os OS ECONOMISTAS 62 1 Bismarck foi ministro prussiano da mal organizada Dieta Federal em Frankfurt, na qual a Áustria ainda desempenhava papel dominante, de 1851 a 1859. Cf. Oskar Meyer, Bismarcks Kampft mit Österreich am Bundestag zu Frankfurt (1851-1859) (Berlin: Koebler, 1927). III O DIREITO A INQUÉRITO PARLAMENTAR E O RECRUTAMENTO DE LÍDERES POLÍTICOS Toda a estrutura do parlamento alemão se orienta para a política negativa: crítica e queixa, a deliberação, a modificação e a aprovação de projetos de lei. Todos os usos e costumes parlamentares ajustam-se a essa condição. Devido ao desinteresse público, infelizmente não temos, a par dos bons tratados jurídicos sobre a regulamentação do modus procedendi dos negócios, nenhuma análise política das verdadeiras ope- rações do Reichstag, como existem para parlamentos estrangeiros. En- tretanto, se se tentar discutir com um parlamentar qualquer forma desejável de organização interna do parlamento e da rotina de trabalho, imediatamente se é confrontado por numerosos usos e costumes que existem apenas para o conforto, as vaidades, as exigências e os pre- conceitos de fatigados dignitários parlamentares e impedem qualquer eficácia política do parlamento. Desse modo, até a simples tarefa de supervisão administrativa contínua sobre a burocracia é prejudicada. Será supérflua essa supervisão? Nosso funcionalismo tem sido brilhante onde quer que tenha tido de provar seu senso de dever, sua imparcialidade e domínio de pro- blemas de organização à vista de tarefas oficiais e claramente formu- ladas, de natureza especializada. Este escritor, que provém de uma família do funcionalismo público, seria o último a permitir que essa tradição fosse maculada. Mas o que aqui nos interessa são realizações políticas não-burocráticas, e os próprios fatos proclamam ao mundo o veredito que não pode ser negado por quem quer seja amante da ver- dade: que a burocracia fracassou completamente sempre que devia 65 lidar com problemas políticos. Isso não é acidental; antes seria espan- toso se capacidades intrinsecamente tão estranhas umas às outras emergissem dentro da mesma estrutura política. Como já assinalamos, não é do dever do funcionário público entrar na arena política comba- tendo por suas convicções próprias, e nesse sentido engajar-se na luta política. Ao contrário, seu orgulho está em conservar a imparcialidade política, e, conseqüentemente, em passar por cima de suas próprias inclinações e opiniões, a fim de aderir consciente e judiciosamente a um regulamento geral assim como a uma diretriz especial, mesmo e particularmente se estas não correspondem a suas próprias atitudes políticas. Mas os chefes da burocracia precisam continuamente solu- cionar problemas políticos — problemas de Machtpolitik assim como de Kulturpolitik. A primeira tarefa do parlamento é supervisionar esses chefes da burocracia. Entretanto, não apenas as tarefas designadas aos altos escalões da burocracia mas também cada detalhe técnico dos níveis administrativos inferiores podem tornar-se politicamente impor- tantes e sua solução pode depender de critérios políticos. Os políticos devem ser a força de equilíbrio contra a dominação burocrática. A isso, entretanto, resistem os interesses de poder dos setores dirigentes de uma mera burocracia, que querem ter máxima isenção de supervisão e estabelecer um monopólio em cargos de gabinete. 1. Supervisão Eficaz e a Base de Poder da Burocracia A supervisão eficaz sobre o funcionalismo depende de certas pré- condições. Independentemente de ter suas raízes na divisão adminis- trativa de trabalho, o poder de todos os burocratas reside em dois tipos de conhecimento: primeiro, conhecimento técnico no sentido mais amplo do termo, adquirido mediante treinamento especializado. Quer esse tipo de conhecimento seja também representado no parlamento, quer os deputados possam, em caráter particular, consultar especialistas em determinado caso, é incidental e é um assunto pessoal. Para su- pervisionar a administração não há o que substitua a acareação (ju- ramentada) de peritos perante uma comissão parlamentar, na presença de funcionários convocados dos respectivos departamentos. Essa aca- reação garante, por si mesma, o controle e a imparcialidade do in- terrogatório. Hoje o Reichstag simplesmente carece do direito de proceder dessa forma: a Constituição o condena a uma ignorância própria de amador. Entretanto, o conhecimento especializado por si só não explica o poder da burocracia. Além disso, o burocrata tem informações oficiais que só são conseguidas mediante canais administrativos e que lhe for- necem os dados nos quais ele pode fundamentar suas ações. Só quem consegue ter acesso a esses dados, independentemente da boa vontade dos funcionários, pode supervisionar eficazmente a administração. De acordo com as circunstâncias, os meios apropriados são a inspeção de OS ECONOMISTAS 66 documentos, inquérito no local e, em casos extremos, a acareação do funcionário sob juramento perante uma comissão parlamentar. Tam- bém esse direito é negado ao Reichstag, ao qual se negou deliberada- mente a possibilidade da obtenção das informações necessárias. Con- seqüentemente, além do diletantismo, o Reichstag foi sentenciado à ignorância — está claro que não por razões técnicas, mas exclusiva- mente porque o supremo instrumento do poder da burocracia é a trans- formação das informações oficiais em material sigiloso através do con- ceito notório do “serviço secreto”. Em última análise, isso nada mais é do que um meio de proteger a administração contra a supervisão. Enquanto os níveis inferiores da hierarquia burocrática são supervi- sionados e criticados pelos escalões mais altos, todos os controles, quer técnicos, quer políticos, sobre esses escalões que se ocupam com a po- lítica fracassaram completamente. A maneira pela qual os chefes ad- ministrativos respondem a perguntas e críticas do Reichstag é freqüen- temente vergonhosa para um povo consciente de si mesmo; isso só se tornou possível porque o parlamento não pode aproveitar, pelo “direito de inquérito” (Enqueterecht), os dados e pontos de vista técnicos, cujo conhecimento por si só permitiria firme cooperação com a administração e influência sobre a mesma. Primeiramente, isso deve ser mudado. É evidente que não se espera que os comitês do Reichstag mergulhem em amplos estudos e publiquem grossos volumes — isso de qualquer maneira não acontecerá, pois o Reichstag está muito ocupado com ou- tros assuntos. O direito parlamentar de inquérito deveria ser um meio auxiliar e, de resto, um chicote, cuja mera existência coagiria os chefes administrativos a responsabilizarem-se por seus atos de tal forma que o uso do dito chicote não se fizesse necessário. As melhores realizações do parlamento britânico devem-se ao uso judicioso desse direito. A integridade do funcionalismo britânico e o alto nível de sofisticação política do público são grandemente baseados nele; tem sido freqüen- temente salientado que o melhor indicador da maturidade política está na maneira pela qual os trâmites das comissões são acompanhados pela imprensa britânica e seus leitores. Essa maturidade reflete-se não em votos de não-confiança, nem em acusações de ministros e se- melhantes espetáculos do desorganizado parlamentarismo franco-ita- liano, mas no fato de que a nação se mantém informada da conduta de seus negócios pela burocracia, e a supervisiona continuamente. Só as comissões de um parlamento poderoso podem ser o veículo para o exercício dessa salutar influência pedagógica. Em última análise, a burocracia só pode lucrar com esse desenvolvimento. O relacionamento do público com a burocracia raramente mostrou tanta falta de com- preensão como na Alemanha, pelo menos em comparação com países que possuem tradições parlamentares. Isso não espanta. Em nosso país, os funcionários têm que lidar com problemas que em parte alguma se tornam visíveis para nós. As realizações desses funcionários nunca WEBER 67 a um pequeno círculo de representantes acreditados dos partidos. Visto que a política é sempre conduzida por um pequeno número de pessoas, os partidos também devem ser organizados para as questões políticas vitais não à maneira de associações, mas à maneira de grupos de sequazes. Seus porta-vozes devem ser “líderes”, isto é, devem ter ili- mitada autoridade para tomar decisões importantes (ou deverão poder conseguir essa autoridade, no espaço de algumas horas, de comissões que possam ser reunidas a qualquer momento). Nomeada para um objetivo único, a Comissão dos Sete do Reichstag foi um aparente passo nessa direção.1 Levou-se em consideração a vaidade dos chefes da ad- ministração, qualificando-se de “provisório” esse órgão e procurando-se não tratar os parlamentares como representantes de seu partidos, numa tentativa que teria destruído a significação política da comissão, mas que felizmente não vingou. Havia boas razões técnicas para reunir esses sete representantes partidários com representantes do governo, mas, em vez dos sete plenipotenciários do Bundesrat, teria sido melhor recorrer a apenas três ou quatro delegados dos maiores Estados não- prussianos e, de resto, convocar os quatro ou cinco mais altos militares ou seus delegados. De qualquer maneira, só um pequeno grupo de homens que são obrigados a ser discretos podem preparar decisões políticas em situações políticas muito tensas. Em condições de período de guerra talvez fosse apropriado estabelecer uma comissão mista, unindo os representantes do governo com os de todos os grandes par- tidos. Em tempos de paz, um acordo que reunisse representantes par- tidários numa base semelhante poderia revelar-se igualmente útil para a deliberação de questões políticas delicadas, particularmente de po- lítica externa. De resto, contudo, esse sistema tem utilidade limitada, não é nem um substituto para a genuína reforma parlamentar, nem um meio para a criação de políticas governamentais coerentes. Se essas políticas devem ser apoiadas por diversos partidos, o acordo poderia ser estabelecido em reuniões interpartidárias dos líderes do governo e dos representantes da maioria parlamentar. Uma comissão na qual se reúnam socialistas independentes e conservadores não poderá absolu- tamente cumprir essa função de formular uma decisão política. Isso seria um absurdo político. As estruturas partidárias acima mencionadas nada podem produzir para uma orientação coerente da política. Em contraposição, para a supervisão da burocracia durante a OS ECONOMISTAS 70 1 Após a queda do chanceler Bethmann-Hollweg (ver abaixo, n. 29), uma comissão consultiva de sete parlamentares foi imposta pelo apreensivo Reichstag ao novo chanceler, Georg Michaelis, para com ele deliberar a respeito da resposta alemã à nota papal de paz de agosto de 1917. Era esta a primeira vez que o parlamento participava explicitamente da formulação da política externa, constituindo-se assim a ocasião num importante passo em direção à parlamentarização. Cf. Epstein, Erzberger, op. cit., 216 ss.; também Matthias e Morsey (eds.), op. cit. I, 119-213, onde a pré-história e o curso das negociações são ampla- mente documentados em protocolos de sessões de comissão. época de paz, comissões mistas especializadas, seguindo as pegadas da Hauptausschuss, poderiam revelar-se apropriadas, desde que o pú- blico seja mantido informado e desde que se criem medidas eficazes, as quais possam preservar a coerência diante do assunto especializado tratado nas várias subcomissões; estas se comporiam de representantes do Bundesrat e dos ministérios. A possível eficácia política de tal dis- posição dependerá, é claro, completamente do futuro papel do Reichstag e da estrutura de seus partidos. Se as coisas permanecerem no estado atual, se o obstáculo mecânico do Artigo 9 da Constituição for mantido, e se o parlamento continuar a se limitar à “política negativa” — e a burocracia tem por objetivo claro essa perpetuação —, aí então os par- tidos provavelmente concederão mandatos insignificantes a seus re- presentantes nas comissões; e, de qualquer forma, não lhes concederão mandato plenipotenciário de líder; mais ainda, cada partido seguirá seu caminho buscando vantagens especiais para seus protegidos. Todo esse dispositivo se tornaria então um estorvo inútil e um desperdício de tempo para administração, e não um meio de treinamento político e de cooperação profícua. O resultado positivo seria nesse caso, na melhor das hipóteses, algo semelhante ao patronato proporcional pra- ticado em certos cantões suíços: os partidos individuais dividem paci- ficamente sua influência sobre a administração, e isso abranda o conflito entre eles. (Contudo, é extremamente duvidoso que mesmo esse resul- tado relativamente negativo possa ser obtido num Estado de massa que se veja empenhado em grandes tarefas políticas. Que eu saiba, os suíços têm opiniões divergentes com respeito aos efeitos positivos dessa prática, e estas precisam certamente ser avaliadas de maneira muito diferente num grande Estado.) Incertas como sejam essas perspectivas idílicas, elas satisfarão àqueles que mais prezam a eliminação do con- flito partidário; e a burocracia esperaria dessa prática a perpetuação de seu poder pela continuidade do sistema de pequenas gratificações. Se, além disso, os cargos burocráticos fossem divididos propor- cionalmente entre os vários partidos aceitos na corte, seria até mais fácil motivar o aparecimento de “caras felizes por toda parte”. Contudo, tal redistribuição pacífica de benefícios na administração interna da Prússia é muito improvável, devido ao monopólio do Partido Conser- vador nos postos de conselheiros do Land e de presidente do governo e de presidente supremo. Além disso, em termos puramente políticos, pouco mais adviria daí do que benefícios para burocratas dos partidos, em lugar de poder político e responsabilidade para líderes partidários. Este não seria certamente um meio apropriado para elevar o nível político do parlamento. Ficaria pendente a questão de se saber se dessa maneira a supervisão pública da administração e a necessária matu- ridade pública aumentariam ou não. De qualquer maneira, mesmo os mais simples assuntos adminis- trativos não podem ser discutidos adequadamente numa comissão as- WEBER 71 sim burocratizada, a menos que se garanta o direito dessa comissão de conseguir, a qualquer tempo, as informações administrativas e téc- nicas necessárias. Os interesses de status da burocracia, ou, mais de- claradamente, suas vaidades e seu desejo de perpetuar a ausência de controles, são os únicos obstáculos no caminho dessa exigência — a qual, além do mais, nem mesmo supõe a introdução de governo par- lamentar, mas simplesmente uma das pré-condições técnicas de seu funcionamento. A única objeção essencialmente relevante que os especialistas em direito constitucional geralmente opõem ao direito de inquérito é que o Reichstag é completamente autônomo com referência a seu re- gimento interno, e conseqüentemente a respectiva maioria poderia uni- lateralmente repelir uma investigação ou influenciá-la de molde a im- possibilitar a descoberta de fatos desagradáveis. Sem dúvida, a auto- nomia do regimento interno (Art. 27 da Constituição do Reich), trans- posta (indiretamente) sem reparos da teoria inglesa, não é adequada àquele direito. O direito de inquérito deve ser garantido por dispositivos legais; particularmente, deve ser estabelecido incondicionalmente como um direito da minoria — digamos, de forma que cem delegados sejam suficientes para exigir um inquérito, e que tal minoria deva também, é claro, ter o direito de ser representada em comissões, para fazer perguntas e pôr por escrito opiniões discordantes. Em primeiro lugar, isso é necessário a fim de proporcionar um poder compensador de pu- blicidade contra qualquer maioria parlamentar abusiva e seus notórios perigos, um contrapeso que não existe em outros Estados e até agora tem sido eficiente na Inglaterra apenas em virtude da cortesia mútua dos partidos. Contudo, exigem-se ainda outras garantias. Enquanto houver competição entre as indústrias, especialmente entre as de países diferentes, será imperativo proteger adequadamente seus segredos tec- nológicos contra publicidade tendenciosa. A mesma proteção deve ser estendida à tecnologia militar e também a questões pendentes de po- lítica exterior, as quais, antes de chegarem a uma decisão definitiva, devem ser discutidas apenas perante um pequeno grupo. É um erro de alguns críticos, particularmente russos, afirmar que assuntos de política exterior — como a conclusão de uma paz entre nações em guerra — podem ser conduzidos com êxito, quando uma nação excede a outra em manifestações públicas de “princípios” gerais; dever-se-ia em vez disso recorrer a deliberações sensatas em busca do melhor acordo possível entre os interesses nacionais inevitavelmente antagô- nicos que se ocultam por trás desses alegados “princípios”.1 Os fatos atuais puseram a mencionada opinião na berlinda. Certamente, os OS ECONOMISTAS 72 1 Entre dezembro de 1917 e março de 1918, Trotsky negociou com representantes alemães diplomáticos e militares em Brest-Litovsk. Os Catorze Pontos de Wilson datam de janeiro de 1918. estado a funcionar, com o aplauso dos críticos para impedir o parla- mento de fazer quaisquer contribuições políticas positivas, tudo no in- teresse da independência da burocracia. A situação teria sido comple- tamente diferente em qualquer outra forma do governo na qual a res- ponsabilidade repousasse solidamente, ou, pelo menos, significativa- mente, nos ombros dos líderes partidários; isso teria oferecido uma oportunidade de os talentos políticos ajudarem a dar forma aos destinos do país a partir do parlamento. Então, os partidos não poderiam ter-se permitido uma organização pequeno-burguesa na forma de associação, como a que ora predomina no Reichstag. Eles teriam sido compelidos a se subordinarem a líderes em vez de a diligentes funcionários públicos, que predominavam especialmente no Partido do Centro, que costuma- vam perder a coragem no momento em que deviam mostrar capacidade de liderança. Em tais crises os líderes teriam sido obrigados a formar uma coalizão, a qual teria proposto ao monarca um programa cons- trutivo e os homens capazes de executá-lo. Contudo, sob as referidas circunstâncias, nada foi possível exceto uma política negativa. O novo chanceler (Michaelis) escolhido de fora do parlamento (em julho de 1917) viu-se a braços com uma situação caótica que logo resultou da situação anterior. De fato, um grupo de parlamentares muito capazes ascendeu a altos cargos governamentais, mas, devido ao artigo 9 da Constituição, eles perderam influência em seus próprios partidos, que assim se viram acéfalos e se desorientaram.1 O mesmo ocorreu nas crises de agosto e outubro (1917). Novamente o governo fracassou por completo porque os homens investidos da liderança ape- garam-se com persistência à opinião de que não deveriam manter con- tato contínuo com os líderes dos partidos e nem entabular conversações preliminares com representantes desses partidos cujo apoio desejavam ou esperavam conseguir. Só o fato de o novo chanceler indicado em novembro (1917, Conde Hertling) ter entrado em contato com os par- tidos da maioria antes de assumir o cargo e o fato ainda de que todos os ministérios puramente políticos estavam agora nas mãos de parla- mentares experimentados tornaram possível, afinal, fazer funcionar a máquina da política doméstica com razoável desenvoltura, ainda que o artigo 9, alínea 2, continuasse a mostrar seus efeitos perniciosos.2 A crise de janeiro (1918) provou, até mesmo para a mais obscura das mentes, que o parlamento não é a origem de nossas dificuldades in- WEBER 75 1 Em agosto de 1917, dois importantes parlamentares ingressaram no ministério de Michaelis. Paul von Krause, delegado nacional na Dieta prussiana, foi nomeado secretário imperial da Justiça, e Peter Spahn, líder do Partido do Centro do Reichstag, tornou-se ministro prussiano da Justiça. Em outubro, o delegado nacional-liberal, Eugen Schiffer, foi nomeado subsecretário de Estado do Tesouro Imperial. 2 No governo Hertling, os parlamentares obtiveram pela primeira vez posições de criação de diretrizes políticas. O líder do Partido Progressista do Reichstag, Friedrich von Dayer, recebeu a vice-chancelaria imperial, e o nacional-liberal de esquerda Robert Friedberg foi empossado vice-primeiro ministro na Prússia. ternas; antes, essas dificuldades originam-se de duas fontes: 1) o aban- dono do princípio rígido de Bismarck de que os generais devem conduzir a guerra de acordo com a lógica militar, mas o chefe do governo deve concluir a paz de acordo com considerações políticas (das quais as considerações estratégicas constituem apenas um fator); 2) ainda mais importante, o fato de que alguns cortesãos subalternos julgaram útil e compatível com um governo alegadamente “monárquico” fornecer à imprensa deliberações de alta política, a fim de favorecer certos partidos políticos.1 Nossas condições podem esclarecer a qualquer um que o governo exercido por funcionários de carreira não é equivalente à ausência de governo de partidos. Um Landrat tem que ser um conservador na Prússia, e desde 1878, quando terminaram os onze anos mais profícuos de trabalho parlamentar na Alemanha, nosso pseudo-parlamentarismo repousou no axioma cultivado por membros interessados de partidos de que todo governo e seus representantes precisam ser “conservado- res”, com apenas algumas concessões ao patronato da burguesia prus- siana e do Partido do Centro. Isso e nada mais é que significa o “su- prapartidarismo” da burocracia. Esse estado de coisas não foi modifi- cado pela lição que a guerra ensinou em todos os outros países: que todos os partidos participantes do governo tornam-se “da nação”. Os interesses sectários da burocracia conservadora e de seus grupos de interesse aliados dominam o governo. Defrontamo-nos agora com as conseqüências inevitáveis dessa hipocrisia, e continuaremos a enfren- tá-las na época de paz. Não o parlamento sozinho mas todo o sistema governamental terá de pagar por isso. 5. Profissionalismo Parlamentar e Direitos Adquiridos A pergunta decisiva sobre o futuro da ordem política da Alemanha precisa ser: como tornar o parlamento apto para governar? Qualquer outra forma de se colocar a pergunta é simplesmente errada, e tudo o mais é secundário. Deve-se entender claramente que a reforma parlamentar não de- pende meramente dessas extensões da jurisdição parlamentar, apa- rentemente banais, todavia praticamente importantes; também não depende da remoção do obstáculo mecânico apresentado pelo Artigo 9, assim como não depende de certas mudanças significativas nos pro- cessos e atuais usos e costumes do Reichstag; a reforma parlamentar depende principalmente do desenvolvimento de um corpo apropriado de parlamentares profissionais. OS ECONOMISTAS 76 1 A crise de janeiro de 1918 teve sua origem em disputas entre as lideranças civil e militar a respeito da conduta das negociações de paz de Brest-Litovsk com a Rússia. Cf. também a nota 24 acima. O parlamentar profissional é um homem para quem o mandato do Reichstag não é uma ocupação de meio período, mas sim sua grande vocação; por essa razão, necessita de um escritório eficiente com o pessoal necessário e de acesso a informações. Podemos amar ou odiar essa figura — ela é tecnicamente indispensável, e portanto já existe. Contudo, mesmo os mais prestigiosos profissionais são (na Alemanha), de certo modo, uma espécie subalterna, operando por trás dos basti- dores, por causa da posição subordinada do parlamento e das limitadas oportunidades de carreira. O político profissional pode viver meramente de política e sua azáfama característica, ou pode viver para a política. Só no segundo caso é que pode se tornar um político de grande en- vergadura. Claro está que tanto mais facilmente terá êxito, quanto mais independente for financeiramente, e, conseqüentemente, “dispo- nível” e sem vínculo empregatício, mas que viva de alguma renda. Das classes sujeitas a vínculo empregatício, só os advogados são “disponí- veis” e adequados a seguir a carreira política. Uma exclusiva dominação de advogados seria certamente indesejável, mas é uma tola tendência de nossos críticos denegrir a utilidade do treinamento forense para a liderança política. Numa época governada por juristas, o grande ad- vogado é o único que, em contraste com o funcionário público treinado juridicamente, foi ensinado a lutar por determinada causa e a repre- sentá-la eficientemente; gostaríamos que os pronunciamentos públicos de nosso governo mostrassem em maior grau a habilidade do advogado no melhor sentido da palavra. Entretanto, somente se o parlamento puder oferecer oportunidades para a liderança política, qualquer pessoa independente poderá desejar viver para a política, e não apenas ad- vogados talentosos e capazes. De outra maneira, somente funcionários assalariados do partido e representantes de grupos de interesse que- rerão esses cargos. O ressentimento do funcionário típico de partido contra líderes políticos genuínos afeta poderosamente a atitude de alguns partidos com relação à introdução do governo parlamentar e, conseqüentemente, o recrutamento de líderes no parlamento. Essa tendência é, sem dúvida, muito compatível com os interesses da burocracia, que alimenta os mesmos sentimentos, pois o delegado profissional é um espinho no flanco dos chefes da burocracia, por ser um supervisor incômodo e por aspirar a um quinhão no exercício do poder. Isso certamente se agrava quando ele surge como um possível rival visando posições superiores no governo (uma ameaça não apresentada por meros representantes de interesses específicos). Dessa maneira, podemos também explicar a luta da burocracia para conservar o parlamento na ignorância, pois somente parlamentares profissionais habilidosos, que passaram pela escola de intenso trabalho de comissões, podem tornar-se líderes res- WEBER 77 responsabilizado. É uma conseqüência de nosso governo exercido por uma burocracia conservadora, um governo cuja perpetuação se funda nesse sistema de gratificações (Trinkgeldersystem). Não é de admirar que o Partido Conservador e a ala do big business do Partido Nacio- nal-Liberal sintam-se à vontade sob essas condições. Pois, afinal de contas, o patronato sob esse sistema não se encontra nas mãos de políticos e partidos, que poderiam ser responsabilizados pelo público; ele funciona, sim, através de canais particulares que vão desde as importantíssimas ligações de grêmios estudantis às formas mais grosseiras ou mais requintadas de “recomendações” capitalistas. O big business, que a tola ignorância de nossos ideólogos suspeita que mantenha conluio com o reprovável parlamentarismo, sabe muito bem por que apóia, sem restrições, a conservação de uma burocracia não-supervisionada. Este é o estado de coisas que é calorosa e ferrenhamente defendido com slogans de críticos da política contra o caráter corrupto e anti- alemão da responsabilidade dos partidos pelo patronato de empregos. Na verdade, não é o “espírito alemão”, mas poderosos interesses ma- teriais por benefícios, unidos às explorações capitalistas das “ligações”, que são lançados contra a cessão do patronato ao parlamento. Não pode haver dúvida de que somente circunstâncias políticas absoluta- mente coercivas poderão mudar alguma coisa de fato a esse respeito. O governo parlamentar jamais chegará por si mesmo a isso. Os mais poderosos grupos trabalham contra isso, com certeza. De fato, todos os partidos mencionados têm ideólogos e políticos sensatos, além da- queles solicitadores subalternos de cargos e parlamentares de rotina, mas os últimos têm o predomínio. Se o sistema de petit patronage (pequeno patronato) fosse estendido a outros partidos, a tendência geral seria simplesmente reforçada. Finalmente os beneficiados pelo status quo, e aqueles ingênuos críticos que confiantemente declamam seus slogans, gostam de assi- nalar triunfantemente o caráter federal da Alemanha, a fim de de- monstrar conclusivamente a impossibilidade da implantação de um governo parlamentar em bases puramente formais. Vejamos primeira- mente o aspecto legal desse problema, dentro do âmbito de nossa Cons- tituição: donde poderemos compreender como essa afirmação é real- mente incrível. De acordo com o artigo 18 da Constituição, o imperador nomeia e exonera o chanceler e todos os funcionários imperiais por sua conta, sem interferência do Bundesrat (o Conselho Federal, uma representação dos governos dos Estados individuais); somente a ele devem obediência, dentro dos limites das leis federais. Enquanto este for o caso, qualquer objeção constitucional por motivos “federais” é destituída de fundamento. Segundo a Constituição, ninguém pode im- pedir o imperador de entregar o governo do Reich ao líder ou aos líderes da maioria parlamentar e de enviá-los ao Bundesrat; ou de OS ECONOMISTAS 80 exonerá-los, se uma nítida maioria do Bundesrat votar contra eles; ou simplesmente de consultar os partidos sobre a formação do governo. Nenhuma maioria no Bundesrat tem o direito de derrubar o chanceler ou de simplesmente insistir com ele para que forneça uma explicação de suas diretrizes políticas, como a inconteste interpretação do artigo 17, parágrafo 2, exige-lhe que faça perante o Reichstag. Recentemente foi proposto que o chanceler seja responsável não apenas perante o Reichstag, mas também perante o Bundesrat; essa proposta merece ser examinada quanto à sua exeqüibilidade política (e ser discutida mais tarde), mas seria uma inovação constitucional não menos que a eliminação do artigo 9, parágrafo 2, o que propusemos acima. Preci- samos mais tarde tratar do fato de que os verdadeiros problemas da parlamentarização do governo e da Constituição do império em geral têm suas raízes menos nos direitos constitucionais dos outros membros da Federação do que na relação daqueles Estados com o hegemônico Estado prussiano. Contudo, antes que procedamos a isso, deveremos examinar a maneira pela qual o atual sistema tem funcionado no campo da política externa. É aqui que o governo conduzido por meros buro- cratas revela os limites inerentes de sua eficácia, assim como o preço terrível que tivemos de pagar para tolerá-lo. WEBER 81 publicamente e sobre qualquer assunto de grande importância política, e o parecer do primeiro deve ser aceito enquanto ele estiver exercendo seu cargo. Este e seus colegas faltam a seus deveres se permanecem no cargo depois de essa regra ter sido violada mesmo uma só vez. Por trás de toda a arenga de que “a nação não quer uma sombra como rei”, e frases semelhantes, esses homens não escondem senão seu desejo de permanecer em seus cargos deixando de renunciar a eles. Isso nada tem a ver diretamente com o caso do governo parlamentar; é simples- mente uma questão de integridade política. A esse respeito, nosso go- verno tem falhado vezes sem conta da mais miserável das maneiras. Esses fracassos devem-se à nossa estrutura política defeituosa, que coloca homens de mentalidade burocrática em postos de liderança po- lítica. A questão do governo parlamentar torna-se altamente signifi- cativa, já porque sob determinadas condições não há outro meio para realizar e garantir as mudanças necessárias. A fim de evitarmos qual- quer mal-entendido sobre nossa posição, devemos acrescentar que, em quase todos os casos, as declarações do monarca foram não somente subjetivamente compreensíveis, mas às vezes também politicamente justificadas — na medida em que foi possível discerni-lo nessa ocasião. Mais ainda, em alguns casos foi provavelmente útil transmitir as in- tensas reações pessoais do monarca através de canais diplomáticos aos governos em questão. Mas a publicação de tais declarações se constituiu num ato politicamente irresponsável, e nesse caso a responsabilidade recaiu sobre a liderança política, por tê-la tolerado ou instigado. Na Alemanha parece ter sido esquecido que existe uma tremenda diferença entre um político (o primeiro-ministro ou mesmo presidente de uma república) fazer uma declaração no parlamento, por exemplo, não importa quão desagradável seja ela, e esse mesmo político tornar pública uma declaração pessoal do monarca e depois “assumir a res- ponsabilidade” por essa declaração por meio de um gesto dramático mas vulgar. Uma declaração pública do monarca não pode de fato ser livremente criticada no país; conseqüentemente, ela protege o estadista, que se serve dela para esse objetivo, contra uma crítica direta das próprias ações desse estadista. No estrangeiro, entretanto, essas res- trições não existem e a crítica centra-se no monarca. Um político pode e deve renunciar se as condições mudam e novas diretrizes políticas se tornam necessárias contra as quais ele já tenha se pronunciado, mas o monarca deve permanecer, e com ele suas palavras. Uma vez que este tenha se comprometido publicamente, não pode retirar suas palavras, ainda que tente fazê-lo dentro de uma situação nova. Sus- citam-se paixões e sentimentos de honra, pois apoiar o monarca é uma questão de honra nacional — e os críticos ignorantes tais como os pangermânicos (e seus editores) prosperam grandemente. Na pátria e no estrangeiro, as palavras do monarca são levadas a sério e a situação se radicaliza. Este foi realmente o padrão em todos esses casos. Exa- WEBER 85 minemos alguns deles à fria luz da lógica, a fim de sabermos como o erro político foi cometido. Primeiramente, o telegrama de Krüger. A indignação contra o ataque de Jameson foi justificada e compartilhada em todo o mundo, até mesmo na Inglaterra. É bem possível que enérgicas representações diplomáticas em Londres (que poderiam ter-se referido à intensa reação do monarca) poderiam ter provocado declarações formais do gabinete britânico, as quais talvez não pudessem ser desconsideradas com tanta facilidade mais tarde. Além disso, um acordo geral referente aos inte- resses de ambos os lados na África ter-se-ia tornado mais provável; Cecil Rhodes, por exemplo, era bastante acessível a esse respeito,1 e isso era necessário se quiséssemos ter carta branca no Oriente e manter a Itália na aliança. Mas a publicação do telegrama teve naturalmente o efeito de uma bofetada no rosto, impossibilitando qualquer conver- sação racional.2 A questão tornou-se, então, assunto de honra nacional, e interesses políticos racionais foram postos de lado. Em conseqüência, quando posteriormente — antes, durante e após a Guerra dos Bôeres — fizeram-se tentativas no sentido de se chegar a um entendimento sobre a África ou sobre as relações globais entre a Inglaterra e a Ale- manha, o público desses dois países, cujo sentimento de honra nacional tinha agora sido provocado, não deu boa acolhida a essas tentativas, ainda que ambos os lados pudessem ter atingido seus objetivos mate- riais por meio de entendimentos diplomáticos. O resultado dessas ten- tativas de aproximação foi fazer da Alemanha a vítima defraudada depois da Guerra dos Bôeres. Afinal de contas, em 1895 nós simples- mente não tínhamos recursos militares suficientes para apoiar qualquer protesto com eficácia. Passemos em silêncio o vergonhoso final, a recusa em receber o presidente exilado: pois o ponto capital foi que os bôeres não puderam ser auxiliados, apesar das palavras do monarca. Em con- seqüência, o General Botha pôde declarar no parlamento da África do Sul, em 1914, que foi o comportamento da Alemanha que conduziu à perda da independência dos bôeres. Grande foi o espanto na Alemanha quando o Japão lhe declarou guerra em agosto de 1914, fazendo a China a mesma coisa em agosto de 1917. A primeira atitude é sempre explicada pela bem conhecida intervenção de 1895 em conexão com Port Arthur,3 a segunda pelas pressões americanas, e ambos os casos se atribuem também ao opor- OS ECONOMISTAS 86 1 Sobre um diálogo algo conciliador entre Rhodes e Guilherme II, ver op. cit., p. 72 s. 2 Sobre a versão do imperador acerca de sua oposição ao telegrama e sua antevisão do protesto público inglês, ver op. cit., p. 69 s. 3 Na época, a Rússia, a França e a Alemanha — que se confessavam alarmadas em face do Perigo Amarelo — impediram o Japão de anexar a península Liaotung no rastro de seu triunfo militar sobre a China (Tratado de Shimonoseki, abril de 1895). Com relação aos aspectos alemães dessas negociações, cf. a autobiografia do Imperador Guilherme II, op. cit., p. 68, e Johannes Ziekursch, Das Zeitalter Wilhelms II, vol. III de Politische Geschichte des neuen deutschen Kaiserreiches (Frankfurt: Sozeitatsverlag 1930), p. 92 ss. tunismo. Não importa quanta verdade haja nisto, há outro fator im- portante que deve ser acrescentado. Fora, afinal de contas, o monarca alemão quem, verbal e metaforicamente, advertiu de público sobre o “Perigo Amarelo” e conclamou à “preservação dos mais sagrados bens” (das nações européias): há alguém entre nós que realmente creia que chineses e japoneses cultos tenham esquecido isso?1 Em política inter- nacional, os problemas raciais pertencem à espécie mais difícil, pois são complicados pelos choques de interesses entre as nações de raça branca. Só se pode aprovar o esforço de o monarca formar uma opinião a esse respeito. Mas que interesse alemão poderia ser favorecido quando o monarca tornou públicas suas opiniões daquela maneira? Isso era conciliável com qualquer interesse alemão no Extremo Oriente? Que recursos de poder havia por trás de tais declarações? Aos interesses de quem iriam essas declarações servir no final? Mais ainda, que objetos políticos foram servidos publicando-se os discursos do imperador à época da missão do Conde Waldersee, ou suas alocuções navais, as quais talvez pudessem ter sido bastante apropriadas num círculo de oficiais?2 O resultado das diretrizes políticas alemãs só relativas à China con- trastavam de forma embaraçosa e, devemos acrescentar, de maneira alguma acidental, com tal retórica, e isso revelou-se altamente preju- dicial a nosso prestígio. Ainda uma vez, omitiremos um episódio ver- gonhoso, o tratamento dispensado à “missão expiatória” (do Príncipe Chun em 1901, para desculpar-se pelo assassinato do Ministro Von Ketteler durante a Rebelião Boxer) e as discussões, novamente em público, que a acompanharam. É simplesmente impossível imaginar WEBER 87 1 O presente de Natal do imperador para o Tzar Nicholas em 1895 foi um desenho alegórico executado conforme seu esboço pelo pintor Knackfus, mas apresentado como trabalho do próprio imperador. Retratava o Arcanjo Miguel reunindo uma corte de damas blindadas, identificadas por seus brasões como Germânia, Britânia, Rússia e outras, para uma cruzada contra o Perigo Amarelo, representado como um Moloch sanguinário pairando numa nuvem sobre as pacíficas cidades da Europa. O presente e seu título, “Nações da Europa, protejam seus bens mais sagrados”, cedo se tornaram conhecidos e alvo de ridicularização, mas o imperador acreditou ter alcançado uma vitória diplomática quando seu embaixador informou que o infeliz receptor tinha emoldurado e pendurado a obra de arte: “Realmente funciona! Como é satisfatório”, escreveu ele à margem do relatório. Cf. Erich Eych, Das persönlichem Regiment Wilhelms II. (Zürich: Reutsch, 1948), 119; Emil Ludwig, Kaiser Wilhelm II, tra- duzido por Ethel C. Mayne (Londres: Putnam, 1926), p. 223 s. 2 Em 27 de julho de 1900, Guilherme II proferiu seu abominável discurso “Huno”, do qual derivou o epíteto comumente aplicado aos soldados alemães nos países anglo-saxões durante a Primeira Guerra Mundial. Ao despachar as tropas que iriam participar da sufocação da rebelião Boxer, com o conde Waldersee como comandante-em-chefe nominal da força ex- pedicionária internacional de tropas russas, japonesas e inglesas, Guilherme disse entre outras coisas: “Não se dará perdão, não se farão prisioneiros. Quem quer que caia em vossas mãos estará à vossa mercê. Assim como os hunos sob Átila tornaram famoso o nome de sua raça há mil anos, que ainda nos assombra em tradições e lendas, vós imprimireis o nome dos alemães sobre a China por mil anos vindouros, de forma que nenhum chinês jamais ousará levantar novamente o mesmo olhar vesgo a um alemão” — um péssimo trocadilho, significando um mau olhar em um olhar de olhos rasgados. Em seus discursos navais, Guilherme empregava termos como o do “punho de ferro” que a Alemanha queria aplicar ao mundo. Cf. Eyck, op. cit., p. 200, 272. posteriormente abandonou abertamente o Príncipe Bülow e, como de costume, lembrou seu pseudomasoquismo, quando seus próprios inte- resses materiais foram afetados. A propósito, o próprio monarca deve ter sido tomado de grande surpresa ao descobrir que esse chanceler, que pelo menos uma vez o aconselhara numa espetacular intervenção pessoal contra suas próprias objeções,1 voltava-se subitamente contra ele sob a pressão de uma opinião pública excitada. E que, finalmente, fizeram nossos críticos em todos esses incidentes? Aplaudiram publicamente ou continuaram tagarelando sobre como os ale- mães não gostam de uma monarquia do tipo inglês — da mesma forma que a imprensa da ala direita ainda continua fazendo. Adulando os mais lúgubres instintos filisteus, atribuíram os fracassos aos diplomatas e não se deram ao trabalho de perguntar sequer uma vez como podiam estes trabalhar em tais condições. Cá, entre nós, isso seria uma longa história e pouco honrosa para esses agitadores que tão bravamente vociferam contra a maioria por exigir uma “paz de fome”.2 Em todos esses casos, o comportamento de nosso governo foi ir- responsável, sem paralelo em nenhum outro grande Estado. Uma con- frontação pública só era permissível se o governo estivesse disposto a fazer um acordo completo e sem demora. Mas não era nossa intenção, realmente, pegar em armas a favor dos bôeres ou contra os “mongóis”, ou ainda a favor do sultão de Marrocos; além do mais, nos dois primeiros casos nada nos dizia respeito, e também não tínhamos poderio suficiente para empreender uma intervenção armada. Não obstante, os líderes do governo permitiram que se desenvolvesse uma situação na qual o monarca se comprometeu publicamente, e isso impossibilitou qualquer acordo racional com a Inglaterra sobre nossos interesses sul-africanos, e com a França sobre interesses no norte da África. Nossa posição parecia primeiramente ser uma questão de honra, mas foi depois aban- donada, não obstante. O resultado inescapável foi uma série de derrotas diplomáticas profundamente embaraçosas a todos os alemães e que trouxeram danos permanentes a nossos interesses. Aqui se achava a raiz da perigosíssima impressão de que a Alemanha sempre bateria OS ECONOMISTAS 90 1 Ver acima, nota 32. Sobre o caso Daily Telegraph, ver Wilhelm Schussler, Die Daily-Tele- graph-Affaire. Furst Bullow, Kaiser Wilhelm und die Krise des Zweiter Reiches 1908 (Göt- tingen: Musterschmidt, 1912). 2 Aparentemente um termo pejorativo para a maioria dos progressistas, maioria social-de- mocrata e membros do Partido de Centro que no verão de 1917 adotaram uma resolução de paz sem ampliação territorial e exploração política, econômica ou financeira. — Numa carta escrita em 1917, o delegado nacional-liberal Gustav Stresemann, que iria ser o pree- minente ministro do exterior da República de Weimar, mas que foi um enérgico anexionista durante quase toda a guerra, proporciona um exemplo da espécie de duplicidade da qual Weber zomba aqui: “Se hoje até secretários de Estado conservadores nos dizem atrás de portas fechadas que desejam a parlamentarização porque temem que a administração pes- soal da política pelo imperador possa causar danos imensuráveis à Alemanha, então pode-se falar sobre isso em círculos confidenciais, mas, como um homem de monarquia, não nos é possível levar perante o público essa seríssima justificação para a parlamentarização”. Cf. Matthias e Morsey (eds.), Der Interfraktionelle Ausschuss, op. cit., I, 157, nº 10. em retirada depois de muito esbravejar, e parece que essa crença foi um dos fatores que determinaram as diretrizes políticas inglesas em fins de julho de 1914. A desnatural coalizão mundial contra nós foi em grande parte devida a esses incríveis erros crassos que ainda nos afetam. A atual mistificação no estrangeiro sobre a “autocracia” alemã é simplesmente isso: impostura — mas politicamente não é impossível que isso possa ocorrer. Quem tornou possível aos nossos inimigos, que acreditam tanto nisso como em outros contos de fadas sobre a Alema- nha, promover com êxito essa impostura? Quem direcionou o tremendo, e politicamente tão eficaz, ódio do mundo inteiro sobre a cabeça desse monarca precisamente, cuja atitude foi por diversas vezes notoriamente decisiva na manutenção da paz, mesmo em momentos nos quais a guerra teria sido mais oportuna para nós, do ponto de vista da Real- politik? Quem possibilitou às massas no estrangeiro acreditar seria- mente que a Alemanha deseja ser “libertada” e que esse desejo achará eventualmente uma saída se a guerra puder ser suficientemente pro- longada? Quem tornou possível o absurdo inaudito da atual situação? Enquanto tais acontecimentos forem passíveis de repetição, a nação não pode esquecer que foi a burocracia conservadora a responsável por esse estado de coisas: em momentos decisivos ela colocou burocratas nos pontos-chaves do governo, os quais deviam, contrariamente, ser ocupados por políticos — homens experimentados em pesar os efeitos de declarações públicas, homens com o senso de responsabilidade do político e não com o sentido de dever e de subordinação do burocrata, que é adequado em seu lugar, mas pernicioso em política. Aqui nota-se claramente o abismo que separa o burocrata do político. O funcionário público deve sacrificar suas convicções às exi- gências da obediência; o político deve rejeitar publicamente a respon- sabilidade por ações políticas que se chocam com suas convicções e deve sacrificar seu cargo a essas convicções. Mas isso nunca aconteceu na Alemanha. O pior aspecto do assunto não foi ainda revelado. É sabido com certeza que quase todos os homens que estavam encarre- gados de nossa política naquela década desastrosa, em caráter confi- dencial, e não apenas ocasionalmente, mas repetidas vezes, declinaram de dar uma resposta material às publicações de caráter decisivo pelos quais aceitaram responsabilidade formal. Se alguém perguntasse com espanto por que um estadista permanecia em seu cargo se era incapaz de evitar a publicação de uma declaração questionável, a resposta ha- bitual era que “alguém outro seria encontrado” para autorizar essa publicação. Isso pode bem ser verdade, mas também indica a falha decisiva do sistema. Alguém outro seria encontrado também se o chefe do governo tivesse de tomar a responsabilidade como o depositário de um departamento eficaz? 2. Restrições Parlamentares e Legais Neste ponto decisivo, podemos observar a importância de um WEBER 91 parlamento perante o qual a burocracia seja verdadeiramente respon- sável. Simplesmente não há substituto para isso. Ou haverá? Essa pergunta deve ser respondida por todos quantos ainda estejam convictos de que têm o direito de injuriar o parlamentarismo. Torna-se perfei- tamente óbvio, justamente no mesmo ponto, que o senso de responsa- bilidade do funcionário público e do político são apropriados cada qual em sua esfera — e em nenhum outro lugar. Pois não se trata aqui de funcionários públicos e diplomatas incompetentes e inexperientes, mas em parte de indivíduos proeminentes, que contudo não tiveram coragem política, algo que é bem diferente de integridade pessoal. Entretanto, não é que não a tivessem por uma questão acidental, mas, antes, porque não tinham utilidade para a estrutura política do Estado. Que dizer de um estado de coisas — estranho em qualquer outra grande potência — no qual o gabinete pessoal do monarca, os cortesãos ou agências de notícias dão publicidade a acontecimentos que são de importância capital para a política internacional, com o resultado de paralisar e atravancar nossa política externa durante décadas, um estado de coisas em que, além do mais, o chefe do governo dá de ombros a esses inci- dentes e os tolera depois de encenar alguns gestos fingidamente nobres? Tudo isso num país, para cuja administração interna o “serviço secreto” é (no interesse de poder de seus chefes) a jóia dos serviços do funcio- nalismo público! É óbvio que essa aparente contradição somente pode ser explicada pelo interesse dos burocratas em manter seus cargos afastados de qualquer supervisão. Que dizer de um sistema que permite a políticos permanecerem no poder quando fecham os olhos a graves erros que se chocam com suas melhores convicções? E, finalmente, como aceitar o fato de que, a despeito da evidência dos acontecimentos, ainda existam críticos que não hesitam em afirmar que um Estado que funciona assim nos mais importantes aspectos políticos não deve temer apresentar-se como “aprovado brilhantemente”? Sem dúvida, o desempenho dos funcionários e servidores públicos foi brilhante, em sua própria esfera. Contudo, no domínio do político, a burocracia não somente falha há várias décadas, mas também projetou no monarca a odiosidade de seu próprio comportamento desorientado, a fim de se esconder atrás desse mesmo monarca. Dessa maneira, a burocracia ajudou a ocasionar numa coligação mundial contra nós, por cuja ação o monarca poderia ter perdido sua coroa e a Alemanha todo o seu futuro político, não fosse pelo magnífico desempenho de nosso exército. No interesse da nação e da monarquia, toda alternativa constitucional que evita tais ocorrências é melhor que este estado de coisas. Conse- qüentemente, o estado atual deve ter fim, custe o que custar. Não há dúvida (e prova-se facilmente) de que não há diferenças de opinião partidária sobre esses acontecimentos seriamente prejudiciais. Contu- do, os políticos da ala direita ou não possuíam suficiente caráter político ou tinham demasiados interesses pessoais de forma a não externar OS ECONOMISTAS 92 camente, qualquer proposta dessa natureza é desacreditada de início se — como é infelizmente hábito da burocracia — se fazem tentativas para usá-la com a finalidade de excluir ou enfraquecer a influência do parlamento. Contudo, poder-se-ia estatuir expressamente uma “res- ponsabilidade” do chanceler do Reich em face do Bundesrat com relação ao dever de prestar contas. Da relação entre esse órgão consultivo e as comissões parlamentares especiais poderia advir um problema, prin- cipalmente se parlamentares também fizessem parte da comissão. Vol- taremos a essa questão mais tarde. Independente da concretização dessa proposta, nunca mais de- verão ser toleradas situações como as que foram descritas anterior- mente. Portanto, precisamos estabelecer com toda clareza que a legenda pseudomonárquica altamente insincera com a qual esses acontecimen- tos foram defendidos foi uma invenção do Partido Conservador baseada na demagogia de Bismarck. Interesses partidários puramente domés- ticos ocultavam-se em tempos anteriores por trás dessa legenda, como agora, por trás da frente de combate. Essa legenda dominada por in- teresse servia a muitas finalidades: preservar postos oficiais — desde o Landrat até o ministro — como benefícios conservadores, usar a burocracia estatal como a máquina eleitoral do Partido Conservador, perpetuando assim os privilégios sufragistas prussianos (isto é, sufrágio das três classes) e desacreditar e enfraquecer o Reichstag, o qual, apesar de tudo, é ainda o melhor dos parlamentos alemães. Hoje, depois que as conseqüências políticas se tornaram claras, quando se fazem exi- gências para fortalecer o parlamento como órgão de supervisão admi- nistrativa e de recrutamento de líderes capazes, conhecemos de ante- mão o slogan que os beneficiários da burocracia sem controle ostentam prontamente: “A monarquia está em perigo”. Mas o futuro da monar- quia será duvidoso se esses bajuladores egoístas continuarem a privar da atenção do monarca. Enfrentar o espantalho da democracia cabe às próprias dinastias — não a nós. WEBER 95 V GOVERNO PARLAMENTAR E DEMOCRATIZAÇÃO 1. Sufrágio Universal e Parlamentarismo Não estamos interessados aqui na questão da democratização na esfera social, mas somente na questão do sufrágio democrático — isto é, igualitário — em sua relação com o parlamentarismo. Também não discutiremos se na ocasião (1871) foi aconselhável sob o ponto de vista de política de Estado ao Reich alemão introduzir o direito ao voto igualitário sob a extrema pressão de Bismarck. Antes, nós acei- tamos esse direito ao voto naturalmente, como um fato que não pode ser desfeito sem que ocorram graves repercussões. Queremos simples- mente investigar o relacionamento entre parlamentarização e esse tipo de sufrágio democrático. A parlamentarização e a democratização não são necessariamente intercambiáveis, mas freqüentemente se opõem uma à outra. Recen- temente, depara-se com a crença de que sejam até necessariamente conceitos opostos. Afirma-se que o genuíno parlamentarismo só é pos- sível num sistema de dois partidos (bipartidário) e, mesmo assim, só no caso de os partidos serem dominados por dignitários aristocratas. Na Inglaterra, o velho parlamentarismo não era efetivamente, como condiz com sua origem feudal, realmente “democrático” no sentido con- tinental europeu, mesmo depois do Reform Bill (Projeto de Lei de Re- forma) e até a (atual) guerra. Uma vista de olhos no sistema de sufrágio basta para esclarecer isso. A classificação dos cidadãos pelo critério do tamanho de sua propriedade e os direitos efetivos da maioria tinham tal alcance que, fossem eles transportados para a Alemanha, prova- velmente reconheceriam apenas a metade dos atuais social-democratas e também permitiriam consideravelmente menos deputados do Partido 97
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