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Guias e Dicas
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Introdução ao conceito geral do direito penal, Notas de estudo de Direito Penal

direito penal 1

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 12/10/2010

fabiana-silva-41
fabiana-silva-41 🇧🇷

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Baixe Introdução ao conceito geral do direito penal e outras Notas de estudo em PDF para Direito Penal, somente na Docsity! E. MAGALHÃES NORONHA DIREITO PENAL VOL. 1 ÍNDICE GERAL INTRODUÇÃO CONCEITO DO DIREITO PENAL 1. Denominação..................................................................... .............................................. 3 2. Definição....................................................................... ................................................... 4 3. Caracteres...................................................................... ................................................. 4 4. Conteúdo........................................................................ ................................................. 7 5. Direito penal objetivo e direito penal subjetivo................................................................ 7 6. Caráter dogmático....................................................................... .................................... 8 7. Direito penal comum e direito penal especial................................................................. 9 8. Direito penal substantivo e direito penal adjetivo........................................................... 10 RELAÇÕES DO DIREITO PENAL 9. Relações do direito penal com as ciências jurídicas fundamentais.............................. 11 10. Relações do direito penal com os outros ramos jurídicos............................................. 12 11. O direito penal e a criminologia.................................................................... ................. 14 12. A penologia....................................................................... ............................................. 16 13. A política criminal........................................................................ ................................... 17 14. O direito penal e as disciplinas auxiliares...................................................................... 18 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS IDÉIAS PENAIS 15. Tempos primitivos...................................................................... .................................. 20 16. Vingança privada......................................................................... ................................. 20 17. Vingança divina.......................................................................... ................................... 21 18. Vingança pública......................................................................... .................................. 22 19. Período humanitário..................................................................... ................................. 24 20. Período criminológico................................................................... ................................. 26 DOUTRINAS E ESCOLAS PENAIS 21. Correntes doutrinárias.................................................................... .............................. 28 22. A Escola Clássica........................................................................ ................................. 30 23. A Escola Correcionalista................................................................. .............................. 33 24. A Escola Positiva........................................................................ .................................. 34 25. A Terceira Escola.......................................................................... ............................... 39 26. A Escola Moderna alemã........................................................................... ................. 40 27. Outras escolas e tendências. Conclusão..................................................................... 41 AS FONTES DO DIREITO PENAL 28. Fontes de produção ou materiais e fontes de conhecimento ou formais.................... 45 29. Fonte imediata: a lei. A lei penal. Caracteres e classificação. Norma penal em branco.......................................................................... ..................... 46 30. Fontes mediatas: a) o costume; b) a eqüidade; c) os princípios gerais do direito; d) a analogia. A doutrina. A jurisprudência. Os tratados e convenções....................... 50 HISTÓRIA DO DIREITO PENAL BRASILEIRO 31. O aborígine....................................................................... .......................................... 54 32. Brasil Colonial........................................................................ .................................... 55 33. O Império......................................................................... .......................................... 56 34. A República....................................................................... ........................................ 59 67. As teorias......................................................................... ................................. 119 68. A teoria do Código. O nexo causal................................................................... 120 69. Superveniência causal.......................................................................... ........... 122 V DO CRIME CONSUMADO E DA TENTATIVA 70. A consumação...................................................................... ........................... 124 71. O iter criminis........................................................................ ............................ 124 72. A cogitação....................................................................... ................................ 125 73. Atos preparatórios e atos de execução........................................................... 125 74. Elementos da tentativa....................................................................... ............. 127 75. A pena da tentativa....................................................................... ................... 127 76. Inadmissibilidade da tentativa....................................................................... .. 128 77. Desistência voluntária, arrependimento eficaz e arrependimento posterior.... 130 78. Crime impossível. Crime de flagrante preparado. Crime provocado............... 133 VI O DOLO E A CULPA 79. O dolo............................................................................ ................................... 136 80. Espécies de dolo............................................................................ .................. 138 81. A culpa........................................................................... ................................... 140 82. Espécies de culpa........................................................................... .................. 143 83. A fórmula do Código.......................................................................... ............... 144 84. Compensação da culpa........................................................................... ......... 145 85. O preterdolo. Agravação pelo resultado.......................................................... 146 86. A responsabilidade objetiva........................................................................ ..... 147 87. A excepcionalidade do crime culposo.............................................................. 148 88. Actio libera in causa........................................................................... .............. 149 VII DA CULPABILIDADE A) O ERRO 89. Erro e ignorância. Erro de direito e erro de fato. Erro de tipo e erro de proibição....................................................................... ............................... 150 90. Erro de tipo............................................................................ ........................... 151 91. Da inescusabilidade do desconhecimento da lei. Erro de proibição................ 152 92. Erro determinado por terceiro e erro sobre a pessoa...................................... 154 93. Erro na execução........................................................................ ..................... 155 94. Descriminantes putativas fáticas..................................................................... 158 VIII DA CULPABILIDADE B) COAÇÃO IRRESISTÍVEL E OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA 95. Coação física e coação moral.......................................................................... 160 96. Causa excludente da culpabilidade................................................................. 161 97. Estrita obediência...................................................................... ....................... 162 98. Causa de exclusão de culpa........................................................................... . 163 IX DA CULPABILIDADE C) DOENÇA MENTAL E DESENVOLVIMENTO MENTAL INCOMPLETO OU RETARDADO 99. Imputabilidade e responsabilidade................................................................ .. 164 100. Inimputabilidade. Os critérios....................................................................... .. 165 101. Doença mental. Desenvolvimento mental incompleto ou retardado............... 166 102. Imputabilidade diminuída....................................................................... ......... 167 103. Medidas de segurança....................................................................... ............... 169 X DA CULPABILIDADE D) A MENORIDADE 104. Menor infrator........................................................................ ............................ 170 105. A legislação pátria.......................................................................... ................... 173 106. Estatuto da criança e do Adolescente (Lei n.8.069, de 13-07-1990)................ 174 107. Legislação tutelar......................................................................... ..................... 176 XI DA CULPABILIDADE E) A EMOÇÃO E A PAIXÃO 108. A emoção e a paixão.......................................................................... ............... 179 109. A posição do Código.......................................................................... ................ 179 110. Actio libera in causa........................................................................... ............... 180 XII DA CULPABILIDADE F) A EMBRIAGUEZ 111. O alcoolismo...................................................................... ................................ 182 112. A orientação do Código.......................................................................... ........... 183 113. O fundamento: actio libera in causa.................................................................. 184 XIII DA ANTIJURIDICIDADE A) O ESTADO DE NECESSIDADE 114. Conceito e fundamento...................................................................... ............... 188 115. Requisitos...................................................................... .................................... 189 116. Exclusão do estado de necessidade................................................................ 192 150. Formas de andamento. Sistema progressivo.................................................... 235 151. Sistemas penitenciários. Sistemas clássicos..................................................... 236 152. Do trabalho e remuneração..................................................................... .......... 237 153. Detração penal........................................................................... ..................... 238 154. Direitos e deveres do preso........................................................................... .. 239 155. O problema sexual.......................................................................... ................. 240 IV DA PENA RESTRITIVA DE DIREITO 156. Natureza jurídica........................................................................ ...................... 242 157. Características................................................................. ................................. 243 158. Espécies........................................................................ .................................. 244 V DA PENA DE MULTA 159. Natureza........................................................................ .................................. 247 160. Pagamento. Conversão. Revogação................................................................ 248 VI DA APLICAÇÃO DA PENA 161. Arbítrio judicial........................................................................ .......................... 250 162. O art. 59.............................................................................. ............................. 251 163. A personalidade do agente e a gravidade objetiva do crime........................... 251 164. Circunstâncias legais.......................................................................... ............. 253 165. Fixação da pena............................................................................ ................... 254 VII CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES 166. Considerações gerais.......................................................................... ............. 257 167. Circunstâncias agravantes...................................................................... ......... 259 168. A reincidência.................................................................... ............................... 264 VIII CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES 169. Circunstâncias atenuantes...................................................................... ......... 266 IX CONCURSO DE CRIMES 170. Considerações gerais.......................................................................... ............. 270 171. Concurso material........................................................................ .................... 271 172. Concurso formal.......................................................................... .................... 271 173. Crime continuado...................................................................... ...................... 273 174. Sistemas de aplicação de penas..................................................................... 276 175. Multa........................................................................... .................................... 277 176. Limite das penas........................................................................... .................. 277 177. Concurso de leis............................................................................ ................. 278 X SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA 178. Considerações gerais.......................................................................... ........... 282 179. Histórico....................................................................... ................................... 283 180. Definição e natureza........................................................................ ................. 284 181. Pressupostos.................................................................... ................................ 285 182. Condições....................................................................... ................................. 286 183. Revogação....................................................................... ................................ 287 184. Inexecução da pena............................................................................ ............. 288 XI LIVRAMENTO CONDICIONAL 185. Considerações preliminares.................................................................... ......... 290 186. Definição. Natureza. Histórico....................................................................... ... 291 187. Pressupostos.................................................................... ................................ 292 188. Concessão do livramento condicional............................................................... 294 189. Revogação do livramento condicional.............................................................. 296 190. Incompatibilidade do livramento condicional. A expulsão de estrangeiro..................................................................... ............................... 297 XII DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO 191. Considerações gerais.......................................................................... .............. 299 192. A sentença penal condenatória.................................................................... ..... 300 193. A sentença penal absolutória..................................................................... ........ 301 194. Efeitos genéricos. Indenização..................................................................... ...... 303 195. Confisco........................................................................ ...................................... 304 196. Registro da condenação...................................................................... ............... 306 197. Efeitos específicos..................................................................... ......................... 307 XIII DA REABILITAÇÃO 198. Considerações gerais. Conceito........................................................................ . 309 199. Pressupostos. Revogação....................................................................... ........... 311 DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA 231. Crimes falimentares.................................................................... ........................ 373 VI DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE E) REPARAÇÃO 232. Retratação...................................................................... .................................... 376 233. Subsequens matrimonium..................................................................... ............. 377 VII PERDÃO JUDICIAL 234. Conceito........................................................................ ..................................... 380 235. Natureza jurídica........................................................................ ........................ 380 236. Extinção da punibilidade.................................................................... ............... 381 BIBLIOGRAFIA.................................................................... ...................................... 383 INTRODUÇÃO CONCEITO DO DIREITO PENAL SUMÁRIO: 1. Denominação. 2. Definição. 3. Caracteres. 4. Conteúdo. 5. Direito penal objetivo e direito penal subjetivo. 6. Caráter dogmático. 7. Direito penal comum e direito penal especial. 8. Direito penal substantivo e direito penal adjetivo. 1. Denominação. A denominação direito penal não é antiga. Segundo Mezger, parece que o primeiro a emprega-la foi um Conselheiro de Estado, Regnerus Engelhard, discípulo do filósofo Christian Wolff, em 1756. Atualmente, na Alemanha, é largamente usada. Omesmo se diga da Itália, não obstante o emprego também da expressão direito criminal, não sendo ocioso lembrar que a monumental obra de Carrara lhe deu preferência. Na Espanha e na França, parece-nos que as denominações derecho penal e dróit pénal são mais freqüentes que derecho criminal e droit criminel. Outros nomes tem sido lembrados: direito repressivo (Puglia), princípios de criminologia (De Luca), direito protetor dos criminosos (Dorado Monteiro), direito restaurador ou sancionador (Valdés), direito de defesa social (Martinez), denominação adotada pelo Código de Cuba. Outras expressões são ainda invocadas. Dentre as denominações tradicionais - direito penal e direito criminal - oscilam as preferências. Argumentam alguns que a primeira é imprópria, por não abranger as medidas de segurança cuja natureza preventiva as distingue da pena. Revidam outros que a punibilidade é a parte mais importante, de maior proteção e de efeitos mais graves. Consagradas pelo uso, qualquer uma das expressões pode ser empregada na denominação de nossa disciplina. Optamos, entretanto, pela de direito penal, em consonância com o Código, sendo marcante essa preferência dada pelo legislador, visto haver rejeitado a adotada por Alcântara Machado, em seu Projeto de Código Criminal. Isso dizemos, não abstante reconhecermos que esta última expressão é mais compreensiva. 2. Definição. Numerosas são as definições do direito penal, freqüentemente imperfeitas, lembrando-nos o famoso brocardo latino. Sinteticamente, Von Liszt define-o como "conjunto das prescrições emanadas do Estado, que ligam ao crime, como fato, a pena como conseqüência". Não se afasta muito dessa definição a de Mezger: " Direito Penal é o conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado, ligando ao delito, como pressuposto, a pena como conseqüência". Bem mais ampla é a de Asúa: "Conjunto de normas y disposiciones jurídicas que regulan el ejercicio Del poder sancionador y preventivo Del Estado, estabeleciendo el concepto Del delito como presupuesto de la acción estatal, así como la responsabilidad del sujeto activo, y asociando a la infracción de la norma una pena finalista o una medida aseguradora". Realmente, não se pode dizer que o direito penal se ocupa somente com o crime e a pena. Não só outras conseqüências oriundas do delito apresentam, como também mais vasto é o campo dessa disciplina. Aliás, o próprio Mezger, em seguida à sua definição, acentua que o direito penal do presente saltou o marco dessa denominação e que seu conteúdo se estende mais além dos limites que lhe assinala o sentido gramatical do nome. Já não se pode falar só da pena como conseqüência jurídica do crime. Resumidamente: direito penal é o conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado, tendo em vista os fatos de natureza criminal e as medidas aplicáveis a quem os pratica. 3.Caracteres. Pertence o direito penal ao direito público. Violada a norma penal, efetiva-se o jus puniendi do Estado, pois este, responsável pela harmonia e estabilidade sociais, é o coordenador das atividades dos indivíduos que compõem a sociedade. Os bens tutelados pelo direito penal não interessam exclusivamente ao indivíduo, mas a toda coletividade. A relação existente entre o autor de um crime e a vítima é de natureza secundária, já que ela não tem o direito de punir. Mesmo quando exerce a persecutio criminis, não goza daquele direito, pois o que lhe se transfere unicamente é o jus accusationis, cessando qualquer atividade sua com a sentença transitada em julgado. O delito é, pois, ofensa à sociedade, e a pena, conseqüentemente, atua em função dos interesses desta. Logo é o Estado o titular do jus puniendi, que tem, dessarte, caráter público. É o direito penal ciência cultural normativa, valorativa e finalista. Na divisão das ciências em naturais e culturais, pertence ele a esta classe, ou seja, à das ciências do dever ser e não à do ser, isto é, à das ciências naturais. É ciência normativa, pois tem por objeto o estudo da norma, contrapondo- se a outras que são causas-explicativas. Tem a norma por objeto a conduta ou o que se deve ou não fazer, bem como a conseqüência advinda da inobservância do que impõe. As ciências causais-explicativas podem também estudar a norma, mas ocupam-se com o porquê e como de sua gênese, com os efeitos sociais, a causa de seu desaparecimento etc., como escreve Grispigni. É também o direito penal valorativo. Como efeito, o direito não empresta às normas o mesmo valor, porém este varia, de conformidade com o fato que lhe dá conteúdo. Nesse sentido, o direito valoriza suas normas, que se dispõem em escala hierárquica. Incumbe ao direito penal, em regra, tutelar os valores mais elevados ou preciosos, ou, se quiser, ele atua somente onde há transgressão de valores mais importantes ou fundamentais para a sociedade. Outro caráter seu é ser finalista. Embora alguns, como Kelsen, sustentem que o fim não pertence ao direito, mas à política ou à sociologia, tem o direito um escopo que se resume na proteção do bem ou interesse jurídico. Bem é tudo quanto pode satisfazer uma necessidade humana, e interesse é a relação que se estabelece entre o indivíduo e o bem. É freqüenteque as duas expressões sejam empregadas como sinônimas, o que não acarreta prejuízo, pois, se o interesse é o resultado da avaliação que o indivíduo faz da idoneidade de um bem, é claro que a norma, protegendo o bem, tutela igualmente o interesse. Esses bens e enteresses pertencem não só ao indivíduo, mas à sociedade, e de sua coordenação e harmonia resulta a ordem jurídica. É o direito penal sancionado. A origem desta opinião parece ter sido Rousseau, ao dizer que "as leis criminais, no fundo, antes que uma espécie particular de leis, são sanções de todas as outras". Não estamos, entretanto, em zona pacífica: numerosos autores afirmam ser ele constitutivo. Cremos, com Grispigni e outros, que o preceito primário penal é complemento e reforço de um extrapenal. Isso não importa que ele suceda sempre a este, no tempo, mas sim que lhe é logicamente posterior. Trata-se de sentido lógico e não cronológico. Acrescenta esse autor que bem se compreende que, por princípio de economia do direito, quando o Estado pode combater um mal com sanção menos grave, como a civil, não irá lançar mão da mais severa, que é a penal - a qual, lembramos nós, pode chegar até a supressão da vida humana. Conseqüentemente, compreende-se que, sob ponto de vista lógico- sistemático, a sanção penal seja posterior a outras. Reforçando seu ponto de vista, observa o eminente autor que todos os Códigos Penais contêm disposição excludente da antijuridicidade: quando o fato é praticado no exercício regular do direito (CP, art. 23, III ). Ora, se não há crime, quando o fato é praticado nessas condições, é porque, principalmente, ele há de ser vedado por outro ramo jurídico. Em suma: parece-nos difícil sustentar que um crime não é sempre um ilícito extrapenal. Há uma relação de mais para menos. típicas, mas as infrações são previstas de modo vago ou genericamente. Fala-se também em direito penal administrativo, conjunto de disposições que , mediante uma pena, tem em vista o cumprimento, pelo particular, de um dever seu para com a administração. Apontam alguns, como seu capítulo mais importante, o direito penal fiscal ou financeiro. Direito penal militar, aplicável somente a determinada classe de pessoas e por órgãos próprios. Direito penal político, em que atua justiça especialíssima, como no caso do impeachment. (CF, art. 86). Enumeram-se ainda o direito penal econômico, próprio dos regimes autoritários ou de economia dirigida; direito penal do trabalho ou corporativo, muito em voga no fascismo, mas desaparecido com ele; direito penal industrial e intelectual, a que se quis dar injustificada amplitude, abrangendo toda a propriedade intelectual, nas suas manifestações industrial, intelectual e artística; direito penal da imprensa, de autonomia não justificada, pois compreende crimes que apenas de diferenciam pelo modo de execução; direito penal eleitoral, cuja consideração à parte não procede, já porque sua justiça é constituída quase toda por juízes da comum, já porque os próprios crimes eleitorais são complementares da legislação penal ordinária. Geralmente, os autores se pronunciam pela autonomia do direito penal disciplinar, militar, político e administrativo. Asúa não aceita a deste. A nosso ver, o melhor critério que estrema o direito penal comum dos outros é o da consideração do órgão que os deve aplicar jurisdicionalmente. Como escreve José Frederico Marques: " Se a norma penal objetiva somente se aplica através de órgãos constitucionalmente previstos, tal norma agendi tem caráter especial; se sua aplicação não demanda jurisdições próprias, mas se realiza através da justiça comum, sua qualificação será a de norma penal comum". 8. Direito penal substantivo e direito penal adjetivo. Desde há muito, autores de renome, como Feuerbach e Carmignani, consideram o direito penal processual, então chamado adjetivo ou formal, como integrante do direito penal ou substantivo. A consideração não nos parece exata. Tem ele autonomia. Se mantém estreita relação com o direito penal, também íntima, senão talvez maior, é a com o processual civil. Não se deve esquecer, aliás, que ele se ocupa também de direitos essencialmente substantivos como o de ação. Consoante escreve Asúa, o fato de, em algumas Universidades, serem lecionadas ambas as disciplinas na mesma cátedra tem sido o motivo dessa conceituação; porém o direito penal processual possui indiscutível personalidade e conteúdo próprio, não podendo ser considerado elemento integrante do direito penal stricto sensul6. RELAÇÕES DO DIREITO PENAL! SUMÁRIO: 9. Relações do direito penal comas ciências jurídicas fundamentais. 10. Relações do direito penal com outros ramos jurídicos. 11. O direito penal e a criminologia. 12. A penologia. 13. A política criminal. 14. O direito penal e as disciplinas auxiliares. 9. Relações do direito penal com as ciências jurídicas fundamentais. Vincula-se o direito penal à filosofia do direito, pois esta lhe fornece princípios que não só circunscrevem seu âmbito como lhe definem as categorias e conceitos. Como lembra Maggiore, as noções de delito, pena, imputabilidade, culpa, dolo, ação, causalidade, liberdade, necessidade, acaso, normalidade, erro, e outros, são conceitos filosóficos antes de serem categorias jurídicas!. Quando a filosofia do direito descobre novas relações jurídicas, revela também novos objetos para a função punitiva. Acentuado, como foi, o caráter sancionador do direito penal, difícil é que transformações ou modificações de importância na legislação de um povo não atinjam também seu Código Penal. Exato é, outrossim, que não se pode elaborar o preceito penal, sem prévio juízo de valor - e por isso já se apontou também o caráter valorativo do direito penal - o que é operação ética, prendendo-se ele, igualmente, à filosofia moral. Por fim sabido é que a "filosofia entra em casa sem ser convidada", como lembra aquele jurista e, portanto, vão será qualquer esforço para se repudiar a filosofia jurídica no estudo do direito penal. Relação mantém ele com a teoria geral do direito, pois esta elabora conceitos e institutos jurídicos comuns a todos os ramos do direito. Há, portanto, entre eles, a relação que existe entre a ciência geral e a particular. Serve ela de vínculo entre a filosofia jurídica e o direito positivo, por ser por seu intermédio que a primeira coordena e sistematiza os princípios básicos do segundo. Tal se opera, sem identificação matemática de todos os conceitos jurídicos. O sentido de um conceito pode variar nos diversos ramos jurídicos, sem se quebrar a unidade substancial dos princípios gerais. Compreende-se o liame entre o direito penal e a sociologia jurídica. Esta estuda o ordenamento jurídico nas causas e na função social. Tem por objeto o estudo do fenômeno jurídico como fato social e resultante de processos sociais, ocupando-se ainda dos efeitos das normas jurídicas na sociedade. Concebe-se a relação entre eles quando se reflete que as normas penais outra coisa não são que realidades sociais, revestidas de forma jurídica. 10. Relações do direito penal com outros ramos jurídicos. Com o direito constitucional apresenta o penal afinidades no tocante aos conceitos de Estado, direitos individuais, políticos, sociais etc. Subordina-se, evidentemente, ao Constitucional, já que um Código Penal não pode fugir à índole da Constituição. Se esta é liberal, liberal também será ele. Tal dependência é tão íntima que leva Asúa a dizer que toda nova Constituição requer novo Código Penal. O delito político sofre remarcada influência da Constituição do Estado. Nos regimes liberais não é ele tratado com a severidade dos autoritários. Entre nós, a Constituição Federal é fonte formal das normas penais, quando, v. g., dispõe sobre a amplitude de defesa (art. 5.°, LV) e o juiz natural (art. 5.°, LIII), a individualização da pena (art. 5.°, XLVI) e sua retroatividade (art. 5.°, XL), sua personalidade (art. 5.°, XLV) etc. Outros preceitos de índole liberal podiam ainda ser apontados. Relações também se manifestam entre os dois direitos, quando a Constituição dispõe sobre a competência da União para legislar sobre o direito penal, para conceder anistia etc. Estreito é o liame quando o Código Penal passa a definir os crimes contra o Estado e seus órgãos. Por outro lado, a Constituição Federal genericamente se refere a numerosos delitos, como os comuns, dolosos contra a vida, políticos etc. Enfim, tutelando os direitos fundamentais do homem e cuidando do funcionamento dos órgãos da soberania estatal, a Constituição traça limites, além dos quais as leis - e, portanto, as penais - não poderão ir, sob pena de inconstitucionalidade. Direito penal e direito administrativo também se conjugam, pois a função de punir é eminentemente administrativa, já que a observância da lei penal compete a todos e é exigi da pelo Estado. São suas relações manifestas porque, não poucas vezes, ambos tratam e se ocupam dos mesmos institutos. Assim, no tocante à execução das sanções impostas pela lei penal. Aliás, as medidas de segurança são, para muitos, providências de cunho administrativo - misure amministrative de sicurezza, dizem os italianos - não obstante serem capituladas nos Códigos Penais. Finalmente, a lei penal não olvida punir fatos em defesa da ordem e regularidade da administração pública, como ocorre entre nós. Íntima é a relação com o direito processual. Aliás, nas legislações de antanho, preceitos penais e processuais penais apareciam juntos. Divide-se o direito processual em civil e penal. Mesmo com o primeiro relaciona-se nossa disciplina, pois, não obstante a diferença de procedimento - penal e civil - ambos possuem normas comuns, como o ato processual e a sentença. Mais íntima é a relação com o processo penal. Enquanto no direito penal se consubstancia o jus puniendi, o processual o realiza com o se ocupar com a atividade necessária para apurar, nos casos concretos, a procedência da pretensão punitiva estatal. Defendendo a função dos órgãos encarregados daquela realização, o direito penal comumente pune fatos que a podem molestar ou ofender, ora se referindo exclusivamente ao processo penal (arts. 339, 340 e 341), ora ao civil (art. 358) e ora a ambos (arts. 342, 344, 346, 347 e 355). Com esse objetivo, os Códigos Penais costumam dispor de todo um capítulo que trata dos crimes contra a administração da justiça. Com a promulgação da Lei n. 10.028, de 19 de outubro de 2000, foi alterada a redação do art. 339 e acrescentou-se o Capítulo IV ao Título XI do Código Penal, com a denominação específica "Crimes contra as Finanças Públicas", complementando-se a tutela em relação às ofensas à administração da justiça. Em suma, é freqüente que problemas da maior importância interessem a ambos os ramos jurídicos, tal qual acontece com a tipicidade, cuja influência no terreno processual, hoje, não é lícito negar. Com o direito internacional público, relaciona-se também o penal, tanto que alguns autores chegam a falar num direito penal internacional, quando se trata de capítulo de direito internacional privado (n. 42). Atinências entre eles se verificam no tocante às leis penais no espaço. Cumpre, por fim, salientar o objetivo universal da luta contra a criminalidade, exigindo a conclusão de acordos de caráter internacional, como os relativos ao tráfico de brancas, objetos obscenos, extradição etc. Não é necessário acentuar a conjugação do direito penal com o penitenciário, chamado também executivo penal, considerado por muitos como ciência jurídica que se apartou daquele. Compõe-se de normas jurídicas que regulam a execução das penas e das medidas de segurança, desde o momento em que se toma exeqüível o título ainda com toda a precisão seu âmbito ou conteúdo. Alguns a denominam ciência penitenciária, que teria por objeto os sistemas penitenciários e as espécies de pena e de medida de segurança. Cremos, entretanto, que razão têm os que, como Asúa, lhe negam o caráter de ciência, por lhe faltar conteúdo próprio, já que, se a pena é encerrada sob o aspecto sociológico, compete à sociologia criminal seu estudo, como querem alguns, ou à sociologia penal, como propugna Grispigni; se é tomada como conseqüência do crime, entra no campo do direito penal; se se tem em vista sua execução, é objeto do direito penitenciário; se, enfim, se cogita da apresentação de iniciativas e providências para reforma do sistema punitivo, a matéria pertence à política criminal. 13. A política criminal. Tem ela tido maior desenvolvimento na Alemanha, conquanto geralmente se aponte como seu berço a Itália. Consideram-na alguns como o estudo dos meios de combater o crime depois de praticado; outros, entretanto, ampliam-lhe o conteúdo, para a conceituarem como crítica e reforma das leis vigentes. A maioria nega-lhe caráter científico, reduzindo-a antes à arte de legislar em determinado momento, segundo as necessidades do povo e de acordo com os princípios científicos imperantes. É ela crítica e reforma. Crítica quando examina e estuda as instituições jurídicas existentes, e reforma quando preconiza sua modificação e aperfeiçoamento. Vincula-a Grispigni à criminologia: deve ela, "com fundamento nas conclusões da Antropologia e da Sociologia Criminal, sugerir os meios mais idôneos para a prevenção e repressão dos crimes"". Entretanto, Asúa12, com exatidão, tem-na como parte do direito penal, visto ser corolário da dogmática, e exemplifica, dizendo que, se um dogmático, examinando o Código Penal de um país e não encontrando aí esposado o sursis, e, ciente de sua necessidade e eficácia pela dogmática, propuser a adoção, estará fazendo política criminal. Para o citado autor, ela é a arte de "traspasar en un momento determinado, a Ia legislación positiva, Ia aspiración proveniente de los ideales, ya realizable", finalizando por dizer não ser uma ciência, tampouco a moderna e promissora disciplina que Franz von Liszt pretendeu criar. Compreende-se sua estreita relação com a dogmática penal, porque pertence a esta a crítica objetiva da legislação vigente, e é dela que se há de partir para novas concepções e mesmo para a criação de um novo direito. 14. O direito penal e as disciplinas auxiliares. Ao lado do direito penal, disciplinas apresentam-se que lhe auxiliam a realização ou aplicação das normas. A medicina legal é considerada, por Afrânio Peixoto, como aplicação de conhecimentos científicos e misteres da justiça, advertindo o eminente professor que não é uma ciência autônoma, mas conjunto de aquisições de vária origem para fim determinado. Palmieri discorre, definindo-a como a aplicação de noções médicas e biológicas às finalidades da justiça e à evolução do direito. Compreende concomitantemente o estudo das questões jurídicas, que podem ser resolvidas exclusivamente com os conhecimentos biológicos e principalmente médicos, e o estudo dos fenômenos biológicos e clínicos que servem à solução dos problemas judiciários. Valioso é seu concurso no estudo dos crimes contra a vida, nos sexuais etc. Aplicações suas diariamente temos na investigação de crimes, com o exame das manchas, impressões, pegadas, sinais e outros. De sua importância, entre nós, fala bem alto a existência da cadeira de Medicina Legal, em nossas Faculdades de Direito. A psiquiatria forense, a rigor, integra-se na medicina legal; porém, dado seu desenvolvimento, é, hoje, considerada à parte. Tem por escopo o estudo dos distúrbios mentais, em face dos problemas jurídicos. Dupla é a tarefa do psiquiatra, ora colaborando com o legislador, na definição e solução de problemas do direito, ora com o magistrado, na aplicação da lei ao caso concreto. Quanto à segunda, deve limitar-se a, pelo estudo e observação do delinqüente psicopata, oferecer elementos seguros e necessários ao juiz, para decidir, e nunca opinar sobre a responsabilidade jurídica, tarefa do julgador. Com a adoção das medidas de segurança, mais se ampliou o campo da psiquiatria forense. A psicologia judiciária, ramo da psicologia aplicada, distingue-se da psicologia criminal (estudo dos caracteres psíquicos do delinqüente, a influírem na gênese do delito), e tem por objeto a obtenção da verdade no desenrolar do processo. Com esse fito, ocupa-se do acusado, juiz, ofendido, testemunhas etc. Sua importância, hoje, avulta, após os numerosos e acurados estudos da psicologia do testemunho, mostrando-nos suas imperfeições, deficiências etc., e, assim, patenteando a relatividade desse meio probatório. De modo geral, compreende-se sua importância para a avaliação da prova. A estatística criminal mantém íntima relação com a sociologia criminal. Tem por objeto revelar, por meio de dados numéricos, as relações causais entre os fatores endógenos e, principalmente, os exógenos e a criminalidade. Tem valor, entretanto, relativo, mesmo porque há elementos que influem na delinqüência e escapam de seu campo. A polícia científica consiste, segundo Grispigni: "No estudo dos meios sugeridos por diversas ciências como os mais adequados aos fins da polícia judiciária de apuração do crime e da autoria". Com essa finalidade, ela se vale dos conhecimentos que outras disciplinas, como a medicina legal, lhe fornecem. Asúa considera-a como ramo da criminalística, disciplina mais ampla, que não se circunscreve ao estudo dos métodos e meios de elucidar o crime e individualizar o autor, pois se ocupa dos conhecimentos que devem possuir todos os que intervêm na administração da justiça criminal, membros da polícia, advogados criminalistas etc. Capítulo de inegável importância da criminalística é o da especialização dos juízes do crime. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS IDÉIAS PENAIS SUMÁRIO: 15. Tempos primitivos. 16. Vingança privada. 17. Vingança divina. 18. Vingança pública. 19. Período humanitário. 20. Período criminológico. 15. Tempos primitivos. A história do direito penal é a história da humanidade. Ele surge com o homem e o acompanha através dos tempos, isso porque o crime, qual sombra sinistra, nunca dele se afastou. Claro é que não nos referimos ao direito penal como sistema orgânico de princípios, o que é conquista da civilização e data de ontem. A pena, em sua origem, nada mais foi que vindita, pois é mais que compreensível que naquela criatura, dominada pelos instintos, o revide à agressão sofrida devia ser fatal, não havendo preocupações com a proporção, nem mesmo com sua justiça. Em regra, os historiadores consideram várias fases da pena: a vingança privada, a vingança divina, a vingança pública e o período humanitário. Todavia deve advertir-se que esses períodos não se sucedem integralmente, ou melhor, advindo um, nem por isso o outro desaparece logo, ocorrendo, então, a existência concomitante dos princípios característicos de cada um: uma fase penetra a outra, e, durante tempos, esta ainda permanece a seu lado. 16. Vingança privada. Como se observa nas espécies inferiores, a reação à agressão devia ser a regra. A princípio, reação do indivíduo contra o indivíduo, depois, não só dele como de seu grupo, para, mais tarde, já o conglomerado social colocar-se ao lado destes. É quando então se pode falar propriamente em vingança privada, pois, até aí, a reação era puramente pessoal, sem intervenção ou auxílio dos estranhos. Entretanto, o revide não guardava proporção com a ofensa, sucedendose, por isso, lutas acirradas entre grupos e famílias, que, assim, se iam debilitando, enfraquecendo e extinguindo. Surge, então, como primeira conquista no terreno repressivo, o talião. Por ele, delimita-se o castigo; a vingança não será mais arbitrária e desproporcionada. Tal pena aparece nas leis mais antigas, como o Código de Hamurabi, rei da Babilônia, século XXIII a.C., gravado em caracteres cuneiformes e encontrado nas ruínas de Susa. Por ele, se alguém tira um olho a outrem, perderá também um olho; se um osso, se lhe quebrará igualmente um osso etc. A preocupação com a justa retribuição era tal que, se um construtor construísse uma casa e esta desabasse sobre o proprietário, matando-o, aquele morreria, mas, se ruísse sobre o filho do dono do prédio, o filho do construtor perderia a vida. São prescrições que se encontram nos § § 196, 197, 229 e 230. Outras legislações também adotaram o talião. Veja-se, por exemplo, a hebraica: o Êxodo (23, 24 e 25), o Levítico (17 a 21) e outros a consagrarem o "olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé". Conquista igualmente importante foi a composição, preço em moeda, gado, vestes, armas etc., por que o ofensor comprava do ofendido ou de sua família o direito de represália, assegurando-se a impunidade. Adotaram-na o Código de Hamurabi, o Pentateuco, o de Manu e outros, podendo dizer-se que permanece até hoje entre os povos, sob a forma de indenização, multa, dote etc. 17. Vingança divina. Já existe um poder social capaz de impor aos homens normas de conduta e castigo. O princípio que domina a repressão é a satisfação da divindade, ofendida pelo crime. Pune-se com rigor, antes com notória crueldade, pois o castigo deve estar em relação com a grandeza do deus ofendido. É o direito penal religioso, teocrático e sacerdotal. Um dos principais Códigos é o da Índia, de Manu (Mânava, Dharma, Sastra). Tinha por escopo a purificação Intérprete desse anseio foi Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria. Nasceu em Milão, em 1738. Ao invés de se entregar à vida despreocupada e cômoda, que sua posição e mocidade lhe proporcionavam, preferiu volver suas vistas para os infelizes e desgraçados que sofriam os rigores e as arbitrariedades da justiça daqueles tempos. Escreveu seu famoso livro Dei delitti e delle pene (1764), que tanta repercussão iria causar. Não era um jurista, mas filósofo, discípulo de Rousseau e Montesquieu. Sua obra assenta-se no contrato social e logo, de início, chama a atenção para as vantagens sociais que devem ser igualmente distribuídas, ao contrário do que sucedia. No § 11, afirma que as penas não podem passar dos imperativos da salvação pública. A seguir, sustenta que só às leis cabe cominar penas e somente o legislador as pode elaborar. Diante do arbítrio judicial, impugna a interpretação da lei pelo magistrado, acrescentando que "nada mais perigoso do que o axioma comum, de que é preciso consultar o espírito da lei", o que evidentemente é insustentável, mas que se explica como reação à arbitrariedade e à injustiça reinantes. Investe contra a obscuridade das leis, que deviam ser escritas em linguagem vulgar e não em latim, como era de costume. Firma bases para a apreciação da prova exigida para a prisão, ponderando que, diante dos rigores desta, aquela devia ser abundante e de bases sólidas. Lembra a seguir que, quando a desumanidade e a crueldade deixassem de reinar nas masmorras, então poder-se-ia contentar com indícios mais fracos para a prisão. No § VII, detém-se na consideração da prova do delito e na forma do julgamento. Divide aquela em perfeita e imperfeita, declarando que quando a última ocorrer é mister que muitas se apresentem para haver condenação. Bate-se pela publicidade dos julgamentos. São pontos também analisados: o testemunho humano, opondo-se à interdição, então reinante, de testemunhar um condenado, e as acusações secretas, invocando Montesquieu: "As acusações públicas são conformes ao espírito do governo republicano, no qual o zelo pelo bem geral deve ser a primeira paixão dos cidadãos". Nos parágrafos seguintes, combate a tortura nos interrogatórios e julgamentos; fala sobre a duração dos processos, que deve variar conforme a importância do crime, e bate-se pela moderação das penas. Opõe-se à execução capital, que deve ser substituída pela prisão perpétua; defende o banimento e impugna o confisco e as penas infamantes. Prega a celeridade e certeza do castigo, o que constitui verdade incontestável: "Quanto mais pronta for a pena e mais de perto seguir o delito, tanto mais justa e útil ela será"; aconselha a proporção entre ela e o delito; e passa a examinar, em sucessivos capítulos, diversas figuras delituosas (lesa- majestade, violências, injúrias, duelos, roubo, contrabando, falência e infrações contra a tranqüilidade pública). Não esquece a prevenção do crime e a profilaxia social. Escreve acerca da ociosidade e do suicídio e fala sobre delitos difíceis de provar: o adultério, o infanticídio, a pederastia, achando quanto a estes que melhor fora não defini- Ios como crimes: "Não pretendo enfraquecer o justo horror que devem inspirar os crimes de que acabamos de falar. Eu quis indicar suas fontes e penso que me será permitido tirar daí a conseqüência geral de que não se pode chamar precisamente justa ou necessária (o que é a mesma coisa) a punição de um delito, que as leis não procuraram prevenir com os melhores meios possíveis e segundo as circunstâncias em que se encontra uma nação". O argumento é interessante, mas improcedente. Nos últimos capítulos, ocupa-se de fontes gerais de erros e injustiças nas legislações, do espírito de família, do espírito do fisco e dos meios de prevenir os crimes. Conclui sua obra, sintetizando-a em poucas palavras: "De tudo o que acaba de ser exposto, pode deduzir-se um teorema geral utilíssimo, mas conforme ao uso, que é legislador ordinário das nações: 'É que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser essencialmente pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada em lei"'. É a essência da obra: defesa do indivíduo contra as leis e a justiça daqueles tempos, que se notabilizaram; aquelas, pelas atrocidades; e esta, pelo arbítrio e servilismo aos fortes e poderosos. Tem-se increpado à obra de Beccaria falta de originalidade, de nada mais ser que repetição dos enciclopedistas e que, antes dela, outras já se haviam feito ouvir na defesa do acusado. Não há mesmo profundidade no livro, que também não é original, pois suas idéias, inspiradas no Iluminismo, movem-se na corrente dos tempos. Seu sucesso, sua grande repercussão (penetrando na Declaração dos Direitos do Homem, traduzido em vários idiomas e aceito por Códigos, como o francês de 1791), deve-se ao momento em que veio à luz; era o livro que a sociedade esperava. Nem por isso é menor o desassombro do marquês; nem por isso se há de negar o extraordinário débito da humanidade para com ele. Foi o mais potente brado que se ouviu em defesa do indivíduo. Com Beccaria raiava a aurora do direito penal liberal. Outro nome que não deve ser olvidado é John Howard. Em terreno mais prático e noutro cenário - a Inglaterra - encabeçou o movimento humanitário da reforma das prisões. Percorreu as enxovias e calabouços da Europa e relatou os horrores que presenciou. (Aliás, ele mesmo já estivera preso.) Fê-lo em 1770, em seu livro The state of prisons in England; anos depois, escrevia outro trabalho. Propugna Howard um tratamento mais humano do encarcerado, dandolhe assistência religiosa, trabalho, separação individual diurna e noturna, alimentação sadia, condições higiênicas etc. Aos seus livros outros se seguiram, na Inglaterra, pregando melhor tratamento para os condenados. Por muitos é John Howard considerado o Pai da Ciência Penitenciária. 20. Período criminológico. Após o período humanitário, novos rumos para o direito penal são traçados e que se ocupam com o estudo do homem delinqüente e a explicação causal do delito. Quem primeiro os apontou foi um médico: César Lombroso. Em 1875, escreve seu livro L'uomo delinquente, que bastante repercussão tem, granjeando adeptos e provocando opositores. Ao invés de considerar o crime como fruto do livre arbítrio e entidade jurídica, tem-no qual manifestação da personalidade humana e produto de várias causas. A pena não possui fim exclusivamente retributivo, mas, sobretudo, de defesa social e recuperação do criminoso, necessitando, então, ser individualizada, o que evidentemente supõe o conhecimento da personalidade daquele a quem será aplicada. O ponto nuclear de Lombroso é a consideração do delito como fenômeno biológico e o uso do método experimental para estudá-lo. Foi o criador da antropologia criminal. A seu lado surgem Ferri, com a sociologia criminal, e Garofalo, no campo jurídico, com sua obra Criminologia, podendo os três ser considerados os fundadores da Escola Positiva. Não é exato dizer que Lombroso só se preocupou com os fatores endógenos na gênese do delito. Os exógenos também lhe mereceram a atenção. De modo insuspeito, depõe Mezger: "Ya 10 dicho hasta ahora muestra que el influjo de Ias causas externas y sociales en el nacimiento deI delito no falta en absoluto en Ia tesis lombrosiana". Certo é que Lombroso cometeu exageros, máxime no que diz respeito aos caracteres morfológicos do criminoso e no querer reduzir este a uma espécie à parte do gênero humano. Sua classificação de delinqüentes não resistiu por muito tempo à análise dos estudiosos. Todavia ele tem um mérito que não desaparecerá: o de haver iniciado o estudo da pessoa do delinqüente. Com ele, este deixou de ser considerado abstratamente. Foi a antropologia criminal que pôs em evidência a pessoa do criminoso, procurando investigar as causas que o levavam ao delito, ao mesmo tempo que forcejava por indicar os meios curativos ou tendentes a evitar o crime. Era, sem dúvida, uma estrada aberta na selva selvagem da luta contra a criminalidade. Nesse novo caminho, é exato que Lombroso se perdeu por veredas tortuosas e se equivocou ao fincar ou plantar marcos que o assinalariam, mas, como quer que seja, abriu nova estrada que seria doravante palmilhada por outros que a melhorariam e a tornariam mais firme. Ele e Beccaria, embora em rumos diversos, foram os dois césares no estudo do crime e da pena. Na frase incisiva de Hafter, o marquês de Milão proclamou ao mundo: "Homem, conheça a Justiça!" - O médico de Verona diria: "Justiça, conheça o Homem!". DOUTRINAS E ESCOLAS PENAIS SUMÁRIO: 21. Correntes doutrinárias. 22. A Escola Clássica. 23. A Escola Correcionalista. 24. A Escola Positiva. 25. A Terceira Escola. 26. A Escola Moderna alemã. 27. Outras escolas e tendências. Conclusão. 21. Correntes doutrinárias. Expostas já as concepções do Iluminismo, que, no direito penal, encontra em Beccaria seu representante máximo, e de passagem pelo Jusnaturalismo (Grocio, De jure belli ac pacis), com a concepção de um direito imutável e eterno, resultante da própria natureza humana e superior às influências históricas, vê-se que a investigação do fundamento de punir e dos fins da pena distribui-se por três correntes doutrinárias: as absolutas, as relativas ou utilitárias e as mistas. As teorias absolutas baseiam-se numa exigência de justiça: pune-se porque se cometeu crime (punitur quia peccatum est). Grande vulto dessa corrente foi Kant. Em suas obras, defende a concepção do delito como um ente jurídico, constituído por duas forças: a física e a moral; a primeira é o movimento corpóreo e o dano causado pelo crime; a segunda é a vontade livre e consciente do delinqüente. Define o crime como sendo "a infração da lei do Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso". Com a infração da lei do Estado, consagra o princípio da reserva legal: só é crime o que infringe a lei. Mas esta há de ser promulgada, isto é, jurídica, porque "Ia legge morale e rivelata all'uomo dalla coscienza. La legge religiosa e rivelata espressamente da Dio". Tem a lei a finalidade de proteger os cidadãos (a sociedade) , e o crime infringe essa tutela e, conseqüentemente, a lei. Daí o dizer ser ele um ente jurídico. Devia a violação resultar de um ato humano externo, positivo ou negativo, e, conseqüentemente, só o homem podia praticar esse ato (afastada a possibilidade de o irracional delinqüir); externo, porque a mera intenção não era punível, o que, aliás, Ulpiano, em sua célebre máxima, já afirmara (Cogitationis nemo poenam patitur). Positivo ou negativo o ato, advertindo, portanto, que a omissão, tanto quanto a ação, constituiria o delito; noutras palavras, este podia ser comissivo ou omissivo. Moralmente imputável, pois, se o livre-arbítrio é fundamento indeclinável da Escola Clássica, há de ser moralmente imputável o ato praticado, já que "Ia imputabilità morale e il precedente indispensabile della imputabilità politica" . E politicamente danoso, elemento que, embora implicitamente contido na segurança dos cidadãos, é repetido para esclarecer que o ato deve perturbar a tranqüilidade destes, provocando, dessarte, um dano imediato, isto é, o causado ao ofendido, e o mediato, ou seja, o alarma ou repercussão social. Em rápidas palavras, esse o pensamento de Carrara acerca do delito. Exposto isso, concomitantemente estão declarados quase todos os fundamentos e caracteres da Escola Clássica. Vale-se ela do método dedutivo ou lógico-abstrato. Assentam os Clássicos suas concepções sobre o raciocínio. Como escreve Asúa: "EI Derecho penal es para el clasicismo un sistema dogmático, basado sobre conceptos esencialmente racionalistas". É uma ciência jurídica, nada tendo que ver com o método experimental. Para eles, como já se viu, crime não é um ente de fato, mas entidade jurídica; não é uma ação, mas infração. É a violação de um direito. Tal princípio é básico e fundamental na escola. Fórmula sacramental de que deveriam dimanar todas as verdades do direito penal. E assim escreveu Carrara: "Acreditei ter achado essa fórmula sacramental; e pareceu-me que dela emanavam, uma a uma, todas as grandes verdades que o direito penal dos povos cultos já reconheceu e proclamou nas cátedras, nas academias e no foro. Expressei-a, dizendo - o delito não é um ente de fato, mas um ente jurídico. Com tal proposição, tive a impressão de que se abriam as portas à espontânea evolução de todo o direito criminal, em virtude de uma ordem lógica e impreterível. E esse foi o meu Programa". Outro característico da Escola Clássica, e também fundamental, é o relativo à pena. Esta é o meio de tutela jurídica. O crime é a violação de um direito e, portanto, a defesa contra ele deve encontrar-se no próprio direito, sem o que ele não seria tal. Conseqüentemente, ela não pode ser arbitrária, mas há de regular-se pelo dano sofrido pelo direito. É retributiva. Deve importar também em coação moral que detenha os possíveis violadores do direito. Não é exato que, na Escola Clássica, a pena não tenha a finalidade de defesa. Tem-na, embora em sentido exclusivamente especulativo. Aliás, já vimos isso com as teorias relativas, citando em especial Feuerbach, Bentham e Romagnosi. Finalmente, outro postulado da escola: a imputabilidade moral. É o pressuposto da responsabilidade penal. Funda-se no livre-arbítrio, elevado por ela à altura de dogma. Quem nega a liberdade de querer - diziam os Clássicos - nega o direito penal. Só o livre-arbítrio pode justificá-Io. Negar o extraordinário valor da Escola Clássica seria vã arremetida de sectarismo cego. Enorme foi sua influência na elaboração do direito penal, dando-lhe dignidade científica. Por outro lado, menor não foi sua ascendência sobre as legislações, já que a quase-totalidade dos Códigos e das leis penais, elaborados no século passado, inspiram-se totalmente em suas diretrizes, a que também permanecem fiéis Códigos de recente promulgação. Registre-se que ela foi a intrépida defensora do indivíduo contra o arbítrio e a prepotência daqueles tempos. 23. A Escola Correciona/ista. Alguns autores dão autonomia a esta corrente que denominam Correcionalista. Ela aparece com Carlos Davi Augusto Roeder, professor de Heidelberg. Afirmam diversos autores que sua inspiração é clássica. Concebe Roeder o direito como conjunto de condições dependentes da vontade livre, para cumprimento do destino do homem. É, pois, norma de conduta indispensável à vida humana, tanto externa como interna, e daí incumbe ao Estado não só a adaptação do criminoso à vida social como também sua emenda íntima. Com Roeder, o direito penal começa a olhar o homem e não apenas o ato. Não o homem abstrato, como sujeito ativo do crime, mas o homem real, vivo e efetivo, em sua total e exclusiva individualidades. No tocante à pena, o professor alemão avançou muito. Se o fim é corrigir a vontade má do delinqüente, deve ela durar o tempo necessário - nem mais, nem menos - para se alcançar esse objetivo. Será conseqüentemente indeterminada. Admitia Roeder que a execução da pena findasse, demonstrada que estivesse sua desnecessidade. É inegável que, no terreno das idéias penais, reinantes na terceira década do século XIX, ele foi um revolucionário. Suas concepções, entretanto, não tiveram grande influência na Alemanha. É principalmente na Espanha que vão encontrar entusiástica acolhida. Dorado Montero e Concepción Arenal são dois destacados nomes do Correcionalismo. Entre as numerosas obras do primeiro, surge EI derecho protector de los criminales. Mas nela os postulados correcionalistas conjugam-se com os positivistas. Concebe um direito penal sem pena. A finalidade dele é o tratamento e a recuperação do delinqüente. Com ser direito protetor dos criminosos, também o é da sociedade, que assim é defendida e protegida. Em certos casos, as medidas contra aqueles podem mesmo assumir aspectos severos, sem, entretanto, o caráter de castigo. Preconiz_ o direito penal do futuro, dizendo que os juízes do sistema penal preventivo, higienistas e médicos sociais, não devem ter (como não as têm os higienistas e médicos do corpo) leis que impeçam sua obra; não devem ter outras limitações, como não as têm ainda os médicos, senão as que lhes ditarem sua prudência, honradez e competência científica, que devem ser grandes. De Concepción Arenal é conhecida a frase: "Não há criminosos incorrigíveis e, sim, incorrigidos". Traduzem tais palavras a esperança na correção de todos os delinqüentes. Dorado Montero fez numerosos discípulos. Entres eles cite-se, como figura de singular projeção, Luís Jiménez de Asúa, um dos mais brilhantes penalistas da atualidade. Sem embargo do fim superior traçado ao direito penal, parece-nos que o direito protetor dos criminosos, politicamente, leva às suas últimas conseqüências os postulados da Escola Positiva, o que - consigne-se - é avançar muito. Esse direito penal não é o mesmo para os nossos dias. 24. A Escola Positiva. Inspirando-se no Iluminismo, a Escola Clássica exalçara, no campo penal, o princípio individualista, com esquecimento da sociedade. Contra ela se ergueria a Escola Positiva, que se dizia socialista. Por essa época, a filosofia e a ciência tomavam novos rumos, com o positivismo de Augusto Comte e o evolucionismo de Darwin e Spencer. Da sociologia daquele surgiria a sociologia criminal. Do segundo, Lombroso tiraria sua concepção do atavismo no crime. Spencer forneceria elementos aplicáveis à psicologia, à sociologia e à ética. O fundamento biológico da tese da defesa social provém das concepções da luta pela existência e da adaptação ao meio. A nova escola proclamava outra concepção do direito. Enquanto para a Clássica ele preexistia ao homem (era transcendental, visto que lhe fora dado pelo Criador, para poder cumprir seus destinos), para os Positivistas, ele é o resultante da vida em sociedade e sujeito a variações no tempo e no espaço, consoante a lei da evolução. Como deixamos dito do n. 20, seu pioneiro foi o médico-psiquiatra César Lombroso. A concepção básica é a do fenômeno biológico do crime e a do método experimental em seu estudo. Primeiramente, pretendeu explicar o delito pelo atavismo. O criminoso é um ser atávico, isto é, representa uma regressão ao homem primitivo ou selvagem. Ele já nasce delinqüente, como outros nascem enfermos ou sábios. A causa dessa regressão é o processo, conhecido em Biologia como degeneração, isto é, parada de desenvolvimento. Dito criminoso apresenta os sinais dessa degenerescência, com deformações e anomalias anatõmicas, fisiológicas e psíquicas. Caracterizavam o delinqüente nato a as simetria craniana, a fronte fugidia, as orelhas em asa, zigomas salientes, arcada superciliar proeminente, prognatismo maxilar, face ampla e larga, cabelos abundantes etc. A estatura, o peso, a braçada etc. seriam outros caracteres anatômicos. Notar-se-iam, também, insensibilidade física, analgesia (insensibilidade à dor), mancinismo (uso preferencial da mão esquerda) ou ambidestrismo (uso indiferente das mãos), disvulnerabilidade (resistência aos traumatismos e recuperação rápida), distúrbios dos sentidos e outros característicos fisiológicos. Da concepção de anomalia moral, chega à conclusão de que o critério da medida penal deve ser apericolosità, expressão usada em Della mitigazione delle pene nei reati di sangue, trabalho publicado em 187715. Define-a como a perversidade permanente e ativa do criminoso e a quantidade do mal previsto que se deve temer por parte dele. Desse conceito de Garofalo advém o de periculosidade ou perigosidade que hoje é tido em grande monta. Estranhamente, no tocante à repressão, afasta-se da escola: o fim da medida penal é principalmente a eliminação, seja pela pena de morte, seja pela deportação ou relegação. Com justiça, é Garofalo considerado o jurista dos primeiros tempos da Escola Positiva. Outros grandes nomes se contam nessa corrente: Fioretti, Puglia, Berenini, Magno, Altavilla, Florian, Grispigni etc. De todo o exposto, podemos apontar como fundamentos e caracteres dessa escola os seguintes: a) método indutivo; b) o crime como fenômeno natural e social, oriundo de causas biológicas, físicas e sociais; c) a responsabilidade social como decorrência do determinismo e da periculosidade; d) a pena tendo por fim a defesa social e não a tutela jurídica. O método empregado pela escola é o indutivo. Foi ela até chamada de Experimentalista. O crime e o criminoso devem ser expostos à observação e à análise experimental, como os fenômenos naturais. O delito não é um ente jurídico, como queriam os Clássicos, mas um fato humano, resultante de fatores endógenos e exógenos, que deve ser estudado sobretudo à luz da criminologia, ou, mais precisamente, pela antropologia e sociologia criminal. Não podia a escola, determinista que era, aceitar a responsabilidade moral: o homem é responsável por viver em sociedade, e a medida penal é dada pela periculosidade. Finalmente, a pena tem por escopo a defesa social, não havendo, por conseguinte, correspondência precisa entre ela e o crime. A sanção pode ser aplicada mesmo antes da prática delituosa, como sói acontecer com certas condutas compreendidas no estado perigoso: ociosidade, embriaguez, desonestidade, falta de decoro etc. Erros podem ser apontados na orientação positivista, como já deixamos dito. Não apenas em Lombroso, mas em Ferri, Garofalo e seus seguidores. Entretanto, são inegáveis o mérito da escola, as altas contribuições suas na luta contra a criminalidade e na elaboração de institutos jurídicopenais. Disse bem José Frederico Marques: "Mesmo que se não abrace a orientação que o positivismo italiano imprimiu aos estudos penais - só um extremado sectarismo poderia pretender obumbrar ou diminuir a repercussão e valor do movimento científico inaugurado por Lombroso e toda a nuova scuola". 25. A Terceira Escola. Procurando conciliar as posições extremadas da Escola Clássica e do Positivismo Naturalista, surgem correntes ecléticas, em diversos países europeus. Na Itália, comAlimena, Carnevale e Impallomeni, aparece a Terza Scuola, também denominada Positivismo Crítico. Situando-se entre aquelas duas, aceita os dados da antropologia e da sociologia criminal, ocupando-se do delinqüente; mas, dando a mão ao Classicismo, distingue entre o imputável e o inimputável. Consoante Roberto Lyra, os pontos básicos dessa corrente podem sintetizar- se: I) respeito à personalidade do direito penal, que não pode ser absorvido pela sociologia criminal; 2) inadmissibilidade do tipo criminal antropológico, fundando-se na causalidade e não-fatalidade do delito; 3) reforma social como imperativo do Estado, na luta contra a criminalidade. Do Positivismo, aceita a negação do livre-arbítrio, a concepção do delito como fato individual e social, o princípio da defesa da sociedade, que éo fim da pena, a qual, entretanto, não perde o caráter aflitivo. Concorda com a Clássica, admitindo a responsabilidade moral, embora não a fundamentando no livre-arbítrio. Distingue o imputável do inimputável, como já se disse, pois, consoante Alimena, a imputabilidade surge da vontade e dos motivos que a determinam, tendo por base a dirigibilidade do indivíduo, ou seja, a capacidade para sentir a coação psicológica. Somente éimputável o que é capaz de sentir a ameaça da pena. Advoga, entretanto, para o inimputável, medidas de cunho notoriamente positivista. Foi preocupação dessa escola evitar as discussões metafísicas do livrearbítrio e do determinismo, que freqüentemente olvidavam as exigências reais e impostergáveis do direito penal. 26. A Escola Moderna alemã. Ec1ética também é esta escola, surgi da na Alemanha, por sinal antes da de Alimena, devido à iniciativa de Von Liszt. Sua denominação varia. Chamam-na uns, na Alemanha, de Escola Moderna; outros de Positivismo Crítico; e terceiros, de Escola Sociológica, segundo Sauer "equívocamente entendida y no de modo muy c1aro"18. Asúa prefere a denominação Escola da Política Criminal, embora reconheça que não se lhe dá esse nome na Germânia. Apregoa a necessidade de estremar o direito penal da criminologia, devendo aquele limitar-se à dogmática dos textos legais, valendo-se do método lógico. Finalidade diversa é a da criminologia, que estuda cientificamente o delito no seu aspecto externo e nos fatores anteriores, sem o que será inócua a aplicação da pena. A finalidade principal dessa escola alemã foi a adoção de medidas e providências de ordem prática no interesse da repressão e prevenção do delito, o que conseguiu, introduzindo nas legislações diversos institutos. Considera o crime um fato jurídico, mas não esquece que também apresenta os aspectos humano e social. Não aceita o criminoso nato de Lombroso, nem a existência de um tipo antropológico de delinqüente; porém considera real a influência de causas individuais e externas - físicas e sociais - com predominância das econômicas. A pena, para Liszt e seus seguidores, tem função preventiva geral e especial, aquela advertindo a todos, esta quando recai sobre o delinqüente. Conferem à pena, sem o desprezo de outras providências, papel de relevo: "Puesto que el tratamiento eficaz resulta primeramente en Ia aplicación de Ia pena, fue reclamada Ia sentencia indeterminada (cfr. más adelante § 32). En el transcurso de Ia lucha se formuló: No se ha de castigar el hecho sino aI autor". São caracteres dessa escola: a) método lógico-jurídico para o direito penal e experimental para as ciências penais; b) distingue o imputável do inimputável, sem se fundar, porém, no livre-arbítrio, e sim na determinação normal do indivíduo; c) aceita a existência do estado perigoso; d) tem o crime como fato jurídico, mas também como fenômeno natural; e) a luta contra o crime far-se-á não só pela pena, mas também com as medidas de segurança. Teve Von Liszt notáveis seguidores, como M. E. Mayer, Kohlrausch, Radbruch, Graf zu Dohna, Exner, Eberhard Schmidt, Kantorowicz e outros. Essa escola foi fecunda no terreno das realizações práticas, pregando a necessidade de adotarem, as legislações, institutos como o das medidas de segurança, livramento condicional, sursis etc. Para a propagação e adoção dessas providências, muito contribuiu a União Internacional de direito penal, criada por Von Liszt, Prins e Von Hamel. Dessa escola diz Asúa: "... si en el aspecto teórico es poco estimable, por su falta de firme criterio unitario dirigente, es, en cambio, muy fecunda en el área legislativa, puesto que ha logrado inspirar los códigos que se han puesto en vigencia últimamente y los numerosos proyectos de Europa y algunos de América". 27. Outras escolas e tendências. Conclusão. Longa seria a exposição de outras escolas e tendências penais, sem qualquer proveito e, talvez, criando confusões acerca das já mencionadas, mesmo porque não cremos que elas possam ser consideradas verdadeiramente escolas, representando posição filosoficamente definida. Nas mais das vezes são variações da Clássica ou da Positiva. Assim é que se fala em Neoclassicismo, abrangendo a chamada Escola Humanista e, para muitos, a Técnico-Jurídica; em Neopositivismo, com as denominadas Escola Constitucionalista italiana, Socialista, Pragmática e do Idealismo Atualístico, sendo duvidosa a exatidão da situação dessas correntes, que, aliás, apresentam diferenças de vulto, tal seja o representante invocado. Das mencionadas, a que maior influência tem tido, nos últimos tempos, é a Técnico-Jurídica. Dizem-na oriunda da Escola Clássica, inspirada principalmente em Carrara, porém sofrendo influência da doutrina germânica, máxime de Binding. A Vicente Manzini, Asúa atribui a paternidade, embora acrescente que "por su mayor dinamismo, Arturo Rocco fue el más notorio creador de esta escuela". Não obstante filiável ao Classicismo, sendo mesmo reação contra o Positivismo, registre-se que daquele se afasta pelo repúdio à intervenção da filosofia no direito penal. É inegável ser o Tecnicismo Jurídico-Penal a corrente, hoje, dominante na Itália. Inspirando-se nele o Código Penal italiano e considerando o prestígio deste, é explicável a influência que tem tido também na doutrina penal de outros países. Em que pese à sua origem e à posição de combate ao Positivismo Naturalista, não fugiu ele à influência de concepções deste, como periculosidade, o fato humano e social do crime, as medidas de segurança e outras, o que leva diversos autores a acentuar seu colorido eclético. De modo geral, são caracteres do Tecnicismo Jurídico-Penal: a) negação das investigações filosóficas; b) o crime como relação jurídica de conteúdo individual e social; c) responsabilidade moral, distinguindo entre os imputáveis e inimputáveis; d) pena retributiva e expiatória para os primeiros e medida de segurança para os segundos. penal sobrepuja as demais pelo valor dos bens que tutela - vida, honra, liberdade etc. - e pela severidade da sanção - a mais grave que a humanidade conhece - donde a necessidade de precisão e certeza, que somente ela pode proporcionar. Trata-se da lei material, do jus scriptum, único modo por que o Estado pode definir crimes e cominar penas. Triunfante o princípio da reserva legal nul/um crimen, nul/a poena sine lege, a lei penal, sob o ponto de vista político, vem a ser, como escreveu Von Liszt, a Charta Magna do delinqüente. Com ela o indivíduo adquire o direito de não ser punido, desde que sua conduta não seja típica, isto é, não apresente tipicidade, ou ainda não se ajuste ao tipo que ela descreve, e ainda: presente que seja a tipicidade, tem, por via da lei, o direito de não ser punido mais do que ela dita. Conseqüentemente, não só é a lei fonte do direito penal como também sua medida. Tão preponderante é o papel desempenhado por ela, que forte corrente de autores afirma ser a fonte exclusiva do direito penal, não tendo nenhuma influência as fontes mediatas, ditas também indiretas ou primárias. Conseqüentemente, a norma penal descreve condutas ilícitas, a que comina pena. Compõe-se por isso de duas partes: o preceito e a sanção. No primeiro, declara-se qual a objetividade jurídica ou bem-interesse tutelado; na segunda, a punição pela violação desse objeto. A interdição imposta só o é indiretamente: os Códigos Penais não declaram "não matar", porém, "matar alguém, pena de tanto". A regra proibitiva, por conseguinte, é implícita; só a sanção é que é expressa. Isso porque, na primeira parte, a preocupação é descrever a conduta típica, à qual se há de ajustar a ação (em sentido amplo) do delinqüente, para haver lugar a sanção. Diante disso, Binding formulou, no seu Compêndio, a teoria de que o delinqüente não viola a lei penal, mas antes atua de acordo com ela. Quem, por exemplo, furta não transgride a regra positiva, porém age de conformidade com esta, violando, apenas, a norma "não furtarás". Como também escreve Prins, seu seguidor: "O agente que comete uma infração não viola a lei penal; viola o princípio que deu origem ao artigo do Código. Assim, por exemplo, o indivíduo que comete um crime de morte não transgride o texto do art. 393 do Código Penal; este texto, pelo contrário, adapta-se aos fatos praticados. O que ele viola é o princípio que proíbe matar". Binding distingue, por este modo, a norma da lei: aquela contém o princípio proibitivo e esta é mera descrição da conduta, conferindo ao Estado o direito de punir, desde que haja violação da norma. Mais certo parece-nos dizer que a lei é que revela a norma; ela é fonte desta. Kelsen falou que, de um simples jogo de palavras, Binding constrói uma teoria. É inegável, assim nos parece, que ela se apega demais à técnica legislativa. Não é exato que a lei penal não contenha implicitamente o princípio proibitivo. Tanto faz dizer: "Não matarás", como "Se matares serás castigado". Observa-se que o jurista germânico considera na lei penal o preceito separado da sanção, quando, na verdade, são inscindíveis: "11 frazionamento della norma nei due nuclei regola - coazione, che si rinviene nelle dotrine deI Thon e deI Binding, e, pero, inaccetabile. Invero, i concetti di comando, precetto, regola, imperativo, da una parte, e di sanzione, pena, dall'altra, sono termini che non riesce possibile pensare isolatamente, ma che concettualmente s'integrano e s'implicano e vicenda; e, come tali, essi sono accezioni inseparabile deI dovere giuridico, nuclei insceverabile e irreducibili, e, quindi elementi trasfusi organicamente nella categoria di norma giuridica". Além disso, é notório que a técnica aludida não é só da lei penal. Lembra com oportunidade José Frederico Marques que também o Código Civil, vez por outra, ao cominar sanções, não o faz expressamente, como sói acontecer com os arts. 80, onde se impõe a obrigação de reparar perdas e danos ao que deixar perecer a coisa, 159, que comina a obrigação de reparar o dano àquele que violar direito ou causar prejuízo a outrem etc. Ao passo que isso acontece com o diploma civil, o penal, por sua vez, quando não se trata de regras que descrevem condutas puníveis, formula seus preceitos com outra técnica, onde se ostenta o conteúdo imperativo da norma, como se dá com os arts. 29, 40, 58, 61 etc. do Código. Na lei penal existem preceito e sanção, advindo implicitamente daí o princípio proibitivo. A exatidão do que se afirma melhor se demonstra pelo confronto de uma disposição comum com a norma penal em branco, que realmente se completa com o preceito de outra, como dentro em pouco se verá. Nem por isso se nega o caráter sancionatório do direito penal, conforme se disse antes (n. 3). O ser sancionador não impede que contenha preceitos acerca da conduta individual, para só se ater à sanção. É a lei penal imperativa, pois a violação de seu preceito acarreta a pena. É geral, por se destinar a todos: opõe-se erga omnes. Costuma discutir-se aqui o problema dos destinatários da norma penal, divergindo os autores em que ela não se dirige aos inimputáveis. A nós nos parece opor-se a todos; somente no caso concreto é que, conforme a individualidade do agente, então, se lhe aplicarão outras medidas. É também a lei penal impessoal e abstrata, por não se referir a uma pessoa, ou categoria de indivíduos. Por fim, ela só se pode dirigir a fatos futuros. Classificam-se as normas penais em gerais ou locais, conforme o espaço, sendo estas de exceção, ditadas por peculiaridades próprias de determinado trecho do território nacional. Podem ser comuns ou especiais, tendo em vista a divisão do direito penal em comum ou especial, conforme se expôs no n. 7. Consoante o fator político, são ordinárias ou excepcionais, impostas estas por circunstâncias de emergência na vida da Nação. Dizem-se ainda incriminadoras, explicativas e permissivas: as primeiras descrevem condutas típicas sob sanção; as segundas declaram o conteúdo de outras normas, esclarecendo-o e dirimindo dúvidas; as últimas dispõem sobre condutas lícitas ou impuníveis, não obstante típicas. Finalmente, são completas ou incompletas: aquelas, contendo o preceito e sanção integrais; as segundas, necessitando de complemento, por ser o preceito indeterminado ou genérico. Como exemplo destas, cite-se a lei penUl em branco. Nela o preceito, quanto ao conteúdo, é indeterminado, sendo preciso somente quanto à sanção. É aquele, pois, preenchido por outra disposição legal, por decretos, regulamentos e portarias. Na conhecida frase de Binding, "a lei penal em branco é um corpo errante em busca de alma". Autores há, como Nélson Hungria, que frisam dever o complemento do preceito ser emitido infuturo5. Com Mezger, deve fazer-se distinção de normas em branco em sentido amplo e estrito. Na primeira espécie, o complemento pode estar na própria lei: "Tal forma es muy frecuente en Ias leyes accesorias y complementarias deI Código en los casos en que éstas formulan en primer término Ia prohibición legal y después, en un parágrafo de conjunto, sancione con una pena Ias infracciones de tales y tales parágrafos de Ia ley". Pertencem, ainda, à mesma espécie aquelas cujo conteúdo se encontra "en otra ler, pero emana de Ia misma instancia legislativa". É a lei penal em branco em sentido estrito quando o complemento é fornecido por outra lei "pero emanada de otra instancia legislativa". Conseqüentemente, o complemento preceptivo nem sempre é porvindouro. Entre nós, a Lei n. 1.521, de 26 de dezembro de 1951 (art. 2.°, VI), pune quem transgredir tabelas oficiais de gêneros, mercadorias ou de serviços essenciais. Entretanto são também normas penais em branco, v. g., o art. 237, que pune o que contrair casamento, conhecendo a existência de impedimento que lhe cause nulidade absoluta, sendo óbvio que o impedimento é determinado pelo Código Civil, e o art. 178, que apena a emissão de conhecimento de depósito ou warrant, em desacordo com disposição legal, sendo esta ditada pelas leis do warrant (Dec. n. 2.647, de 19-9-1860; Lei n. 1.746, de 1310-1869; Dec. n. 4.450, de 8-1-1870; Dec. n. 2.502, de 24-4-1897; Dec. n. 1.102, de 21-11-1903, e outros). Em tais casos, o complemento do preceito em branco das disposições penais a elas preexiste, enquadrando-se na segunda classe mencionada por Mezger, pois as fontes formais são homogêneas. Enquadra-se em outra espécie o art. 269 de nosso estatuto, impondo sanção ao médico que não denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória, pois a enumeração das enfermidades, cuja comunicação é imperativa, é feita por atos administrativos, ou seja, fonte heterogênea. Ponto de capital importância a observar é que a norma penal em branco não é destituída de preceito. Nela existe um comando, provido de sanção, de se obedecer ao complemento preceptivo que existe ou existirá em outra lei. Deve ter-se em conta a observação, por sua influência no estudo da retroatividade das normas penais em branco (n. 40). Asúa, com oportunidade, lembra que, diante dos princípios da reserva legal e divisão de Poderes: a) a fonte formal heterogênea tem por missão apenas "determinar especificamente as condutas puníveis dentro do círculo em branco"; b) "o poder de regulamentação se reduz à faculdade específica compreensiva somente das modalidades de interesse secundário ou de pormenor, indispensável para melhor execução da vontade legislativa". São limites ditados pela harmonia de Poderes. 30. Fontes mediatas: a) o costume; b) a eqüidade; c) os princípios gerais do direito; d) a analogia. A doutrina. A jurisprudência. Os tratados e convenções. Fora disso, "a jurisprudência dos tribunais nunca teve senão valor de interpretação doutrinária, quando, por obscuridade ou deficiência da lei positiva, há uma razão de duvidar, exigindo uma razão de decidir, não só induzida da solução de casos e preceitos gerais d legibus judicandum pelas leis". Os tratados e convenções internacionais são apontados por diversos autores, ora como fontes mediatas e ora imediatas. Roberto Lyra escreve: "A nosso ver, os tratados e as convenções internacionais, como verdadeiras leis entre as partes, constituem, também, fonte imediata de Direito Penal. Em nossos dias, sobretudo, quando se estreita a interdependência econômica dos povos e se faz, com a maior franqueza, o jogo dos interesses em choque, ou das conveniências comuns, adquirem grande importância esses ajustes diplomáticos" . Não comungamos da abalizada opinião, pois os tratados não têm força senão depois do referendum do Congresso (CF, art. 49, 1), e, conseqüentemente, passam a ser fontes como leis. De todo o exposto podemos concluir que, ao contrário do que muitos sustentam, não é hermeticamente fechado o âmbito do direito penal. Não se discute que, em matéria de definição de crimes ou agravação de penas, só a lei é fonte; todavia fora daí não se há de rejeitar a existência de outras. Assim o costume. Representa a consciência jurídica de um povo. Nasce espontaneamente, forma-se pouco a pouco e impõe-se por sua necessidade e assentimento geral, não necessitando para isso da intervenção de qualquer órgão do Estado. Penetra o direito penal, através de outras leis, que dele se integram, e participa do conteúdo de suas figuras típicas. Outras fontes mediatas são a analogia in banam partem e os princípios gerais do direito. HISTÓRIA DO DIREITO PENAL BRASILEIRO SUMÁRIO: 31. O aborígene. 32. Brasil Colonial. 33. O Império. 34. A República. 31. O aborígene. É intuitivo que as práticas punitivas dos homens que aqui habitavam em nada podiam influir sobre a legislação que nos regeria, após o descobrimento. Destituídos, pois, de interesse jurídico, os costumes penais dos nativos, limitar-nos-emos a apontar um ou alguns, mesmo porque seu estudo melhor se situa em outro setor. Conta-nos Rocha Pombo que, "entre os selvagens, o direito consuetudinário entrega o criminoso à própria vítima ou aos parentes desta; e se aquele que delinqüiu pertence a uma tribo ou taba estranha, o dano ou delito deixa de ser pessoal e se converte numa espécie de crime de Estado". Acrescenta que não só o homicídio - por sinal que muito raro - mas também o adultério, a perfídia, a deserção, principalmente, da tribo (onde melhor se consolidava o direito) e o roubo (praticado noutra taba, já que na mesma taba tudo era comum) eram punidos . As penas, nos delitos de certa gravidade, eram aplicadas por um juiz. Havia outros casos, naturalmente em crimes mais graves ainda, em que o julgamento cabia a uma assembléia, constituída em tribunal, com aplicação das penas de castigos corporais e provações, até a morte. Às vezes, a punição cifrava-se na entrega do criminoso aos parentes da vítima, se o crime era homicídio. É claro que esse direito consuetudinário nenhuma influência teria no descobridor que para aqui veio, trazendo suas leis. Foram elas os nossos primeiros Códigos. 32. Brasil Colonial. Verdadeiramente, foi o Livro V das Ordenações do Rei Filipe 11 (compiladas, aliás, por Filipe I, e que aquele, em 11-1-1603, mandava fossem observadas) o nosso primeiro Código Penal. São as Ordenações Filipinas. É o Código Filipino. Certo é que, na época em que o Brasil foi descoberto, vigoravam as Ordenações Afonsinas, logo substituídas pelas Manuelinas (1512), que, não obstante o grande prestígio que tiveram, eram revogadas em 14 de fevereiro de 1569 pelo Código de D. Sebastião. Foram, porém, as Filipinas nosso primeiro estatuto, pois os anteriores muito pouca aplicação aqui poderiam ter, devido às condições próprias da terra que ia surgindo para o mundo. Tudo estava por fazer e organizar. Para se ter uma idéia de como iam as coisas referentes à justiça, naquela época, basta lembrar o episódio ocorrido em Piratininga, em 13 de junho de 1587, em que o almotacel (magistrado de categoria inferior ao juiz ordinário) João Maciel pediu aos vereadores que lhe dessem as Ordenações (certamente o Código Sebastiânico), pois não podia, sem elas, exercer suas funções. Taunay, que nos narra esse episódio, acrescenta não se ter encontrado um só exemplar! Refletiam as Ordenações Filipinas o direito penal daqueles tempos. O fim era incutir temor pelo castigo. O "morra por ello" se encontrava a cada passo. Aliás, a pena de morte comportava várias modalidades. Havia a morte simplesmente dada na forca (morte natural); a precedida de torturas (morte natural cruelmente); a morte para sempre, em que o corpo do condenado ficava suspenso e, putrefazendo-se, vinha ao solo, assim ficando, até que a ossamenta fosse recolhida pela Confraria da Misericórdia, o que se dava uma vez por ano; a morte pelo fogo, até o corpo ser feito em pó. Cominados também eram os açoites, com ou sem baraço e pregão, o degredo para as galés ou para a África e outros lugares, mutilação das mãos, da língua etc., queimadura com tenazes ardentes, capela de chifres na cabeça para os maridos tolerantes, polaina ou enxaravia vermelha na cabeça para os alcoviteiros, o confisco, a infâmia, a multa etc. Quanto ao crime, era confundido com o pecado e com a mera ofensa à moral. Começava pela incriminação dos hereges e apóstatas, prosseguindo com a punição dos feiticeiros, dos que benziam cães etc. Realce especial merecia o crime de lesa- majestade, comparável à lepra, infamando também os descendentes, posto que não tenham culpa. Fatos que hoje depõem contra a decência e a moral eram considerados delitos gravíssimos, haja vista, v. g., o Título XIII - Dos que cometem pecado de sodomia e com alimárias - em que era queimado, até ser o corpo reduzido a pó, o homeIJl que tivesse relações carnais com um irracional, declarando os anotadores que o mesmo sucedia a este. Consagravam amplamente as Ordenações a desigualdade de classes perante o crime, devendo o juiz aplicar a pena segundo a graveza do caso e a qualidade da pessoa: os nobres, em regra, eram punidos com multa; aos peões ficavam reservados os castigos mais pesados e humilhantes. Ao lado da preocupação com a pessoa do soberano, da confusão do crime com o pecado, e com a falta moral, vê-se a atenção que o legislador reinol dispensava aos fatos sexuais, enumerando-os em extensa lista, alguns até bizarros e estranhos, e estendendo a interdição aos contatos carnais de infiéis e cristãos, ainda com intento de defesa religiosa. Não se pode falar, nesse diploma, em técnica legislativa. Seus títulos eram descritivos. Longas orações definiam os crimes. Imperava o casuísmo etc. Em suma: tudo quanto, mais tarde, Beccaria verberou ostentava-se inconfundivelmente no Livro V. Mas tenha-se em vista que ele não era uma lei de exceção, pois as atrocidades, as confusões, as arbitrariedades, as deficiências, as desigualdades etc. eram também de leis coevas. Foi o Código de mais longa vigência entre nós: regeu-nos de 1603 a 1830, isto é, mais de duzentos anos. Tentativas de modificar a legislação do Reino houve. As mais importantes consistiram nos projetos de Código Criminal, de autoria de Pascoal José de MeIo Freire dos Reis, professor da Universidade de Coimbra, homem culto, liberal, inspirando-se nos pensamentos dos enciclopedistas. Seus trabalhos jamais foram convertidos em lei, ou porque não resistiram às críticas das comissões revisoras, ou porque só eram lembrados com receio, diante dos fatos da Revolução Francesa. 33. O Império. Proclamada a Independência, era imperativo um novo Código Penal. Como isso não se podia fazer de um momento para outro, mandou-se, pela Lei de 20 de outubro de 1823, que continuassem a ser observadas as Ordenações, o que se daria até 1830, embora, no interregno, diversas leis houve que se destinavam a abrandar o rigor daquelas. José Clemente Pereira e Bernardo Pereira de Vasconcelos foram encarregados da elaboração de projetos. Ambos foram apresentados às comissões do Legislativo, sendo dada preferência ao de Vasconcelos. Foi aprovado o Projeto em sessão de 20 de outubro de 1830 na Câmara, sendo remetido ao Senado. Em 16 de dezembro, D. Pedro I sancionava-o. O Código honrava a cultura jurídica nacional. De índole liberal, a que, aliás, não podia fugir, em face do liberalismo da Constituição de 1824, inspirava-se na doutrina utilitária de Bentham. Influenciavam-no igualmente o Código francês de 1810 e o Napolitano de 1819. Todavia a nenhum deles se submetia, sendo freqüentes suas originalidades. Roberto Lyra assim as enumera: "1.°) no esboço de indeterminação relativa e de individualização da pena, contemplando já os motivos do crime, só meio século depois tentado na Holanda e, depois, na Itália e na Noruega; 2.°) na fórmula da cumplicidade (co- delinqüência como agravante) com traços do que viria a ser a teoria positiva a respeito; 3.°) na previsão da circunstância atenuante da menoridade, desconhecida, até então, das legislações francesa e napolitana, e adotada muito tempo após; 4.°) no arbítrio judicial, no julgamento dos menores de 14 anos; 5.°) na responsabilidade sucessiva, Causava pasmo o nome dado ao título referente aos crimes contra os costumes - Dos crimes contra a segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje público ao pudor - estando compreendidos como delitos contra a honra das famílias o estupro de meretriz, o lenocínio etc. Na casuística do estelionato, deixava para enumerar em 5.° lugar (art. 338, n. 5) o tipo básico ou fundamental do delito. Continha outras lacunas e imperfeições, não obstante a vigência de ótimos diplomas, como o Código italiano de Zanardelli, que lhe podiam servir ou serviram de modelo. Quer por seus defeitos, quer pelo tempo que vigorou esse estatuto, numerosas foram as leis extravagantes que o completaram, tornando, às vezes, aos homens do direito, embaraçosa a consulta e árdua a pesquisa. Foi o Des. Vicente Piragibe encarregado, então, de reunir em um só corpo o Código e as disposições complementares, daí resultando a Consolidação das Leis Penais, que se tornou oficial pelo Decreto n. 22.213, de 14 de dezembro de 1932, e cuja vigência findou com o advento do atual diploma, com a redação original de 1940. Ao invés do que sucedeu no Império, a obra da doutrina foi, aos poucos, avolumando-se e aprimorando-se. Contribuiu para isso o declínio do Tribunal do Júri, com a passagem da maioria dos crimes - depois a quasetotalidade - para o julgamento do juiz singular, tendo, então, os profissionais do foro de abandonar a oratória lacrimejante e patética - tão do agrado daquele tribunal - para se apegar ao estudo exegético do Código e das leis posteriores. É o que assinala Nélson Hungria, em conferência realizada na Faculdade de Direito de São Paulo. Dentre os principais comentadores do estatuto de 1890, apontam-se Oscar de Macedo Soares, Oliveira Escorel, João Vieira de Araújo, Bento de Faria e Galdino Siqueira. Mas a obra deste ocupa lugar de singular relevo. Na palavra autorizada de Hungria: "Deu-nos um corpo de doutrina que nos ligou ao pensamento jurídico- penal da época e rasgou amplos horizontes aos nossos olhos inexpertos". Todavia a maior obra de exegese do Código da República, infelizmente não terminada, devemo-la a Antônio José da Costa e Silva, desembargador do Tribunal de Apelação do Estado de São Paulo. É o seu comentário sereno e desapaixonado, justo e preciso. A par da notável cultura jurídica que revela, é o pensamento profundo. Encantam-nos o poder de síntese e a diafaneidade de estilo. São ainda de Nélson Hungria estas palavras: "Pela fiel informação doutrinária, pela riqueza e solidez de ensinamentos, perfeição técnica, concisão e clareza de estilo, esse livro foi e continua sendo a obra máxima do Direito Penal brasileiro". Realmente, Costa e Silva foi o maior vulto, entre nós, da dogmática penal. Na República, ele ocupa o lugar que Tobias Barreto teve no Império. Grande é o número de autores que publicaram trabalhos doutrinários em torno do novo Código. Seria difícil citar todos. Acodem-nos à memória os nomes de Virgílio de Sá Pereira, Viveiros de Castro, Cândido Mota, José Higino, Lima Drummond, Muniz Sodré, Mendes Pimentel, Esmeraldino Bandeira, Raul Machado, José Duarte, Roberto Lyra, Nélson Hungria, Narcélio de Queiroz, Beni de Carvalho, NoéAzevedo, Basileu Garcia, Soares de MeIo, Ataliba Nogueira, Cândido Mota Filho, Percival de Oliveira, Sinésio Rocha, Jorge Severiano, Ari Franco e Aníbal Bruno. Mal nascido o Código da República, surgia a idéia de sua reforma. Logo em 1893 João Vieira de Araújo apresentava um Projeto de Código Penal; em 1899, outro, pela Câmara dos Deputados, e em 1913 aparecia o de Galdino Siqueira. Não vingaram, porém. Virgílio de Sá Pereira, quatorze anos depois, apresenta um Projeto de Código Penal, para revê-lo no ano seguinte (1928) e, dois anos após, apresentar novo Projeto. Também estes não lograram êxito; o mesmo acontecendo, aliás, com o outro, elaborado em 1935, por incumbência do Governo Provisório, de autoria de uma Comissão composta de Sá Pereira (Presidente), Evaristo de Morais e Bulhões Pedreira. Finalmente, é Alcântara Machado, após o golpe de 1O de novembro de 1937, encarregado de elaborar um Projeto de Código Penal, que foi apresentado em 15 de maio de 1938. Em 12 de abril de 1940, o eminente professor, atendendo a críticas de juristas e da Comissão Revisora, composta por Nélson Hungria, Vieira Braga, Narcélio de Queiroz e Roberto Lyra, com assistência cotidiana de Costa e Silva, entrega ao Min. Francisco Campos o que ele chamou de "Nova Redação do Projeto de Código Criminal do Brasil". Tal projeto não foi, porém, convertido em lei. Pelo Decreto-lei n. 2.848 surgiu o Código Penal de 1940, em vigor desde 1.° de janeiro de 1942 e revogado parcialmente, já que atingido somente na Parte Geral pela Lei n. 7.209, em vigência a partir do começo do ano de 1985. O citado Código, no tocante à parte atingida, teve um longo período de vigência - 45 anos e foi fruto da Comissão Revisora mencionada no item anterior. É exato que Nélson Hungria disse que "o projeto Alcântara Machado está, para o Código Penal, como o projeto Clóvis está para o Código Civil", e que o próprio Alcântara Machado achou que ele provinha do seu Projeto; porém um exame demorado de ambos mostra diferenças marcantes e substanciais entre eles. Assim também pensa Costa e Silva: "Entre ele (o Projeto Alcântara) e o Código se encontram numerosos pontos de semelhança: são aqueles em que ambos (às vezes com pouca felicidade) copiaram os seus modelos prediletos - o Código italiano e o suíço -, mas traços inconfundíveis os distinguem" 1 I. O eminente jurista, que colaborou com a Comissão Revisora, diz textualmente: "A comissão organizou um substitutivo, deixando mais ou menos de lado aquele projeto. Foi esse substitutivo que serviu de base aos trabalhos futuros"12. Finalmente, o próprio Min. Francisco Campos, em sua Exposição de Motivos - item I - declara que "dos trabalhos da Comissão Revisora resultou este projeto", para em seguida anotar que o Projeto Alcântara, em relação aos anteriores, representou um grande passo para a reforma da legislação penal, foi valioso subsídio ao atual Projeto. Entre a promulgação do Código e sua vigência mediou o espaço de pouco mais de um ano. Ditava esse lapso não só a necessidade de conhecê10 como também dar tempo para que se elaborasse o novo Código de Processo, transformado em lei pelo Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Ambos os estatutos foram precedidos de Leis de Introdução. Como diploma contemporâneo e complementar do Código Penal, deve ser apontada a Lei das Contravenções Penais (Dec.-lei n. 3.688, de 3-10-1941). Era e é um Código Penal eclético, como se falou e declara a Exposição de Motivos. Acende uma vela a Carrara e outra a Ferri. É, aliás, o caminho que tomam e devem tomar as legislações contemporâneas (n. 27). Nélson Hungria declarou que "respigamos, para o efeito de algumas retificações, nos Códigos Penais suíço, dinamarquês e polonês"13. É marcante, entretanto, a influência do Código da Helvétia, e do italiano, acrescente-se. É o Código de 1940 obra harmônica: soube valer-se das mais modernas idéias doutrinárias e aproveitar o que de aconselhável indicavam as legislações dos últimos anos. Mérito seu, que deve ser ressaltado, é que, não obstante o regime político em que veio à luz, é de orientação liberal. Ao contrário do que alguns pensam, assisadamente elevou as penas, em relação ao diploma anterior, lastimável sendo, entretanto, que as mantivesse tão suaves no delito culposo. Outro ponto não digno de encômios é o de não ter fugido totalmente da responsabilidade objetiva. Todavia não é este o momento de apontarmos lacunas e deficiências que apresenta. Imperfeições ele tem, pois é obra humana, mas suas virtudes pairam bem acima de seus pecados. O Congresso de Santiago do Chile, em 1941, declarou que ele representa "um notável progresso jurídico, tanto por sua estrutura, quanto por sua técnica e avançadas instituições que contém". Um fato devemos, contudo, lastimar: o de se ter feito seguir por anacrônico e deficientíssimo Código de Processo, cuja reforma é imperiosa. O Código de 1940 provocou abundante produção na literatura penalista. Diversas são as obras que o comentaram, lembrando-nos de citar as de Galdino Siqueira, Jorge Severiano, Bento de Faria; também, o Tratado de direito penal, os Comentários ao Código Penal (Forense) e o Código Penal brasileiro comentado (Saraiva), estas a cargo de vários autores. Entre as obras que, por ora, se limitaram à Parte Geral do Código, recomendam-se por seu indiscutível valor doutrinário: Instituições de direito penal, de Basileu Garcia; Curso de direito penal, de José Frederico Marques; Direito penall , de Aníbal Bruno; Sistema de direito penal brasileiro, de Salgado Martins; e Código Penal (1943), de Costa e Silva; esta, infelizmente, sem possibilidade de ir até seu termo, devido ao falecimento do inolvidável autor. Sobre a Parte Especial do Código, podemos citar as obras de Bento de Faria, Galdino Siqueira; e, ainda, o Código Penal brasileiro (Forense), o Direito penal, de Aníbal Bruno (1.° volume dessa Parte); Lições de direito penal, de Heleno Cláudio Fragoso, e mais algumas. Digna de realce tem sido a produção de Nélson Hungria, Roberto Lyra, José Duarte e outros, não só por seus comentários em obras coletivas como também por trabalhos individuais, a que têm emprestado a profundidade de sua cultura. Pelo Decreto n. 1.490, de 8 de novembro de 1962, foi publicado o Anteprojeto de Código Penal, elaborado por Nélson Hungria. Submetido à apreciação de uma Comissão Revisora, transformou-se em Código Penal, pelo Decreto-lei n. 1.004, de 21 de outubro de 1969. Não foram poucos os adiamentos da entrada em vigor do novo estatuto. Inicialmente, seu art. 407 estipulou o início de sua vigência para 1.° de janeiro de 1970. derecho, según 10 que ordenare mi curia; y si no se comprobara Ia delación o el mal, el que hizo Ia delación sufra Ia pena sobredicha y además pague los gastos que hizo el delatado en ir y volver". Não se pode negar, todavia, a influência de haver também sido proclamada, na Inglaterra, naquela Carta, a regra de que ninguém seria julgado a não ser "por seus pares e pela lei da terra". Entretanto apenas no século XVIII esse princípio iria ser consagrado em fórmula definitiva e difundir-se pelas nações. Transportado pelos imigrantes ingleses para a América do Norte, esta o via inscrito nas Constituições de Filadélfia (1774), Virgínia (1776) e Mariland, no mesmo ano. Concomitantemente, como já dissemos, a filosofia daquele século (n. 19), encontrando na voz desassombrada de Beccaria a sua maior expressão, pregava como básica e fundamental para os povos a sua adoção. Foi ele, então, inscrito na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789: "La loi ne peut établir que des peines strictement et évidemment nécessaires et nul ne peut être puni qu' en vertu d' une loi établie et promulguée anterieurement au délit et légalement appliquée". Daí propagou-se pelos diversos países. Esse princípio "tem significado político e jurídico: no primeiro caso, é garantia constitucional dos direitos do homem, e, no segundo, fixa o conteúdo das normas incriminadoras, não permitindo que o ilícito penal seja estabelecido genericamente, sem definição prévia da conduta punível e determinação da sanctio juris aplicável". Conseqüentemente, não existe crime nem pena sem prévia lei. Só esta pode definir delitos e cominar sanções. Só a lei é fonte imediata do direito penal (n. 29). Firma-se, também, por essa regra, que o crime é pressuposto da pena. Modernamente ela adquire outra expressão, com a tipicidade, como mais amplamente se verá (n. 52). É a tipicidade a adequação do fato ao tipo descrito pelo legislador. Não há crime sem que a conduta humana se ajuste àfigura delituosa definida pela lei, ou, noutras palavras, não há crime sem tipo, "não há delito sem tipicidade". Mas o direito penal liberal não se exaure na máxima apontada. Outras se lhe juntam como garantia da liberdade do indivíduo: nu/la poena sine judicio e nemo judex sine lege. A primeira limita o poder do legislador, impedindo-o de votar leis que já imponham pena a pessoa ou pessoas determinadas. É a chamada normasentença, ou o bill of attainder dos anglo-saxões. Conseqüentemente, ninguém pode ser punido sem julgamento. É um direito que se refere sobretudo aos interesses individuais, é um direito de defesa, compreendendo as várias garantias outorgadas pelos textos constitucionais, como ocorre com a nossa Carta Magna, nos incis9s XL, LIII e LV do art. 5.°. A segunda regra afirma que a lei penal não pode ser aplicada senão pelo juiz com o poder de exercer a jurisdição penal e, por conseguinte, só ele pode julgar o acusado. Não se limita, porém, à exigência do Judiciário. É necessário, ainda, que o magistrado tenha competência (medida de jurisdição), isto é, tenha o poder de julgar em sentido concreto, pois é óbvio que, devido a razões de ordem prática, o poder de julgar é distribuído entre juízes e tribunais, já que seria absurdo supor que um só órgão pudesse conhecer de todas as causas. Tais princípios encontram-se na Constituição Federal (art. 5.° , LlII e XXXVII), quando declara que não haverá foro privilegiado nem juízes e tribunais de exceção e alude à competência do juiz. Em nossos dias, tem o direito penal liberal sofrido sérias investi das dos regimes totalitários. O Código Penal russo (art. 6.°) declarava que não seria considerada crime uma ação que não correspondesse a um artigo de lei, desde que, por suas circunstâncias, tivesse perdido o caráter de periculosidade social, e, no art. 16, ao revés, tinha-se como delito uma ação ainda que não tivesse sido especificamente prevista, desde que apresentasse periculosidade social, aplicando-se, então, os artigos da lei que previsse delitos de índole análoga. Era a analogia. O critério que norteava o juiz inspirava-se na política. Não estava ele adstrito aos termos da lei, devendo, antes, verificar se o fato molestava os interesses do Estado soviético. Não obstante, a reforma de 25 de dezembro de 1958 ab-rogou essas disposições, dizendo o Código, no art. 1.°, que "...a legislação penal da URSS e de suas Repúblicas define as ações socialmente perigosas consideradas crimes e comina as penas a serem aplicadas a seus agentes"; e, no art. 7.°, que "crime é toda ação ou omissão socialmente perigosa e prevista em lei penaL." É a volta ao princípio da reserva legal, que fora abandonado pela necessidade de consolidação do novo regime. Na Alemanha de Hitler, a Lei de 28 de junho de 1935 ab-rogou o § 2.° do Código Penal de 1871. Devia o magistrado, no apreciar o fato delituoso, inspirar-se na "sã consciência do povo germânico". Não necessitaria, porém, ir muito longe, pois a "sã consciência" era o que o Führer ditava a todos, era o que o "Mein Kampf" pregava. Entretanto, com a queda do nazismo e a ocupação aliada, o direito autoritário teria de desaparecer. Surgiram, pois, leis, como as de 20 de setembro de 1945,30 de janeiro de 1946, 20 de junho de 1947 e, por fim, a de 25 de agosto de 1953, que ab-rogaram diversos dispositivos daquela legislação, dispondo, hoje, o Código, no art. 2.°, § 1.°, que nenhum ato será punido senão quando seu caráter criminoso tenha sido declarado por lei anterior; e, no § 2.°, que a pena a ser aplicada é a cominada ao crime na data de sua prática, retroagindo, porém, ia ioi pius douce. É o nullum crimen, nulla poena sine iege. É a volta ao passado. Dos Estados totalitários, fez exceção a Itália, que, no art. 1.°, consagra a regra da legalidade. Quiçá tenha influído o fato de ser Arturo Rocco eminente representante da Escola Técnico-Jurídica, defensora desse princípio - autor do Projeto do Código. Talvez haja influído a circunstância de os crimes políticos e contra a segurança do Estado serem julgados por juízes e tribunais... impotentes diante da vontade do Duce. 36. Interpretação da lei penal. Necessidade. O sujeito. Os meios. Os resultados. Como reação ao arbítrio judicial então reinante, devido em parte ao grande número de leis contraditórias, entre as quais o magistrado tinha de optar no caso concreto, criando, assim, o direito, como escreve Asúa; ou, em parte, devido ao absolutismo monárquico, a que tudo se curvava, o Iluminismo do século XVIII opôs-se tenazmente à interpretação das leis. Proclamava Beccaria: "Resulta, ainda, dos princípios estabelecidos precedentemente, que os juízes dos crimes não podem ter o direito de interpretar as leis penais, pela razão mesma de que não são legisladores. Nada mais perigoso do que o axioma comum de que é preciso consultar o espírito da lei. Adotar tal axioma éromper todos os diques e abandonar as leis à torrente das opiniões". O engano é manifesto. Interpretar não é função do legislador e, quanto à consulta ao espírito da lei, não só não oferece perigo como é indispensável, se quisermos fixar-lhe com exatidão o sentido. A interpretação nada mais é do que o processo lógico que procura estabelecer a vontade contida na norma jurídica. Interpretar é desvendar o conteúdo da norma. Relativamente ao sujeito que a realiza, diz-se autêntica a interpretação quando procede do legislador, por via de outra lei ou de outra disposição que se chama, então, interpretativa. Como tal não devem ser consideradas as exposições de motivos que antecedem os Códigos, pois, ainda que emanadas de um ou de todos os autores da lei, não são rigorosamente interpretações autênticas. Diga-se o mesmo do comentário do autor da lei. Em nenhum desses casos há força obrigatória. Como exemplo de interpretação autêntica, lembra Hungria o art. 327 do Código, dando o conceito de funcionário público. Pode a interpretação ser também judicial. Produto da atividade judicante, é feita pelos juízes e tribunais, em suas decisões, só tendo força em relação ao caso concreto; porém torna-se valiosa quando, repetindo-se ou perseverando, vem a constituir jurisprudência, sem que, contudo, seja esta fonte do direito (n. 30). É ainda doutrinária a interpretação, quando realizada pelos escritores ou comentadores do texto. Tem valor, levando-se em consideração a pessoa que a faz; como, também, se a exegese reflete a opinião comum dos que trataram o assunto. É a communis opinio doctorum. Quanto ao meio empregado pelo intérprete, duas são as formas de interpretação: a gramatical, literal ou sintática, e a lógica ou teleológica. A primeira deve preceder a qualquer outro trabalho exegético, pois incumbe preliminarmente fixar a acepção dos termos usados pelo legislador. Todavia não se separa tão nitidamente, no tempo, da teleológica, que busca a vontade da lei. É necessário ter-se em vista ofim ou escopo desta (ratio legis), que é dado pela consideração do bem jurídico tutelado. A procura da objetividade jurídica, resguardada pela norma, deve ser preocupação máxima do exegeta; é o seu ponto de partida para o conhecimento do conteúdo de toda a norma. É, destarte, a interpretação mais valiosa. Quando se harmoniza com a gramatical, dúvida alguma pode dominar o intérprete, mas, na colisão entre ambas, deve ela prevalecer. O elemento sistemático, que nos leva a confrontar a disposição em análise com outras da mesma lei ou com outras leis, referentes ao mesmo assunto e, às vezes, com os princípios gerais do direito, desempenha papel relevante. que, na iminência da punição iníqua, deve lançar-se mão dela. Assim, v. g., em nosso estatuto, o art. 128, 11, permite o aborto médico à mulher estuprada e, portanto, pergunta-se: se a mulher violentada em seu pudor (art. 214) excepcionalmente engravidar, poderá abortar? Não há norma a respeito, e, assim, a punição será fatal. A não ser pela analogia in banam partem, aplicar-se-ão soluções diversas a casos idênticos, o que é iníquo. A LEI PENAL NO TEMPO SUMÁRIO: 38. Irretroatividade da lei penal. Retroatividade benéfica. 39. A lei mais benigna. 40. Ultratividade da lei penal. Norma penal em branco. 41. Do tempo do crime. Delitos permanentes e continuados. 38. lrretroatividade da lei penal. Retroatividade benéfica. Como decorrência do princípio nullum crimen, nulla poena sine praevia lege, seguese o da irretroatividade da lei penal. É claro que, se não há crime sem lei, não pode esta retroagir para alcançar um fato que, antes dela, não era considerado delito. O princípio da irretroatividade sofre, entretanto, a exceção contida no art. 2.°: "Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória". Em outros termos, a lei penal que beneficiar o acusado (lex mitior) retroage. Hoje, tal exceção foi erigida em norma constitucional, como prevê o art. 5.°, XL: "A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". Contém ainda, o artigo, princípio que faz a lex mitior retroagir, não só no caso de estar sendo movida a persecutio criminis como também no de haver sentença definitiva com trânsito em julgado. Portanto, mesmo que o réu estivesse cumprindo pena, deveria ser posto em liberdade, pois a lei posterior deixou de considerar delito o fato por ele praticado. Todavia é mister que se atente referir-se o dispositivo aos efeitos penais da sentença, o que significa que os efeitos civis permanecem, já que a sentença criminal também possui tais efeitos, que não desaparecem em virtude da restrição explícita do artigo. O princípio é, pois, da irretroatividade da lex gravior e da retroatividade da lex mitior, isto é, irretroatividade in pejus e retroatividade in mellius. Estatui o parágrafo único do art. 2.° do Código Penal: "A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado". A novidade introduzida pela atual lei está na expressão "de qualquer modo". Qual o seu significado? Abrange todas as hipóteses possíveis de benefícios, todas as situações que sejam mais benignas. Isto é, tudo o que seja favorável ao réu ou ao condenado. Exemplificando: circunstâncias novas atenuantes, causas extintivas de punibilidade até então desconhecidas, novos benefícios como o sursis e o livramento condicional, causas de exclusão de antijuridicidade introduzidas, penas menos rigorosas etc. Pela redação primitiva da parte especial do Código Penal, por força de pena acessória de imposição automática, todos os condenados a pena privativa de liberdade acima de dois anos recebiam como reprimenda a perda do cargo público. Pela reforma da parte especial do Código Penal, a perda da função pública passou a atuar como efeito da condenação, quando a pena aplicada fosse superior a quatro anos. Todavia, recentemente, a Lei n. 9.268, de 1.° de abril de 1996, que deu nova redação ao Código Penal, em seu art. 92, I, estabeleceu a perda automática do cargo, função pública ou mandato eletivo, quando for imposta condenação por pena privativa de liberdade superior a um ano, quando o delito for praticado com abuso de poder ou dever para com a administração pública, ou, então, quando tal pena for superior a quatro anos, nos demais crimes. Em conclusão: a lei penal retroage, a despeito da coisa julgada, nas hipóteses da aboliria criminis (art. 2.°) e da novatio legis in mellius (art. 2.°, parágrafo único). A nós nos parece estabelecido o princípio incondicional da retroatividade in mellius. 39. A lei mais benigna. Verificado que a lex mitior infringe o princípio de que o delito deve ser apreciado consoante a lei do tempo em que ocorreu (tempus regit actum), incumbe agora apurar-se qual a lei mais suave, ou la foi plus douce, no dizer dos juristas franceses. Afere-se a benignidade, no caso concreto, confrontando as leis concorrentes. Mais benéfica será a que cominar pena de menor duração, de natureza menos grave, de efeitos mais aceitáveis etc., como também a que der ao delito configuração que favoreça o réu, tanto pela não-incriminação do fato como por ver nele forma menos grave, outorgar-lhe circunstâncias minorativas da pena e dispuser processo mais favorável. Maggiore, entre diversos autores, alinha os característicos da lei mais benigna: a) pela diversa configuração do crime; a diversidade pode referirse à natureza deste (delito ou contravenção), aos seus elementos integrantes (ação, antijuridicidade, culpabilidade) ou aos seus elementos acidentais (circunstâncias); b) pela diversa configuração das formas (tentativa, participação, unidade e pluralidade de crimes, reincidência, habitualidade, profissionalismo, tendência a delinqüir etc.); c) pela diversa determinação da gravidade material da lesão jurídica constitutiva do crime; d) pela diversa determinação das condições de punibilidade positiva ou negativa (querela, extinção do crime e da pena); e) pela diversa determinação da espécie, da duração da pena e dos efeitos penais. São características irrecusáveis, porém isso não impede que somente diante do caso concreto é que se possa dizer qual a lei mais benigna. Para resolver a questão de saber se a lei nova é mais favorável ao acusado do que a lei em vigor, no momento em que ele praticou a infração, deve fazer-se a comparação entre as duas leis, não in abstracto (v. g., tomando em consideração sua tendência geral de serem mais ou menos severas), mas em relação ao indivíduo que se trata de julgar em concreto. Em caso de irredutível dúvida, de qual a mais benigna, deve aplicar-se a lei nova somente aos casos não julgados. Lembra-se ainda o critério de ouvir o réu, pois, afinal de contas, é ele que sofrerá a pena. Consideram os autores a hipótese da ocorrência de três leis em relação ao fato e antes de seu julgamento (a vigente ao tempo em que foi cometido, a intermediária e a posterior), para se saber se a segunda pode ser aplicada. Cremos que o caso não oferece dificuldades: a intermediária, sendo mais benigna, deve ser aplicada, pois ab-roga a primeira e impõe-se por sua benignidade à terceira. Ponto em que a doutrina não se concilia é no tocante à combinação de leis, para aplicação ao caso concreto. Objeta-se que o juiz não pode combiná-Ias para extrair delas um conteúdo mais favorável ao réu; ele estaria, em tal hipótese, elaborando uma lei, o que não lhe é permitido. Entre nós, defendem essa opinião Costa e Silva, Nélson Hungria e Aníbal Bruno. Na Itália, entre outros, Battaglini diz: "Uma combinação de dois sistemas legislativos é inadmissível". É a opinião mais comum. Não faltam, entretanto, os que pensam de maneira diversa. Petrocelli assim se pronuncia: "Noi non esitiamo a ritenere preferibile un sistema che consentisse aI giudice l'applicazione contemporanea della legge anteriore e di quella successiva, di ciascuna accogliendo, per i vari punti deI rapporto da regolare, le direttive e i limiti piu favorevoli aI reo". Comungam da mesma opinião Basileu Garcia e José Frederico Marques7, o primeiro invocando a eqüidade e o segundo observando que o juiz, em tal caso, obedece a princípio constitucional e joga com elementos fornecidos pelo próprio legislador. Se lhe é dado, na aplicação do mandamento constitucional, escolher entre duas leis a que é mais benigna, não se vê por que não se admitir que as combine para assim melhor obedecer à Lei Magna. Se pode escolher o "todo" para favorecer o réu, poderá também tirar parte de um todo para combinar com a parte de outro todo, em obediência ainda ao preceito constitucional. Tal opinião é aceitável. Ela apresenta solução equânime no período transitório entre duas leis, e é consentânea com o princípio do tratamento mais benigno ao acusado. 40. Ultratividade da lei penal. Norma penal em branco. No art. 3.°, trata o Código das leis excepcional e temporária, consagrando sua ultratividade, isto é, aplicam-se ao fato praticado durante sua vigência, mesmo depois que esta cessou. Lei temporária é aquela cuja vigência é prefixada. Lei excepcional é a que vige enquanto duram as circunstâncias que a determinaram: guerra, comoção intestina, epidemia etc. A esta o Código alude com a expressão "cessadas as circunstâncias que a determinaram", e àquela, com os dizeres "decorrido o período de sua duração". Conseqüentemente, praticada a violação delas, será o agente punido mesmo depois que cessou sua vigência. A razão da ultratividade é óbvia e vem declarada na Exposição de Motivos: "Esta ressalva visa impedir que, tratando-se de leis previamente limitadas no tempo, possam ser frustradas as suas sanções por expedientes astuciosos no sentido do retardamento dos processos penais". Não pode ver na ultratividade dessas leis violação do princípio constitucional de que a lei retroage quando beneficiar o acusado (art. 5.°, XL). Não se trata aqui de retroatividade, mas de ultratividade, isto é, a lei aplicase a fato cometido quando ela estava em vigor: permanece o princípio tempus regit actum. Pode ser que, cessadas essas leis, sejam substituídas por outra mais benigna. Deverá esta ser aplicada ao fato praticado na vigência daquelas? Estamos que não. Se a lei temporária ou excepcional deve ser aplicada, ainda que outra não lhe tenha sucedido, ou seja, quando o Estado achou que não há mais necessidade de Quatro princípios são apontados acerca da eficiência da lei penal no espaço: o da territorialidade, o da nacionalidade, o de defesa e o da justiça universal ou cosmopolita. O primeiro cinge-se ao território do país. Os crimes nele cometidos são regulados por suas leis, qualquer que seja a nacionalidade do réu ou da vítima. Não admite a concorrência de lei de outra nação e não ultrapassa as suas próprias fronteiras, isto é, não se preocupa com o delito cometido fora delas. O princípio da nacionalidade, também chamado da personalidade, determina que a lei a ser aplicada é sempre a do país de origem do delinqüente, onde quer que ele se encontre. Desdobra-se este princípio em ativo e passivo. Pelo primeiro, aplica-se a lei do país a que pertence o agente, sem se levar em consideração o bem jurídico. Pelo segundo, dita lei se aplica somente quando o bem jurídico ofendido pertença a pessoas da mesma nação. O princípio de defesa, também conhecido como de proteção ou real, diz que a lei aplicável é a da nacionalidade do bem jurídico lesado ou ameaçado, onde quer que o crime tenha ocorrido e qualquer que seja a nacionalidade do criminoso. Finalmente, pelo princípio da justiça universal, o delinqüente fica sujeito à lei do país onde for detido, qualquer que seja o lugar onde o delito foi praticado, a sua nacionalidade ou a do bem jurídico tutelado. Dito princípio é mais ideal, é de difícil efetivação, considerando-se a dificuldade da coleta de provas e a falta de uniformidade na conceituação do crime, pois o que assim é considerado entre nós nem sempre o será em país de outro continente. Os Códigos não adotam com exclusividade qualquer desses princípios. Vigora, às vezes, ora o da territorialidade, ora o da nacionalidade, sem que sejam olvidados, entretanto, os outros dois. 43. Territorialidade. Lugar do crime. Ficam sujeitos à lei brasileira os crimes praticados, no todo ou em parte, no território nacional, ou que, nele, embora parcialmente, produziram ou deviam produzir seu resultado - dispõem os arts. 5.° e 6.° do Código. Como se vê, é a adoção do princípio da territorialidade, embora o dispositivo contenha a ressalva da existência de convenções, tratados e regras de direito internacional. A rubrica da disposição é lugar do crime. O que se deve entender por isso é o que constitui objeto de três teorias: a da atividade, a do resultado e a unitária ou da ubiqüidade. Pela primeira, lugar do delito é aquele em que o sujeito ativo ou delinqüente pratica os atos de execução, teoria essa que tem merecido a preferência dos escritores germânicos I. A do resultado fixa como lugar do crime aquele em que se consumou, o que nem sempre coincide com o da atividade, pois esta pode ser praticada em um Estado e a consumação ocorrer noutro, v. g., o delito de homicídio, em que a vítima pode ser atingida em um país e vir a falecer em outro. Já teve maior aceitação esse princípio que apresenta, além do inconveniente da incerteza do lugar da consumação, o da renúncia do Estado em punir a ofensa a sua ordem jurídica, porque o resultado ocorreu além-fronteiras. Finalmente, a teoria da unidade ou ubiqüidade, também conhecida como mista, tem por lugar do delito aquele em que for realizado qualquer um de seus elementos integrantes, seja o da execução, seja o do momento consumativo. Dela diz Costa e Silva ser a única cientificamente certa, praticamente satisfatória e que impede a calamidade dos conflitos negativos de competência. Foi a teoria abraçada por nosso Código, no art. 6.°. Excetuados os atos preparatórios e os posteriores à consumação, basta que aqui tenha ocorrido qualquer parcela da atividade do indivíduo ou qualquer efeito que integre o resultado do delito, para haver lugar a lei brasileira, punindo o crime todo, e não apenas a fração que aqui se realizou. Encara também o dispositivo a hipótese da tentativa. Para esta, lugar do crime não é apenas onde se desenrolou a atividade do agente, mas também onde devia produzir seu resultado. Superior é a orientação do estatuto pátrio, em confronto com outros Códigos, como o suíço: "Une tentative est reputée commise tant au lieu ou son auteur l'a faite, qu'au lieu ou, d'apres le dessin de l'auteur, le résultat devait se produire" (art. 7.°) - pois não tomam em consideração o desígnio ou intenção do autor para caracterização do lugar do resultado; este não é o em que o agente quis ocorresse, mas onde teria ocorrido, se não fosse obstado de prosseguir. A respeito desses crimes, denominados a distância, em que a execução e o resultado ocorrem em países diferentes, dispõe nosso Código de Processo Penal, no art. 70, §§ 1.° e 2.°, fixando a competência ratione loci da autoridade judiciária brasileira. 44. Território. O art. 5.° refere-se ao território nacional, coisa que nenhuma dúvida apresenta, quando se considera apenas o espaço compreendido entre nossas fronteiras. Entretanto a noção de território vai mais longe: abrange todo o espaço onde impera a soberania do Estado. Território também é a faixa de mar ao longo da costa: mar territorial. Seu limite, primitivamente, era dado pela distância a que alcançasse um tiro de canhão postado na costa. Mais tarde abandonou-se esse critério. Entre nós, isso aconteceu por ocasião da primeira Conflagração Mundial, quando circular do Ministério do Exterior fixou para o mar territorial a distância de três milhas, a partir da costa. No Governo Castello Branco, o Decreto-lei n. 44, de 18 de novembro de 1966, aumentou essa área para seis milhas marítimas, que são acrescidas de outras seis. Hoje, o mar territorial pátrio "compreende uma faixa de doze milhas marítimas de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular brasileiro, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil". É o que dispõe o art. 1.° da Lei n. 8.617, de 4 de janeiro de 1993. O art. 3.° da citada lei reconhece aos navios estrangeiros o direito de passagem inocente (simples trânsito, sem quaisquer atividades estranhas à navegação) em nosso mar territorial. Os §§ 1.° e 2.° do art. 5.° falam sobre os delitos cometidos em embarcações e aeronaves, variando de acordo com a classificação e localização. A nós parecia melhor a redação primitiva do art. 4.° do Código Penal, que não conceituava o território jurídico, deixando as soluções para as leis específicas. No mar territorial, naturalmente, domina a lei da nação a que ele pertence. Todavia o direito internacional abre exceções relativamente aos navIOS. Dividem-se eles em públicos ou privados. Os primeiros são os vasosde- guerra, os empregados em serviços militares, em serviços públicos (alfândega, polícia marítima etc.), e os que transportam soberanos ou chefes de Estado e representantes diplomáticos. Tais navios, quer em alto-mar, quer no territorial, ficam sujeitos à sua lei; os crimes praticados a bordo são da competência da justiça do país a que pertencem. Representam a soberania do Estado e, dessarte, têm o respeito das outras nações. Os navios privados (mercantes, de recreio etc.), em alto-mar, estão sujeitos à lei do pavilhão que ostentam. A respeito, faz Basileu Garcia as considerações seguintes. Se o crime se der em alto-mar, numa jangada construída com destroços do navio que naufragou, ainda é a lei do navio que vige, pois a improvisada embarcação representa o vapor sinistrado; se houve abalroamento de duas naus e a jangada for construída com material de ambas, opina-se que o criminoso fique sujeito à lei de seu país. Se se encontram em mar territorial, os navios privados ficam sujeitos à justiça da nação a que eles pertencem. A respeito dos navios públicos, surtos em porto estrangeiro, concede-se que, se um tripulante seu desce à terra, em serviço, e aí comete um crime, fica ainda sujeito à lei do Estado do navio. Se desce a passeio e pratica delito de pequena gravidade, admite-se ainda fique submetido àquela lei. Quando alguém, praticado um crime em terra, se abriga em navio de guerra, surto em porto estrangeiro, tem-se entendido que, se o delito é político, não está o comandante obrigado a devolvê-Io a terra; porém, se é comum, deve entregá-lo, mediante requisição do governo local. É o que estipulou a Sexta Conferência Pan- Americana de Havana, em 1928. Quanto aos rios, podem ser considerados como nacionais e internacionais. Os primeiros correm pelo território de um Estado apenas. Os segundos ou separam os territórios de dois ou mais Estados ou passam por seus territórios. Se o rio é divisa natural entre dois países, algumas questões se apresentam. Caso pertença a um dos Estados ribeirinhos, a fronteira passará pela margem oposta. Mas, se ele pertence aos dois Estados, a divisa pode passar por uma linha determinada pela eqüidistância das margens, linha mediana do leito do rio, ou por uma linha que acompanha a de maior profundidade da corrente (talvegue). Pode também acontecer que o rio seja comum aos dois países, e, nesse caso, é indiviso, sendo comum a jurisdição sobre ele. Se o rio internacional é sucessivo, cada Estado exerce jurisdição sobre o trecho de seu território, sendo ele equiparado ao mar territorial. Quanto aos rios nacionais, claro que é plena a soberania estatal; podem, entretanto, ser concedidas vantagens a outros Estados. Três teorias falam sobre o domínio aéreo: uma prega absoluta liberdade do ar; a outra, a soberania sobre toda a coluna atmosférica do Estado subjacente; e a terceira, a soberania até a altura dos prédios mais elevados que se conhecem ou a do alcance de baterias antiaéreas. ou concedida a extradição - concebível, dessarte, que aqui se processe e julgue o delinqüente - e de haver requisição do Ministro da Justiça, a cargo de quem ficará decidir da conveniência do processo, visto ter sido o delito cometido no estrangeiro. O art. 9.° ocupa-se com a eficácia da sentença penal proferida em outro país. Trata-se de norma de exceção de efeitos limitados. Em primeiro lugar, é imprescindível que a lei brasileira produza, no caso, as mesmas conseqüências. Depois, a eficácia se cinge aos efeitos civis da sentença criminal, e, no campo penal, às medidas de segurança. O parágrafo único diz acerca das condições necessárias para a homologação, que compete ao Supremo Tribunal Federal. Há outros casos em que a sentença estrangeira também produz efeitos em nosso país: a reincidência, o sursis e o livramento condicional8. Em tais hipóteses, porém, não depende seu reconhecimento da homologação, como se verifica a contrario sensu do art. 787 do Código de Processo Penal. A sentença atua, então, como fato jurídico. A homologação só é necessária, diante do citado dispositivo e do art. 9.°, quando se instaura o juízo executório, isto é, quando tiver a sentença de ser executada aqui, para os efeitos mencionados no último dispositivo. 46. A lei penal em relação às pessoas e suas funções. Em todo Estado domina o princípio da territorialidade da lei penal: aplica-se a todas as pessoas que se acham em seu território. É, aliás, imperativo do princípio da igualdade de todos perante a lei, conquista do liberalismo do século XVIII. Tal princípio, entretanto, sofre exceções, oriundas das funções exercidas por certas e determinadas pessoas. Entre estas, apontam-se os chefes de Estado, quando em outro país, e os representantes de governo estrangeiro. Praticando crime, não ficam sujeitos às sanções das leis da nação onde se encontram. Ainda que ilícito, o ato subtrai-se à pena. Responderão pelo crime em seu país. Não se trata evidentemente de privilégio à pessoa física do representante estrangeiro, mas de acatamento à soberania da nação que ele representa. Claro é que essas imunidades diplomáticas devem ser recíprocas. Estendem-se aos funcionários do corpo diplomático e aos membros da família do representante. Abrangem,. outrossim, a sede da representação, com o que contém; porém não mais perdura, hoje, a ficção de que ela é porção do território estrangeiro. Sua inviolabilidade decorre da imunidade do representante. Conseqüentemente, um crime praticado aí, por pessoa que não goze de imunidade, fica sujeito à lei do país onde aquela sede se situa. Releva, por fim, notar que as imunidades se referem a qualquer delito, e não apenas aos cometidos no exercício das funções. Não gozam os cônsules - agentes administrativos - salvo convenção em contrário, das referidas imunidades. Quanto aos chefes do governo, há a considerar que os soberanos das monarquias constitucionais são invioláveis por suas Constituições: não respondem perante a lei penal. Trata-se de privilégio oriundo da permanência no trono enquanto viverem. Não assim os presidentes de repúblicas, embora fiquem sujeitos a regime especial. Entre nós, será ele julgado, nos crimes comuns, pelo Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, e nos de responsabilidade perante o Senado Federal, mas, em ambos os casos, somente depois que a Câmara dos Deputados, pelo voto de dois terços de seus membros, admitir a acusação. É o que diz o art. 86 da Constituição Federal. Além das imunidades diplomáticas, outras existem: as parlamentares. Diferem, entretanto, daquelas, pois são causas de irresponsabilidade ou condições de procedibilidade, ao passo que as diplomáticas não excluem o crime; deferem apenas a outro país sua apreciação. O art. 53 da Constituição Federal estabelece que os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos, sendo que, por força do § 1.°, não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença da Casa. No que diz respeito aos vereadores, o art. 29, VII, da Constituição Federal estabeleceu, como inovação, a inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos, desde que no exercício do mandato e nos limites da circunscrição do Município. A Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994, Estatuto da Advocacia, regulamentando o art. 133 da Constituição Federal, por força de seu art. 7.°, § 2.°, estabeleceu que os advogados têm imunidade penal, de natureza profissional, quando, no exercício da atividade, em juízo ou fora dele, praticarem atos que podem ser classificados como crimes de difamação, injúria ou desacato. É mais uma forma de imunidade penal, exigindo como requisito pessoal o de ser advogado e ter praticado o ato atacado quando no exercício da profissão. 47. Extradição. Com ser a luta contra a criminalidade objetivo comum de todas as nações, não há dúvida de que a punição de um crime interessa, sobretudo, ao Estado onde ele foi praticado. Daí a extradição, que é o ato pelo qual uma nação entrega a outra um criminoso para ser julgado ou punido. As fontes que a regulam são de direito internacional e de direito interno. Promana de tratados entre as nações, assentando-se no princípio da reciprocidade e adotados e completados por leis internas. Nosso Código, ao contrário de outros, como o italiano, não contém disposições acerca do instituto. Regula-o a Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980, em seus arts. 76 a 94, e vige também o Código Bustamante, oriundo do Congresso Internacional de Havana, em 1928, e aprovado por nós. Em regra, para a extradição são consideradas determinadas circunstâncias que se referem ao delinqüente e ao delito. Quanto ao primeiro, em princípio, toda pessoa pode ser extraditada. Todavia, em face de nossas leis, em regra, só o pode ser o estrangeiro, já que a extradição do brasileiro nato é proibida e a do brasileiro naturalizado é admitida em duas hipóteses: quando o crime foi cometido antes da naturalização e quando se tratar de envolvimento com o tráfico de drogas, como deixa claro o art. 5.°, LI, da Constituição Federal. Com efeito, o art. 76 da mencionada Lei n. 6.815 estabelece que a extradição poderá ser concedida quando o governo requerente se fundamentar em convenção, tratado ou quando prometer ao Brasil a reciprocidade; mas o art. 77, I, adverte que não será concedida a extradição quando se tratar de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fato que motivar o pedido. Em regra, não se admite a extradição para se aplicar a pena de morte. Contudo o art. 91 da Lei n. 6.815, ao determinar que não será efetivada a entrega do extraditando sem que o Estado requerente assuma determinados compromissos em benefício daquele, estabelece no inc. III que não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compromisso de comutar em em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte, ressalvados, quanto à última, os casos em que a lei brasileira permitir a sua aplicação. Desta forma, além daquilo que dispõe o inc. III do art. 91 citado, não haverá extradição nos seguintes casos previstos em tal dispositivo: não ser o extraditando preso nem processado por fatos anteriores ao pedido (inc. I); compromisso do Estado requerente de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição (inc. lI); compromisso de não ser o extraditando entregue, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame (inc. IV); e compromisso de não considerar qualquer motivo .político para agravar a pena (inc. V). Importante frisar que nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão (art. 83). Concedida a extradição, será o fato comunicado por meio do Ministério das Relações Exteriores à Missão Diplomática do Estado requerente que, no prazo de sessenta dias da comunicação, deverá retirar o extraditando do território brasileiro (art. 86). Negada a extradição, não se admitirá novo pedido baseado no mesmo fato (art. 88). 48. Disposições finais do Título I. O art. 10 do Código dispõe sobre a contagem do prazo. Refere-se ao tempo (da condenação, da prescrição, da suspensão da pena etc.), para dizer que o dia do começo inclui-se em seu cômputo, diversamente do que dispõe o art. 798, § 1.°, do Código de Processo Penal, que não considera o dia do início e conta o do vencimento. Tem a regra do estatuto substantivo o fim de beneficiar o acusado, permitindo, v. g., que se contem, como um dia, algumas horas de prisão. Conseqüentemente, a regra do Código prefere à do diploma adjetivo, quando ambos tratarem dos mesmos institutos. A segunda parte do artigo diz que os dias, meses e anos serão contados pelo calendário comum. Não seguiu a lei o exemplo do Código Civil (art. 125, § 3.°), preferindo o da lei penal italiana (art. 4.°). Ao contrário, pois, daquele, para quem o mês é sempre de 30 dias e o ano de 360, a contagem se fará de acordo com o calendário. Conseqüentemente, se a pena de um ano, v. g., começar a ser cumprida em 10 de janeiro, terminará em 9 do mesmo mês do ano seguinte. O art. 11 manda desprezar, na pena privativa de liberdade e na restritiva de direito, as frações de dia, e, na multa, as de real. O dispositivo obedece a razões de ordem prática e evita o exagero das legislações passadas, contando horas, minutos e frações de mil-réis. Dispõe o art. 12 que as regras gerais do Código aplicam-se a fatos incriminados por lei especial, desde que ela não disponha de modo diverso. Se dúvida houvesse de que não é o Código a única lei penal, bastaria ler o art. 360. A finalidade daquele dispositivo é que as leis penais constituam um todo harmônico. Conseqüentemente, desde que uma delas não dite regras diversas do estatuto básico - o que pode fazer, evidentemente, tangida pela natureza da matéria de que trata e por outros imperativos - desde que silencie, as normas gerais daquele são-lhe aplicáveis. Acreditamos não ser de seguir-se o ensinamento de Welzel: ele leva ao juízo valorativo da ação em momento não-oportuno; na análise do elemento subjetivo do delito é que é seu lugar adequado. Ocorre que o vigente Código Penal, em razão da modificação introduzida quanto à estrutura do erro e somente por tal motivo, tornou polêmica a questão sobre se adotada a teoria da ação finalista. Em sentido afirmativo, isto é, houve modificação para a adoção da teoria finalista, manifestaram-se os ilustres Professores Damásio E. de Jesus, Manuel Pedro Pimentel e Heleno Fragoso. A nós parece que não ocorreu tal inovação, continuando a legislação a trilhar seu caminho tradicional. Com relação ao erro, a modificação introduzida consistiu apenas na adoção de uma solução que em absoluto se restringe ao finalismo, tanto que compatível com a teoria social da ação. Tal fato, isto é, a nova estrutura do erro, não obriga necessariamente a aceitação de uma nova estrutura do crime. Saliente-se que os nobres autores e mestres citados já adotavam como fixação doutrinária a teoria da ação finalista, seguidores de Hans Welzel, o que também os teria levado a concluir pela modificação, aplaudindo o princípio por eles prestigiado. O juiz e jurista Ricardo Andreucci, um dos autores do Anteprojeto do vigente Código, portanto, em interpretação autêntica, afirmou que na verdade não surgiu um novo Código, mas apenas uma lei de reforma, conservando a filosofia do anterior. 52. A tipicidade. Para ser crime, é mister ser típica a ação, isto é, deve a atuação do sujeito ativo do delito ter tipicidade. Atuar tipicamente é agir de acordo com o tipo. Este é a descrição da conduta humana feita pela lei e correspondente ao crime. Na sua integralidade, compõe-se do núcleo, designado por um verbo (matar, subtrair, seduzir etc.); de referências ao sujeito ativo, isto é, condições ou qualidades que se devem encontrar no agente (militar, funcionário público, pai, médico etc.), ao sujeito passivo (Estado, mãe, filho menor etc.), ao objeto material (coisa móvel, documento, selo etc.), que freqüentemente se confunde com o sujeito passivo, v. g., no homicídio, em que o homem é sujeito passivo e objeto material; referências não raras encontramos, ainda, ao tempo, lugar, ocasião e meios empregados. São esses elementos que dão estrutura aos tipos de mera descrição ob jetiva, tipos normais, consoante Asúa. Outros elementos, entretanto, existem que, às vezes, aparecem, tirando ao tipo sua característica objetiva e descritiva. São elementos subjetivos do injusto e normativos, que informam os tipos anormais, ainda segundo o mesmo autor. Os elementos subjetivos do injusto estremam-se de outros de natureza subjetiva, que se referem à culpabilidade (como quando a lei exige no homicídio a voluntariedade, para distingui-Io do culposo), por serem ambivalentes, pois, conquanto se refiram à culpabilidade, relacionam-se também ao injusto, como acontece com o crime do art. 289, § 2.°, do Código, com a expressão "depois de conhecer a falsidade"; ou que aludem ao fim do agente nos chamados delitos de intenção; ou que correspondem ao motivo delituoso. São propriamente elementos subjetivos do injusto, perante nossa lei, os que se designam sob expressões como "em proveito próprio ou de outrem" (art. 161, § 1.°, I), "com o intuito de" (art. 171, § 2.°, V), "para fim" (arts. 219 e 221), "conhecendo essa circunstância" (art. 235, § 1.°), "por motivo de" (art. 208), e outros. Os elementos normativos dizem respeito à antijuridicidade e são designados por expressões como "indevidamente" (art. 151), "sem justa causa" (arts. 153, 154 e 244), "sem consentimento de quem de direito" (art. 164), "sem licença da autoridade competente" (art. 166), "fraudulentamente" (art. 177), e mais algumas. São esses os elementos que entram na constituição dos tipos normais e anormais, segundo a classificação de Asúa. Ao mesmo tempo em que o legislador, definindo o delito, cria o tipo, exige o interesse individual, em todo regime de liberdade, que a ação humana se lhe ajuste. É o que se denomina tipicidade. Conseqüentemente, não existe crime sem tipicidade, isto é, sem que o fato se enquadre em um tipo, o que vale dizer que não há crime sem lei anterior que o defina (Nullum crimen sine lege). Deve-se a Beling a criação da doutrina da tipicidade, que recebeu notável impulso com Mayer, insistindo em que ela é elemento indiciário da antijuridicidade. 53. A antijuridicidade. A ação é antijurídica ou ilícita quando é contrária ao direito. A antijuridicidade exprime uma relação de oposição entre o fato e o direito. Ela se reduz a um juízo, a uma estimativa do comportamento humano, pois o direito penal outra coisa não é que um complexo de normas que tutelam e protegem as exigências ético-sociais. O delito é, pois, a violação de uma dessas normas. Tal conceito se completa por exclusões, isto é, pela consideração de causas que excluem a antijuridicidade. Será antijurídico um fato definido na lei penal, sempre que não for protegido por causas justificativas, também estabeleci das por ela, como se dá com o art. 23 do Código. Assim, se um homem mata outro em legítima defesa, realiza tipicamente um homicídio (art. 121), porém não há crime, por inexistir antijuridicidade, em face do art. 23, 11. Vê-se, pois, mais uma vez, que a tipicidade é elemento indiciário da antijuridicidade. Assunto de relevo é que esta pode ser considerada sob os aspectos formal e material. A primeira é aquela a que nos estamos referindo: a oposição a uma norma legal. A segunda projeta-se fora do direito positivo, pois se constitui da contrariedade do fato às condições vitais de coexistência social ou de vida comunitária, as quais, protegidas pela norma, se transformam em bens jurídicos, como se falou no n. 49, sendo óbvio que a matéria, de que ora se trata, se encontra estritamente relacionada com o conceito material e formal do crime, objeto do citado parágrafo. Tais considerações levam à essência da antijuridicidade, mas acham-se em terreno metajurídico. Outras concepções existem para dar o fundamento da antijuridicidade material, como a de Alexander Graf zu Dohna - a do meio justo para um fim justo: "Esta falta, cuando Ia acción concreta, medida con Ia idea básica deI derecho como un orden de protección de nuestra cultura social, aparece como un medio justo para un fin justo"6, concepção que não deixa de ser vaga. Apontam-se, ainda, as normas de cultura de Mayer (normas de religião, costumes, educação, intercâmbio moral, cultural, econômico, social, técnico etc.), quando o ilícito é violação delas, o que não impede, entretanto, de, uma vez ou outra, o legislador se pôr em contradição com elas, de modo que nem sempre as leis cristalizam normas dessa natureza. Não há dúvida de que a antijuridicidade material, como a aceitamos, dá o conteúdo da formal. Ela orienta o legislador no sentido de consagrar na norma aqueles imperativos e exigências da vida coletiva. Como essência, pois, da lei, ela entra no terreno jurídico. Todavia, se um falo atentar contra os interesses sociais, mas não for contemplado pela norma, não poderá ser tido como antijurídico ou ilícito penal. A preponderância há de ser da antijuridicidade formal. Nem a outra conclusão leva o princípio da reserva da lei, o nullum crimen, nulla poena sine lege. A antijuridicidade representa um juízo de valor em relação ao fato lesivo do bem jurídico. E sua apreciação é puramente objetiva, não dependendo de condições próprias do autor do fato: tanto é ilícito o homicídio cometido por um homem normal como por um alienado. Em ambos os casos háantijuridicidade; a diferença é que no último não existe agente culpável e, conseqüentemente, punição. Mas a consideração que se faz das condições psíquicas do autor do fato, para se aferir a culpabilidade, é estranha à ilicitude. Noutras palavras, sintetiza Aníbal Bruno: "A vontade com que o sujeito atua, ineficaz para formar o núcleo da culpabilidade, é válida para constituir a ação ilícita". Isso, sem embargo de se reconhecer, como já ficou dito, que o tipo, às vezes, contém elementos de natureza subjetiva, que dão a medida do juízo valorativo acerca do fato. Os coeficientes subjetivos do tipo são conditio sine qua non do juízo objetivo que se formula ao indagar-se da ilicitude do fato. Sem esses elementos subjetivos, este não pode ser objeto do juízo de valor: eles represent_, como diz Bettiol, "illimite aI di là deI quale non c'e alcuna possibilità di valutazione". Assunto por demais controvertido é o das causas supralegais de antijuridicidade - ligado, aliás, ao das fontes do direito e à antijuridicidade formal e material - provocando acalorados debates e congregando nomes do maior realce do mundo jurídico. Entre nós, entusiasticamente é por sua admissão José Frederico Marques; combate-as com ardor Nélson Hungria. A nós nos parece que a opinião afirmativa de que nem toda causa excludente do injusto está contida na lei vai predominando. Certo é que, em matéria do ilícito, deve ser o direito penal impenetrável, a tudo presidindo e dominando os tipos legais que ele define. Mas, no tocante à licitude, a vida prática pode apresentar casos que verdadeiramente mostram que a lei não esgota o direito, e, então, excepcionalmente, há de se ir buscar em preceitos de outros ramos jurídicos, no costume e na analogia, a extraordinária licitude da ação típica. 54. A culpabilidade. Além de típica e antijurídica, deve a ação ser culpável. Trata-se do elemento subjetivo do delito. O resultado lesivo ao direito, oriundo da ação do sujeito ativo, há de ser-lhe atribuído a título de culpa, em sentido amplo, isto é, dolo ou culpa. Inadmissível é a responsabilidade objetiva, triunfante de há muito o princípio nullum crimen sine culpa. Se é exato que ela é inseparável dele, no momento da cominação, não é menos certo que pode faltar na aplicação. Com segurança escreve Hungria que um fato pode ser típico, antijurídico, culpado e ameaçado com pena (in thesi), isto é, criminoso, e, no entanto, anormalmente deixar de acarretar a efetiva imposição de pena, como nas causas pessoais de exclusão de pena (eximentes, escusas absolutórias), tal qual se dá no furto familiar (art. 181, I e lI) e no favorecimento pessoal (art. 348, § 2.°), nas causas de extinção de punibilidade e nas extintivas condicionais (livramento condicional e sursis), em que não há aplicação de pena, mas o crime permanece. A pena vem a ser, então, um efeito do delito. É sua conseqüência ou resultado. 56. Pressupostos do crime e condições objetivas de punibilidade. Comumente falam os autores nos pressupostos do delito, dando-Ihes, aliás, conceitos diversos. Para outros, carecem de importância na análise do crime: "Invero, sulla base dia una considerazione finalistica Ia categoria dei presupposti dei reato perde Ia sua ragione di esistenza percM essa risponde ad una esigenza di puro ordine sistematico che non ha ache vedere con i valore tutelati". Muitos, entretanto, costumam distinguir os pressupostos dos elementos integrantes do crime. A distinção é cabível, tendo-se em vista o crime como fato, pois, no terreno normativo, eles integram o tipo. Pressupostos são, então, os estudos, situações ou circunstâncias anteriores à execução do fato criminoso e que lhe dão característico, tal como a qualidade de funcionário público, v. g., no crime de peculato (art. 312), que não passa de apropriação indébita (art. 168) praticada por aquele no exercício da função. Quanto às condições objetivas de punibilidade, não se trata também de matéria pacífica: uns negam a utilidade da distinção, outros confundem-nas com as condições de procedibilidade e terceiros ainda as consideram diversamente. Não vemos sempre nítida a distinção entre condições objetivas de punibilidade e de procedibilidade. Para alguns, até, comoAsúa, "son auténticas condiciones objetivas y extrínsecas de penalidad los presupuestos procesales expresa o tácitamente exigidos en Ias leyes punitivas, aI describir y penar una concreta figura de delito". E aponta como casos de condição de punibilidade a declaração da falência e a sentença de divórcio, para o processo por adultério. Se a punibilidade efetiva está sujeita a procedibilidade - nulla poena sine judicio - parece-nos que realmente as duas circunstâncias se confundem. De qualquer maneira, se distinção houver, será nenhuma no terreno prático. Em regra, tem-se como condição objetiva (estranha, portanto, à culpa do agente) de punibilidade a circunstância extrínseca ao delito, da qual depende a punição deste. Além dos casos apontados, pode citar-se ainda a sentença anulatória do casamento, no delito do art. 236. 57. Ilícito penal e ilícito civil. Várias teorias têm sido excogitadas para se traçar uma linha divisória entre o ilícito penal e o civil; porém nenhuma delas satisfaz, nenhuma resistiu às críticas que lhe foram opostas. Realmente, não há distinção ontológica entre o delito penal e o delito civil. A ilicitude é uma só. Em regra devia importar sempre uma pena, porém esta é um mal, não só para o delinqüente e para sua família (que por ele sempre paga) como para o próprio Estado, obrigado a gastos e dispêndios. Conseqüentemente, toda vez que a ordem jurídica se contenta com sanção diversa da penal, não há razão para não ser aplicada. O problema é antes valorativo. A sanção penal destina-se, em regra, às ofensas de maior vulto, que mais seriamente atentam contra os interesses sociais. Cabe ao legislador a valorização do bem jurídico, determinando quais os que devem ficar sob a égide da sanção extrema que é a pena. Diferença de essência não apresentam, assim, os dois ilícitos. A distinção reside na gravidade da violação à ordem jurídica. Diga-se o mesmo do ilícito administrativo. II DIVISÃO DOS CRIMES SUMÁRIO: 58. Quanto à gravidade. 59. Quanto à forma de ação. 60. Outras categorias. 58. Quanto à gravidade. Podem as infrações. penais, quanto à sua gravidade, dividir-se em crimes, delitos e contravenções (sistema tricotômico) e crimes ou delitos e contravenções (sistema dicotômico ou bipartido). Na França, Alemanha e Bélgica, adota-se o primeiro. O Código Penal francês dispõe no art. 1.°: "A infração que as leis punem com penas de polícia é uma contravenção. A infração que as leis punem com penas correcionais é um delito. A infração que as leis punem com uma pena aflitiva ou infamante é um crime". Este é julgado pelos tribunais criminais; os correcionais julgam os delitos; e os de polícia, as contravenções. Entre nós, a divisão dicotômica é tradicional. Consagrou-a o Código de 1830 e mantiveram-na os posteriores. Não vemos a utilidade da divisão tripartida. Ontologicamente não se distinguem crime e delito: a diferença reside na pena. É o que vemos também no Código Penal belga (art. 1.°), dizendo Goedseels: "Les infractions se divisent théoriquement, d'apres le Code Pénal, en crimes, en délits et en contraventions suivant que les lois ou les reglements les sanctionnent de peines criminelles, correctionelles ou de police". Não há dúvida de que os mesmos elementos que se deparam no crime se apresentam igualmente no delito. Inexiste diferença de essência entre eles; aliás, se, como deixamos dito, não se distinguem ontologicamente o ilícito penal e o civil, menos ainda se estremarão crime e delito. Dá-se o mesmo com a contravenção. Várias têm sido as teorias formuladas. Carrara e Carmignani quiseram ver diferença ontológica entre eles, dizendo que a contravenção não ofende ao direito natural comum e ao princípio ético universal, mas é punida exclusivamente por mera utilidade social. Um atentaria contra a segurança social; outra somente lesaria a prosperidade. Outros viram a diferença em que o crime ou delito é sempre a ofensa a um direito subjetivo, ao passo que a contravenção será simples desobediência. Doutrina existe, ao que parece, inspirada no Código de ZanardelIi, sustentando que o crime produz sempre uma lesão, ao passo que a contravenção importa somente um perigo. Para Rocco, a fim de se estabelecer o conceito de contravenção, deve partir-se da administração estatal, declarando: "11 concetto delIe contravvenzione si ricava appunto daI concetto di amministrazione. Invero le contravvenzione sono azioni e ommissione contrarie alI' interesse di amministrazione o interesse amministrativo delIo Stato...". Inútil parece-nos prosseguir na enumeração de teorias, pois a verdade é que nenhuma apresenta um critério seguro e constante, pelo qual se distinga o delito da contravenção. Assim, a distinção pelo dano concreto e o perigo não procede, porque há crimes também de perigo; este não é privativo da contravenção. Distingui-Ios pela segurança e prosperidade é improcedente, pois a ofensa a esta é também àquela. Quanto ao interesse administrativo do Estado, é de observar a existência de crimes contra a administração e o interesse estatal puramente administrativo. Não existe diferença qualitativa entre crime e contravenção. Esta, em ponto menor, pode apresentar todos os característicos do delito. A contravenção, como se costuma dizer, é um crime anão. Baldados serão os esforços para, substancialmente, querer diferenciá-Ios. Se, como dissemos no número anterior, a ilicitude é uma só, vão será querer buscar distinção ontológica entre eles. A diferença é quantitativa: a contravenção é um crime menor, é menos grave que o delito. Mais profícuo será, por certo, encontrar critérios que os distingam, não abstrata ou especulativamente, mas de modo concreto, diante do direito positivo. Em nossa legislação é ele dado pela pena. O nosso primeiro Código Penal já classificava os ilícitos penais em duas categorias: crimes e contravenções. Tal distinção tem sua origem no direito romano, para o qual o crime seria a infração ofensiva aos direitos naturais, ao passo que a contravenção constitui a ofensa dos direitos criados pela conveniência do bem-estar de todos. É o ensinamento de Ulpiano. A classificação dicotômica (crimes ou delitos e contravenções) foi conservada em todas as legislações posteriores. A classificação tripartida (crimes, delitos e contravenções) é hoje puramente histórica, sem nenhum fundamento científico razoável. 59. Quanto à forma de ação. O delito é ação, donde, conseqüentemente, a forma desta pode oferecer um critério para sua classificação. Segundo ela, diz- se instantâneo o crime, quando se exaure com o resultado a que está subordinado. A instantaneidade não significa rapidez ou brevidade física da ação, como sói acontecer com o homicídio, que pode apresentar diversas fases ou fatos, mas cuja consumação se realiza em um instante. Delito permanente é aquele cuja consumação se prolonga no tempo, dependente da atividade, ação ou omissão, do sujeito ativo, como sucede no cárcere privado. Não se confunde com o delito instantâneo de efeitos permanentes, em que a permanência do efeito não depende do prolongamento da ação do delinqüente: homicídio, furto etc. Crime continuado, na forma do art. 71, é o constituído por duas ou mais violações jurídicas da mesma espécie, praticadas por uma ou pelas mesmas pessoas, sucessivamente 61. O sujeito ativo. É quem pratica a figura típica descrita na lei. É o homem, é a criatura humana, isolada ou associada, isto é, por autoria singular ou co-autoria. Só ele pode ser agente ou autor do crime. Pondo de lado a questão, inadmissível, nos dias de hoje, se os irracionais ou entes inanimados podem ser agentes de delitos, surge o assunto relativo às pessoas jurídicas. Não nos referimos às de direito público externo, situadas no campo do direito internacional público (onde, aliás, não existem penas), mas às de direito privado. A respeito destas há controvérsia doutrinária. Opinam uns que as sociedades, associações, corporações etc. podem delinqüir, enquanto outros repudiam a possibilidade. Estes representam a corrente tradicional, que se mantém fiel ao princípio do direito romano - societas delinquere non potest - correlativo a outro concernente à individualidade da pena - peccata suas teneant auctores. Argumentam que às pessoas jurídicas faltam imputabilidade, consciência e vontade, por elas deliberando os seres humanos que as dirigem. Acrescentam que as penas de direito penal não lhes são adequadas e que freqüentemente seriam iníquas por atingirem os componentes inocentes. Contra essa opinião, opõe-se a corrente de realistas. Afirmam ser a pessoa jurídica uma realidade. Tem ela vontade e é capaz de deliberação, devendo, então, reconhecer-se-Ihe capacidade criminal. Conquanto ela seja uma realidade jurídica, não nos parece que com isso se resolva o problema. Aquela capacidade não se confunde com a de direito e obrigações de que goza no direito privado. Com efeito, é ela inconciliável com a culpabilidade, que, como vimos, é psicológico-normativa, o que impede sua atribuição à pessoa jurídica. Ao que se disse, acrescente-se, agora, a especialização e a individualização da pena, como também a finalidade de reajustamento, tudo isso impraticável com a pessoa jurídica, pois requer a existência do elemento biossociológico. Aliás, há dispositivos do Código Penal, onde o repúdio da responsabilidade penal das pessoas jurídicas é expressamente declarado, como ocorre com o art. 177, onde, tratando de sociedade por ações, a lei sempre se refere ao diretor, gerente ou fiscal. Cumpre, por fim, lembrar que a sociedade civil que se dedicar a fins ilícitos ou imorais pode ser dissolvida, nos termos do Código de Processo Civil (art. 670). Enfim, parecem-nos exatos os dizeres de Maggiore: "O conceito de culpa é estritamente pessoal: e a única, verdadeira e não-fictícia personalidade é aquela do homem, que tem um corpo e uma alma própria e indivisível. Onde há um corpo e uma alma, há uma vontade, uma liberdade, uma responsabilidade. Todo o resto não é senão metáfora e ficção". 62. O sujeito passivo. É o titular do bem jurídico lesado ou ameaçado. É o homem. Protege-o a lei, mesmo antes de seu nascimento, iniciada que seja apenas a gestação, punindo o crime de abortamento. Não obstante a inexistência, aí, da criatura humana, a lei se antecipa, protegendo a vida no sentido biológico. Bastante expressivo é haver o Código classificado tal crime como contra a vida e, no título dos delitos, contra a pessoa. A pessoa jurídica também pode ser sujeito passivo de crimes, v. g., os patrimoniais. Aliás, o Estado é sempre sujeito passivo, em sentido genérico, atingido pelo crime, que perturba as condições de harmonia e estabilidade sociais, necessárias à consecução do bem comum, que é a sua finalidade. Será sujeito passivo direto de crimes que atentam contra sua entidade política ou administrativa. Ofendido (expressão sinônima de sujeito passivo) ainda é nos crimes contra quem o personifica e representa. Por fim, também é ofendido, juntamente com outra pessoa, cujo bem é lesado no âmbito de interesses que lhe são próprios, como ocorre com a moeda falsa e a prevaricação. O homem, depois de morto, não é sujeito passivo de crime. Os delitos integrantes do Capítulo 11 do Título V têm por objeto jurídico um bem-interesse dos vivos: o sentimento de respeito aos mortos. Quanto à calúnia (art. 138, § 2.°) , atinge sua família e a sociedade. Concomitantemente, estamos vendo que podem ser sujeitos passivos coletividades destituídas de personalidade jurídica, como a sociedade, o público, a família etc. A tais delitos os juristas germânicos denominam vagos. Distinguem-se o sujeito passivo de um crime e o prejudicado por ele. Este é qualquer pessoa a quem o delito haja causado um dano patrimonial ou não, tendo por conseqüência direito a ressarcimento e ação civil, ao passo que aquele, como se falou, é o titular do interesse tutelado pela norma penal. 63. O objeto jurídico. Não obstante a variedade de opiniões e doutrinas que procuram conceituar o objeto jurídico de um crime, estamos que é ele o bem- interesse protegido pela norma penal. Bem é o que satisfaz a uma necessidade do homem, seja de natureza material ou imaterial: vida, honra etc. Interesse é a relação psicológica em torno desse bem, é sua estimativa, sua valorização. Pode, evidentemente, o bem-interesse ser social, quando satisfaz diretamente a imperativos sociais. Em regra, classificam os Códigos os delitos, tendo em atenção a objetividade jurídica que a norma protege. Por meio dela, constituem os seus títulos, que se dividem em capítulos. Aqueles se referem ao objeto jurídico genérico, e estes, ao específico ou particularizado. Assim, no Título I do Código, deparamo-nos com os Crimes contra a pessoa, onde se protege a criatura humana como unidade moral e material, punindo-se os delitos que mais intimamente a ofendem. É esta preservação que se tem em vista. No Capítulo I especifica-se um bem-interesse: é a vida, como pressuposto da personalidade. No Capítulo 11, é a incolumidade corpórea que surge como condição para atuação e produtividade da pessoa. No Capítulo V, o objeto jurídico específico já possui outra natureza: é moral. Resguarda-se a honra do indivíduo, na defesa de sua dignidade e mesmo como norma de cautela para a tranqüilidade social. E, assim, sucessivamente. A consideração do objeto jurídico é vital no entendimento da norma. É o ponto de partida. Busca-o a interpretação teleológica. 64. O objeto material. Quase sempre a objetividade jurídica de um crime se corporifica no indivíduo ou numa coisa. São eles que suportam a ação do delinqüente. Objeto material do delito é, pois, o homem ou a coisa sobre que incide a conduta do sujeito ativo. Mais adequado seria, talvez, chamá-Io objeto de ação. O objeto material entra na constituição do tipo. Assim, no homicídio é alguém; no furto é a coisa; no arremesso de projétil (art. 264) é o veículo etc. Pode confundir-se com o sujeito passivo, tal qual se dá no homicídio, em que o homem é também objeto material. Difere, entretanto, do instrumento do delito, que é aquilo com que a ação é praticada. Embora controvertida a questão, somos dos que opinam que nem todo crime tem objeto material. Pode ele existir sem este. Dá-se isto nos delitos de mera atividade (n. 59). Assim, no crime do "ato obsceno" (art. 233), que se satisfaz com o comportamento impudico do sujeito ativo e com a possibilidade de ser visto. Há casos em que o objeto material é impróprio, dando lugar a que haja o chamado crime impossível (art. 17), quando, v. g., uma pessoa atira contra seu desafeto, deitado em uma cama, não sabendo que momentos antes ele falecera. Há, no caso, impropriedade absoluta de objeto. A matéria será abordada no n. 78. IV RELAÇÃO DE CAUSALIDADE SUMÁRIO: 65. A ação e a omissão causais. 66. O resultado. 67. As teorias. 68. A teoria do Código. O nexo causal. 69. Superveniência causal. 65. A ação e a omissão causais. Após o que dissemos, no n. 51, acerca da ação, cremos desnecessárias outras considerações, desde que não tratem de seu caráter de causa. Interessa, contudo, acrescentar que ela há de ser acompanhada do contingente subjetivo. Existente a ação, mas ausente a vontade, como nos estados de inconsciência, não há falar em ação. Igualmente, inexistirá esta, na coação absoluta, quando se pode dizer que ela é do coator, sendo o coagido mero instrumento. Diante do art. 13 do Código, a ação é causa quando sem ela o resultado não teria ocorrido, ou, em outras palavras, entre a ação e o resultado deve existir uma relação de causa e efeito. Acerca da omissão, já dissemos também no mesmo parágrafo. Ela é tão real como a ação, pois é expressão da vontade do omitente, porque é reconhecível e verificável no tempo e no espaço, e porque não é um não-ser, porém modo de se r do autor. E, se tem um conteúdo real, não é um nada, mas alguma coisa suscetível de determinação e percepção. Como tal, pode dar lugar a um processo causal. Mas quando a omissão deve ser considerada causa no terreno jurídico? A resposta é que só é causal a omissão quando há o dever de impedir o evento, o dever de agir. O § 2.° do art. 13 cuida da relevância da omissão, estabelecendo as três hipóteses, isto é, quando o agente: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; e c) com seu comportamento anterior criou o risco da ocorrência do resultado. O dever de impedir o resultado, de agir, pode advir de uma norma jurídica, de submissão particular do agente a esse dever, ou de comportamento seu que lhe imponha obstar aquele. O dever proveniente da norma de direito (letra a) pode provir da lei, de mandamento equivalente à lei ou do direito costumeiro. Aí se compreendem, por exemplo, oriunda de Stuart Min. Consoante ela, tudo quanto concorre para o resultado é causa. Não se distingue entre causa e condição, causa e ocasião, causa e concausa. Todas as forças concorrentes para o evento, no caso concreto, apreciadas, quer isolada, quer conjuntamente, equivalem-se na causalidade. Nem uma só delas pode ser abstraída, pois, de certo modo, se teria de concluir que o resultado, na sua fenomenalidade concreta, não teria ocorrido. Formam uma unidade infragmentável. Relacionadas ao evento, tal como este ocorreu, foram todas igualmente necessárias, ainda que qualquer uma, sem o auxílio das outras, não tivesse sido suficiente. A ação ou a omissão, como cada uma das outras causas concorrentes, é condição sine qua non do resultado. O nexo causal entre a ação (em sentido amplo) e o evento não é interrompido pela interferência cooperante de outras causas. Assim, no homicídio, o nexo causal entre a conduta do delinqüente e o resultado, morte, não deixa de subsistir, ainda quando para tal resultado haja contribuído, por exemplo, a particular condição fisiológica da vítima ou a falta de tratamento adequado. Em conseqüência desse princípio, as concausas não mais têm o efeito de que gozavam na lei anterior, onde as condições personalíssimas do ofendido e a não- observância do regime médico reclamado pelo estado da vítima (Consolidação das Leis Penais, art. 295, §§ 1.° e 2.°) desclassificavam o crime de morte. Diante de nosso Código, o homicídio não deixa de ser tal, ainda que para o exício concorram outras causas, como, v. g., se o golpe é dado em um hemofílico ou em um diabético, ou se o ofendido não tiver seguido, ainda que voluntariamente, as observações médicas impostas por seu estado. Todas são causas concorrentes para o resultado e não se há de excluir a devida ao agente. Claro é que a teoria da equivalência dos antecedentes se situa exclusivamente no terreno do elemento físico ou material do delito, e por isso mesmo, por si só, não pode satisfazer à punibilidade. É mister a consideração da causalidade subjetiva; é necessária a presença da culpa (em sentido amplo), caso contrário haveria o que se denomina regressus ad infinitum: seriam responsáveis pelo resultado todos quantos houvessem física ou materialmente concorrido para o evento; no homicídio, v. g., seriam responsabilizados também o comerciante que vendeu a arma, o industrial que a fabricou, o mineiro que extraiu o minério etc. Enaltece Hungria essa teoria, declarando-a preferível a todas as outras que versam a causalidade material, pois serve a uma solução simples e prática do problema, apontando-nos sem esforço a ação causal, pelo processo de eliminação hipotética de Tryren: à pergunta de que quando a ação é causa, responde-se: quando eliminada in mente, o resultado in concreto não teria ocorrido. Essa teoria que, a nosso ver, sobreleva às outras, não tem ficado isenta de críticas, apontando-se quase sempre como objeção mais séria a já mencionada regressão infinita: "In secondo luogo, giova rammentare che, Ia teoria in esame, non solo considera condizioni e quindi causa dell' evento le vere e proprie condizioni, ma altesi le condizioni delle condizioni e cosi via all' infinito". Como dissemos, não é de recear a imputação nesses moldes, dada a limitação subjetiva13 e outros corretivos, como o constituído pelo § 1.° do art. 13. Além disso, tão-só a causalidade não acarreta conseqüências jurídicopenais para alguém, já que a conduta há de ser típica, antijurídica e culpável. O art. 13 trata da ação atribuível ao agente e que é causa do resultado: ao mesmo tempo, nos diz que a causa, absolutamente independente do sujeito ativo, a ele não pode ser imputada. Assim, no exemplo conhecido de quem fere mortalmente uma pessoa que antes havia sido envenenada: não pode ser responsabilizado por homicídio, mas apenas por tentativa de morte ou lesões corporais. Ainda: se A e B, com armas de calibre diferente, atiram contra C (afastada a hipótese de co-autoria) e ficar provado que o projétil de B é que, atingindo o coração da vítima, a matou, ao passo que o de A a alcançou levemente em um braço, somente aquele responde por homicídio, restando ao outro a imputação por lesão corporal leve ou tentativa de morte. Portanto a causa preexistente ou concomitante que, por si só, produz o resultado, sendo absolutamente independente, não pode ser atribuída ao agente, por ilação do próprio art. 13. 69. Superveniência causal. Declara o § 1.° do art. 13 que a causa superveniente exclui a imputação, quando, por si só, produziu o evento. Trata-se de outra restrição à doutrina da condi tio sine qua non. Tem-se em vista agora a causa relativamente independente, já que, como falamos, a de independência absoluta está compreendida no artigo. Ninguém, por exemplo, pensaria em imputar a morte de um homem à pessoa que o feriu, porque, ao se dirigir para casa, foi fulminado por um raio. A causa superveniente na hipótese é inteiramente independente. A atual reforma (Parte Geral) incluiu o advérbio modal "relativamente" visando dissipar as dúvidas surgidas com a redação dada ao parágrafo único do art. 11 do Código. O exemplo clássico é o da pessoa que, ferida, se recolhe a um hospital, vindo a morrer, vítima do incêndio que aí lavrou. A causa é relativamente independente: se não tivesse sido ferida, não se acharia no nosocômio. Todavia não há negar que surgiu um outro processo causal que, isoladamente, isto é, sem o concurso de qualquer outra causa, produz o evento. Pouco importa que o ferido pudesse vir a morrer da lesão. Como escreve Battaglini: "E nella sua forma concreta, hic et nunc, che bisogna considerare l'evento. Ora, quella morte avvenuta prima non e causalmente derivata dall'azione deI colpevole; e percià Ia serie causale da lui posta, e tuttora in sviluppo, subisce arresto per l' inframmettersi deU' evento sopravvenuto; quest'ultimo ne apre un' altra, nuova e autonoma, per cui si ha Ia c. d. 'interruzione' del nesso causale"15. É, pois, outra série nova e autônoma que se apresenta, e que não se achava na linha de prossecução ou desdobramento físico da ação anterior. Montalbano prefere dizer que não se encontrava na linha de desdobramento anátomo-patológico do resultado da ação precedente. Fez bem o Código, ao contrário da lei anterior, em dispensar um dispositivo para a causalidade. Todavia, como se escreveu e ora se acentua, no direito, a causalidade não se limita ao terreno natural: em todos os momentos há de se ter presente a subjetiva. Como escreve Bruera: "En Ia causalidad natural hay una causa que produce un efecto; en Ia causalidad jurídica hay una acción deI hombre que pretende producir un resultado y algunas veces 10 consigue". v DO CRIME CONSUMADO E DA TENTATIVA SUMÁRIO: 70. A consumação. 71. O iter criminis. 72. A cogitação. 73. Atos preparatórios e atos de execução. 74. Elementos da tentativa. 75. A pena da tentativa. 76. Inadmissibilidade da tentativa. 77. Desistência voluntária, arrependimento eficaz e arrependimento posterior. 78. Crime impossível. Crime de flagrante preparado. Crime provocado. 70. A consumação. Diz-nos o Código, no art. 14, I, que o crime é consumado quando reúne todos os elementos de sua definição legal. Noutras palavras, consuma-se o delito quando há realização integral do tipo. A integralidade deste não importa a exaustão (n. 59), pois ele é perfeito, embora não tenha sido levado a suas últimas conseqüências. Crime consumado éuma coisa e exaurido é outra, como ficou dito naquele parágrafo. Assim, na corrupção passiva (art. 317), o delito consuma-se quando o agente aceita promessa de vantagem para praticar um ato, e exaure-se quando realiza este. O momento da consumação varia conforme a natureza do delito. Nos crimes materiais em que há ação e resultado, o instante consumativo é o do evento. Nos delitos de mera atividade a realização desta marca a consumação. No crime permanente, dá-se do mesmo modo a consumação, quando ele se integra de todos os seus elementos, embora aquela se protraia. Quanto aos delitos subordinados à condição objetiva de punibilidade (n. 56), a consumação independe da efetivação daquela. 71. O "iter criminis". No inc. 11 do mesmo artigo, a lei define o delito tentado, para dizer que tal existe quando, iniciada a execução, ele não se consuma, por circunstâncias alheias à vontade do agente. O fato delituoso apresenta esquematicamente uma trajetória, um caminho - o iter criminis - que se compõe das seguintes etapas: cogitação, atos preparatórios, atos de execução e consumação. Dá-se a tentativa quando o agente não chega à consumação ou meta optada. É, pois, no plano físico ou material que ela se distingue do crime consumado. Neste, o que se passa no plano externo corresponde ao elemento subjetivo do delinqüente; naquela, o sujeito ativo ficou aquém do elemento volitivo, não o realizou no mundo exterior. 72. A cogitação. O que se passa no foro íntimo de uma pessoa não é dos domínios do direito penal. Persiste ainda hoje a máxima de Ulpiano cogitationis nemo poenam patitur. Ou como falam os italianos - pensiero non paga gabella (o pensamento não paga imposto ou direito). Em intenção todos podem cometer crimes. Mesmo quando exteriorizada, se ela não passa de certo ponto, se não chega ao grau de tentativa, não é punível, como acontece com a determinação, a instigação ou auxílio, isentos de pena pelo art. 31. É essa a regra. Todavia casos há em que se observa já constituir delito o desígnio ou propósito de vir a cometê-lo, como sucede com a conspiração, a incitação
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