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Guias e Dicas
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Geopolitica, Notas de estudo de Enfermagem

GEOPOLITICA

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 15/10/2010

4337-9829-951-953-8467-953-8467-110
4337-9829-951-953-8467-953-8467-110 🇧🇷

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Baixe Geopolitica e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! 1_2 Página 1 Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais GEOPOLÍTICA A Geopolítica e as Relações Internacionais ‘A política de um Estado é sua geografia’ (Napoleão Bonaparte) AULA 1: DEFINIÇÃO DE GEOPOLÍTICA A geopolítica é a disciplina que busca entender as relações recíprocas entre o poder político nacional e o espaço geográfico. Ela procura responder a seguinte questão: até que ponto a ação dos estados nacionais é ou não determinada pela situação geográfica. A geopolítica tem duas finalidades: orientar a atuação dos governos no cenário mundial;1. permitir uma análise mais precisa das relações internacionais.2. OS FUNDADORES DA GEOPOLÍTICA O raciocínio geopolítico (o aproveitamento do espaço territorial e os limites que este impõe à ação do Poder) sempre influenciou os governantes desde a mais remota Antigüidade. Contudo, a normatização metodológica da geopolítica só ocorreu no século XIX. O “pai” da geopolítica foi um geógrafo alemão FRIEDRICH RATZEL (1844-1904), autor do livro "ANTROPOGEOGRAFIA - FUNDAMENTOS DA APLICAÇÃO DA GEOGRAFIA À HISTÓRIA", que formulou conceitos fundamentais para a abordagem geopolítica da realidade internacional. Em primeiro lugar, a função do Estado, é expandir e defender o espaço territorial nacional e, além disso, Ratzel conceituava que as fronteiras nacionais são móveis, pois são determinadas pela capacidade político-militar de ampliá-las e de as manter. Importante é ressaltar que Ratzel reflete o momento histórico da unificação da Alemanha pela Prússia, processo marcado pela expansão militar. A Alemanha Imperial (o IIº Reich) surgiria em 1871 após três guerras: a “dos Ducados”, contra a Dinamarca (1864), a “Guerra Austro-Prussiana” (1866) e a “Franco-Prussiana” (1870). O raciocínio de Ratzel expressa esta íntima ligação entre “unidade política” (proposta de unificação nacional), necessidade de expansão territorial e poder militar. Nos Estados Unidos da América, o almirante ALFRED THAYER MAHAN, outro precursor da geopolítica, elaborou uma proposta global para seu país. Segundo sua visão, os EUA eram uma “grande ilha” cercada por dois enormes oceanos: o Atlântico e o Pacífico. Portanto, seria um país quase impossível de ser invadido, contanto que tivesse como aliados o Canadá e o México. Mas, também seria fundamental manter a América Central como “zona de influência”. Potência insular, os EUA não precisariam de um exército forte, mas de esquadras navais poderosas: uma no Pacífico e outra no Atlântico. Estas frotas, numa emergência, se ajudariam: daí a necessidade de uma passagem entre o Atlântico e o Pacífico próxima ao território norte-americano. Nascia, assim, o projeto do Canal do Panamá. Mahan, em seu livro Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (1 of 36) [05/10/2001 22:22:13] “O PROBLEMA DA ÁSIA E SEU EFEITO SOBRE A POLÍTICA INTERNACIONAL”, defende a idéia de que as potências marítimas tendem a ser dominantes, pois são capazes de manter o controle de áreas ao redor do continente euroasiático, então o “núcleo sócio-econômico-político” do mundo. De fato, a Eurásia pode ser definida como uma enorme massa territorial contínua cuja segurança depende, fundamentalmente, da ação de forças militares terrestres. Em síntese, as nações euroasiáticas teriam uma mentalidade estratégica fundada nos exércitos; os países periféricos à Eurásia optariam pelo poder naval - atualmente, aeronaval. Na gíria geopolítica: as nações “baleias” versus os países “ursos”. Em 1904, o britânico John Mackinder, difundiu a teoria de que a ”Heartland” (“CORE“ – “terra coração”, “região núcleo”) do mundo, em função da sua massa territorial, seria a Eurásia, notadamente a região compreendida entre a Alemanha e a Rússia. No entender de Mackinder, a potência que controlasse essa área seria hegemônica em relação às nações marítimas que, por seu turno, dominariam a “Ilha Mundial” (“World Island”), isto é, os espaços do planeta periféricos ao continente eurasiano. Historicamente, as nações que buscaram o domínio do “core” euroasiático foram, em tempos recentes, a Alemanha e a Rússia; as que buscaram o poderio naval foram, de início, a Inglaterra, e, em seguida, os EUA. Mahan e Mackinder concordavam quanto à existência do conflito entre a “baleia” e o “urso”, só que o americano privilegiava o poder naval e o britânico realçava o papel estratégico das forças terrestres. Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (2 of 36) [05/10/2001 22:22:13] O USO CORRETO DA GEOPOLÍTICA O raciocínio geopolítico é útil quando: foge a um estrito determinismo geográfico1. os dados culturais, sociais, econômicos e as relações de forças políticas são levadas em conta.2. 2_1 Página 1 Matérias > Geopolítica > As primeiras teorias das Relações Internacionais Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (5 of 36) [05/10/2001 22:22:13] As Primeiras Teorias das Relações Internacionais Conflitos, trocas comerciais e pactos entre as diversas comunidades sempre existiram. Contudo, a noção de relações internacionais é recente, já que o surgimento dos “Estados Nacionais” data do final da Idade Média. De fato, o “Estado – Nação” começa a se consolidar a partir dos séculos XVI e XVII, daí a necessidade de teorias políticas que justificassem e legitimassem a sua existência e orientassem suas ações em relação a outros estados. No século XVI, na Itália surgiria a “ESCOLA DE PENSAMENTO POLÍTICO VENEZIANO – FLORENTINA” que formulou o conceito de “razão de estado”. Essa noção implica que a Ética e o Direito são determinados pelos interesses do poder político: é “justo” o que é útil para o Estado, é “certo” o que o Estado define como tal. Em suma: a necessidade determina a lei. Quando de sua formulação inicial, o principio da “razão de estado” significava a vontade do governante e/ou de sua dinastia. O “interesse do estado” era o desejo do “Príncipe”. Os conflitos internacionais foram, no século XVI e XVII, determinados pelos interesses monárquicos. Naquela época, nos canhões dos estados nacionais, então ainda embrionários, estava escrita a frase: “a última razão dos reis”. Noutros termos, não satisfeitas as exigências do Príncipe, seriam ouvidas as vozes tonitroantes dos canhões. Pouco a pouco, os estados modernos – inicialmente expressões das monarquias nacionais - passaram a ser definidos como “estados nacionais”. Com efeito, a partir do século XVIII, a “razão de estado”, até então a vontade do governante, adquiriu o sentido da defesa das aspirações das “comunidades nacionais”. Surgia o conceito de nação. Isto ocorreu, de início, na França, quando do Absolutismo da dinastia Bourbon. Para os filósofos políticos, tornava–se premente definir o conceito de Nação, pois os Tempos Modernos ( período compreendido entre os séculos XVI e XVIII) firmaram o preceito de que Nação só existe quando regida por um Estado. NAÇÃO: UM CONCEITO COMPLEXO Na Europa Oriental, “nação” sempre implicou “origem étnica”: é sérvio quem tem ”sangue sérvio”; poloneses são aqueles que possuem “origem racial polonesa” e assim por diante. Modernamente, a Antropologia ( ciência que estuda as estruturas culturais das comunidades humanas ) não mais aceita a noção de “raça”. No mundo ocidental, nação significa uma coletividade de mesmas raízes culturais, ritos e símbolos comuns e dotada de um projeto político – sócio – cultural uniforme. Em suma, uma nação se define culturalmente e não racialmente. Exemplo disso: os brasileiros formam uma nação, embora as origens étnicas sejam múltiplas: italianos, portugueses, espanhóis, japoneses, africanos, etc. Atualmente, a Filosofia do Direito conceitua que uma nação é uma comunidade, étnica e socialmente diversificada, política e juridicamente organizada pelo Estado. MAPA POLÍTICO EUROPEU DO SÉC. XVIII Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (6 of 36) [05/10/2001 22:22:13] Clique no mapa para ampliar. AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DOS TEMPOS MODERNOS Entre os séculos XVI e XVIII, o mundo europeu foi marcado pelo conflito entre os “estados nacionais” emergentes (França, Inglaterra, etc.) e os “Impérios multinacionais” ( Sacro Império Romano – Germânico, depois Império Austro – Húngaro, Império Russo e Império Turco – Otomano ). No século XIX, esse confronto faria aflorar a “questão das nacionalidades”. Passaria a imperar o conceito de que cada comunidade nacional deveria ter seu Estado. No ano de 1848, denominado de a “Primavera dos Povos”, eclodiram revoluções nacionalistas na Polônia, na Hungria, na Alemanha e o Reino do Piemonte tentou, infrutiferamente, unificar a Itália. Assim, no século XIX, a realidade política do “estado nacional” gerou a ideologia do “nacionalismo”. As relações internacionais européias, ao longo dos Tempos Modernos, oscilaram entre tentativas de hegemonismo e períodos marcados pelo “equilíbrio de poder”. No século XVI, o cenário político do Velho Continente foi marcado pelo predomínio da dinastia dos Habsburgos, família que reinava na Espanha e no Sacro Império Romano – Germânico, que compreendia o centro e o leste europeus. Na ocasião, a França se via cercada pelo “anel de ferro Habsburgo”, que limitava a projeção internacional da dinastia Bourbon. De fato, a França se confrontava com Habsburgos na Espanha, nos Países Baixos ( atualmente, Holanda, Luxemburgo e Bélgica ) e no Sacro Império Romano – Germânico. No século XVII, quando da “Guerra dos Trinta Anos” ( 1618 – 1648 ), a França, vitoriosa, quebrou o “anel de ferro Habsburgo”, tornando – se hegemônica na Europa. Este triunfo francês foi formalizado pela “Paz de Westphalia” ( 1648 ), que significou a primeira vitória de um estado nacional – a França – sobre um império multinacional – o Sacro Império. O Estado – Nação, pela primeira vez, se impunha sobre uma entidade imperial. No cenário mundial, começava a predominar a modernidade política. A hegemonia francesa ao longo do século XVIII seria contestada pelo interesse inglês de estabelecer na Europa o “equilíbrio de poder”. A Inglaterra desejava que, na Europa Continental, nenhuma nação fosse dominante em relação às demais. Assim, o governo britânico promoveu a “política da gangorra”: se uma determinada nação se tornasse mais forte do que as outras, a Inglaterra se posicionaria ao lado dessas últimas. Em termos geopolíticos, o “fiel da balança” europeu passou a ser a Inglaterra. No início do século XIX, Napoleão Bonaparte, afrontando a Inglaterra, a Áustria, a Prússia e a Rússia, buscou novamente tornar a França hegemônica na Europa. Sua derrota, na batalha de Waterloo ( 1815 ), levou as nações do Velho Continente a buscar, uma outra fórmula para estabelecer o “equilíbrio de poder” na Europa. 3_1 Página 1 Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (7 of 36) [05/10/2001 22:22:13] A hegemonia dos imperialismos neocolonialistas ingleses e franceses provocou a ira germânica, já que à Alemanha restaram áreas geográficas de baixos recursos econômicos que não interessavam a Londres e a Paris. No famoso “Congresso de Berlim” (1885), onde se partilhou a África Negra, a Inglaterra e a França “jantaram” a melhor parte do Continente Negro. A Alemanha chegara tarde ao “banquete”, portanto com maior “apetite”, que não foi satisfeito. EUROPA DA SEGUNDA METADE DO SÉC. XIX Clique no mapa para ampliar. 4_9 Página 1 Matérias > Geopolítica > O equilíbrio se rompe: a Grande Guerra O Equilíbrio se rompe: A Grande Guerra O MUNDO DIVIDIDO: IMPÉRIOS EM 1914 Clique no mapa para ampliar Na Primeira Guerra Mundial ( 1914 – 1918 ), o sistema de poder criado no Congresso de Viena entraria em colapso. Os principais fatores que levaram a "Grande Guerra" foram: o Pangermanismo, isto é, as aspirações territoriais alemãs ampliadas pela ascensão ao poder, em1. Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (10 of 36) [05/10/2001 22:22:13] 1882, do Imperador Guilherme II, cujo projeto era a WELTMACHTPOLITIK ( Política de Poder Mundial ). Este objetivo germânico levou a uma "corrida armamentista" conhecida como a "Paz Armada". Berlim buscou, com êxito, formar um exército superior ao francês e uma marinha pelo menos igual à britânica. Uma verdadeira "corrida às tonelagens" passa a existir entre Inglaterra e Alemanha: navios cada vez mais pesados e artilhados. Agora, Berlim não só atemorizava a França, mas também a Grã – Bretanha, única nação detentora de uma "blue sea navy" ( "marinha de longo alcance" ). Toda essas ambições germânicas eram "legitimadas pelo mito da superioridade da cultura alemã, a única efetiva "guardiã dos valores do Ocidente"; a "Enferma do Levante" . As principais nações da Europa tinham o interesse de desmembrar o decadente Império Turco – Otomano, cujos recursos petrolíferos e seu domínio sobre áreas estratégicas do Oriente Médio atraíam a cobiça das grandes potências. O grau de enfraquecimento e corrupção do sultanato turco é explicitado pelo apelido a ele dado: o "Homem Doente da Europa"; 2. o Pan-eslavismo e a "Monarquia Dual". A Rússia desde o século XVII, sonhava dominar a Europa do Leste em nome da "proteção" aos povos eslavos ali presentes. O grande obstáculo às pretensões de Moscou era a existência, na Europa Central, do Império Austro – Húngaro ( denominado de "Monarquia Dual" ), que exercia na região o papel de um "Estado Tampão", barrando as investidas russas. No entanto, Viena tinha um "calcanhar de Aquiles" – seu mosaico étnico. De fato, no Império habitavam germânicos, magiares, tchecos, croatas, eslovenos, poloneses, rutenos, além de outras inúmeras nacionalidades. Com exceção dos germânicos e húngaros, todas as outras minorias governadas por Viena eram eslavas e, portanto, muito suscetíveis à propaganda pan-eslavista. A Rússia fomentava um nacionalismo eslavófilo buscando "implodir" o Império Austro – Húngaro e assim tornar possível a presença dos súditos de Moscou na Europa Oriental; 3. o "revanchismo" francês. Paris desejava se vingar do desastre que fora a batalha de Sedan, durante a "Guerra Franco – Prussiana", e recuperar as províncias carboníferas da Alsácia e Lorena. Em todo o território francês, corria o "slogan" – "não se esqueçam dos alemães"; 4. A "Política das Alianças". Rompida a "Aliança dos Três Imperadores" ( Alemanha, Áustria e Rússia ), um acordo politicamente insustentável, pois Viena e Moscou eram potencialmente conflitantes, a França buscou fazer do governo de Moscou seu aliado, no que teve êxito. Assim, a Alemanha se viu cercada por um inimigo a oeste, a França, e outro a leste, a Rússia. Ao mesmo tempo, a Inglaterra e a França, após pequenas escaramuças, firmavam, em 1903, a "Entente Cordiale" ( o "Acordo Amigável" ) pela qual partilhariam amigavelmente a África do Norte. Surgiria, então, a "Tríplice Entente", agrupando Inglaterra, França e Rússia. Em represália, a Alemanha criou a "Tríplice Aliança", englobando os governos de Berlim, Viena e Roma. Na primeira década do século XX, o equilíbrio multipolar era substituído por uma perigosa bipolarização. O Velho Continente estava em "pé de guerra"; 5. A POLÍTICA DAS ALIANÇAS Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (11 of 36) [05/10/2001 22:22:13] A competição industrial. A "Grande Guerra" teve também como causa a competição econômica entre a Alemanha, França e Inglaterra. Entre 1871 e 1900, o Reich germânico conheceu uma industrialização muito rápida. Isto pode ser comprovado se observamos o crescimento da siderurgia alemã – em 1870, a produção de aço da Alemanha era inferíor à da França; 30 anos depois, era superior à produção somada da Inglaterra e França. Além disso, ciente de que, pela falta de recursos naturais em abundância, não tinha condições de competir quantitativamente, Berlim optou pela "qualidade" de seus produtos. Seus manufaturados eram muito mais caros do que os franceses e ingleses, mas primavam pela excelente feitura. Nascia, então, o que até hoje subsiste: o mito da alta qualidade das máquinas alemãs. A agressividade industrial e comercial da Alemanha assustava os empresários franceses e britânicos. Em todo o planeta, proliferavam artigos germânicos POVOS BALCÂNICOS Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (12 of 36) [05/10/2001 22:22:13] DA PAZ A GUERRA "Durante o debate de 27 de marco de 1900 expliquei.. . que eu entendia por política mundial tão-somente o apoio e o avanço nas tarefas geradas pela expansão de nossa indústria, de nosso comércio, da força de trabalho, da atividade e da inteligência de nosso povo. Não temos a intenção de implementar uma política agressiva de expansão. Queríamos apenas proteger os interesses vitais que conquistamos no mundo inteiro, no desenrolar natural dos acontecimentos." Chanceler alemão von Büllow, 1900 "Não é certo que uma mulher vá perder seu filho se ele for para o front; na verdade, a mina de carvão e o pátio de manobras de uma ferrovia são lugares mais perigosos que o campo militar." Bernard Shaw, 1902 "Glorificaremos a guerra - a única higiene do mundo - , o militarismo, o patriotismo, o gesto destrutivo dos construtores da liberdade, belas idéias pelas quais vale a pena morrer e que as mulheres desprezam" F. T. Marinetti, 1909 " A partir de agosto de 1914, a presença da guerra mundial rondou, impregnou e assombrou a vida dos europeus. Quando da redação do presente texto, a maioria das pessoas deste continente, com mais de setenta anos, passou ao menos por uma parte de duas guerras na curva de suas vidas; todas as de mais de cinqüenta, com exceção dos suecos, suíços, irlandeses do sul e portugueses, tem a experiência de ao menos parte de uma delas. Mesmo os nascidos depois de 1945, depois de as armas terem silenciado nas fronteiras dos países europeus, conheceram raros anos em que em algum lugar do mundo não houvesse guerra, e viveram a vida toda com o sombrio espectro de um terceiro conflito mundial, nuclear, mantido sob controle apenas pela infindável concorrência visando a garantir a destruição mútua, como praticamente todos os governos lhes disseram. Como podemos chamar tal época de tempo de paz, mesmo que a catástrofe global esteja sendo evitada por quase tanto tempo quanto o foi uma guerra importante entre potenciais européias, entre 1871 e 1914. Pois, como observou o grande filosofo Thomas Hobbes, a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas num lapso de tempo durante o qual o desejo de rivalizar através de batalhas é suficientemente conhecido. Quem pode negar que esta seja a situação do mundo desde 1945? Não era assim antes de 1914: a paz era o quadro normal e esperado das vidas européias. Desde 1815 não houvera nenhuma guerra envolvendo as potências européias. Desde 1871, nenhuma nação européia ordenara a seus homens em armas que atirassem nos de qualquer outra nação similar. As grandes potências escolhiam suas vítimas no mundo fraco e não-europeu, embora às vezes calculassem mal a resistência de seus adversários: os boers deram aos britânicos muito mais trabalho que o esperado e os japoneses conquistaram seu lugar entre as grandes nações ao derrotar a Rússia em 1904-1905. Surpreendentemente com poucos transtornos. No território da maior e mais próxima vítima potencial - o Império Otomano, há muito em processo de desintegração, a guerra era, de fato, uma possibilidade permanente, dado que os povos a ele submetidos procuravam se estabelecer ou se expandir como Estados independentes e, por Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (15 of 36) [05/10/2001 22:22:13] conseguinte, guerreavam entre si, arrastando as grandes nações em seus conflitos. Os Bálcãs eram conhecidos como o barril de pólvora da Europa, e foi, de fato, ali que a explosão global de 1914 começou. Mas a "Questão Oriental" era um ponto conhecido da pauta da diplomacia internacional, e embora tivesse gerado crises internacionais sucessivas durante um século, inclusive uma guerra internacional bastante substancial (a Guerra da Criméia), nunca escapara totalmente ao controle. Ao contrário do Oriente Médio, desde 1945 os Bálcãs pertenciam, para a maioria dos europeus que não viviam ali, ao reino das estórias de aventuras, como as do autor alemão de literatura infantil Karl May, ou das operetas. A imagem das guerras balcânicas, no final do século XIX, era a do livro "Arms and the Man", de Bernard Shaw, que, caracteristicamente, foi transformado em musical (The Chocolate Soldier, de um compositor vienense, 1908). A possibilidade de uma guerra generalizada na Europa fora, é claro, prevista, e preocupava não apenas os governos e as administrações, como também um público mais amplo. A partir do início da década de 1870, a ficção e a futurologia produziram, sobretudo na Grã-Bretanha e na França, sketches, geralmente não realistas, sobre uma futura guerra. Na década de 1880, Friedriech Engels já analisava as probabilidades de uma guerra mundial, enquanto o filósofo Nietzsche, louca porém profeticamente, saudou a militarização crescente da Europa e predisse uma guerra que "diria sim ao animal bárbaro, ou mesmo selvagem, que existe entre nós". Na década de 1890, a preocupação com a guerra foi suficiente para gerar o Congresso Mundial (Universal) para a Paz - o vigésimo primeiro estava previsto para setembro de 1914, em Viena - , o Prêmio Nobel da Paz (1897) e a primeira das Conferências de Paz de Haia (1899), reuniões internacionais de representantes majoritariamente céticos de governos e a primeira de muitas das reuniões que tiveram lugar desde então, nas quais os governos declararam seu compromisso decidido, porém teórico, com o ideal da paz. Nos anos 1900, a guerra ficou visivelmente mais próxima e nos anos 1910 podia ser e era considerada iminente. E contudo sua deflagração não era realmente esperada. Nem durante os últimos dias da crise internacional - já irreversível - de julho de 1914, os estadistas, dando os passos fatais, acreditavam que realmente estivessem dando início a uma guerra mundial. Uma fórmula seria com certeza encontrada, como tantas vezes no passado. Os que se opunham a guerra também não podiam acreditar, que a catástrofe há tanto tempo predita por eles, chegara. Bem no final de julho, depois da Áustria ter declarado guerra à Servia, os líderes do socialismo internacional se reuniram, profundamente abalados, mas ainda convencidos de que uma guerra generalizada era impossível e que uma solução pacífica para a crise seria encontrada. "Eu, pessoalmente, não acredito que haverá uma guerra generalizada", disse Victor Adler, chefe da social-democracia do Império Habsburgo, no dia 29 de julho. Nem aqueles que estavam apertando os botões da destruição nessa acreditavam, não porque não quisessem, mas porque era independente de sua vontade: como o imperador Guilherme, perguntando a seus generais, no último minuto, se a guerra, afinal de contas, não poderia ser situada na Europa Oriental se se evitasse atacar a França e a Rússia - e ouvindo a resposta de que infelizmente isso era impraticável. Aqueles que haviam construído os mecanismos da guerra e ligado os interruptores, agora estavam vendo, com uma espécie de incredulidade estupefata, as engrenagens começarem a se por em movimento. Para os que nasceram após 1914, é difícil imaginar como a crença de que uma guerra mundial não podia "realmente" acontecer estava profundamente enraizada no tecido da vida antes do dilúvio. Assim, para a maioria dos Estados Ocidentais, e na maior parte do tempo entre 1871 e 1914, uma guerra européia era uma lembrança histórica ou um exercício teórico para um futuro indefinido. A principal função dos exércitos em suas sociedades durante esse período era civil. O serviço militar Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (16 of 36) [05/10/2001 22:22:13] obrigatório - alistamento - agora era a norma em todas as nações de peso, com exceção da Grã-Bretanha e dos EUA, embora, na verdade, nem todos os rapazes de fato se alistassem; e, com a ascensão dos movimentos de massas socialistas, generais e políticos às vezes ficavam nervosos, erroneamente, como veio a ser evidenciado ao pensar em por armas nas mãos de proletários potencialmente revolucionários. Para os recrutas comuns, mais familiarizados com a servidão do que com as glórias da vida militar, entrar para o exército se tornou um rito de passagem que marcava a chegada de um garoto à idade adulta por dois ou três anos de treinamento e trabalho duro, que se tornavam mais toleráveis devido a notória atração que a farda exercia sobre as moças. Para os suboficiais profissionais, o exército era um emprego. Para os oficiais, um jogo infantil onde quem brincava eram os adultos, símbolo de sua superioridade em relação aos civis, de esplendor viril e de status social. Para os generais era, como sempre, o terreno propício às intrigas políticas e ciúmes relativos à carreira, tão amplamente documentada nas memórias dos chefes militares. Para os governos e as classes dirigentes, os exércitos eram não só forças para enfrentar inimigos internos e externos, mas também um modo de garantir a lealdade, ou mesmo o entusiasmo ativo, de cidadãos com simpatias inquietantes por movimentos de massas que solapavam a ordem política e social. Junto com a escola primária, o serviço militar era talvez o mecanismo mais poderoso à disposição do Estado com vistas à inculcação do comportamento cívico apropriado e, não menos importante, a transformação do habitante de um povoado no cidadão (patriota) de uma nação. A escola e o serviço militar ensinaram os italianos a compreender, se não a falar, a língua "nacional" oficial, e o exército fez do espaguete, anteriormente prato regional do sul empobrecido, uma instituição de toda a Itália. No que tange à população civil, o colorido espetáculo público da exibição militar foi multiplicado para seu divertimento, inspiração e identificação patriótica: paradas, cerimônias, bandeiras e música. O aspecto mais familiar dos exércitos, para os habitantes não-militares da Europa, entre 1871 e 1914, era provavelmente a onipresente banda militar, sem a qual era difícil imaginar os parques e os festejos públicos. Naturalmente, os soldados e, bem mais raramente, os marinheiros de vez em quando desempenhavam suas funções básicas. Podiam ser mobilizados contra desordens e protestos em momentos de perturbações e de crise social. Os governos, especialmente os que precisavam se preocupar com a opinião pública e com seus eleitores, costumavam ser cuidadosos ao confrontar as tropas com o risco de atirar em seus compatriotas: as conseqüências políticas dos tiros, que soldados pudessem disparar contra civis podiam ser muito negativas, e as de sua recusa a fazê-lo podiam ser ainda piores, como ficou patente em Petrogrado, em 1917. Entretanto, as tropas eram mobilizadas com bastante freqüência, e o número de vítimas nacionais da repressão militar não foi, de forma alguma, irrelevante nesse período, mesmo nos Estados da Europa central e ocidental, onde não se supunha a iminência da revolução, como a Bélgica e a Holanda. Em países como a Itália tais intervenções podiam ser, de fato, muito substanciais. Para as tropas, a repressão interna era uma atividade inofensiva, mas as guerras eventuais, especialmente nas colônias, eram mais perigosas. O risco era reconhecidamente mais médico que militar. Dos 274 mil militares americanos mobilizados para a guerra hispano-americana de 1898, houve apenas 379 mortos e 1.600 feridos em combate, porém mais de cinco mil morreram de doenças tropicais. Não admire que os governos apoiassem com tanto entusiasmo as pesquisas em medicina, que no período que nos ocupa conseguiram algum controle sobre a febre amarela, a malária e outros flagelos dos territórios ainda conhecidos como "a tumba do homem branco". A França perdeu uma média de oito oficiais por ano em operações coloniais, entre 1871 e 1908, incluídas as cifras relativas à Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (17 of 36) [05/10/2001 22:22:13] envolver na fabricação de armas, como o fizeram por muito tempo. Mas nesse exato momento os Estados, ou ao menos o Estado liberal britânico, preferiram chegar a um acordo com a empresa privada. Nos anos 1880, os produtores privados de armamento assinaram mais de um terço de seus contratos de fornecimento com as forças armadas; nos anos de 1890, 46%; nos anos 1900, 60%: o governo, incidentalmente, estava disposto a garantir-lhes dois terços. " Não admire que as empresas de armamento estivessem entre os gigantes da indústria, ou passassem a estar: a guerra e a concentração capitalista caminhavam juntas. Krupp, na Alemanha, o rei dos canhões, empregava 16.000 pessoas em 1873, 24.000 em torno de 1890, 45.000 em torno de 1900 e quase 70.000 em 1912, quando 50.000 das famosas armas Krupp saíram da linha de produção. Na fábrica britânica Armstrong, Whitworth empregava 12.000 homens em suas instalações principais em Newcastle, que passaram a 20.000 ou mais de 40% de todos os metalúrgicos do Tyneside em 1914, sem contar os das 1.500 firmas menores que viviam de subempreitadas da Armstrong. Também eram muito rentáveis. Como o moderno "complexo industrial-militar" dos EUA, essas concentrações industriais gigantescas não teriam sido nada sem a corrida armamentista dos governos. Assim sendo, é tentador responsabilizar tais "mercadores da morte" (a expressão se popularizou entre os pacifistas) pela "guerra de aço e ouro", como a denominou um jornalista britânico. Não era lógico que a indústria de armas incentivasse a aceleração da corrida armamentista, inventando, se necessário, inferioridades nacionais ou "janelas de vulnerabilidade", que podiam ser removidas através de lucrativos contratos? Uma firma alemã, especializada na fabricação de metralhadoras, conseguiu inserir uma nota no jornal Le Figaro para que o governo francês planejasse duplicar seu número de metralhadoras. Como conseqüência, o governo alemão fez uma encomenda de 40 milhões de marcos de tais armas em 1908-1910, aumentando assim os dividendos da firma de 20 a 32%, Uma firma britânica, argumentando que seu governo subestimara de modo grave o programa de rearmamento da marinha alemã, beneficiou-se com 250.000 libras esterlinas por cada encouraçado encomendado pelo governo britânico, o que duplicou sua construção naval. Pessoas elegantes e pouco visíveis, como o grego Basil Zaharoff, atuando em nome da Vickers (e que mais tarde recebeu o título de cavaleiro pelos serviços prestados aos aliados durante a Primeira Guerra Mundial), tomaram as providências necessárias para que a indústria de armamentos das grandes nações vendesse seus produtos menos vitais ou obsoletos a Estados do Oriente Próximo e da América Latina, que já estavam em condições de comprar tais utensílios. Em suma, o comércio internacional moderno da morte já estava bem encaminhado. Página 4 Matérias > Geopolítica > O equilíbrio se rompe: a Grande Guerra Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (20 of 36) [05/10/2001 22:22:13] Contudo, a guerra mundial não pode ser explicada como uma conspiração de fabricantes de armas, mesmo fazendo os técnicos, com certeza, o máximo para convencer generais e almirantes, mais familiarizados com paradas militares do que com a ciência, de que tudo estaria perdido se eles não encomendassem o último tipo de arma ou navio de guerra. Não há dúvida de que a acumulação de armamentos, que atingiu proporções temíveis nos últimos cinco anos anteriores a 1914, tornou a situação mais explosiva. Não há dúvida de que havia chegado o momento, ao menos no verão europeu de 1914, em que a máquina inflexível que mobilizava as forças da morte não poderia mais ser estocada. Porém, a Europa não foi à guerra devido à corrida armamentista como tal, mas devido à situação internacional que lançou as nações nessa competição. A discussão sobre a gênese da Primeira Guerra Mundial tem sido ininterrupta desde agosto de 1914. Provavelmente correu mais tinta, mais árvores foram sacrificadas para fazer papel, mais máquinas de escrever trabalharam para responder a essa pergunta do que a qualquer outra na história, inclusive, talvez o debate em torno da Revolução Francesa. A medida que as gerações se sucediam, que a política nacional e internacional ia sendo transformada, o debate foi ressurgindo. Mal a Europa mergulhara na catástrofe, os beligerantes começaram a se perguntar por que a diplomacia internacional não conseguira evitá-la e a atribuir-se mutuamente a responsabilidade. Aqueles que se opunham à guerra iniciaram imediatamente suas análises. A Revolução Russa de 1917, que publicou os documentos secretos do czarismo, acusou o imperialismo como um todo. Os aliados vitoriosos criaram a tese da "culpa de guerra, exclusivamente alemã", pedra angular do tratado de paz de Versalhes de 1919 e geradora de um imenso fluxo de textos, documentários e de propaganda histórica a favor e, sobretudo, contra essa tese. Naturalmente, a Segunda Guerra Mundial fez esse debate ser retomado, e ele foi revigorado alguns anos depois, quando tornou a surgir uma historiografia de esquerda na República Federal Alemã, que, ansiosa para romper com as ortodoxias conservadoras e patrióticas nazi-alemã, elaborou sua própria versão da responsabilidade da Alemanha. As discussões sobre os perigos para a paz mundial, que, por motivos óbvios, nunca cessaram após Hiroshima e Nagasaki, procuram inevitavelmente possíveis paralelos entre as origens das guerras mundiais passadas e as perspectivas internacionais atuais. Enquanto os propagandistas preferiram a comparação com os anos anteriores à Segunda Guerra Mundial ("Munique"), os historiadores encontraram cada vez mais similitudes entre os problemas dos anos 1980 e 1910. Assim, as origens da Primeira Guerra Mundial eram, uma vez mais, uma questão de importância candente e imediata. Nessas circunstâncias, qualquer historiador que tente explicar, como deve fazer um historiador do nosso período, por que ocorreu a Primeira Guerra Mundial, mergulha em águas profundas e turbulentas. Contudo, podemos ao menos simplificar essa tarefa eliminando perguntas a que o historiador não tem que responder. A mais importante delas é aquela da "culpa de guerra", que se refere a um julgamento moral e político, mas tem a ver apenas perifericamente com os historiadores. Se estivermos interessados em saber por que um século de paz européia cedeu o lugar a uma época de guerras mundiais, perguntar de quem foi a culpa é tão fútil quanto perguntar se Guilherme, o Conquistador, tinha um bom motivo legal para invadir a Inglaterra, a razão pela qual os guerreiros da Escandinávia partiram para conquistar numerosas áreas da Europa nos séculos X e XI. É claro que nas guerras as responsabilidades muitas vezes podem ser identificadas. Poucos negariam que, nos anos 1930, a atitude da Alemanha era essencialmente agressiva e expansionista e que a de seus adversários era essencialmente defensiva. Ninguém negaria que as guerras de expansão imperial em nossa época, como a Guerra Hispano-Americana de 1898 e a Sul-Africana de 1899-1902, foram provocadas pelos EUA e pela Grã-Bretanha e não por suas vítimas. Seja como for, todo mundo Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (21 of 36) [05/10/2001 22:22:13] sabe que os governos de todos os Estados do século XIX, por mais preocupados que estivessem com suas relações públicas, consideravam a guerra uma contingência normal da política internacional e eram honestos o bastante para admitir que bem podiam tomar a iniciativa militar. Os Ministérios da Guerra ainda não se chamavam, eufemisticamente, Ministérios da Defesa. Contudo, é indubitável que nenhum governo de qualquer uma das grandes potências de antes de 1914 queria uma guerra européia generalizada, seja mesmo ao contrário dos anos 1850 e 1860 um conflito militar restrito com outra grande nação européia. Isto é conclusivamente demonstrado pelo fato de que nos lugares onde as ambições políticas das grandes nações entravam em conflito direto, ou seja, nas zonas ultramarinas de conquistas e partilhas coloniais, seus numerosos confrontos eram sempre resolvidos por algum acordo pacífico. Até as mais graves crises, as de Marrocos em 1906 e 1911, foram contornadas. As vésperas de 1914, os conflitos coloniais não pareciam mais colocar problemas insolúveis às várias nações concorrentes; fato que tem sido usado, de modo bastante ilegítimo, como argumento para afirmar que as rivalidades imperialistas foram irrelevantes na deflagração da Primeira Guerra Mundial. É evidente que as nações estavam longe de ser pacíficas, quanto menos pacifistas. Elas se prepararam para uma guerra européia - às vezes erroneamente - mesmo seus ministros das Relações Exteriores fazendo o máximo para evitar o que eles unanimemente consideravam uma catástrofe. Nos anos 1900, nenhum governo tinha objetivos que, como os de Hitler em 1930, só pudessem ser atingidos por meio da guerra ou da ameaça constante de guerra. Até a Alemanha, cujo comandante do Estado-Maior defendeu em vão um ataque antecipado em 1904-1905 contra a França, enquanto sua aliada, a Rússia, estava imobilizada pela guerra e, mais tarde, pela derrota e pela revolução, só usou a oportunidade oferecida pela fraqueza e isolamento temporário da França para fazer avançar suas reivindicações imperialistas sobre Marrocos, um problema administrável em torno do qual ninguém pretendia começar, nem começou, uma guerra importante. Nenhum governo de potências importantes, nem os mais ambiciosos, frívolos e irresponsáveis, queriam uma guerra de grandes proporções. O velho imperador Francisco José, ao anunciar a deflagração dessa guerra a seus condenados súditos em 1914, estava sendo totalmente sincero ao dizer "Eu não quis que isso acontecesse" ("Ich hab es nicht gewollt"), mesmo tendo sido seu governo que, de fato, a provocou. O máximo que se pode afirmar é que, a partir de um certo ponto do lento escorregar para o abismo, a guerra pareceu tão inevitável que alguns governos decidiram que a melhor coisa a fazer seria escolher o momento mais propício, ou menos desfavorável, para iniciar as hostilidades. Afirma-se que a Alemanha procurou esse momento a partir de 1912, mas dificilmente poderia ter sido antes. Sem dúvida, durante a crise final de 1914, precipitada pelo irrelevante assassinato de um arquiduque austríaco por um estudante terrorista, numa cidade de província dos confins dos Bálcãs, a Áustria sabia que corria o risco de uma guerra mundial ao provocar a Sérvia; e a Alemanha, ao decidir dar total apoio à sua aliada, transformou o risco quase numa certeza. "A balança está pendendo contra nós", disse o ministro da Guerra austríaco, em 7 de julho. Não era melhor guerrear antes que pendesse mais? A Alemanha seguiu a mesma linha de raciocínio. Apenas nessa linha restrita a pergunta sobre "culpa de guerra" tem algum sentido. Mas, como os acontecimentos mostraram no verão de 1914, ao contrário de crises anteriores, a paz fora anulada por todas as nações até pelos britânicos, que os alemães tinham esperanças parciais de que ficassem neutros, aumentando assim suas chances de derrotar tanto a França como a Rússia. Nenhuma das grandes nações teria dado o golpe de misericórdia na paz, nem mesmo em 1914, se não estivesse convencida de que seus ferimentos já eram mortais. Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (22 of 36) [05/10/2001 22:22:13] a ponto de concordar com a ocupação, por esta, de Constantinopla oferta que desapareceu do horizonte com a Revolução Russa de 1917. Como e por que se produziu essa surpreendente transformação? Aconteceu porque ambos os jogadores, bem como as regras do jogo tradicional da diplomacia internacional, mudaram. Em primeiro lugar, o tabuleiro em que era jogado ficou muito major. A rivalidade entre as potências, confinada antes em grande medida à Europa e áreas adjacentes (com exceção dos britânicos), era agora global e imperial fora a maior parte das Américas, destinada com exclusividade à expansão imperial dos EUA pela Doutrina Monroe de Washington. Agora era igualmente provável que as disputas internacionais que tinham que ser resolvidas, para não degenerarem em guerras, ocorressem na África Ocidental e no Congo nos anos 1880, na China no final da década de 1890, no Magreb (1906, 1911) e no corpo em decomposição do Império Otomano, muito mais provavelmente que em torno de qualquer problema na Europa não-balcânica. Ademais, agora havia mais dois jogadores: os EUA que, embora ainda evitando envolvimento com problemas europeus, desenvolviam um expansionismo ativo no Pacífico e no Japão. Na verdade, a aliança britânica com o Japão (1902) foi o primeiro passo rumo à Tríplice Aliança, pois a existência daquela nova potência, que em breve mostraria que podia inclusive derrotar o Império czarista na guerra, reduziu a ameaça que a Rússia representava para a Grã-Bretanha, fortalecendo assim a posição britânica. Tornou, portanto, possível o esvaziamento de antigas disputas russo-britânicas. A globalização do jogo de poder internacional transformou automaticamente a situação do país, que fora até então a única das grandes potências com objetivos políticos realmente mundiais. Não é exagero dizer que durante a maior parte do século XIX a função da Europa nos cálculos diplomáticos britânicos era ficar quieta para que a Grã-Bretanha pudesse dar continuidade às suas atividades, principalmente econômicas, no resto do planeta. Esta era a essência da combinação característica de um equilíbrio europeu de poder com a Pax Britannica, garantido pela única marinha de dimensões mundiais, que controlava todos os oceanos e orlas marítimas do globo. Em meados do século XIX, todas as outras marinhas do mundo, juntas, mal ultrapassavam o tamanho da marinha britânica sozinha. No final do século já não era assim. Em segundo lugar, com o surgimento de uma economia industrial capitalista mundial, o jogo internacional se desenrolava em torno de apostas bastante diferentes. Isso não significa que, adaptando a famosa frase de Clausewitz, a guerra agora fosse apenas a continuação da concorrência econômica por outros meios. Esta opinião tentou os deterministas históricos à época, quanto mais não fosse porque observavam muitos exemplos de expansão econômica por meio de metralhadoras e canhoneiras. Entretanto, era uma simplificação grosseira. Mesmo tendo o desenvolvimento capitalista e o imperialismo responsabilidade na derrapagem descontrolada do mundo em direção a um conflito mundial, é impossível argumentar que muitos dos capitalistas fossem provocadores conscientes da guerra. Qualquer estudo imparcial das publicações do setor de negócios, da correspondência particular e comercial dos homens de negócios, de suas declarações públicas enquanto porta-vozes dos bancos, do comércio e da indústria mostra, de modo bastante conclusivo, que a maioria dos homens de negócios achava a paz internacional vantajosa para eles. De fato, a guerra em si era aceitável somente na medida em que não interferisse nos "negócios como de costume", e a principal objeção do jovem economista Keynes (que ainda não era um reformador radical de sua área) era que a guerra não apenas matava seus amigos, mas também inviabilizava uma política econômica baseada nos "negócios como de costume". Havia, naturalmente, expansionistas econômicos belicosos, mas o jornalista liberal Norman Angell exprimia quase com certeza o consenso do mundo dos negócios: a crença de que a guerra beneficiava o capital era "A Grande Ilusão", título de seu livro de 1912. Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (25 of 36) [05/10/2001 22:22:13] De fato, por que os capitalistas mesmo os industriais, com a possível exceção dos fabricantes de armas desejariam perturbar a paz internacional, quadro essencial de sua prosperidade e expansão, se o tecido da liberdade internacional para negociar e o das transações financeiras dependiam dela? Evidentemente, os que foram bem-sucedidos na concorrência internacional não tinham motivos de queixa. Os perdedores pediriam, naturalmente, proteção econômica a seus governos, o que é, contudo, muito diferente de pedir guerra. Ademais, o maior dos perdedores potenciais, a Grã-Bretanha, resistiu até contra esses pedidos, e seus interesses econômicos permaneceram, em sua esmagadora maioria, vinculados à paz, apesar do constante temor da concorrência alemã, ruidosamente expressa nos anos 1890, e da penetração já efetiva do capital alemão e americano no mercado interno britânico. No que tange às relações anglo-americanas, podemos inclusive ir mais longe. Se apenas a concorrência econômica bastasse para uma guerra, a rivalidade anglo-americana deveria, logicamente, ter preparado o terreno para um conflito militar como alguns marxistas do entre-guerra ainda pensavam que fosse ocorrer. Contudo, foi precisamente nos anos 1900 que o Estado-Maior imperial britânico abandonou até os mais remotos planos de emergência para uma guerra anglo-americana. Daí em diante, essa possibilidade ficou totalmente excluída. Página 6 Matérias > Geopolítica > O equilíbrio se rompe: a Grande Guerra No entanto, o desenvolvimento do capitalismo empurrou o mundo, inevitavelmente, em direção a uma rivalidade entre os Estados, à expansão imperialista, ao conflito e à guerra. Após 1870, como os historiadores mostraram, "a passagem do monopólio à concorrência talvez tenha sido o fator isolado mais importante na preparação da mentalidade propícia ao empreendimento industrial e comercial europeu. Crescimento econômico também era luta econômica, luta que servia para separar os fortes dos fracos, para desencorajar alguns e endurecer outros, para favorecer as nações novas e famintas às custas das antigas. O otimismo em relação a um futuro de progresso indefinido cedeu lugar à incerteza e a um sentimento de agonia, no sentido clássico do termo. Tudo isso, por sua vez, reforçando e sendo reforçado pelo acirramento das rivalidades políticas , as duas formas de concorrência que surgiam". A economia mundial deixara totalmente de ser, como fora em meados do século XIX, um sistema solar girando em torno de uma estrela única, a Grã-Bretanha. Embora as transações financeiras e comerciais do planeta ainda, na verdade cada vez mais, passassem por Londres, a Grã-Bretanha já não era, evidentemente, a "oficina do mundo", nem seu principal mercado importador. Ao contrário, seu declínio relativo era patente. Um certo número de economias industriais nacionais agora se enfrentavam mutuamente. Sob tais circunstâncias, a concorrência econômica passou a estar intimamente entrelaçada com as ações políticas, ou mesmo militares, do Estado. O ressurgimento do protecionismo durante a Grande Depressão foi a primeira conseqüência dessa fusão. Do ponto de vista do capital, o apoio político passaria a ser essencial para manter a concorrência estrangeira à distância, e talvez também essencial em regiões do mundo onde as empresas de economias industriais nacionais competiam umas com as outras. Do ponto de vista dos Estados a economia passou a ser desde então tanto a base mesma Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (26 of 36) [05/10/2001 22:22:13] do poder internacional como seu critério. Agora era impossível conceber uma grande nação", que não fosse ao mesmo tempo uma "grande economia", transformação ilustrada pelo ascenso dos EUA e pelo enfraquecimento relativo do Império Czarista. Inversamente, as transformações que ocorreram no poder econômico, que mudaram automaticamente o equilíbrio entre força política e militar, não acarretariam uma redistribuição de papéis no cenário internacional? Esta era uma opinião francamente popular na Alemanha, cujo assombroso crescimento industrial lhe conferiu um peso internacional incomparavelmente maior que o que tivera a Prússia. Não foi por acaso que entre os alemães nacionalistas de 1890, o velho cântico patriótico "O sentinela do Reno", dirigido exclusivamente contra os franceses, perdeu rapidamente terreno frente às ambições globais do "Deutschland über Alles", que se tornou, de fato, o hino nacional alemão, embora ainda não oficialmente. O que tornou essa identificação entre poder econômico e político-militar tão perigosa foram não apenas as rivalidades nacionais pelos mercados mundiais e recursos materiais e pelo controle de regiões, como no Oriente Próximo e Médio, onde os interesses econômicos e estratégicos tantas vezes se sobrepunham. Bem antes de 1914, a petro-diplomacia já era um fator crucial no Oriente Médio, sendo vitoriosas a Grã-Bretanha e a França, as empresas de petróleo ocidentais (mas ainda não americanas) e um intermediário armênio, Calouste Gulbenkian, que garantiu 5% para si próprio. Inversamente, a penetração econômica e estratégica alemã no Império Otomano já preocupava os britânicos e ajudou a situar a Turquia do lado da Alemanha durante a guerra. Mas a novidade da situação residia em que, dada à fusão entre economia e política, nem a divisão pacífica das áreas disputadas em "zonas de influência" podia manter a rivalidade internacional sob controle. A única coisa que poderia controlá-la como sabia Bismarck, que a administrou com incomparável habilidade entre 1871 e 1889 ,era a limitação deliberada de objetivos. Se os Estados pudessem definir seus objetivos diplomáticos com precisão, uma determinada mudança nas fronteiras, um casamento dinástico, uma "compensação" definível pelos avanços de outros Estados, tanto o cálculo como o acordo seriam possíveis. Mas nenhuma das duas excluía, como o próprio Bismarck comprovara entre 1862 e 1871, o conflito militar controlado. Mas o traço característico da acumulação capitalista era justamente não ter limite. As "fronteiras naturais" da Standard Oil, do Deutsche Bank, da De Beers Diamond Corporation estavam situadas nos confins do universo, ou antes, nos limites de sua capacidade de expansão. Foi este aspecto dos novos padrões da política mundial que desestabilizou as estruturas da política mundial tradicional. Enquanto o equilíbrio e a estabilidade permaneciam como a condição fundamental das nações européias em suas relações recíprocas, em outros lugares nem as mais pacíficas hesitavam em recorrer à guerra contra os fracos. Tinham sem dúvida, como vimos, o cuidado de manter seus conflitos coloniais sob controle. Estes nunca pareceram constituir causus belli para uma guerra de grandes proporções, mas com certeza precipitaram a formação de blocos internacionais e finalmente beligerantes: o que se tornou o bloco anglo-franco-russo começou com o "entendimento cordial" anglo-francês (Entente Cordiale) de 1904, essencialmente uma negociação imperialista através da qual os franceses desistiram de reivindicar o Egito, e, em troca, a Grã-Bretanha apoiaria suas reivindicações relativas ao Marrocos, uma vítima, na qual a Alemanha também estava de olho. Entretanto, todas as nações, sem exceção, estavam com ânimo expansionista e conquistador. Até a Grã-Bretanha, cuja postura era fundamentalmente defensiva, dado que seu problema era como proteger seu domínio global, até então incontestado, contra os novos intrusos atacou as repúblicas sul-africanas; ela também não hesitou em pensar em dividir as colônias de outro Estado europeu, Portugal, com a Alemanha. No oceano do planeta, todos os Estados eram Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (27 of 36) [05/10/2001 22:22:13] Algeciras (janeiro de 1906) devido ao apoio britânico à França, em parte porque uma guerra de grandes proporções por causa de um problema puramente colonial era pouco atraente politicamente, em parte porque a marinha alemã ainda se sentia excessivamente fraca para enfrentar uma guerra contra a marinha britânica. Dois anos depois, a Revolução Turca destruiu os acordos, cuidadosamente construídos, que visavam ao equilíbrio internacional no sempre explosivo Oriente Próximo. A Áustria aproveitou a oportunidade para anexar formalmente a Bósnia-Herzegovina (que anteriormente apenas administrava), precipitando assim uma crise com a Rússia, resolvida apenas com a ameaça de um apoio militar alemão à Áustria. A terceira grande crise internacional, em torno do Marrocos em 1911, tinha reconhecidamente pouco a ver com a revolução e tudo a ver com o imperialismo e com as duvidosas operações de homens de negócios piratas, que perceberam suas múltiplas possibilidades. A Alemanha enviou uma canhoneira disposta a se apoderar do porto de Agadir, ao sul do Marrocos, no intuito de obter alguma "compensação" dos franceses por seu "protetorado" iminente sobre o Marrocos, mas foi forçada a recuar pelo que pareceu ser uma ameaça britânica, a de ir à guerra do lado dos franceses; irrelevante se isso foi mesmo proposital ou não. Página 8 Matérias > Geopolítica > O equilíbrio se rompe: a Grande Guerra Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (30 of 36) [05/10/2001 22:22:13] A crise de Agadir demonstrou que quase todo confronto entre duas potências importantes agora as levava à beira da guerra. Quando prosseguiu o desmoronamento do Império Turco, com a Itália atacando e ocupando a Líbia, em 1911, e a Sérvia, a Bulgária e a Grécia empreendendo a expulsão dos turcos da península balcânica, em 1912, todas as nações estavam imobilizadas, tanto pela relutância em antagonizar um aliado potencial como a Itália, até então não comprometida com nenhum dos dois lados, como pelo medo de serem arrastadas a problemas incontroláveis pelos Estados balcânicos. Em 1914 ficou provado que tinham razão. Congeladas na imobilidade, viram a Turquia ser quase empurrada para fora da Europa e uma segunda guerra entre os Estados pigmeus balcânicos vitoriosos redesenhar o mapa dos Bálcãs em 1913. O máximo que as potências européias conseguiram foi criar um Estado independente na Albânia (1913), sob o príncipe alemão de costume, embora os albaneses que se preocupavam com o assunto preferissem um aristocrata inglês independente, que mais tarde inspirou as novelas de aventuras de John Buchan. A crise balcânica seguinte foi precipitada em 28 de junho de 1914, quando o herdeiro do trono austríaco, o arquiduque Francisco Fernando, visitou a capital da Bósnia, Sarajevo. O que tornou a situação ainda mais explosiva foi que, justamente nesse período, a política interna Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (31 of 36) [05/10/2001 22:22:13] das principais potências empurrou sua política externa para a zona de perigo. Após 1905, os mecanismos políticos que serviam para administrar estavelmente os regimes começaram visivelmente a ruir. Tornou-se cada vez mais difícil controlar, e ainda mais absorver e integrar, as mobilizações e contramobilizações dos súditos em via de se transformarem em cidadãos democráticos. A própria política democrática encerrava um elemento de alto risco, até num Estado como a Grã-Bretanha, que mantinha a verdadeira política externa cuidadosamente oculta, não apenas do Parlamento, como também de parte do gabinete liberal. O que fez a crise de Agadir avançar de uma ocasião de conchavo político potencial a uma confrontação de soma zero foi um discurso público de Lloyd George, que parecia não deixar à Alemanha outra opção além da guerra ou do recuo. A política não democrática era pior ainda. Seria possível não afirmar "que as principais causas da trágica deflagração européia de julho de 1914 foram a incapacidade das forças democráticas da Europa central e oriental controlarem os elementos militaristas de suas sociedades e a rendição dos autocratas, não a seus súditos democráticos leais, mas a seus conselheiros militares irresponsáveis"? E, pior que tudo, os países que estavam enfrentando problemas insolúveis, não se sentiriam tentados a apostar na solução propiciada por um triunfo externo, especialmente quando seus conselheiros militares lhes diziam que, desde que a guerra era certa, o melhor momento para agir era agora? Não era, certamente, o caso na Grã-Bretanha e na França, apesar de seus problemas Foi provavelmente o caso na Itália, embora, felizmente, o aventureirismo italiano sozinho não pudesse deflagrar a guerra mundial. Foi o caso na Alemanha? Os historiadores continuam discutindo sobre o efeito da política interna alemã na sua política externa. Parece claro que (como em todas as outras nações) a agitação de direita nas bases incentivou e ajudou a corrida armamentista competitiva, especialmente no mar. Afirmou-se que a inquietação dos trabalhadores e o avanço eleitoral da social-democracia fizeram com que as elites dirigentes se interessassem em desarmar o problema interno por meio do êxito externo. Sem dúvida, havia muitos conservadores que, como o duque de Ratibor, pensavam que era necessária uma guerra para restaurar a antiga ordem, como em 1864-1871. Provavelmente essa idéia não fez nada mais do que tornar os civis menos céticos em relação aos argumentos de seus generais belicosos. Foi o caso na Rússia? Sim, na medida em que o czarismo, restaurado após 1905 com modestas concessões à liberalização política, viu provavelmente no apelo ao nacionalismo da Grande Rússia e à glória da força militar, sua estratégia mais promissora, com vistas a renascer e se fortalecer. E de fato, se não fosse pela lealdade firme e entusiástica das forças armadas, a proximidade de uma revolução teria sido maior em 1913-1914, que em qualquer outro momento entre 1905 e 1917. Contudo, em 1914 a Rússia com toda certeza não queria a guerra. Entretanto, havia uma nação que não podia senão apostar sua existência no jogo militar, porque sem ele parecia condenada: a Áustria-Hungria, dilacerada desde meados da década de 1890 por problemas nacionais cada vez mais inadministráveis, dos quais os dos eslavos do sul pareciam ser os mais recalcitrantes e perigosos, por três motivos. Primeiro, porque não só causavam transtornos, como as outras nacionalidades politicamente organizadas no império multinacional, que disputavam vantagens umas às outras, como também complicavam as coisas ao pertencer tanto ao governo de Viena, lingüisticamente flexível, como ao de Budapeste, implacavelmente magiar. A agitação dos eslavos no sul da Hungria, além de transbordar para a Áustria, agravou as sempre difíceis relações entre as duas metades do império. Segundo, porque o problema dos eslavos da Áustria não podia ser desenraizado da política balcânica e, na verdade, ambos estavam ainda mais entrelaçados desde a ocupação da Bósnia, em 1878. Ademais, já existia um Estado independente eslavo no sul, a Sérvia (sem contar Montenegro, um homérico pequeno Estado montanhoso de pastores de cabras hostis, pistoleiros e príncipes-bispos apreciadores das inimizades feudais e sangrentas e da composição de épicos Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (32 of 36) [05/10/2001 22:22:13] Os principais partidos socialistas foram contra essa greve, poucos acreditavam que fosse viável e, de qualquer maneira, como Jaurès reconheceu "uma vez deflagrada a guerra, não podemos fazer mais nada". Como vimos, o ministro do Interior da França nem se incomodou em prender os perigosos militantes antiguerra, dos quais a polícia preparara cuidadosamente uma lista com esse intuito. A dissidência nacionalista não demonstrou imediatamente ser um fator grave. Em suma, a convocação do governo ao alistamento não enfrentou uma real resistência. Mas os governos se enganaram no que tange a um ponto crucial: foram pegos totalmente de surpresa, assim como os que se opunham à guerra, pela extraordinária vaga de entusiasmo patriótico com que seus povos pareciam mergulhar num conflito no qual ao menos 20 milhões de pessoas seriam mortas ou feridas, sem contar os incalculáveis milhões de nascimentos que deixaram de acontecer e o excesso de mortes civis devido à fome e à doença. As autoridades francesas previam 5 a 13 por cento de deserção: na verdade apenas 1,5 por cento se esquivou ao recrutamento em 1914. Na Grã-Bretanha, onde havia a mais forte oposição política à guerra e onde ela estava profundamente enraizada na tradição, tanto na liberal quanto na trabalhista e socialista, o número de voluntários nas primeiras oito semanas foi de 750 mil, mais um milhão nos oito meses seguintes. Os alemães, como previsto, nem sonharam em desobedecer às ordens. "Como alguém vai poder dizer que não amamos nossa pátria, quando após a guerra tantos milhares de nossos bons companheiros do partido dizem "fomos condecorados por heroísmo?". Assim escreveu um militante social-democrata alemão, tendo recebido a Cruz de Ferro em 1914. Na Áustria não foi só o povo dominante que foi abalado por uma breve onda de patriotismo Como reconheceu o líder socialista austríaco Victor Adler, "mesmo entre as nacionalidades, lutar na guerra era uma espécie de libertação, uma esperança de que algo diferente viria". Até na Rússia, onde haviam sido previstos um milhão de desertores, todos, salvo poucos milhares dos 15 milhões, obedeceram à convocação. As massas seguiram as bandeiras de seus respectivos Estados e abandonaram os líderes que se opuseram à guerra. Na verdade, deles restavam poucos, ao menos em público. Em 1914, os povos da Europa foram alegremente massacrar e ser massacrados, por pouco tempo, no entanto. Após a Primeira Guerra Mundial, isso nunca mais aconteceu. O momento os surpreenderá, mas não mais pelo fato da guerra, ao qual a Europa se habituaria, como alguém que vê uma tempestade se aproximando. De certo modo sua chegada foi amplamente sentida como uma libertação e um alívio, sobretudo pelos jovens da classe média, homens, muito mais que mulheres, embora menos pelos operários e menos ainda pelos camponeses. Como uma tempestade, ela rompeu o abafamento da espera e limpou o ar. Significou o fim da superficialidade e da frivolidade da sociedade burguesa, do tedioso gradualismo da melhoria do século XIX, da tranqüilidade e da ordem pacífica que era a utopia liberal para o século XX e que Nietzsche denunciara profeticamente, junto com a "pálida hipocrisia administrada por mandarins". Após uma longa espera no auditório, significou a abertura da cortina para o início de um drama histórico grandioso e empolgante do qual o público descobriu ser o elenco. Significou decisão. O fato de a guerra ter sido o momento da transposição de uma fronteira histórica, uma daquelas raras datas que marcam a periodização da civilização humana teria sido reconhecido como algo mais que uma conveniência pedagógica? Provavelmente sim, apesar da esperança muito disseminada numa guerra curta, num retorno previsível à vida normal e à "normalidade" retrospectivamente identificada a 1913, presente em tantas das opiniões registradas de 1914. Até as ilusões dos jovens patriotas e militaristas, que mergulharam na guerra como num elemento novo, "como nadadores na pureza saltando", implicaram mudanças profundas. O sentimento da guerra Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (35 of 36) [05/10/2001 22:22:14] como fim de uma época era talvez mais forte no mundo da política, embora poucos tivessem uma consciência tão clara como o Nietzsche dos anos 1880 da "era de guerras, levantes [Umstürze], explosões monstruosas [ungeheure]" que começara, ainda menos numerosos foram os de esquerda que, interpretando a seu próprio modo a guerra, nela viam esperança, como Lenin. Para os socialistas a guerra era uma catástrofe dupla e imediata, pois, como movimento dedicado ao internacionalismo e à paz, foi subitamente reduzido à impotência, e a vaga de união nacional e patriotismo sob a direção das classes dirigentes tomou conta, embora momentaneamente, dos partidos e até do proletariado com consciência de classe dos países beligerantes. Entre os estadistas dos antigos regimes houve ao menos um que reconheceu que tudo mudara. "As lâmpadas estão se apagando na Europa inteira", disse Edward Grey ao ver as luzes da sede do governo inglês apagadas na noite em que a Grã-Bretanha e a Alemanha entraram em guerra. "Não as veremos brilhar outra vez em nossa existência." Temos vivido, desde agosto de 1914, no mundo de guerras, levantes e explosões monstruosas que Nietzsche profeticamente anunciou. Isto que envolve a era anterior a 1914 com a névoa da nostalgia, uma tênue idade de ouro, de ordem e de paz, de perspectivas não problemáticas. Tais projeções passadas de bons velhos tempos imaginários pertencem à história das últimas décadas do século XX, e não das primeiras. Os historiadores dos dias anteriores ao apagar das luzes não pensavam nelas. Sua preocupação central, que perpassa este livro, deve ser a de entender e mostrar como a era da paz, da civilização burguesa confiante e cada vez mais próspera, e dos impérios ocidentais, carregava inelutavelmente dentro de si o embrião da era da guerra, da revolução e da crise que marcou seu fim." (Eric J. Hobsbawm) Clique no mapa para ampliar Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (36 of 36) [05/10/2001 22:22:14]
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