Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Geografia, movimentos Sociais e teoria, Notas de estudo de Geografia

Geografia,movimentos Sociais e teoria

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 19/10/2010

elisa-costa-10
elisa-costa-10 🇧🇷

2 documentos

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Geografia, movimentos Sociais e teoria e outras Notas de estudo em PDF para Geografia, somente na Docsity! Terra Livre Geografia, movimentos sociais e teoria Associação = l dos Geógrafos Brasileiros = = Associação dos Geógrafos Brasileiros Diretoria Executiva Nacional (Gestão 2002/2004) PresidenteBernardo Mançano Fernandes(Presidente Prudente/SP) Vice-PresidenteCarlos Augusto Amorim Cardoso(João Pessoa/PB) Primeira SecretáriaRegiane Sakihara(São Paulo/SP) Segunda SecretáriaCacilda Redivo(Curitiba/PR) Primeiro TesoureiroRafael Straforini(Campinas/SP) Segundo TesoureiroJoão Roque da Silva Neto(João Pessoa/PB) Coordenador de PublicaçõesTitular: Eliseu Savério Sposito (Presidente Prudente/SP)Suplente: Denise Elias (Fortaleza/CE) Representação no sistema CONFEA/CREAsTitular: Renato Emerson Nascimento dos Santos (Rio de Janeiro/RJ)Suplente: Hugo José Scheuer Werle (Cuiabá/PA) Comissão de Relações InternacionaisTitular: Ana Luíza Coelho Neto (Rio de Janeiro/RJ)Suplente: Roberto Verdun (Porto Alegre/RS) AGB Nacional Endereço para correspondência: Caixa Postal 64.525 05402-970 – São Paulo – SP Correio Eletrônico: agbnacional@yahoo.com.br Na Internet: http://www.cibergeo.org/agbnacional Sumário Apresentação Uma Geografia da nova radicalidade popular: algumas reflexões a partir do caso do MST Jean-Yves Martin Análisis comparado de movimientos sociales: MST, Guatemala y España Ángel Calle Un lugar en la bandera (la marcha zapatista) Georgina Calderón Aragón O projeto do MST de desenvolvimento territorial dos assentamentos e campesinato João Edmilson Fabrini O conceito de espaço rural em questão Marta Inez Medeiros Marques As vilas ruraisdo Estado do Paraná e as novas ruralidades Bernardo Mançano Fernandes e Karina Furini da Ponte Geografia, diferencia y políticas de escala Neil Smith Os avicultores integrados no Brasil: estratégias e adaptações – o caso da Coperguaçu Descalvado – SP Alba Regina Azevedo Arana As unidades prisionais do Oeste Paulista: implicações do aprisionamento e do fracasso na tentativa da sociedade de isolar por completo parte de si mesma Eda Góes e Rosa Lúcia Makino 7 11 37 59 75 95 113 127 147 163 A reinserção do lixo na sociedade do capital: uma contribuição ao entendimento do trabalho na catação e na reciclagem Antonio Cezar Leal, Antonio Thomaz Junior, Neri Alves, Marcelino Andrade Gonçalves, Eduardo Pizzolin Dibieso, Silvia Cantóia, Adriana Martins Gomes, Sara Maria M. P. S. Gonçalves e Valdir Estevão Rotta Globalização, turismo e seus efeitos no meio ambiente Clézio Santos Geração de ambiências – três conceitos articuladores Nelson Rego A liberdade no “fazer ciência” em Geografia Silvio Simione da Silva Fundamentos teóricos do cooperativismo agrícola e o MST Tânia Paula da Silva O discurso sobre Canudos e a retórica do massacre Leda Verdiani Tfouni e Lucília Maria Sousa Romão Trabalhadoras rurais e luta pela terra no Brasil: interlocução entre gênero, trabalho e território María Franco Garcia e Antonio Thomaz Junior Ética, humanidade e ações por cidadania – do impeachment de Collor ao Fome Zero do governo Lula José Henrique Rodrigues Stacciarini Compêndio dos números anteriores Terra Livre – Normas para publicação 177 191 199 213 229 243 257 273 285 291 7 Apresentação Neste momento, editamos o número 19 (ano 18, volume 2) da Revista Terra Livre. O propósito de semestralizar esta publicação já chega ao seu segundo ano. Estamos no segundo semestre de 2003 e mais um número da revista é editado pela Gestão 2002-2004. O principal objetivo da Terra Livre é fomentar os debates, em nível científico, de temas geográficos, em todos os lugares em que se fala e se respira a Geografia, como os cursos de graduação e de pós-graduação, os grupos de estudos, institutos de pesquisa, organizações não- governamentais e outras instituições de caráter público ou privado. E este é, sem dúvida, um dos objetivos básicos de sustentação da AGB. É de conhecimento de todos aqueles que se preocupam com nossa associação, a sua situação financeira precária. No entanto, não podemos deixar de reconhecer que encontramos, em várias entidades, respostas positivas aos nossos anseios de manter a Terra Livre em sua periodicidade e intercâmbios, no Brasil e no estrangeiro. O número 18 contou com o apoio financeiro do CNPq e da Mútua (Caixa de Assistência dos Profissionais do CREA). Neste número, continuamos a contar com o CNPq e, aos poucos, com recursos resultantes das assinaturas e das vendas da revista. Este número, dedicado inteiramente aos movimentos sociais, conta com a contribuição de vários autores que buscam divulgar suas idéias e aquecer o debate na Geografia. O leitor poderá confirmar a presença de quatro autores estrangeiros que são Jean-Yves Martin, Neil Smith, Ángel Calle e Georgina Calderón. Todos eles têm contribuições que problematizam os movimentos sociais e que inserem novas idéias na temática. Os autores brasileiros também mostram suas contribuições (a maioria ligada às universida- des públicas, aos quais se soma um assessor aos movimentos do campo). São eles: Horácio Martins de Carvalho, Bernardo Mançano Fernandes, Karina Furini da Ponte, Marta I. M. Márquez, Tânia Paula da Silva, João Edmilson Fabrini, Neil Smith e outros. Como nos números anteriores, temos certeza de que todas as contribuições serão úteis aos geógrafos que atuam em diferentes frentes de trabalho e outros profissionais que utilizam o conhecimento geográfico para seus trabalhos. Mesmo tendo informado o leitor no número anterior, convém lembrar que a Terra Livre foi avaliada pela CAPES (Sistema Qualis) e classificada como revista nacional, sendo uma das melhores do gênero no Brasil. Outra informação importante é que, iniciado o sistema de assina- turas (veja a ficha de assinatura no final deste volume), o que vai garantir o acesso regular à revista e a aproximação entre a associação e os geógrafos. 11 Uma Geografia da nova radicalidade popular:algumas reflexões a partir do caso do MST Una geografía de la radicalidad popular nueva:algunas reflexiones a partir del caso del MST A geography of the new popular radicality:a few reflections based on the case of MST Jean-Yves Martin Geógrafo, professeur agrégé de l’Université, doutor em Geografia da Universidade Michel de Montaigne (Bordeaux III); Comitê de redação do boletim Info-Terra, da ONG francesa “Frères des Hommes”. Resumo Será que a dita “globalização”, tema central do discurso ideológico ultraliberal, anuncia o fim da geografia? Não! Essa é mais uma carta marcada da prepotente idéia do fim da história. Mas, do mesmo modo, a geografia deve por fim à sua própria fragmentação caleidoscópica em pedaços esparsos: universitária, esco- lar, tecnocrática e cotidiana, e também à sua auto-esterilização em vãs querelas acadêmicas. Por meio de alguns elementos de reflexão apresentados neste artigo, a partir da análise do caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), queremos mostrar que a geografia já dispõe, fora do beco da “pós- modernidade”, de um conjunto de conhecimentos em elaboração que a destaca. Nesse processo se busca a construção de um novo paradigma – no sentido real da palavra – que objetiva fazer da geografia uma ciência social do espaço pluriescalas, da conflituosidade territorial, da emergência de novas identidades socioespaciais, da pesquisa participante dos geógrafos e de seu comprometimento com a realidade. Desse modo, defendemos que a geografia possa ser capaz de esclarecer e de acompanhar a emergência em curso de uma nova radicalidade popular. Palavras-chave Geografia crítica – MST – Movimentos socioterritoriais – Nova radicalidade popular. Terra Livre São Paulo Ano 18, n. 19 p. 11-36 jul./dez. 2002 JEAN-YVES MARTIN 12 “Ceux qui ont la chance de pouvoir consacrer leur vie à l’étude du mon- de social, ne peuvent rester, neutres et indifférents, à l’écart des luttes dont l’avenir de ce monde est l’enjeu”1. Pierre Bourdieu, Contre feux 2, 2000. Introdução2 O recente Fórum Social Mundial de Porto Alegre (janeiro-fevereiro 2002) acaba de subli- nhar, de novo, que um “outro mundo é possível”. Além do encontro dos militantes do mundo inteiro, mostrou-se a diversidade dos movimentos sociais no mundo. Vê-se bem melhor agora que Abstract Is the so-called “globalisation” – central theme of the ultraliberal ideological discourse – heralding the end of geography? No. It is just another mishap of the alleged end of history. But geography should nevertheless put an end to its own kaleidoscope-like fragmentation into scattered pieces (university, school, technocratic, daily-life…) as well as to its self-sterilization through pointless quarrels between academics trends. By reflecting on the issues presented in this article, based on the analysis of the case of Landless Rural Workers (MST) we wish to show that geography already has at its disposal a quantity of developing knowledge, beyond the “post-modern” dead-end, which makes it specific. And that, in the process, the construction of a new paradigm – in the true sense of the term – is being attempted, whose aim is to make of the geography a social science or the multi-scale space, of territorial conflictuality, of the emergence of new socio-spatial identities, of the participating research of geographers, involved in reality. And so we claim that geography is thus able to clarify and accompany the current emergence of a new popular radicality. Keywords Geography – MST – Socio-territorial movement – New popular radicality. Resumen Una geografía de la radicalidad popular nueva: algunas reflexiones a partir del caso del MST. Será¿ que la dicha “ globalización “, asunto central del discurso ideológico ultraliberal, anuncia el final de la geografía? No. Éste es más un avatar de la idea del final de la historia. Pero, no obstante, la geografía debe poner un término a su propia fragmentación kaleidoscópica de pedazos dispersos: universitario, alumno, tecnócrata y del diario, y también a su autosterilización en inútiles peleas de escuelas académicas. A través de algunos elementos de reflexión presentados en este artículo, a partir del análisis del caso del Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin Tierras (MST), deseamos mostrar que la geografía ya dispone, fuera del callejón sin salida de la “posmodernidad”, de un conjunto de conocimientos en elaboración que la distingue. Y que en este proceso se busca construcción de un nuevo paradigma – en el sentido verdadero de la palabra – cuyo objetivo consiste en hacer de la geografía una ciencia social del espacio multi-escalas, de la conflictualidad territorial, de la emergencia de nuevas identidades socio-espaciales, de la búsqueda par- ticipante de los geógrafos, implicados en las realidades. De este modo, defendemos que la geografía puede ser así capaz de clarificar y acompañar la emergencia en curso de la radicalidad popular nueva. Palabras clave Geografía critica – MST – Movimientos socio-territoriale – Nueva radicalidad popular. 1. “Os que têm sorte de dedicar sua vida ao estudo do mundo social, não podem permanescer, neutros e indiferentes, ás lutas cujo o futuro deste mundo é o trunfo”. 2. Agradecimentos ao geógrafo brasileiro Jailton Dias, que fez a revisão do texto do artigo escrito em português. UMA GEOGRAFIA DA NOVA RADICALIDADE POPULAR... 15 ram ou foram confiscadas pelas instituições e pelas organizações que funcionam em diferentes escalas, numa dinâmica onde as capacidades políticas tendem a recuar frente às dominações eco- nômicas. De fato, as forças econômicas predominam sobre os interesses políticos e sociais, mes- mo no interior das estruturas oficiais, o que explica também a propensão dos governos a abando- nar seus programas sociais em função das exigências financeiras, por exemplo, no caso dos ditos “programas de ajustamento estrutural”. Mas “o sistema-mundo não deve ser reduzido à mundiali- zação das trocas econômicas”. O geógrafo sublinha que muitos outros aspectos contribuem ou são atingidos, não somente no plano econômico, mas também político, social e cultural. Assim, se é verdade que o sistema-mundo inclui toda sociedade na escala planetária – “somente para melhor excluir da redistribuição uma significativa parcela da sociedade” –, é também verdade que perma- necem outras disposições espaciais, tal como o espaço nacional ou o espaço local, com suas pró- prias características e lógicas. São certamente “informadas pela lógica da mundialização”, mas, no entanto, não desaparecem. Conseqüentemente, “se a gente quiser entender o novo mapa da mun- dialização, é, mais do que nunca, necessário combinar diversas escalas e diversos níveis de análise” (Klein, 1998, p.63). J-L Klein acrescenta ainda: “diz se que o cidadão do século XXI será um cidadão do mundo. Sua responsabilidade é assim aumentada. Terá de reconstruir as ligações sociais que foram afrou- xadas sob a pressão da mundialização, combinando o local e o mundial, o individual e o social, o privado e o público”. É deste ponto de vista que a contribuição da geografia pode ser crucial “para conceber uma estratégia de desenvolvimento capaz de combinar os interesses dos cidadãos e os do sistema-mundo em construção; encontrar um espaço social recolhendo força capaz de fazer contra- peso perante as forças do mercado; delimitar os territórios da ação coletiva. Eis o que constitui um vasto programa. ‘Pense globalmente e aja localmente’, diz a famosa palavra de ordem, mais verdadeira do que nunca!” (Klein, 1997, p. 66). Naturalmente, certos movimentos sociais adaptam-se à globalização e fazem, por vezes, es- forços para agir em todos os níveis e em todas as escalas. Mas será que essas ações podem conver- gir, dar um sentido às aspirações individuais dos cidadãos e estruturar um novo projeto unificador? “As ações coletivas da resistência à desterritorialização, que nos permitem descobrir um processo da construção da solidariedade coletiva, relacionam-se à um espaço a ser defendido, recordam-nos as riquezas da solidariedade territorial construídas nas ligações sociais básicas. Desse modo, a mercantilização da ligação social imposta pela universalização é denunciada constantemente pela in- venção contínua dos lugares, de palavras e a busca da perenidade dos lugares” (Klein, 1997, p. 42). A vontade popular para manter raízes com o território é manifestada, tanto no meio rural como no meio urbano. “Mais do que a expressão de uma atitude do passado, construída na manutenção de comunidades tradicionais restritas, ou de um acessório emocional e nostálgico da história, pode ser analisada como uma dinâmica da solidariedade que suporta um projeto para viver o território” (ibidem). Assim, as resistências locais à globalização são integradas numa dinâmica subversiva da busca da solidariedade social baseada na inscrição do espaço de uma coletividade de atores locais: “para querer remanescer”, “para estar junto”, num mesmo território, “para viver no lugar certo”. “Estas práticas coletivas da resistência poderiam bem constituir ao mesmo tempo uma ruptura e ir além da lógica da organização, disposição, coordenação, do regulamento estratégico que é essencial em nome dessa eficácia do sistema, porque obriga-nos a questionar as finalidades mesmas da sociedade. JEAN-YVES MARTIN 16 Nisso, o desafio coletivo é político porque precisamente está na resistência aos efeitos perversos de uma economia a-territorial” (Klein, 1997, p. 43). Pois, a globalização e a explosão/implosão conjunta do modelo do Estado-nação, criam um sistema-mundial complexo, composto por múltiplos níveis, onde os atores e os agentes econômi- cos, políticos e sociais brigam e, às vezes, se ligam. Qual pode ser o lugar dos movimentos sociais num tal sistema, multipólos e pluriescalar? Qual desses níveis pode mostrar-se pronto para ver as ações dos movimentos sociais impor os compromissos de amanhã? Será que essa nova territorialização coletiva dos movimentos sociais pode ser concebida como uma alternativa crível perante a globalização econômica? “Na medida em que os movimentos sociais contribuem para redesenhar fronteiras e para redefinir o conteúdo da esfera pública, eles podem ir contra a orientação neoliberal que a globalização impõe ao redesdobramento da sua função reguladora, seu papel é essencial e deve ser esclarecido” (idem, p. 4-5). É a própria tarefa da geografia. A “CARA ESCONDIDA DA TERRA” Segundo o sociólogo Manuel Castells, esses movimentos sociais de resistência à “nova ordem internacional” constituem hoje o que ele nomeia da “cara escondida da Terra”. No nosso tempo, “quando a universalização e a informacionalização, obra das redes do dinheiro, da tecnologia e do poder é transformada no nosso universo, com exceção de uma pequena elite dos globapolitanos (semi- ser, semi-fluxo), os homens e as mulheres sofrem no mundo inteiro, por perder todo o controle de sua vida, ambiente, emprego, economia, governo, país e, finalmente, do destino mesmo da terra” (Castells, 1999, p. 90). Todavia, de acordo com uma velha lei da evolução social, a resistência é oposta à dominação e os projetos alternativos desafiam a lógica inerente à “nova ordem do mundo”, vivida como uma desordem pelos seres humanos de toda parte. Porém, como é freqüentemente o caso na história, “estas reações e mobilizações avançam por trajetos inabituais e caminham em rumos inesperados” (ibidem). Esta “cara escondida da terra”, torna se assim, “a cara de todos os movimentos sociais que refutam a universalização ao interesse do capital e a informacionalização consagrada, a única glória da tecnologia”. Assim, conforme M. L. de Souza: “Movimentos sociais podem, de toda sorte, a longo prazo e por efeito cumulativo complexo, provocar alterações dignas de nota, rupturas. Assim, uma luta pontual e, em si, temática e socialmente limitada, pode polinizar outras lutas e ajudar a instaurar uma sinergia transformadora; ademais ela pode permitir aos atores uma ampliação de sua margem de manobra contra os efeitos mais alienantes do processo de globalização hoje em curso – o que, dialeticamente, pode vir a ser um fator sustentador de um avanço da consciência crítica dos atores e de seu potencial de combate” (Souza, M. L. de. In: Castro, I. E. et al. Geografia: conceitos e temas, 1995, p. 109). BREVE RETORNO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO ESPACIAL FRANCÊS Uma maneira nova de pensar sobre o espaço formulou-se, mais claramente, pela primeira vez, em Paris, particularmente nos escritos de Lefebvre e de seus colegas, mas também, muito menos UMA GEOGRAFIA DA NOVA RADICALIDADE POPULAR... 17 visivelmente, nos trabalhos de Michel Foucault. Contudo, segundo E. Soja, por quase 20 anos, esses “outros espaços” restaram inexplorados e, freqüentemente, substancialmente mal entendi- dos para os maiores admiradores de Lefebvre e Foucault (Soja, 1996, p. 11)3. Eu quero sugerir que a estas celebrações faltam o ponto central que Lefebvre e Foucault fazem em suas conceitualizações da espacialidade, diferentes contudo similares, que a afirmação de uma visão alternativa da espacialidade desafia diretamente todas as modalidades convencionais de pensar o espaço. Elas significam detonar, desconstruir, e não estar confortavelmente deposita- das em velhos recipientes. Não são apenas “outros espaços” a ser adicionados à imaginação geo- gráfica, elas são também “outras coisas” além das maneiras estabelecidas de pensar a espacialidade (idem, p. 162-163). DA “PRODUÇÃO DO ESPAÇO” AO PENSAMENTO ESPACIAL CRÍTICO: HENRI LEFEBVRE A obra de Henri Lefebvre parece ser mais conhecida e levada em consideração nos outros países do que na própria França. Nos Estados Unidos, Soja (1989 e 1996), no Canadá, Rob Shieds (1999) e no Brasil, o Geousp (Carlos, 1999) sublinham, entre outros, toda a importância da sua reflexão sobre o espaço. Lefebvre pôde pensar, ele mesmo, que a sua “crítica da vida quotidiana” foi a sua mais importante contribuição à teoria social marxista. Ele insistiu na importância fundamental do mate- rialismo dialético. Portanto, a sua contribuição maior, nas disciplinas intelectuais, foi sua investi- gação da construção social e das convenções do espaço. “Lefebvre compreendeu o espacial como um sujeito atravessando todas as disciplinas, um exemplo ideal para ilustrar o seu desejo do fim da especialização tecnocrática da pesquisa acadêmica e da orga- nização do governo. Ele estendeu assim, progressivamente, o seu conceito inicial da vida quotidiana, primeiro na vida rural do campesinato, depois na extensão dos subúrbios e, finalmente, para discutir da geografia das relações sociais em termos gerais” (Shield, 1999, p. 141). Sabe-se bem que, a tese central da obra máxima de Henri Lefebvre A produção do espaço é que o modo de produção organiza – no mesmo tempo que certas relações sociais – o seu espaço. É assim que acontece. “O espaço social não é uma coisa entre as coisas, um produto qualquer entre os produtos. Ele envolve as coisas. Efeito de ações passadas, ele permite ações, sugere ou proíbe outras. O novo modo de produ- ção, a nova sociedade, apropria-se, quer dizer, arruma a seus fins o espaço pré-existente, modelado anteriormente. A organização do espaço centralizado e concentrado serve também ao poder político e à produção material. As classes sociais investem na hierarquia destes espaços ocupados” (p. 88-89). Ora, as forças trabalham nesse espaço. A violência subversiva responde à violência do poder. A luta das classes intervém na produção do espaço, cujas classes, frações e grupos de classes são os agentes. A luta de classes, hoje mais do que nunca, pode se ler no espaço. As formas dessa luta são muito mais variadas do que no passado. Fazem parte delas, com certeza, as ações políticas das minorias. “As diferenças jamais dizem a sua última palavra. Vencidas, elas sobrevivem”. Elas lutam, às vezes ferozmente, para afirmarem-se e transformarem-se através de uma prova. Henri 3. “No seio das disciplinas espaciais, quando observado, o trabalho de Lefebvre e Foucault foi tomado como uma reconfirmada benção da bem estabelecida visão das espaciais ou geográficas convencionais imaginações. O que foi faltado quase inteiramente por quase todos, era a crítica radical e o desafio disruptivo detonastado por Lefebvre e por Foucault, para reestruturar as maneiras as mais familiares de pensar sobre o espaço, através todas disciplinas” (Soja, 1996, p. 11). JEAN-YVES MARTIN 20 do que poderá mais nos interessar aqui, a saber das heterotopias da resistência ou das lutas em vigor na territorialização dos movimentos sociais. No recente livro, David Harvey (2000) sublinha também toda a importância geográfica do pensamento espacial de Foucault: “Há, Foucault assegura-nos, abundantes espaços em que a ‘outraneidade’ [otherness], a alteridade, e, daqui, as alternativas puderam ser exploradas não como meros produtos da imaginação mas através do contato com processos sociais que já existem. É dentro destes espaços que as alternativas podem tomar forma e, a partir destes espaços, que uma crítica de normas e de processos existentes pode o mais eficazmente ser montada” (Harvey, 2000, p. 184). Portanto, Harvey considera também que se “o conceito de ‘heterotopia’ tem a virtude de insistir num melhor entendimento da heterogeneidade do espaço [...] ele não dá indícios para se saber o que um utopismo” mais espaço-temporal possa ser” (idem, p. 185). Em verdade, Foucault não considera os “outros espaços” em toda a sua diversidade possível. Apesar disso, ele é muito mais explícito quando se trata dos conflitos e trunfos de poder, cujos espaços antagonistas são portadores. A “MICROFÍSICA DO PODER” A geografia das confrontações locais de poder foi, em parte, problematizada por Foucault na temática de uma verdadeira “microfísica do poder”. Perguntado por geógrafos, em 1976 – numa entrevista publicada no primeiro número da revista de geografia crítica Hérodote8 – após uma certa irritação inicial, ele acaba reconhecendo: “A geografia deve estar bem no centro das coisas de que me ocupo [...]. Táticas e estratégias que se desdobram através das implantações, das distribuições, dos recortes, dos controles dos territórios, das organizações de domínios que poderiam constituir uma espécie de geopolítica, por onde minhas preo- cupações encontrariam os métodos de vocês [os geógrafos]...”9. Falando mais adiante das relações entre poder e espaço, ele destaca que “o poder sempre é exercido a partir de inúmeros pontos, no jogo de relações inigualáveis e móveis. E, onde há poder, há, necessariamente, também resistências que são dos seguintes modos: possíveis, imprescindí- veis, espontâneas, selvagens, rastejantes, violentas, etc.”10. Então, ele diz também que o poder “não é qualquer coisa que se adquire, que se arranca ou que se partilha, alguma coisa que a gente guarda ou deixa escapar”. Segundo ele, nunca se deve esquecer de que, paradoxalmente, “o poder vem de baixo”, porque “as relações de forças múltiplas constituem uma linha de força geral”, que “atravessam os afrontamentos locais”. Assim conceituada, a racionalidade do poder vem de táticas muitas vezes explícitas na escala limitada em que elas se inscrevem. Elas são, muitas vezes, a expressão de um verdadeiro “cinismo do poder”. Além destas grandes linhas, assim destacadas, para Foucault “resta escrever toda uma histó- ria dos espaços – que seria, ao mesmo tempo, a história dos poderes (os dois termos no plural) – desde as grandes estratégias da geopolítica até as pequenas táticas do hábitat”11. 8. Questions à Michel Foucault. Hérodote, Paris, n. 1, p. 71-85, 1976. 9. FOUCAULT, M. 1994, Dits et Ecrits, tome IV (1980-88), também publicada no Brasil, em: Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979, p. 164-165. 10. FOUCAULT, M. Deux essais sur le sujet et le pouvoir. In: DREYFUS, H.; RABINOW P. Michel Foucault: un parcours philosophique, Paris: Ed. Folio, 1984, p. 297-321. 11. FOUCAULT, M. In: Power/knowledge. Nova Iorque: Panthéon, 1980, p. 149. UMA GEOGRAFIA DA NOVA RADICALIDADE POPULAR... 21 As “pequenas táticas do hábitat”, vindas do local, são assim, nas relações do poder, sempre “o outro termo”. Elas inscrevem-se como o irredutível cara a cara”. Réplicas das estruturas do poder, elas também são, “distribuídas de maneira irregular: os pontos, os nós, os focos de resistên- cia são disseminados com maior ou menor densidade no tempo e no espaço”. Elas podem fazer objeto de uma abordagem e de uma análise geográficas. Segundo qual lógica? Aquela “das gran- des rupturas radicais, das partilhas binárias e maciços? Às vezes. Mas se trata mais freqüentemente de pontos de resistência móveis e transitórios”. As lógicas e as dinâmicas desta “microfísica do poder”12 podem ser destacadas, sobretudo, quando elas têm conseqüências até nas “malhas do poder”.13 Esta abordagem pode justificar uma “outra maneira de avançar rumo a uma nova economia das relações de poder”. Tal como, “um novo modo de investigação consiste em tomar as formas de resistência aos diferentes tipos de poder, como pontos de partida”. Neste caso, “para entender em que consistem as relações de poder é preciso analisar as formas de resistência, de oposições que se desenvolvem nestes últimos anos”14. Este tipo de abordagem, nos parece impor-se na análise geo- gráfica das lutas dos movimentos socioterritoriais (ver: Martin, 1997, p. 32 e 2001, p. 58-62). II – O MST, um “movimento socioterritorial” Tratar-se-á nesta parte de uma nova e breve contribuição ao debate recentemente lançado por B. M. Fernandes em seu trabalho, tomando o MST como exemplo, na sua reflexão sobre “movi- mento social como categoria geográfica” (Fernandes, 2001); continuado por M. A. Mitideiro no seu artigo sobre a territorialização como “conceito explicativo da luta pela terra” (Mitideiro, 2000), e prolongado para J.-Y. Martin, apresentando o MST como “movimento socioterritorial”, mais do que “socioespacial” (Martin, 2001). Desenvolvendo a discussão, nos parece que alguns pontos do debate devem ser reconsiderados aqui, no sentido de esclarecer, por meio do caso do MST, não somente as distinções entre espaço e território, mas também, entre os processos de espacialização e de territorialização, assim como entre os movimentos socioespaciais e socioterritoriais. 1 – DO ESPAÇO RURAL AO TERRITÓRIO CAMPONÊS É sempre fundamental fazer nitidamente a distinção entre o espaço e o território. É muito mais do que uma simples questão de terminologia. Assim – após C. Raffestin que já fez considerações a respeito da “anterioridade” do espaço15 –, segundo A. U. de Oliveira: “Desvendar o território pode e deve ser uma perspectiva científica para a geografia. Por isso, reafirma- mos que o território não pode ser entendido como equivalente, como igual ao espaço, como propõem muitos geógrafos. Nesse caminho, torna-se fundamental compreender que o espaço é uma propriedade que o território possui e desenvolve. Por isso, é anterior ao território. O território, por sua vez, é um espaço transformado pelo trabalho, e portanto, uma produção humana, logo, espaço de luta de classes ou frações de classes [...] sendo pois o lugar da luta cotidiana da sociedade pelo seu devir” (Oliveira apud Fernandes, 1996, p. 12-13). 12. FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979. 13. FOUCAULT, M. “Les mailles du pouvoir”, Conférence prononcée à Bahia, publiée dans le Tome 4 de Dits et Ecrits (1980- 1986), 1994. 14. FOUCAULT, M. Deux essais sur le sujet et le pouvoir. In: DREYFUS, H.; RABINOW, P. op. cit., p. 300. 15. RAFFESTIN, C. A geografia do poder. 1980. JEAN-YVES MARTIN 22 A distinção espaço/território torna-se muito mais necessária ainda, no contexto atual da globalização, com a emergência de movimentos populares de contestação, como, entre outros, o MST no Brasil: “O capital mundializou-se, mundializou seu território. Produziu, construiu, transformou seu território. E qual foi o resultado desse processo? Uma pequena parte da humanidade apropriou-se, de forma privada, do mundo. O território capitalista confiscado historicamente no processo de sua construção agora é contestado. As lutas dos Sem-Terra são marcas visíveis dessa contestação. E, mais do que isso, pequenas parcelas estão sendo retomadas pelos Sem-Terra. Nelas estão semeando a utopia, reencon- trando sua identidade e se tornando cidadãos” (idem, p. 13). Vejamos o problema do caso do campesinato no espaço rural brasileiro. a – O espaço geográfico Como já vimos, segundo Lefebvre, cada sociedade produz seu espaço, um processo no qual tem também sempre objetivação, coisificação, e/ou reificação do espaço, traduzindo a concepção do- minante em vigor. Mas, além dessas “representações do espaço”, quais são as principais caracte- rísticas da “produção do espaço” rural, na formação econômica e social brasileira de hoje, a hora da dita globalização? Pode-se destacar, rapidamente, ao menos dois pontos: 1 – O bloqueio das estruturais fundiárias: mesmo com a multiplicação dos projetos de reforma agrária, nunca houve realmente redistribuição fundiária significativa. A comparação dos dados dos censos agropecuários de 1985 e 1995 o mostra (Cf. Martin, 2001, p. 23). Daí, mais que nunca, a atualidade não ultrapassada do velho dito: “terras sem camponês e camponês sem terra”. 2 – Há portanto que distinguir o papel paradoxal das periferias, dos interstícios e das margens, destacando três tipos de regiões: • Os interstícios – por exemplo no Nordeste – no domínio do latifúndio: no detalhe, a situação dos municípios pode ser bastante diferente: uns com somente um ou alguns latifúndios no seu territorio, e outros municípios vizinhos, ao contrário, com uma multidão de minifúndios (ver o caso do Rio Grande do Norte em Martin, 2000, p. 261-272). • A periferias urbanas das metrópoles16, notadamente no Sudeste: a metropolização desenvolvi- da tal como um arquipélago, num oceano cada vez mais esvaziado para a evicção rural, ou talvez, melhor dizendo, a “desruralização”17. • As margens “pioneiras” de colonização – na Pré-Amazônia, como no Pará – enquanto lugar do deslocamento das populações rurais, é palco de tensões sociais particularmente fortes. Além de serem diferentes, as três formas de regiões são, ao mesmo tempo, concernidas em conjunto com as tensões (número de conflitos rurais), as ocupações de terras (acampamentos) e os assassina- tos de trabalhadores rurais (conforme os dados da Comissão Pastoral da Terra). b – O território camponês Como diz A. U. Oliveira, falando do latifúndio, “a territorialização do monopólio e a monopolização do território podem se constituir em instrumento de explicação geográfica para as transformações territoriais do campo” (Oliveira, 1999, p. 107). Ora, o território é bem outra coisa que o espaço: 16. Ver SOUZA, M. L. de. O desafio metropolitano: um estudo sobre a problemática sócio-espacial nas metrópoles brasileiras, Bertrand Brasil, 2000. 17. SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1987, p. 12. UMA GEOGRAFIA DA NOVA RADICALIDADE POPULAR... 25 “Com essas práticas, os sem-terra reúnem-se em movimento. Superam bases territoriais e fronteiras oficiais. Na organização da ocupação massiva, agrupam famílias de vários municípios e de mais de um Estado, quando em áreas fronteiriças. Desse modo, rompem com localismos e outras estratégias advindas de interesses que visam impedir e ou dificultar o desenvolvimento da luta pelos trabalhadores” (Fernandes, 2000, p. 18). A ocupação, como prática socioterritorial radical, caracteriza fortemente o período em que o movimento constituiu-se historicamente (1984-1996). Mas, também, compreende-se melhor por- que o poder neoliberal busca, desde a segunda metade dos anos 1990, criar muitos obstáculos a fim de lutar mais eficazmente contra esse movimento popular considerado insuportável: judiciarização, militarização, repressão, parada de toda reforma agrária efetiva, etc. c – O caso misto dos “assentamentos” No prolongamento de uma ocupação, o assentamento constitui a introdução de uma novidade espacial. “As lutas por frações do território – os assentamentos – representam um processo de territorialização na conquista da terra de trabalho contra a terra de negócio e de exploração” (Fernandes, 2000, p. 11). Mas, para M. A. Mitidiero, a conquista da terra é menos importante do que o processo de luta: “A territorialização vista como formação de um novo território, a partir de um território preexistente comandado pelo Estado, ou seja, a concepção de que parte ou fração deste território se desprende formando um novo e pequeno território (o assentamento, a conquista da terra) torna-se insuficiente na sua dimensão explicativa. O conceito de territorialização relativo aos movimentos sociais no campo deve ser visto apenas como processo de luta pela terra e não como conquista e domínio de partes ou frações do território” (Mitidiero, 2001, p. 6) Com certeza, a oficialização pelo Estado (INCRA) faz do assentamento uma nova estrutura espacial, através da mutação fundiária, em detrimento do latifúndio, no caso da fazenda improdu- tiva expropriada. Mas, a natureza do assentamento restará, portanto, ambivalente e, a partir daí, muitas evoluções são possíveis. Às vezes é possível manter nele uma boa dinâmica coletiva de mobilização das famílias “assentadas”. Então, induz-se a um desenvolvimento local, e o assentamento torna-se um lugar de identificação camponesa. Por outro lado, os camponeses assentados podem comportar-se de uma maneira mais individualista, e o assentamento poderá conhecer, rapidamente, graves dificuldades. Ele torna-se um quadro esvaziado, pode ser ameaçado de fracasso e mesmo de desaparecimento. Assim, conforme M. A. Mitidiero: “O assentamento como lugar social de luta constante por transformações sócio-econômicas na estrutu- ra social brasileira é uma proposta um pouco diferente da daqueles pesquisadores que interpretam o MST como um movimento territorializado (conquista e domínio). Vemos o MST como um movimento em processo de territorialização e não como um movimento territorializado” (Mitideiro, 2001, p. 7). Afinal, de onde provém a eficácia reconhecida do MST, enquanto movimento social? De conseguir realizar a combinação desses dois processos – espacialização e territorialização – dife- rentes é certo, mas que se revelam, de fato, complementares e indissociáveis. JEAN-YVES MARTIN 26 “Os movimentos socioterritoriais realizam a ocupação através do desenvolvimento dos processos de espacialização e territorialização da luta pela terra. Ao espacializarem o movimento, territorializam a luta e o movimento. Esses processos são interativos, de modo que espacialização cria a territorialização e é reproduzida por esta” (Fernandes, 2000, p. 17). 3 – DOS MOVIMENTOS SOCIOESPACIAIS, AO MOVIMENTO SOCIOTERRITORIAL Será que o objetivo de todos os movimentos sociais rurais é o “de buscar uma reinvenção do lugar (um novo lugar, uma nova vida) e a reorganização do território com o intuito de materializar sobre estes os seus direitos de cidadãos, sua liberdade”? Talvez esses movimentos “lutam pela terra do trabalho e da vida em contraposição a organização impositiva do território capitalista”. Mas serão todos “os movimentos sociais no campo movimentos socioterritoriais, e não socioespaciais...” (Mitidiero Jr., 1999, p. 146)? E, também, qual pode bem exatamente ser a distinção a se fazer entre estes dois tipos de movimentos sociais? a – Os movimentos socioespaciais Os movimentos sócio-espaciais são todas as organizações, como os partidos políticos e os sindicados tradicionais, mais ou menos burocratizados, estruturados segundo os níveis e as escalas das subdi- visões espaciais político-administrativas em vigor, sem conseguir, nem mesmo buscar introduzir nenhuma inovação na própria espacialização. Eles se organizam apenas de acordo com os níveis e as escalas das estruturas político-administrativas – por exemplo um bairro, para uma associação de moradores, como no caso dos movimentos sociourbanos (MSU) quando ainda existem21, e que lutam num “ativismo de bairro” somente para melhorar as infra-estruturas, como água encanada, rede de esgoto, asfalto nas ruas, sem, de forma alguma, pretender modificar essa estruturação espacial. No caso das associações de moradores, por exemplo, segundo M. Santos, elas “têm um inegável papel organizativo, mas não tem fôlego para ultrapassar o funcional, deixando intacto o estrutural. [...] Trata-se de uma ação política puramente espacista, mas não propriamente espacial. O espaço é uno e global, funcionando segundo um jogo de classes que tem sua demarcação territorial. Agir sobre uma fração do território sem que a ação seja pensada de maneira abrangente, pode oferecer soluções tópicas e de eficácia limitada no tempo, servindo sobretudo ao reforço dos dados estruturais contra os quais se imaginava combater” (Santos, 1987, p. 75)22. É, ainda mais, no caso dos sindicatos, dos partidos políticos e de todos os movimentos estruturados da mesma maneira. São organizações hierárquicas e piramidais, unicamente decalcadas a partir das estruturas político-administrativas. Uma grande parte da sua impotência atual deriva do fato que elas se mostram incapazes de se adaptar, com a sua desterritorialização sem reterritorialização, às novas condições criadas para os efeitos da globalização. b – Um movimento socioterritorial Um movimento socioterritorial, ao contrário, é uma organização que tem a vontade e cria as capa- cidades de introduzir no espaço, com práticas socioterritoriais novas, verdadeiras mutações territoriais, mesmo se elas são de início, na base, limitadas e estritamente localizadas. 21. Ver: SOUZA, M. L. de. “O Desafio Metropolitano”. “Hoje em dia, no Brasil, o único movimento social realmente forte e notável se vincula às lutas no campo – o movimento dos sem-terra e suas diversas organizações, com destaque para o MST – e não às lutas urbanas” (1999, p. 177). 22. SANTOS, M. op. cit., p.75. UMA GEOGRAFIA DA NOVA RADICALIDADE POPULAR... 27 “O movimento territorializado ou socioterritorial está organizado e atua em diferentes lugares ao mes- mo tempo, ação possibilitada por causa de sua forma de organização, que permite espacializar a luta para conquistar novas frações do território, multiplicando-se no processo de territorialização. Um exemplo de movimento socioterritorial é o MST” (Fernandes, 2000, p. 12). Não se trata mais aqui do problema do planejamento oficial do espaço – mesmo dito, às vezes, notadamente na França, “do território” – mas é, de preferência, questão das práticas emer- gentes das classes socioespaciais populares, até agora sempre deixadas à parte do problema. É na e para uma tal territorialização deliberada que o espaço torna-se verdadeiramente um trunfo, não mais entregue às elites dominantes apenas, mas acessível às camadas populares, através, notadamente, dos movimentos sociourbanos (MSU) ou rurais (MST), apesar de todos os obstácu- los e perigos. Eles reorganizam porções do espaço geográfico com o desenvolvimento de práticas socioterritoriais alternativas, como, por exemplo, quando uma fração de latifúndio é transformada em assentamento, mediante a pressão de uma ocupação de sem-terra, ou quando os sem-teto ocu- pam uma parcela vazia num bairro urbano onde constroem logo um conjunto de casas. Ver recen- temente o caso do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), e seu acampamento em Guarulhos (São Paulo), com 3.500 famílias. Um movimento socioterritorial, como é o MST, longe de encerrar-se nas estruturas herdadas e impostas do espaço produzido pela sociedade capitalista, na sua etapa da globalização, desenvol- ve práticas alternativas que põem em questão a estruturação espacial. As chaves do relativo êxito de um tal movimento – comparativamente ao fracasso da maioria dos movimentos sociais urbanos – são as seguintes: as ocupações permitem desestabilizar o tabu sociohistórico brasileiro do lati- fúndio. Compreende-se bem todos os esforços do poder neoliberal para pôr fim às ocupações dos sem-terra. Portanto, elas não são somente uma resposta local a uma determinação global, mas também os firmes pontos de apoio para uma interatividade multiescalas do movimento, do local até o internacional, como no seio da Via Campesina, movimento camponês transnacional, por exemplo. Enfim, ultrapassando a estigmatização anti-rural, o movimento é também portador, mes- mo se é sobretudo por meio de suas lutas, da afirmação de uma identidade camponesa enfim reconhecida. III – Nova radicalidade popular e Geografia Crítica A necessidade de uma nova Geografia mais crítica, foi afirmada muitas vezes para alguns geógrafos. Destacam-se, por exemplo, três obras marcantes, ainda mais por seus subtítulos do que por seus títulos. Já em 1978, M. Santos pronuncia-se “por uma geografia nova” [titulo], e proposta de passar assim “da crítica da Geografia a uma Geografia crítica” [subtítulo] (Santos, 1978). Em 1989, E. Soja anuncia a emergência das “geografias pós-modernas”, mas sobretudo deseja “a reafirmação do espaço na teoria social crítica” (Soja, 1993). Enfim, em 2001, sobre o titulo “espa- ços do capital” [“spaces of capital”], D. Harvey lembra as etapas do seu caminho “por uma Geo- grafia crítica” [“towards a critical Geography”] (Harvey, 2001). 1 – UMA GEOGRAFIA CRÍTICA DA IDEOLOGIA “GLOBALISTA” NEOLIBERAL O conceito de globalização impos-se em somente algumas décadas. Conforme Harvey, “a globalização, por exemplo, era inteiramente desconhecida antes de meados dos anos 1970. Inu- meráveis conferências estudam agora a idéia [...] que se transformou num conceito central, rapidamente, associado com o globalizado novo bravo mundo do neoliberalismo” (Harvey, 2000, p. 12-13). JEAN-YVES MARTIN 30 Desde o começo dos anos 90, com a emergência das lutas zapatistas no Chiapas e do Movimen- to dos Sem-terra no Brasil, dos sem-documento na Europa, dos sem-teto, das lutas de contracultura, entre tantos, permitem-nos afirmar que as novas formas de lutas desenvolvem-se. Ainda que sem modelo, essas ações traduzem “uma legitimidade particular daqueles que lutam contra as injustiças, apesar da ausência de modelo ordonador do futuro”. Para eles, a ausência de modelo, ao contrário de impedir a emergência das lutas, é capaz de ser “uma condição central para pensar a radicalidade política libertada, enfim, de possuir um programa completo e pronto do mundo desejado”. Não ter programa, é o que permite ter projetos, “passando do dever ser ao dever fazer” (idem, p. 18-19). Uma outra das novidades fundamentais dessa nova radicalidade consiste na abdicação da militância puramente contra “ela desenvolve, as praticas multiplas de cada situação, lugares (casas, oficinas, universidades popula- res, ocupações de terra) e modos de vidas que, concretamente, ultrapassem o individualismo preconi- zado pelo sistema. Em outras palavras, a gente deveria agora distinguir de um lado a luta agenda, daquela dos indivíduos que tentam encontrar, nas suas atividades, a possibilidade de ser solidários e, por outro lado, a nova radicalidade, que significa o desenvolvimento concreto na vida de cada dia de modos de vida e de vínculos diferentes” (idem, p. 6-7). Perante a maior crise de nossa época, tomando as suas distâncias com as tentações e os becos da pós-modernidade, a Geografia deve, ao mesmo tempo, trazer a sua contribuição à analise da nova radicalidade em emergência, para melhor redefinir o seu paradigma no sentido de uma filoso- fia da praxis. Mas, agora, vejamos, a seguir, como os geógrafos americanos, precisamente ditos “radicais”, apresentam hoje o problema. 3 – O ESPAÇO: DA REAFIRMAÇÃO CRITICA AO “THIRDSPACE” – E. SOJA Já sabe-se bem que, desde 1989, Edward Soja preocupou-se da “reafirmação do espaço na teoria social crítica” (Soja, 1993)24 . Ele já era convencido que “há um extraordinário apelo por uma nova perspectiva crítica, por um modo diferente de ver o mundo, no qual a geografia não somente ‘tem importância’, como fornece a mais reveladora perspectiva crítica” (Soja, 1993, p. 33). Mas consi- derou também que só pode ser ao preço da emergência de “uma nova geografia humana crítica, um materialismo histórico e geográfico sintonizado com os desafios políticos e teóricos contemporâ- neos” (idem, p. 13). Até afirmar: “Essa geografia humana crítica reconstituída deve estar sintonizada com as lutas emancipatórias de todos os que são marginalizados e oprimidos pela geografia especifica do capitalismo […] pelos traba- lhadores explorados, pelos povos tiranizados e pelas mulheres dominadas” (idem, p. 93). “Assim, a luta de classes (sim, ela ainda continua a ser uma luta de classes) precisa abarcar e se concen- trar no ponto vulnerável: a produção do espaço, a estrutura territorial de exploração e dominação, a reprodução espacialmente controlada do sistema como um todo. E precisa incluir todos os que são explorados, dominados e ‘periferalizados’ pela organização espacial impositiva do capitalismo tardio: os camponeses sem terra, a pequena burguesia proletarizada, as mulheres, os estudantes, as minorias raciais e também a própria classe trabalhadora” (idem, p.115). Mas, ele insistia bastante em situar essa perspectiva – como se vê bem no titulo: Geografias pós–modernas – no contexto geral da “pós-modernidade” então vigente. 24. Ver: MARTIN, J-Y. 1997, p. 31. UMA GEOGRAFIA DA NOVA RADICALIDADE POPULAR... 31 Alguns anos mais tarde – em 1996 – Soja acha que durante muito tempo, os geógrafos, como os outros cientistas sociais, trataram o espaço como uma das duas maneiras seguintes: ora como formas materiais do “firstspace” [primeiro espaço] que pode ser medido e objetivamente traçado; ora como imagens mentais, pensamentos e seus significados subjetivos do “secondspace” [segun- do espaço]. Portanto, Soja discute que há agora uma outra maneira de pensar sobre a geografia do espaço e do ser humano, um “thirdspace” [terceiro espaço] bem mais detalhado e complexo. “Eu defino thirspace como outra maneira nas compreensão e ação para mudar a espacialidade da vida humana, uma modalidade distinta da consciência espacial crítica” (Soja, 1996, p. 10). “Se Firstspace for explorado primeiramente com seus textos e contextos legíveis, e Secondspace com seus prevalecendo discursos representaçionais, então a exploração do Thirdspace deve adicionalmente ser guiada por alguma forma de praxis potencial de emancipação, a tradução do conhecimento na ação – e conscientemente espacial – num esforço consciente de melhorar o mundo” (idem, p. 22). Soja segue o desenvolvimento desta idéia do thirdspace desde as obras pioneiras de Henri Lefebvre e os trabalhos de Michel Foucault, até os escritos culturais críticos atuais, tais como Bell Hooks25 e Homi Bhabha26. Segundo ele, a multiplicidade dos “outros espaços” que “a diferença faz” define uma “política cultural nova da diferença e da identidade”, uma “subjetividade espacial radical”, com a margem, os interstícios e a periferia como “espaços da abertura radical”. Ora há de sublinhar a estratégica de diferença do thirdspace, sua flexibilidade em tratar das formas múltiplas da opressão e da desigualdade, e sua relevância à política contemporânea: “A dimensão espacial de nossas vidas nunca foi de uma relevância prática e política mais grande do que hoje. Meu objetivo em Thirdspace é incentivá-lo pensar diferentemente sobre os sentidos e o significa- do do espaço”(1). Thirdspace é enraizado numa perspectiva de recombinação radicalmente aberta, interjogando outros dados nas escolhas: “Tudo vem junto em Thirdspace: subjetividade e objetividade, o abstrato e o concreto, o real e o imaginado, o conhecimento e o inimaginável, o repetitivo e o diferencial, a estrutura e o agenciamento, a mente e o corpo; a consciência e o inconsciente, o disciplinado e a transdisciplinaridade, a vida do cada dia e a história sem-fim” (idem, p. 56-57). Com a sua busca para esferas mais largas da participação no mundo do cotidiano e nas pos- sibilidades da ação social em toda parte no mundo, do pessoal ao planetário, o thirdspace cria novos locais da diferença, para esforços e para a formação de comunidades interconectadas, não- excludentes e múltiplas da resistência radical a todas as formas de subordinação hegemônica. “Aqueles que são territorialmente subjugados pelos funcionamentos da potência hegemônica, têm duas escolhas inerentes: qualquer um aceita sua diferenciação e divisão impostas, fazendo o melhor dele; ou mobilize-se para resistir; desenhando em cima de seu posicionamento putativo, sua ‘outraneidade’ atribuída, e esforçar-se ao encontro a esta imposição potência-enchida. Estas escolhas são reações inerentes e respostas espaciais, dos indivíduos e das coletivas, aos funcionamentos requisitados para a 25. Notadamente: HOOKS, Bell. Yearning: race, gender and cultural politics. Boston: South End Press, 1990. 26. BHABHA, Homi K. The location of culture. New York/London: Routledge, 1994. JEAN-YVES MARTIN 32 potência nos espaços percebido, concebido e vivido. Os resultados destes diferenciação socioespacial, divisão, encerramento e lutas, são cumulativamente concretizados e conceitualizados em práticas espa- ciais, nas representações do espaço, e nos espaços da representação, porque todos os três estão forma- dos sempre profundamente pelo funcionamento da potência. É útil ver estes pressuposições, processos da produção social, e resultados dos funcionamentos da potência como confrontados, historica e geo- graficamente, ao desenvolvimento desigual: formação espacio-temporal composta e dinâmica de dife- renças sociais, construídas em muitas escalas espaciais diferentes, do corpo e da casa, à nação e à economia mundial” (p. 87, grifos do autor). Mas, de novo, se Soja aprofunda sua analise do thirdspace, no sentido de uma tal radicalidade critica, resta sempre no cerne de um “pós-modernismo de resistência” (p. 52); para criar uma “pós- moderna geografia alternativa de escolha política e radical abertura” (p. 63); e para “o desenvolvi- mento de um pós-modernismo radicalmente aberto e abertamente radical “ (p. 92). Parece assim bem claro que E. Soja não quer nitidamente sair da problemática de uma recorrente “pós- modernidade”. 4 – O “ESPAÇO – UTOPISMO” DOS “ESPAÇOS DA ESPERANÇA” – D. HARVEY (2000 E 2001) Não é precisamente o caso de David Harvey, que descreve para começar o discurso que ele chama de “pós-moderno”, como dominado de um lado pelos conceitos da “globalização”, e de outro lado do “corpo”. Ele sublinha, entretanto, que pouco esforço sistemático foi feito para conectar melhor estes dois regimes discursivos que residem em um ou outro extremos das escalas que “nós pude- mos-se usar para compreender a vida social e política”. É precisamente uma tal tentativa de estabe- lecer uma conexão entre os dois, que é no alvo dos “espaços da esperança”. A motivação de Harvey para fazer essa tentativa é explicitamente política. É crítico do conceito da globalização porque não deixa nenhuma esperança para a mudança, afirmando que “não há alternativa”. Na vista de Harvey, a resistência não pode tomar o seu ponto de partida em alguma noção unificada como “o trabalhador”, nem a “ potência do trabalho”, mas deve derivar-se da particula- ridade do corpo individual. Melhor que nas escalas unificadas da “classe trabalhadora” ou dos “poderes da globalização”, todas as lutas novas tomam lugar entre a microescala do corpo e a macroescala da economia global. “Globalização é o mais macro de todos os discursos disponíveis para nos, quando ‘o corpo’ é certamente o mais micro dos pontos de vista para compreender a obra da sociedade” (Harvey, 2000, p. 15). Daqui, é necessário construir uma dialética da política capaz de arbitrar entre as diferentes escalas espaciais. Harvey argumenta que a globalização, quando vista como um processo, está estritamente ligada à necessidade do capitalismo de uma reorganização geográfica continua como resposta a seus crises e impasses. Em sua tentativa de formular uma teoria do “desenvolvimento geográfico desigual”, Harvey indica a necessidade de fundir o que ele chama a “produção da escala”, com a “produção da diferença geográfica”. “Os seres humanos produzem tipicamente uma hierarquia aninhada dentro das escalas espaciais, com que organizar suas atividades e para compreender seu mundo. As casas, as comunidades, e as nações são os exemplos óbvios ou as formas organizacionais contemporâneas que existem em escalas diferen- tes. [...] O caso das mudanças de territorialização mostram claramente que não há nada ‘natural’ a proposto das limites políticas, mesmo se condições naturais puderam jogar um qualquer papel na sua definição. Territorialização é, no final, um resultado de esforços políticos e decisões, feitos em um contexto das condições tecnológicas e político-econômicas” (idem, 2000, p. 75). UMA GEOGRAFIA DA NOVA RADICALIDADE POPULAR... 35 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização, do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000. SHIELDS, Rob. Lefebvre, love and struggle, spatial dialectics. London/New York: Routledge, 1999. SOJA, Edwards W. Geografias pós-modernas, a reafirmação do espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1993. SOJA, Edwards W. Thirdspace, journeys to Los Angeles and other Real-and-Imagined Places. Malden/Oxford: Blackwell, 1996. VANIER, Martin (Ed.). Agir local, penser global, les citoyens face à la mondialisation. Paris: ATTAC/Fayard, 2001. WACKERMANN, Gabriel. Géographie humaine. Paris: Ed.Ellipses, 2000. (Coll. Universités) 37 Análisis comparado de movimientos sociales:MST, Guatemala y España Compared analysis of social movements:MST, Guatemala and Spain Análise comparada de movimentos sociais:MST, Guatemala e Espanha Ángel Calle Universidad Carlos III de Madrid, España. Resumen Este artículo persigue dos objetivos. El primero es realizar un análisis comparativo de tres movimientos sociales que se desarrollan en tres contextos políticos diferentes: la Red Ciudadana por la Abolición de la Deuda Externa (RCADE) en España, el movimiento de derechos sociales e indígenas en Guatemala y el Movimiento de los Trabajadores Rurales sin Tierra (MST) en Brasil. El segundo es, sobre la base de estos análisis, reflexionar sobre cuestiones epistemológicas en el análisis de los fenómenos de movilización social: ¿qué son? ¿qué relación existe entre conflicto y movilización social? ¿cómo representan los movimientos sociales los conflictos? ¿qué factores culturales y estructurales condicionan la evolución de un movimiento social? Palabras clave Movimientos Sociales – Acción Colectiva – RCADE – MST. Terra Livre São Paulo Ano 18, n. 19 p. 37-58 jul./dez. 2002 ÁNGEL CALLE 38 1 – Introducción Este artículo persigue dos objetivos. El primero es realizar un análisis de la movilización social en tres contextos políticos diferentes: España, Guatemala y Brasil. Desde España tomare- mos como referencia la Red Ciudadana por la Abolición de la Deuda Externa (RCADE), organiza- ción social de la cual el autor forma parte. La RCADE organizó el 12 de marzo de 2000 una consulta social (en paralelo a las elecciones oficiales a la presidencia del país que se estaban celebrando) en la que, básicamente, se preguntaba a la ciudadanía si estaba a favor o en contra de la abolición de la Deuda Externa1. Contó con la participación para su organización con más de 23.000 voluntarios. Más de un millón de ciudadanos se acercan a las urnas con objeto de manifes- tar su opinión acerca de la abolición de la deuda externa, mostrándose favorables más del 95% de ellos. Todo un “éxito” teniendo en cuenta la intervención policial para el desmantelamiento de la mayoría de mesas electorales. En Guatemala, analizaremos el movimiento campesino cuyas reivindicaciones, y con ellas en ocasiones las organizaciones, se sitúan en dos frentes: los derechos sociales básicos y el recono- cimiento de los derechos del pueblo maya. Éste último conflicto nos llevará en ocasiones a estable- cer comparaciones con el Ejército Zapatista de Liberación Nacional (EZLN) habida cuenta de que se comparten muchos de los problemas sociales que se denuncian. En 1997 se firmaban los Acuer- dos de Paz que ponía fin a décadas de enfrentamiento armado entre la guerrilla y el gobierno en Guatemala. Aún así, como veremos, muchas de las secuelas del conflicto permanecen, en particu- Abstract This article has two main goals. Firstly, we are going to carry out a comparative analyse among three social movements that take place in three different political contexts: Red Ciudadana por la Abolición de la Deuda Externa (Citizens network for the abolition of foreign debt, RCADE) in Spain, the social movement for the civil and mayan rights in Guatemala and the Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) in Brazil. Secondly, we are going to reflect about some key questions about theoretical perspectives to analyse social movements: what they are? which relation is established between conflict and social action? which cultural and structural factors condition the evolution of a social movement? Keywords Social Movements – Collective Action – RCADE – MST. Resumo Este artigo tem dois objetivos. O primeiro é realizar uma análise comparada de três movimentos sociais que se desenvolvem em três contextos políticos diferentes: a Red Ciudadana por la Abolición de la Deuda Externa (RCADE), na Espanha; o movimento de direitos sociais e indígenas, na Guatemala e o Movimento Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no Brasil. O segundo é, a partir dessa análise, refletir sobre questões epistemológicas na análise dos fenômenos de mobilização social: o que são? que relação existe entre conflito e mobilização social? como os conflitos são representados pelos movimentos sociais? quais fatores culturais e estruturais condicionam a evolução de um movimento social? Palavras-chave Movimentos sociais – Ação Coletiva – RCADE – MST. 1. Dos eran los objetivos básicos de la consulta. El primero, sensibilizar a la ciudadanía con el tema de la Deuda Externa. El segundo, realizar un acto de desobediencia civil (realizar actos políticos en días de elecciones) para reclamar una democracia participativa. Ver www.rcade.org para más información. ANÁLISIS COMPARADO DE MOVIMIENTOS SOCIALES... 41 bién “combatir todas las formas de discriminación social y buscar la participación igualitaria de la mujer”5 . A diferencia del MST, la RCADE no explicita valores ideológicos, tales como “socialismo”, fruto principalmente de la heterogeneidad política de sus integrantes, de su estructura organizativa como red de nodos ciudadanos, y de su corta existencia. En el ideario de la RCADE podemos leer: “La Red lucha contra la pobreza e injusticia en sus orígenes, es decir, las estructuras, y no detenerse en sus efectos. […] La Red en sí misma es una crítica del funcionamiento de las instituciones y organiza- ciones actuales y la búsqueda de un sistema alternativo para un mundo justo y solidario. […] Somos parte de los movimientos sociales internacionales en la lucha contra la exclusión. […]La acción de la Red por la democracia participativa es parte de su esencia y es una de las formas de lucha por el cambio de estructuras.”6 Siendo la RCADE un movimiento social del Norte subraya como parte de su identidad su compromiso internacionalista además de la crítica común en los nuevos movimientos sociales hacia el sistema institucional y político7 . Por el contrario, movimientos y organizaciones sociales campesinos de Guatemala, o el propio movimiento zapatista y las organizaciones indígenas que lo conforman, compartirían valores positivos de solidaridad y justicia, pero subrayando, en diferente grado según el colectivo, que la interpretación de los mismos se realiza sobre la base de la cultura maya8 . Por ejemplo, el EZLN manifiesta como puntos esenciales de su lucha el reconocimiento de los pueblos indios como sujetos de derecho público, la elección de autoridades de acuerdo a sus prácticas ancestrales, el derecho de asociación regional, etc. En la misma página web del EZLN podemos leer que “el territorio tiene un sentido histórico y cultural que no puede ser disociado de la existencia de los pueblos indios como tales”9. 3.2 – LA REPRESENTACIÓN DEL CONFLICTO ¿Qué representaciones sobre el conflicto social construyen los tres movimientos? Para el MST, la reivindicación de una reforma agraria (propuesta), pasa por un diagnóstico centrado en la dialéc- tica de lucha de clases campesino-terrateniente, y que en un ámbito más global se sitúa en la dinámica explotadores-explotados10 . El marco de acción más notorio es la ocupación de tierras como medida de presión sobre las instancias gubernamentales y obtener así la “tierra prometida” sobre la que empezar una nueva vida, y eventualmente continuar con la lucha (“ocupar, resistir, producir” como emblema más presente en los mensajes del MST). Según Stedile (2000, p.132- 135), dirigente del MST, la ocupación “obliga a todos los sectores de la sociedad a manifestarse en contra […] la ley viene después del hecho social, nunca antes”. 5. Ver documentación del IV encuentro del MST de agosto de 2000 en www.mst.org.br, y en revista OSAL n. 2 septiembre 2000. Ver también un análisis de la evolución de estos principios políticos en Fernandes (1999, p. 79). 6. Ver ideario elaborado tras el III Encuentro de abril de 2000 en www.rcade.org. 7. Ver Offe (1992: 162 y ss.). Las movilizaciones sociales en torno a contra-cumbres del Banco Mundial, G-7, etc. ponen en evidencia no sólo la crítica al sistema capitalista de estos movimientos, sino también la desconfianza hacia el medio institucio- nal: ONGs, sindicatos y partidos no suelen formar parte de muchos de los actos que tienen lugar en Europa. 8. Ver Bastos y Camus (1996: 169 y ss.) para una ilustración de la convergencia y divergencia en torno a valores y marcos de significado de organizaciones populares en Guatemala, según se inclinen más hacia perspectivas que se apoyan en los derechos humanos o en los derechos como pueblo indígena. 9. Ver comunicado del EZLN del 29 de abril de 2001 y artículo de Ana Esther Ceceña en www.ezln.org (tomado 14/6/2001). 10. Como principios del MST figura “1. Construir una sociedad sin explotadores ni explotados, donde el trabajo tenga suprema- cía sobre el capital; 2. La tierra es un bien de todos debe estar al servicio de toda la sociedad”. ÁNGEL CALLE 42 La asignatura que todo movimiento social pretende aprobar es la reintegración de la justicia en las normas sociales y jurídicas existentes, poniendo en primer lugar de relieve la contradicción que existe entre dicha justicia social y la legalidad vigente11. De ahí también la búsqueda de la desobediencia civil practicada por los movimientos de solidaridad global (también referidos por la prensa como “anti-globalización”) en cumbres vinculadas al Banco Mundial (Praga septiembre 2000, Barcelona, junio 2001) o de la Organización Mundial del Comercio (Seattle, 1999). Pero a diferencia de grupos como RCADE, que protagonizó una sentada en las escaleras del Congreso en noviembre de 2000 (recibiendo una fuerte carga policial con cientos de heridos y que obligó al ministro de interior a contestar una pregunta sobre dicha actuación), el MST encuentra en esta forma de desobediencia la reintegración de facto de la justicia a las normas sociales: la ocupación es el diagnóstico y la propuesta llevada a cabo; la ocupación pone en evidencia la injusticia que se denuncia y al mismo tiempo constituye la “solución” que el movimiento social plantea al conflicto sobre acceso a tierras. Así mismo, la ocupación permite la retroalimentación de la puesta política: es un espacio interactivo que permite incorporar a nuevos militantes, y lo que es más importante, sirve como espacio de socialización en una cultura política crítica que, precisamente, no es la que se impulsa en los entornos de socialización habituales de nuestras sociedades (trabajo, familias, medios de comunicación, escuelas). Los acampados suelen convivir con núcleos estables de familias durante años. De ahí, no sólo la solidaridad, sino también la formación política (vía participación asamble- aria, colaboración en actos y marchas, organización de la vida en el campamento, información y acceso a documentación del MST), ya que como muchos acampados declaraban textualmente en las entrevistas de campo realizadas “esto es como una escuela”12. La socialización es tan fuerte que se habla en términos de “morir por este proyecto”, y si bien la mayoría de acampados y acampadas puede que abandonen la lucha política tras la consecución de tierras, es también norma que un número reducido de ellos y ellas renuncien a la posibilidad de asentarse para seguir colaborando en esa lucha, o para seguir realizando su proyecto personal de sociabilidad: “mismo si tomo lote dejo a mis hijos y vuelvo a mi lona negra”, declaraba una coordinadora de grupo. La explicación de esta socialización no reside sólo en las actividades de debate y de concienciación política. La llegada a un nuevo campamento (suelen desplazarse al cabo de unos meses por razones tácticas o por despejes policiales) supone la construcción de un nuevo espacio físico común: pozos, letrinas, barracas comunes, aparte de las labores rutinarias que desarrollan los equipos de salud e higiene, vigilancia, abastecimiento, etc. La ocupación es, por tanto, marco de significado, marco de acción y espacio intenso de socialización. Esta socialización disminuirá de intensidad al asentarse las familias debido a que muchos y muchas consideran alcanzados bastantes objetivos de su lucha, y sobre todo, a que en la mayoría de los casos se desarticula la red de solidaridad que unía a las familias en sus tareas cotidianas. De manera similar, en las comunidades indígenas de Guatemala, la movilización social debe- rá mucho a la existencia de espacios interactivos cotidianos como son las propias comunidades. Sobre esos espacios físicos, se ha asegurado la transmisión de una cultura que durante 500 años ha estado bajo presión de las elites dominantes. Estos espacios interactivos fueron “activados” para la lucha política, en parte, con la ayuda de agentes “externos”: tal fue el caso de las comunidades de base de la Iglesia católica durante los años 60 y 70, una teología de la liberación que en Brasil serviría de paraguas organizativo y concientizador; o las cooperativas rurales en Guatemala alenta- 11. Para Melucci (1996: 25-28) un movimiento social es “toda forma de acción colectiva que (i) invoca solidaridad, (ii) pone de manifiesto un conflicto y (iii) conlleva una ruptura de los límites de compatibilidad del sistema en el cual tiene lugar la acción.” 12. Todas las entrevistas de campo realizadas entre los meses de abril y junio de 2001. ANÁLISIS COMPARADO DE MOVIMIENTOS SOCIALES... 43 das desde la Agencia Internacional para el Desarrollo a finales de los 60, y que sirvieron para elevar los marcos de significado sobre los problemas en el campo (ver CEH, 1999, cap. I). Así, en el caso de Brasil, las comunidades de base católicas “se constituían en un espacio de socialización política, donde las familias se reunían para conocerse, y pensar su papel en la socie- dad” (Fernandes, 1999: 72). Desde ahí, los campesinos y las campesinas de Brasil fueron “elevan- do” el nivel de representación y de delimitación de sus problemas para comenzar reclamando “1. legalización de tierras ocupadas por los trabajadores” (encuentro fundacional del MST en 1984) hasta llegar a demandar diez años después no sólo un programa completo de reforma agraria sino también toda una sociedad “donde el trabajo tiene supremacía sobre el capital” (ver Fernandes, 1999, p. 72)13. La capacidad de presión y de manifestación del conflicto por parte de las comunidades indí- genas de Guatemala será bastante inferior, a pesar de que en términos de desigualdades sociales la situación de pobreza sea más extrema que en Brasil, alcanzándose en algunas regiones un porcen- taje de analfabetismo del 95% y una mortandad infantil del 123 por mil (PNUD, 1998). Los mar- cos de acción de mayor presión en Guatemala se encuadran más en torno a marchas, manifestaci- ones y esporádicamente alguna ocupación de predios públicos; particularmente importante para el desarrollo del movimiento indígena fue la campaña 500 años de Resistencia, cuyo encuentro en 1992 en Xela (Quetzaltenango) convocaría a 100.000 personas y a cientos de representantes de comunidades indígenas de todo el continente americano. Entre las razones del menor avance de determinadas propuestas del movimiento campesino en Guatemala situaríamos el hecho de que éstas se basan, al igual que en México, en aspectos políticos que proponen reafirmar los derechos ancestrales de los pueblos mayas, lo que pone en tela de juicio el propio Estado de Derecho y las prerrogativas económicas de las elites de aquel país. Además, la impunidad sigue siendo moneda corriente, y aún está en pie toda una cultura del terror desatada bajo el genocidio perpetrado por el general Ríos-Montt a principios de los 80, y que resta credibilidad y persuasión a toda movilizaci- ón social: meterse en política equivale prácticamente a declararse “comunista” o “guerrillero”, lo que en Guatemala está frecuentemente asociado a recibir una condena de muerte. A diferencia de los movimientos sociales anteriores, los nuevos movimientos en Europa es- tán aún intentando reconstruir visiones globales del mundo, marcos de significado que puedan orientar su acción social e incentivar (ética e instrumentalmente) la participación en los mismos. El descrédito de la política tradicional supuso el descrédito de las ideologías y por ende (en una asociación que constituye un serio obstáculo para la movilización social) de todo pensamiento político. La falta de espacios de socialización entre estos nuevos movimientos, como es el caso de la RCADE, les impide progresar en la creación de un espacio interactivo. Internet es, en estos casos, un enemigo más que un aliado: salvo excepciones, no permite debate de ideas, y no ayuda a construir un “nosotros” que ha de basarse forzosamente en un intercambio real de discursos, e incluso de emociones. Como consecuencia de todo ello, encontramos a muchos de estos movimientos sociales más pendientes de la acción que de la elaboración y de coordinación de alternativas sociales que su- pongan un desafío al orden social. Cierto es que se critica ferozmente a la globalización neoliberal, reclamando una Tasa Tobin, la abolición de la Deuda Externa y una carta de derechos sociales común a todo Europa, por poner algunos ejemplos. Pero la heterogeneidad de estas redes (donde 13. No obstante, dependiendo del espacio de interacción la explicitación de estos marcos de significado será más o menos compleja. En los campamentos, los propios mítines y las discusiones de asamblea, refuerzan como sentido de la lucha el enfren- tamiento entre sem terra y fazendeiros-jagunços. Cuando los entrevistados desempeñaban labores de coordinación, en el propio campamento o en el MST, el discurso incluía actores y conceptos como neoliberalismo, explotados, lucha de clases, indicando una mayor profundización ideológica del sentido social de la acción. ÁNGEL CALLE 46 pesar de algunos signos positivos17, en la reciente visita del relator de Justicia de la ONU, éste manifestaba su preocupación por las amenzas y los ataques a magistrados que investigan casos de corrupción o en los que aparecen involucrados militares; según el propio relator en Guatema- la existía una “cultura del miedo” e instaba al gobierno a tener “determinación de acabar con la impunidad” (ver diario El País 22/3/2001 y 14/5/2001). Sobre esa desigualdad de fuerzas, se reproduce la cultura del temor, y al mismo tiempo, se ofrece una imagen distorsionada de los valores y prácticas de la cultura maya, identificándolos con ejercicios brutales de violencia como son los linchamientos que acontecen en pueblos del interior. Esa desigualdad de distribución de fuerzas física y simbólica puede explicarnos entonces por qué la consulta popular sobre la inclusión de derechos indígenas en la constitución de 2000, no sobre- pasó el 20% de participación y en la que el “no” salió vencedor. En comparación con el MST, y con la recién gestada RCADE, las elites de Guatemala lleva- ron hasta las últimas consecuencias la política de “quitarle el agua al pez”, como gustaba definir al ejército guatemalteco su pretensión de arrasar y militarizar comunidades indígenas, consideradas como cómplices de la guerrilla. Los diferentes contextos políticos de Brasil y del Estado español hacen que, en la actualidad, el enfrentamiento “simbólico” sea más visible que el enfrentamiento “físico”, si bien en Brasil los 1.200 asesinatos de agricultores, sindicalistas, abogados y religiosos (con sólo 56 juicios celebrados y 7 condenas firmes hasta el 2000) nos “ilustran” el papel de los paramilitares de la UDR, y de la connivencia en algunos casos del aparato judicial con una de los integrantes del conflicto (ver Almeida, 2000, p. 30). En el caso de la RCADE, dada su débil y reciente implantación, la presión sobre sus integrantes no pasa de alguna multa por atender mani- festaciones, o de controles policiales tras la finalización de encuentros. No obstante, la política de “quitarle el agua al pez” nos servirá de metáfora para introducir como se desarrolla en el espacio físico (recursos organizativos, oportunidades políticas, medios de comunicación, etc.) el enfrenta- miento entre el MST y las elites, fundamentalmente el gobierno, para frenar la aceptación popular del movimiento social18 . 4.2 – LAS AGUAS DEL MST Y LA OFENSIVA DEL GOBIERNO El fin de la dictadura y la promulgación de una constitución en 1988 constituyó un fuerte incentivo para el desarrollo del MST. En primer lugar, las mayores oportunidades políticas permitieron la conquista abierta de espacios sociales en el campo y en la ciudad y la creación o afianzamiento de alianzas con actores que compartían valores y marcos de significados con el movimiento social (la propia Iglesia, el PT y el sindicato CUT; ver Fernandes, 1999: 65 y ss., 120). La Constitución, si bien no reflejaba las aspiraciones de los movimientos campesinos, contribuía a situar como princi- pal valor de la tierra su “función social”, y leyes desarrolladas posteriormente obligaban al gobier- no, al menos en teoría, a expropiar aquellas tierras productivas pero mantenidas en la ociosidad (ver Fernandes, 2000, p. 254). De hecho, en los primeros años de gobierno de Fernando Henrique Cardoso (1995-1997), éste colocaba entonces la reforma agraria como una de las prioridades de su gobierno y al propio MST como un movimiento social que servía de colaborador para este propó- 17. Como hechos positivos que permiten hablar de nuevos aires en el panorama político de Guatemala, destacaríamos la reciente condena de altos militares del Ejército, la primera vez que esto ocurre en la reciente historia del país, por el asesinato del obispo Gerardi, director de un informe sobre las violaciones de derechos humanos que situaba al Ejército como máximo responsable de las atrocidades cometidas (ver Folha de S. Paulo, 9/5/2001). Así mismo, el ex-dictador Ríos-Montt era obligado a abandonar la presidencia del Congreso por estar siendo investigado en un delito de manipulación de leyes. 18. Con todas las precauciones que deben siempre tomarse para extrapolar datos de las encuestas, el apoyo al MST por parte de la ciudadanía estuvo en torno al 50% en 1995 y 1996, pasando a un 77% tras la matanza de 17 campesinos en Carajás, situándose desde 1998 sobre el 63% (ver Konder, 2000, p. 121). ANÁLISIS COMPARADO DE MOVIMIENTOS SOCIALES... 47 sito (ver Konder, 2000: 34 y ss). Entre 1995 y 1999, los datos del gobierno sobre el número de familias asentadas eran de 370.000, más que en los 20 años anteriores, si bien, el propio MST matizaba a la baja esas cifras19, alegando que esos nuevos agricultores de los que hablaba el gobi- erno no eran siempre producto de la reforma agraria. El MST postulaba que el gobierno no tenía verdadero interés en una profunda distribución de tierras, como probarían los recursos cada vez más reducidos dedicados al INCRA y que el organismo llegase a permanecer más de 40 días sin director. El MST consideraba que los avances en la reforma se debían más a la presión del propio movimiento social, al apoyo de la ciudadanía (2/3 de la misma considerando “muy necesaria” su realización20) y al hecho de que la paridad dólar-real había devaluado considerablemente el valor de las tierras21. Es más, la propia constitución de la Cámara del Congreso, en la que un 30% de los diputados a comienzos de los 90 serían grandes propietarios de tierras, hacía creíble la crítica de que el poder político se refugiaba en una retórica favorable, pero que en la práctica las propias leyes instituidas obligaban en realidad al gobierno a satisfacer tan sólo unos mínimos en el proceso de distribución de tierras en el Brasil (ver Gomes da Silva, 1994). Junto a esta apertura de oportunidades políticas, el avance en el número de asentados permi- tía la conformación de núcleos de familias de campesinos que accedían a unos mínimos de vida y que continuaban en, o pasaban a engrosar, la base social del MST. Esta base social se situaría en torno al 50% de las familias asentadas, unas 150.000. La Constitución de 1988 pasó a permitir la creación de cooperativas no tuteladas por el INCRA. Las cooperativas, y en general, el consiguien- te aumento de renta de los asentados servían para sostener al movimiento social y para dotarlo de credibilidad hacia los sem terra, merced a la consolidación de los éxitos en la lucha por la tierra. Un estudio realizado por el INCRA en colaboración con la FAO revelaban que los asentamientos vinculados al MST, y en general los provenientes de una lucha organizada por la tierra, eran los que presentaban un mayor índice desarrollo; al mismo tiempo, el mencionado estudio reconocía los atrasos en la concesión de los créditos prometidos por el gobierno y el escaso apoyo técnico que éste otorgaba en la práctica a los asentados (INCRA/FAO, 1998). La generación de recursos económicos contribuyó a mantener las necesidades de organizaci- ón y coordinación de las actividades sociales y políticas del MST. Esta financiación, que según los integrantes del MST se realiza de manera voluntaria para soportar la lucha política, sería fuerte- mente contestada por el gobierno y por ciertos medios de comunicación, como veremos más ade- lante. También la apertura de oportunidades políticas trajo consigo la apertura de oportunidades mediáticas. El conflicto social en el campo pasaba a ocupar un lugar destacado y frecuente en las páginas de información. Más relevante aún es el número de editoriales que importantes diarios dedicaron al MST en el año 2000 (Folha de S. Paulo: 11; O Estado de S. Paulo: 31; y Jornal do Brasil: 21), buena prueba del debate público, a favor y en contra, que el movimiento social gene- ra22. Particularmente destacable, corroborando nuestra tesis de abordar los conflictos sociales des- de la perspectiva de un enfrentamiento en pugna por el imaginario social, es el papel atribuido a la 19. Las cifras ofrecidas por el investigador Fernandes (2000: 271) situarían en 300.000 el número de familias asentadas, de las cuales un 50% estarían vinculadas al MST. 20. En revista Carta Capital (24/5/2000, n. 123), de edición electrónica en www.terra.com.br/cartacapital (observación: 20/6/ 2001). 21. Para un análisis de la evolución de posicionamientos del gobierno, del MST y de la ciudadanía, ver el detallado trabajo de Konder (2000). 22. Ver Konder (2000: 74, 75, 120) para un estudio de las relaciones entre MST y gobierno, prensa, iglesia y otros actores sociales, incluyendo ciudadanía. Salvo indicación contraria, las reflexiones sobre medios de comunicación y posicionamiento de gobierno provendrán de este trabajo. ÁNGEL CALLE 48 difusión en 1996 de la novela O rei do gado, por el principal canal de TV (Rede Globo), que retrataba la situación de los sin-tierra: los integrantes del MST pasan a “tener rostro” y a “despertar simpatía”. El movimiento social entraba en la cotidianeidad de buena parte del pueblo brasileño, los individuos lo incorporaban a las representaciones de su vida, y lo que es más importante, acompañaban esta representación con visiones positivas de los integrantes. Este hecho, unido a la repercusión de la matanza de campesinos en Carajás y a la Marcha a Brasilia protagonizada en 1997, hacían que en ese año una encuesta llegase a mostrar un 85% de aprobación a las ocupacio- nes de tierras. En 1998, surgía la voz de alarma en Planalto. El MST crecía, no sólo en presión (a través de ocupaciones y ocupación de edificios del INCRA, reteniendo en ocasiones a sus funcionarios), sino en la especificación y en el nivel de sus demandas23. Así mismo, el modelo de producción agrícola del MST centrado en un mercado interno, opuesto a la concentración de producción en torno a la agroindustria exportadora, y favorecedor de la agricultura orgánica frente a la transgénica, represen- taban un desafío para determinadas elites económicas y políticas del país. El gobierno, a través de declaraciones de Fernando Henrique o de sus ministros, pasaba a calificar al MST, no de bandera de la reforma agraria, y sí de “grupo de protesta”, “grupo político”, “asaltantes” e “ilegítimo”. Las elecciones de ese año, y los apoyos políticos que se establecían entre el MST, sindicatos y partidos de oposición, convidaban a emprender una estrategia de “quitarle el pez al agua”. Y el “agua” del MST lo constituían la imagen pública asociada a la lucha histórica contra los terratenientes en Brasil (y por ende contra elites y colonizadores), la simpatía de determinadas elites culturales e intelectuales24, los lazos con actores sociales influyentes (desde la Iglesia al propio PT), la afluencia de recursos a través de las cooperativas y asentamientos, los campesinos que veían como la lucha del MST se transformaba en una realidad social y económica diferente para ellos, y por último, su osadía en ocupaciones de tierras y predios, que impulsaba a agentes institucionalizados y a otros movimientos sociales a seguir su camino25. En definitiva el “agua” era eminentemente simbólica y cultural, y aseguraba la identificación “MST = movimiento social histórico, legítimo, actuando en defensa de los campesinos desheredados”: había que iniciar una presión mediática para desarticular esa imagen. Pero el “agua” también tenía sus “fuentes” (el tablero de fuerzas simbólicas posee un sustrato real) y a partir de este razonamiento, y apoyándose en la campaña hostil desde los medios de comunicación, el gobierno se decidiría a acabar con esas “fuentes”. Entre las medidas adoptadas figurarían: el corte de apoyo técnico y de créditos a los asentados, la instauración de un sistema de adquisición de tierras a través de la compra y no de la concesión (Banco da Terra) y, particularmente en algunos estados como es el caso de Paraná, el inicio de una fuerte represión, en las que policía y paramilitares aparecían involucrados en 16 asesinatos y 31 tentativas de asesinato26. 23. Para el profesor Bernardo Mançano Fernandes (2000b) “o debate hoje, não é o de não assentar as famílias sem-terra, mas da forma como vão ser assentadas”. Según Konder (2000, p. 31) “a postura do governo diante do MST mudou após o massacre de Eldorado dos Carajás. Fernando Henrique Cardoso percebeu a necessidade de coordenar melhor as ações para poder enfrentar o movimento”. 24. Las elites culturales ayudan a dotar de credibilidad y de proximidad a un movimiento social, dado que las personas también recrean su mundo a partir de las manifestaciones artísticas. Máxime si el apoyo se produce como en el caso del MST desde las diversas esferas culturales: Chico Buarque, Niemayer, Angelo Antônio y Leticia Sabater, Sebastião Salgado, Augusto Boal, Jelson Oliveira, como representantes destacados que ejemplifican la introducción del MST en las esferas brasileñas de música, arquitectura, cine, fotografía, teatro y poesía. 25. Tal sería el caso del sindicato CUT y su filial en el campo, Contag. También recordamos que al margen del MST otros movimientos o grupos sociales realizan ocupaciones (ver Fernandes, 2000, p. 256). 26. Ver conclusiones del Tribunal Internacional de Derechos Humanos, celebrado en Curitiba en mayo de 2001 en www.conflitonocampopr.org, presidido, entre otros y otras, por el premio Nobel de la Paz, Adolfo Pérez Esquivel, y organizado desde diversas instancias sociales, entre las que figuraban la CPT y el MST. ANÁLISIS COMPARADO DE MOVIMIENTOS SOCIALES... 51 La “ilegitimidad” del MST y su representación como colectivo “corrupto y contrario a la función social de la reforma agraria” se fundamenta, en primer lugar, en la batalla “simbólica” por la definición de “violencia” y de “cumplimiento de la ley”: para unos, el conflicto es consecuencia de la no ejecución de la reforma agraria y del mantenimiento de un orden caracterizado por la desigualdad social; para otros, el conflicto es fruto de la conculcación de derechos constituciona- les como el respeto la propiedad privada36. En el caso de Brasil, la proyección de una imagen de “ilegitimidad” también se ampara en la presentación del MST como “corrupto” en un país fuerte- mente preocupado por la gran cantidad de escándalos que salpican a políticos en el manejo de fondos públicos. El apoyo al MST con una cuota, proveniente en ocasiones de créditos del propio gobierno, fue presentado como “desviación de fondos” en un intensa campaña mediática iniciada en mayo de 200037. La propia estructura informal del MST, esperable en todo movimiento social, refuerza ese imaginario. Muchas veces son las cuentas personales de militantes las que canalizan ingresos, incluso del propio gobierno, lo que da pie a artículos en los que, sin comprobar el destino final de esos fondos, la presencia de ese dinero en una cuenta personal sirve para apelar a la experiencia histórica de la ciudadanía brasileña y relacionarlo con casos gubernamentales de corrupción38. El gobierno también realiza publicidad directa en televisión para informar de los avances de su proyecto de reforma agraria, y para catalogar de contraproducente la acción del MST (representado en una multitud que se dirige con foces y facões hacia una hacienda), el cual estaría “levantando cercas a la reforma agraria” más que derribándolas. El tablero de fuerzas sim- bólico permite construir representaciones sin una base real, basta que “suene coherente” para que la representación pase a formar parte del imaginario del individuo, y por tanto de lo que él define como realidad39. Por último, el gobierno se esfuerza, especialmente desde 1997 en adelante, en presentar al movimiento social como un contendiente político más, que desarrolla su acción desde fuera de esferas institucionales40. Ciertamente el MST es un movimiento que reivindica un sistema socialis- ta como proyecto político, tal y como siempre han reflejado sus documentos públicos. El matiz que introduce principalmente el gobierno va dirigido a presentar una imagen negativa, de lucha por el poder encubierta, a la conformación de alianzas estratégicas con otros movimientos democráticos (MPA, MAB, etc.) y a sus apoyos tácticos con organizaciones sindicales y con partidos de izquier- 36. Los movimientos democráticos como MST o RCADE propugnarían en realidad una radicalidad del presente orden social. Para el MST sería el cumplimiento de la reforma agraria según ordena la Constitución brasileña. Para la RCADE la igualdad real de derechos según la Constitución, el cumplimiento de acuerdos internacionales (Carta Derechos Humanos, Acuerdos de Río de Janeiro 1992, Kyoto 2000, etc.) y la soberanía última de la ciudadanía sobre las actuaciones del Estado y de cualquier actor privado (legitimidad de consultas sociales). 37. Ver Konder (2000: 70 y ss.) para un análisis sobre la “ilegalidad” de estas cuotas, frente al tratamiento que reciben las contribuciones personales, y las subvenciones públicas, que se realizan a otras instituciones como sindicatos, patronal, colegios de abogados, etc. 38. Ver artículo sobre el financiamiento del MST en la Folha S. Paulo (24/6/2001). En comunicación personal, los integrantes de la cooperativa Cocamp manifestaron que no es novedad que, al carecer el MST de persona jurídica, incluso programas del gobierno sean canalizados vía cuentas de militantes. Las presuntas irregularidades de la Cocamp son difíciles de sostener a la vista de la cooperativa ya construida, y del hecho de que los desembolsos del gobierno para la Cocamp deben contar con la fiscalización y aprobación de peritos técnicos y del Banco de Brasil. 39. El mundo existe como realidad, y el ser humano participa como realidad social de ese mundo. Pero todas esas realidades han de ser asimiladas y reproducidas a través de representaciones. La propia experiencia junto con la cultura y las narrativas históri- cas que se tejen en los espacios de socialización común (familia, televisión, escuela, etc.) conforman nuestra representación de la realidad. La actual saturación de información va en detrimento de una adecuada reflexión, por lo que la representación de la realidad es más manipulable desde los grandes medios de comunicación. 40. “O MST é um movimento político que faz parte da vida contemporânea” (Fernando Henrique en 1997), “O MST não quer fazer reforma agrária, só quer fazer oposição em ano eleitoral” (ministro Jungmann en 1998); ver Konder (2000, p. 32-38). ÁNGEL CALLE 52 da en pugna con el actual gobierno por el acceso a la presidencia, como es el caso del PT41. Se pretende, en última instancia, vaciar a la reforma agraria de su innegable contenido político y encuadrarla en un proyecto de mejora de renta y de condiciones sociales para los campesinos. Dado el sentido del MST y su dimensión social, el enfrentamiento con las elites políticas y económicas no puede ser representado en un tablero de fuerzas nacional. El conflicto se desen- vuelve también en una esfera internacional. El MST es, en este sentido, un desafío para las políti- cas neoliberales defendidas por Fernando Henrique Cardoso y para las instituciones internaciona- les que las promueven, especialmente el Fondo Monetario Internacional y la Organización Mundi- al del Comercio. A la llegada al poder, Fernando Henrique Cardoso declaró su compromiso con los “valores occidentales” y con la “universalización de los valores de la economía de mercado”42. Dicho compromiso se materializó en su política monetaria (equiparación del dólar con el real), la apertura comercial y desreguladora del mercado interno, y en un programa de privatizaciones que afectó a sectores estratégicos como banca, telecomunicaciones y energía. La crisis de 1998, llevó al gobierno a firmar un acuerdo con el FMI que garantizaba un préstamo de hasta 40 mil millones de dólares a cambio de acelerar estas políticas neoliberales que ya venían siendo implementadas. Como resultado de ello el conflicto en el campo se agravó. La liberalización del sector agrícola hizo que las importaciones de productos pasaran de 1.000 millones de dólares en 1994 a 7.000 millones en 1999, aumentando la presión económica sobre el pequeño agricultor (ver Villela, 2000). Éste además veía que el apoyo gubernamental se debilitaba. Los créditos del país se con- centraban en las manos de los grandes propietarios: solo un 0,9% de los establecimientos inferio- res a 5 hectáreas (37% de las propiedades) tuvieron acceso a crédito (Teixeira y Hackbart, 2000: 23). Con la excusa de los acuerdos del Fondo Monetario y del pago de la Deuda Externa, de 1998 a 1999 el INCRA redujo su presupuesto a la mitad (de 2.200 millones de reales a 1.090.000 millo- nes). Además todo el presupuesto no fue ejecutado, con lo que se generó un superávit de 208 millones entre 1998 y 2000 (ver Konder, 2000: 50). Superávit y reducción contribuyeron al pago de la Deuda Externa, que pasó de 120.000 millones de dólares en 1994 a 221.000 millones en 1999 en detrimento de un apoyo a la reforma agraria, tal y como atestigua la disminución del presupues- to del INCRA y las dificultades de acceso a crédito y a apoyo técnico en los nuevos asentamientos, según informe INCRA/FAO (1998). El propio Fernando Henrique ya declaraba en el 96 los límites “técnicos” a los que se enfrentaba su “voluntad política” de llevar a cabo la reforma agraria: “si dijese que voy a asentar a un millón, estaría mintiendo. No tenemos capacidad técnica para asen- tar. No tenemos recursos para asentar”43 . Tenemos por tanto, el perfil común de las “revueltas del pan” que se suceden bajo las políti- cas neoliberales, y en particular tras la intervenciones del Fondo Monetario Internacional en países del Sur: incremento de una Deuda Externa que obliga a vender el patrimonio público y a no aten- der programas sociales, o proyectos económicos no orientados a la recaudación de divisas. Esta situación es un caldo de cultivo para el reforzamiento o la erupción de conflictos sociales. Junto a ese conflicto económico, se sitúa en su base un conflicto cultural-político. Valores “socialistas y humanistas” proclamados por el MST se enfrentan a “valores” de “economía de mercado”. Son dos sentidos que se oponen en lo ético-cultural, y que consiguientemente, catapul- tan una confrontación no sólo de marcos de significados sino también de marcos de acción. El gran 41. Ejemplos de estas alianzas tácticas serían las marchas a Brasilia de agosto de 1999 (contra las privatizaciones) y de junio 2000 (contra la corrupción y el apagón) que convocaban MST, CUT, PT, PcdoB, entre otras muchas organizaciones sociales. 42. Citado en Hoffmann (1999). 43. “A reforma agrária é uma das principais prioridades do meu governo e estamos demonstrando isso, na prática” declaraba también Fernando Henrique en 1996 (todas las citas tomadas de Konder, 1999, p. 37). ANÁLISIS COMPARADO DE MOVIMIENTOS SOCIALES... 53 desarrollo experimentado por el MST (en sentido político y de implantación social) lo llevan a enfrentarse al binomio Cardoso-Fondo Monetario44, constituyendo para el MST los representantes “simbólicos” de ese neoliberalismo que es colocado en el origen del conflicto. De ahí que sea fácil escuchar en manifestaciones del MST junto con otros actores políticos el lema de “fora já, fora já de aquí, o FHC e o FMI”. El MST, con su apuesta por el mercado interno y su crítica a los transgé- nicos es todo un problema para políticas de producción volcadas hacia la acumulación de renta y hacia la exportación. Y de ahí también la búsqueda de alianzas internacionales, a través de la coordinadora campesina mundial denominada Vía Campesina y de plataformas contra el ALCA o de debate contra la globalización como fue el I Foro Social Mundial de Porto Alegre (2001). La opinión pública internacional también cuenta, hasta cierto punto. Baste recordar la repercusión internacional que tuvo la matanza de Eldorado dos Carajás en abril de 1996, retransmitida por la “globalizante” CNN, y que obligó al presidente Fernando Henrique a mostrarse más conciliador con el MST (ver Konder, 2000, p. 30). La estrategia de alianzas, tanto nacionales como internacionales, del MST ha empujado a los distintos actores sociales del país a incorporar la cuestión agraria como un asunto primordial de su agenda política. Como uno de los factores que explican el avance del MST en sólo dos décadas, está su capacidad para articular iniciativas junto con otros actores sociales sin que ello suponga una cooptación del movimiento social. Ejemplos de las mismas son los apoyos institucionales (en forma de recursos organizativos, de apoyo a la reforma agraria y apertura de espacios políticos) de gobiernos de municipios o de Estados favorables al MST45, de centros universitarios y de sectores más progresistas de las diferentes Iglesias. También anotaríamos la realización de eventos junto con otras fuerzas políticas de gran repercusión social (marchas a Brasilia, I Foro Social Mundial realizado en Porto Alegre en enero 2001). Todo ello sirve para reforzar la posición del MST en el tablero de fuerzas físicas y de ahí transmitir su representación del conflicto a la ciudadanía (condi- cionar el tablero de fuerzas simbólicas). 4.3 – MOVIMIENTOS DE SOLIDARIDAD GLOBAL EN EUROPA Por el contrario, movimientos sociales de solidaridad global en Europa no encuentran todavía fórmulas y redes de articulación con otros actores políticos institucionales, lo que contribuye a su etiquetación como movimientos “marginales” o “fuera de la realidad”. Ello lleva a que frecuente- mente sean tratados genéricamente como “movimientos antiglobalización” de matices “violen- tos”, imposibilitando que cuestiones concretas entren en la agenda política (como sería el caso de la reforma agraria para el MST) y haciendo que el debate se centre siempre en las “cargas polici- ales”46. En muchos casos, ciertamente, estos problemas para abrirse hueco en el “imaginario soci- al” tienen un origen externo (posicionamiento contrario de las elites económicas y de ciertos medi- os de comunicación, actuación gubernamental destinada a la criminalización de estos movimien- tos sociales) e incluso interno (dificultades para construir un sentido político compartido más allá de reclamaciones puntuales o genéricas, canales de comunicación y de información hacia el exte- rior deficientes, plataformas de coordinación y compromiso muy inestable). 44. Lo que no quiere decir que el gobierno se encuentre cómodo con las imposiciones del Fondo Monetario Internacional. A propósito de la crisis del “apagón”, el propio gobierno se dirigía al Fondo Monetario Internacional para pedir la revisión de las metas presupuestarias de manera que exista más autonomía para invertir en el sector eléctrico (ver Folha de S. Paulo meses de mayo y junio de 2001). 45. Ejemplos: algunos municipios y Estados contribuyen económicamente o cediendeo instalaciones a la realización de reunio- nes del MST y de movimientos sociales; se subvencionan necesidades básicas para campamentos o se permite la instalación de los mismos en terrenos públicos; se producen declaraciones favorables a la realización de la reforma agraria. 46. Ejemplos recientes: Praga (septiembre 2000), Goteborg (junio 2001), Barcelona (junio 2001) y Génova (agosto 2001). ÁNGEL CALLE 56 histórica) y físico (medios de comunicación, acceso a recursos, elite política-social-económica) que les sea favorable. El MST es, de largo, el movimiento que mejor ha sabido aprovechar sus condiciones suficientes. En Guatemala, la movilización social o los valores mayas no entroncan con la memoria histórica de buena parte de la ciudadanía. Movilizarse significa adentrarse en el peligro. Y hacerlo en defensa de una cultura no propia de las elites, es encontrarse cerradas todas las puertas políticas. La impunidad vela por mantener el desencuentro cultural y físico entre posi- bles movimientos sociales y la ciudadanía. A su vez, la RCADE, inmersa en un Norte posmoderno, participa de los rasgos de otros movimientos sociales de su entorno: descrédito de toda metanarra- tiva, trabajo en redes poco cohesionadas entre sí, compromiso aleatorio de sus integrantes. Todos ellos comparten algunas características de los nuevos movimientos sociales en su pro- ceso de construcción de discursos, coordinaciones y acciones. “Crear condiciones” y no “impo- ner” es algo que resuena en los campamentos del MST (autónomos en sus decisiones), que inspiró la consulta social de RCADE sobre la Deuda Externa, y evidenciable en la coordinación de redes autónomas que los tres movimientos presentan. Sin embargo, el MST es el que de manera más consciente busca esa reproducción a través de las ocupaciones que permiten una socialización intensa y dan cuenta de la fortaleza del movimien- to social. Por el contrario, bien por ser un movimiento más urbanos, posmodernos o con ciertas necesidades materiales cubiertas, la RCADE no se asienta sobre espacios de reproducción tan consistentes como el MST. Así mismo, el MST, a través de sus contactos con actores sociales relevantes (partidos políti- cos, sindicatos, universidades, CPT, personalidades de reconocimiento público) permite frenar el cierre de oportunidades mediáticas y políticas (vía violencia en el campo) con el que responden las elites. Esta actitud de las elites es, en diferente grado, un rasgo común de los tres espacios: en la medida en que la acción del movimiento social no entronca con los intereses de las elites se produ- ce un cierre de oportunidades. En el caso de Guatemala, la impunidad es un cierre tan alto que, a pesar de que las condiciones suficientes están ahí (conflicto estructural y cultural, mínimas redes pre-existentes, capacidad de reproducirse a través de las comunidades, cultura histórica de enfren- tamiento con las elites) no puede despegar un movimiento social de la fortaleza del MST. Para terminar, una reflexión epistemológica. Hablar de movilización social es hablar de con- textos. Tal y como hemos intentado en este trabajo, desde un punto de vista sociológico, que trata de explorar tendencias, debemos buscar metodolgías que, de una parte, den cuenta de la importan- cia de esos contextos en la construcción de la movilización social, y de otra, sepan extraer factores sociales (fundamentalmente materiales pero también pertenecientes al campo de la subjetividad) que reproducen conflictos y que condicionan la organización de la acción colectiva. Bibliografía MENDES DE ALMEIDA, Angela. Muita terra e pouco dono. Análise histórico-estrutural da ques- tão agrária no Brasil. Observatorio Social de América Latina (OSAL), Argentina, n. 2, p. 29- 33, septiembre 2000. AI. Guatemala, ¿hasta cuando la impunidad?. Madrid: Editorial Amnistía Internacional, 1997. BASTOS, Santiago y CAMUS, Manuela. Quebrando el silencio: organizaciones del pueblo maya y sus demandas (1986-1992). Guatemala: FLACSO, 1996. BENJAMIN, César y SALETE, Roseli. Proyecto popular e escolas do campo. Colección Por uma educação básica do campo n. 3. Brasilia: MST, 2000. BOFF, Leonardo y BETTO. Frei: Mística e Espiritualidade. Río de Janeiro: Rocco, 1994. ANÁLISIS COMPARADO DE MOVIMIENTOS SOCIALES... 57 CEH. Guatemala: memoria del silencio. Conclusiones y recomendaciones del Informe de la Co- misión para el Esclarecimiento Histórico (CEH). Guatemala: Oficina de Servicios para Proyec- tos de las Naciones Unidas, 1999. FERNANDES, Bernardo Mançano. MST: formação e territorialização. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1999. FERNANDES, Bernardo Mançano. A formação do MST no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000. FERNANDES, Bernardo Mançano. Trabalho apresentado no 15º Encontro Nacional de Geografia Agrária, realizado em Goiânia, de 2 a 5 de dezembro de 2.000, organizado pelo Curso de Geografia do Instituto de Estudos Sócio Ambientais da Universidade Federal de Goiás, 2000b. CALLE, Ángel. Ciudadanía y Solidaridad. Madrid: Iepala, 2000. CASTELLS, Manuel. La era de la información: Economía, sociedad y cultura. Volumen II: El Poder de la Identidad. Madrid: Alianza Editorial, 1998. CODEHUCA: Brecha, San José, Comisión de Derechos Humanos de Centroamérica, CODEHU- CA, enero-febrero 1997. CONCRAB. CONCRAB - Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil. São Paulo: CONCRAB, 1999. CONCRAB. O Cooperativismo no pensamento marxista, São Paulo: CONCRAB, 2000. (Caderno das Experiências Históricas da Cooperação, n. 2) ELSTER, Jon. El Cemento de la Sociedad. Paradojas del Orden Social. Barcelona: Gedisa, 1991. EYERMAN, Ron y JAMISON, Andrew. Social movements: a cognitive approach. Cambridge: Polity Press, 1991. GALTUNG, Johan. Tras la violencia, 3R: reconstrucción, reconciliación, resolución. Afrontando los efectos visibles e invisibles de la guerra y la violencia. Bilbao: Bakeaz, 1998. GENRO, Tarso y DE SOUZA, Urbitaran. El Presupuesto Participativo: la experiencia de Porto Alegre. Barcelona: Ediciones del Serbal, 2000. GOMES DA SILVA, José. A reforma agrária no Brasil. In: STEDILE, João Pedro (org.). A questão agrária hoje. Porto Alegre: UFRGS, 1994. p. 165-190. GUTIÉRREZ, Gustavo. Théologie de la Libération – pespectives. Bruselas: Lumen Vitae, 1974. HOFFMANN, Bert. Continuidad y cambio en la nueva política exterior de Brasil. El caso de Cuba. Síntesis, Madrid, n. 31-32, p. 199-215, enero-diciembre 1999. INCRA/FAO. Principais fatores que afetam o desenvolvimento dos assentamentos de reforma agrária no Brasil. Brasilia: INCRA, 1998. (obtenido: 23/6/2001 de www.dataterra.org.br/ Documentos/FAO-INCRA/fatores.htm) KONDER Comparato, Bruno. A ação política do MST. São Paulo: Departamento de Ciência Polí- tica da Faculdade de Filosofía, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2000. (Dissertação, Mestrado en Ciência Política) LÖWY, Michael. O pensamento de Che Guevara. São Paulo: Cortez/Autores Asociados, 1991. LÖWY, Michael. Marxismo e Teologia da Libertação. São Paulo: Expressão Popular, 1999. MCADAM, Doug. Cultura y movimientos sociales. In: LARAÑA, Enrique; JOHNSTON, Hank; GUSFIELD, Joseph (eds.). Los nuevos movimientos sociales. De la ideología a la identidad. Madrid: Centro de Investigaciones Sociológicas, 1994. MCADAM, Doug; MCCARTHY J. D.; ZALD, M. (eds.). Comparative Perspectives on Social Movements: Political opportunities, mobilizaing structures, and cultural framings. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. MELUCCI, Alberto. Challenging Codes. Cambridge: University Press, 1996. MST. Mística. Uma necessidade no trabalho popular e organizativo. São Paulo: MST, 1998. OFFE, Claus. Partidos políticos y nuevos movimientos sociales. Madrid: Editorial Sistema, 1992. ÁNGEL CALLE 58 PNUD. Guatemala: los contrastes del desarrollo humano. Guatemala: PNUD, 1998. REMHI. Guatemala: Nunca Más. Guatemala: Oficina de Derechos Humanos del Arzobispo de Guatemala, 1998. Informe (resumen) proyecto interdiocesano de Recuperación de la Memo- ria Histórica (REMHI) RIECHMAN, Jorge; FERNÁNDEZ BUEY, Francisco. Redes que dan libertad. Barcelona/Buenos Aires: Paidós, 1995. RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. SNOW, David A.; BENFORD, Robert D. Ideology, frame resonance and participant mobilization. International Social Movement Research, v. 1, JAI Press Inc, 1988. STEDILE, João; FERNANDES, Mançano. Brava Gente. Argentina: Ediciones Barbarroja, 2000. TEIXEIRA Gerson; HACKBART Rolf. O Censo Agropecuário de 1996: Uma radiografía dos resultados de 11 anos de neoliberalismo no campo brasileiro. In: CÂNDIDO, Geraldo (org.), Situação e perpectivas da agricultura brasileira. Brasília: Senado Federal, 2000. p.17-24. VILLELA, Moacir. A Organização Mundial do Comercio (OMC) e o comércio agrícola do mundo. In: CÂNDIDO, Geraldo (org.), Situação e perpectivas da agricultura brasileira. Brasília: Senado Federal, 2000. p.39-43. WALLERSTEIN, Immanuel. El futuro de la civilización capitalista. Barcelona: Icaria, 1999 WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1946. WEBER, Marx. Ensayos sobre metodología sociológica, Buenos Aires: Amorrortu, 1958. WOODCOCK, George: Anarchism. A history of libertarian ideas and movements. Nueva York: New American Library, 1962. ZEMELMAN, Hugo. Conocimiento y sujetos sociales: contribución al estudio del presente. Cida- de do México: Colegio de México, 1987. Revistas e jornais Revista OSAL, n. 2, septiembre 2000. Carta Capital (www.terrra.com.br/cartacapital). Veja. Folha de S. Paulo. O Estado de S. Paulo. El País. UN LUGAR EN LA BANDERA (LA MARCHA ZAPATISTA) 61 de ser el primer país del mundo que eleve a rango constitucional la noción de libre determinación de los pueblos indígenas posicionaría la cuestión indígena como una de las prioridades de una nueva política exterior de derechos humanos” (Negrín, 2001, p. 10-11). Como dice Luis Hernández: “si bien México ha tenido siempre desde su fundación una composición pluriétnica y pluricultural, sus Constituciones no han reflejado esta realidad. Borrarlo indio, hacerlo mexicano obligándolo a abando- nar su indianidad, ha sido una obsesión de las clases dirigentes desde la Constitución de 1824 ... Aunque la Constitución de 1917 reconoció la existencia de sujetos colectivos y derechos sociales no tomó en cuenta a los pueblos indios ... La reforma al artículo cuarto en 1992 estableció, por primera vez, una referencia a la existencia de los pueblos indios. Reconoció sus derechos culturales, pero sin señalar los principios, relaciones e instituciones donde esos derechos deberían materializarse, y relegó a leyes secundarias (inexistentes en muchos casos) su aplicación. La nueva redacción al cuarto consti- tucional no contempló demandas sustanciales: autonomía como ejercicio de la libre determinación. Por lo tanto, la referencia a la cuestión indígena presente en la Constitución es insuficiente para satisfacer las reivindicaciones indígenas” (Hernández, 2001). Las declaraciones del presidente Vicente Fox antes de que saliera la marcha de Chiapas parecían alentadoras “creo que el EZLN quiere la paz, y vamos a dar oportunidad a que nos lo demuestre, por eso estamos a favor de la marcha, de que vayan (los rebeldes) a la ciudad de México, que se reúnan con el Congreso, y si se puede que tengamos una entrevista también nosotros, para que ahí construyamos la paz” (Venegas, 2001, p. 7). La noche del viernes 23 de febrero fue el tiempo de las despedidas, los abrazos, la música, el baile, los discursos. Llegaron caminando desde sus comunidades a La Realidad, La Garrucha, Moisés Gandhi y Oventic para despedir a quienes iban a llevar su mandato. Esa noche se reunieron en La Realidad cientos de tojolabales para despedir con música y baile a sus delegados. Desde ahí recorrerían más de 200 kilómetros para llegar a su primer destino, San Cristóbal, los comandantes tojolabales Tacho, Daniel, Mister, los comandantes tzeltales Abraham y Alejandro y el subcomandante Marcos. Desde La Garrucha, recorriendo 120 kilómetros, saldrían los comandantes tzeltales Eduardo, Esther, Omar, Sergio, Moisés, Fidelia, Filemón, Gustavo, Zebedeo, Ismael y Maxo. A una distan- cia de 60 kilómetros de San Cristóbal, de Moisés Gandhi partieron los comandantes choles Abel y Bulmaro. Por último de Oventic partirían los comandantes tzotziles David, Isaías, Javier, Susana y Yolanda, quienes atravesarían 60 kilómetros para llegar a la ciudad de Jovel, como ellos le denominan. En la ciudad de los auténticos coletos, en el parque central, bajados de las montañas, unos 20 mil zapatistas tomaron nuevamente la ciudad, como en el ya un poco lejano primero de enero de 1994, en la concentración política más grande llevada a cabo en Jovel. Sólo que esta vez no lo hicieron los zapatistas armados del EZLN, sino sus bases de apoyo, civiles de comunidades de toda la región indígena de Chiapas. Fue una gran demostración de fuerza, una última llamada a quienes se niegan a reconocer los derechos de los pueblos indios. En San Cristóbal eran días de temor y espera. Cada vez que los zapatistas toman las calles los coletos sienten pena, no tristeza, sino pena chiapaneca, o sea, aprensión y miedo. Las clases privi- GEORGINA CALDERÓN ARAGÓN 62 legiadas de la ciudad alteña aguardaron durante horas la llegada de los rebeldes a la ciudad. Algunos hasta pusieron sillas en azoteas, balcones y ventanas para mirar el espectáculo. Otros, precavidos, guardaron coches y decidieron verlo por televisión. La insurrección ha cambiado la conducta de los indígenas. Dan y exigen trato de iguales. Ven a los ojos de cualquiera sin bajar la mirada. Caminan por las aceras. Acciones que anteriormente no hacían. El discurso del subcomandante Marcos en esa plaza definió lo que representaba la movilización “los indígenas mexicanos somos indígenas y somos mexicanos. Queremos ser indígenas y queremos ser mexicanos ... la nuestra es la marcha de la dignidad indígena. La marcha de quienes somos el color de la tierra [nombre por el cual se reconocería a la marcha] y la marcha de los todos que son todos los colores del corazón de la tierra ... hermanos son quienes con sus colores nos hermanan. Con ellos, con los hermanos colores, camina hoy el color de la tierra. Con dignidad camina y busca con dignidad su lugar en la bandera”. Era el 24 de febrero de 2001, día de la Bandera. Ese mismo día y antes de partir el EZLN informó que el arquitecto Fernando Yáñez Muñoz sería el encargado de servir de puente entre la delegación zapatista y diputados y senadores o directivas de los distintos partidos políticos que individualmente o en grupos quisieran dialogar con la dirigencia rebelde. Anunciaron que el arquitecto ya había aceptado la invitación y que además acompañaría a la delegación zapatista en su marcha al Distrito Federal, en calidad de invitado especial. Desde el Distrito Federal salieron ocho camiones con más de 300 extranjeros que después acompañarían la marcha. En San Cristóbal de las Casas se dieron cita entonces, catalanes, vascos, españoles, italianos, franceses, suecos, argentinos, irlandeses, estadounidenses, finlandeses quienes llegaron para participar en la historia de este país. Los denominados monos blancos de Italia llevaron la responsabilidad de cuidar a los delegados zapatistas hasta su llegada a la Ciudad de México después de la negativa del Comité Internacional de la Cruz Roja (CICR) de acompañar la marcha zapatista, con el pretexto de que ésta no cumplía con las normas y procedimientos formales, lo cual puso en duda la voluntad del gobierno de Vicente Fox de asegurar el incipiente proceso de paz. Sobre todo porque el CICR había asistido a las delegaciones zapatistas en al menos 13 ocasiones además de las pláticas de paz en San Cristóbal de las Casas y en San Andrés Sacamch’en. Como respuesta los zapatistas enviaron un comunicado en donde los cinco primeros puntos estaban relacionados con la posición de la Cruz Roja de rechazar su participación en la marcha y responsabilizaban a Vicente Fox de esta negativa, en los siguientes puntos del mismo manifestaron su posición: “Sexto. Al bloquear la participación del CICR el señor Vicente Fox pretende presionar al EZLN para que negocie la seguridad de la marcha zapatista, a cambio de que se realice un contacto con su gobierno. El objetivo es claro: amenazar para obtener concesiones que le permitan reforzar su campaña publicitaria. Séptimo. El EZLN reitera: no habrá diálogo con el gobierno federal hasta que se cumplan las tres señales demandadas. En cambio la delegación zapatista sí dialogará con el Congreso de la Unión y con los indígenas y sociedad civil de todo el país. Octavo. El EZLN hace un llamado a la sociedad civil nacional e internacional y al Poder Legislativo federal para que se movilicen y se manifiesten en repudio a esta cerrazón gubernamental y para que se organicen con el fin de cuidar la seguridad de la delegación zapatista. Para terminar. A todos los pueblos indios y sociedad civil de los estados de Chiapas, Oaxaca, Puebla, Veracruz, Hidalgo, Querétaro, Guanajuato, Michoacán, estado de México, Morelos, Guerrero y Dis- UN LUGAR EN LA BANDERA (LA MARCHA ZAPATISTA) 63 trito Federal les decimos: Ahí estaremos con ustedes, Nada nos detendrá” (Centro de Información Zapatista, 2001). La marcha El ciclo de movilizaciones zapatistas inició con la salida de la comandanta Ramona en septiembre de 1996 para la fundación del Congreso Nacional Indígena (CNI), siguió la marcha de los 1 111 en septiembre de 1997, continuó con la consulta de marzo de 1999 y culminó al compa- recer ante diputados y senadores en el recinto parlamentario de San Lázaro. La marcha estuvo compuesta con 23 comandantes y un subcomandante y salió de la ciudad de San Cristóbal de las Casas el 24 de febrero de 2001 para recorrer 12 estados de la República, con la intención de detenerse más tiempo en Nurío toda vez que ahí participarían en el Congreso Nacional Indígena y con el objetivo de encontrarse con el Congreso de la Unión para dialogar sobre la iniciativa de reformas constitucionales en materia de derechos y cultura indígenas elabo- rada por la Cocopa, la cual fue presentada al Senado de la República el 5 de diciembre de 2000, después de haberse firmado los acuerdos de San Andrés entre el gobierno federal y el Ejército Zapatista de Liberación Nacional el 16 de febrero de 1996. Así es que desde los cinco Aguascalientes salieron los delegados zapatistas para recorrer San Cristóbal, Tuxtla, La Sepultura, La Ventosa, Juchitán, Orizaba, Puebla, Tlaxcala, Ciudad Sahún, Pachuca, Actopan, Tepa-El Mexe, Ixmiquilpan, El Tephé, San Juan del Río, Querétaro, Acámbaro, Zinapécuaro, Pátzcuaro, Uruapan, Nurío, Morelia, Zitácuaro, Bosencheve, Temoaya, Toluca, La Pilita, Tres Marías, Cuernavaca, Tepoztlán, Iguala, Cuautla, Anenecuilco, Chinameca, Tlaltizapán, Milpa Alta, San Pablo Oztotepec, Xochimilco y en la ciudad de México, Cuicuilco, la Villa Olím- pica, la Escuela Nacional de Antropología e Historia, el Instituto Politécnico Nacional, la Universidad Autónoma Metropolitana, la Universidad Nacional Autónoma de México y el Palacio Legislativo de San Lázaro. Sin podernos detener, por razón de espacio en cada una de las plazas que visitaron, nos detendremos en los lugares en donde fue de mayor trascendencia su presencia. Comenzó recorriendo el mundo indígena del sur-sureste en donde fueron recibidos con plazas y calles aledañas llenas, principalmente de indígenas que llegaron desde sus comunidades para expresarles su apoyo. En estos lugares el subcomandante Marcos dejó de ser un lector de comunicados para convertirse en un orador con sentido del humor. Además de Marcos en todos los casos tomaban la palabra algunos de los comandantes para explicar el motivo de la marcha, la ausencia de derechos indígenas, la importancia de la autonomía de los pueblos indios, etcétera. La concurrencia formada por los distintos grupos étnicos de acuerdo a la zona apoyaban con consignas y comentarios. El grito que más se escuchó a lo largo de toda la marcha fue “no están solos”. Mientras que la estrategia publicitaria del presidente, distribuida a lo largo de los caminos, comunidades y pueblos fue mediante carteles con la leyenda “Di sí a la paz”. Los estados del sureste que recorrieron los delegados del EZLN tienen problemas comunes, de acuerdo con La Jornada en ellos se “dibuja un mapa de los territorios invisibles de los pueblos indios del país, el trazo es un recuento de avatares y luchas: expulsión de sus espacios tradicionales de existencia, migración forzada a las ciudades, abandono del agro y sus secuelas, instalación de maquiladoras, proyectos de biopiratería, siembra de transgénicos, corredores industriales, de urbanización y de transporte, caciquismo, represión, hostigamiento militar y paramilitar, asesinato, cárcel, abuso e imposición de autoridades, saqueo de tierras, hambre, desnutrición, descalificación, división artificial de sus comunidades, programas impuestos GEORGINA CALDERÓN ARAGÓN 66 representantes indígenas llegarían al Distrito Federal fortalecidos, con un enorme capital político, con la legitimidad de representar a un movimiento indígena nacional. También puntualizaron su postura con relación a sus demandas, determinaron “llevar la autonomía a la práctica en municipios y regiones, vamos a recuperar nuestras aguas, bosques, tierras, santuarios, sitios históricos; recuperaremos nuestros territorios”. En ese sentido aclararon: “somos pueblos porque llevamos en nuestra sangre, en nuestra carne y en nuestra piel toda la historia, toda la esperanza, toda la sabiduría, la cultura, la lengua y la identidad, toda la raíz, la savia ... que nuestros padres y madres nos encomendaron y que sembraron en nuestras mentes y corazones para que nunca jamás se olvidara o perdiera”. El reconocimiento constitucional de nuestros territorios y tierras, que representa la totalidad de nuestro habitat “es sagrado porque allí reproducimos nuestra existencia material y espiritual como pueblos, para poder conservarlos íntegramente y mantener la tenencia comunal de nuestras tierras, pues sólo así es posible preservar nuestra cohesión social, conservar las formas de trabajo gratuito y colectivo en beneficio de toda la comunidad y asegurar el patrimonio y futuro de las próximas generaciones”. Terminado el congreso los comandantes zapatistas, ahora acompañados por la comisión y los asesores del CNI, marcharon hacia el Distrito Federal. En el Centro Ceremonial Otomí en Temoaya el subcomandante Marcos anunció que “a partir del día de hoy, comenzaremos a mandar mensajes a la ciudad de México. Son siete mensajes, tienen cada uno sentido factorial. Es decir, el uno más el dos tienen un sentido. El uno más el dos más el tres tienen otro sentido. Y así hasta cumplir el séptimo. Llegado el séptimo entraremos a la ciudad de México. Este es el primer mensaje de los siete “Nada deben temer. Que teman quienes cierran los ojos y la boca para oír y hablar con los que somos. Serán entonces hechos a un lado. Verán impotentes cómo recuperan voz los sin voz y adquieren rostro los sin rostro. Entonces nada valdrán sus voces que remedan las de los conservadores, las de los que quisieron hacernos imperio, las de los hacendados partidistas, las de los Carlos Salinas de Gortari, las de los Ernesto Zedillo. Ninguno de ellos está ya, y nosotros aquí estamos. La historia tiene un lugar para cada uno. Cada uno lo toma o lo deja. En la suma y en la resta no sólo suman los sí y los no, también suman los silencios”. En Tepoztlán leyó su segundo mensaje: “El silencio que somos quienes color de la tierra somos, fue roto. Sobre sus pedazos nos levantamos. No está en juego la posibilidad de volver a ser lo que éramos y no somos. Tampoco el que nos convirtamos. Lo que está en juego es si se reconoce o no el lugar que ya tenemos y en el que somos. Es la posibilidad de ser con todos y no bajo los otros. No importa el pequeño nosotros que del gran nosotros somos. Importan todos: los que hacen leyes y los que las legitiman. Nosotros, quienes hacen la historia y quienes la escriben”. El tercer mensaje fue leído en Iguala: “Este es México. Para hacer una guerra hay que desafiar al gobierno. Para alcanzar la paz con justicia y dignidad también hay que desafiar al gobierno. Desafiemos pues, a quien se oponga, desafiémoslos nosotros a ellos”. Cuautla fue el lugar donde se dio la última reunión entre Francisco I. Madero y Emiliano Zapata antes de la ruptura que dio a luz el Plan de Ayala y en donde se dio lectura al cuarto mensaje: “Caminaremos entonces el mismo camino de la historia, pero no lo repetiremos. Somos de antes, sí, pero somos nuevos”. UN LUGAR EN LA BANDERA (LA MARCHA ZAPATISTA) 67 En Milpa Alta se pronunció el quinto mensaje: “No tenemos dos rostros, dos pies sí, y el uno y el otro se necesitan para caminar. Cuando la luna es reina, quien tres dolores carga anuncia que por tres noches la fuerza se hará más fuerza con el color de la tierra. Amaneciendo el séptimo día del paso que salió de la casa del purépecha, el color de la tierra pintará toda la tierra que se crece hacia arriba. Apenas entonces empezará a morir la pena y con todos los colores bailará el color que somos de la tierra”. Ese mismo día, se dejaron libres a los zapatistas que estaban presos en las cárceles de Chiapas. Con estos casos sumaron ya 77 presos liberados. El abogado de los reclusos, Miguel Ángel de los Santos, aseguró que aún faltarían 15 personas por liberar. Diez de ellas están en distintas cárceles del estado, acusados de delitos del fuero federal, tres más en Tacotalpa Tabasco, y dos en Querétaro. Los detenidos están acusados de portación de arma, daños y delitos contra la salud. Detenidos que hasta la fecha no han sido liberados. El sexto mensaje lo dijo el subcomandante Marcos en Xochimilco: “Amaneciendo el séptimo día del paso que nacimos colectivo será velada la palabra. Sobre los hombros del trigo, pan seremos con los todos que somos. La tierra que se crece hacia arriba abrirá sus ojos y oídos al paso del color de la tierra, es decir, nos abrirá los brazos. El día repetirá el uno en el espejo y la rebeldía reiterará la historia. Marzo verá el silencio hecho añicos y otra voz, la morena, voz será entre todas las voces que cantan”. Estancia en la Ciudad de México El arribo del contingente del EZLN al Zócalo de la ciudad de México, simbólica e histórica sede política de la nación, sería el punto de partida de una nueva etapa del zapatismo y los pueblos indios: la negociación política para obtener el reconocimiento constitucional de sus derechos como pueblos. En ese zócalo se pronunció el séptimo mensaje: “El séptimo mensaje son ustedes”, dijo Marcos ante un Zócalo con más de 200 mil personas que abarrotaron la plaza. Estaban en el corazón del país. El CNI también demandó que “se abran las puertas de la tribuna máxima del país para que el EZLN y la representación de nuestros pueblos puedan hacer uso de la palabra ante los legisla- dores. Esa tribuna es del pueblo mexicano, no de las fracciones parlamentarias”. Con la llegada de los zapatistas a la Ciudad de México continuó la discusión en la Cámara de Diputados para determinar en qué términos se reunirían con los zapatistas. El martes 13 le enviaron una propuesta para reunirse sólo con 10 diputados, 10 senadores y la Cocopa. Propuesta que fue rechazada por la comandancia general del EZLN y los integrantes del CNI y demandaron el uso de la tribuna para explicar a todos los legisladores y al pueblo de México las bondades de la iniciativa de ley de Derechos y Cultura Indígenas. En voz de Marcos “la propuesta es humillante e indigna ... Es muy poco serio que el Congreso salga con la propuesta de reuniones en lo oscurito. No aceptamos un diálogo vergonzante con el Poder Legislativo, limitado a un rincón y con un reducido grupo de legisladores ... Nosotros decimos que en nuestra demanda de comparecencia ante el Congreso de la Unión están en juego tres cosas: el reconocimiento constituci- onal de las derechos y cultura indígenas, la posibilidad de un proceso de paz exitoso en Chiapas y la señal definitiva de toda la clase política de la nación de que son el diálogo y la negociación el camino para resolver los conflictos ... El EZLN y el CNI están pidiendo la tribuna, nadie ha dicho que será GEORGINA CALDERÓN ARAGÓN 68 Marcos el que la use ... Nosotros estamos aquí para dialogar con el Congreso de la Unión, y en cuanto el señor Fox cumpla con las tres señales dialogaremos con su representante”. Los zapatistas continuaron recibiendo el apoyo de la población, durante las visitas que realizaron en las distintas plazas tanto en comunidades indígenas como en centros educativos de la Ciudad de México. Pero también se comenzaron a escuchar a las personas que no querían que se abriera la tribuna legislativa para ellos. Como ejemplo, Jorge Espina Reyes, presidente nacional de la Confederación Patronal de la República Mexicana (Coparmex), afirmó que los legisladores “tendrían que estar mal de la cabeza” para aprobar una iniciativa de ley sobre cultura y derechos indígenas en los términos que lo demanda el EZLN, con la creación de entidades autónomas”. El dirigente empresarial calificó al EZLN como “un grupo intransigente, con intereses y apoyos sospechosas de extranjeros que gozan en sus respectivos países de mala reputación”, refiriéndose a los distintos intelectuales de diferentes partes del mundo que acompañaron y apoyaron la marcha. Otras voces surgieron desde los propios legisladores. El senador Diego Fernández de Cevallos durante una entrevista dijo: “si vamos a llegar a que en este país sólo se diga, se piense y se haga lo que diga Marcos ¡pobre país! Se está haciendo una práctica generalizada en algunos suponer que en este país se tiene que hacer, decir y pensar lo que piense, haga o diga Marcos y el que no esté de acuerdo está provocando la guerra y está contra la paz ¡Esto es de una intolerancia inaudita! ... Más aún cuando no podemos olvidar que estamos hablando de un grupo armado que ha declarado la guerra al gobierno y a las instituciones de México, y que esa declaración de guerra está mantenida hasta el día de hoy”. Así las cosas, y ante la cerrazón de la clase política del país, el 18 de marzo el subcomandante Marcos anunció mediante un comunicado que el EZLN “decidió dar por terminada su estancia en la capital del país e iniciar el próximo viernes 23 su retorno a las montañas del sureste mexica- no”. Entre los puntos más importantes del comunicado Marcos apuntaba: “1) Durante siete días , desde el pasado 13 de marzo, el EZLN ha esperado con paciencia que el Congreso acepte su disposición al diálogo digno y respetuoso. 2) El EZLN lamenta que en el Congreso hayan podido más las grillas internas, los pleitos de poder, los grupos conservadores que confunden la tribuna con un club de acceso exclusivo, y los que nos quieren utilizar para saldar sus cuentas, positivas o negativas, con el foxiequipo. 3) Sólo los políticos cavernarios suponen que pueden actuar con las mismas posiciones racistas, soberbias y autoritarias de las épocas de la Colonia y el porfirismo. Estas posiciones son ya insostenibles en el México actual” (Centro de información zapatista, 2001). El jueves 22, un día antes de la partida del EZLN las juntas de Coordinación Política del Congreso de la Unión enviaron un texto en el que manifestaron su disposición para tener un encuentro con la comandancia zapatista “nunca más un acuerdo nacional sin la participación y aportación esencial de pensamiento indígena”, expresaron en el texto firmado por los líderes del Congreso y redactado, ahora sí, en papel membretado. Esa misma noche, un tiempo después de haber recibido la invitación, el subcomandante Marcos anunció que el EZLN decidió aceptarla “si no hay trampa el Ejército Zapatista de Liberación Nacional estará en la máxima tribuna promoviendo el reconocimiento constitucional de los derechos y cultura indígena”. La propuesta de la Cámara de Diputados se formuló a la misma hora en que se realizaba el mitin de despedida a un costado del Palacio Legislativo “Parece que la puerta del diálogo comienza a abrirse”. La situación cambió en las últimas 24 horas cuando los actores políticos dieron un giro inesperado que se tradujo en la UN LUGAR EN LA BANDERA (LA MARCHA ZAPATISTA) 71 mayor Moisés y el comandante Tacho desaparecen en el silencio de la noche porque “todavía falta el camino a casa”. La resistencia Pero el diálogo no ha podido reiniciar pues las otras dos señales demandadas no se han cumplido, ya que no han sido liberado todos los presos y, sobre todo, si bien se aprobó por el Congreso una ley sobre derechos y cultura indígena, ésta está muy lejos de la ley presentada por la Cocopa. Así que como dijo Carlos Montemayor “el diálogo y la apertura requieren de un largo camino. No son sólo el milagro de un instante”. Comenzó entonces la discusión en las comisiones dictaminadoras de la iniciativa de la ley sobre derechos y cultura indígenas. Encabezados por el presidente Manuel Bartlett del PRI, junto con Luisa María Calderón del Pan y Demetrio Sodi de la Tijera del PRD, anunciaron el compromiso por trabajar de manera acelerada para lograr el consenso entre las fuerzas políticas representadas en el Senado de la República y aprobarla en el periodo de sesiones que estaba en marcha. Sodi de la Tijera precisó que la fracción parlamentaria perredista ya tiene una postura definida, “que es aprobar el proyecto de ley indígena de la Cocopa sin ningún cambio de fondo”. Pero los cambios se dieron y cuando faltaba una semana para que concluyera el periodo de sesiones en el Senado de la República se complicó la negociación del proyecto de reforma consti- tucional indígena, aunque los indicios ya indicaban una negociación entre las fracciones de los partidos del PAN y del PRI. El lunes 23 de abril se presentó por la noche un proyecto de dictamen, que según PRI y PAN prácticamente recogía todo el contenido de la iniciativa de la Cocopa. Sus hacedores Manuel Bartlett del PRI y Diego Fernández de Cevallos del PAN confiaron en la aprobación del borrador lo más rápido posible. El PRD en el Senado se opuso al principio en la propuesta ya negociada pero, después de tres días de cabildeo y sin haber logrado que se hiciera ninguna modificación, la propuesta del Bartlett-Cevallos se aprobó en el Senado el 25 de abril con 109 votos a favor, por todas las fracciones parlamentarias. Se impuso la lógica de la cantidad de votos y de las negociaciones entre partidos, porque la fuerza y la autoridad no se logran con los argumentos jurídicos y políticos que pueden esgrimirse. No se consideró que la iniciativa de la Cocopa era producto de una negociación, que no expresaba sólo la voluntad de los pueblos indíge- nas, que ya les llegaba con candados y acotaciones. En ella se reconoció el derecho a la autonomía de los pueblos indios, pero no se hicieron las reformas al artículo 115 para permitir que la misma tuviera expresión territorial. Se cambió el término de uso y disfrute de los recursos naturales por el de “uso preferente”, mientras que la definición de las comunidades indígenas como “entidades de derecho público” pasó a “entidades de interés público” lo que significa que no se les dota de personalidad jurídica, acordada en San Andrés. Por su parte, en la Cámara de Diputados también se aprobó la ley con 386 votos a favor por los legisladores de los partidos PAN, PRI y PVEM y 60 en contra de PRD, PT y cinco diputados del PRI. Los comentarios se dieron inmediatamente. Mientras unos decías que era una ley que había nacido muerta porque no considera las necesidades de las etnias ni está a la altura de sus reclamos. Otros, consideraban que era un paso adelante hacia el reconocimiento de los derechos de los pueblos indios. El EZLN mediante un comunicado, rechazó la reforma porque “no retoma el espíritu de los Acuerdos de San Andrés, no respeta la “Iniciativa de Ley de la Cocopa”, ignora por completo la demanda nacional e internacional de reconocimiento de los derechos y la cultu- GEORGINA CALDERÓN ARAGÓN 72 ra indígenas, sabotea el incipiente proceso de acercamiento entre el gobierno federal y el EZLN, traiciona las esperanzas de una solución negociada de la guerra de Chiapas y revela el divorcio total de la clase política respecto de las demandas populares” (Centro de Información Zapatista, 2001). En otro comunicado el subcomandante Marcos fue más sarcástico: “¿de manera que la “maldita trinidad” (que como su nombre lo indica, está formada por cuatro: Diego, Jackson, Chucho y Bartlett) volvió a hacer de las suyas en el Senado? ¿Qué no les importa la guerra en Chiapas? ¡Claro que les importa! Por eso elaboraron esa reforma. Porque así aseguran que la guerra no termine, que los militares continúen con sus negocios sucios en Chiapas, que los zapatistas se mantengan en la clandestinidad, y que los indígenas sigan siendo objetos de limosnas y desprecios. Ya se ve ahora que el problema no era de “puntos y comas”. Si algún nombre merece esa reforma es el de “Reconocimiento Constitucional de los Derechos y la Cultura de Latifundistas y Racistas” ¿Y qué tal el Fox aplaudiendo la burla legislativa? Claro, como que él la apadrinó ... Si, ya sabemos lo que viene: una gran campaña de medios sobre la “intransigencia zapatuda”, aumento de la presión militar y policiaca, reactivación de grupos paramilitares, ofensiva, etcétera. Esta película ya la vimos y el desenlace es conocido (pregúntenle al señor Zedillo)” (idem). A partir de este comunicado el EZLN guardó silencio. Pero, para que la reforma de ley pase a la Constitución tiene que ser aprobada por 16 de las 31 legislaturas locales y por el ejecutivo. Así es que la ley se envió, una vez aprobada por la Cámara de Diputados a los congresos estatales para su aprobación. El primer Congreso que la aprobó fue el del estado de Veracruz el jueves 24 de mayo y se siguieron aprobando en los distintos estados hasta el 18 de julio, fecha en que se consumó la reforma constitucional y la cual fue turnada al presidente Fox para su promulgación. Los estados que votaron a favor fueron Veracruz (24 de mayo), Puebla (29 de mayo), Colima (29 de mayo), Aguascalientes (30 de mayo), Querétaro (31 de mayo), Campeche (31 de mayo), Guanajuato (31 de mayo), Durango (6 de junio), Quintana Roo (7 de junio), Coahuila (12 de junio), Jalisco (21 de junio), Sonora (28 de junio), Tlaxcala (29 de junio), Nuevo León (1 de julio), Tabasco (9 de julio), Nayarit (12 de julio), Michoacán (12 de julio), Chihuahua (17 de julio). En contra votaron las legislaciones locales de los estados de. Oaxaca (6 de junio), Zacatecas (6 de junio), Baja California Sur (14 de junio), Sinaloa (21 de junio), Morelos (22 de junio) (votación sin validez legal por no estar respaldada por las dos terceras partes del congreso), Chiapas (28 de junio), Guerrero (28 de junio), Hidalgo (28 de junio), San Luis Potosí (28 de junio), Estado de México (6 de julio). El sábado 14 de julio se abrió el debate sobre la legalidad de los votos emitidos por las legislaturas locales en torno a la ley indígena y abogados y legisladores del PRD y del PT, en varios congresos estatales, preparan recursos de controversia constitucional contra esa reforma, porque argumentaban que no se cumplieron con los requisitos de la Carta Magna. El problema es que hay un vacío en la Constitución federal y cinco criterios de las legislaturas de las 31 entidades para votar a sus propias constituciones. Si bien las controversias constitucionales se ingresaron, todavía no han sido resueltas por el Poder Judicial, lo cierto es que en los diez estados donde reside alrededor del 80 por ciento de la población indígena, los congresos votaron en contra de la reforma en la materia, con el argumento que no resuelve los problemas de discriminación, libre determinación de los pueblos, autonomía y pluriculturalidad. El voto en contra lo sostuvieron porque la ley indígena está alejada de la inicia- UN LUGAR EN LA BANDERA (LA MARCHA ZAPATISTA) 73 tiva de la Cocopa, no cumple con los acuerdos de San Andrés, no resuelve el conflicto en Chiapas, ni se llega a la paz, objetivos por los que fue enviada al Congreso de la Unión. Después del comunicado en el que rechazaban la ley aprobada por el Congreso de la Unión, inició nuevamente un tiempo de resistencia sin palabra. Así es que después de un recorrido lleno de símbolos ya que inició el día de la Bandera, símbolo que encarna la pertenencia a una nación. Los zapatistas la demandaron para ellos. Con eso quisieron aplacar las acusaciones a sus pretendi- das intenciones separatistas. Visitaron las más pobladas y representativas zonas indígenas. Recibieron los míticos bastones de mando y fueron elevados al rango de jefes políticos de las principales etnias del país. Mostraron la cara sucia, pobre y fea de la República. Emularon el recorrido de Emiliano Zapata. Visitaron con éxito las dos universidades públicas del D.F. e hicieron lo posible por pisar suelo y realizar actividades en todos los rincones en donde existe tradición de lucha popular. No lograron el reconocimiento que querían. Así como tampoco obtuvieron lo expresado en un comunicado de febrero de 2001 decían “Nosotros los indígenas hemos pintado esta bandera. Con nuestra sangre le pusimos el rojo que la adorna. Con nuestro trabajo cosechamos el fruto que el verde pinta. Con nuestra nobleza blanqueamos su centro. Con nuestra historia el águila devorando la serpiente le pusimos para que México se nombraran el dolor y la esperanza que somos. Nosotros hicimos esta bandera y, sin embargo, no tenemos un lugar en ella”. Y ciertamente el Congreso de la Unión nuevamente les negó un lugar en la bandera. Bibliografia CENTRO DE INFORMACIÓN ZAPATISTA. La marcha del color de la tierra: comunicados, cartas y mensajes del Ejército Zapatista de Liberación Nacional. México: Rizoma/Causa Ciudadana, 2001. 417p. HERNÁNDEZ NAVARRO, Luis. Constitución y derecho indígena. In: LA JORNADA (ediciones). El otro jugador. México: La Jornada, 2001. p. 87. LA JORNADA (ediciones). El otro jugador. México: La Jornada, 2001. 381p. NEGRÍN, Alejandro. La iniciativa de la Cocopa tendría impacto internacional. Masiosare La Jor- nada, México, p. 10-11, domingo, 11 feb. 2001. VENEGAS, Juan Manuel. Si se puede, nos entrevistaremos con el EZLN, dice el presidente. La Jornada, México, p. 7, sábado, 10 feb. 2001. JOÃO EDMILSON FABRINI 76 Introdução A existência camponesa deve ser compreendida no interior da expansão das relações capita- listas de produção, que ocorre de forma desigual. Neste contexto, os camponeses têm construído seu lugar social por meio das lutas, como é o caso daquela desenvolvida pelos sem-terra nos assentamentos. No projeto do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de desen- volvimento territorial dos assentamentos, operacionalizado pelas cooperativas, o camponês não tem lugar. As cooperativas coletivas são consideradas uma forma superior de organização para viabilizar um desenvolvimento territorial dos assentamentos. Este projeto está sustentado num arcabouço teórico que reconhece a superioridade operária e as modernas relações de produção para construir um território favorável ao processo revolucionário. Entretanto, os camponeses dos assentamentos têm resistido ao projeto de desenvolvimento territorial elaborado pelo MST. Procuram colocar em prática um projeto que passa pela existência camponesa, materializada na formação de uma variedade de grupos de assentados como núcleos de produção, grupos coletivos, associações, grupos de vizinhança marcados por relações de soli- dariedade, dentre outras formas. Abstract The capitalist relations expansion in the field occur in an uneven way. In this context, the peasants have constructed their social place by means of fights, as it is the case of that one developed by the landless in the settlings. However, at the MST (Landless Movement) project of settlings territorial development, accomplished by the cooperatives, the peasants have no place. Although the MST (Landless Movement) has recently performed some revising, the collective cooperatives are considered a superior organization way to make possible the settlings territorial development. This project is upheld in a theoretical framework that recognizes the laborer superiority and the modern production relations to construct a favorable territory to the revolutionary process. But, the settlings peasant have resisted to the MST (Landless Movement) development project. They try to accomplish a project that passes by the rural existence, materialized in the formation of a variety of settled groups as production nucleus, associations, collective groups, neighborhood relations, etc. Keywords Uneven development – Peasants – Landless – Settlings – Territory. Resumen La expansión de las relaciones capitalistas en el campo o de forma desigual. En este contexto, los campesinos han construido su lugar social por medio de luchas, como es el caso de aquellas desarrolladas por los sin tierra en los asentamientos. Mientras tanto, en el proyecto del MST de desarrollo territorial de los asentamientos operacional izados por las cooperativas, el campesino no tiene espacio. Aunque recientemente el MST haya realizado alguna revisión, las cooperativas colectivas son consideradas una forma superior de organización para viabilizar un desarrollo territorial de los asentamientos. Este proyecto está sostenido en un bosquejo teórico que reconoce la superioridad operaria y las modernas relaciones de producción para construir un territorio favorable al proceso revolucionario. Pero, los campesinos de los asentamientos han resistido al proyecto de desarrollo del MST. Buscan colocar en practica un proyecto que pasa por la existencia campesina, materializadas en la formación de una variedad de grupos de asentados como núcleos de producción, asociaciones, grupos colectivos, relaciones de vecindades, etc. Palabras clave Desarrollo desigual – Campesinos – Sin tierra – Asentamientos – Territorio. O PROJETO DO MST DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL... 77 A resistência camponesa e o desenvolvimentodesigual das relações capitalistas As manifestações de resistência dos camponeses são importantes nos estudos da questão agrária e estão relacionadas à expansão do capitalismo no campo. No interior do desenvolvimento desigual das relações capitalistas, os camponeses, por meio de sua luta de resistência, vão cons- truindo o seu lugar social no sistema adverso (capitalismo), que insiste em fazer-lhes desaparecer. É uma existência garantida mais pelo enfrentamento à ordem expropriatória do que a possibilidade aberta e criada nas entranhas da produção de mercadoria das relações capitalistas. Aos camponeses foram feitas várias interpretações, sendo considerados desde um obstáculo para o desenvolvimento da sociedade, passando pela barbárie, atribuída a sua condição de classe social, até as profecias do seu desaparecimento com a intensificação das relações capitalistas; e mais recentemente, a “metamorfose” em agricultor familiar. O referencial teórico marxista oficial imputou ao estudo do campesinato o sentido da divisão da sociedade em classes sociais e o conflito existente entre elas. A partir da possibilidade de parti- cipação dos camponeses nos processos revolucionários (revolução socialista) foram formuladas e aprofundadas concepções teóricas e políticas sobre o campesinato. Nesta concepção, o camponês foi teorizado pelo seu fim, ou seja, não havia lugar para ele na sociedade capitalista (nem na socialista). Partindo da idéia do desenvolvimento igual das relações de produção, a teorização do campesinato de Marx é a do desaparecimento numa sociedade capitalista avançada (industrial). Isso ocorre porque o fundamento teórico de Marx foi elaborado a partir dos economistas clássicos (Smith, Ricardo, etc.). A economia política se constituiu no horizonte teórico de Marx, estabelecida na produção, reprodução e circulação do capital. Neste universo de interpretação não cabia o camponês1 . A teoria da economia política clássica era a teorização da uniformidade do mundo (o mundo da mercadoria). As relações capitalistas seriam puras e possuidoras de uma força massacrante de outras relações sociais de produção e as situações irregulares estariam presentes como resíduos que cedo ou tarde seriam descartadas. Assim, a concepção de que o modo de produção capitalista não permite a existência do campesinato parte da produção da mercadoria como uma força totalizadora do progresso e desen- volvimento das forças produtivas. A idéia de desenvolvimento das forças produtivas está relacio- nada à outra: de que somente o desenvolvimento pleno do capitalismo seria capaz de criar as condições para a passagem ao socialismo, ou seja, depois da revolução burguesa viria a revolução do proletariado. Em O 18 de Brumário, um conjunto de publicações jornalísticas, Marx refere-se explicita- mente ao campesinato atribuindo conteúdo político à sua prática: os camponeses não se constitu- em numa classe social. “Os pequenos camponeses constituem uma massa imensa cujos membros vivem em condições seme- lhantes, mas sem estabelecer relações multiforme entre si. Seu modo de produção isola uns dos outros, em vez de levá-los a um intercâmbio mútuo... Seu campo de produção, sua pequena propriedade, não admite qualquer divisão do trabalho para o cultivo, nenhuma aplicação de métodos científicos e, por- 1. Alguns autores que utilizam o critério da produção de mercadorias para compreender a existência camponesa, como Abramo- vay (1992), por exemplo, entendem que não existe discussão sobre o campesinato em Marx, Lênin e Kautsky porque é impossí- vel definir a natureza e origem dos seus rendimentos. JOÃO EDMILSON FABRINI 78 tanto, não admite nenhuma diversidade de desenvolvimento, nenhuma variedade de talento, nenhuma riqueza de relações sociais... A grande massa da nação francesa forma-se, assim, pela simples adição de grandezas homólogas, da mesma forma que batatas em um saco constituem um saco de batatas...Mas na medida que existe entre os camponeses apenas uma ligação local e em que a igualdade de interesses não cria entre eles comunidade alguma, ligação nacional alguma, nem organização política, nessa exata medida não formam uma classe. São portanto incapazes de fazer valer seu interesse de classe em seu próprio nome, quer através de um parlamento, quer através de uma Convenção” (Marx, 1987, p. 137). Engels (1981) é outro autor que analisa o campesinato. Na compreensão de Engels, os cam- poneses deveriam se constituir em outro para ser sujeito político, ou seja, transforma-se num ope- rário agrícola forjado no processo de coletivização de terras, para assim, contribuir na revolução e na construção do socialismo. A contribuição dos camponeses para a construção do socialismo era deixar de existir, pois havia forte antagonismo entre o socialismo e existência do campesinato. Esta idéia foi exposta na crítica ao Programa Agrário do Partido Socialista Francês em 1894, quando argumentou que não se justificava concessão de terra parcelar aos camponeses, como defendia o Partido, pois eles estavam em vias de extinção e desaparecimento com a intensificação das relações de produção capitalista. A exploração da terra de forma parcelar não permite a libertação da subordinação dos cam- poneses, não sendo possível saída do circuito de miserabilidade. Para isso, deveria se reunir pro- priedade dos meios de produção e trabalho na forma de cooperativas coletivas. A formação de cooperativas era uma condição básica para superar a produção camponesa e construir o socialis- mo. Mas, se autores marxistas, e o próprio Marx, por um lado, não vêem possibilidades de exis- tência para o camponês com a intensificação das relações capitalista, por outro, apontam o princí- pio do desenvolvimento desigual e da luta de classes para considerar a possibilidade de sua exis- tência. Apontam para o entendimento de campesinato pela resistência, luta e o conflito entre as classes. Os camponeses não estão em conflito direto com a instituição da propriedade. Na realidade, o que mais pesa aos camponeses é o capitalista porque este o subordina na circulação da produção, o que leva à expropriação e diferenciação social. É interessante a conclusão de Amin e Vergopoulos (1986) sobre o conflito existente no cam- po quando afirma que os camponeses trazem a tona o funcionamento do próprio sistema que regula a transferência de renda da terra para os setores capitalistas (bancos, comerciantes, estado, indústrias, etc.). “O que mais pesa ao camponês não é o grande proprietário agrário, mas o capital bancário e o crédito, o capital mercante e os preços, o Estado e o imposto... a contestação camponesa traz à tona o funcionamen- to fundamental do próprio sistema, e neste caso não há nenhum patrão, em particular, suscetível de de- sempenhar o papel de pára-raios ou bode expiatório para a cólera das massas camponesas em revolta... O verdadeiro patrão dos camponeses é a indústria e o Estado” (Amin e Vergopoulos, 1986, p. 134). O conflito de classes no campo, ou seja, o conflito entre camponeses e capitalista/proprietá- rios de terra não está no princípio da produção da mercadoria, mas na circulação da produção e distribuição da mais-valia. O conflito está na transferência da renda da terra ao capitalista da indústria, bancos, comerciantes e também proprietários de terra. Como o proprietário de terra está inserido numa lógica de acúmulo que tem como raiz a produção e distribuição da mais-valia, o camponês, na sua revolta, também atinge os proprietários O PROJETO DO MST DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL... 81 A partir da teorização de Oliveira (1991) pode-se inferir que a existência do campesinato deve-se ao próprio capitalismo, ou seja, o campesinato seria uma criação das relações contraditó- rias do capitalismo. Isso ocorre porque os camponeses conseguem produzir mercadorias abaixo da taxa média de lucro. A produção camponesa está organizada de forma a transferir mais renda ao capital do que as relações tipicamente capitalistas. Além dos projetos de colonização e migração, Oliveira (1991) cita o exemplo do arrenda- mento de terras por camponeses no Oeste do Estado de São Paulo para indicar que o próprio capital lança mão da produção não-capitalista para produzir capital. Assim, “... no processo con- traditório de desenvolvimento do capital que, ao mesmo tempo em que expropria, abre a possibi- lidade” de reprodução e existência do campesinato (Oliveira, 1991, p. 50). Neste contexto, é interessante observar que nem sempre é o capital que se trai com a criação e recriação de relações não-capitalistas, mas são os camponeses que traem a lógica do capitalismo por meio de sua luta. O capitalismo que insiste na expropriação e desaparecimento dos campone- ses é traído em suas leis pela luta dos trabalhadores do campo. Este é o caso da luta nos assenta- mentos, ou seja, camponeses que tem a sua existência garantida pela luta de resistência. O sentido contraditório e desigual da existência do campesinato está no fato dele garantir a sua existência no sistema adverso pela luta. É como se o camponês não tivesse lugar no capitalis- mo, fosse de fora, mas insiste em continuar existindo, ou seja, traindo as leis do capital pela luta. De outro lado, ao se entender a reprodução do campesinato como uma possibilidade aberta pelo capitalismo está-se admitindo que é uma relação de dentro do capitalismo, ou seja, que tem lugar no capitalismo, servindo inclusive para a produção de mercadoria, como fazem aqueles que defen- dem a “agricultura familiar”. No caso dos assentamentos de sem-terra a existência camponesa está garantida mais pela luta e resistência que eles desenvolvem contra a ordem expropriatória e concentradora do capitalismo do que pela possibilidade que o capitalismo na sua contradição cria ou abre para os camponeses. A contradição e desigualdade das relações capitalistas estão no enfrentamento e na recusa a proletarização e pagamento da renda da terra que surge em descompasso ao desenvolvimento das forças produtivas. Se o capitalismo fecha seu futuro, os camponeses abrem possibilidade de exis- tência por meio de lutas e resistência. Fernandes (1996), procurando compreender as manifestações políticas da lutas camponesas dos sem-terra refere-se à luta de negação da proletarização num processo de enfrentamento e resistência contra a subordinação capitalista. A partir da terra conquistada se desdobram novas lutas como ocupações de terra e mobilizações nos assentamentos. Este desdobramento das lutas é entendido como espacialização e territorialização dos sem-terra. É neste contexto de reprodução e existência camponesa por meio das lutas principalmente, que se deve compreender o desenvolvimento territorial dos assentamentos. Um projeto de desen- volvimento territorial dos assentamentos que valorize as características camponesas dos assenta- dos e não a defesa de seu fim, como ocorre com a proposta do MST, materializada nas Cooperati- vas de Produção Agropecuária (CPA), como será visto a seguir. Assentamentos de sem-terra Os assentamentos rurais possuem diferentes conteúdos. Segundo Esterci (1992), o termo as- sentamento surgiu provavelmente no interior do Estado e refere-se às ações que têm por fim ordenar ou reordenar recursos fundiários com alocações de populações para solução de problemas socioeconômicos, reconhecidos sua importância e necessidade, principalmente, pela viabilidade eco- nômica. Neste tipo de assentamento as populações “beneficiadas” estão destituídas de caráter ativo. JOÃO EDMILSON FABRINI 82 Tomando o movimento de luta pela terra como referência nesta abordagem, os camponeses, por meio de ações políticas vão modificando e acrescentando novos conteúdos ao termo assenta- mento. Aí se desdobram novas ações e lutas de confronto com o Estado por assistência técnica, crédito, infraestrutura, etc. A população dos assentamentos apresenta enorme diversidade que o termo assentado não revela. A generalização não permite reconhecer as diferenças existentes no interior desta “catego- ria”. A diversidade de identidade social apresenta-se unificada na subordinação e reunida espacial- mente na ocupação da terra (acampamento). O acampamento surge como forma inicial de aproxi- mação e socialização dos trabalhadores sem-terra que se manifesta com maior intensidade no assentamento, pois a terra conquistada surge como base de nova socialização. Carvalho (1999) afirma que nos assentamentos se encontram grupos sociais de comporta- mentos distintos marcados por uma identidade social construída na trajetória de vida dos assenta- dos. “Portanto, no processo de constituição do assentamento, grupos sociais de comportamento muito dis- tintos entre si, encontraram-se numa interação social face a face, independentes da suas vontades. Isso não significa necessariamente que estes grupos sociais ao interagirem tenham sido ou seriam desarticu- lados, e tendentes para o processo de homogeneização social simplesmente pela fato de pertencerem agora a um mesmo assentamento” (Carvalho, 1999, p. 32). Não se trata de reconhecer a identidade social pela política somente naqueles grupos ligados ao MST. As posturas de assentados que estabelecem vínculos políticos locais (prefeito, vereado- res, entidades, etc.) também se caracterizam com identidades políticas. Carvalho (1999) ainda, entende que a formação de grupos sociais identificados pela política nos assentamentos significa uma forma de obtenção de benefícios pessoais. Apresentando-se céti- co à coesão interna dos grupos sociais existentes nos assentamentos formados pela identidade social pela política, eles seriam grupos extremamente débeis e movidos por interesses imediatos. “... essa auto-identificação significava para elas apenas uma forma de acesso aos benefícios individuais que tal identidade social lhe poderia proporcionar. Essa identidade social realimentava (interdependência funcional) tenuamente o grupo social, no sentido de dar-lhe coesão interna, desempenhando, portanto, uma função social muito precária para a concretização destes objetivos se comparada com aquela função desempenhada pelo projeto político dos grupos sociais que se propunham a implantar um mo- delo de gestão dos assentamentos” (Carvalho, 1999, p. 57). Por outro lado, Carvalho (2002) se refere à importância da criação de Comunidades de Resis- tência como uma alternativa conjuntural para superação de dificuldades colocadas à pequena agri- cultura resultante de mudanças macroeconômicas recentes com a implantação da ideologia neoliberal. As comunidades de resistência, ou seja, a alternativa camponesa, defendida por Carva- lho (2002) indica um caráter defensivo e momentâneo de organização numa conjuntura desfavorá- vel às lutas dos sem-terra. No entendimento de Carvalho, a organização camponesa tem apenas conteúdo tático. O projeto de desenvolvimento territorial do MST O assentamento é um espaço que expressa conteúdo histórico resultante de processos polí- ticos e sociais, ou seja, trata-se de um espaço onde se materializam as relações sociais, no caso, O PROJETO DO MST DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL... 83 relações camponesas. Neste espaço, os assentados constroem o território camponês verificado nas relações econômicas, políticas, sociais, etc. Então, cabe compreender como as relações se realizam no espaço e como se torna condição de manutenção e produção de novas ou antigas relações. Segundo Raffestin (1989), os territórios construídos no espaço podem ser trunfos em favor de determinados segmentos. O espaço do assentamento se constitui como suporte de determinadas relações formando o território camponês. “O espaço é, portanto anterior, preexistente a qualquer ação. O espaço é, de certa forma, ‘dado’ como se fosse uma matéria-prima. Preexistente a qualquer ação. ‘Local’ de possibilidades, é a realidade material preexistente a qualquer conhecimento e a qualquer prática dos quais será o objeto a partir do momento em que um ator manifeste a intenção de dele se apoderar. Evidentemente, o território se apóia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção a partir do espaço. Ora, a produção, por causa de todas as relações que envolvem, se inscreve num campo de poder” (Raffestin, 1993, p. 144). Ao referir-se à gênese e desenvolvimento do MST no Brasil, Fernandes (1998) atribui senti- do geográfico ao desenvolvimento do movimento dos sem-terra colocando a ocupação de terra e o acampamento como condição de territorialização da luta pela terra. A ocupação é uma condição para a territorialização porque é dessa forma que os sem-terra se “movimentam” e se mobilizam por todo o território nacional, questionando, por meio da sua luta, o poder dos latifundiários. “A luta pela terra leva a territorialização porque ao conquistar um assentamento, abre-se perspectiva para conquistar um novo assentamento. Se cada assentamento é uma fração do território conquistado, a esse conjunto de conquistas chamamos de territorialização... Os sem-terra, ao chegarem na terra, vislumbram sempre uma nova conquista e por essa razão MST é um movimento sócio-territorial. A territorialização acontece por meio da ocupação da terra. Da ocupação que nasceu o MST” (Fernandes, 1998, p. 33). Verifica-se que no entendimento de Fernandes (1998) a ocupação de terra está no centro do processo de espacialização e territorialização do sem-terra. Entretanto, a ocupação da terra se constitui numa etapa deste processo. A realização do as- sentamento, etapa posterior à ocupação, se constitui na materialização e construção do território camponês. Sem a conquista da terra, as novas relações sociais não podem se materializar no espa- ço, a não ser numa área bem reduzida, ou seja, na área onde foram montadas as barracas dos sem- terra ocupantes. A ocupação é um pré-requisito para construção do território, pois a partir da terra conquista- da se desdobram novas lutas num processo que se realiza no enfrentamento entre a territorialização das relações capitalistas e territorialização camponesa. É a terra (fração do território) de assenta- mento que se constitui no centro da territorialização do campesinato e não a ocupação em si. Ao analisar o conjunto de transformações políticas, sociais e econômicas desencadeadas por agentes no espaço, Fernandes (2001) ainda, e Leal (2002), apontam para a existência de impactos. O conjunto de mudanças relativas à saúde, geração de rendas, políticas públicas, moradias, educa- ção entre outras mudanças, com a implantação de assentamentos rurais, são expressas no conceito “impactos socioterritoriais”. Entretanto, o que se verifica são “impactos territoriais” pois o assentamento dos sem-terra implica em transformações que passam pelo controle, domínio, posse e poder sobre o espaço, ou seja, o que faz com que o assentamento se torne um território camponês é o fato dos assentados JOÃO EDMILSON FABRINI 86 As ações do MST no início da década de 1980 foram caracterizadas por lutas de conquista da terra. A conquista da terra levou o sem-terra a declinar sua atenção também para ações coletivas nos assentamentos. A produção nos assentamentos passou a ser entendida como uma forma de sustentação do projeto político dos sem-terra. No período de início do MST, que vai de 1979 a 1985, não havia política cooperativista definida para os assentamentos. Eram atividades coletivas que se materializavam nas associações de assentados, mutirões, troca de dias de serviço, etc. A orientação dessa cooperação simples, como os mutirões, por exemplo, tinha raiz na Igreja, com quem parte significativa da militância possuía fortes vínculos. No período de 1985-1989 aumentaram as atenções para os assentamentos, quando se conso- lidou a idéia de que a luta dos assentados é uma luta do MST. No I Encontro Nacional dos Assen- tados em 1986 ficou decidido que os assentados pertencem ao MST, formando neste Encontro uma Comissão Nacional de Assentados. Entre 1989 e 1990 são formadas as primeiras cooperativas, como foi o caso da Coanol (Coo- perativa Agrícola Nova Sarandi Ltda) e Cooptil (Cooperativa de Produção Trabalho e Integração Ltda.) no Rio Grande do Sul. Começa a se esboçar uma política cooperativista no interior do MST que mais tarde desemboca na criação do SCA (Sistema Cooperativista dos Assentados). Neste período ainda, são definidas as primeiras linhas políticas na formação do SCA, marcadas essencialmente pela busca de eficiência econômica como forma de viabilizar as lutas nos assenta- mentos. A CPA (Cooperativas de Produção Agropecuária) foi considerada uma forma superior de cooperação com a coletivização da terra, trabalho, gestão e capital. A produção de subsistência não foi desprezada, mas a elaboração de mercadorias teve uma importância destacada. A Economia Política passa a se constituir em paradigma para a elaboração da concepção de cooperativismo, ou seja, uma compreensão da expansão do capitalismo no campo semelhante à que ocorre na indús- tria. Para garantir organicidade foram criadas as Centrais de Cooperativas (a primeira CCA surgiu no Rio Grande do Sul). Foi criada também a Concrab (Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil) em 1992, na cidade de Curitiba, resultante dos debates internos do MST. A Confederação (Concrab), organização das cooperativas na terceira instância, tem a função de coordenação geral das políticas e planejamento do desenvolvimento das atividades das coope- rativas. Cabe ainda, organizar a formação técnica (administrativa, financeira e agronômica) de caráter nacional, desenvolver estudos e estratégicas de mercado, cuidar das relações internacio- nais relacionadas às cooperativas (exportação, por exemplo) e articulação com outras confedera- ções. As reflexões feitas de 1989 a 1993 resultaram em algumas definições expressa na elaboração de um conjunto de documentos que indicaram a necessidade de intensificar as relações de produ- ção de mercadoria nos assentamentos. Desde 1993 as CPAs enfrentam dificuldades, o que levou o MST a declinar sua atenção ao debate sobre o cooperativismo. Foi neste contexto também que o MST elaborou um importante documento: A cooperação agrícola nos assentamentos (1993). Este documento aprofundou a pre- ocupação com uma concepção de cooperativa sustentada basicamente na esfera econômica, ape- sar de referir-se às razões e objetivos sociais e políticos. Ficou destacado que a cooperação nos assentamentos se daria por meio da divisão do trabalho e deveria funcionar como uma empresa econômica. Os debates sobre a cooperativa-empresa econômica ou uma cooperativa mais de conteúdo político ficou explícito no documento Sistema cooperativista dos assentados de 1998, que expri- me, até os dias atuais, a concepção de cooperativismo do MST. Essa tensão de concepções se O PROJETO DO MST DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL... 87 manifesta no documento de 1998 que se refere à organização dos núcleos de base/produção, de um lado, e a necessidade da divisão de trabalho de outro, como forma de viabilizar as cooperativas. Apesar do enfoque político, a dimensão econômica, é a lógica fundante da cooperativa. Segundo Almeida (2001) existem dificuldades de apreensão do movimento contraditório da realidade quan- do se privilegia a explicação economicistas no entendimento da construção do território. O privi- légio atribuído às questões de natureza econômica tem resultado no entendimento de “... um terri- tório sem sujeitos, enfim, vazio de relações sociais” (Almeida, 2001. p. 1). Embora o MST/Concrab tenha estimulado as mais variadas formas de associativismo agríco- la nos assentamentos, as cooperativas são a principal forma de organização econômica, social e política. “Portanto, o paradigma da década de 90 foi constantemente reafirmado: cooperação é igual à cooperativa ou dá-se através dela [grifo do autor]” (Concrab, 1999, p. 32). O entendimento do MST/Concrab é de que não existem condições do assentado progredir econômica, social e politicamente através da produção familiar. O modelo de produção capitalista inviabiliza esse progresso, sem necessariamente inviabilizar a produção familiar, que permite o acúmulo para os capitalistas. Os assentados devem reconhecer no trabalho em cooperativas a possibilidade de seu desenvolvimento. A proposta de cooperação através das CPAs refere-se ao desenvolvimento das forças produ- tivas como condição para viabilidade dos assentamentos. Conforme a Concrab (1993), existe a necessidade de aumento de capital constante, produtividade do trabalho, divisão e especialização do trabalho, racionalização de acordo com os recursos naturais e desenvolvimento de agroindústrias para se alcançar patamares de produção cada vez mais elevados nos assentamentos. É importante destacar na proposta das cooperativas coletivas a divisão do trabalho, que im- plica na produção de um excedente cada vez maior, possibilitando assim a ampliação das trocas. Esta (troca) é base para o desenvolvimento da economia mercantil capitalista e daí a necessidade de cada vez mais ampliar a divisão e especialização para criação de mercado de consumo. A produ- ção, neste caso, tem como objetivo a satisfação das necessidades do outro, realizada nas trocas. A necessidade de organizar uma cooperativa que possa produzir mercadoria e integrar-se ao mercado, como indica MST/Concrab (1999), é a forma de construir a resistência nos assentamentos. “Uma unidade de produção qualquer, somente conseguirá progredir se criar alternativas de produção de mercadorias, ou seja, vender fora do assentamento, em quantidades para garantir remuneração da mão de obra aplicada [grifo nosso]” (Concrab, 1999, p. 14). A produção camponesa implica numa redução das trocas, pois apresenta uma baixa divisão do trabalho. Para estimular a divisão do trabalho nos assentamentos, o MST organizou cursos de formação aos assentados, dos quais se destacam os Laboratórios Organizacionais3. O modelo de racionalidade econômica e organização empresarial é considerado pelo MST a forma de viabilizar econômica e politicamente as CPAs. A organização empresarial defendida pelo MST é semelhante à proposta de Lênin nas Tarefas Imediatas, quando estimulou a implantação do sistema taylorista e utilização de processos científicos de trabalho (Linhart, 1983, p. 77). O sistema Taylor, duramente criticado por Lênin antes da revolução, considerado como um sistema para esmagar e sujeitar os operários às máquinas, passou a ser defendido depois do período revolucio- nário. Paradoxalmente, Lênin visualizou o impulso democrático e a participação das massas nas tarefas de administração e contabilidade, procurando diferenciar o taylorismo soviético do ameri- cano. Procurou forjar um taylorismo proletário e libertador! 3. No estudo de Brenneisen (2000), existe uma importante análise crítica dos laboratórios organizacionais em que se destaca a natureza, objetivos e conteúdo destas atividades entre os assentados. JOÃO EDMILSON FABRINI 88 Organizadas como uma empresa dirigida pelos assentados, as cooperativas, segundo o MST (1993), devem produzir em escala e colocar seus produtos no mercado a preços mais competitivos. “No mercado capitalista sempre se consegue os melhores preços quando se negocia quantidades maio- res e produtos de maior qualidade. Através da cooperação, portanto, aumentam as chances de resulta- dos financeiros mais rentáveis” (MST, 1993, p. 11). Os fatos têm demonstrado muitas dificuldades de sobrevivência das cooperativas na esfera do mercado, tanto aquelas tradicionais, como as de resistência, que não contam com o apoio do poder público (Estado) como ocorre com muitos empreendimentos capitalistas privados. Oliveira (1994), analisando as propostas de cooperativas agrícolas vê dificuldades para os assentados. Aponta que a especialização que estaria implícita nesta proposta, inclusive nas CPAs, pode significar a entrada nas enrascadas da estrutura bancária para adquirir tecnologias e instru- mentos a fim de competir com os produtores capitalistas. Considera ainda que o rumo trilhado pela agricultura camponesa, onde se inclui aquela desenvolvida nos assentamentos, deve ser a de uma alternativa defensiva de recuperação da policultura em oposição à lógica da especialização, dimi- nuindo ao máximo a dependência externa. “Os agricultores camponeses por sua vez têm sido pressionados no rumo da especialização. Muitos autores progressistas têm apontado as cooperativas e a especialização como alternativa aos campone- ses que chegam á terra, depois de muita luta... Entretanto, parece que o rumo a ser trilhado pela agricul- tura camponesa pode e deve ser outro... Esta alternativa defensiva consistiria na recuperação da policultura como princípio oposto à lógica da especialização que o capital impõe ao campo camponês. A policultura baseada na produção da maioria dos produtos necessários a manutenção da família camponesa. De modo que ela diminua o máximo sua dependência externa. Ao mesmo tempo, os camponeses passa- riam a produzir vários produtos para o mercado, sobretudo aqueles de alto valor agregado, que garan- tiria a necessária entrada de recursos financeiros” (Oliveira, 1994, p. 49-50). Portanto, é preciso de uma organização de cooperativas nos assentamentos sustentada teori- camente em paradigmas que valorize a organização familiar dos assentados. Uma cooperativa edificada a partir das relações sociais que considere a importância da produção camponesa. É necessário observar que a crise vivida pelas cooperativas não é motivada exclusivamente por razões internas. As investidas do Estado contra esta forma de organização dos sem-terra che- gou a ponto de que se para combatê-la, é necessário inviabilizar os projetos de desenvolvimento dos assentamentos, como foi o caso do Projeto Lumiar de assistência técnica, então que o faça, pois o enfraquecimento das cooperativas se tornou elemento principal na política dos órgãos ofi- ciais de gestão dos assentamentos no fim da década de 1990. Somada às dificuldades colocadas pela ação direta do governo federal para desmantelar as cooperativas e projetos desenvolvidos nos assentamentos, acrescenta-se o modelo agrícola excludente adotado na modernização da agricultura, diminuição de subsídios agrícolas, abertura e liberalização do comércio com importação de produtos agrícolas, exposição da agricultura à vora- cidade da competição internacional, etc. A partir desta conjuntura nacional desfavorável, o MST/Concrab tem feito uma série de re- flexões sobre a organização da produção e cooperação nos assentamentos, resultando na criação em 2002 do Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente em substituição ao SCA. Se no período anterior houve uma valorização das lutas pelos créditos oficiais na formação das coopera- tivas, agora a preocupação volta-se mais para a organização interna, com cooperativas tendo mais O PROJETO DO MST DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL... 91 no processo de luta. O núcleo/grupo não é um espaço de produção agrícola apenas, mas espaço de socialização e construção política que oferece resistência à subordinação capitalista. Não é a pro- dução, mas a identidade política e social construída na trajetória de lutas dos assentados que forma a coesão nos núcleos e grupos de assentados que caracterizam o território camponês no espaço dos assentamentos. Assim, os camponeses assentados combinam variadas formas de relações, apresentando di- ferentes situações que não se esgotam numa fórmula única. Embora muitos grupos sejam forma- dos por famílias motivadas por um condicionante econômico (produção), são as relações sociais, políticas e ideológicas que forjam as ações coletivas. A formação de núcleos e grupos de assentados materializa concepções políticas e ideológicas com discussões de questões que atinge a sociedade toda. Os assentados não ficam passivos diante de decisões tomadas para atender os interesses dos dominantes. É neste agir coletivo centrado na esfera política que os assentados vão constituindo o seu território nos assentamentos. As informações trazidas e discutidas no interior dos núcleos e grupos permitem o assentado se contextualizar da conjuntura política, social e econômica a partir de uma análise elaborada pelos próprios trabalhadores. Não há somente repasse de informações, mas discussão de formas de participação e realização de lutas de resistência. Considerações finais No processo de construção do território, verifica-se que as cooperativas despontaram como forma de participação dos assentados enquanto sujeito político. Entretanto, é a partir da inclusão econômica e produtiva que as cooperativas representam, que o MST entende que os assentados vão se tornar sujeitos políticos. E ainda, é como se a participação política exigisse o desenvolvi- mento de forças produtivas para existir. Por outro lado, os assentados vão construindo formas de participação que não passam neces- sariamente pelo desenvolvimento da forças produtivas como condição para construção de sujeitos políticos. Uma construção que ocorre mais pelo desenvolvimento de forças sociais e populares do que pelo desenvolvimento das forças produtivas. É neste contexto de emergência de forças sociais que se expressa o conteúdo e natureza do território camponês nos assentamentos de sem-terra. Eis, pois, como os camponeses dos assentamentos se constroem como sujeitos políticos, verificados a partir da materialização de relações camponesas no espaço (território camponês). Um espaço marcado pelo descompasso entre o desenvolvimento das forças produtivas e as rela- ções sociais. Referências bibliográficas ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo: Hucitec, 1992. ALMEIDA, Rosemeire Aparecida. Migração e território sob o olhar do migrante. Três Lagoas: 2001. (digitado) AMIN, Samir; VERGOPOULOS, Kostas. A questão agrária e o capitalismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. BETTELHEIM, Charles. A luta de classes na União Soviética. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, v. 1 e 2. BOGO, Ademar. Resgatar os princípios organizativos. São Paulo: MST, 2001. JOÃO EDMILSON FABRINI 92 BRENNEISEN, Eliane Cardoso Relações de poder, dominação e resistência: a organização social e da produção em assentamentos rurais na Região Centro-Oeste do Paraná. São Paulo: PUC- SP, 2000. 287 p. (Tese de Doutorado em Ciências Sociais) CARVALHO, Horácio Martins. A interação social e as possibilidades de coesão e de identidade sociais no cotidiano da vida social dos trabalhadores rurais nas áreas oficiais de Reforma Agrária no Brasil. Curitiba: NEAD, 1999. ________. Comunidade de resistência e superação. Curitiba: 2002. (digitado) CHAYANOV, Alexander Von. La organización de la Unidad Económica Campesina. Buenos Aires: Nueva Visión, 1974. CONCRAB. Sistema cooperativista dos assentados. 2 ed. São Paulo: Concrab, 1998. (Cader- nos, n. 5) ________. Evolução da concepção de cooperação agrícola do MST (1989-1999). São Paulo: Concrab, 1999. ________. O que levar em conta para a organização do assentamento. São Paulo: Concrab, 2001. ENGELS, Frederich. O Problema Camponês na França e na Alemanha. In: SILVA, J. G.; STOLCKE, V. (orgs.). A questão agrária. São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 59-80. ESTERCI, Neide. Assentamentos rurais: um convite ao debate. In: ABRA (Associação Brasileira Reforma Agrária). Assentar, assentados e assentamentos – solução ou atenuante. Campinas: ABRA, 1992. p. 7-15 FERNANDES, Bernardo Mançano. MST – formação e territorialização. São Paulo: Hucitec, 1996. ________. Gênese e desenvolvimento do MST. São Paulo: MST, 1998. ________. Questão agrária, pesquisa e MST. São Paulo: Cortez, 2001. GRUPPI, Luciano. O pensamento de Lênin. Rio de Janeiro: Graal, 1979. KAUTSKI, Karl. A questão agrária. São Paulo: Nova Cultural, 1986. LEAL, Gleison Moreira. Os impactos sócio-territoriais dos assentamentos rurais no município de Teodoro Sampaio. Presidente Prudente: UNESP, 2002. 157 p. (Relatório de Qualificação de Mestrado) LINHART, Robert. Lênin, os camponeses e Taylor. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. ________. O desenvolvimento do capitalismo na Rússia. São Paulo: Abril Cultural, 1982. MALAGODI, Edgard. Marx e a questão agrária. In: ABRA (Associação Brasileira de Reforma Agrária). Campinas: n. 22. p. 59-85, 1993. MARTINS, José de Souza. Caminhada no chão da noite. São Paulo: Hucitec, 1989. ________. Os camponeses e a política no Brasil. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1990. ________. Henri Lefebvre e o retorno à dialética. São Paulo: Hucitec, 1996. ________. Reforma Agrária: o impossível diálogo. São Paulo: Edusp, 2000. MARX, Karl. Formações econômicas pré-capitalistas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. ________. O 18 de Brumário de Luis Bonaparte. São Paulo: Moraes, 1987. MORAES, Clodomir de. Elementos da sobre a teoria da organização no campo. São Paulo: MST, 1986. MST. A cooperação agrícola nos assentamentos. São Paulo: MST, 1993. ________. Normas Gerais. São Paulo: MST, 2001. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. Modo de produção capitalista e agricultura. São Paulo: Ática, 1986. ________. Agricultura camponesa no Brasil. São Paulo: Contexto, 1991. ________. Geografia e território: desenvolvimento e contradições na agricultura. In: ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, 12.º, [19--], Águas de São Pedro, SP. Mesas Re- dondas... Rio Claro: IGCE, 1994. p. 24-51. O PROJETO DO MST DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL... 93 PAULINO, Eliane Tomiasi. Geografia, movimentos sociais e natureza. Caderno Prudentino de Geografia, Presidente Prudente, n. 19/20, p. 5-25, out. 1997. (Tema: A questão agrária e o campesinato: um retorno aos clássicos) RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. Ática: São Paulo, 1993. THOMAZ JR., Antonio; RIBAS. Alexandre Domingues. O cooperativismo no raio de atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Presidente Prudente: 2000. (digitado) ZIMMERMANN, Neuza. Os desafios da organização interna de um assentamento rural. In: MEDEIROS. L. et al. (orgs.). Assentamentos rurais – uma visão multidisciplinar. São Paulo: Unesp, 1994. p. 205-224. MARTA INEZ MEDEIROS MARQUES 96 Apresentação Este ensaio analisa o espaço rural e seu significado à luz da relação cidade-campo, pois, conforme se verá a seguir, estes dois espaços não podem ser compreendidos separadamente. O espaço rural tem passado recentemente por um conjunto de mudanças com significativo impacto sobre suas funções e conteúdo social, o que tem levado ao surgimento de uma série de estudos e pesquisas sobre o tema em vários países, sobretudo nos países desenvolvidos, onde esse processo apresenta maior importância. No caso do Brasil, o despertar para esta problemática tem se dado principalmente entre os estudiosos comprometidos com a discussão de uma nova estratégia de desenvolvimento rural para o país, ou seja, a partir de uma perspectiva instrumentalista. Para estes, a superação da extrema desigualdade social que marca a sociedade brasileira passa obrigatoriamente pela definição de políticas de valorização do campo. O projeto de desenvolvimento rural adotado ao longo de décadas no país tem como principal objetivo a expansão e consolidação do agronegócio, tendo alcançado resultados positivos sobretu- do em relação ao aumento da produtividade e à geração de divisas para o país via exportação. No entanto, esta opção tem implicado custos sociais e ambientais crescentes. O avanço dos movimentos sociais no campo e a intensificação de suas lutas, têm tornado cada vez mais evidente a necessidade de se elaborar uma estratégia de desenvolvimento para o campo que priorize as oportunidades de desenvolvimento social e não se restrinja a uma perspec- tiva estritamente econômica e setorial. Além disso, nos principais centros urbanos do país vive-se uma situação de crise, marcada por um forte aumento da violência e do desemprego, além das péssimas condições de saúde, Resúmen El objetivo de este ensayo es contribuir para el debate actual acerca de los cambios en el campo y de la necesidad de reflexionar sobre el concepto de ambiente rural y suyas posibilidades de desarrollo. En la primera parte, el concepto de ambiente rural utilizado en Brasil es presentado y analisado en conjunto con las teorías acerca del rural y del ambiente urbano concebidas por la sociología y por la geografía. En seguida, los significados del ambiente rural en la historia de la sociedad occidental son analisados a la luz de la relación ciudad-campo basados en ideas de Marx, Lefébvre e Williams. De acuerd com una perspec- tiva dialéctica, estos dos ambientes no pueden ser comprendidos separadamente. Palabras clave Ambiente rural – Relación ciudad campo – Ruralidad – Desarallo rural. Abstract This paper intends to contribute to the current debate on the changes verified in the countryside and the necessity of rethinking the concept of rural space and its alternatives of development. The first part presents and critically discuss the concept of rural space adopted by the Brazilian legislation and the theories about the rural and the urban as elaborated by sociologists and geographers. The text analyses the meanings of rural space in different phases of the western society vis-à-vis the country-city relations, based on Marx, Lefébvre and Williams ideas. Theses two spaces are aprehended as parts of a dialect totality, that is, a totality which unity results from diversity. Keywords Rural space – Country-city relations – Rurality – Rural development. O CONCEITO DE ESPAÇO RURAL EM QUESTÃO 97 educação e habitação enfrentadas por grande parte de seus moradores. O intenso processo de êxodo rural verificado na segunda metade do século XX, responsável pelo alto grau de urbaniza- ção alcançado por nossa população, encontra-se hoje em fase de desaceleração, tornando-se cada vez mais significativa a migração entre pequenos municípios rurais e o movimento cidade-campo. Apesar de o Brasil ser um país de população predominantemente urbana, com apenas cerca de 20% de sua população residindo em áreas rurais, segundo dados do Censo do IBGE de 2000, grande parte de nosso vasto território permanece rural e apresenta forte potencial agrícola. A pobreza é proporcionalmente muito maior no campo do que na cidade, atingindo 39% da população rural em 1990 (IPEA, 1996). É também neste espaço onde são identificados os menores índices de escolaridade e as maiores taxas de analfabetismo do país. A agricultura concentra hoje os mais baixos níveis de renda média. Porém, em contraste com esta situação e demonstrando didaticamente a importância e pertinência de uma distribuição de terras mais justa para se alcançar o desenvolvimento social e econômico do campo, podemos citar o exemplo de alguns municípios do sul do país, onde a produção camponesa tem peso significativo e são observados boa parte de nossos maiores índices de desenvolvimento humano (IPEA, 1996). Como é o caso dos municípios de: Feliz, Paraí, Nova Prata e Salvador do Sul no Rio Grande do Sul e de Indaial, Gaspar, Videira e Timbó em Santa Catarina (Veiga, 2002, p. 121). A grande diversidade social de nosso campo se associa à sua diversidade natural, o que se reflete na complexidade de sua problemática social e ambiental, ao mesmo tempo em que repre- senta um imenso potencial para o seu desenvolvimento. Para se poder avaliar melhor a tal potencialidade, é preciso compreender o(s) significado(s) que apresenta o espaço rural. O texto se inicia com algumas considerações a respeito de definições sobre os espaços rural e urbano elaboradas no âmbito das ciências sociais bem como por instituições oficiais. Em seguida é analisada a relação cidade-campo com base em idéias desenvolvidas por Marx, Lefébvre e Williams na busca de compreender o significado da ruralidade em diferentes fases de sociedade moderna capitalista. Nas considerações finais, trata-se de forma sucinta do campo no Brasil e do princípio que deve nortear uma proposta de estratégia para o seu desenvolvimento. A nossa definição oficial de espaço urbano e rural No Brasil, adota-se o critério político-administrativo e considera-se urbana toda sede de município (cidade) e de distrito (vila). Segundo o IBGE, é considerada área urbanizada toda área de vila ou de cidade, legalmente definida como urbana e caracterizada por construções, arruamentos e intensa ocupação humana; as áreas afetadas por transformações decorrentes do desenvolvimento urbano, e aquelas reservadas à expansão urbana (1999). Conforme salienta Grabois (2001), não é feita qualquer referência às funções peculiares dos diferentes aglomerados que constituem um fator fundamental na diferenciação entre o espaço rural e o espaço urbano. Nessa classificação, o espaço rural corresponde a aquilo que não é urbano, sendo definido a partir de carências e não de suas próprias características. Além disso, o rural, assim como o urba- no, é definido pelo arbítrio dos poderes municipais, o que, muitas vezes, é influenciado por seus interesses fiscais. Veiga (2002) chama atenção para o fato de que este critério leva a classificar como área urbana sedes de municípios muito pequenas, algumas com população inferior a 2.000 habitantes, o que seria ainda pior no caso de algumas sedes distritais. Tal distorção nos levaria a denominar de cidade o que na realidade seriam aldeias, povoados e vilas, resultando numa superestimação de MARTA INEZ MEDEIROS MARQUES 98 nosso grau de urbanização. O autor ainda qualifica como “anacrônica e aberrante” a fronteira inframunicipal entre o rural e o urbano estabelecida por esta classificação (Veiga, 2002, p. 112). Ele sugere o uso combinado de três critérios para evitar a ilusão imposta pela atual norma legal, a saber: o tamanho populacional do município, sua densidade demográfica e sua localiza- ção. Segundo ele, “não há habitantes mais urbanos do que os residentes nas 12 aglomerações metropolitanas, nas 37 demais aglomerações e nos outros 77 centros urbanos” identificados no estudo Caracterização e tendências de Rede Urbana do Brasil de 1999. Nessa teia urbana estaria o Brasil “inequivocamente urbano”, que corresponde a 57% de nossa população. Para ele, a densidade demográfica constitui um critério muito importante para permitir a diferenciação entre urbano e rural do restante dos municípios que se encontram fora dessa teia. Pois, é o indicador que melhor expressa a “pressão antrópica” e reflete as modificações do meio natural ou o grau de artificialização dos ecossistemas que resultam de atividades humanas, sendo o que de fato indicaria o grau de urbanização dos territórios. Assim, com base na combinação da densidade demográfica e do tamanho populacional o autor considera de pequeno porte os municípios que apresentam simultaneamente menos de 50 mil habitantes e menos de 80 hab/km² e conclui que 90% do território brasileiro, 80% de seus municípios e 30% de sua população são essencialmente rurais. Os 13% restantes da população caberiam numa categoria intermediária, que pode ser denominada como “rurbana” (idem, p. 33- 35). Segundo Veiga, o rural é necessariamente territorial e não setorial como costumam conside- rar muitos programas governamentais. As relações urbano/rural não mais corresponderiam à “an- tiquada dicotomia” entre cidade e campo, tendo esta sido substituída por uma geometria variável na qual passaram a ser cada vez mais cruciais as aglomerações e as microrregiões. Assim, é preci- so considerar a relação entre espaços mais urbanizados e espaços onde os ecossistemas permane- cem menos artificializados, ou seja, espaços rurais, para a definição de uma estratégia realista de desenvolvimento baseada numa articulação horizontal de intervenções (idem, p. 37-38 e 49). Afirma o autor, que se tornou claro para os analistas o fato de que as possibilidades de desenvolvimento de qualquer comunidade rural dependem dos laços que ela mantém com centros urbanos, particularmente com as cidades de sua própria região (idem, p. 97). Esta constatação teria levado a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a, considerando como unidade de base rural toda unidade administrativa ou estatística elementar com densidade inferior a 150 hab./km², classificar a partir de 1994 as regiões de seus países membros em três categorias. A unidade de base rural pode apresentar um núcleo urbano com densidade demográfica superior a 150 hab./km², desde que o resultado geral, computando-se a área de entorno, não ultrapasse este patamar (Abramovay, 2000). As categorias definidas são as seguintes: • essencialmente rurais: são aquelas em que mais de 50% da população regional habitam em unidades de base rurais; • relativamente rurais: são aquelas em que entre 15% e 50% da população regional habitam em unidades de base rurais; e • essencialmente urbanizadas: são aquelas em que menos de 15% da população regional habitam em unidades de base rurais. Veiga (2002, p. 33) parece se inspirar de certa forma nesta classificação ao propor a divisão do território brasileiro em inequivocamente urbano, essencialmente rural e em condições interme- diárias. Segundo ele, as relações cidade-campo teriam mudado radicalmente na segunda metade do século XX, sem contudo reduzir o contraste entre estes espaços.
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved