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Melhoria da Sobrevivência Infantil e Cuidados Básicos de Saúde para Crianças, Notas de estudo de Enfermagem

Um relatório sobre a situação da sobrevivência infantil e dos cuidados básicos de saúde para crianças, com ênfase nas tendências em mortalidade infantil. O relatório analisa abordagens promissoras, como parcerias na comunidade, estruturas de cuidados continuados e o fortalecimento do sistema de saúde, para alcançar mães, recém-nascidos e crianças que atualmente não têm acesso a intervenções essenciais. Além disso, é possível alcançar rapidamente melhorias dramáticas nas taxas de mortalidade infantil e nas condições de saúde das crianças.

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 08/11/2010

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4.5

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Baixe Melhoria da Sobrevivência Infantil e Cuidados Básicos de Saúde para Crianças e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! SITUAÇÃO MUNDIAL DA INFÂNCIA 2008 Sobrevivência Infantil iii Prólogo Em 2006, pela primeira vez na história recente, o número total de mortes anuais de crianças menores de 5 anos caiu abaixo de 10 milhões – ficou em 9,7 milhões. Esse número representa uma queda de 60% na taxa de mortalidade infantil desde 1960. No entanto, não há espaço para complacência. A perda de 9,7 milhões de vidas a cada ano é inadmissível, especialmente quando se considera que muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas. E apesar dos progressos, o mundo ainda não está em condições de alcançar a meta dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio que determina uma redução de dois terços na taxa de mortalidade infantil até 2015. Os dados compilados pelo Grupo Inter-Agências para Estimativas sobre Mortalidade Infantil revelam que houve progressos em todas as regiões do mundo. Desde 1990, a taxa de mortalidade de menores de 5 anos da China caiu de 45 mortes por mil nascidos vivos para 24 por mil – uma redução de 47%. A taxa de mortalidade de menores de 5 anos da Índia teve uma queda de 34%. As taxas de seis países – Bangladesh, Butão, Bolívia, Eritréia, Laos e Nepal – tiveram reduções de 50%, ou mais, desde 1990, embora suas taxas de mortalidade de menores de 5 anos continuem elevadas. E a Etiópia alcançou uma redução de cerca de 40% desde 1990. Dos 62 países que não realizaram progressos ou cujos progressos foram insuficientes para alcançar o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio relacionado à sobrevivência infantil, cerca de 75% estão na África. Em alguns países da região meridional da África, a prevalência de HIV e aids reverteu quedas registradas anteriormente nas taxas de mortalidade infantil. Nesses países, o cumprimento do objetivo exigirá uma combinação de esforços. A disseminação de intervenções básicas de saúde – que incluem aleitamento materno imediato e exclusivo, imunização, suplementação de vitamina A e utilização de mosquiteiro tratado com inseticida para prevenção da malária – são ações essenciais para a expansão dos progressos, não só na África ao sul do Saara, mas em todas as outras regiões. Outras ações são necessárias para ampliar o acesso a tratamentos e meios de prevenção para controlar o impacto devastador de condições como pneumonia, diarréia, malária, desnutrição aguda grave e HIV. Sabemos que é possível salvar vidas quando as crianças têm acesso a serviços de saúde baseados na comunidade, com a retaguarda de um sistema bem estruturado de instituições de referência. É preciso direcionar as ações para intervenções básicas no nível da comunidade, como parte dos esforços integrados para apoiar o estabelecimento de sistemas nacionais de saúde mais fortes. E principalmente, é preciso dar atenção às necessidades especiais das mulheres, das mães e das crianças recém-nascidas. A convite da União Africana, a Organização Mundial da Saúde, o Banco Mundial e o UNICEF desenvolveram em conjunto uma estrutura para ajudar os países africanos a alcançar o ODM relacionado à sobrevivência infantil. Essa estrutura é analisada em detalhe no relatório Situação Mundial da Infância deste ano. O novo momentum voltado para a saúde global é uma fonte de esperança. Existe grande interesse por parte dos setores público e privado, e parcerias inovadoras vêm sendo estabelecidas e fortalecidas à medida que nos empenhamos coletivamente para capitalizar sobre esse momentum. Parcerias são recursos altamente promissores para acelerar os progressos em direção aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. O UNICEF está trabalhando em estreita cooperação com parceiros do sistema da ONU e com governos, organizações regionais e não-governamentais, fundações e o setor privado, para coordenar atividades e reunir expertise e conhecimento. Nosso desafio agora é agir com um sentimento coletivo de urgência, para expandir ações que já levaram a resultados positivos. Ann M. Veneman Diretora Executiva Fundo das Nações Unidas para a Infância © U N IC E F/ H Q 07 -1 60 8/ G eo rg in a C ra ns to n iv 1 Sobrevivência infantil: em que ponto estamos Resumo ......................................................................................vi Destaques A taxa de mortalidade de menores de 5 anos: a medida indispensável da saúde infantil ....................................2 Causas subjacentes e estruturais de mortalidade materna e infantil............................................................................3 Sobrevivência de recém-nascidos ................................................4 Principais causas associadas às mortes infantis ........................8 Pneumonia: o matador de crianças que ficou no esquecimento ..10 Cuidados de saúde continuados para mães, recém-nascidos e crianças, através do tempo e em todos os lugares ..............17 Saúde infantil em emergências complexas ..............................18 Aumentando o poder da mulher para melhorar as condições de saúde materna, de recém-nascidos e de crianças ..............20 Registro de nascimento: um passo importante em direção ao acesso a serviços essenciais ..................................................22 Sobrevivência infantil em situações pós-conflito: desafios e triunfos na Libéria, Por Ellen Johnson-Sirleaf, Presidente da Libéria ........24 Figuras 1.1 Os benefícios de alcançar o quarto Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM 4) e os custos de não o alcançar ....................................................................2 1.2 Taxas globais de mortalidade neonatal, 2000......................4 1.3 Intervenções simples, de alto impacto, para salvar a vida de recém-nascidos, por meio de cuidados de saúde contínuos para a mãe e a criança ........................................5 1.4 A taxa global de mortalidade na infância diminuiu em quase 25% entre 1990 e 2006 ........................................6 1.5 O número de menores de 5 anos que morreram em 2006 ficou pouco abaixo de 10 milhões ........................6 1.6 Os progressos globais na redução da mortalidade na infância não são suficientes para alcançar o ODM 4 ..........7 1.7 Quase um terço dos 50 países menos desenvolvidos conseguiu reduzir suas taxas de mortalidade de menores de 5 anos em 40%, ou mais, desde 1990 ............................8 1.8 Distribuição global de mortalidade por causa específica entre crianças menores de 5 anos de idade ........................8 1.9 Saúde e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio......9 1.10 Mais de 50% das crianças menores de 5 anos com suspeita de pneumonia são levadas a um provedor de cuidados de saúde adequado ........................................10 1.11 Ásia Meridional registra o nível mais elevado de desnutrição entre as regiões ..............................................11 1.12 A probabilidade de morte materna é muito mais elevada nos países em desenvolvimento do que nos países industrializados ....................................................................12 1.13 Na Ásia Meridional e na África ao sul do Saara, baixos níveis de cuidados maternos contribuem para altas taxas de morte materna ......................................................12 1.14 A África ao sul do Saara responde por quase 90% das infecções pediátricas por HIV ......................................13 1.15 Aproximadamente 80% do mundo em desenvolvimento tem acesso a água limpa proveniente de fontes de boa qualidade ......................................................................14 1.16 Apenas 50% da população no mundo em desenvolvimento tem acesso a condições adequadas de saneamento .......14 1.17 Sobrevivência infantil: os 60 países prioritários na Contagem Regressiva para 2015 ..................................16 1.18 Associando cuidados por meio de cuidados de saúde contínuos para a mãe, o recém-nascido e a criança ........17 1.19 Associação de cuidados entre família e centros de saúde para reduzir o número de mortes de mães, recém-nascidos e crianças ..................................................17 1.20 Os níveis de registro de nascimento são baixos na Ásia Meridional e na África ao sul do Saara ....................22 2 Lições aprendidas a partir de sistemas e práticas de cuidados de saúde em evolução Resumo ......................................................................................26 Destaques A Iniciativa do Sarampo ..............................................................28 Dias nacionais de imunização e dias de saúde infantil ............32 Financiando a área da saúde: Programas com enfoque setorial amplo e iniciativa em favor dos Países Pobres Altamente Endividados ..................................................................................33 Gestão Integrada de Doenças Neonatais e Infantis na Índia....35 A Iniciativa de Bamako ................................................................36 Abordagens diagonais: o caminho mexicano ..........................38 Programa Sobrevivência e Desenvolvimento Infantil Acelerado na África Ocidental ......................................................................40 HIV e aids na África e seu impacto sobre mulheres e crianças ......................................................................................42 Parceria pela Saúde Materna, Neonatal & Infantil ....................43 Figuras 2.1 A carga global das mortes causadas pelo sarampo ........29 2.2 Cuidados de saúde primários seletivos e tendências nas taxas de imunização desde 1980 ................................35 2.3 Gidi (Gestão Integrada de Doenças Infantis) em centros de saúde para pacientes não internados, centros de referenciamento de pronto atendimento e em casa, para crianças doentes a partir de 2 meses até 5 anos de idade ..37 2.4 Estrutura conceitual para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio relativos à saúde ................39 Agradecimentos ............................................................................ii Prólogo Ann M. Veneman Diretora Executiva, UNICEF ....................................................iii ÍNDICE v 3 Parcerias comunitárias em cuidados básicos de saúde para mães, recém-nascidos e crianças Resumo ......................................................................................44 Destaques Práticas básicas para intervenções de cuidados de saúde baseados na comunidade ............................................................47 Aspectos e desafios comuns das parcerias nas comunidades em relação a saúde e nutrição ....................................................48 Índia: reduzindo a subnutrição por meio de parcerias com a comunidade ......................................................................50 África Oriental e Meridional: Prevenção da transmissão de HIV da mãe para a criança: impacto de programas de mães para mães ......................................................................52 Etiópia: Liderança leva mudanças para mães e crianças ........54 Foco em Moçambique: Reduzir a mortalidade de menores de 5 anos por meio de programas baseados na comunidade ..59 Parcerias com a comunidade para sistemas de água e saneamento nas escolas ..............................................................60 Figura 3.1 Prevalência de retardo de crescimento por idade (meses) ..51 4 Fortalecendo parcerias com comunidades, cuidados continuados e sistemas de saúde Resumo ......................................................................................62 Destaques Expansão: Nutrição adequada para mães, recém-nascidos e crianças ......................................................................................66 ‘Elaboração de Orçamento Paralelo para Gargalos’ ................70 Expansão: Água limpa, condições adequadas de saneamento e melhores práticas de higiene ............................74 África: Necessidade urgente de enfrentar a crise de agentes de saúde ........................................................................76 África ao sul do Saara: Estudo de caso de investimento para a sobrevivência infantil e outros Objetivos de Desenvolvimento do Milênio relativos à saúde ......................................................78 Foco em Botsuana: Expandindo a prevenção e o tratamento de HIV por meio de parcerias com as comunidades ................81 Fortalecendo responsabilização e governança no provimento de serviços de saúde....................................................................83 Ruanda: Financiamento baseado em desempenho ..................84 Foco em Brasil: Criando uma rede nacional de sistemas de saúde baseados na comunidade ..........................................86 Uma nova forma de trabalho conjunto para instituições multilaterais ..................................................................................88 Direitos humanos, cuidados de saúde baseados na comunidade e sobrevivência infantil por Paul Farmer e Jim Yong Kim ............................................................................90 Figuras 4.1 Estrutura conceitual para expansão dos cuidados básicos de saúde nos países em desenvolvimento ........................64 4.2 Formas de enfrentar os gargalos no provimento de serviços de saúde ................................................................69 4.3 Impacto estimado e custo de pacotes mínimo, ampliado e máximo para a Estrutura Estratégica para África ............................................................................78 4.4 Fontes de financiamento 2007-2015 ..................................79 4.5 Brasil: Grandes disparidades nas taxas de mortalidade de bebês entre e dentro de regiões selecionadas, por renda familiar e por etnia da mãe, 2002 ............................87 5 Unindo forças pela sobrevivência da criança Resumo ......................................................................................94 Destaques Fortalecendo a coleta e o acompanhamento de dados para decisões na área da saúde pública ..........................................100 O outro lado do tapete: unindo forças em favor da sobrevivência e da saúde da mãe, do recém-nascido e da criança ................................................................................102 Figura 5.1 Fluxos financeiros selecionados para países em desenvolvimento............................................................99 Referências ............................................................................104 Tabelas Estatísticas ................................................109 Classificação por mortalidade de menores de 5 anos ........113 Tabela 1: Indicadores Básicos................................................114 Tabela 2: Nutrição ..................................................................118 Tabela 3: Saúde ......................................................................122 Tabela 4: HIV/aids ....................................................................126 Tabela 5: Educação ................................................................130 Tabela 6: Indicadores demográficos ......................................134 Tabela 7: Indicadores econômicos........................................138 Tabela 8: Mulheres..................................................................142 Tabela 9: Proteção à criança ..................................................146 Tabela 10: Taxas de progresso ..............................................150 Siglas ..........................................................................................154 SITUAÇÃO MUNDIAL DA INFÂNCIA 2008 Sobrevivência infantil profissionais a sindicatos de trabalhadores – a aderir ao movimento pela sobrevivência e pelo desenvolvimento da criança. Em vez de enfrentar uma empreitada solitária, como tantas vezes fez durante a década de 1980, o UNICEF hoje defende a sobrevivência infantil como parte de um grande conjunto de preocupações. Atualmente, as parcerias desenvolvidas ao longo das duas últimas décadas mostram-se fundamentais para o enfrentamento de problemas que demandam mudanças sistêmicas e socioculturais mais complexas do que haviam imaginado os arquitetos da revolução pela sobrevivência infantil. O relatório Situação Mundial da Infância 2008 descreve os resultados produzidos por essas parcerias, assim como pelas experiências empreendidas e pelas abordagens à sobrevivência e à saúde da criança ao longo de décadas recentes. 2 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 A taxa de mortalidade de menores de 5 anos, comumente conhecida por sua sigla – TMM5 – ou simplesmente como a taxa de mortalidade na infância, indica a probabilidade de morrer entre o nascimento e precisamente os 5 anos de idade, expressa por mil crianças nascidas vivas, quando sujeitas às taxas de mortalidade correntes. Apresenta inúmeras vantagens como barômetro do bem-estar da criança, de maneira geral, e da saúde da criança, em particular. Em primeiro lugar, mede um ‘produto’ do processo de desenvolvimento, e não um ‘fator de contribuição’, tal como a disponibilidade de calorias per capita ou o número de médicos por mil habitantes, que representam meios para atingir determinado fim. Em segundo lugar, é sabido que a TMM5 é o resultado de uma ampla variedade de fatores de contribuição, entre os quais: status nutricional das mães e seus conhecimentos sobre condições de saúde; nível de imunização e terapia de reidratação oral; disponibilidade de serviços de saúde para a criança e a mãe (inclusive cuidados pré-natais); disponibilidade de renda e de alimentos na família; disponibilidade de água limpa para beber e de instalações de saneamento básico; e, de maneira geral, segurança do ambiente em que a criança vive. Em terceiro lugar, a TMM5 é menos suscetível à falácia da média do que, por exemplo, a renda nacional bruta per capita (RNB per capita). Isso se justifica porque a escala natural não permite que crianças de famílias ricas tenham uma probabilidade de sobreviver mil vezes maior do que crianças de famílias pobres, embora a escala elaborada pelos homens permita que a renda de famílias ricas seja mil vezes maior do que a de famílias pobres. Em outras palavras, é muito mais difícil que uma minoria abastada afete a TMM5 de uma nação e, portanto, esse indicador oferece um quadro mais preciso, embora imperfeito, do status de saúde da maioria das crianças (e da sociedade como um todo). Ver Referências, página 104. A taxa de mortalidade de menores de 5 anos: a medida indispensável da saúde infantil Os benefícios de alcançar o quarto Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM 4) e os custos de não o alcançar * Número adicional de mortes de crianças menores de 5 anos de idade que poderão ocorrer em 2015 caso persistam as atuais taxas anuais de redução da taxa de mortalidade de menores de 5 anos. ** Número de mortes de crianças menores de 5 anos de idade que serão evitadas apenas em 2015, em comparação com o número de mortes ocorridas em 2006, caso seja alcançado o ODM 4 (redução em dois terços na taxa de mortalidade de menores de 5 anos observada em 1990). Fonte: Estimativas do UNICEF baseadas em dados apresentados nas Tabelas Estatísticas 1 e 10, p. 114 e 150 deste relatório. Figura 1.1 O relatório começa pela análise da situação da sobrevivência infantil e dos cuidados básicos de saúde para a criança, com ênfase acentuada nas tendências em mortalidade infantil. A seguir, avalia as lições extraídas dos fracassos e sucessos dos esforços pela sobrevivência infantil empreendidos ao longo do século passado. O aspecto central do relatório é a análise de muitas das abordagens mais promissoras – parcerias na comunidade, a estrutura de cuidados continuados e o fortalecimento do sistema de saúde na busca por resultados – para alcançar mães, recém-nascidos e crianças que atualmente não têm acesso a intervenções essenciais. Destacando exemplos de países e distritos nos quais essas iniciativas tiveram sucesso, e explorando os principais desafios que se colocam à sua expansão, este relatório oferece maneiras práticas para partilhar energias que podem desencadear progressos. Por que a sobrevivência infantil é importante O investimento na saúde de crianças pequenas é uma atitude sensata por diversas razões que extrapolam a dor e o sofrimento causados pela morte de até mesmo uma única criança. Privar bebês e crianças pequenas de cuidados básicos de saúde e negar-lhes os nutrientes necessários para que cresçam e se desenvolvam significa condená-las a uma vida de fracassos. No entanto, crianças bem nutridas, que recebem cuidados e vivem em ambientes seguros e estimulantes têm maior probabilidade de sobreviver, de contrair doenças com menor freqüência, e de desenvolver habilidades emocionais, sociais, de raciocínio e de linguagem. Quando ingressam na escola, têm maior probabilidade de ter sucesso. E mais tarde, ao longo da vida, têm maior probabilidade de se tornar membros criativos e produtivos da sociedade. Investir na criança também é uma atitude sensata sob uma perspectiva econômica. Segundo o Banco Mundial, a imunização e a suplementação de vitamina A são duas das intervenções em saúde pública com melhor relação custo-benefício disponíveis atualmente. A melhoria do status de vitamina A pode fortalecer a resistência da criança a doenças e reduzir a probabilidade de morte infantil.2 Por um custo baixo, a criança pode ser protegida contra a deficiência de vitamina A e contra diversas doenças que podem levar à morte, entre as quais difteria, coqueluche, tétano, pólio, sarampo, tuberculose infantil, hepatite B e Hib (Haemophilus influenzae tipo B), que é uma causa importante de pneumonia e meningite.3 O fornecimento de cotrimoxazol – um antibiótico de baixo custo – para crianças HIV positivo reduz drasticamente a mortalidade causada por infecções oportunistas. Melhorias nas condições de saúde e sobrevivência da criança também podem promover uma dinâmica populacional mais equilibrada. S O B R E V I V Ê N C I A I N F A N T I L : E M Q U E P O N T O E S T A M O S 3 A morte e a desnutrição de mães, recém-nascidos e crianças menores de 5 anos de idade têm em comum diversas causas estruturais e subjacentes, entre as quais: • Serviços de saúde e nutrição carentes de recursos, ineficazes e culturalmente inadequados. • Insegurança alimentar. • Práticas alimentares inadequadas. • Falta de higiene e de acesso a água limpa ou a condições de saneamento adequadas. • Analfabetismo da mulher. • Gravidez precoce. Discriminação e exclusão de mães e crianças do acesso a serviços e instalações essenciais nas áreas de saúde e nutrição, devido à pobreza e à marginalização geográfica ou política. Esses fatores resultam em milhões de mortes desnecessárias a cada ano. Devido à sua natureza abrangente e à inter-relação existente entre eles, tais fatores devem ser enfrentados em diversas instâncias – na comunidade, na família, nas instituições prestadoras de serviços, nos órgãos governamentais e em nível internacional – de maneira integrada, de modo a maximizar eficácia e alcance. As soluções para esses impedimentos são bastante conhecidas, especialmente as que se referem às causas diretas de mortes maternas, de recém-nascidos e de crianças. As intervenções necessárias envolvem o provimento de pacotes de serviços essenciais de cuidados básicos de saúde para as crianças, por meio de cuidados continuados que cubram gravidez, parto e pós-parto, seguidos pela prestação de cuidados para as crianças em seus primeiros anos de vida, que são cruciais (ver uma definição completa de cuidados continuados no Destaque, página 17). Ver Referências, página 104. Causas subjacentes e estruturais de mortalidade materna e infantil 4 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 Até a segunda metade da década de 1990, as estimativas do número de mortes infantis ocorridas durante o período neonatal (primeiro mês de vida) eram extraídas de dados históricos precários, e não de pesquisas específicas. Estimativas mais rigorosas para mortes de recém-nascidos surgiram em 1995 e 2000, à medida que dados levantados por meio de pesquisas domiciliares confiáveis tornaram-se disponíveis. A análise desses dados mostrou com clareza que as estimativas anteriores haviam subestimado gravemente a escala do problema. Embora a taxa global de mortalidade neonatal tenha registrado uma ligeira redução desde 1980, as mortes neonatais tornaram-se proporcionalmente muito mais significativas, uma vez que sua redução ocorreu em ritmo mais lento do que a mortalidade de menores de 5 anos: entre 1980 e 2000, as mortes no primeiro mês de vida tiveram uma redução de 25%, ao passo que as mortes entre 1 mês e os 5 anos de idade caíram em cerca de 33%. A evidência mais recente é que quatro milhões de bebês morrem a cada ano em seu primeiro mês de vida, e cerca de 50% dessas mortes ocorrem nas primeiras 24 horas de vida – a probabilidade de uma criança morrer no primeiro dia de vida é 500 vezes maior do que após um mês de vida. A mortalidade neonatal responde por quase 40% de todas as mortes de menores de 5 anos, e por cerca de 60% das mortes de bebês (menores de 1 ano). O número absoluto mais expressivo de mortes de recém-nascidos é registrado na Ásia Meridional, sendo que a Índia contribui com 25% do total mundial. No entanto, as taxas mais altas de mortalidade neonatal são registradas na África ao sul do Saara. Um fator comum nessas mortes é a saúde da mãe – a cada ano, mais de 500 mil mulheres morrem no momento do parto ou em decorrência de complicações durante a gravidez; e bebês cujas mães morreram no momento do parto têm uma probabilidade muito maior de morrer em seu primeiro ano de vida do que aqueles cujas mães permanecem vivas. Mesmo esses números subestimam a dimensão da escala dos problemas que afetam a saúde da criança durante o período neonatal. Por exemplo, chega a mais de um milhão o número de crianças que sobrevivem a cada ano à asfixia de parto, que deixa como seqüelas problemas como paralisia cerebral, dificuldades de aprendizagem e outras deficiências. Para cada recém-nascido que morre, outros 20 sofrem devido a lesões no parto, complicações causadas por parto prematuro ou outras condições neonatais. Avanços significativos no início do período neonatal dependerão de intervenções essenciais para a mãe e o bebê, que devem ser implementadas antes, durante e imediatamente após o parto. De acordo com as estimativas mais recentes referentes ao período entre 2000 e 2006, nos países em desenvolvimento, atualmente 25% das gestantes não recebem uma única visita sequer de profissionais capacitados na área da saúde – médicos, enfermeiros, parteiros; apenas 59% dos partos são realizados com a assistência de atendentes capacitados; e apenas pouco mais de 50% deles são realizados em instalações adequadas para o atendimento de saúde. Evitar as mortes neonatais é uma condição fundamental para a redução da mortalidade infantil. A Série Sobrevivência Neonatal (Neonatal Survival Series), do The Lancet, publicada em 2005, estimou em algo entre três milhões e quatro milhões o número de mortes que poderiam ser evitadas a cada ano se fosse atingida uma alta cobertura (90%) de um pacote de intervenções testadas, com alta relação custo- benefício. Esses procedimentos seriam implementados por meio de expansão do atendimento, de famílias e comunidades, e de cuidados clínicos oferecidos em instalações médicas, por meio de atendimento neonatal continuado – pré-natal, no momento do parto e no período pós-parto. Embora a ampliação de cuidados especializados seja uma medida essencial, a Série Sobrevivência Neonatal enfatiza a importância de soluções intermediárias que podem salvar a vida de 40% dos recém-nascidos em contextos comunitárias. É igualmente crucial a expansão de programas que evitem a transmissão do HIV da mãe para o bebê. As ações necessárias para salvar recém-nascidos incluem o estabelecimento de planos em nível nacional, baseados em evidências e orientados para resultados, com estratégias especiais que possam alcançar as populações mais pobres, oferecendo maior volume de recursos, com metas estabelecidas de comum acordo para a redução da mortalidade neonatal, e com a promoção de maior harmonização e responsabilização por parte dos interessados em nível internacional. Sobrevivência de recém-nascidos Figura 1.2 Taxas globais de mortalidade neonatal, 2000 Fonte: Organização Mundial da Saúde, utilizando sistemas de registro de nascimento e pesquisas domiciliares. Dados nacionais e regionais para taxas de mortalidade neonatal em 2000 são apresentados na Tabela Estatística 1, p. 114 deste relatório. Outras regiões ainda estão muito atrás. No Oriente Médio e Norte da África, houve progressos consistentes na redução das taxas, porém em 2006 essa região ainda registrou taxa de mortalidade de 46 por mil nascidos vivos – o que significa que, para cada 22 crianças, uma morre antes de completar 5 anos de idade. A Ásia Meridional também vem avançando, embora ainda registre o segundo maior número de mortes de crianças menores de 5 anos, o que equivale a 32% da taxa global total. Nessa região, em 1990, uma em cada oito crianças morria antes de completar 5 anos de idade; em 2006, essa proporção caiu para uma em cada 12 crianças. A África ao sul do Saara continua sendo a área geográfica mais problemática. Além de ter a taxa de mortalidade infantil mais alta – em média, uma em cada seis crianças morre antes de completar 5 anos de idade –, a região, como um todo, registrou os progressos mais incipientes desde 1990, conseguindo uma redução na taxa de mortalidade infantil de apenas 14% entre 1990 e 2006. Diversos países da região ainda registram aumentos nas taxas de mortalidade de menores de 5 anos. Em 2006, 49% de todas as mortes de crianças menores de 5 anos ocorreram na África ao sul do Saara, embora essa região registre apenas 22% dos nascimentos de todo o mundo. Sobrevivência infantil e Objetivos de Desenvolvimento do Milênio Em 50% das regiões do mundo, os progressos em direção ao ODM 4 são insuficientes Embora, de maneira geral, sejam significativos, os ganhos com relação à sobrevivência infantil necessários para atingir o ODM 4 são absolutamente insuficientes em muitas regiões. Quatro regiões estão a caminho de atingir o objetivo; no entanto, neste momento, os progressos na redução da mortalidade infantil são insuficientes no Oriente Médio e Norte da África, na Ásia Meridional e na África ao sul do Saara (tanto na África Oriental e Meridional quanto nas sub-regiões Ocidental e Central). Em uma avaliação por país, as perspectivas são pouco nítidas. Em termos globais, dos 191 países que dispõem de dados adequados para uma comparação da mortalidade infantil no período de 1990 a 2006, o UNICEF estima que 129 estejam no rumo de alcançar – tendo registrado redução na taxa de mortalidade de menores de 5 anos para menos de 40 por mil nascidos vivos, ou tendo atingido uma taxa média de redução anual de no mínimo 3,9% desde 1990 – ou já tenham alcançado o objetivo de S O B R E V I V Ê N C I A I N F A N T I L : E M Q U E P O N T O E S T A M O S 7 Os progressos globais na redução da mortalidade na infância não são suficientes para alcançar o ODM 4* Fonte: Estimativas do UNICEF com base no trabalho do Interagency Child Mortality Estimation Group (Grupo Interagências de Estimativas sobre Mortalidade na Infância). Figura 1.6 Taxa média anual de redução (TMAR) da taxa de mortalidade de menores de 5 anos (TMM5) observada para 1990-2006 e necessária para o período entre 2007 e 2015 para que o ODM 4 seja atingido * Progressos em direção ao ODM 4, sendo os países classificados de acordo com os seguintes limites: A caminho – TMM5 inferior a 40% ou TMM5 igual ou superior a 40%; e taxa média anual de redução (TMAR) na taxa de mortalidade de menores de 5 anos observada de 1990 a 2006 igual ou superior a 4,0%. Progressos insuficientes – TMM5 igual ou superior a 40%; e TMAR observada de 1990 a 2006 entre 1,0% e 3,9%. Nenhum progresso – TMM5 igual ou superior a 40%; e TMAR observada de 1990 a 2006 inferior a 1,0%. TMM5 TMAR No. de mortes por mil nascidos vivos Observada % Necessária % 1990 2006 1990–2006 2007–2015 Progressos rumo ao ODM África ao sul do Saara 187 160 1,0 10,5 Progressos insuficientes África Oriental e Meridional 165 131 1,4 9,6 Progressos insuficientes África Ocidental e Central 208 186 0,7 11,0 Nenhum progresso Oriente Médio e Norte da África 79 46 3,4 6,2 Progressos insuficientes Ásia Meridional 123 83 2,5 7,8 Progressos insuficientes Leste da Ásia e Pacífico 55 29 4,0 5,1 A caminho América Latina e Caribe 55 27 4,4 4,3 A caminho ECO/CEI 53 27 4,2 4,7 A caminho Países/territórios industrializados 10 6 3,2 6,6 A caminho Países/territórios em desenvolvimento 103 79 1,7 9,3 Progressos insuficientes Mundo 93 72 1,6 9,4 Progressos insuficientes 8 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 São bastante conhecidos os países e regiões que registram altos índices de morte de menores de 5 anos, e as principais causas associadas também já estão claramente identificadas. Quase 40% de todas as mortes de menores de 5 anos ocorrem durante o período neonatal – o primeiro mês de vida –, e são causadas por diversas complicações (ver Destaque, página 4). Dessas mortes neonatais, cerca de 26% – que representam 10% de todas as mortes de menores de 5 anos – são causadas por infecções graves. Uma proporção significativa dessas infecções é causada por pneumonia e sépsis (uma infecção bacteriana sangüínea grave, que também é tratada com antibióticos). Cerca de dois milhões de crianças menores de 5 anos morrem de pneumonia a cada ano – em termos globais, cerca de uma em cada cinco mortes. Além disso, cerca de um milhão de bebês morrem durante o período neonatal devido a infecções graves, que incluem a pneumonia. Apesar dos progressos realizados desde a década de 1980, doenças diarréicas são responsáveis por 17% das mortes de menores de 5 anos. Em conjunto, malária, sarampo e aids são responsáveis por 15% das mortes infantis. A interação de muitas condições e doenças contribui para aumentar a mortalidade infantil, extrapolando o impacto individual de cada uma delas, sendo a subnutrição responsável por 50% das mortes de crianças. Água imprópria para o consumo, práticas de higiene precárias e saneamento inadequado não são responsáveis apenas pela permanente incidência de doenças diarréicas: são também um fator que contribui de maneira significativa para as mortes de menores de 5 anos causadas por pneumonia, distúrbios neonatais e subnutrição. Ver Referências, página 104. Principais causas associadas às mortes infantis Figura 1.8 Distribuição global de mortalidade por causa específica entre crianças menores de 5 anos de idade Fonte: Organização Mundial da Saúde e UNICEF. A subnutrição está envolvida em até 50% de todas as mortes de menores de 5 anos Figura 1.7 Fonte: UNICEF, Organização Mundial da Saúde, Divisão de População das Nações Unidas e Divisão de Estatísticas das Nações Unidas. Dados nacionais e regionais são apresentados nas Tabelas Estatísticas 1 e 10, páginas 144 e 150 deste relatório. Quase um terço dos 50 países menos desenvolvidos conseguiu reduzir suas taxas de mortalidade de menores de 5 anos em 40%, ou mais, desde 1990 P a ís e s m e n o s d e s e n v o lv id o s Redução na TMM5, 1990-2006 (porcentagem) redução da mortalidade infantil previsto para 2015. Cerca de 18% – ou 35 países – estão realizando progressos, porém a um ritmo insuficiente para atingir plenamente o ODM 4 dentro do prazo. Causam maior preocupação os 27 países que realizaram muito poucos progressos desde 1990, ou cuja taxa de mortalidade de menores de 5 anos permanece estagnada ou aumentou desde 1990. Dos 46 países da África ao sul do Saara, apenas Cabo Verde, Eritréia e Seichelas estão em condições de atingir o ODM 4, e em cerca de 50% dos países não houve mudanças ou houve aumento nas taxas de mortalidade infantil desde 1990. Considerada em seu conjunto, a região conseguiu reduzir a mortalidade infantil em uma taxa média anual de apenas 1% no período de 1990 a 2006; e para que o ODM 4 seja alcançado, serão necessárias reduções de dois dígitos a cada ano até a data limite.5 Individualmente, os países enfrentam diferentes desafios com relação à sobrevivência infantil, os quais, sem dúvida, são maiores para uns do que para outros. No entanto, realizações notáveis sugerem que a geografia não constitui uma barreira a ações que podem salvar a vida das crianças. E o que talvez seja ainda mais importante, esses ganhos estão evidentes em alguns dos países mais pobres do mundo e através das regiões em desenvolvimento, como ilustra a Figura 1.7. Esses ganhos sugerem que progressos notáveis podem ser realizados, a despeito de obstáculos tais como localização geográfica ou condições socioeconômicas desfavoráveis, desde que sejam aproveitados, de maneira consciente, evidências, estratégias seguras, recursos suficientes, vontade política e orientação para resultados, visando à melhoria das condições de vida das crianças. S O B R E V I V Ê N C I A I N F A N T I L : E M Q U E P O N T O E S T A M O S 9 Saúde e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio Fonte: Adaptado a partir de World Health Organization, Health and the Millenium Development Goals¸ OMS, Genebra, 2005, p. 11. Figura 1.9 OBJETIVO 1 Erradicar a pobreza e a fome extremas OBJETIVO 4 Reduzir a mortalidade infantil OBJETIVO 5 Melhorar as condições de saúde materna OBJETIVO 6 Combater HIV e aids, malária e outras doenças OBJETIVO 7 Garantir a sustentabilidade ambiental OBJETIVO 8 Desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento Meta 2 Reduzir em 50%, entre 1990 e 2015, a proporção de pessoas que passam fome Meta 5 Reduzir em dois terços, entre 1990 e 2015, a taxa de mortalidade de menores de 5 anos Meta 6 Reduzir em 75%, entre 1990 e 2015, a taxa de mortalidade materna Meta 7 Reduzir em 50% e reverter, até 2015, a disseminação de HIV e de aids Meta 8 Reduzir em 50% e reverter, até 2015, a incidência de malária e outras doenças importantes Meta 10 Reduzir, até 2015, a proporção de pessoas sem acesso sustentável a água limpa e saneamento básico Meta 10 Atingir, até 2020, melhorias significativas para a vida de pelo menos 100 milhões de moradores de favelas Meta 17 Em cooperação com indústrias farmacêuticas, oferecer acesso a medicamentos essenciais de baixo custo nos países em desenvolvimento Prevalência de baixo peso em crianças menores de 5 anos de idade Proporção da população que vive abaixo do nível mínimo de consumo de calorias provenientes da alimentação Taxa de mortalidade de menores de 5 anos Taxa de mortalidade de bebês Proporção de crianças com 1 ano de idade imunizadas contra sarampo Taxa de mortalidade materna Proporção de partos assistidos por agentes de saúde capacitados Prevalência de HIV entre gestantes de 15 a 24 anos de idade Taxa de utilização de preservativo na taxa de prevalência de contraceptivos Razão entre freqüência escolar de órfãos e freqüência escolar de não- órfãos entre 10 e 14 anos de idade Taxas de prevalência e de mortes associadas com a malária Proporção da população em áreas onde há risco de contrair malária que utiliza medidas eficazes de prevenção e tratamento Taxas de prevalência e de mortes associadas com tuberculose Proporção de casos de tuberculose detectados e curados com a Estratégia de Tratamento Diretamente Supervisionado (Dots) Proporção da população que utiliza fonte de água de boa qualidade, tanto na área urbana como na área rural Proporção da população com acesso a saneamento de boa qualidade, tanto na área urbana como na área rural Proporção da população com acesso a medicamentos essenciais de baixo custo, em uma base sustentável Objetivo Metas de Saúde Indicadores de Saúde eliminação de muitas causas subjacentes à mortalidade infantil. A nutrição deficiente de mulheres pode resultar em partos prematuros e em bebês com baixo peso ao nascer. Consultas a agentes de saúde capacitados ou a visita desses profissionais durante a gravidez são ações que podem ajudar a evitar partos prematuros e tétano neonatal, quase sempre fatal. A presença de um atendente capacitado no momento do parto, contando com o apoio de cuidados obstétricos de emergência, reduz o risco de morte materna e ajuda a evitar e tratar infecções e complicações. Os cuidados pós-natais têm um papel central no sentido de estimular as novas mães a amamentar seus bebês, para as ações de ressuscitação de recém-nascidos, quando necessário, e para evitar hipotermia e pneumonia. Apesar da importância da saúde materna, os dados disponíveis refletem, lamentavelmente, a inadequação do acesso aos serviços de saúde. Através dos países e territórios, uma em cada quatro mulheres não recebe nenhum tipo de cuidado pré-natal, e mais de 40% das mulheres têm seus bebês sem a assistência de um atendente capacitado. Combatendo a aids, a malária e outras doenças importantes (ODM 6) O sexto Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM 6) focaliza a redução das cargas imensas provocadas pelo HIV e pela aids, pela malária e por outras doenças importantes. Embora poucos indicadores estejam centrados especificamente na criança, podem ser profundos os impactos diretos e indiretos que doenças importantes exercem sobre ela. Entre os bebês infectados com HIV, 50% morrerão antes de completar 2 anos de idade,7 e mais de 15 milhões de crianças menores de 18 anos perderam um de seus progenitores, ou ambos, 12 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 A probabilidade de morte materna é muito mais elevada nos países em desenvolvimento do que nos países industrializados Figura 1.12 * Estas estimativas refletem ajustes periódicos nos dados realizados por UNICEF, OMS, UNFPA e Banco Mundial, para incluir problemas conhecidos referentes a mortes maternas não relatadas ou classificadas de maneira inade- quada, e para desenvolver estimativas para países que não dispõem de dados. Conseqüentemente, podem diferir significativamente das estimativas relatadas pelos países. * Dados referem-se ao ano mais recente com dados disponíveis para o período especificado. Cobertura de cuidados pré-natais – Porcentagem de mulheres entre 15 e 49 anos de idade atendidas pelo menos uma vez durante a gestação por pessoal de saúde capacitado (médicos, enfermeiros ou parteiros). Parto assistido por atendentes de saúde capacitados – Porcentagem de partos assistidos por pessoal de saúde capacitado (médicos, enfermeiros ou parteiros). Partos institucionais – Porcentagem de mulheres entre 15 e 49 anos de idade que deram à luz em um centro de saúde nos dois anos que precederam a pesquisa. Fonte: Tabela 8, p. 142 deste relatório. Figura 1.13 Na Ásia Meridional e na África ao sul do Saara, baixos níveis de cuidados maternos contribuem para altas taxas de morte materna devido à aids ou a causas relacionadas a ela. A malária é responsável por 8% das mortes de crianças menores de 5 anos, e o sarampo, por outros 4%. HIV e aids Em todas as partes do mundo, 2,3 milhões de crianças menores de 15 anos de idade vivem com o HIV; e em 2005, 530 mil crianças foram infectadas com o vírus – em sua maioria, por meio de transmissão de mães para filhos. As meninas estão particularmente sujeitas a contrair HIV, devido não só à sua fisiologia, mas também em função do desequilíbrio de poder social e cultural em suas relações com homens e meninos. A prevenção de novas infecções constitui a primeira linha de defesa contra a aids. É também a melhor maneira de proteger a próxima geração. Quando uma gestante é infectada com o HIV, existe uma probabilidade de 35% de transmissão do vírus para seu bebê ainda durante a gestação, no momento do parto ou por meio do aleitamento materno, a menos que seja empreendida alguma intervenção.8 A terapia com medicamentos anti- retrovirais pode reduzir sensivelmente as chances de transmissão, e é essencial para conter o avanço das taxas de mortalidade infantil em países nos quais a aids atingiu níveis epidêmicos. Com os medicamentos adequados e contando com os cuidados necessários, bebês com HIV podem ter sua saúde preservada indefinidamente, embora ainda sejam desconhecidas suas perspectivas de sobrevivência no longo prazo.9 Mesmo assim, apesar dos evidentes benefícios da terapia com medicamentos e de seu custo relativamente baixo, em 2005, apenas 11% das gestantes com HIV que vivem em países de média e baixa renda estavam sendo atendidas com serviços destinados à prevenção da transmissão do vírus para seus bebês recém- nascidos. Estimativas preliminares para 2006, que ainda não haviam sido divulgadas no momento da produção deste relatório, indicam que as taxas de cobertura subiram para 20% naquele ano.10 A imensa maioria dessas mulheres vive nos países africanos ao sul do Saara. Malária A malária é responsável por mais de um milhão de mortes a cada ano, e crianças menores de 5 anos de idade representam cerca de 80% dessas mortes.11 A gestante e seu futuro bebê S O B R E V I V Ê N C I A I N F A N T I L : E M Q U E P O N T O E S T A M O S 13 A África ao sul do Saara responde por quase 90% das infecções pediátricas por HIV Fonte: Unaids, Report on the Global Aids Epidemic, 2006. Figura 1.14 A malária debilita e mata muitas crianças todos os anos. Uma mãe dorme ao lado de seu bebê, sob mosquiteiro tratado com inseticida, Costa do Marfim. © U N IC E F/ H Q 06 -2 77 0/ B ru no B rio ni são particularmente vulneráveis a essa doença, que constitui uma causa importante de baixo peso ao nascer, anemia e morte de bebês. Apenas na África ao sul do Saara, mais de duas mil crianças menores de 5 anos morrem de malária.12 Aquelas que sobrevivem podem ter o desenvolvimento físico e mental comprometido por episódios de febre e anemia. A prevenção e o tratamento da malária requerem diversas intervenções básicas, que incluem dormir sob mosquiteiro tratado com inseticida (MTI) e o fornecimento de medicamentos antimaláricos para gestantes e crianças que apresentem sinais evidentes da doença. Embora tenha como referência uma base pequena, a cobertura de MTI vem aumentando rapidamente, em parte devido a um aumento de dez vezes no financiamento internacional para o controle da malária. Os dados sobre tendências na África ao sul do Saara mostram um aumento na utilização de MTI em todos os países; e em 16 dos 20 países para os quais há dados disponíveis, as taxas de cobertura tiveram um aumento de três vezes desde 2000. No entanto, a despeito desses ganhos recentes, os níveis de cobertura, de maneira geral, ainda são baixos, e a maioria dos países está longe de alcançar os objetivos globais referentes à malária. Na África ao sul do Saara, apenas pouco mais de um terço das crianças que têm a febre usa medicamentos antimaláricos. Além disso, vem aumentando a resistência a medicamentos antimaláricos já estabelecidos. Uma alternativa de impacto potencial no tratamento é uma terapia que associa drogas à base de artemisina, ou TCA. Sendo um tratamento seguro, eficaz e de ação rápida contra problemas causados pela malária que são resistentes a outros medicamentos, a TCA também ajuda a evitar a reincidência da doença.13 14 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 Figura 1.15 Apenas 50% da população no mundo em desenvolvimento têm acesso a condições adequadas de saneamento Fonte: UNICEF, OMS, Pesquisas por Agrupamento de Indicadores Múltiplos e Pesquisas de Demografia e Saúde. Figura 1.16 Aproximadamente 80% do mundo em desenvolvimento têm acesso a água limpa proveniente de fontes de boa qualidade S O B R E V I V Ê N C I A I N F A N T I L : E M Q U E P O N T O E S T A M O S 17 Cuidados continuados voltados à saúde da mãe, do recém-nascido e da criança enfatizam a inter-relação entre subnutrição e a morte de mães, recém- nascidos e crianças. Esses cuidados continuados envolvem atenção a duas dimensões relacionadas à oferta de pacotes de serviços básicos de cuidados de saúde essenciais: • Tempo: a necessidade de garantir serviços essenciais para a mãe e a criança durante a gestação, no momento do parto, no período neonatal, na lactância e na primeira infância (ver Figura 1.19). O foco sobre este elemento é justificado pelo reconhecimento de que o período do nascimento – antes, durante e após o parto – é o momento em que a mãe e a criança enfrentam os maiores riscos de mortalidade e morbidade. • Lugar: conectando a prestação de serviços essenciais em um sistema de cuidados básicos de saúde dinâmico, que integre a família, a comunidade, cuidados de longo alcance e cuidados baseados na comunidade (ver Figura 1.19). A motivação para esse foco é o reconhecimento de que diferenças na prestação de serviços de saúde muitas vezes são mais prevalentes nos lugares em que os cuidados são mais necessários – a família e a comunidade. O conceito de cuidados continuados surgiu do reconhecimento de que as mortes de mães, de recém- nascidos e de crianças compartilham com a subnutrição diversas causas estruturais semelhantes e inter- relacionadas, que incluem fatores tais como: insegurança alimentar, analfabetismo de mulheres, gravidez precoce e bebês com problemas, inclusive baixo peso ao nascer; práticas alimentares inadequadas, falta de higiene e de acesso a água limpa e a instalações de saneamento adequadas; exclusão de serviços de saúde e nutrição em função de pobreza, marginalização geográfica ou política; e serviços de saúde e nutrição carentes de recursos, ineficazes e culturalmente inadequados. O conceito de cuidados continuados também reflete lições aprendidas a partir de evidências e experiências na área de saúde materna, de recém-nascidos e de crianças ao longo das últimas décadas. No passado, programas de maternidade segura e de sobrevivência infantil freqüentemente eram operados de maneira isolada, o que resultava em desconexões no atendimento, que afetavam a mãe e o recém-nascido. Atualmente, existe o reconhecimento de que a associação de intervenções específicas em momentos críticos gera múltiplos benefícios. A conexão de intervenções na forma de pacotes também pode aumentar sua eficácia e melhorar sua relação custo-benefício. A integração de serviços pode estimular sua utilização e abre oportunidades para o aumento da cobertura. O foco primário está voltado para a cobertura universal de intervenções essenciais ao longo do ciclo de vida, em um sistema integrado de cuidados básicos de saúde. O impacto que se espera de uma ampla cobertura de cuidados de saúde contínuos pode ser profundo. Na África ao sul do Saara, cuidados continuados atendendo a 90% das mulheres e dos recém-nascidos poderiam evitar dois terços das mortes de recém-nascidos, poupando 800 mil vidas a cada ano. O paradigma vem sendo adotado progressivamente em políticas e programas internacionais de saúde pública, e constitui a base do trabalho realizado pela Parceria pela Saúde Materna, do Recém-nascido e da Criança (ver detalhes sobre a Parceria no Capítulo 2, página 43). Ver Referências, página 104. Cuidados de saúde continuados para mães, recém-nascidos e crianças, através do tempo e em todos os lugares Figura 1.19 Associando cuidados entre família e centros de saúde para reduzir mortes de mães, recém-nascidos e crianças Fonte: Partnership for Maternal, Newborn & Child Health, www.who.int/pmnch/about/continuum_of_care/en/index.html, acessado em 30 de setembro de 2007. Fonte: Partnership for Maternal, Newborn & Child Health, www.who.int/pmnch/about/continuum_of_care/en/index.html, acessado em 30 de setembro de 2007. Figura 1.18 Associando cuidados de saúde continuados para a mãe, o recém-nascido e a criança 60 países prioritários para a implementação de iniciativas pela sobrevivência infantil, com base em dois critérios: países com mais de 50 mil mortes de crianças menores de 5 anos e países com taxa anual de mortalidade de menores de 5 anos de pelo menos 90 por mil nascidos vivos. Em 2005, esses 60 países registraram 93% de todas as mortes de menores de 5 anos em todo o mundo. Desses países, apenas sete – Bangladesh, Brasil, Egito, Filipinas, Indonésia, México e Nepal – estão em condições de atingir o ODM 4. Em contraste, 19 dos países prioritários precisarão conseguir reduções anuais de 10% ou mais para atingir a meta de 2015.20 Prioridade 2: Prover cuidados continuados para mães, recém- nascidos e crianças, por meio da associação de intervenções, implementadas em momentos críticos do ciclo de vida. Foram alcançados resultados impressionantes por alguns programas de saúde infantil que têm como foco doenças e condições específicas. Essas intervenções ‘verticais’, como são conhecidas, normalmente são basicamente eventos únicos ou direcionados a uma doença específica, tais como campanhas de imunização que cobrem uma única doença. Lições extraídas do passado, exploradas mais detalhadamente no Capítulo 2, mostram que esses programas são adequados a doenças específicas, fornecendo os cuidados mais abrangentes necessários para o atendimento da mãe, do recém- nascido e da criança. Experiências mais recentes sugerem que até mesmo maiores progressos seriam possíveis se essas intervenções destinadas a salvar vidas fossem combinadas em ‘pacotes’ de cuidados e administradas em momentos críticos do ciclo de vida. 18 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 O atendimento às necessidades de saúde de crianças, mulheres e famílias impõe desafios consideráveis em tempos de paz. Esses desafios ganham dimensões muito maiores em situações de emergência, sejam elas naturais ou provocadas pelo homem. E é nesses contextos que o provimento de serviços às populações, de maneira geral, e à criança, em particular, é especialmente importante. De fato, uma parcela significativa das crianças que neste momento não são alcançadas pelas intervenções existentes vive em países nos quais a prestação de serviços de saúde foi gravemente comprometida. Entre 1989 e 2000, foram registrados 110 conflitos, dos quais 103 foram guerras civis, muitas delas com longa duração, acompanhadas pelo colapso das instituições e pela violência direta contra civis. Neste momento, mais de 40 países – sendo 90% deles nações de baixa renda – enfrentam conflitos armados. A edição de 2006 do Relatório sobre Ações Humanitárias, produzido pelo UNICEF, destacou 29 situações de emergência que afetam crianças e mulheres. Uma emergência complexa é definida, de maneira ampla, como uma situação que envolve conflito armado, deslocamento populacional e/ou insegurança alimentar, provocando aumentos nas taxas de mortalidade e de desnutrição. Em sua maioria, as principais causas de mortalidade infantil em situações de emergência são as mesmas identificadas como as principais responsáveis por mortes de crianças de maneira geral. Entre elas, estão sarampo, malária, doenças diarréicas, infecções respiratórias agudas e desnutrição. Essas condições são agravadas pela ocorrência de outras doenças transmissíveis, como meningite, e deficiências nutricionais que podem contribuir decisivamente para a mortalidade e a morbidade infantis. Por exemplo, as taxas de mortalidade infantil mais elevadas em meio a populações refugiadas tendem a ocorrer entre crianças menores de 5 anos de idade. As taxas de mortalidade infantil normalmente são mais altas durante a fase aguda de uma emergência complexa. Em contraste, em condições pós-emergência, quando as crianças permaneceram por longos períodos em acampamentos estáveis para refugiados, a mortalidade infantil pode ser mais baixa em meio à população refugiada do que entre as crianças residentes em regiões vizinhas. Entre os obstáculos ao provimento de cuidados de saúde para crianças em emergências complexas estão acesso limitado, barreiras culturais, insegurança, limitações em recursos tais como medicamentos e suprimentos, e falta de comunicação entre as diversas organizações que provêm alívio. A liderança e o envolvimento da comunidade são especialmente críticos nesses contextos. Ao contrário do que se supõe – que, em situações de crise, as comunidades tornam-se frágeis e tendem a fragmentar-se sob o estresse da guerra, da escassez de alimentos ou do deslocamento em massa –, as pesquisas sugerem cada vez mais que quase sempre é possível alguma forma de mobilização comunitária, e que elementos importantes da comunidade permanecem intactos, e chegam mesmo a ganhar importância em situações de pressão. Evidências identificadas na Etiópia, em Malaui e no Sudão Meridional, focalizando os desafios de tratar desnutrição grave em emergências complexas, demonstram que o sucesso de uma intervenção depende criticamente do envolvimento de pessoas específicas da comunidade – como líderes tradicionais, professores e agentes comunitários de saúde –, além de organizações comunitárias, redes de voluntários e organizações de mulheres. Adicionalmente, o envolvimento de profissionais da área da saúde conhecidos também pode ser importante, uma vez que, em muitos casos, são os primeiros a ser consultados quando as pessoas procuram ajuda e, portanto, podem desempenhar um papel fundamental na identificação de crianças com quadro de desnutrição grave em início. Ver Referências, página 105. Saúde infantil em emergências complexas Quando implementadas de maneira integrada e na forma de pacotes, intervenções já testadas e de baixo custo – por exemplo, imunização e complementação de vitamina A – são eficazes, e garantem também cuidados mais abrangentes para as crianças atendidas. Recentemente, verificou-se que um pacote de 16 intervenções já testadas poderia evitar até 72% das mortes de recém-nascidos. Essas intervenções incluem imunização contra o toxóide tetânico, presença de atendentes capacitados no momento do parto, acesso a cuidados obstétricos, aleitamento materno imediato e exclusivo, o cuidado de secar o recém- nascido e mantê-lo aquecido, acesso a procedimentos de ressuscitação, quando necessário, cuidados especiais para bebês com baixo peso ao nascer e tratamento de infecções.21 A determinação do momento para a implementação conjunta dessas intervenções pode ser crucial. Mais de 50% das mortes de mães e de recém- nascidos ocorrem no momento do parto e durante os primeiros poucos dias de vida, mas esse é também o período em que a cobertura de serviços é mais restrita. Para ter eficácia, uma seqüência contínua de cuidados (ver Destaque, página 17) conecta pacotes de saúde essenciais destinados à mãe, ao recém-nascido e à criança ao longo da gravidez, no momento do parto, no período pós-natal, durante a lactância e através da infância e da adolescência. A vantagem é que cada etapa é construída a partir do sucesso na etapa anterior. Por exemplo, o fornecimento de serviços integrados para meninas adolescentes significa redução no número de gestações indesejadas ou inoportunas. Consultas com profissionais da área da saúde podem evitar problemas durante a gravidez e melhoram os cuidados prestados às mulheres no momento do parto. Cuidados especializados antes, durante e depois do parto reduzem o risco de morte ou de incapacitação para a mãe e o bebê. O provimento de cuidados continuados para a criança é um apoio ao seu direito à saúde. Quando são eficazes, cuidados continuados também compensam falhas no atendimento em casa, na comunidade, no centro de saúde ou no hospital. Bebês com asfixia, sépsis ou complicações de nascimento devidas a parto prematuro podem morrer no prazo de algumas horas, ou mesmo de alguns minutos, caso não recebam atendimento adequado. Uma vez que mais de 60 milhões de mulheres no mundo em desenvolvimento dão à luz em casa,22 é fundamental que um atendente de saúde capacitado esteja presente no momento do parto, contando com a retaguarda de uma clínica de saúde local ou de outras instituições de atendimento de emergência e do hospital, caso ocorram complicações. A qualidade dos cuidados prestados em todos esses níveis é crucial. Prioridade 3: Fortalecer os sistemas de saúde e as parcerias nas comunidades. A prestação de cuidados de saúde abrangentes para as crianças demanda medidas preventivas, assim como o tratamento de doenças. Tipicamente, a prevenção requer mudanças de comportamento que começam na família e podem conseguir apoio por meio da comunidade. Melhorias na nutrição, por exemplo, freqüentemente resultam de melhores práticas de alimentação dos bebês por parte das mães e dos cuidadores, tanto por meio do aleitamento materno como também, mais tarde, por meio de uma dieta diversificada fornecida por hortas individuais ou comunitárias. Essas práticas devem ser aprendidas individualmente e reforçadas pela comunidade. Poços, bombas e banheiros são importantes para boas condições de higiene, mas sua eficácia depende do empenho da comunidade em mantê-los e utilizá-los. As crianças devem aprender a lavar as mãos e a aplicar boas práticas de higiene – hábitos que são cultivados em casa, na escola e em meio a vizinhos e amigos. Como parte integrante do sistema de saúde mais amplo, as parcerias comunitárias voltadas aos cuidados básicos de saúde podem exercer uma dupla função: promover o envolvimento ativo de membros da comunidade como agentes de saúde e mobilizar a comunidade em apoio a melhores práticas de saúde. Podem também estimular a demanda por serviços de saúde de qualidade que devem ser oferecidos pelos governos. O envolvimento da comunidade promove o sentido de propriedade comunitária. Pode também dar maior vitalidade a um sistema de saúde burocrático, e é essencial para atingir os indivíduos mais isolados ou excluídos. Como será demonstrado nos próximos capítulos deste relatório, muitos países, inclusive alguns dos mais pobres do mundo, implementaram com sucesso programas de saúde baseados na comunidade. O desafio agora será aprender a partir de suas experiências, ampliar a escala dos programas e alcançar os milhões de crianças que, até este momento, têm sido ignoradas pelos sistemas de saúde. Criando um ambiente que dê apoio a estratégias de sobrevivência infantil As perspectivas que se abrem à sobrevivência infantil são condicionadas pelo contexto institucional e ambiental no qual as crianças e suas famílias vivem. Não surpreende, por exemplo, que as taxas de mortalidade de bebês e crianças sejam mais altas nos países mais pobres, nos distritos com as comunidades mais depauperadas, mais isoladas, com menor nível de instrução e mais marginalizadas, e em países devastados por conflitos civis, com governos fracos e nos quais são cronicamente insuficientes os investimentos em sistemas de saúde pública e infra-estrutura física. Desde S O B R E V I V Ê N C I A I N F A N T I L : E M Q U E P O N T O E S T A M O S 19 cinco vezes maior no caso de meninas com menos de 15 anos de idade do que no caso de mulheres com mais de 20 anos.26 Seus filhos também têm menor probabilidade de sobreviver. Quando a mãe tem menos de 18 anos de idade, a chance de seu bebê morrer durante o primeiro ano de vida é 60% mais alta do que no caso de bebês cujas mães têm mais de 19 anos.27 Além de leis que proíbam o casamento infantil e outras formas de violência contra a criança, os países que buscam criar um ambiente no qual a criança possa sobreviver e se desenvolver devem adotar uma política de “tolerância zero”. Outra forma de proteção essencial é o registro de nascimento de todas as crianças. Freqüentemente, esse reconhecimento legal da existência de uma criança é exigido para que lhe seja permitido o acesso a serviços essenciais, tais como vacinação e suplementação de vitamina A. Estabelece também os vínculos familiares em localidades nas quais existem problemas de herança.28 Educar as mulheres e aumentar seu poder As estimativas mais recentes indicam que, em média, quase um em cada quatro adultos (definidos aqui como indivíduos com no mínimo15 anos de idade) é analfabeto. De acordo com dados recentes do Instituto da Unesco para Estatísticas, as mulheres representam quase dois terços desse universo.29 As pesquisas demonstram que, de maneira geral, cuidadores com pouca instrução têm acesso mais restrito a informações sobre cuidados básicos de saúde do que seus colegas com melhor nível de educação.30 Como conseqüência, essa limitação pode levar a decisões mal-informadas sobre quando e como procurar cuidados para crianças doentes.31 Em 22 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 O direito a um nome e a uma nacionalidade está claramente estabelecido na Convenção sobre os Direitos da Criança, que determina explicitamente, em seu artigo 7, que o registro de nascimento de uma criança deve ser feito imediatamente após o parto. Mesmo assim, a cada ano, cerca de 51 milhões de nascimentos deixam de ser registrados. Em quase todos os casos, essas crianças pertencem a famílias pobres, marginalizadas ou deslocadas de sua região de origem, ou que vivem em países cujos sistemas de registro não estão funcionais. Freqüentemente, as conseqüências para a saúde e o bem-estar dessas crianças são graves e duradouras. Embora a África ao sul do Saara tenha a maior proporção de crianças não registradas no momento do nascimento (66%), na Ásia Meridional, onde a razão correspondente é de 64%, o número é maior. Os desafios são particularmente assustadores em alguns países, como Afeganistão, Registro de nascimento: um passo importante em direção ao acesso a serviços essenciais *Registro de nascimento refere-se à porcentagem de crianças menores de 5 anos de idade que já haviam sido registradas no momento da pesquisa. O numerador deste indicador inclui crianças cujas certidões de nascimento foram examinadas pelo entrevistador ou cuja mãe ou responsável afirmou que o nascimento foi registrado. Dados das Pesquisas por Agrupamento de Indicadores Múltiplos referem-se a crianças vivas no período da pesquisa. Fonte: Pesquisas por Agrupamento de Indicadores Múltiplos, Pesquisas de Demografia e Saúde, outros levantamentos nacionais e sistemas de registros de nascimento em funcionamento. Dados nacionais e regionais são apresentados na Tabela Estatística 9, página 146 deste relatório. Figura 1.20 0 20 40 60 80 100 Os níveis de registro de nascimento* são baixos na Ásia Meridional e na África ao sul do Saara contraste, evidências registradas em Bangladesh mostram que uma criança cuja mãe concluiu a educação primária tem uma probabilidade de sobreviver cerca de 20 vezes maior do que uma criança cuja mãe não recebeu nenhuma instrução; essa diferença aumenta para 80% quando a mãe alcançou o nível secundário de educação.32 O aumento do poder da mulher, tanto socialmente quanto economicamente, pode estabelecer uma nova rota para a melhoria da sobrevivência infantil. Em muitos países, as mulheres são privadas de responsabilidades básicas de tomada de decisões, mesmo quando afetam a sua própria saúde ou a saúde de seus filhos. Já é também amplamente reconhecido que, quando as mulheres assumem a responsabilidade pelas finanças da família, tendem a gastar uma parcela maior do orçamento familiar com alimentação e outras necessidades das crianças. Por esses motivos, garantir à mulher os meios para que adquira maior autonomia econômica provavelmente resultará em benefícios paralelos para a criança. Promover eqüidade social Por serem pobres e privadas de direitos e privilégios, milhões de mulheres e crianças foram excluídas dos progressos nas últimas décadas. Com relação às perspectivas de sobrevivência infantil, são gritantes as disparidades entre crianças pobres e aquelas de famílias mais abastadas, não só na comparação entre os países, mas também dentro dos países. Por exemplo, em todos os países para os quais há dados disponíveis, as crianças que vivem na parcela de 20% das famílias mais pobres têm uma probabilidade de morrer antes de completar 5 anos de idade muito maior S O B R E V I V Ê N C I A I N F A N T I L : E M Q U E P O N T O E S T A M O S 23 Bangladesh, Tanzânia e Zâmbia, onde as taxas de registro no nascimento são muito baixas, devido à ausência de sistemas de registro de nascimento eficazes e operacionais. Em Bangladesh e em Zâmbia, o UNICEF estima que apenas 10% dos nascimentos sejam registrados, ao passo que na Tanzânia a taxa de registro é de apenas 8%. Registro de nascimento e acesso a cuidados de saúde, em particular, são dois aspectos estreitamente relacionados, especialmente para crianças menores de 5 anos. Por exemplo, os dados de diversos países africanos sugerem uma íntima correlação entre a presença de um atendente qualificado no momento do parto e o registro de nascimento. Em Benin, 74% das crianças que nasceram com a assistência de um atendente qualificado foram registradas, em comparação com 28% que não tiveram esse apoio. Além disso, os dados também sugerem que os níveis de registro de nascimento estão associados ao número de vacinações recebidas e ao provimento de suplementação de vitamina A, assim como ao nível de cuidados médicos disponíveis. No Chade, por exemplo, 38% das crianças que recebem suplementação de vitamina A foram registradas, em comparação com 15% que não recebem suplementação. Inversamente, em muitos países, crianças que não têm registro não têm acesso a programas ou intervenções vitais. Os desafios enfrentados pelos pais para registrar o nascimento de suas crianças muitas vezes indicam padrões mais amplos de exclusão social e de falta de acesso a serviços sociais, e se sobrepõem a eles. Assim sendo, especialmente em áreas remotas, os pais, que freqüentemente não percebem sequer os benefícios de sua própria cidadania, também não vêem as vantagens que o registro traria para seus filhos. Além disso, mesmo quando os pais pretendem registrar um nascimento, os altos custos desse procedimento e as longas distâncias até os centros de registro muitas vezes constituem obstáculos poderosos. Em particular, custos elevados foram identificados em uma pesquisa recente realizada pelo UNICEF como o principal motivo de falta de registro em nada menos do que 20 países em desenvolvimento, o que resulta em grandes disparidades de registro entre crianças ricas e pobres. Na Tanzânia, onde o número de registros, de maneira geral, é muito baixo, existe forte disparidade entre ricos e pobres: apenas 2% das crianças da parcela das 20% mais pobres são registradas, em comparação com 25% da parcela das 20% mais ricas. Para que a meta de registro universal de nascimentos seja alcançada, é preciso que governos, pais e comunidades assumam esse registro como prioridade. Uma abordagem integrada freqüentemente oferece a melhor estratégia – por exemplo, a combinação de campanhas nacionais de imunização com campanhas de registro de nascimento. Nos locais em que essa cooperação ocorreu, foram identificados resultados notáveis, mesmo nas circunstâncias mais penosas. No Afeganistão, em 2003, uma campanha nacional para registrar todas as crianças menores de 1 ano foi combinada com os Dias Nacionais de Imunização contra a Pólio. A campanha expandiu-se em 2004, e em meados de outubro daquele ano, alcançou dois milhões de crianças menores de 5 anos. Ver Referências, página 105. 24 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 Por Ellen Johnson-Sirleaf, Presidente da Libéria De acordo com a Comissão Feminina para Mulheres e Crianças Refugiadas, sediada em Nova Iorque, o tratamento que uma sociedade dedica às crianças é uma imagem de seu valor. No caso da Libéria pós-conflito, o destino do país está inextricavelmente associado ao destino de sua população mais vulnerável. A sobrevivência das crianças na Libéria constitui um sustentáculo fundamental de nossa agenda de desenvolvimento, uma vez que determina de que maneira progredimos como nação. O impacto dos conflitos sobre a sobrevivência das crianças liberianas é imenso: com 235 mortes por mil nascidos vivos, a taxa de mortalidade de menores de 5 anos registrada na Libéria é a quinta mais alta do mundo; sua taxa de mortalidade de bebês é a terceira mais alta, e a mortalidade materna ocupa a 21a. colocação. As tendências em mortalidade materna representam uma referência importante para o cumprimento do quarto Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM 4) e de outras metas de ODM relacionadas à saúde da criança, uma vez que a saúde da mãe dá suporte à sobrevivência infantil – e sem que haja uma política consistente para o desenvolvimento e o aumento de poder da mulher, crianças em qualquer situação pós-conflito serão, ao final, evidências negligenciadas que comprovam o fracasso de uma nação. É desconcertante verificar que, a despeito de todos os avanços da medicina moderna, crianças liberianas menores de 5 anos ainda morrem devido a malária (18% do número total de mortes), diarréia e doenças que podem ser evitadas por meio de vacinas, tais como sarampo, tétano neonatal, difteria, coqueluche e infecções respiratórias agudas. Entre as causas subjacentes a essas condições estão desnutrição crônica e deficiências de vitaminas e minerais, que são comuns em meio a menores de 5 anos. A insegurança alimentar atinge 51% da população. Estima- se em 5,7% a proporção de gestantes infectadas com HIV em 2007, em comparação com 4% registrados em 2004 – outro exemplo do impacto causado por 15 anos de conflitos e de problemas estruturais na economia, que colocaram mulheres e crianças em situação de desvantagem. O acesso a cuidados básicos de saúde vem melhorando, porém a cobertura e a distribuição ainda são inadequadas, especialmente em áreas rurais. A tarefa de alcançar acesso universal é imensa, devido a efeitos devastadores de conflitos armados, como destruição da infra-estrutura de saúde, baixa disponibilidade de agentes de saúde capacitados e escassez de recursos públicos para a saúde. O governo da Libéria está empreendendo esforços vigorosos para reduzir significativamente a mortalidade e a morbidade infantis até 2011. Uma política e um plano de ação nacionais para a área da saúde voltados para o acesso universal foram desenvolvidos e vêm sendo implementados, e o governo elaborou uma estratégia e um plano em nível nacional para acelerar a sobrevivência infantil. Estão em curso uma estratégia e um plano de ação para servir como ‘mapa’ para a redução da mortalidade materna. A paz permitiu aumentos significativos na imunização de crianças pequenas e gestantes. No entanto, os desafios permanecem. Antes do conflito, água limpa, essencial para a sobrevivência, estava disponível em centros com grandes populações, inclusive Monróvia, a capital da Libéria, porém a maioria dos sistemas de abastecimento canalizado foi destruída. Atualmente, com exceção da Monróvia, onde esses sistemas vêm sendo reconstruídos gradualmente, os centros urbanos não dispõem de acesso a água canalizada. Sem água limpa e própria para o consumo, as crianças não podem sobreviver, e muito menos desenvolver-se. E atualmente esse recurso só está disponível para 32% da população. Saúde e educação são os fundamentos de qualquer estratégia consistente de sobrevivência infantil. São lados opostos da mesma moeda, e, para que a Libéria consiga atingir o ODM 4, devem ser enfrentados simultaneamente. O analfabetismo é alto em meio à população, estimado em 68% (de homens, 55%; de mulheres, 81%). A alfabetização e a educação, especialmente de meninas, estão estreitamente associadas a melhorias nas taxas de sobrevivência infantil. A Política de Educação de Meninas para 2006 visa ao provimento de educação para todas as meninas. Para garantir a sobrevivência infantil, as crianças do sexo feminino também precisam ser protegidas. O conflito deixou muitas meninas jovens grávidas ou já com filhos. São necessários esforços especiais para proteger meninas adolescentes contra exploração e abuso sexual, gravidez e aids, não só para garantir que desfrutem de seu próprio direito à sobrevivência, mas também para assegurar os direitos de todas as crianças. É preciso que seja criado um novo momentum em torno da questão da sobrevivência infantil, e a Libéria está liderando esse apelo vibrante. Queremos garantir que nossas crianças consigam mais do que a sobrevivência, e que cheguem a uma fase do desenvolvimento que lhes permita progredir e transformar-se em cidadãos produtivos. Sobrevivência infantil em situações pós-conflito: desafios e triunfos na Libéria Uma abordagem para a for- mulação de cuidados con- tinuados de boa qualidade no atendimento básico de saúde para mães, recém-nascidos e cri- anças, orientada para resultados e baseado em evidências, deve rever as melhores fontes de informações, dados e análises disponíveis para tirar as lições mais úteis que possam orientar ações no presente e no futuro. Uma etapa necessária envolve uma análise mais aprofundada das diversas aborda- gens atualmente utilizadas para o provimento de serviços essenciais de saúde para crianças e mães. Essas ações variam de iniciativas direcionadas a doenças ou condições simples, como sarampo ou subnutrição, ao ideal de provimento da prestação contínua de serviços de saúde básicos e abrangentes, que integrem cuidados em hospitais e clínicas, serviços ampliados e prestados a pacientes não internados, e cuidados baseados na família e na comunidade. Ao longo dos anos, vêm ocorrendo intensos debates sobre os méritos relativos de cada uma das principais intervenções e das mudanças de políticas, principalmente sobre benefícios e restrições das estratégias mais abrangentes em comparação com as mais seletivas, resultando em extensa literatura. As diferenças entre quaisquer estratégias não são acentuadas, uma vez que, em parte, cada uma delas surgiu como resposta às limitações da anterior. Embora breve, a revisão histórica apresentada a seguir, sobre as realizações de sistemas e práticas públicas de cuidados de saúde ao longo do século passado, assim como dos desafios existentes e emergentes, fornece perspectivas importantes sobre a situação atual e contribui para orientar os caminhos a seguir. O período colonial: 1900-1949 Até o início do século 20, as mortes de bebês e crianças eram comuns em todas as partes do mundo. Altas taxas de mortalidade e de deficiências devidas a diarréia, malária, sarampo, pneumonia, varíola, tuberculose e diversas formas de subnutrição afetavam grande parcela da população mundial. Por volta de 1900, a população mundial chegava a cerca de 1,65 bilhão de habitantes. A essa época, embora alguns ganhos em expectativa de vida já tivessem sido observados em diversos países – tais como a Inglaterra e os países escandinavos –, a expectativa de vida global média estimada era de apenas 30 anos.1 No início do século 20, esforços para controlar doenças infecciosas, tais como verminoses, malária e febre amarela, estabeleceriam as bases das futuras intervenções de controle de doenças. Na primeira metade do século, foram desenvolvidos no continente africano alguns programas básicos contra a malária, que associavam pesquisas sobre a doença com seu controle. Esses esforços preliminares foram fragmentados, realizados por governos colonialistas, com foco em suas colônias e suas forças de trabalho. Embora com foco restrito, algumas iniciativas foram bem-sucedidas – por exemplo, o controle da malária de 1930 a 1950 nas minas de cobre e em seus arredores, na atual Zâmbia. Todos os serviços de saúde nas colônias tinham centros de atendimento acentuadamente segregados, que davam prioridade a expatriados e militares. Na África e na Índia anglófonas, pesquisas sobre doenças exóticas resultaram em especialidades e programas dirigidos a doenças tropicais. À época, eram poucas as escolas de medicina que admitiam estudantes locais e, quando o faziam, era apenas como parte do ‘acordo rescisório de indenização’ que acompanhou a independência de muitos países em desenvolvimento nas décadas de 1950 e 1960. O provimento de serviços de saúde para a população foi liderado principalmente pelas missões, e consistia essencialmente de cuidados baseados em centros de atendimento. 27 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 2 Lições aprendidas a partir de sistemas e práticas de cuidados de saúde em evolução © U N IC E F/ H Q 99 -0 39 0/ M ar k Th om as A capacitação de equipes locais teve início com as escolas de enfermagem. Devido à sobrecarga de trabalho, enfermeiros de ambos os sexos logo começaram a gerenciar serviços de atendimento mais periféricos. Em alguns países, os governos distritais criaram clínicas e pequenos hospitais distritais, mas, na maioria deles, os hospitais das missões ofereciam de 50% a 80% dos leitos hospitalares. A saúde pública centrava-se na proteção ambiental, principalmente nos esforços iniciais para o provimento de água limpa e instalações sanitárias de melhor qualidade nas áreas urbanas. Serviços de saúde em colônias francófonas e em outras colônias européias eram singularmente diferentes daqueles oferecidos pelos países anglófonos, uma vez que enfatizavam veementemente o programa das “Grandes Endémies”. Nesse programa, níveis separados de uma rede nacional enfocavam uma única doença, como doença do sono, elefantíase, lepra e outras condições altamente prevalentes, que afetavam a capacidade de trabalho. Cuidados em massa eram providos por unidades móveis, freqüentemente muito bem equipadas, com instalações completas para viagens. A hipótese era que oferecer serviços de saúde ampliados para tratar pacientes em grandes concentrações populacionais seria mais eficaz para alcançar grandes proporções de indivíduos do que investir em instalações fixas. Ciclos repetitivos de tratamentos concentravam-se em intervenções curativas simples, e não na prevenção ou no controle. Assim como na África, os primeiros hospitais chineses foram criados principalmente pelas missões. Um sistema público nacional de saúde foi criado na década de 1920, reunindo esforços para controlar a praga pneumônica que rapidamente se disseminava na província da Manchúria. Uma nota histórica importante: a publicação do primeiro estudo de caso de cuidados básicos de saúde centrados na comunidade diz respeito a um projeto dessa época. O projeto foi implementado em Ding Xiang (antiga Ting Hsien), que ficava a cerca de 200 quilômetros ao sul de Pequim. Nessa província de cerca de meio milhão de habitantes, os cuidados de saúde eram fornecidos por agentes de saúde, que foram os predecessores dos ‘doutores descalços’ da China. Por um quarto de século, e para mais de um quinto da população mundial, a China contava com os sistemas de saúde mais eqüitativos jamais criados. Essa experiência forneceu lições importantes para o planejamento da Conferência Internacional sobre Cuidados Básicos de Saúde, realizada em 1978 em Alma-Ata, na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (hoje, Almaty, no Cazaquistão). 28 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 A Iniciativa do Sarampo mostra de que forma uma iniciativa global vertical bem gerenciada, com disponibilidade de recursos e bem direcionada pode ser ampliada rapidamente e produzir resultados impressionantes. A iniciativa é uma parceria entre UNICEF/OMS e outras agências internacionais importantes e organizações privadas proeminentes. Lançada em 2001, a Iniciativa do Sarampo adotou o objetivo estabelecido na Sessão Especial sobre a Criança, da Assembléia Geral das Nações Unidas, realizada em maio de 2002, para reduzir, entre 1999 e 2005, as mortes de crianças causadas pelo sarampo. A Iniciativa foi a principal patrocinadora da campanha em massa para aumentar a cobertura da vacinação contra o sarampo, que resultou na imunização de mais de 217 milhões de crianças entre 2001 e 2005 – a maioria delas, na África. Os resultados superaram a meta da ONU: o número de mortes causadas por sarampo diminuiu em 60% entre 1999 e 2005. A África contribuiu com 72% da redução absoluta no número de mortes. Estimativas concluíram que a imunização ajudou a evitar cerca de 7,5 milhões de mortes causadas por essa doença. A redução no número de mortes por sarampo reflete o apoio e o compromisso por parte da Iniciativa do Sarampo para ampliar a cobertura de imunização, e por parte dos governos nacionais, para implementar a estratégia abrangente, elaborada pela parceria OMS/UNICEF, para reduzir a mortalidade causada pelo sarampo. A estratégia envolve quatro ações fundamentais: • Fornecer no mínimo uma dose de vacina contra sarampo, ministrada aos 9 meses de idade ou logo após, por meio de cobertura de rotina de vacinação, para no mínimo 90% das crianças, nos níveis distritais e nacionais. • Dar a todas as crianças uma segunda oportunidade de vacinação contra sarampo. • Estabelecer supervisão eficaz. • Aprimorar a gestão clínica de casos complicados – incluindo suplementação de vitamina A. As atividades de controle do sarampo contribuem de diversas maneiras para o desenvolvimento de sistemas de saúde – por exemplo, por meio da promoção de práticas seguras de aplicação, desenvolvimento de melhores condições e capacidade de armazenamento de vacinas à temperatura adequada, e estabelecimento de uma rede global de laboratórios para a área da saúde pública. Além disso, as campanhas de vacinação são freqüentemente associadas a outras intervenções essenciais, tais como suplementação de vitamina A, distribuição de vermífugos e de mosquiteiros tratados com inseticida. A Iniciativa do Sarampo No início do século, países como Dinamarca, Holanda, Noruega e Suécia conseguiram reduzir rapidamente a mortalidade materna. Aparentemente, a forma como o atendimento qualificado ao parto foi organizado foi o fator principal para essa conquista. No caso desses quatro países, os esforços centralizaram-se no provimento de cuidados profissionais perto do local onde as mulheres viviam, principalmente aprimorando as habilidades das parteiras das comunidades.2 Campanhas em massa para o controle de doenças: 1950-1977 Por volta de 1950, a população mundial superava os 2,5 bilhões, e a expectativa global média de vida havia subido para 47 anos. As décadas de 1950, 1960 e 1970 presenciaram inúmeros esforços para controlar doenças, freqüentemente denominados ‘campanhas em massa’ ou ‘respostas focalizadas nas doenças’. Esses esforços utilizavam intervenções cientificamente consistentes e comprovadamente eficazes em termos epidemiológicos, realizadas por meio de programas gratuitos elaborados para combater uma doença ou condição específica. Freqüentemente caracterizados por objetivos claramente definidos, esses programas incluíam metas com prazos definidos, para a redução ou para a erradicação da doença, utilizando tecnologia específica aplicada por agentes de saúde dedicados.3 A campanha mais bem-sucedida foi a iniciativa para erradicação da varíola, que teve o último caso de transmissão de ser humano para ser humano relatado em 1977. Outras campanhas em massa foram bem-sucedidas na erradicação ou na redução substancial de doenças tais como verme da Guiné, tracoma e framboesia (bouba). O sucesso da campanha de erradicação da varíola foi um elemento essencial para o planejamento do programa mais bem-sucedido na história da saúde pública – o Programa Ampliado de Imunização (PAI), lançado em 1974. Inicialmente, o PAI tinha por objetivo vacinar crianças durante seu primeiro ano de vida contra seis doenças principais – difteria, tétano, pertússis (coqueluche), pólio, sarampo e tuberculose. Quando o programa teve início, menos de 5% das crianças em todos os lugares do mundo foram vacinadas contra essas doenças. Estatísticas mais recentes registram atualmente taxas globais de imunização – medidas por meio da cobertura da vacinação contra difteria, tétano e pertússis – acima de 75%. LIÇÕES APRENDIDAS A PARTIR DE SISTEMAS E PRÁTICAS DE CUIDADOS DE SAÚDE EM EVOLUÇÃO 29 Na Assembléia Mundial da Saúde, realizada em maio de 2005, foi estabelecido um novo objetivo global: reduzir o número de mortes por sarampo em 90% até 2010, em relação aos dados de 2000. Essa meta é um desafio, e sua realização exigirá a sustentação dos progressos alcançados nos países que apresentaram bom desempenho e grandes incursões em países que registram altos níveis de mortes por sarampo, tais como Índia e Paquistão. Há providências a tomar na luta contra o sarampo – 345 mil indivíduos morreram devido à doença em 2005, e 90% deles eram crianças menores de 5 anos de idade. Essa doença altamente contagiosa continua sendo uma causa importante de morte de menores de 5 anos, responsável por cerca de 4% da carga global. Enfraquece o sistema imunológico da criança, possibilitando a ocorrência de outras doenças e condições que ameaçam a vida – inclusive pneumonia, diarréia e encefalite aguda – e ainda é uma das principais causas de mortes evitáveis por vacinas entre as crianças. No período entre 1999 e 2005, o sucesso de esforços para reduzir o sarampo demonstrou o que pode ser feito quando vontade política, compromisso financeiro e estratégias consistentes por parte de parceiros internacionais e dos governos nacionais são implementados para prover tratamentos com boa relação custo/benefício. Desde que esse grau de comprometimento seja sustentado, é possível acreditar que a nova meta possa ser alcançada, contribuindo com os progressos rumo ao quarto Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM 4). Ver Referências, página 105. Figura 2.1 A carga global de mortes causadas pelo sarampo* Fonte: Estimativas da Organização Mundial da Saúde, publicadas em The Lancet, vol369, 20 de janeiro de 2007, p. 194. * Regiões de acordo com a Organização Mundial de Saúde. Central e Oriental foram apenas três dos fatores envolvidos. Em resposta, inúmeros países empreenderam esforços para reformar sistemas de saúde deteriorados e carentes de recursos, e aumentaram sua eficácia, sua eficiência e sua viabilidade financeira, além de aumentar sua eqüidade. A Iniciativa de Bamako Uma dessas abordagens, utilizada por muitos países, foi a Iniciativa de Bamako, lançada em 1987 na reunião de ministros de saúde africanos, realizada pela Organização Mundial da Saúde em Bamako, Mali. Esta Essa estratégia centrou-se no aumento do acesso a cuidados básicos de saúde e no atendimento às necessidades básicas das comunidades na África ao sul do Saara, por meio do fornecimento de um pacote mínimo integrado de cuidados de saúde nos centros de atendimento. Deu forte ênfase ao acesso a medicamentos e ao contato regular entre agentes de saúde e comunidades (Ver outros detalhes sobre a Iniciativa de Bamako no Destaque da página 36). Integração Na década de 1990, a ênfase na integração de serviços essenciais – característica central da Iniciativa de Bamako – tornou-se a força propulsora de muitas abordagens. Abordagens integradas buscavam associar os méritos dos programas de cuidados primários seletivos e dos programas de cuidados básicos de saúde. Como abordagens seletivas, enfatizavam consistentemente o provimento de um grupo básico de soluções com boa relação custo/benefício, planejadas para enfrentar desafios específicos de saúde; como programas de cuidados básicos de saúde, também davam atenção à participação da comunidade, à colaboração intersetorial e à integração ao sistema geral de atendimento de saúde. Um exemplo estabelecido há muito tempo, que dá maior ênfase à integração ocorrida durante a década de 1990, é a Gidi – Gestão Integrada das Doenças Infantis. Desenvolvida em 1992 pelo UNICEF e pela OMS, e utilizada desde então em mais de cem países, a Gidi adota uma abordagem ampla e transversal para a gestão de casos de doenças infantis, reconhecendo que a condição geralmente é influenciada por mais de uma causa.15 De fato, em muitos casos, crianças doentes apresentam sintomas sobrepostos de doenças, complicando os esforços de diagnóstico, mesmo em comunidades que possuem instalações de pronto atendimento adequadas para exames, 32 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 Dias nacionais de imunização (DNI) surgiram como campanhas em massa de um dia de vacinação contra a pólio em todos os países. Os DNI, que ainda acontecem em muitos países, são suplementares e não substituem a imunização de rotina. Seu objetivo original foi evitar a disseminação da pólio, por meio da imunização de todas as crianças menores de 5 anos de idade, independentemente de seu histórico anterior de vacinação contra essa doença. Não é novo o conceito de estabelecer um dia especial para intervenções em massa sobre a saúde infantil. Na década de 1980, dias especiais de imunização foram realizados com sucesso em países como Burquina Fasso, Colômbia e Turquia. Mais recentemente, em países como Angola, Serra Leoa e Somália, as guerras civis foram interrompidas durante “dias de tranqüilidade”, permitindo que as crianças fossem vacinadas com segurança. A vacinação em massa permite economias de escala, uma vez que profissionais capacitados podem supervisionar equipes de voluntários, principalmente em relação à vacina oral contra a pólio, que não requer agulha e seringa. Os dias de saúde infantil ampliaram o escopo das intervenções: além da imunização contra a pólio, passaram a incluir suplementação de vitamina A e, no caso do Zimbábue, distribuição de mosquiteiros tratados com inseticida e outras imunizações. Outros países que realizam eventos semelhantes incluem Nepal e Nigéria. No Nepal, o programa nacional de vitamina A é particularmente notável, uma vez que utiliza uma rede já existente de voluntárias de saúde comunitárias para fornecer os suplementos. Foi constatado que o programa tem uma relação custo/benefício altamente eficaz: estima-se que cada morte evitada custe entre US$327 e US$397; e o custo dos anos de vida que deixaram de ser perdidos, ajustado por deficiência (DALY), ficou aproximadamente entre US$11 e US$12. O programa foi ampliado de maneira consistente, a partir dos 32 distritos originalmente considerados prioritários, até cobrir todos os 75 distritos, em aumentos anuais de oito a dez distritos ao longo de um período de oito anos. A expansão foi auxiliada pela utilização de dias nacionais de imunização para aumentar a cobertura. Integrando o provimento de uma variedade de intervenções em um único local e em um mesmo momento, os dias de saúde infantil são eficientes tanto para as famílias quanto para os provedores de serviços de saúde. Conceitos relacionados – como semanas de saúde infantil – estão aumentando as oportunidades de colocar intervenções essenciais ao alcance de um grande número de crianças normalmente excluídas. Ver Referências, página 106. Dias nacionais de imunização e dias de saúde infantil o que se agrava naquelas em situações menos favorecidas. As estratégias de Gidi têm três componentes principais, sendo que cada um exige adaptação ao contexto do país: • Melhorar o desempenho dos agentes de saúde: este componente envolve a capacitação dos agentes de saúde para avaliar os sintomas das doenças, corrigir o mapeamen- to das doenças para tratamento, e prover tratamento adequado às crianças e informações aos cuidadores. Por meio do provi- mento de diretrizes adaptadas localmente, equipes de saúde aprendem as habilidades de gestão para cinco das principais causas de mortalidade infantil: infecções respiratórias agudas, principalmente pneumonia; doenças diarréicas; sarampo; malária; e subnutrição. • Melhorar os sistemas de saúde: este componente busca fortalecer os sistemas de saúde visando à eficácia da gestão das doenças infantis. As medidas utilizadas incluem apoio à disponibilidade de medicamentos, aprimoramento da supervisão, fortalecimento de procedimentos de encaminhamen- to de casos, e ampliação dos sis- temas de informações sobre saúde. São fornecidas orientações de planejamento para os gerentes nos níveis distrital e nacional. • Melhorar as práticas da comunidade e da família: o componente final é sempre mencionado como Gestão Comunitária Integrada das Doenças Infantis (Gidi-C). Fundamenta-se em práticas domésticas básicas realizadas pelas famílias e comunidades, apresentadas no Destaque do Capítulo 3, página 47.16 A integração da gestão de casos busca proteger a criança contra todas as doenças principais, não apenas contra uma ou duas, e oferecer-lhes o tratamento adequado. Enfatiza também a adaptação de soluções remediais para a capacidade e as funções de sistemas locais de saúde, e promove a prevenção de doenças por meio da capacitação de agentes de saúde e cuidadores sobre a importância dos serviços essenciais. É fundamental o papel dos pais e de outros cuidadores para detectar os sintomas comuns das doenças, levar a criança ao centro de saúde e implementar medidas preventivas, tais como alimentação adequada e práticas de higiene. LIÇÕES APRENDIDAS A PARTIR DE SISTEMAS E PRÁTICAS DE CUIDADOS DE SAÚDE EM EVOLUÇÃO 33 Durante a década de 1990, aumentaram as preocupações sobre a predominância potencial de abordagens verticais, que tendem a criar e utilizar estruturas gerenciais, operacionais e logísticas separadamente do sistema nacional de saúde, visando ao controle de doenças. Essas preocupações contribuíram para o desenvolvimento de um novo modo de financiamento para a saúde: o Programa com Enfoque Setorial Amplo (Pesa). Sob o comando dos programas Pesa, as principais contribuições financeiras para o setor da saúde apóiam um plano único para políticas, estratégias e gastos do setor, com a retaguarda de lideranças governamentais. Por meio de abordagens adotadas em comum, o setor inteiro assume o provimento de serviços de saúde, e procedimentos estipulados pelos governos aumentam progressivamente o controle de desembolsos e da contabilidade dos recursos. Os programas Pesa foram criados com diversos objetivos: resolver os problemas de limitações de formulários baseados em projetos de ajuda de doadores; garantir que os objetivos gerais de reforma do sistema de saúde sejam realizados; reduzir os altos custos de transações para os países; e estabelecer parcerias genuínas entre doadores e países, por meio das quais os dois lados tenham direitos e responsabilidades. Os programas Pesa constituem um processo dinâmico, e não um ponto final, e apresentam variações consideráveis através dos países. Esses programas contribuíram para maiores oportunidades de diálogo e confiança, pronunciada ênfase sobre um número selecionado de prioridades fundamentais do setor, e associações mais estreitas entre políticas e implementação. Entretanto, há restrições: ênfase exageradamente acentuada sobre detalhes de procedimentos de planejamento e desenvolvimento; participação limitada da sociedade civil; fraco desempenho administrativo; e mudança lenta da ênfase em coordenação de doações para uma consideração sobre aprimoramento e resultados dos serviços prestados. No final da década de 1990, no contexto da Iniciativa em favor dos Países Pobres Altamente Endividados, implementada pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial, o foco sobre o setor da saúde e o financiamento de sua reforma foram ampliados em muitos países de baixa renda para incluir os Documentos de Estratégias para Redução da Pobreza (DERP). Estruturas de gastos de médio prazo – os instrumentos plurianuais de planejamento público associadas aos DERP – são utilizadas para planejar requisitos orçamentários futuros para os serviços públicos e avaliar as implicações dos recursos disponíveis para mudanças de políticas e novos programas. Ver Referências, página 106. Financiando a área da saúde: programas com enfoque setorial amplo e iniciativa em favor dos Países Pobres Altamente Endividados A Gestão Comunitária Integrada das Doenças Infantis vem sendo rigorosamente avaliada desde sua concepção, em meados da década de 1990. Diversas agências – inclusive OMS, UNICEF, o Departamento do Reino Unido para o Desenvolvimento Internacional (DFID) e a Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) – realizaram avaliações multinacionais no início da década de 2000. Em 2004 e 2005, o UNICEF também revisou os componentes comunidade e família (Gidi-C).17 Embora os resultados iniciais fossem decepcionantes, principalmente devido à implementação incompleta dos três componentes centrais da Gidi, os resultados mais recentes demonstraram alguns sucessos notáveis. De acordo com estudos realizados, a gestão de caso Gidi melhorou a qualidade dos cuidados de saúde oferecidos em centros de pronto atendimento, deu motivação a agentes e gestores de saúde, e melhorou o desempenho dos agentes de saúde. E foi implementada a custos equivalentes ou inferiores aos custos dos serviços já existentes.18 Em diversos países da África ao sul do Saara foram observados resultados positivos relacionados à implementação da Gidi. Um estudo realizado em distritos rurais da Tanzânia, por exemplo, constatou que os distritos que implementaram uma iniciativa de fortalecimento de sistemas de saúde e a Gidi registraram uma redução na mortalidade infantil 13% maior do que nos distritos de controle.19 Resultados de levantamentos realizados na África do Sul, em Malaui, na Tanzânia e em Uganda indicaram que a implementação em larga escala da estratégia Gidi-C pode resultar em melhorias significativas em algumas práticas familiares essenciais, tais como etapas para melhorar a nutrição e a sobrevivência de bebês, a prevenção de doenças, cuidados no lar e busca de cuidados para crianças doentes, e provimento de ambientes favoráveis ao crescimento e ao desenvolvimento da criança.20 Essas ações bem-sucedidas levaram os especialistas em políticas de saúde a recomendar o desenvolvimento de políticas nacionais baseadas nas prioridades do país, com papéis claramente definidos para a Gidi e outras intervenções na saúde infantil, e a necessidade de analisar e gerenciar de forma crítica as restrições dos sistemas.21 Estimulados por uma série de estudos sobre sobrevivência da mãe, do recém- nascido e da criança, publicados na The Lancet, os modelos integrados de cuidados de saúde vêm sendo desenvolvidos dentro do contexto de cuidados de saúde continuados para a mãe, o recém-nascido e a criança (ver outros detalhes sobre cuidados continuados e parcerias no Capítulo 1, página 17). De fato, o conceito de cuidados continuados amplia a Gidi, para incluir a gestão integrada de doenças neonatais.22 A Índia foi pioneira em experiências preliminares bem-sucedidas com a nova abordagem, denominada Gestão Integrada de Doenças Neonatais e Infantis (Gidni), implementadas em sua totalidade (ver Destaque na página 35). Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e abordagens baseadas em resultados: a partir de 2000 Em 2000, a expectativa de vida no mundo todo aumentou de 47 anos, no início da década de 1950, para cerca de 65 anos. Entretanto, muitos países não 34 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 © U N IC E F/ H Q 06 -2 72 0/ S he hz ad N oo ra ni As abordagens à prestação de cuidados básicos de saúde devem ser adaptadas às neces- sidades e aos recursos individuais de cada país e comunidade. Uma enfermeira mede a pressão arterial de uma gestante, Bangladesh. Saara – ficarão muito distante da realização desses objetivos. Nos últimos anos, foram realizadas inúmeras reuniões de alto nível, com o objetivo de identificar oportunidades para atingir os ODM, explorar as melhores práticas, assumir compromissos com relação a resultados mensuráveis no nível nacional, e apoiar os ajustes institucionais pertinentes necessários nos níveis regionais, nacionais e globais. Uma preocupação crucial manifestada nesses encontros é o progresso dos países africanos ao sul do Saara, a região com as mais altas taxas de mortalidade materna, de recém-nascidos e de crianças, e a que tem registrados os progressos mais modestos em direção aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio relacionados à saúde. Ao ritmo atual, a maioria dos 46 países dessa região – e também o Sudão – não conseguirão atingir os ODM. Projeções atuais indicam que a taxa de pobreza na África ao sul do Saara – medida pela proporção de indivíduos que vivem com menos de um dólar por dia – chegará a aproximadamente 40% em 2015.23 Em alguns países, as taxas de mortalidade de menores de 5 anos ficaram estagnadas, ou até mesmo reverteram, e o número de mortes pediátricas devidas à aids continua a aumentar. Apesar dessa perspectiva desanimadora, ainda há esperanças provenientes de experiências de outros países, cujas abordagens objetivas resultaram em um declínio significativo nas taxas de mortalidade de menores de 5 anos.24 Recentemente, diversas revisões abrangentes das intervenções para a sobrevivência infantil, baseadas em evidências, confirmaram que há intervenções de baixo-custo que podem evitar em até dois terços a mortalidade de menores de 5 anos, e em mais de 50% a mortalidade neonatal.25 Além disso, de 88% a 98% das mortes maternas podem ser evitadas.26 LIÇÕES APRENDIDAS A PARTIR DE SISTEMAS E PRÁTICAS DE CUIDADOS DE SAÚDE EM EVOLUÇÃO 37 Figura 2.3 Gidi (Gestão Integrada de Doenças Infantis) em centros de saúde para pacientes não internados, centros de referenciamento de pronto atendimento e em casa, para crianças doentes a partir de 2 meses até 5 anos de idade Fonte: Organização Mundial da Saúde e Fundo das Nações Unidas para a Infância, Model Chapter for Textbooks: Integrated Management of Childhood Illness. OMS e UNICEF, Genebra e Nova Iorque, 2001, p. 6. Rumo a uma estrutura unificada para garantir resultados de saúde para mães, recém-nascidos e crianças Nos últimos anos, governos e parceiros de desenvolvimento vêm renovando seus compromissos para alcançar os ODM relacionados à saúde e garantir que sua nova disposição seja traduzida, de maneira eficaz, em estratégias regionais conjuntas ou coordenadas. Ao mesmo tempo, especialistas em mortes maternas, de recém-nascidos e de crianças vêm-se unindo em torno de um conjunto de princípios estratégicos baseados nas lições do século passado. Esses princípios estão baseados em três linhas principais: Um reconhecimento renovado dos princípios de cuidados básicos de saúde, que enfatizam a primazia da parceria entre família e comunidade em favor da sobrevivência, do crescimento e do desenvolvimento da criança.27 Essa abordagem estimulou um interesse renovado em outro princípio de cuidados básicos de saúde – a necessidade de parcerias com as 38 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 De acordo com um de seus proponentes – Jaime Sepúlveda, do Instituto Nacional de Saúde do México –, a abordagem diagonal constitui o “provimento pró-ativo, baseado em suprimentos, de um conjunto de intervenções em larga escala, com boa relação custo/benefício, que estabelece a conexão entre clínicas de saúde e domicílios”. Freqüentemente, intervenções verticais constituem o ponto de partida de abordagens diagonais, com a exigência de que essas intervenções sejam ampliadas ao longo do tempo, com apoio de instalações e agentes de campo já existentes. A abordagem diagonal enfatiza a importância da integração e da coordenação entre intervenções verticais, iniciativas baseadas na comunidade e centros de saúde ou serviços ampliados. Enfrenta uma série de questões básicas por meio da implementação prioritária de intervenções específicas, que incluem: fornecimento de medicamentos; planejamento de instalações; financiamento; desenvolvimento de recursos humanos; garantia de qualidade; e prescrição racional. Nos 25 anos entre 1980 e 2005, o México implementou com sucesso inúmeros programas verticais que subseqüentemente foram ampliados. Esses programas tinham por objetivo: doenças diarréicas (distribuição de sais de reidratação oral e o Programa Água Limpa); doenças imunoevitáveis (dias nacionais de vacinação, campanhas de vacinação contra sarampo, Programa de Vacinação Universal, semanas nacionais de saúde); suplementação de vitamina A e terapia anti-helmíntica (semanas nacionais de saúde). O Progresa – um programa condicional de transferência de dinheiro, elaborado para envolver as famílias mais pobres do país – forneceu incentivos financeiros para melhorar as práticas de saúde e nutrição, e para manter as crianças na escola. Os benefícios são condicionados à freqüência regular às clinicas de saúde que fornecem serviços essenciais de saúde e nutrição. Suplementos alimentares são distribuídos a todas as crianças entre 6 meses e 23 meses de idade e a crianças entre 2 anos e 4 anos de idade com baixo peso, de famílias selecionadas. O programa foi associado a um impacto fortemente positivo sobre o status nutricional das crianças. Em 2001, quando o Ministério da Saúde lançou o programa Arranque Parejo en la Vida, foi introduzido um pacote mais abrangente, composto por cuidados continuados de saúde para mães, recém-nascidos e crianças. Essa iniciativa promove a participação social e da comunidade, fortalece e amplia os cuidados pré- natais e neonatais, e fornece suplementação de ácido fólico para mulheres, entre outros fatores. Vem alcançando altos níveis de cobertura. Por meio do Seguro Popular – uma iniciativa pública de seguro de saúde –, a saúde materna e a saúde infantil tornaram-se um direito. Em parte, a abordagem diagonal surgiu como resultado de pesquisas sobre o sistema de saúde do México e de seu desenvolvimento durante os últimos 25 anos. Diferentemente de outras abordagens, surgiu como resposta prática à crescente complexidade dos perfis das doenças e à pressão enfrentada pelo país para desenvolver intervenções e sistemas de saúde que oferecessem serviços de qualidade a preços acessíveis, e que alcançassem as populações mais pobres e mais marginalizadas. Em 2005, o programa Contagem Regressiva para 2015: Acompanhando o Progresso na Sobrevivência Infantil selecionou 60 países que devem receber atenção prioritária. Entre eles, o México tornou-se um dos sete países a caminho da realização dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, devido à implementação dessa abordagem diagonal. Atualmente, essa abordagem está formalizada e é patrocinada pelo ex- ministro da Saúde do México Julio Frenk, para quem essa estrutura deve ser integrada a políticas de saúde mais abrangentes. Seu objetivo é superar as dicotomias existentes entre as abordagens horizontal e vertical, as políticas intersetorial e setorial, e os esforços nacionais e internacionais, oferecendo uma “terceira opção”, por meio da qual intervenções eficazes se transformem em forças motrizes do desenvolvimento de sistemas de saúde. Ver Referências, página 106. Abordagens diagonais: o caminho mexicano comunidades no apoio às famílias, para melhorar suas práticas com as crianças, e para responsabilizar os sistemas de saúde pelo provimento de serviços de qualidade a custos acessíveis. O Capítulo 3 analisa as parcerias com as comunidades no apoio a práticas familiares e de saúde relacionadas à mãe, ao recém-nascido e à criança. A abordagem ‘desenvolvimento de sistemas de saúde por resultados’ para o provimento de serviços de saúde associa os pontos fortes das abordagens seletiva/vertical e abrangente/horizontal. Essa nova abordagem vem sendo adotada como estrutura para expandir pacotes de intervenções com boa relação custo/benefício e integrá-los a programas de cuidados continuados para mães, recém-nascidos e crianças. Enfatiza a expansão de intervenções e práticas de alto impacto, baseadas em evidências, relacionadas a saúde, nutrição, HIV e aids, água, saneamento e higiene, e ressalta a importância de remover os gargalos existentes nos sistemas, que prejudicam o provimento e a utilização de cuidados de saúde. Quando seu alcance é ampliado em conjunto e quando são implementadas de maneira abrangente, essas intervenções devem exercer um impacto duplo e sinérgico não apenas sobre a sobrevivência infantil, mas também sobre o crescimento e o desenvolvimento da criança. Essa abordagem desafia a dicotomia há muito existente entre abordagens verticais, que buscam resultados, e abordagens integradas, que buscam o fortalecimento dos sistemas, com o argumento de que ambas podem ser realizadas por meio da adaptação dos sistemas de saúde, para que produzam resultados. Reconhece também que as probabilidades de que condições ótimas de sobrevivência, crescimento e desenvolvimento sejam atingidas e sustentadas são maiores quando medidas preventivas estão disponíveis para as futuras mães (ou seja, para adolescentes e mulheres jovens) antes do nascimento de seus filhos, e quando podem usufruir dos benefícios de um conjunto de cuidados, que compõem uma abordagem integrada em desenvolvimento em favor da saúde reprodutiva maternal, neonatal e infantil. O Capítulo 4 analisa como expandir o alcance dessas estratégias. Melhores formas de trabalho nos níveis nacional e internacional, com forte ênfase em coordenação, harmonização e resultados. É preciso uma nova forma de trabalhar pela comunidade global em apoio aos países, para que possam LIÇÕES APRENDIDAS A PARTIR DE SISTEMAS E PRÁTICAS DE CUIDADOS DE SAÚDE EM EVOLUÇÃO 39 Estrutura conceitual para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio relativos à saúde Figura 2.4 42 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 Elizabeth N. Mataka, enviada especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para HIV/aids na África É desalentador observar que as mulheres representam cerca de 50% de todos os adultos que vivem com HIV em todos os lugares do mundo. Apenas na África ao sul do Saara, de 23 milhões de adultos entre 15 e 49 anos de idade infectados com HIV, 13,1 milhões – ou 57% – são mulheres. Na Zâmbia, por exemplo, mulheres e meninas são altamente vulneráveis ao HIV e à aids, e as mulheres entre 15 e 24 anos têm probabilidade três vezes maior de ser infectadas do que os homens no mesmo grupo etário. O custo imposto às mulheres pelo HIV – principalmente aquelas que vivem na África – vem sendo amplamente subestimado. As crianças também não têm sido poupadas dos efeitos da aids, e seu impacto é devastador. Estima-se que, ao final de 2006, 2,3 milhões de crianças menores de 15 anos de idade viviam com HIV. Muitas crianças continuam a perder seus pais como conseqüência da aids, e essa situação levou a um aumento no número de órfãos e de crianças vulneráveis. As previsões para 2010 calculam em cerca de 15,7 milhões o número de crianças órfãs devido à aids apenas na África ao sul do Saara. As crianças sofrem por um longo período antes da morte de seus pais, principalmente as meninas, que precisam sair da escola para cuidar dos pais doentes, principalmente de suas mães. As crianças perdem a oportunidade de educação e de desenvolvimento máximo de seu potencial devido à falta de apoio. Quando seus pais morrem, as crianças por vezes precisam mudar para outro local – perdem seus amigos, assim como a vizinhança familiar e o ambiente em que se sentiam seguras. O trauma real sofrido por essas crianças permanece desconhecido, uma vez que não há serviços de orientação infantil na África. Suponho que a ênfase seja dada às necessidades físicas visíveis, em detrimento das necessidades psicológicas das crianças, mais complexas e desafiadoras. As crianças já não podem mais confiar no apoio do sistema tradicional da família ampliada, que fornece cuidados e apoio para idosos, órfãos e qualquer outro membro da família em situação vulnerável e menos favorecida. Este Esse mecanismo de apoio foi sobrecarregado pela pobreza e pelos números absolutos de crianças que precisam de cuidados, uma vez que a aids afeta os membros mais produtivos das famílias na plenitude de sua vida produtiva e reprodutiva. Conseqüentemente, muitas vezes as crianças mudam-se para lares que já estão sobrecarregados e nos quais não são realmente bem-vindas. Algumas delas ficam sem ter onde morar e vivem nas ruas das principais capitais da África. Todas as crianças precisam de um teto, nutrição adequada, cuidados e estruturas de apoio para ajudar na sua criação e renovar sua esperança no futuro. Sem educação e socialização, providas por pais e guardiões, as crianças não conseguem adquirir as habilidades e o conhecimento de que necessitam para que se tornem adultos plenamente produtivos na sociedade. O HIV e a aids estão deixando para trás uma geração de crianças criadas por avós que, na maioria dos casos, também necessitam de apoio devido a sua idade. As taxas de infecção entre mulheres e meninas causam profunda preocupação, e quando associadas à carga de trabalho assumida pelas mulheres – cuidar de pacientes com aids, de órfãos da aids e de suas próprias famílias –, tornam a situação insustentável, principalmente na África Meridional. A disparidade do status socioeconômico entre homens e mulheres causa grande impacto na disseminação do HIV, principalmente entre mulheres e meninas. Normas culturais e casamentos precoces aumentam ainda mais a vulnerabilidade de meninas jovens à infecção. A comunicação restrita sobre questões de sexo limita sua capacidade para negociar práticas mais seguras e pode forçá-las a permanecer em relações de risco. E os problemas socioeconômicos podem limitar seu acesso a orientação e tratamentos. Em contextos desse tipo, as mulheres não possuem bens nem têm acesso a recursos financeiros, sendo dependentes do apoio de seus maridos, pais, irmãos e filhos. Sem recursos, essas mulheres ficam suscetíveis à violência sexual, e a ameaça dessa violência também limita sua capacidade de proteção contra HIV e aids. A crise está longe de ser superada. Os governos africanos devem comprometer-se com o fortalecimento de iniciativas que aumentem a capacidade de proteção dos indivíduos – principalmente de mulheres e crianças. O aumento do poder das mulheres não pode mais ser tratado sob o título geral de “Colocar as Questões de Gênero em Todos os Aspectos do Desenvolvimento”. O aumento do poder das mulheres, assim como o apoio a órfãos e crianças vulneráveis, deve subir para o nível seguinte de programas bem direcionados, bem financiados, com prazos determinados e que apresentem resultados mensuráveis. É necessário maior apoio de iniciativas ‘além da conscientização’, que enfoquem desenvolvimento de habilidades, promoção de saúde baseada na comunidade, condições positivas de vida, igualdade de gênero e acesso universal à prevenção, cuidados e tratamento. As ramificações da pandemia de aids são muitas e causam impacto negativo em todos os aspectos do desenvolvimento. Há muito a ser feito na África para garantir que a resposta seja proporcional aos desafios humanos e financeiros impostos pelo HIV e pela aids. São necessários programas de prevenção, cuidados e apoio sustentados no longo prazo, e de provimento de recursos consistentes, previsíveis e sustentados. É necessário também capacitar as mulheres e mudar as práticas culturais que as discriminam. Respostas sustentáveis no longo prazo são essenciais e só podem ser alcançadas quando todos os interessados relevantes trabalharem em conjunto. HIV e aids na África e seu impacto sobre mulheres e crianças O Capítulo 3, que destaca a necessidade de desenvolver sistemas de saúde que forneçam cuidados continuados de qualidade e que enfoquem os benefícios de utilizar parcerias com comunidades nos países cujos sistemas de saúde têm capacidade insuficiente, mostra como o acúmulo de conhecimentos vem sendo utilizado. Os resultados são promissores e, algumas vezes, impressionantes. Mas ainda há muito a fazer – e muito mais a aprender – para expandir essas abordagens de modo que alcancem os milhões de mães, recém-nascidos e crianças que atualmente vivem ou morrem sem acesso a cuidados de saúde de boa qualidade. LIÇÕES APRENDIDAS A PARTIR DE SISTEMAS E PRÁTICAS DE CUIDADOS DE SAÚDE EM EVOLUÇÃO 43 A Parceria pela Saúde Materna, Neonatal & Infantil (PMNCH), lançada em setembro de 2005, reúne 180 comunidades maternas, neonatais e infantis em uma aliança para reduzir a mortalidade e a morbidade. A Parceria é produto de uma aliança entre as três principais parcerias pela saúde materna, neonatal e infantil: Parceria pela Maternidade Segura e pela Saúde do Recém-nascido, sediada pela OMS, em Genebra; Parceria pelo Recém- nascido Saudável, com base no Save the Children dos Estados Unidos; e Parceria pela Sobrevivência da Criança, sediada pelo UNICEF, em Nova Iorque. A PSMNI está centrada em quatro áreas de trabalho básicas: • Advocacia: sua missão central, para analisar o perfil da saúde materna, neonatal e infantil nas agendas de políticas e pressionar por financiamento e recursos adicionais. • Promoção e avaliação de intervenções eficazes, baseadas em evidências: visando à expansão, com foco na redução da desigualdade no acesso a cuidados de saúde. • Apoio nacional: para incluir cuidados de saúde para mães, recém-nascidos e crianças nos planos nacionais de desenvolvimento e investimento, fortalecer sistemas de saúde e melhorar a eqüidade na cobertura. • Acompanhamento e avaliação da cobertura de intervenções prioritárias, dos progressos realizados rumo aos ODM 4 e 5, e igualdade na cobertura: para manter a responsabilização dos interessados. Os membros da PMNCH estão divididos em seis grupos: instituições acadêmicas e de pesquisa; profissionais da área da saúde; agências da ONU; organizações não- governamentais; doadores e fundações; e governos. A parceria tem por objetivo colocar no mínimo 50% dos 60 países identificados pelo programa Contagem Regressiva para 2015: Acompanhando os Progressos na Sobrevivência Infantil no caminho para alcançar os ODM 4 e 5 até 2010. Uma definição de seu trabalho é gerar atendimentos integrados de cuidados continuados de saúde para mães, recém-nascidos e crianças, ao longo do tempo (períodos de gestação, nascimento, lactância e infância) e em qualquer localização (domicílio, comunidade e centros de saúde). Ver Referências, página 106. Parceria pela Saúde Materna, Neonatal & Infantil Para que os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio relacionados com a área de saúde sejam alcançados, será preciso fortalecer os sistemas de saúde em todos os níveis – serviços baseados em centros de atendimento, programas formais de saúde pública e parcerias na comunidade. Um conjunto crescente de evidências mostra que melhores práticas na comunidade e na família, associadas a oportunidades de encaminhamento ao sistema de saúde, podem ter um impacto poderoso sobre a redução da mortalidade de menores de 5 anos. Como resultado, sistemas de saúde integrados e cuidados básicos de saúde organizados na comunidade vêm recebendo novamente mais atenção e maior ênfase em políticas nacionais e em parcerias e programas internacionais voltados à questão da saúde. A experiência demonstra que parcerias comunitárias bem-sucedidas estão fundamentadas em diversos aspectos comuns: organização e participação da comunidade de forma coesiva e inclusiva; apoio e incentivos para agentes comunitários de saúde; programas desenvolvidos com supervisão e apoio adequados; sistemas de referência eficazes para o atendimento baseado em centros de saúde; cooperação e coordenação com outros programas e setores; segurança no financiamento; e integração com programas e políticas distritais e nacionais. Liderança nacional e domínio de parcerias comunitárias são condições essenciais para garantir a sustentabilidade e para promover a expansão. Os governos têm um papel crítico no desenvolvimento e na implementação de políticas que busquem a redução de barreiras aos cuidados básicos de saúde, na melhoria da qualidade e da eficiência dos prestadores de serviços, e no aumento da responsabilização por parte dos órgãos públicos. O desenvolvimento de políticas de saúde eficazes, centradas na criança, e a construção de instituições fortes que estabeleçam a ligação entre a comunidade e os sistemas de saúde são passos fundamentais em direção ao cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio relacionados à saúde: em muitos países, para que sejam realizados progressos significativos, aumentos nos gastos deverão ser acompanhados por melhorias substanciais no ambiente de políticas. Os doadores, por outro lado, devem reorganizar-se em torno de políticas e estratégias nacionais voltadas para a melhoria das condições de sobrevivência, saúde e nutrição da mãe e da criança e, juntamente com os governos, devem investir recursos humanos e financeiros em volumes suficientes para expandir e fortalecer parcerias comunitárias. RESUMO Parcerias comunitárias são fundamentais para reduzir as taxas de mortalidade materna, de recém-nascidos e de crianças. Uma animadora comunitária para o desenvolvimento, Índia. implementação depende do contexto local. A identificação dos fatores de sucesso não é apenas uma maneira positiva de avaliar programas e de ‘aprender fazendo’: é também um procedimento muito mais fácil do que tentar desagregar dos fatores contextuais aqueles elementos que não funcionaram em um programa baseado na comunidade. Conseqüentemente, embora o Destaque da página 48 relacione uma série de desafios comuns enfrentados por parcerias comunitárias na área de cuidados básicos de saúde, o capítulo abordará principalmente a identificação e a explicação dos princípios comuns a iniciativas bem- sucedidas. Fatores de sucesso identificados a partir de evidências e experiências são apresentados e resumidos a seguir, e incluem: PARCERIAS COMUNITÁRIAS EM CUIDADOS BÁSICOS DE SAÚDE PARA MÃES, RECÉM-NASCIDOS E CRIANÇAS 47 Inúmeras agências, incluindo UNICEF e OMS, concordaram com as 12 práticas familiares fundamentais para neonatos e bebês, que podem ajudar a promover a sobrevivência, a saúde e a nutrição da criança nas comunidades: • Aleitamento materno exclusivo: Promover o aleitamento materno exclusivo desde o nascimento até 6 meses de idade. Mães com HIV necessitam de orientação sobre possíveis alternativas ao aleitamento materno. • Alimentação complementar: Iniciar aos 6 meses de idade. A complementação alimentar rica em nutrientes e simultânea ao aleitamento materno, por no mínimo dois anos, pode evitar mais de 10% das mortes causadas por diarréia e infecções respiratórias agudas, principalmente a pneumonia; e aumentar a resistência ao sarampo e a outras doenças. • Suplementação de micronutrientes: Aumentar da ingestão de vitamina A por meio da dieta ou de suplementos nas comunidades nas quais foi constatada a deficiência dessa vitamina pode reduzir em 20% a mortalidade de crianças entre 6 meses e 5 anos de idade. • Higiene: Melhorar as práticas de higiene, principalmente a lavagem das mãos com sabão (ou cinzas) e o descarte seguro das fezes, pode reduzir em 35% a incidência de diarréia. • Imunização: Vacinar todas as crianças menores de 1 ano de idade contra o sarampo pode evitar a maioria das mortes anuais relacionadas a essa doença. Os cuidadores devem certificar-se de que as crianças recebam a série completa de vacinas antes de completar 1 ano de idade – vacinas contra bacilo Calmette-Guérin (BCG), difteria, coqueluche e tétano, vacina oral contra pólio e vacina contra sarampo. • Prevenção da malária: Utilizar mosquiteiros tratados com inseticida nos domicílios situados em áreas em que a malária é endêmica pode reduzir em até 23% as mortes de crianças relacionadas à malária. • Cuidados e desenvolvimento psicossociais: Promover o desenvolvimento mental e social por meio do atendimento das necessidades de cuidados da criança e de conversas e brincadeiras em um ambiente estimulante. • Alimentação e fluidos para crianças doentes: Não interromper a alimentação e oferecer maior quantidade de líquidos, inclusive leite materno, para crianças doentes. • Tratamento domiciliar: Dar às crianças doentes tratamento domiciliar adequado para infecções. • Busca por cuidados: Reconhecer quando uma criança doente necessita de cuidados fora do ambiente do lar, e buscar cuidados em centros de atendimento adequados. • Práticas adequadas: Seguir a orientação do agente de saúde sobre tratamento, acompanhamento e cuidados referenciados. • Cuidados pré-natais: Todas as gestantes devem receber atendimento pré-natal adequado. Esse atendimento inclui no mínimo quatro consultas pré-natais com um prestador de cuidados de saúde adequado e as doses recomendadas de vacinação contra o toxóide tetânico. A mãe também merece o apoio de sua família e de sua comunidade na busca de cuidados no momento do parto e durante o período pós-parto e de lactação. Outras práticas importantes que protegem as crianças incluem: prover cuidados adequados para aquelas afetadas por HIV/aids, principalmente órfãs e crianças vulneráveis; proteger as crianças de lesões e acidentes, abuso e negligência; e envolver os pais nos cuidados com seus filhos. Muitas dessas ações podem ser realizadas por agentes comunitários de saúde ou pelos próprios membros das comunidades, desde que tenham o apoio adequado e recebam os produtos e serviços necessários. O envolvimento direto da comunidade talvez seja mais adequado para os aspectos dos cuidados de saúde e nutrição que afetam os indivíduos de maneira mais direta e rotineiramente. Esses cuidados incluem alimentar bebês e crianças pequenas, outras práticas de cuidados e o fornecimento de água e saneamento. Ver Referências, página 107. Práticas básicas para intervenções de cuidados de saúde baseados na comunidade • Organização e participação da comunidade de forma coesiva e inclusiva. • Apoio e incentivos para agentes comunitários de saúde. • Programas desenvolvidos com supervisão e apoio adequados. • Sistemas de encaminhamento eficazes para o atendimento baseado em centros de saúde. • Cooperação e coordenação com outros programas e setores. • Segurança no financiamento. • Integração com programas e políticas distritais e nacionais. Cada um desses princípios será brevemente resumido nas próximas páginas. Organização e participação da comunidade de forma coesiva e inclusiva. Uma organização coesiva e inclusiva é uma característica fundamental de parcerias comunitárias bem- sucedidas. As comunidades funcionam sob normas e práticas determinadas que, com freqüência, estão profundamente arraigadas em heranças sociais, religiosas ou culturais. Programas que respeitam essa herança estão entre as abordagens baseadas na comunidade que tiveram os maiores sucessos em ações voltadas à saúde e à nutrição. Na Ásia, por exemplo, as iniciativas em grande escala empreendidas em Bangladesh (BRAC), na Índia (Jamkhed e outras), no Paquistão (Agentes de Saúde Femininas) e em outros países foram conduzidas por organizações locais – freqüentemente, 48 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 Meta abrangente • Reduzir a mortalidade e a morbidade de mães, recém-nascidos e crianças. Objetivos • Melhorar o acesso a serviços preventivos e curativos. • Promover o contato mais direto e freqüente entre agentes de saúde e cuidadores, mães e crianças. • Estimular mudanças comportamentais sustentáveis. • Apoiar práticas de cuidados. • Estimular a mobilização social pela comunidade visando à demanda por melhores serviços e por responsabilização. Características centrais • Atividades de cuidados de saúde e nutrição realizadas fora dos centros formais de saúde. • Agentes comunitários de saúde – freqüentemente voluntários ou pessoas que trabalham em meio período – são participantes essenciais no provimento de serviços essenciais e na promoção de melhores práticas de cuidados. • Capacitação, apoio e supervisão de agentes comunitários de saúde são aspectos comuns nos programas. • Disponibilidade de um ponto central nas imediações para o provimento de serviços ou para visitas domiciliares. • Organização comunitária em apoio ao programa e contribuindo não apenas com administração e implementação, mas muitas vezes também com planejamento e avaliação. • Outros aspectos dos cuidados básicos de saúde – principalmente água e saneamento, assim como intervenções agrícolas – fazem parte do programa. Características adicionais comuns a algumas parcerias com as comunidades, mas não a todas • Encaminhamento de casos a centros de saúde. • Apoio dado por agentes que atuam em programas expandidos. • Integração do programa ao setor de saúde mais amplo. • Integração a programas e políticas de desenvolvimento nacional. • Medidas para fortalecer o ambiente de apoio, ou seja, iniciativas em favor da igualdade de gênero. Restrições comuns nas parcerias com as comunidades • Falta de agentes comunitários de saúde para prover serviços de qualidade. • Coordenação inadequada dos diversos participantes. • Recursos insuficientes para atividades baseadas na comunidade. • Suprimento irregular de medicamentos e instalações. • Apoio e supervisão inconsistentes por parte dos agentes comunitários de saúde. • Práticas tradicionais de cuidados infantis arraigadas. • Baixo status econômico da mulher. Ver Referências, página 107. Aspectos e desafios comuns das parcerias nas comunidades em relação a saúde e nutrição por grupos de mulheres. Esses grupos iniciaram suas ações a partir de estruturas estabelecidas dentro das comunidades, e as ampliaram para outras áreas de atividade, inclusive educação, crédito e saúde.7 Apenas organização não basta para promover mudanças duradouras. Para que seja realmente eficaz e universal em seu escopo, a participação comunitária deve ser socialmente inclusiva. Uma vez que as comunidades são freqüentemente heterogêneas em composição e estrutura, o estabelecimento de uma parceria comunitária socialmente inclusiva pode ser um desafio. Padrões de exclusão e discriminação relativos a gênero, religião, etnia e deficiência que se mantêm por muito tempo podem comprometer o alcance das intervenções. Divisões entre membros da comunidade também podem ter raízes em eventos e circunstâncias mais recentes, tais como conflitos civis e o estigma associado ao HIV e à aids.8 Mesmo quando as comunidades são organizações respeitadas, socialmente inclusivas, sua participação em programas não ocorre de maneira automática. É preciso que haja defesa de seus interesses e comunicação para que organizações comunitárias consigam afirmar suas preferências e necessidades na área de cuidados de saúde, nutrição e serviços de abastecimento de água e de saneamento. Depois que o programa é lançado e implementado, os membros da comunidade devem verificar se seu desenvolvimento atende aos objetivos individuais e coletivos estabelecidos. À medida que os programas avançam, sua relevância deve ser avaliada com regularidade.9 Programas que limitam a participação comunitária à implementação correm o risco de fragilizar o domínio local, resultando em uma participação apenas experimental e irrelevante.10 Reuniões periódicas das organizações comunitárias envolvidas em programas comunitários constituem um componente de participação importante. Nessas reuniões, os resultados e as evidências podem ser discutidos como parte do planejamento, do acompanhamento e da avaliação. Apoio e incentivos para agentes comunitários de saúde Agentes de saúde comunitários são constituídos como parte integrante de programas baseados na comunidade, atuando como ponte de ligação entre a equipe de profissionais da saúde e a comunidade, ajudando a comunidade a identificar e encaminhar suas próprias necessidades. De maneira geral, agentes de saúde comunitários são o elemento principal em programas baseados na comunidade que envolvem tratamento, educação e orientação, normalmente por meio de visitas domiciliares. Além disso, esses agentes dão assistência em centros de saúde, adquirem e prescrevem medicamentos e outros produtos essenciais, participam das reuniões na comunidade e cumprem suas responsabilidades no gerenciamento dos programas. Outras tarefas incluem a participação em reuniões no distrito local e na região para capacitação e troca de informações, e a atribuição de representar a comunidade no diálogo com outras comunidades e com equipes de saúde do governo. Uma vez que podem alcançar crianças vulneráveis que de outra forma não teriam acesso a serviços básicos de saúde, os agentes de saúde comunitários foram particularmente eficazes em projetos voltados para a melhoria das condições para a sobrevivência infantil em países tão diversos como Equador, Etiópia, Colômbia e Nepal. O sucesso dos esforços no sentido de ampliar o alcance das intervenções através dos países em desenvolvimento confirma o potencial dos agentes de saúde comunitários para prestar serviços de PARCERIAS COMUNITÁRIAS EM CUIDADOS BÁSICOS DE SAÚDE PARA MÃES, RECÉM-NASCIDOS E CRIANÇAS 49 © U N IC E F/ H Q 07 -0 46 3/ C hr is tin e N es bi tt Líderes locais podem atuar vigorosamente em defesa da promoção de intervenções de saúde essenciais dentro das comunidades. Um chefe distrital vacina seu filho contra a pólio, Nigéria. perda de equipes. Agentes de saúde qualificados que atuam em centros de saúde ou estão vinculados a eles normalmente assumem a função de supervisão, que pode aumentar ainda mais sua carga já pesada de trabalho. Os próprios supervisores precisam de capacitação para adquirir as habilidades necessárias para supervisionar programas baseados na comunidade. Restrições de recursos – humanos, financeiros ou organizacionais – podem limitar a amplitude e a profundidade da capacitação, colocando os supervisores e os agentes de saúde comunitários em considerável desvantagem na implementação e no gerenciamento de programas. Em especial, visitas à comunidade realizadas pelos supervisores são importantes para ambas as partes, permitindo capacitação in loco e aprendizagem na prática. No entanto, essas visitas freqüentemente ficam comprometidas por restrições de recursos financeiros ou devido à precariedade da infra- estrutura de transportes. A administração eficiente de programas comunitários facilita a avaliação, e o acompanhamento pode garantir que a cobertura seja a mais universal possível. Registros de pacientes, tratamentos e resultados devem ser mantidos atualizados, e reuniões devem ser realizadas a intervalos regulares, para consolidar relações colaborativas entre os agentes de saúde e para orientar avaliações e alterações nos programas. A utilização de recursos tecnológicos, tais como bancos de dados informatizados, e-mail e telefones celulares, pode dar agilidade ao processo de coleta e disseminação de informações, liberando tempo para que os agentes de saúde e os supervisores visitem as comunidades e as famílias, que realizem suas próprias reuniões. Outros tipos de apoio a programas incluem logística, suprimentos e equipamentos. Agentes de saúde comunitários devem dispor de ferramentas suficientes – inclusive capacitação e produtos – para conseguir realizar seu trabalho e manter sua posição na comunidade. As avaliações de programas de agentes de saúde comunitários realizadas em larga 52 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 É evidente a urgência de programas de prevenção da transmissão de HIV da mãe para a criança (PTMPC). Estima- se que 530 mil crianças foram infectadas em 2006, principalmente por meio da transmissão da mãe. Sem tratamento, 50% dos bebês que nascem com o vírus morrerão antes de completar 2 anos de idade. Entretanto, reduções significativas na transmissão da mãe para a criança podem ser conseguidas por meio da implementação de ações básicas, mas essenciais. Entre elas estão o fornecimento de testes de HIV de rotina, para identificar gestantes infectadas pelo vírus; sua inscrição em programas de PTMPC; garantia de que os sistemas de saúde tenham capacidade absoluta para prover tratamento anti- retroviral eficaz como profilaxia e tratamento; e apoio para que as mulheres adotem alimentação infantil segura e de boa qualidade. Mesmo quando esses serviços e intervenções estão disponíveis, muitas gestantes não têm acesso a eles porque não recebem as informações necessárias, porque têm medo do estigma associado ao HIV, ou porque os agentes de saúde estão sobrecarregados. Em muitos países, a falta de participação em programas relacionados com a PTMPC pós- parto é comum, mesmo quando as mulheres são atendidas por esses serviços durante a gestação. O programa de mães para mães (m2m) é inovador. Está baseado em centros de saúde e opera em 73 localidades na África do Sul e em 15 em Lesoto. O programa adota uma abordagem que utiliza educação e aumento de poder para evitar a transmissão de HIV da mãe para a criança, combater o estigma dentro das famílias e das comunidades, e manter as mães vivas por meio da adesão ao tratamento. Fundado pelo Dr. Mitch Besser em 2001, o m2m baseia-se na premissa de que as próprias mães são as pessoas mais indicadas para orientar e apoiar futuras mães. O objetivo do m2m é reunir as mulheres, suas orientadoras e suas mentoras no atendimento pré-natal, para discutir saúde, prevenção de HIV e cuidados infantis pós-parto. O programa oferece capacitação e emprego para mães infectadas pelo HIV que já participaram de programas PTMPC, que passam a atuar como educadoras de suas colegas – ou ‘mães mentoras’; e trabalha com centros de cuidados de saúde locais e organizações não-governamentais, para implementar um modelo que possa ser integrado aos esforços nacionais de PTMPC na África ao sul do Saara. As mães mentoras são educadoras de suas colegas gestantes. Sua capacitação permite que dêem orientação sobre infecção por HIV e tratamento anti-retroviral; promovam comportamentos para ajudar a prevenção da transmissão do HIV da mãe para a criança; discutam sobre a importância de acompanhamento adequado para a mãe e a criança após o nascimento; e ofereçam abordagens para negociar práticas sexuais seguras e diretrizes nutricionais para mulheres que vivem com HIV. A organização vem-se expandindo rapidamente. Já conta com parcerias internacionais em Botsuana e na Etiópia, e está em processo de implementar novos programas no Quênia, em Ruanda e em Zâmbia. Tendo em vista o aumento contínuo de tratamentos e a pressão sobre os recursos de muitos centros de saúde em África Oriental e Meridional: prevenção da transmissão de HIV da mãe para a criança; impacto de programas de mães para mães escala na década de 1980, já citadas anteriormente, mostram que quando tais ferramentas e produtos – especialmente medicamentos – são inadequados ou não são reabastecidos com regularidade, a eficácia dos agentes de saúde fica comprometida. Quando as comunidades estão situadas a grandes distâncias dos centros de saúde, as evidências indicam que os programas são mais eficazes quando existe uma agenda clara que identifique as visitas dos supervisores e dos agentes de saúde comunitários, e quando são feitos os preparativos para o transporte de ida e volta para sua ação nessas localidades. A supervisão não deve ficar restrita às autoridades oficiais da saúde, e as organizações comunitárias têm um papel na fiscalização dos resultados dos programas e do trabalho dos agentes de saúde. De acordo com normas amplamente aceitas pelos profissionais que atuam na área, é recomendável que a comunidade seja envolvida na seleção inicial dos agentes de saúde, e que estes aceitem a participação dos membros da comunidade na identificação de prioridades e no planejamento de projetos.14 Sistemas de encaminhamento eficazes Sistemas de encaminhamento eficazes constituem um complemento essencial para que programas baseados na comunidade que são bem-sucedidos garantam a prestação de cuidados continuados (ver Capítulo 4). Os hospitais fornecem serviços que não podem ser prestados com segurança em nenhum outro local, tais como cirurgias cesarianas e outros cuidados obstétricos de emergência. No entanto, nos países mais pobres com as taxas mais elevadas de mortalidade materna e infantil, os recursos de cuidados de saúde freqüentemente são limitados, e o acesso a hospitais de referência freqüentemente é baixo. Nessas situações, milhões de crianças podem ser atendidas rapidamente por meio da expansão de intervenções já testadas de cuidados de saúde emergenciais, que oferecem boa relação custo-benefício. Essa possibilidade aplica-se especialmente no caso das intervenções baseadas na comunidade. PARCERIAS COMUNITÁRIAS EM CUIDADOS BÁSICOS DE SAÚDE PARA MÃES, RECÉM-NASCIDOS E CRIANÇAS 53 áreas de alta prevalência de HIV, não há como superestimar a importância de programas como o m2m. As novas orientações da Organização Mundial da Saúde em relação a PTMPC solicitam um esforço para a introdução de regimes anti-retrovirais mais complexos, em um esforço para reduzir ainda mais as taxas de transmissão da mãe para a criança. Há uma ênfase maior sobre o aumento do acesso de gestantes infectadas com HIV a tratamentos para sua própria saúde, e um impulso para garantir que mais crianças provenientes de programas de PTMPC façam testes para diagnóstico o mais cedo possível. Programas como o m2m, que envolvem membros da comunidade informados e comprometidos com a promoção do sucesso de iniciativas de PTMPC, são cada vez mais vitais para o apoio a provedores de saúde na prevenção e no tratamento da aids. O programa m2m tem a firme convicção de que mães mentoras devem ser adequadamente reconhecidas por suas significativas contribuições. Segundo Dr. Besser, “mães mentoras que já passaram pelos serviços de PTMPC são recrutadas localmente e recebem um salário pelo trabalho realizado, o que as torna membros profissionais da equipe de cuidados de saúde.” Uma avaliação independente do m2m foi realizada recentemente pelo Programa Horizontes do Conselho Populacional. Foram constatados muitos resultados estimulantes associados à participação no programa, entre eles: • Mulheres que tiveram dois ou mais contatos com o m2m no período pós-parto mostraram propensão significativamente maior a informar seu status sorológico para outra pessoa em comparação com mulheres que não participaram do programa (97% para participantes contra 85% para não-participantes; p-valor<0,01). • Participantes do programa pós-parto mostraram propensão significativamente maior a receber nevirapina para evitar a transmissão de HIV da mãe para a criança do que mulheres que não participaram do programa (95% para participantes contra 86% para não-participantes; p-valor<0,05). • Participantes do programa m2m mostraram propensão significativamente maior a relatar um método exclusivo de alimentação (aleitamento materno exclusivo ou leite em pó, porém sem leite materno) do que não-participantes. • Participantes do programa m2m mostraram propensão significativamente maior a submeter-se a teste de imunidade (CD4) durante sua última gestação do que não- participantes (79% contra 57%/ p-valor<0,01) (células de CD4 são células sangüíneas brancas que formam uma parte fundamental do sistema imunológico humano. São as mais vulneráveis a infecções por HIV. Quanto mais baixa a contagem de células CD4, mais fraco o sistema imunológico e mais alto o risco de infecções oportunistas). Ver Referências, página 107. 54 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 por Tedros Adhanom, Ministro da Saúde, Etiópia A experiência da Etiópia com a sobrevivência infantil mostra que forte liderança política pode levar a resultados significativos. Em 2004, o primeiro-ministro Meles Zenawi desafiou o governo e seus parceiros a acompanhá-lo na elaboração de um mapa dos cuidados universais de saúde, apesar dos enormes obstáculos existentes. Embora fosse possível evitar mais de 80% das mortes de crianças, a cobertura e a utilização de serviços preventivos continuava baixa: menos de 30% das mulheres recebiam cuidados pré-natais e apenas 49% das crianças recebiam uma série completa de vacinas antes completar 1 ano de vida. Programa Expansão da Saúde O governo e seus parceiros vêm enfrentando bravamente esses desafios, por meio do Programa Expansão de Saúde – uma estratégia nacional elaborada para promover a saúde da criança e da mãe, com base na comunidade. Fundamentado na filosofia de que a saúde é um produto que pode ser produzido por indivíduos, o Programa Expansão da Saúde aumenta o poder das comunidades para que tomem decisões informadas sobre suas próprias questões de saúde, equipando-as com habilidades e conhecimentos adequados. Para o sucesso desse plano, o governo está organizando um contingente de 30 mil mulheres que atuarão como Agentes de Extensão de Saúde (AES) – um imenso compromisso de recursos financeiros e humanos –, para promover 16 intervenções básicas voltadas para as principais causas da mortalidade infantil e materna. Até o momento, mais de 17 mil AES foram empregadas, e outras sete mil estão em treinamento. Cada kebele (menor unidade administrativa) recebe uma equipe de AES, recrutadas localmente e capacitadas pelo Ministério da Saúde. O governo também implementou uma Estratégia de Expansão, um programa transitório que fornece cuidados básicos e emergenciais para comunidades enquanto estas esperam pela chegada das agentes de saúde capacitadas. Ao mesmo tempo, estão sendo implementadas iniciativas para fortalecer a infra-estrutura que apóia hospitais de referência. O governo está investindo em um Sistema de Informações de Gestão de Saúde, elaborado para coletar dados em todos os níveis, inclusive em postos de saúde. Em outubro de 2006, o governo adotou um sistema de Suprimento de Instalações de Saúde para garantir que vacinas, medicamentos essenciais e outros insumos de saúde estejam prontamente disponíveis para centros de saúde do setor público. Essas iniciativas são vitais para garantir a sustentabilidade dos progressos realizados até o momento por meio de iniciativas verticais e de saúde baseadas na comunidade. Lições aprendidas O Programa Expansão da Saúde forneceu inúmeras lições valiosas. A primeira é que a ampliação requer velocidade, volume e qualidade. Processos consistentes de planejamento ajudaram a garantir velocidade e volume. Por exemplo, quando o governo organizou uma campanha nacional para distribuir mosquiteiros tratados com inseticidas, os parceiros doadores – principalmente Centro Carter, Fundo Global, UNICEF e Banco Mundial – coordenaram seu apoio para a campanha nacional, ajudando a alcançar a meta de 20 milhões de mosquiteiros no prazo de dois anos. Cada família recebeu dois mosquiteiros para camas, que são utilizados para proteger principalmente mulheres e crianças contra a malária. A segunda lição é que velocidade e volume não garantem necessariamente a qualidade. É necessário um esforço adicional para garantir que as famílias saibam quando e como utilizar os recursos de saúde, inclusive mosquiteiros. As AES estão trabalhando para superar as falhas de comunicação entre o setor de saúde e as comunidades às quais prestam serviços, ganhando a confiança das comunidades e conversando diretamente com as mães. A terceira lição – e talvez a mais vital – é a importância extraordinária de liderança política. Uma liderança política genuína requer o envolvimento ativo e significativo em todas as etapas do processo – da identificação do problema e do estabelecimento de metas à mobilização de recursos e à promoção da participação da comunidade. Debates públicos sobre necessidades e prioridades dos cuidados de saúde, e a cooperação entre todos os interessados, incluindo doadores, prestadores de cuidados de saúde e comunidades, ajudaram a promover amplo domínio sobre o Programa Expansão da Saúde. Nossos parceiros, inclusive UNICEF e outros doadores, apóiam o processo nacional de planejamento, harmonizando suas atividades e seu apoio às prioridades da Etiópia. Todos os doadores parceiros assinaram um código de conduta e endossaram um manual único de harmonização, que tem por objetivo criar um único plano, um único orçamento e um único relatório final. Foi uma conquista espantosa. Esse é um objetivo ambicioso e estamos trabalhando em conjunto para alcançá-lo no longo prazo. O mapa da Etiópia para alcançar o ODM 4 ainda enfrenta inúmeros obstáculos, mas os progressos realizados até o momento demonstram que nossa visão do acesso universal a cuidados de saúde, a um custo acessível, pode tornar-se realidade. Etiópia: Liderança leva mudanças para mães e crianças Infância, as ações para combater doenças são fortalecidas pela melhoria simultânea das condições ambientais. Por exemplo, no caso de doença diarréica – que ainda é a principal causa de mortalidade infantil –, a criança pode sofrer também de subnutrição. Assim sendo, é fundamental a colaboração inter-setorial entre os agentes de saúde comunitários e os responsáveis por melhoramentos no abastecimento de água e no provimento de saneamento. Medidas para melhorar práticas alimentares – por exemplo, por meio de maior atenção à higiene dos alimentos – freqüentemente ficam comprometidas pelo fornecimento de água em volume insuficiente e contaminada e por instalações saneamento inadequadas.21 Da mesma forma, medidas para fortalecer os sistemas de encaminhamento de doentes seriam otimizadas por uma melhor infra- estrutura de estradas, que facilitaria o transporte entre centros de saúde e hospitais para pacientes, agentes de saúde e alimentos e suprimentos médicos essenciais. Segurança no financiamento O financiamento para programas de saúde baseados na comunidade pode ter origem em diversas fontes: os próprios membros da comunidade; governos municipais ou distritais, por meio de instalações de saúde locais; patrocinadores privados ou organizações comunitárias; e governos nacionais ou organizações não- governamentais em níveis administrativos mais altos, dentro do país ou no exterior. Garantir o financiamento para programas baseados na comunidade é um processo complexo e por vezes controverso. Uma análise mais aprofundada dos argumentos extrapola o escopo deste relatório. No entanto, nos países de baixa renda, grande parte do financiamento para a saúde infantil continuará sendo fornecida por doadores externos. Para que um programa baseado na comunidade tenha sucesso, deve ser sustentável no longo prazo, partindo da premissa de que demandará uma base de financiamento sólida no momento em que o apoio do doador for retirado. Essa certamente não é uma situação fácil. Na ausência do apoio de doadores, países e distritos cujos sistemas de saúde têm baixa capacidade e recursos financeiros limitados podem lutar muito para manter até mesmo programas de médio porte. Além disso, não há respostas simples para o desenvolvimento de estruturas financeiras seguras e auto-suficientes. Em especial, agentes de saúde no nível da comunidade demandam algum tipo de incentivo financeiro para alimentar suas famílias e para garantir sua participação e sua motivação para permanecer no programa. Da mesma forma, pode ser necessária uma compensação financeira para que profissionais qualificados, porém freqüentemente mal remunerados, trabalhem em áreas carentes e em programas comunitários. Considerações sobre sustentabilidade e eqüidade significam que a questão de compartilhar custos na forma de taxas de usuário para cuidados de saúde e outros serviços essenciais dentro da comunidade deve ser tratada pelas próprias comunidades. Quando se decide pela cobrança, o valor das taxas não deve impedir o atendimento de serviços importantes. Serviços como imunizações e cuidados de emergência devem ser gratuitos. Em qualquer esquema de prestação de serviços que envolva custos pagos também pela comunidade, é desejável que esses recursos sejam mantidos e gerenciados pelas próprias comunidades, e que sejam utilizados para atividades que as beneficiem diretamente, tais como aquisição de medicamentos ou incentivos por desempenho para os agentes de saúde. Comitês comunitários de saúde, que idealmente incluem membros da comunidade, agentes de saúde e gerentes de centros de saúde locais, devem ser o canal utilizado para o pagamento de agentes de saúde comunitários. Quando a comunidade decide cobrar taxas pela prestação de serviços de saúde, deve ser criado um sistema que permita que aqueles que não podem pagar os valores determinados pela comunidade recebam todos os serviços gratuitamente.22 Integração de programas comunitários a serviços distritais e políticas nacionais Parceiros comunitários nas áreas de saúde, nutrição, água e saneamento e aids existem em abundância através dos países em desenvolvimento. Seu potencial é inquestionável, embora o sucesso de suas atividades dependa claramente do envolvimento de uma série de fatores, existindo, portanto, muitas ameaças à sua sustentabilidade e à realização de seus objetivos. Dois elementos básicos que podem contribuir para manter e apoiar iniciativas comunitárias são a apoio ativo dos governos locais e centrais, e a integração a políticas, planos e orçamentos governamentais. Sobrevivência, saúde e nutrição de mães e crianças são questões que devem ocupar lugar de destaque em planos e orçamentos nacionais e regionais, com objetivos claros e marcos de referência concretos. Estratégias para a sobrevivência da criança devem ser formuladas por meio de processos de consulta, envolvendo representantes da comunidade e das instituições dos níveis distrital e nacional, assim como da comunidade de doadores. Um primeiro passo fundamental para o desenvolvimento de uma estratégia é a compreensão das variações existentes entre os países com relação aos perfis epidemiológicos. Também é importante que sejam avaliadas as realidades econômicas e os níveis de infra- estrutura de prestação de serviços de saúde existentes na comunidade, no PARCERIAS COMUNITÁRIAS EM CUIDADOS BÁSICOS DE SAÚDE PARA MÃES, RECÉM-NASCIDOS E CRIANÇAS 57 distrito e no país. Esses aspectos são vitais para o sucesso da implementação de uma estratégia nacional para a saúde materna e infantil e, portanto, devem ser considerados desde o início do planejamento. Estratégias nacionais devem dar atenção prioritariamente à remoção dos obstáculos à expansão eficaz e à implementação em diferentes níveis do sistema de saúde (ver no Capítulo 4 outros detalhes sobre medidas para superar gargalos na prestação de serviços de saúde). Entre os gargalos bastante conhecidos estão sessões de imunização implementadas sem regularidade, experiências negativas com o sistema de saúde, distância dos centros de saúde e falta de informações. No nível da família e da comunidade, a cobertura eficaz de serviços básicos de saúde freqüentemente é prejudicada pela falta de suprimentos a custo acessível, baixa demanda e outros desafios fundamentais, como o tratamento de mosquiteiros com inseticida.23 Provavelmente, continuarão a co-existir programas de desenvolvimento do setor da saúde baseados em iniciativas de curto prazo, visando a doenças específicas – que vêm contando progressivamente com o apoio de novas parcerias de doadores internacionais – e aqueles baseados em iniciativas de longo prazo. Para que produzam ganhos sustentáveis para a saúde infantil, volumes suficientes de recursos humanos e financeiros devem ser investidos nos dois conjuntos de iniciativas. Parcerias com doadores para a implementação de programas voltados a doenças específicas devem considerar a necessidade de adaptar suas abordagens a estruturas multissetoriais em linha com prioridades nacionais na área da saúde, gerando benefícios que sejam distribuídos de maneira eqüitativa através de todo o sistema de saúde nacional.24 Em última instância, a responsabilidade pela garantia dos direitos da criança a boas condições de saúde e nutrição cabe aos governos dos países em parceria com a sociedade civil. Os governos têm um papel importante no desenvolvimento e na implementação de políticas para derrubar as barreiras impostas aos cuidados básicos de saúde, na melhoria da qualidade e da eficiência dos prestadores de serviços, e no aumento da responsabilização do setor público. Ao mesmo tempo, é preciso que as políticas para a saúde sejam justificáveis para as comunidades e os distritos atendidos. Os governos e os sistemas de saúde devem estar claramente sintonizados com as necessidades e os interesses da população. O desenvolvimento de políticas de saúde centradas na criança e a construção de instituições fortes ligando as comunidades e os sistemas de saúde são providências críticas: na maioria dos países, para que sejam realizados progressos significativos em direção aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio relacionados à saúde, aumentos nos gastos com saúde deverão ser acompanhados por melhorias substanciais no ambiente de políticas.25 Encontrando a combinação de soluções adequada para produzir melhores resultados nas áreas de saúde e nutrição Cada país em desenvolvimento tem um conjunto específico de oportunidades e restrições para o desenvolvimento de seu sistema de saúde, que têm relação com diferentes níveis de progresso, circunstâncias ambientais e institucionais, situação política e capacidade atual do sistema de saúde. Assim sendo, não existe um método que possa ser aplicado universalmente para a promoção de melhorias. Alguns talvez considerem que seu maior desafio não está na expansão, em nível nacional, das abordagens à prestação de serviços de saúde baseada na comunidade, mas sim no fortalecimento e na expansão da prestação do serviço por meio de programas baseados em centros de 58 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 Programas baseados na comunidade são fortalecidos quando existe acesso a cuidados baseados em centros de saúde. Uma agente de saúde prepara uma solução de sais de rei- dratação oral, Eritréia. © U N IC E F/ H Q 97 -1 08 6/ G ia co m o P iro zz i PARCERIAS COMUNITÁRIAS EM CUIDADOS BÁSICOS DE SAÚDE PARA MÃES, RECÉM-NASCIDOS E CRIANÇAS 59 Contexto e desafio: Moçambique é um dos países mais pobres do mundo, com renda nacional bruta per capita, em 2006, de apenas US$340 e taxa de mortalidade de menores de 5 anos de 138 mortes por mil nascidos vivos. A expectativa de vida ao nascer é de apenas 42 anos; mais de 40% das crianças menores de 5 anos têm retardo de crescimento moderado ou grave; e apenas um terço da população utiliza instalações sanitárias adequadas. O acesso a serviços de cuidados essenciais de saúde é limitado, e 23% dos bebês não são imunizados contra o sarampo. Apenas 10% das crianças dormem sob um mosquiteiro (tratado ou não); e quase dois terços da população vivem em áreas rurais, onde apenas um indivíduo em cada quatro tem acesso a fontes de água limpa para beber de melhor qualidade. O desafio era fornecer às comunidades rurais com infra- estrutura física e saúde ambiental precárias um programa eficaz de sobrevivência infantil baseado na comunidade, e verificar que esse programa contribuísse para a redução da mortalidade. Abordagem: O projeto de parceria entre o Ministério da Saúde de Chokwe e a World Relief, em operação durante o período de 1999 a 2003, utilizou a abordagem ‘Grupo de Cuidados’ para implementar um programa de sobrevivência infantil que visava melhorar três elementos da Gestão Comunitária Integrada de Doenças Infantis (Gidi-C): • Melhores parcerias entre sistemas de saúde e a comunidade. • Cuidados mais acessíveis para provedores baseados na comunidade. • Promoção de práticas domésticas essenciais para a saúde da criança. A abordagem Grupo de Cuidados capacita educadoras comunitárias por meio de interações de grupo. Uma voluntária que atua como Educadora em Saúde da Mulher dá instrução em grupo para 15 famílias vizinhas; e dez Educadoras em Saúde da Mulher formam um Grupo de Cuidados, que se reúne mensalmente com um supervisor remunerado. Durante os encontros mensais do Grupo de Cuidados, um membro da equipe de campo ou um supervisor de Educadoras em Saúde da Mulher apresenta mensagens de saúde sobre sobrevivência infantil e saúde da mulher. A seguir, as participantes do Grupo de Cuidados praticam entre si o que aprenderam, compartilhando as informações apresentadas. Antes do encontro seguinte, cada voluntária responsabiliza-se pela visita a domicílios sob sua jurisdição para transmitir as informações que acabou de receber. O programa de sobrevivência infantil foi elaborado para ser abrangente, integrando aleitamento materno, alimentação complementar, utilização de terapia de reidratação oral e distribuição de mosquiteiros tratados com inseticida. O programa fortaleceu as instalações locais de saúde para casos referenciados e o gerenciamento de casos de doenças comuns nos centros de atendimento. Parcerias com o UNICEF e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha facilitaram o provimento gratuito de mosquiteiros tratados com inseticidas, vacinas e suplementos de vitamina A. A estreita cooperação com os comitês de saúde dos vilarejos e com religiosos locais resultou em apoio para as voluntárias na realização da promoção da saúde e na mobilização da comunidade para atividades tais como distribuição de mosquiteiros tratados com inseticida e realização de campanhas de imunização. Resultados: O projeto também implementou um sistema de informações sobre saúde e de registro de nascimentos baseado na comunidade, por meio de 2.300 voluntários comunitários, que coletaram mensalmente dados sobre nascimentos, mortes e doenças da infância. Esses dados foram agregados durante os encontros mensais, e os registros foram enviados a postos de saúde operados por prestadores de serviços comunitários ou socorristas, que foram capacitados pelo Ministério da Saúde distrital. As informações coletadas foram enviadas de volta aos comitês de saúde dos vilarejos, aos centros de saúde e ao Ministério da Saúde. Dados extraídos do sistema de informações sobre saúde e de registro de nascimentos baseado na comunidade mostraram uma redução de 66% na mortalidade de bebês e de 62% na mortalidade de menores de 5 anos. Para verificar a confiabilidade dessas constatações, uma avaliação independente da mortalidade foi realizada por pesquisadores experientes, que utilizaram uma pesquisa de histórico de gestação baseada em metodologias padronizadas aplicadas nas Pesquisas de Demografia e Saúde. Essa pesquisa de mortalidade constatou reduções de 49% e 42% na taxa de mortalidade de bebês e de menores de 5 anos, respectivamente. Esses resultados demonstraram a eficácia da Gidi Comunitária, e confirmaram que agentes comunitários de saúde podem coletar dados confiáveis sobre saúde para acompanhar as taxas de mortalidade. Ver Referências, página 107. Moçambique: Reduzir a mortalidade de menores de 5 anos por meio de programas baseados na comunidade Foco Em A aceleração dos progressos em relação à sobrevivência infantil exigirá a aplicação de lições aprendidas em um século de desenvolvimento do setor da saúde e a implementação de abordagens eficazes para fortalecer parcerias com a comunidade, provimento de cuidados continuados e sistemas de saúde. Este capítulo reúne duas tendências – ações e parcerias – em uma estrutura para a expansão eficaz de cuidados de saúde continuados para mães, neonatos e crianças, uma vez que a prioridade é garantir o desenvolvimento dos sistemas de saúde para resultados. Destaca cinco ações distintas, mas relacionadas, necessárias a programas, políticas e parcerias nas próximas décadas. Ação I. Realinhar programas de intervenções para doenças específicas em pacotes integrados de alto impacto, baseados em evidências, com o objetivo de garantir cuidados continuados. Ação II. Garantir prioridade máxima à saúde de mães e crianças em processos integrados de planejamento nacional, para expandir os serviços essenciais. Ação III: Melhorar a qualidade e a consistência de financiamentos visando ao fortalecimento dos sistemas de saúde. Ação IV: Promover e manter compromissos políticos assumidos por lideranças nacionais e internacionais, assim como financiamentos sustentados para desenvolver sistemas de saúde. Ação V: Criar condições para maior harmonização de programas e parcerias globais na área da saúde. Entre os principais interessados – governos, doadores e agências internacionais, e parcerias globais relacionadas à saúde – a expansão eficaz exigirá uma nova forma de trabalhar em cuidados básicos de saúde. O tema central deste paradigma é a unidade. Iniciativas e parcerias direcionadas para o aprimoramento dos aspectos da saúde materna e infantil existem em abundância e continuam a proliferar. Entretanto, exigirão maior coerência e harmonização que sejam alcançados os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio relativos à saúde da mãe e da criança. RESUMO A ampliação de intervenções e abordagens de cuidados de saúde essenciais requer a compreensão abrangente das estratégias para acelerar os progressos e dos desafios que podem impedi-los. Uma agente de saúde pesa um bebê para controlar seu crescimento, Filipinas. A revisão das parcerias com as comunidades, apresentada no Capítulo 3, destaca seu potencial para acelerar as melhorias em relação à saúde materna, neonatal e infantil. Por exemplo, evidências mostram que a utilização de uma associação de programas comunitários abrangentes e de estratégias de cuidados baseados na família e na comunidade, a uma taxa de cobertura de 90%, poderia reduzir a mortalidade neonatal entre 18% e 37%, mesmo na ausência de melhoramentos nos serviços de cuidados baseados em centros de atendimento.1 Idealmente, portanto, o que é necessário são estratégias inovadoras para explorar o pleno potencial das parcerias com comunidades em cuidados básicos de saúde em larga escala, como parte de um esforço global para fortalecer os sistemas nacionais de saúde. As lições aprendidas com a expansão de abordagens eficazes vêm sendo aplicadas com níveis de colaboração cada vez maiores. Agências internacionais importantes para a saúde e a sobrevivência materna e infantil – UNICEF, Fundo de População das Nações Unidas, Organização Mundial da Saúde e Banco Mundial – vêm trabalhando junto a doadores, governos e outras organizações internacionais líderes – como a União Africana – na elaboração de estruturas e estratégias para expandir o acesso a cuidados básicos de saúde. O que é necessário para a ‘expansão’? É fundamental expandir o atendimento das intervenções existentes para acelerar os progressos em direção aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio relativos à saúde de crianças e mulheres – principalmente na África ao sul do Saara e na Ásia Meridional que, em conjunto, respondem por mais de 80% de todas as mortes infantis ocorridas em 2006. Há um consenso sobre a expansão em grande escala do provimento de serviços e práticas essenciais, mas evidentemente falar é mais fácil do que agir. A expansão envolve uma complexa gama de ações, muitas delas inter-relacionadas, para alcançar amplitude e para garantir sustentabilidade da expansão no longo prazo. Nos níveis de programas e políticas, não basta simplesmente expandir a oferta de pacotes de intervenções já testadas, de baixo custo. Obstáculos comportamentais, institucionais e ambientais que impedem o acesso também devem ser tratados como parte do processo de expansão. O sucesso exige uma compreensão profunda desses obstáculos, assim como das estratégias para superá-los. Entre os principais interessados – governos, doadores e agências internacionais, e parcerias globais relacionadas à saúde –, a expansão eficaz exigirá uma nova forma de trabalhar em cuidados básicos de saúde. Iniciativas e parcerias direcionadas para o aprimoramento dos aspectos de saúde materna e infantil existem em abundância e continuam a proliferar. Entretanto, sem maior coerência e harmonização, esses esforços desarticulados correm o risco de não serem suficientes para a realização dos ODM relativos à saúde nos próximos anos. Este capítulo reúne essas duas tendências – ações e parcerias – em uma estrutura para a expansão eficaz de cuidados de saúde continuados para mães, neonatos e crianças. Destaca cinco ações distintas, porém relacionadas, necessárias para programas, políticas e parcerias na próxima década: • Ação I: Realinhar programas de intervenções para doenças específicas em pacotes integrados de alto impacto, baseados em evidências, com o objetivo de S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 4 Fortalecendo parcerias com comunidades, cuidados continuados e sistemas de saúde © U N IC E F/ H Q 96 -1 00 5/ S he hz ad N oo ra ni 63 garantir cuidados continuados ao longo do tempo e em qualquer localidade. • Ação II: Garantir prioridade máxima à saúde de mães e crianças em processos integrados de planejamento nacional, para expandir os serviços e fortalecer sistemas de saúde. • Ação III: Melhorar a qualidade e a consistência de financiamentos visando ao fortalecimento dos sistemas de saúde. • Ação IV: Promover e manter compromissos políticos assumidos por lideranças nacionais e internacionais, assim como financiamentos sustentados de modo a garantir acesso a cuidados contínuos.2 • Ação V: Criar condições para maior harmonização de programas e parcerias globais na área da saúde. I. Realinhar programas De intervenções a cuidados continuados Até o presente, grande parte do trabalho realizado pela comunidade internacional de saúde, assim como seu apoio à saúde maternal, neonatal e infantil foram centrados em abordagens por doenças específicas, fortemente baseada em evidências e registros dos progressos quanto à expansão. Quando providas por recursos suficientes, bem direcionadas, gerenciadas, consolidadas e implementadas em escala, intervenções específicas freqüentemente contribuíram para a redução da incidência de doenças e da mortalidade infantil. Entretanto, essas intervenções apresentavam limitações, pois muitas vezes não levavam em consideração dificuldades para sua implementação – tais como governança, restrições de gerenciamento e de recursos humanos. Além disso, o foco em abordagens voltadas para doenças específicas pode limitar sinergias que possibilitariam o fortalecimento de sistemas de saúde mais amplos. A expansão do atendimento para alcançar o provimento de cuidados continuados ao longo do tempo e em todos os lugares é considerada cada vez mais como uma das formas mais promissoras para acelerar os progressos em direção aos ODM relativos à saúde. Entretanto, a base de evidências sobre eficácia e viabilidade do provimento de cuidados continuados é menos desenvolvida do que a base para intervenções específicas por doença, e há uma necessidade cada vez maior de reunir evidências sobre a forma como esta última abordagem pode funcionar na prática. Novas estruturas e novos processos serão necessários, principalmente em relação à organização de programas, que devem passar por diversas alterações: 64 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 Figura 4.1 Estrutura conceitual para expansão dos cuidados básicos de saúde nos países em desenvolvimento Fonte: Extraído de UNICEF, ‘Joint Health and Nutrition Strategy for 2006-2015’, UNICEF, Nova Iorque, novembro de 2005, p.10. FORTALECENDO PARCERIAS COM COMUNIDADES, CUIDADOS CONTINUADOS E SISTEMAS DE SAÚDE 67 outros grupos comunitários participaram de workshops para criar mensagens e materiais. Grupos comunitários apresentaram peças teatrais em vilarejos e áreas vizinhas, e estações de rádio comunitária transmitiram notícias em chamadas rápidas, jogos e textos teatrais desenvolvidos nos workshops. Essa imensa mobilização comunitária resultou em uma mudança genuína no comportamento relacionado ao aleitamento materno. Em 2001, nessas áreas, cerca de 50% das mães com bebês menores de 4 meses de idade relataram que seus bebês estavam sendo amamentados exclusivamente com leite materno. Além disso, em 2002, comunidades selecionadas em Borgou registraram uma taxa de 61% de aleitamento materno exclusivo para bebês menores de 4 meses de idade, em comparação com 40% em 1999. Etiópia, Malaui e Sudão: Gestão da subnutrição aguda grave baseada na comunidade A subnutrição aguda grave ainda é o principal causador da morte de crianças menores de 5 anos de idade. Até pouco tempo atrás, o tratamento era restrito a abordagens baseadas em centros de saúde, o que limitava muito a cobertura e o impacto, uma vez que nos países muito pobres as crianças com desnutrição grave nunca eram levadas a um centro de saúde. Entretanto, novas evidências sugerem que muitas dessas crianças podem ser tratadas em suas próprias comunidades, sem precisar de internação em centros de saúde e em centros de alimentação terapêutica. A abordagem baseada na comunidade envolve o diagnóstico precoce da subnutrição aguda grave na comunidade e o provimento de tratamento para as crianças que não apresentam complicações médicas com alimentos terapêuticos prontos para uso, ou outros alimentos que possuem grande porcentagem de nutrientes oferecidos em casa. Quando associada de maneira adequada à abordagem baseada em centros de saúde para crianças subnutridas que apresentam complicações médicas, e implementada em larga escala, a gestão da subnutrição aguda grave baseada na comunidade pode evitar a morte de centenas de milhares de crianças. Na Etiópia, em Malaui e no Sudão, evidências recentes ilustram o alto impacto e a boa relação custo/benefício da gestão da desnutrição aguda grave baseada na comunidade. Em contraste com o tratamento em centros de saúde – nos quais, na maioria dos países em desenvolvimento, as taxas de fatalidade permaneceram inalteradas durante as últimas cinco décadas –, cuidados terapêuticos baseados na comunidade conseguiram uma mudança fundamental na compreensão da doença e da implementação do tratamento. Até hoje, dados sobre mais de 20 programas implementados na Etiópia, em Malaui e nas regiões norte e sul do Sudão, entre 2000 e 2005, indicam que esses programas alcançaram taxas de recuperação de cerca de 80% e reduziram as taxas de mortalidade para 4%. As taxas de cobertura alcançaram 73%, embora mais de 75% das crianças gravemente subnutridas levadas ao programa fossem tratadas apenas como pacientes não internados. Além disso, os dados iniciais indicam que esses programas têm custos acessíveis, variando de US$12 a US$132 por ano de vida preservado. Programas de cuidados terapêuticos baseados na comunidade utilizam alimentos terapêuticos novos, prontos para uso, que em muitos casos são preparados no local da própria colheita. Sua implementação está baseada em três premissas: • Subjacentes a todos os programas estão uma forte ênfase na importância de cuidados precoces na evolução da desnutrição e a necessidade de manter os pacientes em um programa nutricional até sua recuperação. • Os programas partem do pressuposto de que, para que procurem tratamento precocemente e concordem com ele, as famílias e as comunidades devem compreender os programas, aceitá-los e participar deles. • Os programas enfocam o envolvimento de pessoas interessadas que podem beneficiar-se do feedback e da atenção gerados por programas bem-sucedidos e, desse modo, manter o interesse em sua sustentabilidade no longo prazo. Os resultados de programas baseados na comunidade no tratamento da subnutrição aguda grave sugerem que, embora não possam eliminar a necessidade de assistência externa, a expansão do alcance do tratamento pode ter impacto importante sobre a saúde pública, evitando a morte de centenas de milhares de crianças. Ver Referências, página 108. limitam o impacto de esforços ampliados contra doenças específicas, além de deixar mães e crianças particularmente vulneráveis à carga total de doenças existentes no país. A expansão de serviços e sistemas exigirá estratégias práticas e eficazes no nível nacional, que levem em consideração não apenas a expansão potencial das intervenções, mas também as restrições e os obstáculos que podem impedir avanços, destacando meios de superá-los. Medidas fundamentais necessárias aos planos estratégicos nacionais para que os pacotes de intervenções destacados na seção anterior sejam expandidos incluem: • Identificar e remover os gargalos do sistema de saúde. • Acompanhar progressos e problemas de cobertura. • Implementar gradualmente intervenções integradas e fortalecer o sistema de saúde. • Solucionar a crise de recursos humanos em cuidados de saúde. • Desenvolver sistemas de saúde para resultados. • Fortalecer os sistemas de saúde no nível distrital. Identificar e solucionar os gargalos do sistema de saúde Redes funcionais de provimento de serviços são necessárias para o provimento de cuidados continuados, baseado nos três níveis de serviço destacados na seção anterior: família e comunidade; serviços básicos descentralizados oferecidos próximo ao cliente; e cuidados referenciados baseados em centros de atendimento e serviços preventivos especializados. Uma etapa inicial envolve coleta de dados e informações qualitativas sobre todos os provedores de serviços – públicos, privados e informais – e organizações – inclusive não- governamentais – já existentes e que possam ser mobilizados em apoio ao esforço de expansão. Um exemplo desse processo é fornecido pela região nordeste de Gana, onde muitas organizações não- governamentais atuam em apoio a diferentes intervenções de saúde. O Programa Sobrevivência e Desenvolvimento Infantil Acelerado – uma colaboração entre Clubes de Mães da Cruz Vermelha de Gana, serviços nacionais de saúde e o UNICEF – conseguiu integrar os esforços dessas organizações e centralizar seu apoio na expansão de um pacote de alto impacto de intervenções de baixo custo baseadas em evidências.9 Outras etapas importantes são a identificação e a análise de gargalos e restrições no funcionamento dos sistemas e a formulação de estratégias para removê-los ou superá-los.10 Esses obstáculos podem ter origem nos centros de atendimento, no atendimento ampliado ou em comunidades e domicílios, ou nos mecanismos estratégicos e burocráticos que estabelecem políticas, controlam logística e suprimentos, e formulam e implementam regulamentações. A Figura 4.2, na página 69, ilustra os principais gargalos potenciais no provimento de serviço em cada nível de um sistema de saúde nacional, e os contextos de políticas e de governança nos quais funcionam. Um novo instrumento para analisar essas restrições é o Elaboração de Orçamento Paralelo para Gargalos, detalhado no destaque da página 70. Muitos gargalos demandarão soluções específicas, que envolvem a solução de restrições nos diversos níveis de provimento dos serviços. Por exemplo, baixa demanda por serviços de saúde de qualidade em meio aos membros da comunidade ou capacidade limitada de centros de saúde e de agentes de atendimento expandido para prover serviços essenciais podem restringir a cobertura de intervenções integradas. Da mesma forma, barreiras financeiras, sociais e físicas podem limitar o acesso a esses pacotes. Apropriadamente, neste caso, parcerias com comunidades – apresentadas no Capítulo 3 – podem desempenhar um papel singular e vital para estreitar o contato que agentes de saúde dedicados – inclusive agentes comunitários de saúde – mantêm com as famílias e as comunidades que atualmente não têm acesso a intervenções essenciais. Entretanto, serão necessários cuidados baseados em centros de atendimento e agentes de atendimento ampliado para apoiar os agentes comunitários de saúde e prover serviços em muitas intervenções de saúde que exigem assistência mais especializada.11 O apoio às parcerias com comunidades em saúde e nutrição, para permitir melhor qualidade do serviço prestado requer a implementação de ações secundárias essenciais: melhorias no desempenho e na motivação de agentes de saúde; garantias de que os centros de atendimento sejam adequadamente equipados; e disponibilidade imediata de medicamentos. Incontestavelmente, parte da solução para melhorar o provimento de serviços envolve o aumento de recursos – humanos, financeiros e gerenciais – e capacitação. Entretanto, outros incentivos e melhores condições de gestão de recursos humanos também podem ser necessários. Condições em mais alto nível, determinantes para o desempenho de sistemas de saúde – políticas e gestão estratégica, políticas públicas 68 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 multissetoriais, e mudanças contextuais e ambientais –, constituem os desafios mais complexos para o desenvolvimento de sistemas de saúde, uma vez que fazem parte de um contexto institucional e de políticas que não pode ser rápida ou facilmente modificado.12 No entanto, liderança, advocacia, apoio técnico e parcerias consistentes podem contribuir para promover mudanças. Acompanhar progressos e restrições na cobertura da expansão Atividades de acompanhamento, feedback e adaptação dos programas, realizadas com regularidade, com base em avaliações e evidências são amplamente reconhecidas como componentes integrantes de um sistema de saúde com bom funcionamento. Sem essas ações, não é possível realizar uma avaliação rigorosa da eficácia de um programa. Sistemas consistentes de saúde pública, baseados em evidências, exigem uma base sólida de conhecimentos sobre freqüência e distribuição de doenças, sobre determinantes e conseqüências dessas doenças e condições, e sobre segurança, eficácia e eficiência de intervenções, assim como sobre seus custos. Levantamentos e pesquisas de saúde, que analisam o impacto de abordagens e estratégias, são indispensáveis para a coleta de evidências essenciais, a aprendizagem de lições fundamentais e o desenvolvimento de melhores práticas. O acompanhamento da cobertura também é vital para permitir ajustes rápidos nas políticas e nas intervenções a serem implementadas. As medições dos ODM relativos à saúde dependem consideravelmente de instrumentos de levantamentos em larga escala tais como as Pesquisas de Demografia e Saúde (DHS) e as Pesquisas por Agrupamento de Indicadores Múltiplos (MICS). Os indicadores dos ODM fornecem parâmetros básicos por meio dos quais os progressos rumo às metas relativas a saúde podem ser medidos. Muitos desses indicadores são fornecidos como parte de um conjunto mínimo de indicadores de alta prioridade para a sobrevivência da criança, estabelecidos em acordo entre UNICEF e OMS, em colaboração com parceiros no contexto da Contagem Regressiva para a Sobrevivência Materna, Neonatal e Infantil. Periodicamente, MICS e DHS fornecem dados para a determinação da cobertura eficaz com o pacote mínimo de intervenções essenciais. Para melhorar a supervisão, o intervalo entre essas pesquisas foi reduzido de cinco para três anos. FORTALECENDO PARCERIAS COM COMUNIDADES, CUIDADOS CONTINUADOS E SISTEMAS DE SAÚDE 69 Figura 4.2 Formas de enfrentar os gargalos no provimento de serviços de saúde IMPACTO Reduzir mortalidade materna e de bebês. Melhorar a qualidade do provimento de cuidados de saúde (cobertura eficaz). Melhorar a gama e o alcance do provimento de cuidados de saúde (cobertura adequada). Melhorar a utilização inicial dos serviços (melhorar demanda e acessibilidade financeira) Ampliar o acesso geográfico aos serviços. Aumentar a disponibilidade de recursos humanos no provimento de cuidados de saúde. Sustentar a disponibilidade de medicamentos e outros suprimentos médicos essenciais. AÇÃO Selecionar intervenções já testadas. Supervisionar capacitação. Identificar ausentes e realizar visitas domiciliares Mobilizar famílias e comunidades. Implementar expansão dos serviços de saúde e planejar aumento do alcance no nível micro. Implementar capacitação e organização de novas equipes por meio de agentes comunitários Racionalizar sistemas de suprimento Fonte: UNICEF, Banco Mundial e Organização Mundial da Saúde, ‘A Strategic Framework for Reaching the Millennium Development Goals in Africa through health system strengthening and implementing at scale of integrated packages of high- impact and low-cost health and nutrition interventions’, documento preliminar elaborado por UNICEF, OMS e Banco Mundial, por solicitação da União Africana, setembro de 2006, p. 25. cuidados obstétricos emergenciais realizado por pessoal capacitado • Prevenção e tratamento de HIV e aids • Cuidados baseados em centros de atendimento 2ª etapa: A segunda etapa compreende um pacote ampliado que inclui outras intervenções para cuidados neonatais e maternos, fornecimento de água de melhor qualidade e saneamento adequado, por meio de políticas nacionais e captação de recursos adicionais. Esta fase visa sustentar e fortalecer os três modos de provimento de serviços, reduzindo os gargalos existentes no fornecimento e na demanda. 3ª etapa: A etapa final envolve a introdução e a expansão de intervenções inovadoras, como vacinas contra rotavírus e pneumococo, e aprimora o fornecimento e a demanda por esse pacote máximo.15 Solucionar a crise de recursos humanos em cuidados de saúde nos países em desenvolvimento Em muitos países, dificuldades econômicas e crises financeiras desestabilizaram e debilitaram equipes de saúde, criando um círculo vicioso de desinteresse, baixa produtividade e investimentos insuficientes em recursos humanos. O enfrentamento da crise de agentes de saúde nos países em desenvolvimento exigirá um conjunto de medidas com diferentes estruturas temporais. Curto prazo: Uma prioridade imediata é garantir que a expansão de iniciativas nacionais e globais em favor da saúde materna e infantil não resulte em interrupções adicionais no sistema de saúde ou em novas perdas significativas de pessoal. De curto a médio prazo: A produtividade e a disposição dos profissionais de saúde existentes devem ser restabelecidas, inclusive por meio de incentivos, tais como melhor remuneração e melhor supervisão. A força de trabalho do setor da saúde – incluindo agentes comunitários de saúde – também deve ser ampliada dentro dos limites da estrutura macroeconômica geral do país e das estratégias para redução da pobreza. Longo prazo: O enfrentamento da crise de agentes de saúde demanda ainda investimentos maciços em educação e capacitação para profissionais da área da saúde. Sem que sejam aprimoradas as condições de capacitação para profissionais da medicina e sem que haja aumentos nos recursos financeiros, a crise pode agravar-se, com implicações devastadoras para a saúde e a sobrevivência materna, neonatal e infantil. Essas medidas exigirão fortes lideranças nacionais, respaldadas por amplo consenso em meio à sociedade, que priorize cuidados de saúde de qualidade. A mobilização dos países rumo ao acesso universal a cuidados continuados demandará a elaboração de planos abrangentes para o enfrentamento da crise de agentes de saúde. Além disso, esses planos devem ser ampliados além do setor de saúde, para incluir questões como reforma do funcionalismo público, descentralização e ambiente macroeconômico. A dimensão deste desafio não deve ser subestimada. Apenas na África ao sul do Saara, o enfrentamento da crise de agentes de saúde demandará um aumento sem precedentes na constituição de equipes ao longo da próxima década. Nessa região, dos cerca de 860 mil agentes adicionais que se estima sejam necessários para expandir o provimento de cuidados de saúde aos níveis exigidos para alcançar os ODM relativos à saúde, mais de 50% seriam agentes de saúde e nutrição pertencentes às comunidades. Em muitos países do mundo em desenvolvimento, vêm sendo empreendidos esforços para ampliar o número de agentes comunitários de saúde, assim como para planejar pacotes de incentivos que possam reduzir os níveis de perda de pessoal. Diversos países – inclusive África do Sul, Índia, Quênia e Uganda – estão analisando programas nacionais para agentes comunitários de saúde, ao passo que Etiópia está capacitando 30 mil agentes do sexo feminino para o atendimento ampliado de saúde baseado em comunidades, enfocando saúde da mãe, do recém-nascido e da criança, malária e HIV/aids.16 Programas para agentes comunitários de saúde também estão sendo desenvolvidos em países tão diversos como Afeganistão, Indonésia, Moçambique, Nepal e Paquistão. Inicialmente, o fortalecimento de programas para agentes de saúde deve enfocar os provedores comunitários de saúde e nutrição, visando melhorar o provimento de serviços em três áreas: • Melhorar práticas de cuidados familiares por meio de visitas domiciliares. • Distribuir suprimentos de saúde e nutrição essenciais para uso domiciliar em comunidades que têm acesso limitado a cuidados baseados em centros de atendimento. • Fornecer pronto atendimento para crianças doentes. Incentivos baseados em desempenho – como remuneração baseada em mudanças comportamentais nas comunidades – poderiam ser 72 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 utilizados para motivar os agentes, substituindo remunerações fixas. As evidências sugerem que pacotes de incentivos múltiplos – muitas vezes associando pequenos incentivos financeiros ou pagamentos ‘em espécie’, com forte ênfase no reconhecimento e na supervisão pela comunidade, assim como oportunidades de crescimento e desenvolvimento pessoal – tendem a causar um efeito significativo na redução nos níveis de perda de colaboradores em meio aos agentes comunitários de saúde. Na Guatemala, por exemplo, agentes comunitários de saúde supervisionados registraram níveis de perda três vezes menores do que aqueles que não eram supervisionados, pois seu vínculo com especialistas externos lhes concede status mais elevado.17 A elevação do nível de habilidades dos agentes de saúde existentes é parte integrante de uma expansão eficaz. Supervisão e acompanhamento aprimorados, além de contratos e incentivos de desempenho baseados em resultados, são motivações possíveis para os agentes de saúde existentes, e são também condições que podem atrair futuros agentes. Desenvolver sistemas de saúde para resultados Os esforços para melhorar a harmonização da ajuda e para expandir as atividades, principalmente na África, vêm focalizando progressivamente a utilização dos ODM relativos à saúde e outros indicadores como referência para fortalecer os resultados dos sistemas de saúde. A ênfase em resultados pretende criar uma sinergia entre resultados e fatores de contribuição. Cada vez mais, o desenvolvimento de sistemas de saúde vem sendo estruturado como parte do processo para alcançar os objetivos, confundindo-se com eles. Essa conexão entre sistemas e resultados foi enfatizada na estrutura de estratégias para alcançar os ODM 4 e 5, por meio do fortalecimento dos sistemas de saúde, que foi elaborada conjuntamente pelo UNICEF, a OMS e o Banco Mundial, a pedido da União Africana. A estrutura analisa os gargalos existentes nos sistemas de 16 países africanos e simula o impacto potencial que a remoção desses gargalos teria sobre os ODM, em cada país. Com base nessa estrutura, mais de 10 países africanos estão atualmente revendo seus planos e mecanismos orçamentários, como os Documentos de Estratégias para a Redução da Pobreza, planos de desenvolvimento do setor da saúde, FORTALECENDO PARCERIAS COM COMUNIDADES, CUIDADOS CONTINUADOS E SISTEMAS DE SAÚDE 73 A eficácia de intervenções de cuidados de saúde é reconhecida por meio de acompanhamento e avaliações. O status de nutrição de crianças é avaliado antes da distribuição de biscoitos altamente protéicos, Iraque. © U N IC E F/ H Q 03 -0 45 9/ S he hz ad N oo ra ni 74 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 Água limpa e banheiros seguros têm o potencial de transformar a vida das crianças. Mais do que qualquer outro grupo, crianças pequenas são vulneráveis aos riscos gerados por água contaminada, condições sanitárias precárias e higiene inadequada. Em conjunto, água imprópria para beber, disponibilidade de água inadequada para lavar e cozinhar, e falta de acesso a condições de saneamento são fatores que contribuem com cerca de 88% das mortes causadas por doenças diarréicas – ou mais de 1,5 milhão a cada ano. Independentemente de outras intervenções, melhores condições de saneamento já poderiam reduzir em mais de um terço a morbidade relacionada à diarréia; condições de saneamento de melhor qualidade associadas a melhores comportamentos de higiene poderiam reduzi-la em dois terços. Lavar as mãos com sabão ou cinzas pode evitar entre 0,5 milhão e 1,4 milhão de mortes a cada ano. Melhores práticas domésticas incluem: utilização consistente de banheiro ou latrina por todas as pessoas da família; descarte seguro de fezes infantis; lavagem das mãos com sabão ou cinzas após defecação e antes de refeições; e instalação de fontes de água limpa nos domicílios e nas comunidades. Fornecer às comunidades conhecimentos e recursos para implementar essas práticas domésticas básicas é uma primeira etapa vital para aprimorar as condições de saneamento e higiene. Nicarágua e Peru: Promover melhores condições de higiene para reduzir a diarréia Assim como a Ásia Meridional, a região da América Latina e Caribe registrou progressos significativos nas áreas de fornecimento de água e saneamento, sendo que 16 dos 33 países da região estão a caminho da realização de suas metas de ODM. Entretanto, ainda há disparidades persistentes, principalmente entre áreas urbanas e rurais. Em 2002, o programa conjunto do Projeto de Saúde Ambiental e da Organização Pan-Americana de Saúde, denominado ‘Projeto de Mudança de Comportamento em relação à Higiene’, deu início a estratégias baseadas na comunidade para a região, que registrava anualmente um total combinado de 15 mil mortes e 75 mil hospitalizações por diarréia causada por rotavírus, independentemente de dispor de uma infra-estrutura sólida de latrinas e de água canalizada. No Peru, após a implementação do programa, a proporção de casos de diarréia relatados diminuiu para 9%, enquanto na Nicarágua o número de casos de diarréia de crianças de 3 anos de idade foi muito baixo, e entre crianças de 4 a 5 anos de idade não foi registrado nenhum caso sequer. Nesses dois países, do período que antecedeu a intervenção até a metade do período de implementação, muitas práticas de higiene apresentaram resultados significativos em termos estatísticos – por exemplo, lavar melhor as mãos e utilizar e armazenar água de forma segura. Moçambique: Os comitês de saneamento de criança para criança Freqüentemente, as crianças são poderosas defensoras de mudanças em suas comunidades. Em Moçambique, os comitês de saneamento de criança para criança servem como base para programas de educação em higiene centrados na criança realizados nas escolas, e devem ser utilizados também como ponto de entrada para a adoção de práticas de higiene no nível das famílias nas comunidades locais, por meio de canais de informação entre as crianças e entre as crianças e seus pais. Um comitê de saneamento de criança para criança consiste em um grupo de 15 meninas e meninos que recebem capacitação em educação participativa na área de higiene, inclusive em relação à divulgação de informações sobre rotas e barreiras de transmissão de doenças relacionadas a água e saneamento, lavagem adequada das mãos com sabão (ou cinzas) e uso adequado de latrinas. A inclusão de meninas nos comitês é especialmente importante, uma vez que sua freqüência à escola é afetada por instalações sanitárias inadequadas e pelo tempo consumido percorrendo longas distâncias em busca de fontes de água limpa. Desde 2002-2003, em associação com estratégias participativas para jovens, esses esforços ajudaram a aumentar entre 15% e 20% as taxas nacionais de matrículas de meninas. Para obter a atenção de outras crianças, os comitês utilizam discussões em grupo, cartazes, músicas temáticas, teatro, dança, entrevistas, desenhos e competições. Seguindo essa abordagem, foram criados comitês de saneamento de criança para criança, que funcionam em 251 escolas. Sudão Meridional: Fornecimento de água e saneamento baseado na comunidade, em ambientes complexos É amplamente reconhecido que abordagens baseadas na comunidade em áreas afetadas por conflitos armados, desastres naturais ou outras emergências complexas são difíceis de implementar, quando não impossíveis. Entretanto, evidências do Sudão Meridional sugerem que, quando implementadas com sucesso, abordagens baseadas na comunidade podem desempenhar um papel crucial em ambientes difíceis. No Sudão Meridional, um projeto de fornecimento de água e saneamento envolve equipes locais especializadas na perfuração manual de poços. Cada equipe é formada por dez membros, geralmente selecionados nas comunidades locais; desses, sete são perfuradores e três são responsáveis pela manutenção da bomba manual, incluindo um supervisor de equipe. A perfuração manual constitui uma abordagem de baixo custo e pouca tecnologia para prover acesso à água. O equipamento pode ser desmontado e transportado entre os locais pelas próprias comunidades. Sua portabilidade permite que seja transportado até mesmo em terrenos difíceis e, operado com cautela, permite que a perfuração continue durante a estação das Expansão: Água limpa, condições adequadas de saneamento e melhores práticas de higiene última década sugere que, no balanço geral, distritos de saúde ainda são uma forma racional para que os governos ampliem cuidados básicos de saúde por meio de redes de centros de saúde, práticas familiares ou estruturas descentralizadas equivalentes, com a retaguarda de hospitais de referência. Nos locais em que os distritos tornaram-se estruturas estáveis e viáveis, foram registrados resultados notáveis, mesmo em situações de emergências complexas, como na República Democrática do Congo e na Guiné. Do mesmo modo, Mali ampliou suas redes de centros de saúde e de serviços para mães e crianças.21 Nos países em que a descentralização foi acompanhada por reformas na administração pública, foram registrados progressos significativos no período de poucos anos. Exemplos incluem Moçambique, Ruanda e Uganda, países que passaram por muitos anos de conflitos e colapsos econômicos, mas que vêm conseguindo progressos significativos em reformas de instituições governamentais e em desempenho, inclusive de seus sistemas de saúde.22 Ao longo das últimas décadas, surgiram mais evidências sobre o desempenho de sistemas distritais de saúde. Entretanto, a base de evidências ainda é relativamente pequena, a cobertura de estudos é inconsistente, e as abordagens defendidas pelos profissionais da área da saúde não são aceitas no mesmo nível de consenso e visibilidade pela comunidade científica como são as abordagens de intervenções essenciais. O trabalho por meio da abordagem distrital para o provimento de cuidados de saúde contínuos para mães, recém-nascidos e crianças requer um novo ímpeto e uma sistematização mais rigorosa. Em particular, um objeto fundamental das pesquisas deve ser a reorientação dos sistemas nacionais de saúde, de modo a criar condições que permitam o desenvolvimento dos sistemas distritais de saúde e nutrição que fornecem FORTALECENDO PARCERIAS COM COMUNIDADES, CUIDADOS CONTINUADOS E SISTEMAS DE SAÚDE 77 negativo que a migração exerce sobre o provimento de serviços de saúde nos países em desenvolvimento é grave, uma vez que essa movimentação de capital humano afeta os profissionais mais bem qualificados, nos quais o governo investiu pesadamente por meio de capacitação e desenvolvimento profissional. Além dessas causas gerais, epidemia de aids e conflitos armados também foram causas subjacentes poderosas para a perda de pessoal de saúde, principalmente na África ao sul do Saara. Em situações de conflito e reconstrução pós-conflito, os agentes de saúde qualificados são vitais para fornecer serviços gerais e especializados a populações vulneráveis que podem ter sido deslocadas e feridas como conseqüência das disputas. Entretanto, em muitos países afetados, conflitos que duraram anos, e por vezes décadas, resultaram em uma escassez aguda de pessoal capacitado em cuidados de saúde. Para solucionar essa escassez de pessoal qualificado, no mínimo no curto e no médio prazo, os sistemas de saúde nacionais devem criar incentivos para a prática de cuidados domésticos de saúde. Embora seja um desafio, inúmeros países conseguiram recrutar e reter agentes de saúde, inclusive em áreas rurais, onde a escassez freqüentemente é mais grave. Pacotes de incentivos para reter agentes de saúde ou para reverter o quadro de migração estão sendo elaborados para tentar solucionar a crise. Mali é um exemplo: o Ministério da Saúde estimula médicos recém-formados a servir nas áreas rurais, oferecendo-lhes capacitação, alojamento, equipamentos e transporte, quando necessário. A capacitação focada em condições locais também pode limitar a perda da força de trabalho. Esforços duradouros para ampliar o número de agentes de saúde nas áreas rurais sugerem que a capacitação de agentes locais – oferecida no idioma local e incorporando habilidades relevantes para as condições locais – facilitam a retenção. Essas abordagens à capacitação freqüentemente levam a credenciamentos que não são reconhecidos internacionalmente, o que também limita a migração. Entretanto, o sucesso no provimento de incentivos e apoio no nível local é incerto. Preocupações crescentes incluem o fato de que os países ricos estão sendo beneficiados com a drenagem de cérebros, à custa da África. Em conseqüência, um movimento cada vez mais intenso pede o fim do recrutamento de agentes de saúde provenientes da África; ou, caso esse apelo seja irrealista – o que provavelmente se confirmará –, o movimento pede que o recrutamento somente ocorra quando ambos os lados forem beneficiados. Nos últimos cinco anos, autoridades nacionais, associações de profissionais e organismos internacionais criaram diversos instrumentos internacionais, com o objetivo de estabelecer normas de comportamento para os interessados envolvidos com o recrutamento internacional de agentes de saúde. Preocupações semelhantes também constituíram o foco de acordos bilaterais. Ver Referências, página 108. 78 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 As estratégias delineadas na ‘Estrutura Estratégica para Alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio em relação à Sobrevivência Infantil na África’ – elaborada para a União Africana em julho de 2005 – devem criar, em um prazo relativamente curto, condições mínimas necessárias para aumentar a cobertura eficaz de cuidados básicos de saúde na África ao sul do Saara – incluindo um pacote mínimo de serviços de baixo custo, alto impacto e baseados em evidências, que pode ser fornecido por meio de cuidados baseados na família e na comunidade, e por meio de serviços orientados para a população e cuidados baseados em clínicas. As intervenções básicas devem fornecer antibióticos para combater pneumonia e infecções neonatais; associar medicamentos contra a malária; promover a alimentação infantil e higiene; promover o uso de mosquiteiros tratados com inseticida; promover a terapia de reidratação oral; garantir atendimento qualificado a partos; fornecer suplementação de vitamina A; oferecer prevenção e cuidados relativos à aids pediátrica; prestar atendimento em emergências obstétricas e cuidados neonatais. Essas estratégias e intervenções devem melhorar as condições de nutrição infantil, as taxas de mortalidade materna e o status da mulher, além de reduzir a pobreza por meio da garantia de maior poder à mulher. As três etapas de implementação são destacadas nas páginas 71-72. Na primeira etapa, estima-se que essa estratégia poderia reduzir a taxa de mortalidade de menores de 5 anos na África em mais de 30%, e resultar em reduções de 15% na mortalidade materna, a um custo incremental anual estimado de US$2 a US$3 per capita, ou cerca de US$1.000 por vida preservada. Na segunda etapa, a implementação em escala de um pacote ampliado levaria a uma redução estimada de 45% na taxa de mortalidade de menores de 5 anos na região, e diminuiria a mortalidade materna em 40% e a neonatal em cerca de 30%. O custo econômico incremental anual é estimado em US$5 per capita, ou menos de US$1.500 por vida preservada. Na terceira etapa, estima-se que alcançar limites de cobertura eficaz com o pacote máximo de intervenções permitiria aos África ao sul do Saara: Estudo de caso de investimento para a sobrevivência infantil e outros Objetivos de Desenvolvimento do Milênio relativos à saúde Impacto estimado e custo de pacotes mínimo, ampliado e máximo para a Estrutura Estratégica para África Figura 4.3 FORTALECENDO PARCERIAS COM COMUNIDADES, CUIDADOS CONTINUADOS E SISTEMAS DE SAÚDE 79 países alcançar ou aproximar-se de metas básicas para os ODM 1, 4, 5 e 6, reduzindo as taxas de mortalidade de menores de 5 anos e de mortalidade materna em mais de 60%, cortando em 50% a taxa de mortalidade neonatal, e reduzindo em 50% a incidência de malária e subnutrição. O custo econômico incremental anual estimado para alcançar a fase 3 é de US$12 a US$15 per capita, ou cerca de US$2.500 por vida preservada. Presumindo um ritmo incremental na implementação, os recursos anuais adicionais necessários para a etapa de aceleração proposta aumentarão entre US$2 e US$3 per capita e por ano, para implantar o pacote mínimo em escala na primeira etapa; aumentarão no mínimo de US$12 a US$15 per capita e por ano para implantar o pacote máximo em escala até 2015, na terceira etapa. É preciso observar que esses custos adicionais foram estimados recentemente, utilizando ferramentas diferentes de avaliação de custos, sendo que cada um deles gerou projeções semelhantes, sugerindo a consistência das estimativas. O custo está relacionado a instalações, medicamentos e suprimentos. Os mosquiteiros tratados com inseticida e os medicamentos representam uma parcela bastante considerável desse custo. O custo é distribuído entre recursos humanos, centros de saúde, equipamentos, promoção, criação de demanda, acompanhamento e avaliação. No contexto da Estrutura Estratégica, foi proposto o seguinte cenário financeiro: nas três etapas, cerca de 50% dos recursos adicionais para expandir o pacote mínimo seriam assumidos pelos orçamentos nacionais, inclusive orçamento de apoio; 15% pelos gastos que não envolvem dinheiro; e um terço, pelas agências Fundo Global de Luta contra a Aids, Tuberculose e Malária (GFATM), UNICEF, Banco Mundial, OMS e outros doadores. Ver Referências, página 108. Fontes de financiamento 2007-2015 Figura 4.4 Fontes das Figuras 4.3 e 4.4, p.78-79: Estimativas preliminares baseiam-se na versão revisada de ‘A Strategic Framework for Reaching the Millennium Development Goals in África through health system strengthening and implementing at scale of integrated packages of high-impact and low-cost health and nutrition interventions’, de UNICEF, Banco Mundial e Organização Mundial da Saúde, documento preliminar elaborado por UNICEF, OMS e Banco Mundial por solicitação da União Africana. Revisado em outubro de 2006. • Desenvolver estratégias de financiamento inovadoras e eqüitativas. Compensar o desempenho de forma previsível, por meio de pactos Ao lado da ênfase renovada em resultados, existe um consenso emergente de que os recursos devem ser alocados com base em critérios como necessidade (tamanho da população, níveis de pobreza e estado atual da saúde nacional) e desempenho (resultados de saúde e capacidade para absorver recursos com eficácia). O desempenho pode estar relacionado a resultados básicos e a medidas de políticas estabelecidas no nível do país, em um ‘pacto’ baseado nas estruturas orientadas para resultados já existentes – tais como aquelas desenvolvidas por Comissão Européia, Banco Mundial e Banco de Desenvolvimento Africano, e por doadores bilaterais.26 Esses pactos constituem acordos mútuos entre os países em desenvolvimento e doadores, com base em critérios de responsabilização e de desempenho por parte dos recebedores, e no provimento de recursos financeiros previsíveis por parte dos doadores. Alinhar assistência ao desenvolvimento a sistemas nacionais Para melhorar a eficácia, é fundamental que os desembolsos da ajuda e sua implementação sejam feitos de forma alinhada com os sistemas nacionais. Em países com estruturas fiduciárias (gestão e aquisição de financiamento público) que, de maneira geral, são consideradas adequadas por doadores multilaterais e bilatérias, e que são acompanhados conjuntamente pelos parceiros, por meio de mecanismos de gastos públicos e de responsabilização financeira, o financiamento para expansão eficaz pode fluir de acordo com o apoio orçamentário do setor, por meio do provimento de recursos incrementais para a implementação do componente do setor de saúde contido no orçamento nacional, assim como de atividades relacionadas. O controle da eficácia desses recursos seria integrado ao acompanhamento geral e de apoio do orçamento setorial já existente. Um mecanismo semelhante poderia ser utilizado em países que dispõem de programas com enfoque setorial amplo e mecanismos de fundo comum, complementando os métodos de avaliação existentes. Há um consenso crescente de que os recursos para o setor da saúde devem ser canalizados por meio de instituições que visam ao provimento de cobertura universal, e não por meio de projetos e programas. Serviços de saúde para mães, recém- nascidos e crianças devem fazer parte da cesta de intervenções básicas de saúde, cobertas por qualquer pacote de benefícios financiado por essas instituições. A ampliação dos recursos gastos com saúde materna, neonatal e infantil pode exigir negociações quanto aos gastos governamentais, dentro do próprio orçamento destinado à saúde ou dentro do orçamento nacional. Essas negociações devem ocorrer no contexto do ambiente macroeconômico geral, que permite gastos incrementais no setor quando as necessidades de cuidados de saúde são adequadamente defendidas. No nível nacional, os recursos também devem ser mobilizado fora do setor público, por meio do envolvimento do setor privado, de organizações de sociedade civil, comunidades e famílias. Prover financiamento com base em resultados Uma das áreas fundamentais apoiadas pelas novas iniciativas de expansão é o financiamento baseado em 82 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 Maior comprometimento político e financiamento adequado por parte dos governos são condições necessárias para garantir a prestação de cuidados continuados para mães, recém-nascidos e crianças. Uma menina segura seu irmãozinho, Guatemala. © U N IC E F/ H Q 05 -1 87 6/ D on na D eC es ar e resultados. Este é um importante complemento aos fluxos de recursos já existentes e uma abordagem potencialmente promissora para superar os obstáculos existentes nos sistemas de saúde, de modo a alcançar resultados de saúde, nutrição e população. Em experiências realizadas recentemente, Afeganistão, Argentina, Camboja e Ruanda registraram resultados positivos, e avaliações mais rigorosas estão sendo planejadas para este último país (ver Destaque, página 84, sobre financiamento baseado em desempenho em Ruanda). O financiamento baseado em resultados oferece diversas vantagens sobre as abordagens tradicionais baseadas em fatores de contribuição: • Ênfase na obtenção de resultados e de produção a ritmos relativamente rápidos, dentro de um período de tempo bem definido. • Incentivos por desempenho em pontos fundamentais da cadeia de provimento de serviços. • Solução para diferenças importantes de financiamento, fornecimento de financiamento flexível aos governos, para equilibrar distorções de recursos e dar oportunidade para a determinação de prioridades, como direcionamento de programas aos pobres. • Por definição, o financiamento baseado em resultados é, essencialmente, uma ferramenta de acompanhamento e avaliação, construída sobre estratégias mensuráveis e direcionadas, que demandam dados sobre informações básicas, metas e progressos nos níveis relevantes. Conseqüentemente, esforços baseados em resultados permitirão revisões regulares de sucessos, falhas e gargalos, permitindo ajustes intermediários nos planos de implementação. • O financiamento baseado em resultados apóia também uma variedade mais ampla de soluções para os problemas de saúde além daqueles oficialmente sob controle do setor – tais como melhores condições de estradas, fornecimento de água e saneamento. • Acima de tudo, o financiamento baseado em resultados cria a oportunidade de consolidar a ajuda fragmentada, reduzindo dessa forma os altos custos de transação para os países, o que pode ser conseguido por meio de arranjos desse tipo de financiamento, centrados em resultados para os quais diversos doadores podem contribuir simultaneamente.27 FORTALECENDO PARCERIAS COM COMUNIDADES, CUIDADOS CONTINUADOS E SISTEMAS DE SAÚDE 83 A responsabilização no provimento de serviços pode ser definida como os processos por meio dos quais comunidades e famílias podem responsabilizar os provedores pela adequação e eficácia dos serviços que oferecem. Para comunidades e famílias pobres e marginalizadas, a responsabilidade pública pode ser alcançada dando-lhes voz e o direito de voto; para formuladores de políticas, a responsabilização pode ser exigida por meio de acordos sociais em que os governos ajudem, financiem e regulamentem os provedores de serviços de cuidados de saúde, nutrição e saúde ambiental. Quando as comunidades têm poder para exigir serviços adequados e eficazes, as famílias recebem informações sobre quais serviços estão sob a responsabilidade do Estado e quais são os padrões mínimos aplicáveis. Incluir a participação na vida pública e educação cívica em todos os programas de sobrevivência e desenvolvimento da mãe, do recém-nascido e da criança são ações que garantem às famílias o poder para conhecer as medidas que podem ser tomadas para proteger a vida de seus filhos e para melhorar seu desenvolvimento inicial. Famílias e comunidades que possuem conhecimentos sobre os serviços disponíveis e os padrões de qualidade necessários para esses serviços melhoram sua capacidade para cobrar responsabilidade de governos e provedores de serviços. Sempre que governos dão prioridade a questões de saúde e sobrevivência de mães, recém-nascidos e crianças em legislações, orçamentos, programas e pesquisas – e compensam adequadamente os provedores pelos serviços essenciais, ao mesmo tempo em que acompanham seu desempenho no provimento –, os pactos sociais entre governos e provedores também podem ser ferramentas eficazes para avaliar responsabilizações. O fortalecimento de responsabilizações deve ser adaptado a cada modo de provimento de serviço. No nível básico de serviços para comunidades e famílias – incluindo fatores como informações e apoio social para a promoção do aleitamento materno ou de cuidados para recém-nascidos –, a capacidade das famílias para adquirir serviços, acessar informações sobre eles e transformá-los em melhores resultados de saúde é fundamental para aumentar a responsabilização pela demanda. Freqüentemente, organizações comunitárias e da sociedade civil e redes comerciais estão em posição de prover mecanismos para famílias pobres e marginalizadas, que podem acompanhar diretamente a eficácia dos serviços e exercer suas responsabilidades. Ver Referências, página 108. Fortalecendo responsabilização e governança no provimento de serviços de saúde Estabelecer marcos de referência e indicadores de resultados para o desenvolvimento de sistemas de saúde Os indicadores associados aos ODM relativos à saúde podem servir como rastreadores ou como medidas representativas para o desempenho dos sistemas de saúde. Novas iniciativas planejam dar apoio aos governos, para que alcancem resultados estabelecidos em áreas definidas por meio de financiamento baseado em resultados, criando estruturas de incentivos adequadas. O objetivo é alcançar as metas de produção definidas para a cobertura de serviços firmemente correlacionadas com resultados positivos de saúde e sobrevivência maternal, neonatal e infantil – por exemplo, a proporção de partos em um centro credenciado; cobertura de imunização para três doses de vacina contra difteria, toxóide tetânico e coqueluche; ou cobertura de mosquiteiros tratados com inseticida nas áreas em que a malária é endêmica. Esses resultados e essas metas seriam selecionados com base em fatores de risco que contribuem para a mortalidade e a morbidade em cada país. Indicadores básicos de resultados podem ser estabelecidos de diversas formas. Esses parâmetros podem medir produção direta, como número absoluto de crianças imunizadas; cobertura, como porcentagem da população-alvo vacinada por antígenos em uma área definida; ou tendências, como aumento no número de crianças vacinadas ou níveis de cobertura alcançados ao longo do tempo. Um conjunto de indicadores básicos também pode ser definido para todos os projetos, permitindo comparações transnacionais e trocas de experiências. Os países também podem incluir indicadores adicionais para acompanhar elementos importantes de seus programas de saúde para mães, recém-nascidos e crianças. 84 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 Recentemente, com apoio de doadores, o governo de Ruanda ampliou diversos programas inovadores que transferem doações condicionadas do governo central para os municípios, para a aquisição de insumos essenciais para a saúde. O programa de saúde inclui três elementos principais: Parcerias com as comunidades para questões de saúde: o programa transfere recursos – cerca de US$0,25 per capita – diretamente aos municípios para envolver, por meio de um contrato baseado em desempenho, instituições baseadas na comunidade, organizações não- governamentais, provedores de cuidados de saúde, provedores privados de cuidados de saúde e outros serviços relacionados, em favor da realização de intervenções essenciais nos níveis comunitário e domiciliar. Um contrato de desempenho denominado IMIHIGO – uma palavra tradicional que se tornou sinônimo de responsabilidade em serviços públicos em todo o país – entre o presidente de Ruanda e prefeitos dos distritos é assinado anualmente em favor de seus eleitores. Os serviços prestados sob essa abordagem são simples e de baixo custo, enfocando a promoção de melhores práticas de saúde e higiene, intervenções para mudanças de comportamento, e serviços preventivos, tais como distribuição de mosquiteiros tratados com inseticida, terapia de reidratação oral, suplementação nutricional e sistemas de fornecimento de água limpa. Essas parcerias foram introduzidas em diversos distritos durante 2005 e, a partir de 2006, foram ampliadas para o nível nacional com a utilização de recursos do tesouro público. Em abril de 2006, o governo central assinou contratos de desempenho com as 30 municipalidades e selecionou a cobertura de mosquiteiros tratados com inseticida como seu principal indicador. Desde seu início, o programa registrou resultados significativos. Uma avaliação realizada em junho de 2007 constatou que a utilização de mosquiteiros por crianças menores de 5 anos de idade aumentou de 4%, em 2004, para mais de 70%, em 2007. O número de casos de malária diminuiu drasticamente, esvaziando alas pediátricas nos hospitais; e pesquisas baseadas na população que utiliza testes sangüíneos mostram uma diminuição significativa na prevalência dessa doença. Os formuladores de políticas classificam a situação como sem precedentes, e atualmente estão elaborando uma estratégia para eliminar a malária totalmente. Centros de saúde: o programa transfere recursos – cerca de US$1 per capita em 2007, ou cerca de 15% dos recursos governamentais destinados à saúde – a centros de cuidados básicos, por meio de um contrato baseado em desempenho. A partir de 2002, o esquema-piloto foi implantado inicialmente em duas províncias – Butare e Cyangugu –, com o apoio de organizações não- governamentais e ajuda bilateral. O contrato baseado em desempenho inclui indicadores relacionados à cobertura adequada (quantidade) e à cobertura eficaz (qualidade) dos serviços. Nas províncias em que os contratos foram implementados, foi constatado um aumento significativo na utilização de serviços de saúde, incluindo imunização e partos assistidos, em comparação com as províncias não cobertas pelos contratos. Subseqüentemente, o governo de Ruanda decidiu ampliar o programa gradualmente para outras Ruanda: Financiamento baseado em desempenho FORTALECENDO PARCERIAS COM COMUNIDADES, CUIDADOS CONTINUADOS E SISTEMAS DE SAÚDE 87 serviços de saúde. Todos os países mencionados passaram por diversas fases distintas: • Formar um quadro de profissionais da saúde como base de sustentação. • Desenvolver uma rede acessível de serviços primários e de referência baseados na comunidade. • Consolidar avanços, melhorando a qualidade dos cuidados em associação com melhorias nas condições de vida e no status das mulheres. • Priorizar amplas redes de segurança social para garantir acesso eqüitativo a saúde, nutrição e educação, disponibilizando amplamente serviços de saúde e nutrição. • Reduzir barreiras para serviços básicos e prover escolarização primária e secundária a todas as crianças. Mesmo em alguns dos países mais pobres da América Latina, nos quais crises econômicas, deficiências institucionais e amplas disparidades socioeconômicas continuam a prejudicar os avanços, houve progressos acentuados rumo ao acesso generalizado a cuidados de saúde de boa qualidade. comunitários são bem definidos, incluindo sua designação como parte das unidades locais de saúde. As diretrizes de encaminhamento e supervisão são bastante claras: a unidade apóia os agentes de saúde, e estes, por sua vez, realizam a expansão do sistema de saúde nas comunidades. Os agentes comunitários de saúde tornaram- se parte fundamental de suas comunidades locais, e a integração da rede com os governos nacional, estadual e municipal ajuda a garantir tanto a sustentabilidade do programa como sua ampliação para novas áreas do sistema de saúde nacional. Resultados: Desde 1990, a introdução do programa de agentes comunitários de saúde contribuiu para a redução nas mortes de bebês em todo o país. Além disso, nos últimos anos, o governo vem dando maior atenção à região Nordeste e aos grupos étnicos marginalizados, enfatizando também cuidados de saúde para crianças e mães no nível regional – quase 50% dos participantes que recebem benefícios financeiros do Programa Saúde da Família vivem no Nordeste do país. Ver Referências, página 108. Brasil: Grandes disparidades nas taxas de mortalidade de bebês entre e den- tro de regiões selecionadas, por renda familiar e por etnia da mãe, 2002 Figura 4.5 Taxa de mortalidade de bebês, por mil nascidos vivos 2000 Disparidades quanto à renda familiar 20% das famílias mais ricas 15.8 20% das famílias mais pobres 34.9 Disparidades quanto à etnia da mãe Branca 22.9 Afro-descendente 38 Indígena 94 Média nacional 30.2 2002 Regiões/estados selecionados Centro-oeste 20.4 Distrito Federal 17.5 Nordeste 41.4 Alagoas 57.7 Norte 27.7 Sudeste 20.2 São Paulo 17.4 Sul 17.9 Rio Grande do Sul 15.4 Média nacional 28.4 Fonte: Fundo das Nações Unidas para a Infância, ‘Situação da Infância Brasileira 2006: O direito à sobrevivência e ao desen- volvimento’, UNICEF, Brasília, 2005, p.10-11. A criação de programas nacionais e a existência de lideranças do setor público podem aumentar significativamente as perspectivas de sucesso na expansão dos serviços. Foi reiteradamente comprovado que, quando os governos assumem a liderança e estão comprometidos com a expansão de programas-piloto e de pequena escala bem-sucedidos, essas iniciativas podem conseguir rapidamente uma cobertura de alcance nacional. No Brasil, o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (ver destaque na página 86) e a iniciativa Bolsa Família; no México, o Progresa – programa de saúde, nutrição e educação, e o esquema de seguro de saúde Seguro Popular de Salud; na Indonésia, os agentes comunitários de saúde; e no Egito, as iniciativas de reidratação oral, entre muitos outros exemplos, mostram o potencial da expansão que existe quando governos mostram disposição para destinar até mesmo parcos recursos aos programas de saúde e de bem-estar social. Entretanto, criar programas envolve mais do que apenas seu financiamento. Os governos também devem estar comprometidos com a criação e a sustentabilidade da capacidade técnica e administrativa necessária. É necessário o apoio em cada nível administrativo dos sistemas de saúde – federal, provincial e distrital – para coordenar e supervisionar a expansão. Questões de sustentabilidade também podem ser resolvidas no nível nacional, e o programa deve ser totalmente endossado pelo sistema político – inclusive o legislativo –, para garantir que sobreviva a transições e mudanças políticas. Os governos podem prover a capacidade e a vontade política para criar uma rede nacional baseada na saúde comunitária. Quando isso ocorre, os resultados são freqüentemente significativos. No 88 S I T U A Ç Ã O M U N D I A L D A I N F Â N C I A 2 0 0 8 No dia 19 de julho de 2007, em Nova Iorque, líderes mundiais da área da saúde, pertencentes a oito organizações internacionais, reuniram-se informalmente para discutir formas de fortalecer sua colaboração para alcançar melhores resultados de saúde nos países em desenvolvimento. Capitalizando sobre encontros recentes entre diversos líderes, o objetivo da reunião foi rever os progressos realizados durante os últimos anos, avaliar as tendências atuais e os futuros desafios para a saúde global, e estabelecer ações coletivas, no contexto das oportunidades atuais. Diversos compromissos fundamentais foram recomendados: • Estimular um sentido coletivo global de urgência para a realização dos ODM relativos à saúde. Os participantes concordaram que, apesar de avanços importantes em relação aos cuidados de saúde para mães, recém-nascidos e crianças, realizados em alguns países e para alguns indicadores, a comunidade internacional – em parceria com governos nacionais – deve acelerar e intensificar drasticamente os esforços para alcançar todos os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio relativos à saúde. As oito organizações representadas desempenham um papel importante na estimulação dessas ações. Os participantes responsabilizaram-se pelo provimento do apoio necessário aos países, para que realizem os objetivos e acelerem as ações em todos os níveis dentro de suas próprias organizações. Ação: Os líderes mundiais na área da saúde concordaram em catalisar um sentido mais abrangente de urgência em suas próprias organizações e apoiá-lo por meio de decisões sobre recursos orçamentários e humanos. • Modificar as formas institucionais de realizar negócios. A realização dos ODM relativos à saúde exigirá maior colaboração e trabalho em equipe. A ênfase foi colocada sobre o esclarecimento das responsabilidades essenciais de cada agência: a necessidade de uma abordagem coordenada interagências, para prover assistência técnica de alta qualidade, impulsionada por demanda; e a implementação de um sistema robusto de acompanhamento e avaliação, apoiado coletivamente. Essas abordagens devem basear-se nas estruturas e nos programas já existentes nos níveis global, regional e nacional. Todas as organizações concordaram em avaliar suas equipes, programas de capacitação e estruturas de incentivo, para refletir essa nova forma colaborativa de realizar negócios, reconhecendo a necessidade de desenvolver novas habilidades, principalmente no nível nacional. O desenvolvimento de uma estrutura para a responsabilização mútua garante mais clareza a papéis, responsabilidades e marcos de referência, e um sistema para acompanhar os compromissos. Ação: Os líderes mundiais na área da saúde concordaram em trabalhar em conjunto para definir melhor suas responsabilidades individuais e coletivas em favor de resultados melhores e mais rápidos. • Criar uma abordagem mais sistemática e robusta para gerenciamento e aprendizagem do conhecimento. Devido a novos e significativos investimentos na área da saúde em todo o mundo, surgem oportunidades para novos conhecimentos e lições assimilados em programas de saúde. Os participantes enfatizam a oportunidade de realizar um mapeamento mais sistemático do setor da saúde no nível nacional, incluindo o papel desempenhado pelo setor privado. Ação: Os líderes mundiais na área da saúde concordaram em explorar meios para assimilar sistematicamente os Uma nova forma de trabalho conjunto para instituições multilaterais FORTALECENDO PARCERIAS COM COMUNIDADES, CUIDADOS CONTINUADOS E SISTEMAS DE SAÚDE 89 caso da China, por exemplo, o próprio governo criou um desafio imenso com o lançamento do Programa Nacional de Eliminação de Distúrbios causados por Deficiência de Iodo – uma estratégia para garantir o suprimento de sal iodado comercializado em todo o país e promover a aceitação universal. Nessa época, a China registrava o maior número de crianças sem proteção contra deficiências por falta de iodo, a principal causa de danos intelectuais evitáveis em todo o mundo. Distúrbios por deficiência de iodo podem ser evitados com uma única colher de chá de iodo distribuída ao longo da vida. O desafio foi aumentar o nível de conscientização do público sobre a importância vital do sal iodado, principalmente nas regiões produtoras de sal, em que os residentes locais opunham resistência à idéia de pagar pelo sal. Com o apoio político de governos provinciais, acompanhamento rigoroso e a implementação de regulamentação sobre o sal, assim como uma campanha nacional de saúde pública – que utilizou cartazes em ônibus, editoriais em jornais e documentários na televisão para informar os consumidores e criar demanda para sal fortificado –, a utilização do sal adequadamente iodado nos domicílios aumentou de 51%, em 1995, para 90%, em 2005.30 Lidar com as dimensões políticas da criação do provimento sustentável de cuidados continuados de qualidade exige mais do que a imposição de argumentos técnicos. Necessita também uma compreensão mais ampla das restrições e das oportunidades para criar disposição e compromisso entre os principais atores políticos. Os políticos talvez precisem ser convencidos de que as ações que apóiam o provimento de cuidados conhecimentos adquiridos por meio dos programas de saúde, e desenvolver uma abordagem de coordenação mais consistente para gerir os conhecimentos de maneira geral. Por fim, o grupo concordou em reunir recursos quando suas organizações realizarem exercícios de mapeamento e de avaliação no setor da saúde. • Reconhecer a importante oportunidade apresentada pelos interesses renovados nos sistemas de saúde. Os participantes aceitaram o compromisso com os ODM relativos à saúde, conforme enunciados em diversas iniciativas globais novas que vêm sendo desenvolvidas em torno do fortalecimento de sistemas de saúde. Esse apoio está em sintonia com as prioridades das organizações participantes. Houve um acordo consistente pela adoção de uma abordagem ‘de sistemas por resultados’, por meio da qual o fortalecimento seria avaliado por sua capacidade de prestar serviços baseados em resultados. Além disso, o grupo reconheceu o papel de intermediação das agências das Nações Unidas para integrar a necessidade de responsabilização e a vontade nacional de liderar seus próprios processos de desenvolvimento. Foi enfatizada a necessidade urgente de avaliar o desempenho dos sistemas de saúde a partir de um ponto de referência. Por fim, tendo em vista o número crescente de interessados trabalhando na área da saúde global, foi enfatizada também a necessidade de um alinhamento mais direto em torno de uma estratégia abrangente no setor da saúde em nível nacional. A esse respeito, os líderes mundiais na área da saúde discutiram a experiência dos programas para HIV e aids, que podem oferecer oportunidades de aprendizagem. Ação: Os líderes mundiais na área da saúde concordaram em envolver as iniciativas globais emergentes de forma coordenada, para garantir que suas organizações dêem apoio eficaz aos países, por meio de recursos financeiros e/ou assistência técnica e de políticas. Além disso, OMS e Banco Mundial comprometeram-se a acelerar a avaliação do desempenho de sistemas de saúde a partir de um ponto de referência. • Reconhecer que os papéis da sociedade civil e do setor privado serão essenciais para o sucesso. O setor privado desempenha diversos papéis: prover serviços de saúde, financiar cuidados de saúde e trazer novas tecnologias para o mercado. As inovações podem ajudar a acelerar os progressos – por exemplo, inovações tecnológicas ou criação de novos modelos de programas, micro- empreendimentos e financiamentos baseado em desempenho. Nos países em desenvolvimento, as organizações não-governamentais registram uma longa história de provimento de serviços, e seu campo de experiência é uma fonte de lições importantes. Para que os ODM relativos à saúde sejam alcançados, o apoio aos países em desenvolvimento exigirá o fortalecimento de sistemas integrados de provimento, tanto no setor público quanto no setor privado, e a criação de oportunidades para que o setor privado seja envolvido e faça investimentos na área. Ação: Os líderes mundiais na área da saúde expressaram seu compromisso com o envolvimento do setor privado e da sociedade civil de forma mais sistemática, de acordo com a ampliação do trabalho sobre os ODM relativos à saúde para os níveis global, regional e nacional. O grupo concordou em acompanhar os progressos rumo à realização dos compromissos assumidos nesse encontro. Ver Referências, página 108.
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