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Cuidado para os portadores de Diabetes Mellitus-RafaelLuisCastilloDuranza, Notas de estudo de Enfermagem

Trata-se de uma tese de doutorado que tem como título "A Produção de Cuidado para os Portadores de Diabetes Mellitus tipo II na Atenção Primária de Saúde" Obs: O outro arquivo sobre hipertensão arterial e diabetes mellitus não se trata de uma tese de doutorado.

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 22/11/2010

fernanda-ramos-19
fernanda-ramos-19 🇧🇷

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Baixe Cuidado para os portadores de Diabetes Mellitus-RafaelLuisCastilloDuranza e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRÃO PRETO RAFAEL LUIS CASTILLO DURANZA A produção de cuidado para os portadores de Diabetes Mellitus tipo 2 na Atenção Primária de Saúde Ribeirão Preto 2010 RAFAEL LUIS CASTILLO DURANZA A produção de cuidado para os portadores de Diabetes Mellitus tipo 2 na Atenção Primária de Saúde Tese apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Ciências, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem em Saúde Pública Linha de Pesquisa: Práticas, saberes e políticas de saúde. Orientador: Profa. Dra. Silvana Martins Mishima Ribeirão Preto 2010 Dedico este trabalho à memória da Profa. Dra. Maria Cecília Puntel de Almeida, educadora e amiga. “La muerte no es verdad cuando se ha cumplido bien la obra de la vida”. José Martí (político, periodista, filósofo e poeta cubano). AGRADECIMENTO(S) Aos brasileiros por ter-me acolhido em sua (nossa) terra. A Ju por seu amor, paciência e solidariedade. A Luly pela luz dos seus olhos. Aos meus pais, irmãos e avôs, sempre incondicionais. Aos professores, alunos e funcionários da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto que me acolheram nas horas difíceis. Agradecimentos especiais a Profa. Dra. Silvana Martins Mishima, Profa. Dra. Maria Lúcia Zanetti, Profa. Dra. Maria José Bistafa Pereira, Profa Dra Ana Maria de Almeida, e ainda a Cristiane Gramani Say e Joseli de Marco. Aos professores e funcionários do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública. Aos meus colegas do Grupo NUPESCO - Núcleo de Pesquisas e Estudos em Saúde Coletiva. Aos trabalhadores do Núcleo de Saúde da Família. A Amélia, Oscar, Gera, Martha, Karla, Paula, Eveline. Amigos. A todos por contribuírem com meu crescimento intelectual e espiritual. À Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo apoio ao Projeto através da Bolsa de Doutorado Direto, processo: 05/60178-1. EPÍGRAFE Hijo: Tengo fe en el mejoramiento humano, en la vida futura, en la utilidad de la virtud, y en ti. José Martí (político, periodista, filósofo e poeta cubano). RESUMEN Castillo RL. La producción de cuidado para los portadores de Diabetes Mellitus tipo 2 en la Atención Primaria de Salud. [Tesis]. Ribeirao Preto: Escuela de Enfermería de Ribeirao Preto, Universidad de Sao Paulo; 2010. El presente estudio se insiere en el campo de la salud colectiva, en la temática de la organización tecnológica del trabajo en salud. El objetivo del mismo es analizar e interpretar como se da el proceso de producción de cuidados en la Atención Primaria de Salud (APS) de los individuos adultos portadores de Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2). La DM es un importante problema de salud pública con dimensiones epidémicas en el mundo y en Brasil. La Organización Mundial de la Salud y el Ministerio de Salud vienen incentivando la adopción de políticas y estrategias para el desarrollo de las acciones de cuidado de los portadores de DM en el contexto de la APS. El estudio se apoya en los aportes teóricos de la organización de servicios y sistemas de salud en la perspectiva de la APS, de la DM como Condición Crónica y del proceso de trabajo en salud. El escenario de pesquisa fue una Unidad de Salud de la Familia del municipio de Ribeirao Preto-SP. La recolección de datos fue realizada de enero de 2007 a abril de 2008. Se utilzó un abordaje metodológico cualitativo con diferentes técnicas de captación de lo empírico: observación participante; entrevista semiestructurada; historias clínicas individuales; sistemas de información oficiales del Ministerio de la Salud, buscando profundizar en el análisis/interpretación del proceso de cuidado que envuelve un conjunto de tecnologias (duras, leves-duras y leves). En el análisis del material empírico fueron identificados tres tema: La política municipal de salud para Atención Básica; el Programa de Enfermedades Crónico Degenerativas-Diabetes y el proceso de cuidado al usuario diabético en el Núcleo de Salud de la Familia (NSF). Dentro de los principales resultados tenemos que la política municipal de salud para la Atención Básica propuesta para el periodo 2010-2013 prevé la expansión en 50% de la cobertura poblacional por la Estrategia de Salud de la Familia (ESF), 100% por la Estrategia de Agentes Comunitarios de Salud (EACS) y 50% por la Estrategia de Salud Bucal (ESB) pero ha encontrado limitaciones en relación a la contratación de recursos humanos e insuficiencia en la estructura física de las unidades. En relación al Programa de Enfermedades Crónico Degenerativas-Diabetes, los técnicos del nivel central de gestión consideraron como la principal actividad del programa los registros en el SisHIPERDIA, donde persisten dificultades con 22,2% del potencial de usuarios portadores de DM censados no municipio. Ya el análisis del proceso de cuidado al usuario diabético en el NSF reveló la importancia de las reuniones de discusión de familias e administrativas para el proceso de trabajo en la unidad, las deficiencias metodológicas en la realización de actividades de educación en salud así como en los cuidados domiciliares y un proceso de trabajo todavía centrado en las actuación del médico, en la realización de procedimientos y en la queja de salud más que en las necesidades del usuario. Sin embargo se hicieron evidentes las potencialidades presentes, una vez que el equipo apunta para la posibilidad de reflexionar y colocar en acción otra lógica de atención centrada en la producción de cuidados, con el establecimiento de espacios colectivos de decisión y creación de vínculos, atendiendo a los principios y valores de la Atención Primaria renovada. Palabras Clave: Atención Primaria de Salud, Programa de Salud de la Familia, Diabetes Mellitus; Medicina de Familia y Comunidad; Enfermería en Salud Pública; Asistencia de Salud. LISTAS DE FIGURAS Figura 1 - Área de abrangência, micro-áreas e limites do NSF............................. 46 Tabela 1 Tabela 2 Tabela 3 Tabela 4 Tabela 5 Tabela 6 Tabela 7 Tabela 8 Tabela 9 LISTAS DE TABELAS Distribuição numérica dos estudos, resultado da pesquisa bibliográfica para os descritores APS e Diabetes Mellitus................. Distribuição numérica dos motivos de exclusão dos prontuários individuais... sereseeeseeeaeeeeeaeereeeeereeeaaeaneeeaacareraaeaneeeaatas Distribuição numérica de participantes da pesquisa por categoria profissional............... ss itretaeeereeaeeeeeeaaeeeneaaeaneeeaaraneeaananereranass Rede pública de saúde de Ribeirão Preto em 1984........................... Porcentagem da população com cobertura de ACS e ESF em Ribeirão Preto, estado de São Paulo e Brasil em 2008..................... Número de unidades de AB por tipo e localização no município de Ribeirão Preto... ri aeeeeeaeerneaeeeereeaaeerreneeneeeaaeaneaaaea Número de portadores de DM, HTA e DM com HTA cadastrados no HIPERDIA em 2009................ rr seeeeeereeeereeererereeeeerererenereererereees Tabela 8. Distribuição percentual dos registros em prontuário dos ltens de acompanhamento e fregúência de acompanhamento recomendada................. ss tteeteeaseereeaeereeeaaeeeeeeaeeneeanererenarenaanans Comparativo da distribuição percentual dos registros em prontuário dos Itens de acompanhamento em duas unidades de saúde... creteeeeenereraa arara ceara aeee aeee eat 53 59 64 68 69 90 161 164 AB AIS ANS APS AU AVC BVS CA CAPS CAPS-ad cc CEBES CSE CMSsC CNES DALY DCNT DSME DM2 EcG EERP LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS Atenção Básica Ações Integradas de Saúde Agência Nacional de Saúde Suplementar Atenção Primária em Saúde Auxiliar de Enfermagem Acidente vascular cerebral Biblioteca Virtual em Saúde Circunferência abdominal Centro de Atenção Psicossocial Centro de Atenção Psicossocial em Álcool e Drogas Condição Crônica de Saúde Centro Brasileiro de Estudos em Saúde Centro de Saúde Escola Centro Médico Social Comunitário Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde Anos de Vida Perdidos Ajustados por Incapacidade Doenças Crônicas Não Transmissíveis Diabetes Self-management Education Intervention Diabetes Mellitus tipo 2 Eletrocardiograma Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo EEUU ESF FORP HCFMRP/USP HDL HTA IBGE IMC MS NADEF NGA-59 NOB-96 NSF OECD oms OPAS PA PAB PACS PAMII PIASS PIC Estados Unidos de América Estratégia de Saúde da Família Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Lipoproteína de alta densidade Hipertensão Arterial Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Índice de Massa Corporal Ministério da Saúde Núcleo de Atenção à Pessoa Deficiente Ambulatório Regional de Especialidades Norma Operacional Básica de 1996 Núcleos de Saúde da Família Organization for Economic Cooperation and Development Organização Mundial da Saúde Organização Pan-Americana da Saúde Pressão arterial Piso de Atenção Básica Programa de Agentes Comunitários de Saúde Ambulatório Geral de Especialidades Pediatra Programas de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento Programa de Integração Comunitária PSF R1 R2 SESP SIAB SMS SUDS Sus TB TOTG UBDS UBS UNICEF USP VD YLD YLL Programa de Saúde da Família Residente do primeiro ano da especialidade Saúde de Família e Comunidade Residente do segundo ano da especialidade Saúde de Família e Comunidade Serviço Especial de Saúde Pública Sistema de Informação da Atenção Básica Secretaria Municipal da Saúde Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde Sistema Único de Saúde Tuberculose Teste Oral de Tolerância à Glicose Unidades Básicas e Distritais de Saúde Unidades Básicas de Saúde Fundo das Nações Unidas para a Infância Universidade de São Paulo Visita Domiciliar Anos de Vida Vividos com Incapacidade Anos de Vida Perdidos por Morte Prematura 1. INTRODUÇÃO O objeto da presente pesquisa refere-se ao estudo da produção de cuidados na Atenção Primária em Saúde (APS) para indivíduos adultos portadores de Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2). Trata-se, portanto, de uma temática que se insere no campo das práticas e políticas de saúde. Para a compreensão do DM2 no âmbito da saúde coletiva, consideramos importante abordar a problemática do DM no contexto da APS. Estes dois eixos temáticos são retomados e aprofundados na fundamentação teórica, articulados à organização tecnológica do trabalho em saúde e ao cuidado em saúde. Nesta investigação, os termos APS e Atenção Básica (AB) são considerados como sinônimos. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, a adoção da terminologia Atenção Básica tem o intuito de “construir uma identidade institucional própria, rompendo com a concepção redutora desse nível de atenção". A pesquisa estruturou-se no seu desenho metodológico em torno do pressuposto de que a APS desempenha uma função reorganizadora das práticas assistenciais quando seus princípios básicos são aplicados. Como será discutido posteriormente, há diferentes interpretações sobre a APS assim como diversas são as opiniões em relação com os princípios que permitem caracterizá-la. Em nossa pesquisa temos optado por empregar os princípios propostos pela Política Nacional de Atenção Básica do Ministério da Saúde? que são definidos de forma sucinta: e Contato preferencial dos usuários com o sistema de saúde: encontro inicial e porta de entrada ao sistema; * Universalidade: cobertura, atendimento e acesso ao SUS como dever do Estado; e Acessibilidade: oportunidade de utilizar os serviços de saúde sem restrições físicas ou sociais; e Coordenação do cuidado: a equipe de APS representa os indivíduos, as famílias e as comunidades perante o sistema de saúde; e Vínculo: processo que ata ou liga afetiva e moralmente o usuário ao trabalhador de saúde numa convivência de ajuda e respeito mútuos; e Continuidade: atenção permanente e sistemática no tempo; * | Integralidade: amplo espectro de ações multiprofissionais e interdisciplinares focadas na família e na comunidade; e Responsabilzação: compromisso permanente da equipe com a população adscrita; e Humanização: autonomia e protagonismo dos sujeitos (usuários, trabalhadores de saúde e gestores), de co-responsabilidade entre eles, de solidariedade dos vínculos estabelecidos, dos direitos dos usuários e da participação coletiva no processo de gestão; e Equidade: Condições para que todas as pessoas tenham acesso aos direitos que lhe são garantidos; e Participação social: compartilhamento da gestão do SUS através de mecanismos institucionais de caráter colegiado colegiados nos seus diferentes níveis. Devemos ressaltar que alguns destes princípios são comuns aos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). Gostaríamos de introduzir brevemente o conceito de cuidado que estamos utilizando nesta investigação. Entendemos o cuidado, num sentido amplo, como a relação que se estabelece entre os trabalhadores de saúde e os usuários dos serviços de saúde, na qual não só estão envolvidos os conhecimentos técnico- científicos (saberes e práticas) e as tecnologias duras (ferramentas e máquinas). Cuidar é uma relação na qual também participa a subjetividade através do acolhimento, a confiança mútua, a consideração e o respeito pelas diferenças, a solidariedade e a responsabilidade contínua?. Na fundamentação teórica discute-se com mais profundidade este conceito. Como outro elemento de análise agrega-se o exame das políticas públicas do município de Ribeirão Preto, estado de São Paulo, em relação à APS e com o DM. Para desenvolver esta tarefa utilizamos como referência os Planos Municipais de Saúde de Ribeirão Preto dos períodos 2005-2008 e 2010-2013, que tratam, dentre outros aspectos, da política municipal para AB assim como o Programa Municipal de Doenças Crônico Degenerativas - Diabetes e o Protocolo de Atendimento em Hipertensão e Diabetes, que estabelecem um conjunto de recomendações para a prevenção, diagnóstico e acompanhamento desta doença. O estudo sobre o cuidado de saúde aos usuários portadores de DM2 na APS se justifica pelas características que reveste esta Condição Crônica de Saúde (CC). Algumas destas características são: alta prevalência; prevalência em rápido aumento; principal fator de risco populacional para doenças vasculares que são a primeira causa de morte no Brasil e em grande parte do mundo; presença de co- morbidades importantes com grande repercussão sobre a qualidade e a expectativa de vida dos usuários e importante carga econômica para os sistemas de serviços de saúde. Consequentemente, o acompanhamento destes usuários requer manejo contínuo e de longo tempo tornando-o uma situação cotidiana nos serviços de APS. Sem dúvidas o DM desafia os sistemas de serviços de saúde. Assim sendo, concordamos com Lemus que considera que uma das chaves para transformar qualitativamente o cuidado dos portadores de CC está no fortalecimento dos sistemas de saúde baseados nas estratégias e princípios da APS. Existe um forte interesse por parte de organizações de saúde, tanto nacionais quanto internacionais, em incentivar a estratégia de APS. Um sistema de saúde incapaz de gerenciar as condições crônicas neste nível de atenção se tornará ineficaz e não efetivo para satisfazer as necessidades da população e melhorar a sua qualidade de vida, além de se converter numa carga econômica insustentável. Muitos trabalhos demonstram que os investimentos de recursos humanos e materiais nesta estratégia não só resultam em bem-estar para usuários e comunidades, mas se constituem como uma importante fonte de economia destes recursos. Esse fato adquire particular relevância nas nações em desenvolvimento que contam com orçamentos limitados em saúde, o que obviamente as limitam na oferta de um atendimento de qualidade ao diabético que satisfaça as expectativas mais gerais, especialmente para os setores economicamente menos favorecidos*. Durante o levantamento bibliográfico realizado para sustentar o presente estudo, foram encontrados vários trabalhos que sugerem na suas conclusões que a atenção ao DM na APS no Brasil apresenta algumas limitações. A pesquisa destes trabalhos realizou-se na base de dados Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), vinculada à Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). Esta plataforma se alimenta com informações de outras bases de dados como LILACS- Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde, MEDLINE, The Cochrane Library e ScieLO- Scientific Electronic Library * Outra vantagem da BVS relaciona-se com a busca do descritor introduzido em três línguas: portuguesa, inglesa e espanhola, ou seja, o descritor introduzido, independentemente do idioma, recupera informação nas outras duas línguas de forma automática e simultânea, sendo listados os trabalhos correspondentes nos três idiomas. Isto é possível pela ferramenta DeCS - Descritores em Ciências da Saúde, utilizada na indexação de artigos de forma trilingúe. ou aceitável, assim como 49,5% tiveram a glicemia capilar adequada no momento do exame. O cuidado destes diabéticos baseou-se quase exclusivamente nos atendimentos médicos. Apesar destas dificuldades, os pesquisadores sugeriram que modificações importantes no cuidado destes diabéticos poderiam ser atingidas com baixos investimentos em recursos materiais, padronização de procedimentos e capacitação adequada dos profissionais da equipe”. Posteriormente, Assunção, Santos e Costa, publicaram outro artigo” com base nesta pesquisa apontando problemas tais como a prescrição inadequada de hipoglicemiantes orais (41% fora da dose recomendada); 40% de diabéticos em uso de insulina não faziam a auto- aplicação do hormônio, o que se considerou como falha no plano educacional dos diabéticos e verificou-se pouca adesão à dieta e à atividade física por parte destes usuários*. Como apontado, a aproximação ao tema do DM na APS destas pesquisas se dá na perspectiva da avaliação de serviços de saúde (estrutura, processo e resultados). Seus resultados fornecem importantes subsídios para justificar a importância dos estudos do DM no contexto da APS. No plano de nossa investigação, estamos focados nos processos de trabalho dos profissionais e suas ações aos usuários portadores de DM 2, mantendo como pressuposto central que a produção de cuidado em saúde para estes usuários que se organiza através dos princípios da APS, favorece o cuidado da DM como problema de saúde coletiva. Motivados por esta problemática nos formulamos as seguintes perguntas: * Quais são as possibilidades e limitações na produção de cuidado em saúde aos indivíduos adultos portadores de DM 2, acompanhados na Rede Básica de Saúde da SMS de Ribeirão Preto, em específico pela estratégia de Saúde da Família? + Quais profissionais prestam o cuidado em saúde a estes indivíduos e qual é sua a formação e qualificação para este cuidado? * Quais são as ações realizadas pelos profissionais de saúde no cuidado aos indivíduos adultos portadores de DM 2 no contexto da APS? * Como as políticas públicas de saúde do município Ribeirão Preto-SP, através da SMS, incorporam as ações de cuidado em saúde a estes indivíduos? * Como se organizam na prática do cuidado aos usuários diabéticos, os princípios orientadores da APS? A partir destes questionamentos, traçamos os objetivos geral e específicos que são apresentados à seguir. 1.1. Objetivo Geral Analisar como se dá o processo de produção de cuidados em saúde aos indivíduos adultos portadores de DM 2 enquanto condição crônica de saúde, acompanhados na Rede Básica de Saúde no município Ribeirão Preto-SP. 1.1.1. Objetivos Específicos e Identificar e caracterizar o perfil sócio-demográfico e de formação específica da equipe de profissionais que presta cuidados aos indivíduos adultos portadores de DM2. e Analisar como são incorporados às ações de cuidado realizadas pelos profissionais de saúde aos indivíduos adultos portadores de DM 2, os princípios orientadores da AB. e Analisar como são incorporados os princípios orientadores da APS às políticas públicas de saúde do município Ribeirão Preto-SP para o cuidado aos indivíduos adultos portadores de DM 2. Consideramos que o presente trabalho poderá trazer contribuições às políticas públicas de saúde do município em relação com a APS e a DM, assim como abrir possibilidades de intervenção para melhorar os cuidados a estes usuários. Também a pesquisa poderá enriquecer a discussão acadêmica em torno dos processos de cuidado em saúde no contexto da saúde coletiva. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A fundamentação teórica de nosso objeto de estudo, a saber, o processo de cuidado para os indivíduos portadores de DM 2 na APS, está organizada em três eixos temáticos: * Organização dos Sistemas de Serviços de Saúde. Atenção Primária e Atenção Básica; * O Diabetes Mellitus como Condição Crônica de Saúde no contexto da APS; e O Processo de Trabalho em Saúde e a produção de cuidado em saúde. 2.1. Organização dos Sistemas de Serviços de Saúde. Atenção Primária e Atenção Básica Não existe consenso sobre a definição de sistemas de serviços de saúde. A Organização Mundial da Saúde (OMS) no seu Relatório Sobre a Saúde no Mundo 2000, dedicado à análise dos sistemas de saúde no nível global, considera que um sistema de saúde abarca todas as atividades que têm como finalidade principal promover, restabelecer ou manter a saúde. Assim, nesta definição se incluem atividades tão variadas quanto às dos prestadores de serviços sanitários, a atuação de curandeiros e parteiras tradicionais, as atividades tradicionais da saúde pública como a promoção e prevenção, as melhorias na segurança no trânsito, a atuação sobre o meio ambiente entre outras!”. Já no Relatório Sobre a Saúde no Mundo de 2003, se faz uma interessante distinção entre sistemas de saúde e sistemas de atenção sanitária. Neste documento, denominam-se sistemas de saúde ao conjunto de organizações, instituições e recursos dos quais emanam iniciativas com a finalidade de melhorar a saúde. Diferentemente, os sistemas de APS abarcam as instituições, as pessoas e os recursos implicados na prestação de atenção à saúde dos indivíduos, ou seja, os prestadores institucionais propriamente ditos". Eugênio Vilaça Mendes identifica duas grandes vertentes na organização de sistemas de serviços de saúde: sistemas fragmentados e sistemas integrados de serviços de saúde. Os sistemas fragmentados caracterizam-se por uma débil APS onde o atendimento acontece de forma isolada e pouco coordenado entre os diferentes prestadores; somados a uma estrutura hierárquica bem definida por níveis de atenção (estrutura piramidal). Inversamente, os sistemas integrados se organizam em forma de redes integradas de serviços de saúde com o centro de comunicação 1 Relatório Beveridge de 1942 que identificou a atenção sanitária como um dos pilares do sistema de seguridade social. O relatório oficial do governo de 1944 enfatizava o direito das pessoas a obter os melhores serviços médicos de forma integral e gratuita com ações de promoção à saúde além do tratamento de doenças. Este modelo teve grande influência para a construção de sistemas de saúde em várias nações do mundo. Os modernos sistemas de saúde obedecem à evolução de, pelo menos, três modelos básicos. O primeiro deles se propõe cobrir a todos ou a uma parcela dos cidadãos, a partir do aporte de recursos econômicos pelos empregadores e trabalhadores a um fundo de saúde (seguro saúde). Os serviços podem ser disponibilizados tanto por instituições públicas quanto pelo setor privado. Em outro modelo, predomina a participação do setor público que centraliza, planeja e distribui recursos provenientes da arrecadação tributária. No terceiro modelo, a participação do setor público é menor, embora importante e consiste na prestação de serviços a certos grupos populacionais, dependendo, o restante dos cidadãos, do setor privado. Na realidade, estes modelos encontram-se mesclados nos sistemas de saúde da maioria dos países, especialmente naqueles em desenvolvimento!*. Goulart faz algumas considerações em relação aos modelos de atenção à saúde. Para o autor não existem modelos em estado “puro”, estão sujeitos às vontades dos diversos grupos sociais, não há modelos “certos” ou “errados” e não há modelos gerais ou universais 8. A OMS considera que têm acontecido três gerações de reformas dos sistemas de saúde. A primeira delas caracterizou-se pela criação dos sistemas nacionais de saúde e pela extensão da saúde baseada nos sistemas de seguro social. A segunda geração de reformas, privilegiou a APS como estratégia para resolver as iniguidades prevalentes, especialmente no concernente à cobertura. A terceira geração tem como peculiaridade a tendência a responder às demandas dos usuários e não centrar-se exclusivamente na oferta de serviços para as necessidades presumidas pelas autoridades sanitárias. Trata-se de um esforço por incluir os setores de menor poder econômico assim como a ênfase no financiamento, inclusive nos subsídios, e não somente na prestação de serviços pelo setor público!*. A APS tem se transformado na coluna vertebral de muitos dos sistemas de saúde dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, assim como na política 12 central da OMS. Alguns fatos relevantes merecem ser destacados. Em maio de 1977, durante a 30º Assembléia Mundial de Saúde, as nações participantes acordaram que a meta social mais relevante era alcançar um nível de saúde para cada um dos seus cidadãos que lhes permitisse desenvolver uma vida social e economicamente produtiva para o ano 2000. A estratégia da APS foi considerada a mais adequada para conseguir esta meta. Depois de várias reuniões regionais ao longo de 1977 e 1978, em setembro deste último ano, na cidade de Alma Ata na antiga República Soviética de Cazaquistão, produziu-se a Primeira Conferência Internacional sobre Atenção Primária de Saúde, convocada pela OMS e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Com a participação de 134 países e 67 organizações internacionais, subscreveu-se a Declaração de Alma Ata e lançaram-se as metas de “Saúde para todos no ano 2000”. No seu ponto VI, a Declaração de Alma Ata estabelece a seguinte definição clássica de APS. A atenção essencial à saúde baseada em métodos práticos, cientificamente evidentes e socialmente aceitos e em tecnologias acessíveis aos indivíduos e às famílias na comunidade por meios aceitáveis e a um custo que as comunidades e os países possam suportar, independentemente do seu estágio de desenvolvimento, num espírito de autoconfiança e autodeterminação. Ela forma parte do sistema de serviços de saúde do qual representa a sua função central e o principal foco de desenvolvimento econômico e social da comunidade. Constitui o primeiro contato de indivíduos, famílias e comunidades com o sistema de saúde, trazendo os serviços de saúde o mais próximo possível aos lugares de vida e trabalho das pessoas e constitui o primeiro elemento de um processo continuo de atenção!*. Nesta definição, destacam-se quatro princípios básicos: 1) acessibilidade e cobertura universais em função das necessidades de saúde; 2) compromisso, participação e auto-sustentação individual e comunitária; 3) ação intersetorial pela saúde; 4) custo-eficácia e tecnologia apropriada em função dos recursos disponíveis. Trinta anos depois, a OMS considera que estes princípios mantêm plena vigência como norteadores da organização dos sistemas de serviços de saúde apesar das grandes transformações ocorridas no nível mundial, regional e local neste período de tempo. Alguns exemplos destas transformações são a transição demográfica e epidemiológica, os progressos nas tecnologias sanitárias, as mudanças nas políticas de saúde, o crescente papel do setor privado na prestação de serviços de saúde, a falta de financiamento, os processos de descentralização 13 entre outros. Portanto, um sistema de saúde que não estiver fundamentado nestes princípios, estará obsoleto e sem possibilidades de enfrentar estes novos desafios. A Conferência sem dúvida um marco na história da saúde mundial, produziu- se num contexto singular. No campo político o mundo encontrava-se em plena “guerra fria” a partir da bipolaridade ideológica e econômica. Os avanços científicos e tecnológicos no campo da saúde durante esta década contrastavam com as iniquidades no acesso à saúde, a injustiça social e a pobreza. Começavam a manifestar-se as conseguências da transição demográfica (particularmente da migração do campo para os grandes centros urbanos) e do baixo crescimento econômico. Na América Latina, havia instabilidade política e ditaduras militares em grande parte dos países da região. A acessibilidade era considerada como o principal problema dos sistemas de saúde do subcontinente, o que gerou políticas de ampliação de cobertura para lidar com a crise. Nesta conjuntura mundial e regional, o modelo tradicional médico centrado, resultava ineficiente para satisfazer as necessidades de saúde das grandes populações. Durante a reunião de Alma Ata, se adotou uma declaração final de 10 pontos que representava uma mudança profunda em relação com os paradigmas hegemônicos. Qual foi a importância desta declaração? Vários elementos podem ser destacados !º. e A definição de saúde como “estado de completo bem-estar físico, mental e social” e não apenas como ausência de doença. * A saúde como direito humano fundamental. e Destaque para injustiças e iniguidades no setor saúde entre as nações desenvolvidas e em desenvolvimento assim como no interior dos próprios países. e O direito à participação (tanto como indivíduo quanto coletivamente) no planejamento e implementação das políticas sanitárias. * Ressaltar que no processo saúde-doença há determinantes de caráter econômico, social e político envolvidos que afetam diretamente o estado de saúde das coletividades e vice-versa. A necessidade da participação de diversos setores sociais e econômicos além do setor saúde. e A definição de APS e o estímulo a formulação de políticas nacionais para a implementação desta estratégia dentro de um Sistema Nacional de Saúde em coordenação com os modelos tradicionais. 16 Apesar das resistências e dificuldades que a estratégia da APS tem encontrado para sua implementação desde seu lançamento em Alma Ata, pode se afirmar que tem impacto positivo sobre as condições de saúde no mundo. Embora a meta de “Saúde Para todos no Ano 2000” não pode se concretizar por diversas razões, a estratégia da APS tem se consolidado como a principal ferramenta para construir sistemas de saúde mais equitativos, eficazes e de melhor qualidade. Cabe destacar, que em 2008, a OMS lança o “Relatório para saúde de 2008: Atenção Primária de Saúde mais necessária do que nunca”?!, aonde são apontados elementos que indicam os aspectos que se fazem presentes enquanto desafios contemporâneos e a relevância da APS. Na região das Américas, a OPAS estima que o ganho de dois anos na esperança de vida ao nascer em ambos os sexos pode ser considerado um indicador indireto do impacto atribuível a esta estratégia, quando consideradas a redução do risco de morrer por causas transmissíveis (60%) e por doenças perinatais (25%) na população menor de 5 anos? Outra pesquisa avaliou a contribuição da APS para a melhoria de um grupo de indicadores de saúde selecionados de 18 países desenvolvidos pertencentes à Organization for Economic Cooperation and Development (OECD), no período de 1970 a 1998. A força da atenção primária foi medida através de uma escala com 10 itens. O estudo concluiu que uma APS forte está associada à melhoria de indicadores de saúde tais como mortalidade geral, mortalidade precoce relacionada com asma, bronquite, enfisema e pneumonia assim como com doenças cardiovasculares”. Um rigoroso trabalho de Barbara Starfield, Leiyu Shi e James Macinko?!, utilizou material compilado em três revisões sistemáticas de outros pesquisadores, acrescentando estudos realizados pelos próprios autores, com o intuito de levantar evidências que permitissem estabelecer as contribuições da APS à saúde. A pesquisa teve três momentos. O primeiro deles reuniu estudos tratando da relação entre APS e saúde a partir de três indicadores: número de médicos de APS por habitantes, estudos com pessoas que identificaram o médico de APS como seu principal provedor de cuidados e estudos vinculando a APS com o estado de saúde da população. Num segundo momento, discutiu-se o impacto da APS na redução da iniquidade em grupos populacionais. Na terceira parte, discutiram-se as limitações da análise sobre efetividade da pesquisa em APS e seu futuro assim como a 17 relevância das políticas do setor saúde para o desenvolvimento da estratégia de APS. A maior parte da literatura utilizada foi produzida nos Estados Unidos de América (EEUU) em língua inglesa. Estabeleceram-se comparações com estudos internacionais. Os autores agruparam os resultados em seis grupos de análise ou “mecanismos” através dos quais podem ser identificados os benefícios da APS sobre a saúde. 1. A APS favorece o acesso aos serviços de saúde aos grupos populacionais de menor renda. A contribuição da APS a qualidade da atenção clínica. Os médicos de APS tiveram um desempenho similar aos especialistas de outras áreas quando trataram de doenças específicas comuns (exemplo: Diabetes Mellitus e Asma) e desempenho superior quando focados não só no cuidado da doença mais do paciente no contexto dos seus outros problemas de saúde. Os impactos da APS na prevenção. Os estados dos EEUU com maior relação de médicos de APS por habitante tiveram menos obesidade, menor hábito de fumar e maior uso do cinto de segurança no transporte do que nos outros estados. Um maior número de médicos de família se associou a detecção precoce de câncer de mama, melanoma, câncer de cólon e câncer de colo de útero. O impacto da APS no cuidado precoce dos problemas de saúde. Diversos estudos concluíram que a APS tem impacto nos problemas de saúde antes que estes sejam suficientemente graves para precisar dos serviços de emergência e hospitalização, reduzindo as taxas de hospitalização por doenças comuns. A contribuição das características da APS para um melhor cuidado. Quando estudadas características da APS como primeiro contato e continuidade da atenção, demonstrou-se uma significativa redução dos gastos em saúde, do número de hospitalizações e das visitas às unidades de emergência. Outros resultados destas pesquisas apontam para um maior número de orientações de prevenção, menos provas diagnósticas e menor prescrição de medicamentos, quando 18 comparados com pacientes atendidos por especialistas de outras áreas diferentes da APS. 6. O papel da APS na redução das consultas especializadas desnecessárias. Há múltiplas evidências de que o primeiro contato com atenção especializada aumenta os custos da atenção, expõe os pacientes a maior número de procedimentos e medicamentos desnecessários assim como a maior número de erros médicos nas doenças comuns. Destaca-se também nestes estudos, que nos países com maior número de médicos especialistas de áreas diferentes da APS, indicadores de saúde como mortalidade geral, mortalidade por doenças cardiovasculares e cérebrovasculares, mortalidade por câncer, baixo peso ao nascer assim como detecção precoce de vários tipos de câncer, tem piores resultados do que nos países com forte presença de médicos de APS?. Para compreender a evolução da APS no Brasil, se faz necessário examinar brevemente a história recente do seu sistema de saúde. Mendes destaca três etapas gerais dos modelos assistenciais brasileiros. A primeira delas abarcou aproximadamente os 50 anos iniciais do século XX e caracterizou-se pelo sanitarismo campanhista com pelo menos três correntes. No período, predominaram as ações sanitárias de caráter pontual, centradas no combate às doenças transmissíveis e com forte caráter repressivo. A partir dos anos 60, a segunda etapa distinguiu-se pela medicina previdenciária dirigida aos indivíduos com emprego formal com exclusão dos trabalhadores rurais assim como dos trabalhadores urbanos informais. Numa terceira etapa, durante a conjuntura histórica da redemocratização, criou-se o Sistema Único de Saúde (SUS) consagrado na constituição de 1988. O SUS (como sistema público) coexiste com o Sistema de Atenção Médica Supletiva (planos e seguros de saúde) e o Sistema de Desembolso Direto até a atualidade?. Durante este intervalo de tempo, diferentes iniciativas próximas do ponto de vista conceitual com a APS, foram desenvolvidas. A discussão aprofundada destas iniciativas foge do alcance do presente estudo. Algumas delas contribuíram substancialmente para extensão da APS que, segundo Mendes, conformaram quatro ciclos de expansão?. 21 maior interesse compararmos seus princípios e características. Na Portaria nº 648 de Março de 2006 do MS “Política Nacional de Atenção Básica”, na parte “Dos Princípios Gerias” podemos encontrar uma definição de AB muito próxima nos seus 16,29 Ss princípios às definições de APS propostas pela OPAS/OM e por Barbara Starfield?”, referência teórica e de pesquisa na área de APS. A Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. E desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios bem delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações. Utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemas de saúde de maior frequência e relevância em seu território. E o contato preferencial dos usuários com os sistemas de saúde. Orienta-se pelos princípios da universalidade, da acessibilidade e da coordenação do cuidado, do vínculo e continuidade, da integralidade, da responsabilzação, da humanização, da equidade e da participação social?. O Brasil possui singularidades geográficas, sociais, econômicas e políticas que se refletem no seu sistema de saúde. Ademais se verifica uma intensa discussão acadêmica sobre o tema de organização de sistemas de serviços de saúde que naturalmente é espelhada nesta definição de AB. A definição do MS expressa uma opção política para a construção de um modelo próprio que se adapte às necessidades particulares do país. Para os fins de nosso trabalho utilizaremos os conceitos de APS e AB como sinônimos. As ações de AB podem ser desenvolvidas nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) com ou sem Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) que contém determinados requisitos predefinidos de infra-estrutura e recursos humanos e materiais. Deste modo, a AB conta com três estratégias: Programa de Agentes Comunitários de Saúde, UBS com atendimento “tradicional” com o sem PACS e Estratégia de Saúde da Família (ESF). A ESF enquanto política pública do governo federal estabelecida pelo MS compõe a estratégia prioritária de trabalho em AB desde o ano 1994 2. Embora a denominação de Programa de Saúde da Família (PSF) é a mais difundida entre usurários e instituições de saúde, nos últimos anos tem-se verificado nos documentos oficiais, uma mudança de nomenclatura de PSF 22 para ESF a partir da Portaria nº 648 de 28 de março de 2006. Este tópico tem importância não apenas como uma mudança de definição, mas reflete a adoção por parte do MS de um grupo de objetivos e linhas de ação para a consecução de um resultado de longo prazo (reorganizar a AB). A partir da melhor compreensão da importância desta estratégia por parte dos gestores dos três níveis do sistema (federal, estadual e municipal) assim como de incentivos financeiros proporcionados pelo governo federal, a Saúde da Família vem crescendo de forma expressiva, especialmente nos indicadores de cobertura. Quando analisada a progressão da cobertura nos últimos 5 anos, observamos uma expansão do número de equipes de saúde da família (de 21353 para 30898), passando de 5095 para 5347 os municípios com ESF em igual período. Estes dados representam uma mudança na cobertura populacional média no Brasil que vai de 39,10% em 2005 até 50,82% em 2010. A cobertura populacional com ACS passou de 55,60% para 60,89%. Contudo, deve-se destacar que a expansão da ESF não tem sido homogênea no país como um todo, refletindo as diferenças regionais. Em 2010, a população coberta por ESF na região Nordeste ascendia ao 71,08%, enquanto no Sudeste apenas atingia o 37,10% “º. Na expansão do financiamento da ESF, verifica-se um salto de 1662,8 milhões de reais em 2003 para 4064,0 milhões de reais em 2007, com particular destaque neste aumento para o componente variável do Piso de Atenção Básica (PAB)?. O PAB consiste em repasses de recursos financeiros federais aos municípios para a viabilização das ações da AB. O PAB tem dois componentes: PAB fixo e PAB variável. O PAB fixo é um per capita calculado a partir da população estimada de cada município pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O PAB variável depende da adesão dos municípios às estratégias nacionais de Saúde da Família, Agentes Comunitários de Saúde, Saúde Bucal e outras políticas específicas de caráter regional como Saúde Indígena e Saúde no Sistema Penitenciário. O PAB variável constitui a principal forma de incentivo financeiro para a implantação destes modelos nos municípios?. Um aprofundamento na análise das questões específicas do PAB e outras formas de incentivo aos municípios para a implementação da AB foge dos propósitos do presente trabalho. A ESF prioriza as ações de prevenção, promoção e recuperação da saúde das pessoas, de forma integral e contínua. As Equipes de Saúde da Família tem um caráter multiprofissional com, pelo menos, um médico, um enfermeiro, três auxiliares 23 de enfermagem ou técnicos em enfermagem e até 12 ACS. Outros profissionais tais como cirurgião dentista, auxiliar de consultório dentário ou técnico em higiene dental, psicólogos, fisioterapeutas entre outros podem participar destas equipes. O cuidado é prestado nas Unidades Básicas de Saúde tradicionais (UBS) por Equipes de Saúde da Família, em unidades próprias do PSF ou no domicílio. Cada equipe tem responsabilidade por uma população adscrita dentro de seu território de abrangência de 3.000 a 4.000 pessoas e um regime de trabalho de 40 horas por semana. A proposta do MS é substituir paulatinamente a rede de AB tradicional pela ESF2. 2.2. A Diabetes Mellitus como Condição Crônica de Saúde no contexto da APS As transformações na situação epidemiológica mundial impõem às práticas de saúde novos desafios. As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), os padecimentos relacionados com a infecção por HIV e outras doenças transmissíveis persistentes têm substituído, ao longo do último século, as doenças infecciosas agudas nos primeiros lugares de morbidade e mortalidade. Para agrupar esses tipos de condições de saúde têm-se preferido utilizar a definição de Condição Crônica (CC). As condições crônicas são problemas de saúde que se caracterizam por requerer manejo contínuo ao longo do tempo, precisando de uma estratégia diferenciada, na qual o termo de doença transmissível ou não transmissível é menos importante para operacionalizar certas ações. Além de incluir as DCNT, este grupo está formado por algumas condições transmissíveis persistentes como HIV/AIDS e Tuberculose (TB), distúrbios mentais de longo prazo como a esquizofrenia ou a depressão, assim como deficiências físicas ou estruturais como cegueira ou amputações*”. As CC estão aumentando no mundo todo em proporções alarmantes sem distinção de região ou classe social. De fato, os países de baixa e média renda são os que contribuem com o maior incremento destas condições na carga de morbidade. Na América Latina e nos países subdesenvolvidos da Ásia e na região do Pacífico Ocidental, três de cada quatro óbitos em adultos se devem a doenças não transmissíveis. Isto é um reflexo do estado avançado da transição epidemiológica. Entende-se por transição epidemiológica as mudanças que acontecem nos padrões de mortalidade, morbidade e invalidez numa população específica ao longo do tempo e que, em geral, associam-se com outras transformações demográficas, sociais e econômicas*?. 26 os sistemas de saúde pública e a economia pessoal e familiar dos enfermos através dos custos diretos e indiretos. Em geral, os custos médios no cuidado com a DM foram 400% superiores quando comparados ao gasto médio per capta em saúde para a região das Américas". Dados do estudo multicêntrico sobre a prevalência de DM no Brasil revelam que 7,6% da população na faixa etária entre 30 e 69 anos padecem com esta doença**. Na cidade de Ribeirão Preto-SP, em 2003, produziu-se uma pesquisa que teve importância nacional. A partir da aplicação da metodologia do Censo Nacional de Diabetes de 1988, demonstrou-se uma prevalência de 12,1% de DM e de 7,7% de Tolerância Diminuída à Glicose. Outro importante dado deste estudo foi que um alto índice de pessoas (25,5%) desconhecia o fato de ter a enfermidade, sendo estabelecido o diagnóstico durante o decorrer da pesquisa**. As consequências de longo prazo dos distúrbios metabólicos relacionados com a DM atingem vários órgãos e sistemas através de alterações micro e macro vasculares, sendo responsáveis por disfunções e falências dos órgãos. As complicações microvasculares mais importantes incluem a neuropatia (26% dos pacientes em programas de diálise são diabéticos)“, retinopatia (a DM é a principal causa de cegueira adquirida), neuropatia responsável por úlceras nos pés e artropatia de Charcot, amputações de membros inferiores”, entre outras. Dentro das complicações macro vasculares ressaltam as doenças coronarianas (30% dos pacientes que se internam em unidades coronarianas intensivas com dor precordial 7 são diabéticos)"” e o Acidente Vascular Cerebral. Além disso, outros fatores de risco vascular se associam a DM com maior frequência que em comparação com a 8, obesidade, população geral como a HTA (duas vezes mais frequente sedentarismo e dislipidemia. Após estas considerações, fica evidente que o cuidado em saúde dos indivíduos com DM não se limita somente ao controle da hiperglicemia. É preciso o tratamento e acompanhamento efetivos dos outros fatores de risco vascular, assim como de suas complicações. A bibliografia consultada concorda que a abordagem do DM deve realizar-se através de grupos multidisciplinares, com uma estratégia que abrange objetivos considerados padrões ou “standars" “50.51.52 Nesse sentido, diferentes iniciativas das três esferas do poder público e outras entidades profissionais e de usuários, no Brasil, tem sido empreendidas visando 27 otimizar ações de prevenção, tratamento e acompanhamento dos indivíduos portadores de DM. Na esfera federal, destaca-se o Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus do SUS. Este programa envolve um grupo de ações de prevenção, diagnóstico, tratamento destas doenças, seus fatores de risco e complicações. Apóia-se num sistema informatizado que permite o cadastro e acompanhamento dos hipertensos e diabéticos na Rede Básica em nível nacional (SisHIPERDIA). O programa constitui-se numa forma de incentivo aos municípios garantindo o repasse de recursos financeiros do MS às Secretarias Municipais e Estaduais de saúde para a aquisição de um grupo de medicamentos padronizados para o tratamento destes agravos; conforme a portaria nº 2084/2005, de 26 de outubro de 2005, que estabelece per capita/ano de R$ 1,15 para o tratamento da HTA e a DM referente à população estimada pelo IBGE. Por sua vez, o município assume uma série de compromissos na forma de cadastramento, acompanhamento dos portadores destas doenças e alimentação do SisHIPERDIA ss No âmbito municipal, Ribeirão Preto tem desenvolvido o Programa de Doenças Crônico Degenerativas - Diabetes, no contexto do Programa de Saúde do Adulto. Este Programa de Diabetes compreende a existência e operacionalização de diferentes aspectos tais como: protocolos clínicos, programas de aprimoramento profissional, estímulo à pesquisa, assim como a padronização do fluxo do atendimento aos portadores de DM, exames laboratoriais e medicamentos. No item medicamentos, o Programa local acrescenta várias drogas às padronizadas pelo Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus do MS, adquiridos com recursos do orçamento municipal. Destaca-se também a alocação de recursos da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) em um convênio com a Secretaria de Estado da Saúde, para a disponibilização de glicosímetro, lancetador, fitas reagentes e lancetas para um grupo de pacientes selecionados usuários de insulina: diabéticos tipo 1, gestantes, diabéticos tipo 2 usuário insulinodependente e outros pacientes em situações especiais**. No ano de 2006, a SMS atualizou o Protocolo de Atendimento em Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus. No item Fluxo de Atendimento ao Paciente Diabético, definem-se as atividades a serem realizadas pelos três níveis de atenção (primária, secundária e terciária) assim como os recursos humanos em cada um destes níveis e suas atribuições e competências. Chama a atenção no texto do Programa que o nível primário encontra-se restrito às Unidades Básicas de Saúde 28 (UBS) não sendo mencionadas outras estratégias da AB como a Estratégia Saúde da Família (ESF)**. Neste sentido, cabe destacar que consideramos que a APS, especialmente através da ESF, se erige como um cenário importante para poder concretizar as ações de cuidado aos indivíduos portadores de DM2. O paradigma médico hegemônico vigente constituiu-se para dar respostas aos problemas agudos e infecciosos assim como às necessidades urgentes dos usuários, desenvolvendo ações como examinar, diagnosticar, aliviar os sintomas e aguardar pelo desfecho. Lamentavelmente o modelo de atenção de casos agudos tem caráter hegemônico na cultura de usuários, trabalhadores de saúde, organizações sanitárias e governos, constituindo-se em obstáculo para a mudança desse paradigma. Embora necessário (as CC sempre têm episódios de agudos), a aplicação deste modelo se mostra insuficiente para prevenir agravos, promover saúde e fornecer cuidados amplos aos indivíduos portadores de condições crônicas. Apesar do dito até aqui, devemos ser cuidadosos ao associar a APS com a solução imediata aos problemas de saúde das coletividades, pois, embora um passo fundamental seja a formulação de políticas públicas nesta direção, sua implementação é complexa e passa, além das dificuldades logísticas próprias à implementação das políticas, pela construção da subjetividade dos diferentes atores (usuários, profissionais sanitários e gestores), em outra direção, ou seja, do processo de cuidado voltar-se à qualificação da vida e não apenas a intervenção em situações pontuais de alteração do processo saúde-doença. Soma-se a esta questão, o fato das práticas assistenciais enraizadas em outros modelos (cujo paradigma pode sintetizar-se no modelo de atenção individual) podem ser reproduzidas na APS quando não compreendidos seus princípios e objetivos, considerando que o espaço hegemônico de formação da maioria dos profissionais de saúde ainda é o hospital. Desta forma, ainda há, certamente, a tendência lógica dos formandos e a reprodução em todos os contextos, das práticas aprendidas neste espaço que são próprias às necessidades do serviço hospitalar, mas insatisfatórias às demandas da APS. No modelo hegemônico de atenção individual, a relação profissional-usuário é vertical e hierárquica com escassa margem para negociação, condicionada quase sempre pela situação aguda, com relacionamento em tempo limitado e centrado no procedimento. Na APS, no sentido em que é tratada neste texto, há uma população adscrita (e isto inclui o indivíduo no seu contexto social), com uma relação 31 para a satisfação de uma necessidade (carecimento) humana. O conceito clássico de serviço refere-se ao “efeito útil de um valor de uso, mercadoria ou trabalho. É o que resulta da utilização de bens ou da força de trabalho em seu aspecto de valor de uso” 855687 No caso da saúde o que se compra e vende são “atos úteis” que produzam “efeitos úteis reais ou presumidos sobre o estado de saúde” 7 Como já apontado, o processo de trabalho (e a necessidade que o originou) estão determinados sócio-historicamente, portanto com o desenvolvimento do capitalismo e suas forças produtivas, novas necessidades de saúde, socialmente determinadas, geraram novos processos de trabalho dirigidos à garantir a disponibilidade da força de trabalho necessária a este modo de produção. Mendes Gonçalves identifica duas grandes vertentes que se superpõem: o modelo epidemiológico, orientado ao controle da ocorrência de doença em escala social relativamente ampla e o modelo clínico orientado à recuperação da força de trabalho incapacitada pela doença no plano individual. O modelo epidemiológico, depois de um período de grande auge no controle de epidemias, foi perdendo importância frente ao modelo clínico individual. O modelo clínico individual, como consequência das transformações sócio-históricas, tornou-se insuficiente para a satisfação das necessidades de saúde, sempre em crescimento e variáveis dos grupos humanos conduzindo os sistemas de serviços de saúde a crises (financeira, do pessoal sanitário) que gerou a necessidade de se repensar as práticas no setor. O modelo epidemiológico tem sofrido reorientações que lhe permitem não só ter impacto no coletivo, mas também na saúde individual e, sobretudo, servir como base para mudar os sistemas de serviços de saúde &. Até aqui temos tratado sobre questões macro-estruturais do trabalho em saúde. Abordaremos a seguir alguns conceitos das relações micropolíticas que se operam no interior dos serviços de saúde. Assim, faz-se necessário agregar outros autores e fundamentações para compreender os aspectos práticos da atenção à saúde. Merhy, a partir da discussão teórica empreendida por Mendes Gonçalves sobre a organização tecnológica do trabalho em saúde, propõe uma tipologia de tecnologias em saúde trazendo três categorias: 1) tecnologias duras (instrumentos, ferramentas, máquinas, equipamentos, normas, estruturas organizacionais etc.); 2) tecnologias leve-duras (saberes bem estruturados das áreas e profissões da saúde e de áreas que a sustentam); 3) tecnologias leves (produção de vínculo, autonomia, acolhida)”. O autor considera que é através das tecnologias leves que o encontro 32 entre o profissional de saúde e o usuário se dá, numa interação sempre singular num momento de produção e consumo dos atos de saúde (trabalho vivo em ato). O “trabalho vivo” refere-se ao trabalho em ato que se produz no momento de sua realização que se diferencia do “trabalho morto” que são todos os produtos (ferramentas, matérias primas) consequência de um trabalho humano anterior. A importância do trabalho vivo radica na possibilidade de permitir processo instituintes capazes de provocar mudanças neste processo de trabalho. Habitualmente, o trabalhador de saúde possui certa autonomia para a realização das ações de saúde. Quando esta autonomia é limitada pelas tecnologias duras e leve-duras, se produz a captura do trabalho vivo pelo trabalho morto, limitando-se deste modo seu potencial criativo*º. A concepção teórica que sustenta o conceito de processo instituinte provém do Movimento Institucionalista ou Instituinte que agrega diversas correntes desenvolvidas por autores franceses e latino-americanos. Em nosso estudo utilizaremos os conceitos de processos instituintes e instituídos que são comuns a várias destas correntes. Segundo Baremblitt, os processos instituintes transmitem a idéia de mobilidade, transformação, de atividade criativa enquanto o instituído (produto de um processo instituinte anterior) tem características de algo fixo, já posto. Não é correto realizar juízos de valor de tipo “bom” o “ruim” sobre os processos instituintes ou sobre o instituído em abstrato. Esta avaliação deve dar-se na prática a partir da análise do processo de trabalho numa realidade concreta. Apesar do instituído ter características estáticas, é susceptível a novas re- configurações a partir de novos processos instituintes que lhe permitam acompanhar a dinâmica social *º. Merhy afirma que no encontro entre o trabalhador de saúde e o usuário formam-se espaços de relações (espaços intercessores) e é justamente nestes espaços que se abrem as possibilidades para os processos instituintes, a partir das tecnologias leves. No modelo clínico hegemônico há um desequilíbrio de forças entre o trabalhador de saúde (especialmente quando este trabalhador é um médico) e o usuário dos serviços onde este último se converte numa figura relativamente passiva. Portanto, os processos instituídos que operam neste espaço intercessor de desequilíbrio tendem a manter “o estado de coisas”, ou seja, o trabalho vivo é novamente capturado pelo trabalho morto. Contudo, do lado dos usuários também operam forças instituintes à procura de autonomia para definir a forma como 33 desejam ou esperam cuidar de si e serem cuidados. Esta interação das diferentes forças no interior do processo, durante a produção e consumo do trabalho vivo, gera negociações e ruídos com grande potencialidade para novos processos instituintes que visem mudanças nos modelos de atenção à saúde na direção da produção de cuidado. Neste processo, as tecnologias leves têm um lugar preponderante *2!. O que se observa na realidade é que os trabalhadores de saúde pouco refletem sobre suas práticas, reproduzindo, na maioria das vezes, o instituído de forma mecânica. O auto-governo do trabalhador, ou seja, a ação do trabalho vivo sobre o trabalho morto que lhe foi dado e sua finalidade, habitualmente não questiona as práticas instituídas. A excessiva fragmentação do trabalho, sua especificidade e fixação em determinada etapa do projeto terapêutico, o afastamento do desfecho final das suas ações produz, desta forma, alienação*?. Compreendemos que a alienação tem-se fixado como cultura desde as primeiras etapas da formação dos profissionais da saúde em instituições que reproduzem o modelo “flexneriano” de ensino que captura elementos do trabalho vivo. Na sua concepção, a Atenção Básica deveria se erguer como um modelo alternativo ao modelo tradicional hegemônico a partir dos princípios que a fundamentam (integralidade, qualidade, equidade e participação social) que apontam para a realização de um processo de trabalho diferenciado. Contudo, estas práticas associadas ao modelo hegemônico sobrevivem e são reproduzidas na nova estrutura de organização dos serviços. Assim, não é suficiente realizar mudanças macroestruturais. Estas mudanças devem ser internalizadas e recriadas pelos trabalhadores na sua ação cotidiana. A seguir abordaremos alguns elementos relacionados com o cuidado em saúde. Dentre as profissões, a enfermagem se destaca na área do cuidado considerando-o seu objeto e sua essência. Vários autores brasileiros como Waldow e Almeida, na enfermagem, e Merhy e Ayres no campo da Saúde Coletiva, têm aportado importantes contribuições teóricas ao análise do processo de cuidado em saúde. Gostaríamos de começar esta parte de nosso trabalho destacando o seguinte texto de Merhy em relação ao cuidado. [...] no campo da saúde o objeto não é a cura ou a promoção e proteção da saúde, mas a produção do cuidado, por meio do qual se crê que se poderá atingir a cura e a saúde, que são de fato os objetivos a que se quer chegar [...]. 36 características de trabalho em saúde) que são postas em prática por indivíduos não profissionais, embora esta discussão fuja do alcance de nossa pesquisa. Outros dois conceitos articulam-se intimamente a noção de cuidado. A integralidade da atenção em saúde que se constitui um dos pilares da proposta do SUS no Brasil, que em seu sentido mais geral garante o direito de acesso aos diferentes níveis do sistema de serviços de saúde bem como a um extenso leque de ações de prevenção, promoção, tratamento e reabilitação. No sentido que interessa a esta discussão, trata de uma abordagem integral e ampliada do ser humano em suas múltiplas dimensões biológicas, psicológicas e sociais e não apenas centrada nas queixas morfofuncionais. O conceito de humanização remete a idéia das relações intersubjetivas que se estabelecem na prática social que implica acolhimento e diálogo *. A humanização constitui uma política prioritária do SUS visando a valorização de usuários, trabalhadores de saúde e gestores a partir da construção de valores como autonomia, co-responsabilidade, estabelecimento de vínculos solidários, a construção de redes de cooperação e a participação coletiva no processo de gestão 48. Qual é a importância que o anteriormente exposto tem para nosso projeto de pesquisa? Embora comum (e imprescindível) à prática de todos os profissionais de saúde, as tecnologias leves adquirem especial relevância como ferramenta de trabalho na APS. O cuidado contínuo e abrangente durante as diferentes etapas do ciclo vital por parte de uma equipe, a co-responsabilidade, o estabelecimento de vínculos, a integralidade, a participação social, a humanização entre outros são princípios que regem a Política Nacional de Atenção Básica e são característicos da APS, demandando uma apurada utilização das tecnologias relacionais. Como se aproximar do usuário dos serviços de saúde tanto na sua individualidade quanto no seu contexto sócio-cultural, como pretende a APS, sem o uso destas tecnologias? A discussão conceitual que temos desenvolvido ao redor dos três eixos temáticos organizadores da fundamentação teórica nos permite formular os seguintes pressupostos: * A APS deve ter um papel reorganizador do Sistema de Serviços de Saúde e das práticas de saúde. No Brasil, a APS orienta-se pelos princípios da universalidade, da acessibilidade e da coordenação do cuidado, do vínculo e continuidade, da integralidade, da responsabilização, da humanização, da 37 equidade e da participação social e credita-se a possibilidade de estarem presentes efetivamente no processo de produção de cuidados aos portadores de DM2. O Diabetes Mellitus é uma importante Condição Crônica que desafia os Sistemas de Serviços de Saúde. A APS constitui um cenário privilegiado para o cuidado dos usuários portadores da doença. O Processo de Trabalho em Saúde que leva em conta os princípios da APS favorece a passagem da dimensão “atendimento procedimento-centrado” à dimensão “cuidado”, tanto na saúde individual na saúde coletiva, dos indivíduos portadores de Diabetes Mellitus. 38 3. Metodologia 3.1. Tipo de pesquisa O presente estudo enquadra-se na área de Saúde Coletiva, na temática de Organização Tecnológica do Trabalho utilizando abordagem metodológica qualitativa. Esta abordagem se justifica pelo fato da pesquisa voltar-se à análise da produção de cuidados em saúde aos indivíduos adultos com DM2, que envolve necessariamente aspectos da subjetividade presentes na atenção (acolhimento, a confiança mútua, a consideração e o respeito pelas diferenças, a solidariedade, a responsabilidade contínua e interação dos profissionais na equipe), além das habilidades e competências técnico-científicas próprias do trabalho de cada categoria profissional. A subjetividade se expressa no modo como os profissionais de saúde entendem e realizam o cuidado, como se apropriam e utilizam as tecnologias presentes no trabalho (tecnologias duras, leve-duras) e como ocorre a interação destes com os usuários e com os demais trabalhadores (tecnologias leves) no desenvolvimento do processo de trabalho. A análise qualitativa facilita a compreensão/explicação em profundidade dos valores, práticas, lógicas de ação, crenças, hábitos e atitudes de grupos sobre a saúde, a doença, as terapias e as políticas, programas e demais ações protagonizadas pelos serviços de saúde 7, 3.2. Local do estudo A pesquisa foi realizada na Rede Básica de Saúde do município Ribeirão Preto-SP. A cidade de Ribeirão Preto é a mais importante da região administrativa homônima que compreende 24 municípios. Conta com uma população de 547.417 habitantes, uma densidade demográfica de 847,17 habitantes/km? e um alto grau de urbanização de (99 %) *º. A maioria dos indicadores municipais (saúde, habitação, infra-estrutura urbana, condições de vida, educação, emprego, economia), quando comparados com a região e o estado são mais favoráveis. De forma resumida, podemos afirmar que em Ribeirão Preto nascem menos crianças e estas morrem menos, a população geral vive mais, permanece mais anos na escola, conta com melhores serviços de infra-estrutura e tem condições econômicas superiores em relação à média da 41 Endocrinologia, Ortopedia, Saúde Ocupacional, Dermatologia, Eletrocardiograma, Fonoaudiologia, Infectologia, Oftalmologia, Programa de Hanseníase, Psicologia, Radiologia e Serviço Social entre outros), Atenção Básica? (Clínica Médica, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Enfermagem, Odontologia, Teste do Pezinho, Vacinação) e Pronto Atendimento 24 horas. É unidade de referência para os 5 Núcleos de Saúde da Família (NSF) do Distrito Oeste. * Um Centro de Saúde Escola (CSE) “Dr. Edgar Ache” (Ipiranga). Gerenciado pela USP e contando com serviços de AB (Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Assistência Domiciliar, Enfermagem, Teste do Pezinho, Vacinação). e Cinco NSF com sede própria, co-gerenciados pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP (FMRP-USP) e a SMS. Realizam atividades da ESF. e Seis UBS sob a responsabilidade da SMS que realizam atividades de AB tradicional e ESF. e Três USF gerenciados pela SMS que realizam atividades da ESF. * Um Centro Médico Social Comunitário, ligado ao HC-FMRPUSP que realiza atividades de AB nas especialidades de Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia. Esta região foi escolhida por duas razões, ou seja, por ser um Distrito com o qual a USP tem parceria acadêmica e pelo fato de que na mesma se encontram os diversos serviços de saúde de AB presentes no município que são: UBS com AB tradicional, UBS com AB tradicional e PACS, e unidades exclusivas da ESF. Deste universo selecionamos, para fins do presente trabalho, uma Unidade de Saúde da Família onde são desenvolvidas atividades de AB com indivíduos adultos portadores de DM2. Cabe destacar, que algumas das atividades de pesquisa foram realizadas na UBDS - Centro de Saúde Escola Sumarezinho, que é a unidade de referência para os NSF do Distrito Oeste através dos seus ambulatórios especializados e Setor de Pronto Atendimento, além de prestar alguns serviços de AB para estes NSF como descrito anteriormente. 'A definição do elenco de serviços presentes nas UBDS está definida formalmente pela SMS Ribeirão Preto: http:/Amww.ribeiraopreto.sp.gov.br/ssaude/if Gprincipal.php?pagina=/ssaude/organizacao/l Gindice.htm acesso em 05 de fevereiro de 2010. 42 A unidade de saúde objeto da pesquisa organiza seu processo de trabalho a partir da proposta da ESF baseada numa equipe multiprofissional onde, em condições ideais, se espera que seus trabalhadores tenham uma formação generalista, atuando junto a uma população adscrita e ações planejadas a partir do diagnóstico da situação de saúde do território sob sua responsabilidade. A equipe participa no cuidado da maioria dos problemas de saúde que enfrentam os usuários ao longo do seu ciclo vital. O NSF, cenário da investigação, foi selecionado considerando ser a USF com maior número de usuários portadores de DM2. O NSF contava, no momento da pesquisa, com uma equipe denominada fixa com um médico, um enfermeiro, dois auxiliares de enfermagem, cinco ACS e um cirurgião dentista. Cabe destacar mais uma vez, que o NSF é uma unidade que apresenta caráter docente, e, neste sentido, o odontólogo presente desenvolve um trabalho de suporte à equipe para as questões assistenciais e atividades acadêmicas ligadas à formação de cirurgiões dentistas (alunos de graduação ligados à Faculdade de Odontologia da USP). Ainda, nesta direção, também atuavam na unidade dois residentes médicos do primeiro ano e três do segundo ano da especialidade Saúde de Família e Comunidade. O horário de funcionamento do NSF para os usuários é de segunda a quinta feira das 8 às 12 horas e das 13 às 17 horas. Às sextas-feiras, as atividades do NSF iniciam às 10 horas, tendo em vista a realização das reuniões administrativas da unidade, espaço onde são discutidas ações de organização e planejamento. As atividades dos funcionários se iniciam às 7 horas com as reuniões diárias de uma hora de duração para discussões clínica e de acompanhamento das famílias, além daquelas relacionadas ao processo de educação permanente da equipe. Nas sextas-feiras, como já apontado, ocorrem as reuniões administrativas entre as 7 horas e 10 horas da manhã. Os limites territoriais do NSF e que conformam sua área de abrangência e as cinco micro-áreas podem ser identificados no Mapa 1 (Figura 1). Rai: É É Fonte: SMS de Ribeirão Preto 2010. Figura 1. Área de abrangência, micro-áreas e limites do NSF. Ribeirão Preto, 2010 46 realidade, solicitar a colaboração e testar os instrumentos de coleta de dados. Esta primeira etapa do trabalho de campo corresponde à fase exploratória. Desta forma, esta pesquisa em sua fase inicial, foi encaminhada à Direção Acadêmica de Ensino e Pesquisa do Centro de Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (responsável pelas atividades de pesquisa no Distrito Oeste) e à Secretaria Municipal de Saúde para manifestação quanto à possibilidade de realização da pesquisa. Ambas as instâncias manifestaram sua conformidade com a realização do estudo, que posteriormente, foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP, obtendo parecer favorável segundo protocolo nº 0661/2006 (Anexo A). Para esta etapa, o projeto de investigação foi apresentado publicamente no NSF selecionado para a equipe fixa, assim como para os estagiários presentes naquele momento, contando com a presença da orientadora da pesquisa”. Tanto neste NSF quanto na SMS estabeleceu-se o compromisso por parte do pesquisador de entregar uma cópia dos resultados da pesquisa e do agendamento de apresentações, caso solicitado, para discutir aspectos relativos a todo o processo da mesma. Foram elaborados os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice A) específicos, através dos quais, solicitamos o prévio consentimento das partes envolvidas (profissionais e usuários) para cada uma das atividades desenvolvidas na pesquisa, de forma a garantir os princípios de voluntariedade e confidencialidade dos dados coletados. Os aspectos éticos discutidos até aqui, respondem às diretrizes e normas regulamentadoras estabelecidas na resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde”, relativas às pesquisas envolvendo seres humanos assim como aos diferentes regimentos internos das instâncias que avaliaram o projeto. Durante os meses de janeiro e fevereiro de 2007, realizamos a etapa exploratória no campo de pesquisa em duas unidades de saúde: Unidade Básica Distrital de Saúde - Centro de Saúde Escola Sumarezinho e NSF selecionado. Permanecemos nas unidades, quatro horas diárias, por um período de vinte dias de segunda a sexta feira em cada uma delas, totalizando quarenta dias de acompanhamento e observação das atividades. * Destaca-se que neste momento da pesquisa a orientadora era a Profa Dra Maria Cecília Puntel de Almeida. 47 O objetivo específico desta etapa foi familiarizar o pesquisador com o processo de produção de cuidado aos indivíduos portadores de DM2 nestas unidades. Para tal fim, se fez necessário conhecer os Programas de Atenção à Diabetes nas Unidades, o processo de trabalho em suas dimensões assistencial e organizacional, bem como os profissionais que prestavam estes cuidados. Outra finalidade foi o aprimoramento dos instrumentos de coleta de dados que foram utilizados, assim como a aproximação aos profissionais das unidades para melhor comunicação e colaboração com a pesquisa. Visando atingir estes objetivos, foram desenvolvidas múltiplas atividades. No Centro Saúde Escola, acompanhamos consultas médicas de diferentes especialidades (medicina familiar, endocrinologia, cardiologia), consultas de enfermagem, nutrição e farmácia assim como o atendimento a feridas crônicas. Também participamos do Grupo de Diabetes e das atividades docentes de alunos e residentes médicos nesta unidade. No NSF acompanhamos as reuniões diárias de discussão de casos e de acompanhamento de família, reuniões administrativas e encontros de educação continuada. Acompanhamos também às consultas médicas e de enfermagem, visitas domiciliares com diferentes membros da equipe, e participamos dos grupos de HTA e Doenças Crônicas, Estilos de Vida Saudáveis entre outras atividades. A partir dos objetivos propostos, consideramos que esta etapa satisfez as expectativas, permitindo a aproximação do pesquisador ao campo de pesquisa. O conhecimento da realidade assistencial das Unidades visitadas induziu-nos a fazer algumas modificações no desenho metodológico da investigação. O convívio com os funcionários, alunos estagiários e usuários destas Unidades foi cordial, conseguindo-se a colaboração dos mesmos para o desenvolvimento das posteriores etapas da pesquisa. 3.4. A etapa de coleta de dados — a opção pelas técnicas e instrumentos de pesquisa A etapa de coleta de dados consistiu na obtenção de dados primários junto aos trabalhadores do NSF selecionado e técnicos do nível central da SMS ligados à gestão, através da Observação Participante e da Entrevista, aplicação de check list para os recursos materiais do NSF, bem como dados secundários obtidos dos prontuários, Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) e de outros sistemas de informação tais como o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), DATASUS, HIPERDIA. 48 A sede da SMS foi o primeiro local onde se realizaram as atividades de pesquisa. Foram agendados encontros individuais com os técnicos que trabalhavam diretamente com questões referentes à política de AB do município e com o Programa de Doenças Crônico-degenerativas Diabetes para a realização de entrevista semi- estruturada abordando estes temas. As atividades se desenvolveram durante o mês de abril de 2008 em função da disponibilidade de agenda dos técnicos. A realização do estudo no NSF selecionado foi mais complexas em função do maior número de participantes, da heterogeneidade dos sujeitos e das diversas técnicas e instrumentos de pesquisa utilizados. Deste modo, foi necessário um tempo maior para atingir nossos objetivos, de modo que, esta etapa foi realizada entre maio e setembro de 2008, num total de 5 meses. A seguir apresentamos as diferentes atividades realizadas nos dois locais de pesquisa (Quadro 2). Quadro 2: Tipo e número de atividades de pesquisa realizadas durante coleta de dados. Ribeirão Preto, 2010 Atividade realizada Quantidade Observação consulta médica 12 Observação reunião de família ou administrativa 6 Observação grupo de doenças crônicas 4 Observação visita domiciliar ACS 4 Observação recepção 3 Entrevista a Técnicos do nível de gestão e 18 trabalhadores do NSF Análise de prontuários individuais de usuários 62 portadores de DM2 acompanhados no NSF Aplicação do formulário “Check List” 1 A seguir discutimos algumas especificidades das técnicas e instrumentos utilizados na investigação. 51 3.4.2. Entrevista Semi-estruturada Outro conjunto de dados foi constituído pelas falas destes profissionais em relação à compreensão que têm sobre o cuidado dos indivíduos adultos portadores de DM2, por meio da entrevista semi-estruturada, que também se utilizou com técnicos do nível de gestão da SMS com a finalidade de compreender as políticas de saúde presentes no município em relação à atenção aos portadores de DM2. A entrevista pode definir-se como um método onde o pesquisador intencionalmente obtém informações dos sujeitos estudados através de uma “conversa com finalidade”. Os sujeitos expressam suas crenças e atitudes e falam sobre seus atos e comportamentos "38! . Ou seja, a entrevista nos aproxima da representação que o sujeito tem de si mesmo e da realidade, informações que só podem ser captadas parcialmente por outras técnicas. Deste modo, os diversos recursos utilizados no desenvolvimento da investigação, favoreceram diferentes aproximações complementares ao objeto de estudo. Como toda técnica de pesquisa, a entrevista é susceptível à presença de vieses relacionados com o pesquisador e com os sujeitos da pesquisa. Particularmente, a entrevista aproxima o pesquisador à subjetividade do entrevistado que pode se expressar não só de forma verbal (onde os silêncios e as pausas tem tanto significado quanto as palavras), mas também de forma extra-verbal. Para os fins de nossa investigação utilizamos a entrevista semi-estruturada com roteiro para estimular, por um lado, maior liberdade nas opiniões dos nossos interlocutores e, por outro lado, facilitar a adesão aos eixos temáticos que são de interesse da pesquisa (Apêndice C). O roteiro foi concebido a partir de nosso marco teórico-conceitual com elementos norteadores que abordam temas como a Organização de Sistemas de Serviços de Saúde, a DM como Condição Crônica de Saúde, o Trabalho em Saúde e os princípios da APS, aplicados à realidade concreta do local de pesquisa. Na construção deste roteiro, procuramos ser cuidadosos na elaboração das questões para que não se transformassem numa limitante à riqueza de expressão de nossos informantes, mas apenas num facilitador ou orientador da entrevista. Durante a entrada exploratória no campo de pesquisa e a partir das experiências extraídas pelo pesquisador nesta atividade, o roteiro da entrevista sofreu modificações que o adaptaram a realidade dos sujeitos pesquisados. Como temos abordado anteriormente, foram entrevistados os técnicos de nível de gestão da SMS de Ribeirão Preto envolvidos diretamente nas políticas de 52 Atenção Básica e no Programa de Doenças Crônico Degenerativas - Diabetes assim como os profissionais que prestam cuidados aos portadores de DM2 no NSF. Ao todo foram realizadas 18 entrevistas, áudio-gravadas (Quadro 2), posteriormente transcritas e analisadas. 3.4.3. Análise de prontuários individuais dos portadores de DM2 Os prontuários individuais? dos portadores de DM2 atendidos no NSF foram utilizados por serem documentos oficiais de registro dos atendimentos, nos possibilitando informações complementares sobre as características deste processo de cuidado. O objetivo da análise dos prontuários foi identificar o padrão de atendimento em relação à frequência de consultas, aspectos do exame físico, tipo e frequência dos exames laboratoriais, medicações prescritas, relato de complicações e orientações usuais. Ou seja, nos prontuários estamos observando apenas a presença ou ausência das recomendações do protocolo da SMS em relação com o acompanhamento dos diabéticos. Um estudo mais aprofundado de elementos qualitativos do acompanhamento como, por exemplo, avaliação de condutas médicas, e qualidade da prescrição estão fora dos objetivos desta pesquisa. Para a elaboração dos pontos a serem identificados nestes prontuários tomou- se como base o “Protocolo de Atendimento em Hipertensão e Diabetes” da SMS. Na entrada exploratória no campo de pesquisa realizada na etapa anterior, determinou-se que a maioria dos profissionais que cuidam dos usuários portadores de DM2 se serve deste protocolo como orientador do seu trabalho. O formulário para análise dos prontuários individuais pode ser consultado no Apêndice D. Foram selecionados os prontuários daqueles usuários portadores de DM2 considerando os seguintes critérios de inclusão: * Diagnóstico laboratorial de DM2 segundo os critérios da Sociedade Brasileira de Diabetes (ver adiante). * Idade igual ou superiores à 20 anos. e Uma consulta médica nos últimos 90 dias anteriores a data de corte estabelecida em campo. 5 Nos NSF existem prontuários de família e prontuários individuais, estes últimos onde constam as informações de atendimento à saúde realizado por profissionais de nível universitário ou médio. 53 Os critérios diagnósticos de DM da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Diabetes*2, considerados, foram: e Glicemia Casual (qualquer momento do dia) >= a 200 mg/dl, sintomas típicos e ausência de outras condições hiperglicemiantes. e Glicemia de Jejum (8 a 14 horas sem tomar alimento) >= a 126 mg/dl e sintomas típicos. e Teste Oral de Tolerância à Glicose (TOTG) com 75 gr de glicose >= a 200 mg/dl 2 horas apôs. Esses critérios estão registrados nos prontuários individuais em algum momento da evolução destes usuários. Do total dos 138 usuários portadores de DM2 cadastrados na unidade foram selecionados para análise 62 prontuários. Para o acompanhamento dos indivíduos diabéticos com as condições clínicas da ordem biológica, psicológica e social mais frequentes, um intervalo de acompanhamento de 90 dias é recomendado pelo “Protocolo de Atendimento em Hipertensão Arterial e Diabetes” da SMS**, documento base para a elaboração do formulário de análise dos prontuários (Apêndice D). De modo que, idealmente, espera-se que um número significativo destes indivíduos portadores de DM2 cadastrados nas unidades, tenham pelo menos um retorno neste período de tempo. Na Tabela 2 estão os critérios que motivaram a exclusão de prontuários individuais. Tabela 2: Distribuição numérica dos motivos de exclusão dos prontuários individuais. Ribeirão Preto, 2010 Critério Número de ocorrências Usuários acompanhados exclusivamente em outras unidades da 48 rede pública e privada (sem convênio) Usuários acompanhados em convênios de saúde 14 Último retorno > 90 dias Sem diagnóstico laboratorial confirmatório no prontuário individual DMi1 1 Prontuários individuais analisados 62 Total de usuários cadastrados 138 56 4. Resultados e discussão No presente capítulo, buscamos apresentar os sujeitos da pesquisa e que dão corpo às ações desenvolvidas na atenção aos portadores de DM2 atendidos na unidade de Saúde da Família selecionada como cenário da pesquisa, assim como aos três temas que emergiram da análise do material empírico coletado através das diferentes técnicas e instrumentos: 1) a política municipal de saúde para Atenção Básica; 2) o Programa de Doenças Crônico- degenerativas — Diabetes; 3) o Processo de Cuidado ao usuário diabético no Núcleo de Saúde da Família. Cumpre destacar que está separação temática tem caráter didático no sentido em que os três tópicos estão em íntima relação, uma vez que as políticas de saúde permeiam as práticas tanto quanto as práticas, expressadas através do processo de trabalho, têm importância fundamental para que as políticas aconteçam e se transformem. O processo de cuidado aos portadores de DM é expressão particular do processo de trabalho em saúde que por sua vez deve ser entendido como prática social. E como toda prática social encontra-se determinada historicamente. Ou seja, estes processos de trabalho se dão em determinadas circunstâncias concretas do ponto de vista material, tecnológico (no sentido que temos utilizado neste trabalho) e ideológico que são refletidas nas práticas. Este enfoque é coerente com concepção marxista de trabalho utilizada no referencial teórico. Isto justifica a necessidade de nos aproximarmos do contexto em que estas práticas de cuidado se manifestam, através da abordagem dos dois primeiros temas, mesmo que sem todo o aprofundamento que estes tópicos merecem, dada a riqueza das questões presentes na pesquisa. Em relação à Política Municipal de Saúde para Atenção Básica, fazemos um rápido histórico de sua evolução no município assim como uma breve caracterização da situação atual e dos propósitos futuros para este nível de atenção, estabelecidos pelo Plano Municipal de Saúde (PMS), analisando sua influência sobre o cuidado ao usuário diabético. A política de Atenção Básica no município com seus alcances e limites, fornece as ferramentas com que os trabalhadores terão que lidar no seu cotidiano, na forma de tecnologias duras (espaços físicos, equipamentos, exames 57 laboratoriais) e leve-duras (diretrizes técnicas, programas, arranjos institucionais) enquanto se materializam no próprio processo de trabalho. O tema Programa de Doenças Crônico Degenerativas - Diabetes descreve as diferentes ações deste programa e sua integração com as práticas da AB no município. Quanto ao tema Processo de cuidado ao usuário diabético no Núcleo de Saúde da Família, são descritas e analisadas de forma geral, as atividades do dia a dia da unidade de saúde, com ênfase nas ações de cuidado ao individuo diabético realizadas pelos diferentes profissionais da equipe. 4.1. Apresentando os Sujeitos da Pesquisa - Formuladores da Política Municipal e Produtores de Cuidado aos Usuários Portadores de DM2 Nesta breve apresentação dos sujeitos da pesquisa não pretendemos esgotar a riqueza temática do material empírico coletado em relação aos trabalhadores e sua trajetória pessoal e profissional que os conduziram ao trabalho atual na rede pública de saúde do município de Ribeirão Preto. Estas trajetórias são importantes para compreender o processo de trabalho. Os sujeitos da pesquisa são aqueles profissionais que contribuem com seu trabalho para o funcionamento da rede municipal de saúde em dois pontos diferentes desta. No primeiro local de pesquisa encontram-se os trabalhadores técnicos da gestão no nível central da SMS, e que tem a missão de implementar as políticas públicas do SUS no nível municipal. Aqui, foram entrevistados sujeitos envolvidos diretamente com a política de AB e com o Programa de Doenças Crônico Degenerativas - Diabetes. Também participaram trabalhadores que desenvolvem suas atividades na ponta do sistema, ou seja, em uma unidade produtora de atenção à saúde, o NSF, onde estes trabalhadores realizam ações de cuidado aos usuários adultos portadores de DM2. Com o intuito de obter uma maior aproximação ao perfil sócio-demográfico e de formação destes trabalhadores, foram aplicados questionários no momento da realização das entrevistas (Apêndice C). De forma a garantir o sigilo em relação aos mesmos, os sujeitos participantes receberam nomes bíblicos. Os resultados são apresentados de forma resumida no Quadro 3. Quadro 3: Perfil sócio-demográfico e de formação dos sujeitos da pesquisa. Ribeirão Preto, 2010 Profissional Perfil Sócio-demográfico Perfil de formação Escolaridade | Profissão | Sexo | Idade Residência Especialização > Mestrado Doutorado 360 horas Pedro Universitário Enfermeiro M 52 Enfermagem em Enfermagem em Enfermagem em Saúde mental Saúde Mental Saúde Mental André Universitário Médico M 46 Pediatria Nefrologia Pediatria pediátrica Jacob Universitário Médico M 44 Gastroenterologia Maria Universitário Médico F 40 Anestesiologia Ciências Médicas — | Enfermagem em Medicina Social Saúde na Saúde Pública Comunidade Ester Técnico ACS F 56 Sara Universitário ACS F E Rute 2º Grau ACS F 40 Incompleto Juan 2º Grau ACS M 49 Completo Débora Técnico Aux. Enf F 40 Eva Universitário Aux. Enf F 30 Raquel Universitário Enfermeira F 31 Enfermagem em Saúde Pública Tomas Universitário Cirurgião M 45 Enfermagem em Doutorando Dentista Saúde Pública Enfermagem em Saúde Pública Eunice Universitário Médico F 31 Medicina de Família Mestrando e Comunidade Medicina Social Lidia Universitário Médico F 26 Medicina de Família e Comunidade (R2) Marta Universitário Médico F 24 Medicina de Família e Comunidade (R1) Mateo Universitário Médico M 32 Medicina de Família Administração e Comunidade (R1) Simon Universitário Médico M 26 Medicina de Família e Comunidade (R2) Matias Universitário Médico M 27 Medicina de Família e Comunidade (R2) Ri: Residente de primeiro ano de Medicina de Família e Comunidade. R2: Residente de segundo ano de Medicina de Família e Comunidade. 58 61 de cuidado de seus familiares. Os resultados quanto ao perfil e as motivações do ACS para realizar este trabalho são similares as obtidas no estudo de Karen Sakata realizado no mesmo município em 2009 *. Os entrevistados foram enfáticos em destacar que para exercer o trabalho como ACS se faz necessário certo “perfil social”, ou seja, devem ser indivíduos interessados nos problemas coletivos de sua comunidade, especialmente os relacionados à saúde, com prestígio perante esta e concordar com a proposta da Saúde da Família. No caso dos auxiliares de enfermagem (AE), bem como dos profissionais de nível universitário, o mercado de trabalho na ESF resulta promissor e esta sofrendo uma expansão importante. A influência que os recursos humanos têm para a expansão e consolidação da AB no município de Ribeirão Preto será discutida posteriormente. No entanto, em se tratando de uma unidade docente-assistencial e de pesquisa, algumas particularidades em relação aos médicos residentes merecem ser comentadas. Estes trabalhadores atuam na unidade em caráter temporário por um período de dois anos, tempo de duração da residência para esta especialidade no contexto do município. Dependendo do currículo, algumas das suas atividades de formação e assistenciais são realizadas em outras unidades de atenção secundária e terciária do Distrito Oeste e, como no NSF, sob supervisão de docentes vinculados à USP ou médicos mais experientes. Deste modo, durante a realização de alguns módulos da residência, este trabalhador é encontrado apenas em tempo parcial no NSF. No entanto, pelas próprias características do trabalho na Saúde da Família, a maior parte deles estabelece vínculos pessoais com a comunidade embora sempre na perspectiva da saída do profissional em um período de dois anos. Quanto aos fatores que levaram a estes médicos a optarem pela residência de Saúde da Família e Comunidade, os seguintes depoimentos merecem análise. Não (tinha interesse na Saúde da Família). Na minha graduação eu não tive Medicina da Família, eu não tive. Medicina da Família eu conheci assim muito mal. Saúde Publica, tinha um estágio muito precário em Saúde Publica, mas, porque eu fiz faculdade na Faculdade de Medicina de Rio Preto, e ai por aquelas coincidências do destino, eu prestei para residência em clinica médica e não passei em nenhum dos 2 lugares, aí eu fui estudar e trabalhar, e acabei sendo convidada para as coisas, e fui convidada para ser médica, sem residência de um programa de Saúde da Família de uma cidade que tinha 3.500 habitantes, que é a 25km de Rio Preto, que se chama Bálsamo. E aí eu trabalhei como médica do Programa da Saúde da Família de Bálsamo de 2002 a janeiro de 2003, até quando eu assumi aqui na residência [...] Então me encontrei muito nos 6 primeiros meses do PSF e acabei vindo, prestando a residência, com o objetivo de aprender um 62 pouco mais sobre a sociedade e ter uma especialização, para fazer aquilo que eu estava fazendo mas, com mais propriedade, né? Mas, eu já vim fazendo o caminho inverso, ao invés de eu vir conhecer a prática da especialidade eu já vim para a residência conhecendo a prática pela qual tinha numa especialidade a qual eu já tinha me apaixonado [...] Você não enriquece com Medicina da Família no Brasil, você acaba sendo empregado do govemo, sendo um servidor público e também você não tem a chance de fazer procedimentos de cobrar os procedimentos. Então eu acho que a grande maioria das pessoas que fazem Medicina hoje em dia fazem por dinheiro e não por vocação nem por paixão. Eunice Este depoimento foi selecionado por sintetizar vários aspectos relacionados com a escolha por atuar e fazer residência em Saúde da Família que seguir, apresentamos de forma resumida: e O papel da orientação vocacional dos alunos dos cursos de graduação de medicina para a escolha de uma especialidade de atuação futura assim como inexistência ou recente introdução das disciplinas de medicina comunitária, de família o afins nos currículos; e O projeto pedagógico ainda hegemônico nas escolas de medicina que privilegia o modelo de atenção centrado na cura da doença e de atenção hospitalar; * O mercado de trabalho que privilegia as especialidades cirúrgicas, que realizam procedimentos instrumentais ou tem espaço nos convênios de saúde; e A impossibilidade de entrar em outra residência com relação candidato vaga maior; e A facilidade de oferta de vagas em medicina de família para médicos recém formados e/ou sem cursos de pós-graduação; e A potencialidade da ESF para mudar não apenas os processos de trabalho em saúde, mas aos próprios trabalhadores e seus projetos individuais. Vários destes elementos serão retomados mais adiante, quando abordada a influência dos recursos humanos na política de AB no município do ponto de vista qualitativo e quantitativo. 63 4.2. A Política Municipal de Saúde Para Atenção Básica 4.2.1. Atenção Básica. Evolução histórica Embora o foco desta pesquisa seja a situação atual da política municipal de saúde para AB, se faz necessário expor de forma sucinta, alguns marcos importantes de sua evolução no município. A implantação do esboço do que hoje conhecemos como AB no município de Ribeirão Preto, se dá a partir da entrada em vigor da Lei nº 4.476 de 1984, que autorizava à Prefeitura de Ribeirão Preto a implementar o Programa de Ações Integradas em Saúde (AIS) *. As AIS foram uma tentativa de reorganização da assistência médica previdenciária, no sentido de formar um sistema unificado, descentralizado e participativo, no meio de conjunturas políticas, ideológicas e econômicas complexas no Brasil (redemocratização, crise financeira internacional, política de contenção de gastos, tensões entre o Ministério da Saúde, Ministério da Previdência e Assistência Social e o setor privado quanto à unificação do sistema de saúde). As AIS constituíram a parte operacional do Plano de Reorientação da Assistência à Saúde no âmbito da Previdência Social proposto pelo Conselho Consultivo de Administração da Saúde e Previdência de 1982 (Plano CONASP). Nas AIS se incluíam vários dos princípios e atributos da APS (porta de entrada preferencial, regionalização, hierarquização, racionalização de recursos, universalidade, integralidade da atenção, participação social) com uma ênfase marcada na articulação entre os diferentes prestadores de serviços da rede pública e destes com a rede privada, recuperação dos serviços públicos e racionalização econômica 887. O município de Ribeirão Preto assinou o termo de adesão às AIS em dezembro de 1983, sendo regulamentado em abril de 1984 através da lei municipal No. 4476 8. Para 1984, ano de implantação e implementação das AIS em Ribeirão Preto, a rede pública de saúde do município contava com um conjunto de unidades de saúde sob administração dos níveis municipal, estadual e federal (88), conforme pode ser observado na Tabela 4. 66 política municipal de saúde. Somente ao final deste ano, o município de Ribeirão Preto foi qualificado para a implantação do Programa de Saúde da Família, segundo portaria nº 1.140, de 10 de outubro de 2000 do Ministério da Saúde “. Foram habilitadas 5 equipes de Saúde da Família vinculadas ao projeto da Universidade de São Paulo, implantadas a partir de abril de 2001, quatro para a área básica do CSE/FMRP-USP (NSF 1,3, 4e 5) e um na Unidade Materno-Infantil de Vila Tibério, junto àquele serviço (NSF 2), que desde 2000 já vinha desenvolvendo atividades relativas à Saúde da Família e recebendo residentes do Programa de Medicina Geral e Comunitária do HCFMRP-USP, conforme já apontado. Assim, estas unidades foram implantadas com o propósito não apenas de oferecer assistência à saúde da população do Distrito a partir do modelo de Saúde da Família, mas também se constituíram em unidades de ensino de graduação e pós-graduação e pesquisa em diversas áreas do conhecimento *. Outras equipes de Saúde da Família, sob a gerência da SMS, foram se incorporando de forma paulatina à rede municipal de AB até conformar 21 equipes em 2009 7. Sem dúvida, a introdução da ESF veio qualificar a AB no município permitindo a realização de ações mais próximas dos usuários, não apenas de ordem geográfica, mas na possibilidade de levar os serviços de saúde até o próprio domicílio da população adscrita, construir vínculos e co-responsabilidade, além de buscar fomentar a participação da comunidade na solução dos seus problemas de saúde. O Gráfico 2 apresenta a evolução no período 2000-2009 do número de ACS e o Gráfico 3 a das ESF e Equipes de Saúde Bucal (ESB) implantadas no município. Estas informações foram obtidas a partir do cadastro do Departamento de Atenção Básica do MS (DAB-MS). Como já comentado, o NSF 1 iniciou suas atividades em 1999, incorporando-se à assistência em um breve período de tempo os Núcleos 2, 3, 4 e 5 sendo que, estes núcleos atuaram de forma autônoma em relação com a rede municipal até sua habilitação em 2000, ano em que foram registrados no cadastro do MS. De fato, ainda subsistem algumas discrepâncias entre as informações do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e a realidade do município, provavelmente ocasionadas pela variabilidade do número de ESF e ACS em função da mobilidade destes trabalhadores bem como na demora para a atualização do cadastro por parte da SMS, sendo este um problema comum a muitos municípios brasileiros. Vale à pena destacar que a Política Nacional de Atenção Básica estipula que o município é responsável pelo cadastramento e 67 atualização das informações relativas às unidades da rede municipal e dos profissionais que atuam na AB. No Gráfico 2 pode-se notar que houve um crescimento expressivo no número de ACS entre 2001 e 2002, com posterior aumento gradual destes trabalhadores. Este período de maior crescimento coincide com o de mandato eletivo iniciado em 2001. 400 300 —— qn DA 200 Os E % de cobertura 100 0 Dpimimimimimimimo] 2000 |2001 |2002 |2003 [2004 |2005 2006 [2007 |2008 |2009 DACS 5 | 28 |281 |275 | 298 | 298 | 314 | 322 | 333 | 338 E % de cobertura [0,61 [3,13 [31,4 [30,4 [32,5 |32,5/32,8 |33,1 [34,2 ]34,8 Anos Fonte: Dados obtidos a partir do cadastro CNES do Departamento de Atenção Básica do MS (DAB- MS). Gráfico 2. Evolução numérica de ACS e percentual de cobertura pelos ACS no município de Ribeirão Preto para o período de 2000 a 2009. Ribeirão Preto, 2010 Já em relação às ESF, verifica-se que a partir de 2006 há certa estabilização quanto a seu número, inclusive com perda de equipes, principalmente relacionadas com a saída de profissionais médicos. As ESB mantêm-se estáveis desde 2004 para um total de seis equipes. 68 25 20 DESF EH % de cobertura ESF DESB O 2000 |2001 |2002 |2003 |2004 |2005 |2006 |2007 |2008 |2009 D ESF 1 7 14/14/17 |18]23/20/21/21 E % de cobertura ESF |0,73 | 4,7 |9,39 | 9,28 | 9,15 |11,77/14,39/12,33/12,95/12,98] D ESB 0 0 0 2 6 6 6 6/6 6 Anos Fonte: Dados obtidos a partir do cadastro CNES do Departamento de Atenção Básica do MS (DAB-MS). Gráfico 3. Evolução numérica das equipes de Saúde da Família (ESF) e Equipes de Saúde Bucal (ESB), e percentual de cobertura das ESF no município de Ribeirão Preto para o período de 2000 a 2009. Ribeirão Preto, 2010 Os dados de cobertura populacional do município apresentados adquirem maior relevância na medida em que podemos estabelecer comparações com as médias de cobertura do estado de São Paulo e do Brasil, como pode ser observado na Tabela 5. Tabela 5. Porcentagem da população com cobertura de ACS e ESF em Ribeirão Preto, estado de São Paulo e Brasil em 2008. Ribeirão Preto, 2010 Unidade territorial População Acompanhada Acompanhada por ACS % por ESF % Ribeirão Preto 34,82 12,98 São Paulo 30,5 25,6 Brasil 60,4 49,5 Fonte: SMS e DAB-MS. Apesar dos movimentos presentes no nível federal e da definição da Política Nacional de Atenção Básica, em 2006, Ribeirão Preto vem apresentando processo 71 Após várias tentativas de implantar a ESF, em março de 2009, o município contava com 21 equipes em 13 USF/NSF para uma cobertura estimada de 12,98% da população residente. Das restantes unidades de AB sem ESF, 72,7% possuíam ACS. A cobertura total de ACS, quando adicionados os trabalhadores da ESF e das UBS tradicionais é de 34,82% da população do município. Deste modo a AB esta sendo desenvolvida no município através de dois modelos. + UBS tradicional: em geral, oferecem serviços das clinicas básicas (ginecologia e obstetrícia, pediatria e clínica médica) através de médicos especialistas nestas áreas. Os serviços de enfermagem, vacinação e odontologia também estão presentes na maior parte das unidades sendo que, 72,7% destas unidades possuem ACS como integrantes da equipe (Quadro 4). e USF/NSF: os serviços de clínicas básicas são realizados por médicos especialistas em Medicina de Família e Comunidade, especialistas de outras áreas que atuam como generalistas ou médicos sem nenhum curso de especialização. Serviços de enfermagem, ACS e ESB são prestados. Os NSF 1 a 5 não oferecem serviços de vacinação. (Quadro 4) Do ponto de vista formal, o município comprometeu-se no Plano Municipal de Saúde, para o período 2010-2013, a fortalecer a AB especialmente através da ampliação das ESF, das EACS e das Equipes de Saúde Bucal (ESB). As metas de cobertura populacional propostas são de 50%, 100% e 50% respectivamente”. Já para o ano 2010, a Programação Anual de Saúde, instrumento que operacionaliza os compromissos no PMS, prevê a criação de cargos de ACS para uma cobertura de 50% da população, de 20 cargos de Médico de Família e Comunidade (MFC) através de concurso público bem como do credenciamento de 10 novas ESB *&. O PMS do período 2005-2008 teve como uma de suas metas, aumentar a cobertura de ESF e ACS para 50% da população do município, verificando-se, contudo, que o crescimento do número de ESF e de ACS ficou aquém da proposta, inclusive com períodos de diminuição **. Diferentes fatores contribuíram para o não cumprimento desta meta. O recurso humano foi o elemento mais enfaticamente apontado pelos entrevistados como principal limitante para a expansão das ESF. A contratação do médico com perfil generalista resulta difícil por diferentes motivos como exposto nos seguintes depoimentos de Andrés, Jacob e Maria. 72 Eu acho que sim. Esse é um limitante [o perfil do médico] para expansão do PSF. Então o Médico, a gente fica meio refém. Nós estamos reféns de duas coisas. Mais dos médicos porque a gente não trabalha sem o médico generalista, mas se as universidades ajudarem, se o curso fosse bacana, a gente põe um médico lá, um médico generalista. Andrés [..] Esse programa de saúde da família é um programa antigo, mas a estratégia do médico generalista, a formação diferenciada ainda é recente. Tem pouco profissional, vamos dizer, que tem esse tipo de formação. As escolas formam o que, elas formam um médico que é generalista, só que não tem formação generalista. Ele entra a faculdade e faz o seguinte, eu vou entrar na faculdade, eu chego no terceiro, quarto ano, que área eu gostei mais da área de cirurgia. Então ele vai se dedicar mais à área de cirurgia. Ele sai com a formação dele generalista e a residência dele é feita na área específica dele. Jacob Tá, vocês tem a proposta da Saúde da Família e vocês não tem médico generalista, o que é que vocês vão fazer então? Você tem interesse? Você acha que você dá conta? Gosta da atenção básica? Quer Saúde da Família? Quer? Eu tenho estas dificuldades: O que você pode me ofertar? Não, você vai ser capacitado, com treinamento, você vai ter uma retaguarda. Ela não deu conta de fazer isso. Aí entra o Pólo de Educação Permanente: Não porque o pólo vai resolver! Vai dar, vai capacitar, vai resolver. Maria Os sujeitos entrevistados assinalam deficiências quantitativas e qualitativas na formação de médicos com perfil generalista e dificuldades para se estabelecer estratégias que possam favorecer o processo de formação deste profissional. O sentido das falas dos entrevistados não aponta apenas a limitações nas habilidades clínico-assistenciais para resolver as demandas nas especialidades consideradas básicas (clínica médica, ginecologia e obstetrícia e pediatria), mas em competências específicas para a prática da medicina de família e na estratégia de Saúde da Família. A Agenda Educativa EURACT de Medicina de Família e Comunidade define as competências que devem ser esperadas do Médico de Família e Comunidade. Competências são entendidas aqui como o conjunto de saberes, habilidades e desempenhos capazes de responder as necessidades de saúde da população e dos serviços de saúde. De forma didática, foram agrupadas em seis competências nucleares ””: 1) Gestão em Cuidados Primários; 2 3 4 5 Cuidados Centrados na Pessoa; Aptidões para a resolução de problemas específicos; Abordagem abrangente; Orientação comunitária; 73 6) Abordagem holística. Cada uma destas competências se subdivide em diferentes capacidades que abrangem campos que vão desde a gestão local de saúde até questões relacionadas com a subjetividade presente na relação profissional de saúde-usuário. Portanto, a prática da medicina de família exige médicos com preparação específica para o desempenho da sua atividade como qualquer outra especialidade médica. No Brasil, pelas características próprias do seu modelo de Saúde da Família que se fundamenta em equipes multiprofissionais, emerge a necessidade do desenvolvimento de competências que favoreçam o trabalho em equipe. Neste contexto cabe formular a seguinte interrogante: Por que se o fortalecimento do SUS através da AB tem como principal estratégia a Saúde da Família não há profissionais suficientes em número e qualidade para desenvolver esta política? Uma rápida aproximação a este tema é desenvolvida a seguir. Uma pesquisa clássica realizada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e publicada em 2004, apontava mudanças no mercado de trabalho com crescimento de algumas especialidades com maior retorno financeiro para os profissionais médicos através da realização de procedimentos. As especialidades apontadas foram urologia, dermatologia, cirurgia plástica e outras especialidades cirúrgicas com atividades predominantemente hospitalares, especialmente em Saúde Suplementar (convênios). Também se destaca a desigual distribuição da força de trabalho em saúde entre as diferentes regiões do país (com predomínio de médicos no Sudeste e Sul) e entre as áreas urbanas e rurais *. Sem dúvida, a dinâmica do mercado de trabalho favorece o direcionamento dos alunos dos cursos médicos a estas especialidades num processo de “especialização precoce”, muitas vezes com a participação ativa das próprias instituições formadoras, a partir do espaço de poder ocupado por determinados departamentos clínicos em consonância com o projeto tecno-assistencial hegemônico, que, como discutido ao longo da fundamentação teórica, se centra na cura da doença. Não há informações precisas sobre o número total de médicos no Brasil. Durante o levantamento bibliográfico foram obtidos diversos dados discrepantes de diferentes fontes oficiais (CFM, DATASUS, Rede Observatório de Recursos Humanos). O DATASUS apresentou os dados mais atualizados entre as fontes consultadas, informando um total de 329.041 médicos em 2007 *. Quando 76 Nesse sentido, segundo depoimento dos próprios técnicos no nível de gestão central, existe a percepção na SMS da necessidade de criar o cargo de Médico de Família e Comunidade que compatibilize um regime de trabalho de 40 horas semanais como estabelecido na Política Nacional de Atenção Básica. A elaboração de um projeto de Lei para viabilizar esta iniciativa esta prevista na Programação Anual de Saúde de 2010 *. Uma das possíveis vias para contornar o problema da contratação dos médicos é o desenvolvimento de políticas públicas de estímulo à formação generalista. Em outubro de 2009, o governo federal lançou o Programa Nacional de Apoio à Formação de Médicos Especialistas em Áreas Estratégicas para o SUS — Pró-Residência (Portaria Interministerial Nº 1.001, de 22 de Outubro de 2009) com o objetivo de incentivar a criação e/ou ampliação das residências médicas em regiões e especialidades priorizadas dentre as quais se encontra Medicina da Família e Comunidade '*. No nível local, podem ser instituídas atividades de educação permanente nas clínicas básicas bem como em ou outras áreas do conhecimento que forneçam suporte aos profissionais da equipe. Isto tem particular importância quando verificamos que alguns dos médicos que atuam nas ESF, não têm formação generalista e provêm de outras especialidades médicas ou não fizeram especialização. Isto gera certo nível de insegurança técnica na hora de abordar problemas comuns na prática de saúde da família. Outro fator que pode contribuir a adesão de profissionais médicos a ESF são os Núcleos de Apoio a Saúde da Família (NASF). Estes núcleos têm como propósito ampliar o leque de serviços da AB, apoiar do ponto de vista assistencial as ESF e serem espaço de aprendizado para os diversos profissionais atuantes. O Plano Municipal de Saúde (PMS) 2010-2013 prevê a implantação de uma equipe de NASF tipo | por Distrito nos moldes previstos na portaria específica do MS que o regulamenta 1º. Estes núcleos poderiam favorecer a migração de médicos especialistas em outras áreas que já atuam na rede de AB para a ESF ao terem uma retaguarda assistencial e docente. A questão dos recursos humanos na AB municipal não se restringe apenas ao médico generalista. Outra importante categoria profissional que reivindica melhorias no seu regime de contratação é a dos ACS. No município, a contratação destes profissionais é efetivada através de convênios com terceiros, via organização filantrópica Santa Casa da Misericórdia no regime Consolidação das Leis 77 Trabalhistas (CLT) ou através da Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FAEPA-HCFMRP/USP), no caso dos ACS que atuam no Distrito Oeste nos NSF vinculados a USP. Os ACS sofrem também com salários considerados insuficientes, segundo seus próprios depoimentos, sendo que muitos deles exercem uma segunda atividade para complementar renda, apesar de estarem submetidos a uma carga horária de 40 horas semanais. Estes trabalhadores também carecem de um Plano de Carreira que lhes permita a progressão salarial. A qualidade do vínculo empregatício e os baixos salários são apontados pelos entrevistados como importantes fatores para a rotatividade destes profissionais. [..] eu acho que a falta de estímulo pra fazer o trabalho é o salário, eu acho que o salário é muito baixo, e quando você tem um salário muito baixo você tem uma rotatividade muito grande, então eu acho que tudo isso atrapalha o programa, porque se a gente fala que a gente quer implantar o Programa de Saúde da Família no país inteiro, se você não valoriza o Agente (Comunitário de Saúde), eu acho que você ta dando um tiro no próprio pé do programa, você valoriza todos os outros profissionais e despreza o Agente que é, porque não existe Programa de Saúde da Família sem Agente Comunitário, o Agente que faz esse elo, que vai lá que se interessa, que tá, quer dizer, e um salário muito baixo. Juan Várias iniciativas tramitam no Congresso Nacional na tentativa de regulamentar a situação destes profissionais '. Em termos gerais estes projetos vão na direção do estabelecimento de um piso salarial para a categoria (inspirado na Lei nº 11.738, de 16/7/2008 que regulamenta o piso salarial do magistério) com repasse de recursos tal efeito através do PAB variável, plano de carreira, exigência de nível médio para exercer a atividade, plano de qualificação profissional entre outros. Os ACS tiveram atividades de capacitação no contexto do Programa de Formação do Técnico de Agente Comunitário de Saúde do Ministério da Saúde, finalizando apenas o primeiro de seis módulos previstos. Estas atividades de capacitação constituem um recurso para qualificar o trabalho dos ACS e aos serviços de saúde em geral, aumentar a auto-estima e a valorização social dos outros trabalhadores e dos usuários além de permitir o acesso a melhores remunerações quando completarem o curso técnico. A Portaria Nº 1.318 do MS, de 5 de junho de 2007 que define as diretrizes para os planos de carreira, cargos e salários dos trabalhadores do SUS, estabelece o cargo de Assistente em Saúde estruturado em quatro classes: 78 a) Classe A: ensino fundamental incompleto; b) Classe B: ensino fundamental completo ou qualificação ou experiência profissional fixada pelo plano de carreiras; c) Classe C: ensino médio completo; d) Classe D: ensino técnico completo ou qualificação ou experiência profissional fixadas pelo plano de carreiras "7. Ou seja, a finalização de curso técnico permitiria ao ACS mudar de classe e poderia ser um elemento que contribuiria para que estes trabalhadores obtivessem melhores remunerações. Neste ano tramita na Câmara Municipal de Ribeirão Preto um projeto de Lei para a criação do cargo de ACS como previsto na Programação Anual de Saúde 2010 &. A Lei municipal tornaria estes trabalhadores funcionários da Prefeitura Municipal, reivindicação antiga da categoria no município. Isto poderá redundar também na melhoria salarial. Em termos gerais, a contratação de enfermeiros, técnicos em enfermagem, dentistas e outros profissionais da ESF, não representa grande dificuldade para a SMS segundo Maria. Bom, eu não tenho médico generalista, com o pessoal de enfermagem não tem problema porque é até uma possibilidade de dobrar a sua carga horária. Há uma procura muito grande da enfermagem pela Saúde da Família. Maria Ribeirão Preto é um pólo de formação regional que abriga 5 universidades e vários outros cursos técnicos da área da saúde formando um importante contingente de mão de obra de reserva na área da saúde. No entanto, nos seus depoimentos, os técnicos da SMS consideram que o perfil dos profissionais encontra-se ainda aquém do ideal. Alguns trabalhadores da rede continuam a replicar processos de trabalho que não levam em conta os princípios e diretrizes da AB embora atuem em unidades de saúde com este rótulo. Ou seja, apenas as mudanças estruturais no processo de trabalho, como por exemplo, a introdução do EACS nas UBS ou a transformação de UBS tradicionais em Unidades de Saúde da Família, não garante necessariamente que práticas baseadas no modelo centrado na doença, no trabalho do médico e na relação vertical trabalhador de saúde-usuário sejam reavaliadas e modificadas pela equipe. Então o que que é que eu prefiro? Eu acho que muita gente prefere. Que AB tenha mais essa cara da integralidade e que a AB por sim com ESF, que a meu ver é melhor, mesmo porque meu devir é generalista. Se eu quiser
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