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Saúde do adolescente, Notas de estudo de Enfermagem

SAÚDE DO ADOLESCENTE

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 25/12/2010

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Baixe Saúde do adolescente e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! Saúde do Adolescente: competências e habilidades MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Atenção a Saúde Departamento de Ações Programáticas Estratégicas Brasília – DF 2008 Série B. Textos Básicos da Saúde © 2008 Ministério da Saúde. Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que não seja para venda ou qualquer fi m comercial. A responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens desta obra é da área técnica. A coleção institucional do Ministério da Saúde pode ser acessada, na íntegra, na Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde: http://www.saude.gov.br/bvs O conteúdo desta e de outras obras da Editora do Ministério da Saúde pode ser acessado na página: http://www.saude.gov.br/editora Série B. Textos básicos da Saúde Tiragem: 1.ª edição – 2008 – 250 exemplares Edição, distribuição e informações: MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Ações Programáticas Estratégicas Área Técnica de Saúde de Adolescente e do Jovem Esplanada dos Ministérios, Bloco G, Edifício Sede, Sala 614 CEP.: 700058-900 Brasília – DF Tels.: (61) 3315-2375 / 3226-0437 Fax: (61) 3315-2747 E-mail: adolescente@saude.gov.br Home page: http://www.saude.gov.br (clicar em cidadão e no link, saúde de adolescente e do jovem Organizadoras: Maria Helena Ruzzy Eloísa Grosmann Impresso no Brasil / Printed in Brazil Ficha Catalográfi ca Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas Saúde do adolescente: competências e habilidades / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. – Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2008. CD ROM ; 43/4 pol. – (Série B. Textos Básicos de Saúde) ISBN 978-85-334-1500-3 1. Saúde do Adolescente e do Jovem. 2. Atenção Integral à Saúde 3. Assistência à Saúde I. Título. II. Série. CDU 613.96 Catalogação na fonte – Editora MS – Coordenação-Geral de Documentação e Informação – OS 2008/0943 Títulos para indexação: Em inglês: Adolescents Health: competence and abilities Em espanhol: La Salud del Adoleciente: incumbencia y habilidades EDITORA MS Documentação e Informação SIA, trecho 4, lotes 540/610 CEP: 71200-040, Brasília – DF Tels.: (61) 3233-1774/2020 Fax: (61) 3233-9558 E-mail: editora.ms@saude.gov.br Home page: http://www.saude.gov.br/editora Equipe Editorial: Normalização: Valéria Gameleira da Mota Editoração e diagramação: Sérgio Ferreira Apresentação ........................................................................................................................................ 17 Capítulo 1 – Considerações Gerais ..................................................................................................... 19 Atenção à saúde do adolescente: mudança de paradigma ................................................................... 21 Maria Helena Ruzany Atenção ao adolescente: Considerações Éticas e legais ........................................................................ 26 Maria Helena Ruzany Promoção de saúde e Protagonismo Juvenil ....................................................................................... 35 Zilah Vieira Meirelles Maria Helena Ruzany A consulta do adolescente e jovem ..................................................................................................... 41 Eloísa Grossman Maria Helena Ruzany Stella R. Taquette Assistência ao Adolescente Portador de Doença Crônica .................................................................... 47 Eloísa Grossman Competências e habilidades na atenção integral à saúde .................................................................... 52 Carla Cristina Coelho Augusto Pepe Capítulo 2 – Crescimento e Desenvolvimento .................................................................................... 55 Crescimento e Desenvolvimento Puberal ........................................................................................... 57 Evelyn Eisenstein Karla Coelho Sumário Ginecomastia .................................................................................................................................... 77 Cláudia Braga Monteiro Abadesso Cardoso Nutrição na Adolescência .................................................................................................................. 81 Karla Coelho Evelyn Eisenstein Obesidade ......................................................................................................................................... 89 Maria Cristina Caetano Kuschnir João Régis Ivar Carneiro Mariângela Gonzaga Ribeiro Maria Lúcia Calazans Marília Mello Claúdia Braga Selma Correia Adolescência, atividade física e saúde ............................................................................................... 103 Marcelo da Silva Machado Pilar Fonseca Garcia Geraldo Albuquerque Maranhão Neto Capítulo 3 – Aspectos psicossociais .................................................................................................. 111 Doenças Psicossomáticas ................................................................................................................. 113 Stella R. Taquette Abuso e dependência de substâncias psicoativas ............................................................................... 119 Sonia Regina Lambert Passos A violência na vida de adolescentes e jovens ..................................................................................... 129 Zilah Meirelles Regina Herzog Transtornos psiquiátricos ................................................................................................................. 136 Sheila Abramovitch Maria Lúcia Moreira Suicídio em Jovens: perspectivas sistêmicas ...................................................................................... 145 Carlos Felipe d’Oliveira Capítulo 4 – Experiências na atenção ao adolescente e à família ..................................................... 153 Terapia de família ............................................................................................................................ 155 Berenice Fialho Moreira Saúde e Cidadania no espaço escolar ............................................................................................... 168 Jurema Alves Pereira da Silva Claudia Regina Menezes da Rocha Regina Abramovitch Katz Trabalho de Crianças e Adolescentes: repercussões sobre a saúde ..................................................... 174 Carmen Ildes Rodrigues Fróes Asmus Suyanna Linhales Barker Carmen Maria Raymundo Depressão e Suicídio: interpretação psicanalítica .............................................................................. 189 Sonia Alberti Quando o futuro é a morte: adolescentes e jovens no tráfi co de drogas ............................................ 195 Zilah Vieira Meirelles Capítulo 5 – Sexualidade, gênero e saúde reprodutiva ..................................................................... 203 Sexualidade na adolescência ............................................................................................................. 205 Stella R. Taquette A interpretação psicanalítica da sexualidade ..................................................................................... 213 Vera Pollo A saúde do homem adolescente: uma perspectiva de gênero aplicada ao masculino ......................... 223 Gary Barker Métodos Contraceptivos ................................................................................................................. 231 José Domingues dos Santos Junior Ana Tereza Cavalcanti de Miranda Capítulo 9 – Saúde Oral .................................................................................................................... 347 Saúde Oral ...................................................................................................................................... 349 Cárie Dental ............................................................................................................................... 349 Célia Regina de Jesus Caetano Mathias Doença Periodontal ..................................................................................................................... 355 Célia Regina de Jesus Caetano Mathias Mário Eliseo Maiztegui Antúnez Maloclusão .................................................................................................................................. 362 Mário Eliseo Maiztegui Antúnez Traumatismo Dentário ................................................................................................................ 364 Mário Eliseo Maiztegui Antúnez Célia Regina de Jesus Caetano Mathias Halitose ...................................................................................................................................... 365 Teresa C. R. C. Quaglia Síndrome do Respirador Bucal .................................................................................................... 367 Teresa C. R. C. Quaglia Glândulas Salivares ...................................................................................................................... 370 Teresa C. R. C. Quaglia Câncer Bucal ............................................................................................................................... 372 Teresa C. R. C. Quaglia Lesões mais freqüentes da cavidade oral de adolescentes .............................................................. 376 Teresa C. R. C. Quaglia Doenças Sexualmente Transmissíveis na Cavidade Oral ............................................................... 378 Teresa C. R. C. Quaglia Deglutição .................................................................................................................................. 382 Lêda Maria Bravo de Oliveira e Silva Fissuras Lábio Palatinas ............................................................................................................... 385 Margareth Attianezi Capítulo 10 – Dermatologia ............................................................................................................. 391 Problemas dermatológicos ............................................................................................................... 393 Isabel Cristina Brasil Succi Ectoparasitoses ................................................................................................................................ 401 Isabel Cristina Brasil Succi Manifestações cutâneas das doenças sexualmente transmissíveis ....................................................... 407 Isabel Cristina Brasil Succi Capítulo 11 – Doenças infecciosas .................................................................................................... 417 Imunização em adolescentes ............................................................................................................ 419 Claúdio Abuassi Doenças Infecciosas com importância epidemiologica no Brasil ...................................................... 428 José Henrique W. Aquino Infecções causadas por helmintos .................................................................................................... 456 José Henrique W. Aquino Infecções virais ................................................................................................................................ 459 José Henrique W. Aquino Tratamento médico do adolescente HIV positivo ............................................................................ 471 Eduardo Pozzobom Capítulo 12 – Gastroenterologia ....................................................................................................... 483 Gastroenterologia ............................................................................................................................ 485 José Augusto da Silva Messias Doença do Refl uxo – Gastroesofageano (DRGE) ............................................................................ 505 José Augusto da Silva Messias Doença Péptica Ulcerosa ................................................................................................................. 510 José Augusto da Silva Messias Helicobacteriose .............................................................................................................................. 518 José Augusto da Silva Messias Doença Infl amatória Intestinal ........................................................................................................ 519 (Retocolite ulcerativa e Doença de Crohn) José Augusto da Silva Messias Hepatites ........................................................................................................................................ 523 José Augusto da Silva Messias Pancreatites ..................................................................................................................................... 527 José Augusto da Silva Messias Síndromes Disabsortivas e Correlatas .............................................................................................. 528 José Augusto da Silva Messias Capítulo 13 – Aparelho respiratório ................................................................................................. 529 Asma ............................................................................................................................................... 531 Ernesto Succi Pneumonias .................................................................................................................................... 537 Cláudio Abuassi Capítulo 14 – Neurologia .................................................................................................................. 543 Cefaléias: diagnóstico diferencial e tratamento ................................................................................ 545 Ernesto Succi Epilepsias ........................................................................................................................................ 550 Ernesto Succi Doenças neoplásicas .................................................................................................................... 707 Ana Paula Menezes Leucemia Linfocítica Aguda ........................................................................................................ 709 Giovanni Jannuzzi Linfomas Não Hodgkin (LNH) .................................................................................................. 714 Ana Paula Menezes Índice Remissivo ................................................................................................................................ 717 Autores ............................................................................................................................................... 747 17 Apresentação O interesse crescente pelo tema saúde na adolescência representaria por si só uma justifi cativa para a edição deste livro. Nas últimas décadas, a medicina intensifi cou a tendência de se trabalhar o indivíduo de acordo com a faixa etária, para melhor compreender as especifi cidades do ser humano. Talvez esteja ai o maior desafi o para quem lida com o adolescente, o atender um sujeito que se encontra em pleno processo de transformação. Conhecer suas necessidades e idiossincrasias exige um processo de crescimento para os dois, adolescente e profi ssional. Mas existem outras justifi cativas para o livro. Hoje, a grande maioria das escolas de formação profi ssional na área de saúde ainda não incorporou na grade curricular conteúdos técnicos que capacitem o recém-formado a atender, com competência e habilidade, este grupo, que corresponde a 30% da população brasileira. O livro “Saúde do Adolescente: competências e habilidades” integra um conjunto de instrumentos educativos que incluem dois módulos de auto-aprendizagem, um manual de orientação para facilitadores no uso dos módulos e um curso de educação à distância, via Internet, voltados para a Atenção Básica/Saúde da Família, elaborados pelo Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde do Adolescente da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Os capítulos abordam aspectos éticos, legais, bem como, o manejo de diversas questões clinicas do adolescente e do jovem: crescimento e desenvolvimento, sexualidade e saúde reprodutiva, distúrbios endócrinos, nutricionais e psicossociais, saúde oral, problemas infecciosos, distúrbios da fala e da audição e as experiências na atenção ao adolescente e sua família, abrangendo os níveis de promoção, prevenção e atenção. Mais do que o simples domínio de conhecimentos, o livro busca uma refl exão sobre a prática, o que muitas vezes conduz a uma mudança de atitude. Enfatiza-se a necessidade da investigação, do trabalho em equipe e do desejo de entender o adolescente como um ser individualizado, com características próprias. Os temas mereceram uma abordagem dentro do marco conceitual de competências e habilidades. A competência signifi ca a possibili- dade de incorporar avaliar e aplicar conhecimentos e habilidades para alcançar resultados dentro de um contexto específi co. Procura-se oferecer conteúdos teóricos e experiências de atenção para que o profi ssional de saúde aproveite estes conhecimentos no seu cotidiano, adequando a sua própria realidade. O livro não pretende ser um compêndio defi nitivo e absoluto no atendimento ao adolescente, mas uma referência que dê subsídios aos profi ssionais de saúde para compreender a riqueza da complexidade do ser humano. José Gomes Temporão Ministro da Saúde Capítulo 1 Considerações Gerais 21 Atenção à Saúde do Adolescente: Mudança de Paradigma Maria Helena Ruzany Efetividade da atenção ao adolescente. Mudança no modelo de atendimento integral para uma modalidade participativa e interativa. Bioética. Sintonia do profi ssional de saúde com os adolescentes. Palavras-chave: ética, mudança de paradigma, atenção ao adolescente Nas últimas duas décadas, a atenção à saúde do adolescente vem se tornando uma prioridade em muitos países, inclusive para instituições internacionais de fomento à pesquisa. Isto se deve à constatação de que a formação do estilo de vida do adolescente é crucial, não somente para ele, como também para as gerações futuras. De forma geral, no que se refere a organização de serviços para o atendimento a este grupo etário, observa-se que os esforços realizados no sentido da criação de programas de qualidade, tiveram até certo ponto, resultados positivos. Implementou-se um modelo de atendimento baseado na prestação da atenção integral a esta clientela, partindo-se das experiências adquiridas nos programas pioneiros de atendimento à mulher e à criança. Contudo, ainda falta muito para que os programas nacionais dêem cobertura adequada a toda população de adolescentes e jovens e para que se possa considerar que estes programas estejam integrados ao sistema de saúde, de tal forma que permitam o acesso universal (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1995). Neste capítulo procura-se fazer uma refl exão sobre a atenção integral ao adolescente a partir da dimensão da bioética, com o objetivo de propor uma mudança de paradigma na abordagem desta clientela. Difi culdades no desenvolvimento do programa A especifi cidade da atenção ao adolescente é um aspecto da maior relevância na criação de um programa efi caz, apresentando-se como um grande desafi o aos gerentes. Como exemplo do que se apresenta como desafi o, podemos apontar a necessidade de adequação da linguagem e da forma de atuação dos profi ssionais, para o alcance de um nível de compreensão dos vários segmentos que constituem esta população. Neste sentido, a condição prévia para qualquer proposta de atenção é delimitar as características da população alvo. Trata-se de um grupo heterogêneo que exige uma implementação efetiva de uma política de atenção, levar em conta as diferenças que lhe são inerentes. Estas se apresentam em relação à faixa etária (adolescência inicial, intermediária e tardia), diferença de gênero, inserção no ambiente familiar (os que têm família e moram com ela e os que não têm), no âmbito educacional (os que freqüentam a escola e os que estão fora dela), condição social (os que vivem com parceiros ou não), quanto à sua condição física (portadores ou não de doenças mentais ou físicas), quanto à moradia (os que moram em zona urbana ou rural) e os que pertencem a minorias raciais, religiosas ou culturais (MORENO; NIREMBERG; PERRONE, 1992). Todas estas diferenças indicam que as necessidades de saúde do adolescente não podem ser encaradas de forma isolada, visto que estão intrinsecamente relacionadas com o contexto no qual está inserido (YUNES, 1993). Muitas vezes, os problemas de saúde do adolescente, aos quais os profi ssionais desta área devem estar atentos durante o Ministério da Saúde Saúde do Adolescente: competências e habilidades 22 atendimento, decorrem de suas difi culdades sócio-econômicas, tais como pobreza, privações, falta de moradia, ausência da família, ausência de um sistema educacional adequado, falta de capacitação laboral, falta de empre- go, violência, entre outros. Não obstante, vale enfatizar que as necessidades imediatas de amor, comida, abrigo, segurança, desenvolvimento do raciocínio lógico e dos valores morais são responsabilidades de toda a sociedade: família, escola e comunidade. O que um jovem vivencia de positivo ou negativo afetará sua vida presente e futura, mas, o que é mais importante, é a partir destas vivências que o adolescente poderá estabelecer novas práticas a serem assimiladas pela sociedade em geral. Todo jovem é infl uenciado pelos amigos e pelos adultos do mundo onde vive, e desta interação resultam mudanças comportamentais que vão pautar toda uma geração (RUZANY, 1994). Adolescência e sociedade Durante a adolescência ocorrem mudanças de ordem emocional que são de extrema importância para o indi- víduo, tais como o desenvolvimento da auto-estima e da autocrítica; questionamento dos valores dos pais e dos adultos em geral (FRIEDMAN, 1994). Trata-se de um período da existência em que o sujeito começa a interagir com o mundo externo de modo mais autônomo sem, aparentemente, ter de assumir as responsabilidades da vida adulta. Contudo, esta situação é de extrema ambivalência, visto que, se por um lado não lhe é exigido assumir os compromissos da vida adulta, por outro, não lhe é permitido “comportar-se” como uma criança. Na indecisão de como se conduzir, o adolescente se arrisca, oscilando entre condutas de risco “calculado” – decorrente de uma ação pensada – e do risco “insensato”, em que, gratuitamente, se expõe, com grande chance de ocorrerem insucessos, podendo comprometer sua saúde de forma irreversível (DiCLEMENTE, 1996). A adolescência vai delineando para o sujeito, uma identidade sexual, familiar e laboral, permitindo que ele venha a exercer determinados papéis dentro da sociedade. Esta identidade é a imagem que o sujeito tem de si, e ela permanece constante e reconhecível apesar das mudanças evolutivas e dos vários papéis sociais que venha a desempenhar. No entanto, a adolescência não pode ser considerada um período de transição, caracterizando-se muito mais como parte de um processo de amadurecimento e de intenso aprendizado de vida (ADAMO, 1985). A tendência de ver a adolescência como “um período de transição” tem favorecido o esquecimento das necessidades desta população, o desrespeito com relação a seus direitos, e uma exigência, muitas vezes inadequada, quanto ao cumprimento de seus deveres como cidadão. Para que seja possível outro enfoque sobre o adolescente, é preciso que a sociedade valorize seu potencial de contribuição e o apóie, permitindo que seus pensamentos, desejos, idéias e críticas sejam ouvidos. Dito em outras palavras, esta postura pressupõe a abertura de um espaço para o adolescente exercer sua liberdade e participar mais ativamente de seu processo de amadurecimento. Atenção ao adolescente: uma questão ética? Visto que a atenção ao adolescente remete para a questão da normatização dos costumes e condutas, tendo como referência uma variação entre o tradicional e o correto, não se pode pensá-la fora do âmbito da ética. Neste caso, a sociedade defi nida como um conjunto de indivíduos adultos “donos” de uma ordem vigente em cada cultura, leva ao adolescente sua ideologia de normas, atitudes e práticas que sem dúvida irão infl uenciar positiva ou negativamente sua formação. Capítulo 1 Considerações Gerais 25 A informação, num sentido amplo, possibilita ao jovem dispor de um conhecimento que lhe permitirá tomar decisões quanto a sua conduta em lugar de ser submetido a valores e normas que o impedem de exercer seu direito de escolha na administração de sua própria vida. A proposta atual parte de um questionamento da qualidade da atenção que vem sendo prestada e aponta para a necessidade urgente de reformulação. Todavia, o caminho desta reforma não está claro, pois implica o repensar da participação juvenil em sua construção e de como esta participação é impedida por um código de ética gerontocrático, em que os adultos dão os desígnios dos valores e condutas sociais. Vale a proposta de se repensar os papéis dos indivíduos dentro do organismo social, para que cada um se respon- sabilize por sua própria saúde e pela saúde da coletividade, evitando agravos desnecessários, oriundos de condutas de risco. Quanto ao programa de saúde dos adolescentes e jovens, deve dar início à abertura democrática dos serviços para uma real participação juvenil, com o objetivo de reverter o quadro epidemiológico que está posto. Referências ADAMO, F. Juventude: trabalho, saúde e educação. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1985. p. 16 –19. BRASIL. Ministério da Saúde. Programa Saúde do Adolescente. Bases Programáticas. Divisão nacional de saúde materno infantil. Brasília,1989. CARDARELLI, G. Juventud y Participación: para que los senderos no se bifurquen. Buenos Aires: [s.n.], 1996. Mimeo. CERQUEIRA, M. T. Promoción de la Salud: evolución y nuevos rumbos. Bol. Ofi cina Sanit. Panam., [S.l.], 1996. DICLEMENTE, R. J.; PONTON, L. E.; HANSEN W., B. New Directions for Adolescent Risk Prevention Research and Health Promotion Research and Interventions. In: ______. Handbook of Adolescent Health Risk Behavior - Issues in Clinical Child Psychology. New York: Plenum Press, 1996. p. 413-420. FRIEDMAN, H. L. Th e promotion of adolescent health: principles of eff ective intervention. Mexico: Latin American and Caribbean Meeting on Adolescent Health, 1994. Mimeo. GARRAFA, V. Fundamentação teórica. Antecedentes: a deontologia ou ética médica. In: ______. A dimensão da ética em saúde pública. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo; Faculdade de Saúde Pública, 1995. p. 11-13. HERZOG, R. Sujeito da doença ou doença do sujeito? A construção do ser doente. Dissertação (Mestrado)-Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1987. MORENO, E.; NIREMBERG, O.; PERRONE, N. Desarrollo de un modelo evaluativo para sistemas loacales de salud: primera fase, informe fi nal. Buenos Aires; Canadá: CEADEL; IDRC, 1992. RESTREPO, H. E. Las Políticas de Promoción de la Salud en la Organización Panamericana de la Salud. Conferencia Internacional de Promoción de la Salud. Santafé de Bogotá, Colômbia: [s.n.]: 1992. Mimeo, RUZANY, M. H.; MUNIST, M.; SOLÍS, A. Promoción de la Salud del Adolescente respecto a la sexualidad y la salud reproductiva. Adolescência un enfoque integrado. Seminario Interno. Equipo de Apoyo del FNUAP. Ofi cina para América Latina y El Caribe, 1994. (Colección Seminarios, n. 1) SCHRAMM, F. R. Toda ética é, antes, uma Bioética: humanidades – bioética. Brasília: Universidade de Brasília, 1994. WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). UNFPA. UNICEF. Study Group on Programming for Adolescent Health. Discussion Paper, Saillon, Switzerland, 1995. YUNES, J. Mortalidad y morbilidad de adolescentes en la región de las gg Américas. Archivos Argentinos de Pediatria, [S.l.], 1993. Ministério da Saúde Saúde do Adolescente: competências e habilidades 26 Atenção ao Adolescente: Considerações Éticas e legais Maria Helena Ruzany Aspectos legais da atenção ao adolescente. Confi dencialidade, consentimento e privacidade. Abordagem ética da pesquisa científi ca, doação de órgãos, saúde reprodutiva e testagem para verifi cação do consumo de drogas. Complexidade frente a situações de morte. Palavras-chave: legislação, ética, confi dencialidade A existência de diversos códigos que regulamentam a vida do cidadão, no Brasil e em outros países, não garante o discernimento claro dos direitos e deveres da população adolescente. Com relação ao atendimento integral à saúde, a falta de nexo entre os aspectos legais freqüentemente deixa o profi ssional sem parâmetros defi nidos para orientar seu paciente. O desafi o na formação do profi ssional que vai lidar com o adolescente é a transmissão de atitudes éticas e legais – dentro de uma lógica harmônica e com princípios claros – na medida em que não existe um código prescritivo defi nido. Neste capítulo, vamos abordar alguns aspectos polêmicos no atendimento ou que implicam tomada de decisão do ponto de vista ético ou legal. Direitos humanos A Declaração Universal de Direitos Humanos, assinada em 10 de dezembro de 1948, foi uma conseqüência de fatos ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial. Representantes da comunidade internacional de países da Organização das Nações Unidas (ONU) decidiram criar leis que protegessem os indivíduos de práticas autoritárias e que pudessem causar sofrimento. O documento reconhece o indivíduo como sujeito dos direitos internacionais e representa uma imposição constante para que a ONU mantenha um fórum permanente de vigilância da defesa dos direitos humanos. O conteúdo básico da declaração, considerada o instrumento de direito internacional mais importante do século, diz respeito aos direitos à vida, a um processo criminal justo, à liberdade de consciência, de expressão, de pensamento, de privacidade, à família, ao casamento (MORLACHETTI, 1999). Apesar de o Brasil ter ratifi cado todas as declarações de direitos humanos e contra a discriminação racial nos últimos 50 anos, incluindo o Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, os jovens brasileiros continuam sem seus direitos assegurados. Informes sobre a situação brasileira de Direitos Humanos e do Departamento de Estado dos Estados Unidos afi rmam que “... apesar das leis progressistas para proteção das crianças e adolescentes, milhões deles não podem ter acesso à educação, à saúde e devem trabalhar para viver. O homicídio é a maior causa de morte entre jovens de 15 a 17 anos” (apud MORLACHETTI, 1999, p. 51). Capítulo 1 Considerações Gerais 27 O Estatuto da Criança e do Adolescente, no capítulo II, artigo 17, sobre “do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade” da criança e do adolescente, prescreve: “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”. Cabe aos profi ssionais de saúde fi carem atentos quanto à quebra dos direitos humanos dos adolescentes e jovens, denunciando os infratores aos órgãos competentes e protegendo os adolescentes dos problemas que envolvem estas práticas. Muitas vezes, os médicos e outros profi ssionais de saúde são os únicos que podem testemunhar crimes e torturas de que são vítimas adolescentes, principalmente no sistema penal, mas preservando-se em nome de uma ética questionável, não denunciam. É importante que a equipe de saúde fi que atenta e se una, frente a situações de confronto com autoridades, por um lado para proteger o adolescente que é o sujeito da atenção dos serviços e por outro, para se sentir fortalecida para não tomar atitudes omissas nessas circunstâncias. Direito ao casamento e trabalho O Código Civil Brasileiro, no que se refere à união civil, no artigo 183, estabelece que não podem casar: inciso XII – “as mulheres menores de 16 anos e os homens menores de 18 anos”. Se assim mesmo se casarem, o casamento poderá ser anulado. Pelo artigo 185, para casamento de menores de 21 anos é “mister o consentimento de ambos os pais”. No artigo 215, o Código diz que “por defeito de idade não se anulará o casamento de que resultou gravidez” (apud BERQUÓ, 1997, p. 95). A legislação trabalhista dá permissão ao adolescente para exercer uma atividade laborativa, como aprendiz, somente a partir dos 16 anos. Contudo, lhe é permitido votar aos 16 anos, alistar-se nas Forças Armadas aos 17 anos e é considerado adulto perante a lei aos 21 anos. Verifi cam-se como estas divergências entre as leis que lhes dizem respeito favorecem aos adolescentes adquirirem uma atitude ambígua frente a cada uma das situações que se apresentam. Por outro lado, os profi ssionais que lidam com este grupo etário nem sempre podem se respaldar na lei para ajudar o adolescente a enfrentar este impasse. Direito à atenção e informação Pela primeira vez a Constituição Brasileira, promulgada em 5 de outubro de 1988, no que se refere à saúde, declara a saúde um direito social, e a Lei Orgânica da Saúde, Lei n.º 8.080/90, indica a organização de um novo modelo assistencial com a prestação de serviços em nível local de promoção, proteção e recuperação da saúde. Neste modelo, a saúde é entendida como um requisito para a cidadania e envolve inter-relações entre o indivíduo, a coletividade e o meio ambiente. Especifi camente, o título VIII Da Ordem Social, capítulo II da Seguridade Social, seção II da Saúde e capítulo VII, estabelece os direitos da família, da criança, do adolescente e do idoso. • Art. 198 – As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: 1) descentralizar, com direção única em cada esfera de governo; 2) atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; 3) participação da comunidade. Ministério da Saúde Saúde do Adolescente: competências e habilidades 30 para informar no momento ideal, tornam-se esquivos, deixando passar oportunidades importantes de ajuda que poderiam refl etir em condutas saudáveis para o resto da vida do paciente. Vale informar que já existem muitos documentos internacionais que dão aos profi ssionais instrumentos jurídicos de apoio e que se prestam a serem utilizados em caso de confronto com a lei. Neste contexto, um dos documentos mais importantes, publicado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em dezembro de 1979, entrou em vigência em setembro de 1981. Trata-se da “Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discri- minação Contra a Mulher”. Outros fóruns, tais como a Convenção da Criança e a Quarta Conferência da Mulher em Pequim, confi rmaram os direitos das mulheres e adolescentes. “Entre os direitos que a Convenção garante encontra-se o direito ao acesso ao cuidado de saúde, incluindo pla- nejamento familiar e a eliminação da discriminação neste campo de atuação - art. 12 (a). O artigo 12 (b) refere-se à obrigação de prestar serviços necessários durante a gravidez e no período posterior ao parto, prestando-se o serviço de forma gratuita quando for necessário e assegurando-se a adequada nutrição durante a gravidez e no período de aleitamento” (MORLACHETTI, 1999, p. 27). O Departamento de Bioética e Adolescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo (1999) publicaram a se- guinte recomendação: “Os pais ou responsáveis somente serão informados sobre o conteúdo das consultas, como por exemplo, nas questões relacionadas à sexualidade e prescrição de métodos contraceptivos, com o expresso consentimento do adolescente”. Outro aspecto de confl ito ético profi ssional diz respeito ao desejo manifesto da adolescente de interromper a gravidez. Neste caso, a lei brasileira se posiciona favorável ao aborto no artigo 128 do Código Penal: I – se não há outro meio de salvar a gestante; II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. É importante que os profi ssionais de saúde saibam atender a urgência e fazer o encaminhamento das vítimas de estupro com agilidade para a obtenção do Boletim de Ocorrência Policial e a realização de exame de corpo delito no Instituto Médico Legal ou por médico responsável por este procedimento Os profi ssionais devem prosseguir o acompanhamento, na medida em que esta adolescente necessitará de atendimento interdisciplinar por um certo período, independente de qual for à decisão tomada frente à possível gravidez. A família deve ser orientada para procurar o Conselho Tutelar. Muitas vezes o profi ssional de saúde participa de toda uma fase de indecisão por parte da adolescente, seu par- ceiro e das famílias em relação à continuidade ou interrupção da gravidez, fi cando sujeito, inadvertidamente ou não, a expressar sua opinião baseada em valores e idéias próprias. É extremamente importante que o profi ssional se abstenha de dar informações tendenciosas, pois só agravará a situação como um todo. Qualquer que seja a decisão da adolescente e de sua família, o profi ssional tem que estar preparado para escutar, apoiar e ajudar, indicando, se necessário, outros serviços ou profi ssionais para ajudar nos cuidados necessários a serem prestados e mostrando-se disponível para a continuidade do atendimento independente da decisão tomada. Com relação ao adolescente portador de alguma doença sexualmente transmissível (DST), nas duas últimas décadas problemas éticos relacionados com os cuidados de saúde tomaram maior dimensão, devido ao surgimento da aids e às situações envolvidas com sua prevenção, diagnóstico e tratamento. As questões éticas ainda não estão Capítulo 1 Considerações Gerais 31 muito bem defi nidas no manejo da aids no Brasil. Nos Estados Unidos sugere-se que os adolescentes que necessitam ser testados para aids, somente o façam após receberem aconselhamento pré e pós teste de forma apropriada, para o nível de compreensão de cada faixa etária e de acordo com suas características sociais e psicológicas. Em que pese à falta de ampla cobertura e do atendimento especializado, é importante que o acesso de adoles- centes portadores de DST, em especial da aids, seja garantido nos serviços, bem como o diagnóstico oportuno e tratamento. É também fundamental que os profi ssionais de saúde dêem suporte à família, e/ou outros adultos responsáveis, para que ela consiga dar apoio emocional ao adolescente, razão pela qual os profi ssionais devem assisti-la durante o período de acompanhamento do adolescente na unidade de saúde. Testagem para verifi cação do consumo de drogas O consumo de drogas lícitas e ilícitas, que cresce assustadoramente no mundo, tem levado a um debate sem precedentes entre os profi ssionais que lidam com adolescentes, familiares e líderes comunitários, visto que todos se sentem inseguros sobre qual seria a melhor forma de lidar com o problema. De acordo com a lei, adolescentes na faixa etária de 10 a 18 anos estão proibidos de fazer uso de qualquer droga, mesmo fumo (tabaco) e álcool, confi gurando-se como um delito a venda para este grupo etário. Por outro lado, a propaganda dessas drogas e a facilidade do acesso a outras, como cola de sapateiro, maconha e cocaína, propiciam aos adolescentes e jovens uma desconfi ança sobre seus reais malefícios e uma resistência quanto a abrir mão de experiências consideradas de sucesso entre seus pares. A questão ética que se apresenta é se as escolas e instituições que trabalham com esse grupo poderiam, ou deveriam, utilizar testagem de rotina, sem prévio consentimento, para o registro de fl agrante de seu uso entre adolescentes e jovens. Segundo a Organização Mundial de Saúde, esta medida deveria ser implementada somente se houver possibilidade de tratamento e se a população, indicada pela medida, concordar. Silber (1987) aponta que “o uso de droga é mais uma faceta na miríade de difi culdades que uma pessoa jovem pode estar passando, como desemprego, pobreza, entre outras”. Considerando que o abuso de droga sempre inter- fere com o projeto de vida do adolescente, o profi ssional que lida com este grupo populacional deve desenvolver habilidades para detectar, precocemente, seu uso e se colocar disponível para auxiliar os jovens na luta contra a dependência. Pesquisa científi ca Um importante aspecto a ser debatido entre os profi ssionais que lidam com adolescentes e jovens se relaciona à investigação científi ca. Pesquisas clínico-laboratoriais, bem como aquelas que utilizam instrumentos de entrevista ou questionários para auto-aplicação, seus protocolos e projetos de investigação, devem sofrer uma avaliação ante- rior por parte dos comitês de ética institucionais. O envolvimento do responsável ou de um familiar na pesquisa é importante visto que, tendo acesso aos detalhes dos procedimentos e investigações, eles poderão decidir pelo consentimento ou não da participação do adolescente. No entanto, Strasburger (1998) observa que o consentimento ativo, isto é, fi rmado em folhas de consentimento pelos pais ou responsáveis, pode tornar-se uma burocracia que setores conservadores da sociedade utilizam para impedir a execução de pesquisas de qualidade de assuntos sensíveis, principalmente na área de sexualidade. Afi rma Ministério da Saúde Saúde do Adolescente: competências e habilidades 32 ainda que, com esta conduta, um conjunto importante de adolescentes, muitas vezes aqueles que representam o de maior risco, deixa de dar informações signifi cativas para o avanço do conhecimento. As Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do Conselho Nacional de Saúde, Resolução n.º 201, de 7 de novembro de 1996, publicada pelo Ministério da Saúde em abril de 1997, abarcam quase todas as dúvidas que um pesquisador poderia ter em relação aos sujeitos de sua investigação. Alguns itens, mais relacionados com a área de saúde do adolescente, podem ser destacados: Capítulo IV - Consentimento livre e esclarecido. “O respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa, após consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos que por si e/ou por seus representantes legais, manifeste a sua anuência à participação na pesquisa”. Capítulo IV.1-f) A liberdade de o sujeito se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado; g) A garantia do sigilo que assegure a privacidade dos sujeitos quanto aos dados confi denciais envolvidos na pesquisa; Capítulo IV.3 - a) Em pesquisas envolvendo crianças e adolescentes, portadores de perturbação ou doença mental e sujeitos em situação de substancial diminuição em suas capacidades de consentimento, deverá haver justifi cação clara da escolha dos sujeitos da pesquisa, especifi cada no protocolo, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, e cumprir as exigências do consentimento livre e esclarecido, por meio dos representantes legais dos referidos sujeitos, sem suspensão do direito de informação do indivíduo, no limite de sua capacidade; Capítulo IV.3 - e) Em comunidades culturalmente diferenciadas, inclusive indígenas, deve-se contar com a anuência antecipada da comunidade por meio dos seus próprios líderes, não se dispensando, porém, esforços no sentido de obtenção do consentimento individual; Capítulo V.1 – Não obstante os riscos potenciais, as pesquisas envolvendo seres humanos serão admissíveis quando: Capítulo VI - a) Oferecerem elevada possibilidade de gerar conhecimento para entender, prevenir ou aliviar um problema que afete o bem-estar dos sujeitos da pesquisa e de outros indivíduos. Em suma, cabe ao pesquisador buscar a aprovação de seu protocolo de pesquisa, nos conselhos de ética dispo- níveis, protegendo os sujeitos de sua investigação de possíveis danos inadvertidos. No que concerne à população adolescente, existe uma grande ambigüidade com relação ao consentimento livre e esclarecido. Compete ao coorde- nador da pesquisa procurar, em cada situação, a melhor forma de avançar frente ao estágio atual do conhecimento científi co, sem promover riscos desnecessários, e com a apresentação expressa das vantagens do estudo para melhoria da qualidade de vida desta população. Doação de órgãos A doação de órgãos é facultada a adolescentes a partir dos 18 anos, devendo ser este desejo expresso à família, sendo esta, em última instância, quem decide. No entanto, esta questão encontra-se em debate entre os juristas e a sociedade, pois ainda não existe um consenso claro entre as autoridades, buscando-se o aumento de transplantes a partir da doação presumida (GROSSMAN, 1999). Devido à grande vulnerabilidade do adolescente e jovem a traumas e acidentes, o profi ssional que trabalha em serviços de urgência freqüentemente enfrenta difi culdades neste âmbito. Na hora do evento de morte cerebral, a equipe de saúde passa por momentos de grande tensão e, por sua vez, a família vive momentos de angústia, insegura na tomada de decisão sobre a disponibilização de órgãos para doação. Capítulo 1 Considerações Gerais 35 Promoção de Saúde e Protagonismo Juvenil Zilah Vieira Meirelles Maria Helena Ruzany Histórico e marco conceitual da promoção de saúde. Importância do protagonismo juvenil nos programas de atenção à saúde do adolescente. Formação de lideranças juvenis. Organização de serviços na atenção primária. Palavras-chave: promoção de saúde, protagonismo juvenil, atenção primária. As atividades de promoção de saúde direcionadas para a população jovem são mais efi cazes quando desenvolvidas numa perspectiva de saúde coletiva, pois consideram o indivíduo dentro de seu contexto. Este enfoque facilita a abordagem de diversos problemas, como atividade sexual precoce, pressão de grupo, uso de drogas, prevenção de acidentes, violência urbana, escolha profi ssional, entre outros. Internacionalmente, intitula-se promoção de saúde as intervenções que permitem ao jovem adquirir competência e segurança na auto gestão de sua vida. Marco histórico conceitual Do ponto de vista histórico, a evolução do conceito de promoção de saúde acompanha a própria evolução do conceito de saúde-doença. Terris (1975), revendo a literatura, revelou que William P. Allison, da Universidade de Edimburgo, Escócia, em 1820, descreveu pela primeira vez a estreita associação entre pobreza e enfermidade a partir de suas experiências com o tifo epidêmico (1827-28) e com uma epidemia de cólera (1831-32). Na mes- ma ocasião, Villermé (1826) escreveu sobre a relação entre a pobreza e a doença como infl uência importante na mortalidade nas várias regiões de Paris e, em 1840, publicou um estudo sobre as péssimas condições de vida como causa de morte prematura de trabalhadores de fábricas de algodão, lã e seda. Virchow (1847), na Alemanha, estu- dando uma epidemia nos distritos industriais de Silésio chegou à conclusão de que suas causas eram mais sociais e econômicas do que biológicas, recomendando prosperidade, educação e liberdade. Na Grã-Bretanha, Ryle (1943), professor de Medicina Social de Oxford, correlacionou as doenças prevalentes com as condições sociais e ocupacionais. Entretanto, a terminologia “promoção de saúde”, de forma pioneira, foi usada por Henry Sigerist em 1945, quando determinou que as grandes tarefas da medicina eram as de promoção de saúde, prevenção de enfermidades e reabilitação do dano. Segundo Sigerist, promove-se saúde quando se facilita um nível de vida digna, boas condições de trabalho, educação, cultura física e recreação. Ele propôs uma ação integrada entre políticos, lideranças, trabalhadores, educadores e médicos. Os dois grandes marcos da promoção de saúde podem ser considerados os Informes Lalonde e a Carta de Ottawa. No Informe de Mc Lalonde (1974), Canadá, foram defi nidos os campos de saúde em grandes compo- nentes: biologia humana, meio ambiente, estilo de vida e organização do cuidado médico. A Carta de Ottawa é um documento fi rmado em 1986, por ocasião da Conferência Internacional de Promoção de Saúde no Canadá, por representantes de 38 países que se comprometeram como sendo as condições fundamentais de saúde: paz, Ministério da Saúde Saúde do Adolescente: competências e habilidades 36 moradia, educação, alimentação, salário, ecossistema favorável, utilização adequada dos recursos públicos, justiça social e igualdade de direitos dos cidadãos. A Carta rejeita o enfoque tradicional da educação em saúde, na qual o público exerce meramente um papel passivo de receptor dos programas educacionais desenvolvidos por profi ssionais e especialistas. Defende a idéia de que as pessoas deveriam agir ativamente, reforçando habilidades que aumentariam suas opções para o exercício de um controle maior sobre sua própria saúde e de seu meio ambiente. Outro ponto importante é o reforço da necessidade da participação comunitária de forma efetiva para o estabelecimento de prioridades, tomada de decisão e planejamento de estratégias. Recomendações da Organização Mundial de Saúde – OMS A OMS (1993), nos programas propostos para o novo milênio, ratifi ca a importância da implementação de atividades intersetoriais de promoção de saúde e de prevenção de riscos que afetam a população em situação de vulnerabilidade. A OMS propõe: • apoiar os programas destinados a promover estilos de vida e comportamentos saudáveis, combater hábitos não saudáveis como tabagismo, uso indevido de álcool e drogas, mediante a educação, informação e ações específi cas; • colaborar com a formulação de programas de promoção e proteção à saúde de grupos vulneráveis da popu- lação; • promover e apoiar programas que objetivem a melhoria do ambiente físico e o controle de risco de saúde ambiental; • promover e apoiar a criação de uma rede de participação comunitária na promoção e proteção à saúde. Para a OMS, os principais problemas de saúde apresentam estreita relação com os estilos de vida e os fatores do meio ambiente – social, econômico e cultural. Os serviços de saúde, portanto, deveriam criar canais de negociação entre as diversas instâncias da sociedade, visando ampliar os conceitos de saúde em suas vertentes social, cultural e política, e especialmente em torno de valores, conhecimentos, atitudes e práticas individuais e coletivas que infl uenciem as condi- ções de vida da população. Promoção da saúde e protagonismo juvenil Seguindo a orientação da Organização Pan-americana de Saúde – OPAS, o Programa de Saúde do Adolescente vem procurando atuar de forma preventiva e incentivando atividades de promoção de saúde. Entretanto, percebe- se ainda uma grande difi culdade da sociedade debater assuntos polêmicos, principalmente em questões ligadas à sexualidade, prejudicando a divulgação de informações que poderiam favorecer a adoção de práticas saudáveis de vida. Por outro lado, os profi ssionais de saúde não encaram como sua a tarefa de participar na formação dos jovens, limitando-se ao atendimento de acordo com sua área de competência técnica. Na maioria das vezes, eles não estão capacitados para prestar uma abordagem integral na atenção ao adolescente. Estas restrições impedem uma orientação adequada dos jovens. Esta situação gera o que se chama de oportunidades perdidas de promoção de saúde (RUZANY; SZWARCWALD, 2000). Capítulo 1 Considerações Gerais 37 Atualmente existem diferentes enfoques teóricos e práticos de como fazer “promoção de saúde”. Para autores como Cerqueira (1996), a promoção da saúde representa um campo de ação amplo que exige o envolvimento da população, para que esta incorpore estilos de vida saudáveis e melhore o seu auto cuidado. Por sua vez, promover a saúde de jovens exige o desafi o da criação de estratégias mais efi cazes de participação. Campos (1999) vêem a juventude como um grupo chave para qualquer processo de transformação social. Seu potencial crítico, criativo, inovador e participativo, quando adequadamente canalizado, pode ser a mola propulsora de mudanças positivas. A conexão que se faz entre promoção de saúde, participação social e protagonismo juvenil apóia-se no processo de educação e saúde para a cidadania. Costa (2000) reforça esta fundamentação e afi rma que o paradigma que norteia a ação do “Protagonismo Juvenil” fundamenta-se num modelo de relação pedagógica pautada na solidariedade entre os adultos e os mais jovens. Esta relação signifi ca a base essencial do processo de intercâmbio entre educadores (profi ssionais) e educandos (jovens). A partir desse convívio democrático, o jovem vai aprendendo a pensar e agir, adquirindo assim, diante da complexa realidade político-social de nosso tempo, melhores condições para decidir de forma autônoma, madura e responsável. Buscar a participação dos jovens nesse processo pedagógico de auto cuidado deve ser um desafi o permanente para os profi ssionais de saúde. Deve-se levar em consideração que a juventude atual mantém outra relação com o mundo, com as diversidades de grupos sociais, com a mídia, os modos de produção, enfi m com a própria vida. As- sim, mobilizar e aglutinar jovens pressupõe a adoção de metodologias participativas e de estratégias inovadoras. Portanto, a participação é a condição indispensável para fazer acontecer o protagonismo juvenil. Para Flisfi sch (1987), o conceito de participação assume um sentido maior quando os sujeitos se encontram para uma atuação coletiva. A partir dessa atuação conjunta é que se estabelece a troca de informação entre os sujeitos. Em sentido mais amplo, o mesmo autor conceitua metodologia participativa como “toda ação que coloca os sujeitos participantes do processo como atores principais, valorizando e incorporando suas histórias de vida como ferramentas de trabalho e de construção coletiva”. Não se pode dizer que há um trabalho participativo sem antes haver convivência, isto é, uma relação de interação com os sujeitos envolvidos no processo de transformação. Em termos práticos é a partir do encontro entre profi ssionais e população alvo (adolescentes e jovens) que esta metodologia se concretiza. Nesta perspectiva, o jovem assume um papel primordial, por sua tendência natural de interação com outros jovens. Há entusiasmo e vitalidade para a ação grupal com idéias e criatividade. Segundo Costa (2000), estas são qualidades importantes para o desenvolvimento do Protagonismo Juvenil. Deve-se criar condições para que o edu- cando (jovem) possa exercitar, de forma coletiva e crítica, essas faculdades na construção gradativa da autonomia que ele exercerá no mundo adulto. O processo de participação juvenil exige o desenvolvimento de determinadas habilidades para que o jovem possa exercer seu papel. Primeiro é preciso identifi car lideranças juvenis e engajá-las no movimento social de proteção à saúde. O líder juvenil deve ter a capacidade de orientar o grupo na realização de atividades vinculadas a estilos de vida saudáveis. Ele se torna, ao mesmo tempo, uma referência e um modelo de comportamento para os demais jovens. O líder deve aprender a lidar com as contradições entre o mundo jovem e o adulto, tendo a capacidade de se articular coletivamente com outros jovens. Nesta mediação, a difi culdade está em encontrar a medida certa entre saber ouvir e entender o mundo adulto sem abrir mão das características e demandas específi cas do grupo que ele representa. O incentivo ao protagonismo juvenil é justamente o de capitalizar a tendência dos adolescentes na formação de grupos no sentido de favorecer seu desenvolvimento pessoal e social. Todavia, os adultos devem deixar espaços Ministério da Saúde Saúde do Adolescente: competências e habilidades 40 SIGERIST, H. E. Medicine and human welfare. New Haven: Yale University Press, 1941. TERRIS, M. Approaches to an epidemiology of health. Am. J. Pub. Health, [S.l], 1975. _____. Conceptos sobre Promoción de la salud: dualidades en la teoria de la salud pública. Washington, D.C.: OPS, 1992. THE UNITED NATIONS CHILDRENS FUND (UNICEF). Por un cambio en la salud de la población juvenil. Costa Rica, 2000. VILLERMÉ, L. R. Tableau de L’etat physique et moral dês ouvriers employés dans lês manufactures de coton, de laine et de soie. Paris: Jules Renouard et Cie, 1826. 2 v. VIRCHOW, R. L. K. Gesammelte Abhandlungen zur Wissenschaftlichen Medizin. Frankfurt: Meidinger Sohn & Co, 1856. ZAGURY, T. O adolescente por ele mesmo. Rio de Janeiro: Record, 1996. Capítulo 1 Considerações Gerais 41 A consulta do adolescente e jovem Eloísa Grossman Maria Helena Ruzany Stella R. Taquette Enfoque interdisciplinar e multiprofi ssional da atenção. A entrevista – particularidades e difi culdades. Ênfase em aspectos de promoção de saúde e prevenção de agravos. Organização dos serviços nos níveis de atenção: primário, secundário e terciário. Palavras-chave: consulta do adolescente e jovem; níveis de atenção. Os adolescentes atravessam um processo dinâmico e complexo de maturação. As transformações corporais, o surgimento de novas habilidades cognitivas e seu novo papel na sociedade são determinantes do questionamento de valores dos adultos que os cercam. Por isso, eles se predispõem a novas experiências testando atitudes e situações, que podem ameaçar sua saúde presente e futura, como por exemplo: acidentes, gravidez não planejada, doenças sexualmente transmissíveis, uso de drogas e distúrbios alimentares. Embora os programas de atenção ao adolescente já estejam sendo implementados há quase três décadas, observam- se mudanças signifi cativas no perfi l de morbi-mortalidade neste grupo populacional, com aumento de problemas que poderiam ser evitados por medidas de promoção de saúde e prevenção de agravos. Diante desse cenário, a alternativa viável e coerente é a modifi cação da ênfase dos serviços de saúde dirigidos a essa clientela. Os profi ssionais de saúde devem incluir medidas preventivas como um componente fundamental de sua prática assistencial, ao invés da atenção estritamente biológica e curativa. A consulta desta clientela nos serviços de saúde deve ter como objetivos além da prevenção de agravos, o diagnóstico, a monitorização, o tratamento e a reabilitação dos problemas de saúde. A proposta deste capítulo é abordar situações e peculiaridades da consulta do adolescente e jovem. A recepção nos serviços de saúde Independentemente da razão que faz com que o adolescente/jovem procure o serviço de saúde, cada visita oferece ao profi ssional a oportunidade de detectar, refl etir e auxiliar na resolução de outras questões distintas do motivo principal da consulta. A entrevista é um exercício de comunicação interpessoal, que engloba a comuni- cação verbal e a não verbal. Para muito além das palavras, deve-se estar atento às emoções, gestos, tom de voz e expressão facial do cliente. A acolhida nos serviços deve ser cordial e compreensiva, para que se sintam valorizados e à vontade nos mesmos. Uma acolhida hostil, que imponha uma série de exigências, pode afastar o adolescente, perdendo-se a oportunidade de adesão ao serviço. Pelas características próprias dessa etapa do desenvolvimento, muitas vezes eles têm difi cul- dades em respeitar os horários e as datas de agendamento, determinando que o serviço construa mecanismos de organização mais fl exíveis. Ministério da Saúde Saúde do Adolescente: competências e habilidades 42 Além disso, é de fundamental importância que a equipe possa ser facilmente reconhecida pela clientela – através de crachás – para permitir a identifi cação do profi ssional a quem deve se dirigir no esclarecimento de suas dúvidas ou em busca de informações específi cas. Os ambientes devem ser bem sinalizados, auxiliando os usuários a circularem pelos serviços. A adequação do espaço físico Em geral, os adolescentes preferem uma sala de espera exclusiva para sua utilização nos horários de atendimento. Esse espaço deve ser, acima de tudo, acolhedor, agradável e confortável para os clientes e seus acompanhantes. Isto pressupõe locais amplos, bem ventilados e limpos, adequados para o desenvolvimento de atividades de grupo que podem ter múltiplos objetivos, tais como a apresentação do serviço, integração com a equipe e educação para a saúde. O acesso a materiais educativos (livros, revistas, vídeos, programas de informática) é de grande valor porque ajuda a aproveitar o tempo livre e permite o acesso e reforço de informações relevantes. A porta do consultório deve permanecer fechada durante a consulta, para impedir interrupções, e a sala deve ter espaço sufi ciente para conter mobiliário que permita a entrevista do adolescente e de sua família. A sala de exame deve ser separada do espaço da entrevista, assegurando a privacidade do exame físico. As ações preventivas como componentes da consulta De acordo com a Associação Médica Americana (1997), as visitas de rotina de adolescentes e jovens e suas famílias aos serviços de saúde confi guram-se como oportunidades para: 1. reforçar mensagens de promoção de saúde; 2. identifi car adolescentes e jovens que estejam sujeitos a comportamentos de risco ou que se encontrem em estágios iniciais de distúrbios físicos e/ou emocionais; 3. promover imunização adequada; 4. desenvolver vínculos que favoreçam um diálogo aberto sobre questões de saúde. Todos os adolescentes e jovens deverão receber esclarecimentos a respeito de seu crescimento físico e desen- volvimento psicossocial e sexual. Deve ser enfatizada a importância de se tornarem ativamente participantes nas decisões pertinentes aos cuidados de sua saúde. Na abordagem da prevenção de acidentes de trânsito, o profi ssional de saúde deve orientar os jovens a não dirigir alcoolizados, bem como sob os efeitos de substâncias psicoativas, e que sempre usem cintos de segurança. Devem aconselhar também que evitem provocações e revides em situações confl ituosas em vias públicas, e que tenham cuidado na travessia de ruas movimentadas ou cruzamentos. As vantagens da realização de atividade física regular deverão ser reforçadas, incluindo seu papel na promoção da saúde física e mental e como fator de socialização. No entanto, deve-se alertar quanto à necessidade do adequado condicionamento físico antes de exercícios ou práticas esportivas. Capítulo 1 Considerações Gerais 45 Sempre que possível, deve-se realizar o exame físico completo na primeira consulta, incluindo-se um screening visual, pesquisa de cáries dentárias, observação cuidadosa de pele e mucosas, exame da coluna vertebral, do aparelho genital, entre outros. Na realização da consulta clínica, alguns instrumentos são fundamentais para o registro dos dados obtidos no atendimento. Frente às peculiaridades de um corpo em amadurecimento, a aferição de medidas antropométricas e a disposição dessas em gráfi cos (NCHS), além do estagiamento puberal (critérios de Tanner), são imprescindíveis. Os dados relacionados à anamnese e ao exame físico devem ser registrados em formulários apropriados adotados pelos serviços. A equipe de saúde A atenção integral à saúde dos adolescentes e jovens requer a participação de profi ssionais de diversas discipli- nas, que devem interagir por meio de um enfoque interdisciplinar. O atendimento por equipe concentra-se no problema, evitando-se visões fragmentadas, apenas de cada especialidade e/ou disciplina. O trabalho interdisciplinar tem como principal característica a prestação do serviço a uma mesma população por meio da interconsulta ou referência. Essa atuação, mesmo com uma boa interação entre os componentes da equipe, é realizada de forma independente, às vezes em diferentes locais. Na atuação em equipe multidisciplinar, o conjunto de profi ssionais de diferentes disciplinas interage para prestar atendimento ao cliente. Essa integração é feita por meio de discussões conjuntas, onde as decisões são compartilhadas e tomadas dentro das diferentes perspectivas, resultando em uma proposta terapêutica mais efi caz. Níveis de atenção De acordo com o grau de complexidade, os serviços de saúde classifi cam-se em três níveis: primário, secundário e terciário. Esta hierarquização é importante para o funcionamento de uma rede de serviços que utiliza um sistema de referência e contra-referência. Para melhor efetividade, o cliente deve transitar entre os níveis de atenção sem perder a continuidade de seu atendimento, o que é garantido por meio da integração entre os três níveis. A rede de serviços de saúde deve estar organizada em níveis de complexidade crescente, com coordenação adequada entre eles. Nível primário O nível primário corresponde à instância de maior descentralização do sistema político administrativo. Esta caracte- rística facilita a criação de mecanismos de articulação interinstitucionais e intersetoriais. Para a organização dos serviços de atenção primária, os enfoques epidemiológico, ecológico, familiar e comunitário devem ser utilizados (MORENO, 1995). A localização do serviço de saúde próxima às comunidades melhora o controle dos problemas de saúde da po- pulação adstrita, por meio de medidas de promoção de saúde e prevenção de agravos, além do acompanhamento das questões prevalentes de saúde. O gerente dos serviços deverá mobilizar, em nível local, os recursos políticos e institucionais, coordenando e facilitando os graus de participação do usuário e de suas famílias. Ministério da Saúde Saúde do Adolescente: competências e habilidades 46 Nível secundário É o nível articulador entre os sistemas de baixa e alta complexidade. O nível secundário compõe-se de ambula- tórios de maior complexidade, também chamados policlínicas, como também por serviços inseridos em hospitais. Esses serviços devem assistir adolescentes e jovens referidos dos outros níveis de atenção, para um atendimento especializado e diferenciado. A característica do nível secundário é dispor de uma infra-estrutura adequada e de uma equipe interdisciplinar, na maior parte das vezes com médicos, psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais com formação em saúde do adolescente. Nível terciário Este nível corresponde à atenção de alta complexidade em serviço de internação hospitalar. Deve contar também com equipes multidisciplinares e com a articulação entre especialistas clínicos e cirúrgicos. As responsabilidades com o paciente devem ser compartilhadas com todos os componentes da equipe e especialistas, assegurando-se a integralidade e continuidade da atenção. Repensando um novo paradigma A equipe pode aproveitar o momento da consulta dos adolescentes e jovens para trocar informações e perceber as novas tendências da população alvo. Deve ter em mente que, tratando-se de um segmento em constante mudança, é necessário saber mais sobre sua vida, costumes e particularidades. A participação do cliente é fundamental na organização dos serviços. Esta presença poderá facilitar a adesão e cooperação do grupo de usuários, contribuindo para o aumento da qualidade da atenção prestada. Referências ASSOCIAÇÃO MÉDICA AMERICANA. Guidelines for Adolescent Preventive Services. Arch. Pediatr. Adolesc. Méd., [S.l.], feb. 1997. MORENO, E.; SERRANO, C. V.; GARCÍA, L.T. Lineamentos para la programación de la salud integral del adolescente. In: MADDALENO, M. et al. La Salud del adolescente y del joven. Washington, D.C.: OPS, 1995. NATIONAL HIGH BLOOD PRESSURE EDUCATION PROGRAM WORKING GROUP. Update on the 1987 Task Force on High Blood Pressure in Children and Adolescents. Pediatrics, [S.l.], 1996. NEINSTEIN, L. Th e offi ce visit, interview techniques, and recommendations to parents. In: ______. Adolescent health care: a pratical guide. 3. ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1996. RUZANY, M. H.; SZWARCWALD, C. L. Oportunidades Perdidas na atenção ao adolescente: Latino-americana. [S.l.; s.n.], 2000. Capítulo 1 Considerações Gerais 47 Assistência ao Adolescente Portador de Doença Crônica Eloísa Grossman Defi nição de doença crônica. Conceito de resiliência. Abordagem do adolescente portador de doença crônica e de sua família por equipe multidisciplinar. Palavras-chave: Doença crônica, resiliência, auto cuidado As doenças crônicas são defi nidas como aquelas que provocam no indivíduo invalidez permanente ou residual, alteração patológica irreversível ou requerem períodos prolongados de supervisão, observação, atenção e/ou reabi- litação. Apesar da grande diversidade dessas doenças, o impacto nos adolescentes e em suas famílias independe do caráter específi co do processo patológico. O estresse provocado pela doença não varia, prioritariamente, em função das características de cada uma, e sim de acordo com as limitações impostas pela enfermidade, interferência nas atividades cotidianas e nos projetos futuros, além da capacidade de os adolescentes e suas famílias lidarem com a situação. As últimas décadas registraram um grande crescimento nas intervenções médico cirúrgicas de alta complexidade e nas tecnologias de apoio, o que permitiu a sobrevivência em situações que, anteriormente, determinavam morte precoce. Por isso, hoje há uma tendência ao aumento da prevalência de doenças crônicas e incapacitantes em ado- lescentes e jovens. Estima-se que de 7% a 10% da população juvenil tem uma doença crônica importante. Este capítulo aborda dois temas: os problemas que o adolescente e sua família enfrentam quando vivem um processo de doença crônica, e a organização da assistência a esse grupo pela equipe de saúde. O adolescente portador de doença crônica Os profi ssionais envolvidos na assistência a adolescentes portadores de doença crônica devem estar atentos aos efeitos da doença primária, bem como às suas repercussões na saúde integral dos pacientes. A atenção prestada a essa clientela não se poderá restringir aos aspectos clínicos da doença de base, devendo estender-se ao acompanha- mento do crescimento físico e emocional e do desempenho afetivo e social. Freqüentemente, os adolescentes portadores de doenças crônicas conseguem ter uma assistência médica especí- fi ca. Contudo, geralmente os profi ssionais de saúde não dão ênfase às ações preventivas, como imunização, saúde oral, saúde sexual e reprodutiva, monitorização do crescimento e desenvolvimento, prevenção do uso de álcool, fumo e drogas ilícitas, prevenção de problemas escolares, entre outros. Na adolescência, o indivíduo atravessa um período de busca de autonomia. Alguns não aceitam simplesmente obedecer, questionando a autoridade médica, ou de sua família, ignorando as limitações impostas por seu problema de saúde. Esta rebeldia pode culminar com atitudes extremas de negação da doença e falta de adesão ao tratamento. Durante a adolescência a imagem corporal é extremamente importante. Por isso, se houver prejuízo na aparên- cia ou se o uso de medicações provocar efeitos colaterais antiestéticos, a equipe de saúde deve fi car atenta. Uma imagem corporal insatisfatória pode causar sentimentos de desvalorização e inferioridade, criando um ciclo vicioso Ministério da Saúde Saúde do Adolescente: competências e habilidades 50 A abordagem do adolescente pela equipe de saúde Independente do nível de complexidade do serviço onde o adolescente/jovem está sendo acompanhado, a equipe que o assiste deve organizar-se no sentido de estar atenta e responder às suas necessidades. O trabalho a ser desenvolvido baliza-se no entendimento da importância de se prestar assistência integral ao paciente e não apenas à sua doença. Orienta-se que o plano de tratamento tenha como meta a diminuição do impacto da doença na vida do indivíduo e sua família, evitando-se disfunções, sempre que possível, em qualquer esfera e contribuindo para que o adolescente se cuide e atinja de forma plena as suas potencialidades. É essencial fornecer ao adolescente informações sobre a sua doença, para que ele aprenda a evitar as situações que exacerbem sua condição e enfrente as limitações cotidianas impostas por ela. A inclusão do adolescente como participante ativo de seu tratamento, compartilhando a responsabilidade pelas decisões e resultados, é fundamental. Dentro dos esquemas possíveis de tratamento, deve-se permitir a participação do paciente na escolha do esquema terapêutico mais adequado, como por exemplo o horário de administração das medicações e a apresentação do remédio (pílula, líquido). O estabelecimento de uma “aliança terapêutica” parece ser a única alternativa efetiva para um melhor controle das doenças crônicas. Estimular o auto cuidado, reforçando a autonomia e independência do adolescente, é tarefa primordial da equipe de saúde em conjunto com sua família. Para isso, deve-se aproveitar as oportunidades e reforçar a confi ança do paciente em si mesmo. Um outro aspecto que pode auxiliar na conquista de autoconfi ança é a troca de experiências entre adolescentes que vivenciam problemas similares de saúde. Esta interação pode ser realizada no espaço do serviço, em atividades de sala de espera, grupos terapêuticos ou ainda em programações recreativas extramuros. A atualização do calendário vacinal, salvo nas contra-indicações para as imunizações, não pode ser esquecida pelo profi ssional de saúde. Da mesma forma, encorajar a atividade física, especialmente em equipe, tendo em vista as limitações impostas pela doença em cada situação, pode ser uma maneira de socializar o adolescente/jovem doente. Com relação a orientação nutricional, a participação do adolescente no planejamento dietético é fundamental. É importante perceber a interferência da doença e seu tratamento no crescimento, desenvolvimento e na ma- turação sexual dos adolescentes assistidos. As repercussões negativas na imagem corporal podem ser minoradas trabalhando-se preventivamente de maneira paulatina, de acordo com a evolução clínica. Observa-se uma grande associação entre doenças crônicas e depressão; portanto deve-se estar atento a comportamentos e emoções que indiquem depressão não justifi cada pela doença de base, para que esta possa ser diagnosticada precocemente e se proceda o pronto encaminhamento. Exemplifi ca-se com as seguintes situações que podem ser apresentadas pelos adolescentes durante a consulta: abordagem de temáticas mórbidas, distúrbios do sono, falta de concentração, raciocínio lento, distúrbios nutricionais e faltas seguidas à escola e ao trabalho. O acesso ao serviço de saúde deve ser garantido ao adolescente, com disponibilidade de atendimento por uma equipe multidisciplinar capacitada, atenta para as exacerbações da doença e pronta para atendê-lo, se necessário até sem agendamento prévio. Em caso de emergência, o adolescente necessita conhecer alternativas de atendi- mento em outros locais. É preciso assegurar um sistema de referência e contra referência para unidades de saúde de complexidades distintas do local de tratamento. Apoiar os adolescentes nas suas difi culdades na escola e no trabalho é também uma tarefa da equipe de saúde, com parcerias interinstitucionais e intersetorias. Estas parcerias podem facilitar atividades de educação e saúde, visto que, entre outras coisas, permitem uma refl exão sobre cidadania, direitos e deveres do indivíduo. Capítulo 1 Considerações Gerais 51 A abordagem da família pela equipe de saúde Da mesma forma que os adolescentes portadores de doença crônica necessitam de cuidados especiais nos serviços de saúde, também as famílias requerem uma abordagem específi ca. Um dos aspectos básicos a ser enfatizado é a família perceber claramente a gravidade dos problemas de seus fi lhos. Para isso, a equipe de saúde deve convencer- se de que dar aos parentes informações sobre a doença e esclarecer suas dúvidas é fundamental. Como já foi ressaltado anteriormente, além de reforçar a indispensável participação da família no tratamen- to, tê-la como parceira no treinamento dos adolescentes em seu auto cuidado melhora sua efetividade. Isso é facilmente compreendido visto que nenhum profi ssional conseguirá estabelecer um vínculo tão forte com o seu paciente, como o vínculo entre ele e os pais e/ou responsáveis. Conviver com um fi lho portador de doença não transitória exige muita coragem e paciência. A participação da família em grupos de apoio promove uma troca de experiências com outras famílias que vivenciem situações semelhantes e ajuda a ampliar a capacidade de atuação dos pais no tratamento. Alertar os pais para a possibilidade de estarem negligenciando ou sobrecarregando os outros fi lhos é tarefa dos profi ssionais de saúde. Por estarem tão envolvidos no processo de assistência ao fi lho doente, algumas vezes os pais não se dão conta de que isso pode estar ocorrendo. Assim, torna-se necessário, em algumas situações, que a equipe estimule a busca de apoio na “família ampliada” (avós, tios, primos) e na comunidade. A dinâmica familiar pode estar sendo infl uenciada pelo medo de perder o fi lho, sentimentos de culpa e impo- tência, frustrações e mágoas. O relacionamento com os fi lhos pode fi car prejudicado porque os pais se sentem confusos quanto às atitudes que devem tomar. Para atenuar estas incertezas, a equipe de saúde deve oferecer apoio, inclusive assistência específi ca por profi ssionais de saúde mental e assistentes sociais, sempre que for necessário. Conclui-se que uma abordagem biomédica estrita é insufi ciente e inefi caz na atenção ao adolescente portador de doença crônica. Para alcançar os objetivos de diagnosticar e monitorizar os problemas de saúde, assegurar a execução das recomendações terapêuticas, prevenir futuras complicações e especialmente melhorar a qualidade de vida, é necessário entender o adolescente como um ser concreto, em processo de crescimento e desenvolvimento, em constante relação com os outros e com modos singulares de adoecer. Referências AMIN, R. G. O adolescente com doença crônica In: MAAKAROUN, M. F. et al. Tratado de Adolescência: um estudo multidiscipli- nar. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 1991. p. 98 -106. BLUM, R. W. El adolescente con afecciones crónicas o discapacitantes In: OPAS. La Salud del Adolescente y del Jovem . Washing- ton, DC: OPAS, 1995. p. 203-9. (Publicación Científi ca, n. 552) ___________. Chronic illness and disability in adolescence. Journal Adolescent of Health, 1992. GORTMAKER, S. L.; SAPPENFIELD, W. Chronic childhood disorders: prevalence and impact. Pediatric Clinics of North America, [S.l.], 1984. 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Palavras-chave: competências, habilidades, construtivismo Um modelo de orientação derivado das investigações no campo da psicologia cognitiva e social vem conquistando espaço nos últimos anos na área de educação, especialmente a de educação em saúde. Este modelo compreende o processo de ensino aprendizagem como resultado da relação dialética entre teoria e prática. Ao refl etir sobre o sujeito e suas necessidades, o profi ssional analisa seu próprio trabalho e o conhecimento advindo de sua prática. A análise parte das experiências cotidianas, que resultam da união do conhecimento especializado com o operacional. As mudanças na formação dos profi ssionais de saúde fazem parte da nova concepção de atenção à saúde integral e visam oferecer uma resposta às necessidades reais de saúde dos adolescentes. Para alcançar efi cácia e efetividade, é necessário que os profi ssionais estejam capacitados a interagir com os adolescentes, respeitando sua cultura, conhecimentos adquiridos e proporcionando abertura para um crescimento de ambas as partes. Competências e habilidades Antes de falar de competências e habilidades, é essencial explicitar alguns dos princípios e teorias que sustentam o processo ensino aprendizagem proposto nesta abordagem. Este processo de construção do conhecimento deriva de uma perspectiva construtivista desenvolvida por Piaget, segundo a qual o conhecimento é uma operação que constrói seu objeto. Piaget introduz a questão da dialética entre os dois pólos do processo: o sujeito e o objeto. Para o pensador suíço, o conhecimento baseia-se na relação entre o sujeito que aprende e o objeto, mediado pela ação. Paulo Freire (1994) dizia que o conhecimento só tinha sentido se contivesse uma leitura de mundo, ou seja, se fosse signifi cativo para o sujeito. A relação entre sujeito e objeto, então, torna-se preponderante no processo ensino aprendizagem. Reconhecer a necessidade de novos conhecimentos e habilidades, e que não existem respostas para tudo traz uma certa insegurança no dia-a-dia das unidades de saúde. Usualmente a sociedade aprecia os indivíduos que demonstram seu saber pelos feitos que realizam, estimulando assim sua competência. Desloca-se a atenção para a comparação entre as pessoas e não na complementaridade de suas contribuições. Para concentrar forças na complementaridade dos indivíduos, trabalha-se com a idéia de aliar competências e habilidades, que apontam para a realidade do trabalho, sem perder de vista atitudes e sentimentos. Entende-se competência como a capacidade de aplicar adequadamente conhecimentos, habilidades e atitudes para alcançar um determinado resultado dentro de um contexto concreto, ou seja, o saber aliado ao fazer, para que juntos ofereçam resultados que benefi ciem o desenvolvimento do trabalho. Capítulo 2 Crescimento e Desenvolvimento Capítulo 2 Crescimento e Desenvolvimento 57 Crescimento e Desenvolvimento Puberal Evelyn Eisenstein Karla Coelho Principais características da puberdade masculina e feminina. Avaliação do crescimento e desenvolvimento. Baixa estatura e atraso puberal: exames complementares e diagnóstico diferencial. Palavras-chave: Puberdade, baixa estatura, atraso puberal A adolescência é uma fase dinâmica e complexa merecedora de atenção especial no sistema de saúde, uma vez que esta etapa do desenvolvimento defi ne padrões biológicos e de comportamentos que irão se manifestar durante o resto da vida do indivíduo. A adolescência diz respeito à passagem da infância para a idade adulta, enquanto a puberdade refere-se às alterações biológicas que possibilitam o completo crescimento, desenvolvimento e maturação do indivíduo, assegurando a capacidade de reprodução e preservação da espécie. A puberdade se inicia após a reativação dos neurônios hipotalâ- micos baso-mediais, que secretam o hormônio liberador de gonadotrofi nas. A secreção deste resulta na liberação pulsátil dos hormônios luteinizante (LH) e folículo-estimulante (FSH) pela glândula hipófi se. Isto ocorre inicial- mente durante o sono e, mais tarde, se estabelece em ciclo circadiano (BERHAMAN; VAUGHAN, 1990). O crescimento e desenvolvimento são eventos geneticamente programados, da concepção ao amadurecimento completo, porém fatores inerentes ao próprio indivíduo e outros representados por circunstâncias ambientais podem induzir modifi cações nesse processo. Fatores climáticos, sócioeconômicos, hormonais, psicossociais e, sobretudo, nutricionais são algumas das possíveis causas de modifi cação do crescimento e desenvolvimento (SAITO, 1989). Devido à grande variabilidade quanto ao início, duração e progressão das mudanças puberais, a idade cronoló- gica nem sempre está de acordo com a idade biológica. Essa última refl ete melhor o progresso do organismo em direção à maturidade. Por isso, diversos parâmetros do crescimento e desenvolvimento são analisados através de medidas de peso, altura, idade óssea, entre outras (DAMANTE et al., 1983). Esta separação entre idade cronológica e biológica depende de fatores que levarão a um desenvolvimento nem sempre harmônico. É o que chamamos de assincronia de maturação (EISENSTEIN; SOUZA, 1993). Puberdade A puberdade, considerada uma etapa inicial ou biológica da adolescência, caracteriza-se pela ocorrência de dois tipos de mudanças no sistema reprodutivo sexual. Em primeiro lugar, as características sexuais primárias que nas meninas referem-se às alterações dos ovários, útero e vagina; e nos meninos, testículos, próstata e glândulas seminais, experimentam marcantes mudanças estruturais. Em segundo lugar, acontece o desenvolvimento das características sexuais secundárias: nas meninas, o aumento das mamas, aparecimento dos pêlos pubianos e axilares; nos meninos, o aumento da genitália, pênis, testículos, bolsa escrotal, além do aparecimento dos pêlos pubianos, axilares, faciais e mudança do timbre da voz. Paralelamente à maturação sexual são observadas outras mudanças biológicas, como as alterações no tamanho, na forma, nas dimensões e na composição corporal (quantidade da massa muscular e Ministério da Saúde Saúde do Adolescente: competências e habilidades 60 já ocorreu, a menarca. Já para os meninos o marcador inicial do estirão é o aumento da genitália (estágio G3) e, para indicar a velocidade máxima, o estágio quatro ou cinco de genitália ou a mudança da voz (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1995). Velocidade de crescimento O grande incremento do crescimento físico na puberdade recebe o nome de estirão puberal. Trata-se da fase da vida, excetuando o primeiro ano, em que o indivíduo mais cresce (WILSON et al., 1998). O crescimento máximo pode alcançar em média de 9,5 cm/ano no sexo masculino, e 8,3 cm/ano no sexo feminino. Geralmente, a acele- ração do crescimento no sexo feminino acontece nas fases iniciais da puberdade, entre os estágios 2 e 3 de Tanner para mamas e pêlos pubianos. Sempre precede a menarca, que geralmente coincide com a fase de desaceleração do crescimento e com o estágio 4 de Tanner. No sexo masculino, usualmente a aceleração de crescimento ocorre nos estágios 3 e 4 de genitais. A maioria atinge a velocidade máxima do crescimento no estágio 5 (COLLI, 1979). Avaliação do crescimento Para avaliar qualquer adolescente a respeito de seu crescimento e desenvolvimento puberal é necessário saber, com precisão a altura, o peso e a maturação sexual. O peso deve ser registrado em uma balança de braço aferida e “zerada” ou em uma balança eletrônica, com o paciente vestindo roupas leves e sem sapatos, ou adereços no vestuário, e sem objetos nos bolsos das roupas. A altura deve ser medida com haste fi xa em relação ao piso. O adolescente fi ca de pé, sem sapatos, tão ereto quanto possível, com os olhos e as orelhas alinhados horizontalmente. Uma prancheta fazendo um ângulo de 90 graus com a haste é colocada fi rmemente sobre a cabeça do paciente, enquanto o examinador exerce uma pressão suave de baixo para cima sobre o seu queixo e lembra a ele que deve manter seus calcanhares sobre o piso e fazer uma inspiração profunda, para manter a medição de sua altura dentro dos critérios antropométricos vigentes. É importante 1. Aferir medidas de altura e peso, colocando-os em gráfi cos (Figuras 4 e 5) e determinando-se os índices de altura/idade, peso/idade, peso/altura ou índice de massa corporal (peso/altura2). 2. Usar as tabelas de crescimento com atenção para o acompanhamento periódico da velocidade de crescimento em relação à população de referência. 3. Investigar as principais causas de atraso, caso o crescimento pré-puberal seja menor que 4 cm/ano ou menor que 6 cm/ano em adolescentes na fase puberal. 4. Avaliar a perda de peso em adolescentes. 5. Acompanhar semestralmente os adolescentes, e em caso de rastreamento de riscos a cada 2-3 meses. Baixa estatura Baixa estatura e atraso puberal propiciam o sujeito a desenvolver distúrbios da auto-imagem que persistem mes- mo após o completo desenvolvimento sexual. Estas alterações são acompanhadas, frequentemente, de transtornos emocionais e sociais, com baixa auto-estima. Capítulo 2 Crescimento e Desenvolvimento 61 O crescimento em altura é motivo de preocupação por parte dos pais e dos familiares, mesmo em classes menos favorecidas. A baixa estatura constitui uma queixa freqüente nos serviços que atendem adolescentes (COSTA; SOUZA, 1998). Tem sido usada como indicador de défi cits nutricionais pregressos e das más condições de vida e saúde. A baixa estatura é estabelecida usando o critério inferior ao percentil 3 ou inferior a 2 desvios padrões (DP) ou – 2 escores-Z para altura em relação à média do referencial do NCHS, segundo a OMS (1995). Proposta de Avaliação do Crescimento e Maturação Sexual, segundo o Ministério da Saúde (1993). Padrão de Referência NCHS – Indicador: Altura / Idade. Utilizar percentis para Altura / Idade (P3 a P97). Avaliar em seguimento de 3 a 6 meses Normal – entre o P3 e P97 Baixa estatura – abaixo do P3 Alta estatura – acima do P97 Meninas: Puberdade Normal – Broto mamário e pêlos pubianos entre 8 a 13 anos. Puberdade Precoce – Presença de caracteres sexuais secundários antes dos 7 anos. Puberdade Tardia – Ausência de caracteres sexuais acima de 13 anos ou ausência da menarca após os 15 anos. Meninos: Puberdade Normal – Aumento do volume testicular (diâmetro igual ou superior a 3 cm) e pêlos pubianos entre 9 a 14 anos. Puberdade Precoce – Presença de caracteres sexuais secundários com menos de 9 anos. Puberdade Tardia – Ausência de caracteres sexuais secundários acima de 14 anos. Avaliação da baixa estatura ou atraso do crescimento Critérios: • Baixa estatura (grave) na ausência de outros problemas sistêmicos, genéticos e endocrinológicos com altura menor que percentil 3 ou -2 DP abaixo da média. • Desaceleração do crescimento com velocidade em altura menor que o percentil 10. • Condições predisponentes de risco: tumores, radiação, uso de medicamentos, maus hábitos alimentares, hospitalizações prévias, infecções ou infestações graves. • Cálculo da altura-alvo genético em relação aos pais. Para meninos: (Altura do pai + 13 cm) + Altura da mãe 2 Para meninas: (Altura do pai – 13 cm) + Altura da mãe 2 Ministério da Saúde Saúde do Adolescente: competências e habilidades 62 Figura 1 - Avaliação da baixa estatura ou atraso do crescimento Legenda Figura 1 Abreviaturas: T3 – Triiodotironina T4 – Tiroxina TSH – Hormônio estimulador da tireóide FSH – Hormônio folículo-estimulante LH – Hormônio luteinizante GH – Hormônio do crescimento GHRH – Hormônio de liberação do hormônio do crescimento L-dopa – Dopamina. SDHEA – Deidroepiandrosterona-Sulfato IGF-I – Fatores do crescimento semelhantes à insulina ou somatomedina-C IGFBP – 3 – Proteína de ligação – fator de crescimento Capítulo 2 Crescimento e Desenvolvimento 65 5. Patologias gonadais congênitas a. Síndrome de Klinefelter 6. Doenças crônicas a. Doença cardíaca congênita ou adquirida b. Asma c. Doença intestinal infl amatória d. Lúpus eritematoso sistêmico e. Artrite reumatóide juvenil f. Anorexia nervosa g. Hipertireoidismo Atraso puberal com baixa estatura 1. Atraso puberal constitucional com baixa estatura 2. Pan-hipopituitarismo a. Congênita b. Adquirida • Infecciosa – viral, tuberculose • Pós-traumática • Tumores • Sarcoidose • Histiocitose 3. Síndromes genéticas Turner, Prader-Labhart-Willi, Alstrom’s 4. Excesso de glicocorticóides 5. Doenças crônicas a. Doença cardíaca crônica b. Asma c. Doença intestinal infl amatória d. Lúpus eritematoso sistêmico e. Artrite reumatóide juvenil f. Anorexia nervosa g. Hipotireoidismo h. Tuberculose i. Acidose tubular renal j. Insufi ciência renal crônica k. Diabetes melito 6. Desnutrição crônica primária. 7. Nanismo psico-social ou distúrbios emocionais graves. Ministério da Saúde Saúde do Adolescente: competências e habilidades 66 Referências ALBANESE, A.; STANHOPE, R. Investigation of delayed puberty. Clin. Endocrinol., [S.l.], v. 43, p. 105-110, 1995. BEHRMAN, R. E.; VAUGHAN, V. C. Nelson essentials of pediatrics. Philadelphia: WB. 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Ministério da Saúde Saúde do Adolescente: competências e habilidades 70 Figura 3 – Orquidômetro de Prader Capítulo 2 Crescimento e Desenvolvimento 71 Figura 4 – Diagrama dos eventos pubertários nos meninos G = Desenvolvimento dos genitais P = Desenvolvimento dos pêlos pubianos Cada segmento representa a média +/- 1 DP da idade do aparecimento Ministério da Saúde Saúde do Adolescente: competências e habilidades 72 Figura 5 – Diagrama dos eventos pubertários nas meninas P = Desenvolvimento dos pêlos pubianos M= Desenvolvimento das mamas R = Menarca Cada segmento representa a média +/- 1 DP da idade do aparecimento Capítulo 2 Crescimento e Desenvolvimento 75 Figura 8 – Gráfi co de curvas de altura e peso (NCHS) para sexo masculino Ministério da Saúde Saúde do Adolescente: competências e habilidades 76 Figura 9 – Gráfi co de curvas de altura e peso (NCHS) para sexo feminino Capítulo 2 Crescimento e Desenvolvimento 77 Ginecomastia Cláudia Braga Monteiro Abadesso Cardoso Evento freqüente na adolescência. Conceituação das causas fi siológicas e patológicas. Abordagem diagnóstica, diagnóstico diferencial e conduta. Palavras-chave: ginecomastia, puberdade masculina, hipogonadismo O termo ginecomastia refere-se ao aumento do tecido glandular mamário no sexo masculino. Deve ser diferen- ciado da lipomastia que é o aumento do tecido adiposo presente nas pessoas obesas. O tecido mamário de homens e mulheres é semelhante ao nascimento e responde da mesma forma aos estrógenos. Os estrogênios estimulam o desenvolvimento do tecido mamário e os androgênios antagonizam este efeito. Desta forma, na adolescência o tecido mamário masculino involui e atrofi a com o aumento dos níveis de testosterona. A ginecomastia ocorre quando há aumento relativo de estrogênio em relação aos níveis de testosterona. As causas de ginecomastia são classicamente divididas em fi siológicas e patológicas Fisiológicas Neonatal, puberal e senil; Patológicas Drogas: - Hormônios: estrogênio, testosterona, esteróides anabolizantes; - Psicotrópicos: fenotiazinas, diazepam, antidepressivos tricíclicos; - Drogas cardiovasculares: digoxina, verapamil, captopril, metildopa, reserpina; - Drogas antiandrogênicas: ciproterona, espironolactona, fl utamida; - Antimicrobianos: isoniazida, metronidazol, cetoconazol; - Inibidores da secreção cloridropéptica: cimetidina, ranitidina, omeprazol; - Quimioterápicos: agentes alquilantes; - Abuso de drogas: maconha, álcool, anfetaminas, heroína; Distúrbios endócrinos: - Hipogonadismo primário: Síndrome de Klinefelter, lesão gonadal por radio ou quimioterapia; - Hipogonadismo secundário: síndrome de Kallman, tumores da região hipotálamo-hipofi sária; - Hipertireoidismo; - Hiperprolactinemia; - Defeitos enzimáticos da produção de testosterona; - Síndromes de insensibilidade androgênica; - Hermafroditismo verdadeiro; Ministério da Saúde Saúde do Adolescente: competências e habilidades 80 Quadro 1 - Diagnóstico diferencial: ginecomastia puberal X patológica Fatores observáveis Ginecomastia puberal Ginecomastia patológica Início Estágio II ou III de Tanner Qualquer idade Drogas Ausentes Anamnese positiva Estado geral Adolescente saudável Sinais de doença crônica Testículos Elásticos, compatíveis com o estadiamento puberal. Pequenos, fi rmes ou com a presença de massas. Tratamento Considerando-se que a ginecomastia puberal resolve-se espontaneamente na maioria dos casos, a conduta inicial é a observação clínica. Para aqueles pacientes que apresentam ginecomastia volumosa ou persistente recomendamos a correção cirúrgica Referências MONTE, O.; LONGUI C. A.; CALLIARI, L. E. P. Endocrinologia para o pediatra. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 1998. SPERLING, M. A. Pediatric Endocrinology. [S.l.]: Saunders Company, 1996. Capítulo 2 Crescimento e Desenvolvimento 81 Nutrição na Adolescência Karla Coelho Evelyn Eisenstein Abordagem nutricional frente ao crescimento e desenvolvimento. Adolescência como grupo de risco nutricional. Avaliação nutricional em um contexto sócio-econômico-cultural. Palavras-chave: nutrição, obesidade, desnutrição A adolescência é um período de crescimento rápido e de muitas modifi cações corporais, requerendo um aumento nas necessidades de energia e de nutrientes. Neste período podem aparecer novos hábitos de consumo, inclusive com refl exos na alimentação diária, explicáveis por motivos psicológicos e sócio-econômicos. Estes novos hábitos decorrem da infl uência de amigos, rebeldia contra os controles exercidos pela família, estabelecimento de novos limites, mudanças de valores, estilos de vida, busca de autonomia e identidade. Em relação à nutrição, o hábito de comer fora de casa, ou o preparo dos próprios alimentos são freqüentes entre adolescentes e repercute, em longo prazo, na saúde futura do indivíduo adulto e no padrão de consumo alimentar (DUARTE, 1993). Os adolescentes têm sido considerados um grupo de risco nutricional, devido ao aumento das necessidades nutricionais frente ao crescimento e aos hábitos alimentares irregulares. Muitos não tomam o desjejum e substi- tuem refeições por lanches rápidos de conteúdo nutricional não muito adequado (SAITO, 1993). As freqüências crescentes do excesso de peso e da obesidade também preocupam, assim como, o hábito de “fazer regime para emagrecer” que, especialmente entre as meninas, pode determinar níveis de ingestão inferiores aos recomendados e padrões alimentares inadequados (FONSECA et al., 1998). Nas últimas três décadas, a antropometria nutricional conquistou reconhecimento como método de investigação científi ca que “se ocupa da medição das variações nas dimensões físicas e na composição global do corpo humano em diferentes idades e em distintos graus de nutrição” (JELLIFFE, 1968). Este campo da ciência alcançou avanços consideráveis, incorporando um conjunto signifi cativo de descobertas, oriundas do desenvolvimento científi co e tecnológico de distintas áreas do conhecimento. À medida que foram sendo acumulados indícios sobre a infl uência da nutrição nas dimensões físicas e na composição global do corpo, sobretudo quanto ao processo de crescimento, desenvolvimento e maturação, as medidas antropométricas foram sendo transformadas, universalmente, em importantes indicadores diretos do estado nutricional e da saúde de indivíduos e de populações (VASCONCELOS, 1993). A avaliação nutricional de indivíduos ou de populações pode ser defi nida como um conjunto de ações e pro- cedimentos que têm por objetivo diagnosticar a magnitude, a gravidade e a natureza dos problemas nutricionais; identifi car e analisar os seus determinantes, com a fi nalidade de estabelecer as medidas de intervenção adequadas (VASCONCELOS, 1993). A antropometria é considerada importante instrumento na avaliação das condições de saúde e de nutrição de populações humanas (WATERLOW et al., 1997; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1990). Entre suas vantagens incluem-se o baixo custo, a facilidade de execução e a sensibilidade e especifi cidade dos indicadores. Por estas razões preconiza-se a utilização da antropometria nutricional nas rotinas de vigilância nutricional até nos Ministério da Saúde Saúde do Adolescente: competências e habilidades 82 inquéritos populacionais de grande abrangência. É importante também, usar dados antropométricos obtidos durante a avaliação clínica individual, principalmente de grupos sociais mais vulneráveis, como crianças e adolescentes. O índice de massa corporal (IMC) foi recomendado como um indicador antropométrico essencial durante a adolescência (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1995). Calcula-se o IMC pela divisão do peso em quilos pela altura em metros quadrados (Kg/m2), (KEYS et al., 1972). Para a classifi cação do estado nutricional, utilizam-se pontos-de-corte do IMC segundo sexo e idade baseados no estudo de NHANES-I e II, realizado para a população americana. Este indicador tem sido utilizado em estudos de obesidade em adolescentes em países de- senvolvidos, por apresentar uma boa correlação com medidas mais específi cas de gordura corporal (ANJOS et al., 1992; VEIGA; SIGULEM, 1994; SICHIERIi; ALLAM, 1996). Assim, o IMC é considerado um bom indicador para classifi cação nutricional de adolescentes. Utilizamos como pontos de corte os critérios recomendados pela OMS (1995) e pelo manual de Vigilância Alimentar e Nutricional do SISVAN (BRASIL, 2004). Percentil do IMC para Idade Diagnóstico Nutricional < Percentil 5 BAIXO PESO >= Percentil 5 e < Percentil 85 PESO ADEQUADO OU EUTRÓ-FICO >= Percentil 85 RISCO DE SOBREPESO < Percentil 85 e >= Percentil 90 para dobras subcutâneas tricipital e subes- capular em relação à idade OBESIDADE A larga utilização do IMC como método de avaliação nutricional deve-se ao fato de apresentar uma metodolo- gia de baixo custo e fácil acesso, necessitando apenas de aferições de peso e estatura. O IMC, por apresentar boa correlação com a massa corporal em torno de 80% e menor correlação com estatura, em torno de 10%, tem sido proposto, basicamente, como indicador de obesidade (ANJOS, 1992), embora seja uma medida somática que refl ete todos os compartimentos corporais, sendo infl uenciado também pela massa livre de gordura. Para adolescentes, o IMC está signifi cativamente relacionado à gordura subcutânea e total, sendo altamente específi co para aqueles com grande quantidade de gordura corporal (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1995). O Comitê Especializado em Diretrizes Clínicas para Prevenção de Sobrepeso em Adolescentes nos Estados Unidos (HIMES; DIETZ, 1994) também propôs a utilização deste índice, dado a sua correlação com a pressão arterial, lipídios e lipoproteínas do sangue. Seu aumento durante a adolescência parece ser indicador de fator de risco para doença crônica no início da vida adulta. Uma limitação importante para a utilização do IMC na adolescência está na sua correlação com a estatura, que apesar de pequena existe. Em função do crescimento estatural acelerado de adolescentes, denominado de estirão puberal, o IMC pode tornar-se um importante indicador da adequação do crescimento e do estado nutricional, e menor da composição corporal. Sempre que possível, é importante também se realizar o exame clínico e correlacionar os estágios puberais de desenvolvimento sexual, segundo os critérios de Tanner (1962) e também recomendados pela OMS (1995). Quando isto não for possível, em pesquisas de campo ou comunitárias de rastreamento popu- Capítulo 2 Crescimento e Desenvolvimento 85 4. Exames laboratoriais básicos como hemograma completo, velocidade de hemossedimentação, glicemia, uréia, creatinina, dosagem de colesterol total e suas frações, dosagem de triglicerídeos, exame simples de urina e parasitológico de fezes. 5. Uso das tabelas de referência para avaliação dos percentis de crescimento de altura e peso, correlacionando com estágios puberais. 6. Avaliação dos índices de estatura/idade, peso/idade, peso/estatura e índice de massa corporal para diagnós- ticos de casos de desnutrição, anorexia, sobrepeso, obesidade ou outros problemas nutricionais associados às doenças crônicas. 7. Acompanhamento da velocidade de crescimento e correlação com o ganho ou perda de peso a cada 3-4 meses. 8. Encaminhamento para pareceres específi cos ou exames complementares de adolescentes rastreados com risco nutricional, interrupção ou defi ciências na velocidade de crescimento e maturação puberal. Um dos desafi os do trabalho no sistema de saúde, especialmente na rede de atenção primária, consiste em transmitir aos adolescentes e à comunidade em geral noções básicas de nutrição e alimentação, respeitando os hábitos culturais daquela comunidade. Referências ANJOS, L. A. Índice de massa corporal como indicador do estado nutricional de adultos: revisão da literatura. Revista e Saúde Pública, [S.l.], v. 26, p. 431-6, 1992. COELHO, K. S. C. Índice de massa corporal e maturação sexual em adolescentes. Dissertação (Mestrado)-Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1999. DUARTE, M. F. S. Maturação física: uma revisão da literatura com especial atenção à criança brasileira. Cadernos de Saúde Pública, [S.l.], v. 9, p. 71-84, 1993. Suplemento 1. FAGUNDES, A. A. et al. Vigilancia alimentar e nutricional – SISVAN: orientações básicas para a coleta, processamento, análise de dados e informação em serviços de saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). FONSECA, V. M.; SICHIERI, R.; VEIGA, G. V. Fatores associados à obesidade em adolescentes. Revista de Saúde Pública, [S.l], v. 32, p. 6, p. 541-9, 1998. HIMES, J. H.; DIETZ, W. H. 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Idade (anos) Risco de sobrepeso Sobrepeso Meninos Meninas Meninos Meninas 10 20 20 23 23 11 20 21 24 25 12 21 22 25 26 13 22 23 26 27 14 23 24 27 28 15 24 24 28 29 16 24 25 29 29 17 25 25 29 30 18 26 26 30 30 19 26 26 30 30 20-24 27 26 30 30 Anexo B – Pontos de corte de baixo peso e sobrepeso de adolescentes do Brasil (PESQUISA NACIONAL SOBRE SAÚDE E NUTRIÇÃO, 1989; SICHIERI; ALLAM, 1996) Idade (anos) Risco de sobrepeso Sobrepeso Meninos Meninas Meninos Meninas 10 15 15 20 21 11 15 15 20 22 12 16 16 21 23 13 16 17 22 23 14 16 17 22 24 15 17 18 23 25 16 18 18 23 25 17 19 18 23 25 Ministério da Saúde Saúde do Adolescente: competências e habilidades 90 Tabela 1 - Recomendações dos pontos de corte para o diagnóstico de sobrepeso e obesidade em adolescentes segundo a OMS Indicador Variável antropométrica Pontos de corte Risco de sobrepeso IMC para a idade Percentil 85* Obeso IMC para a idade Percentil 95* * ver tabelas em anexo. O International Obesity Task Force (IOTF), a partir de estudos realizados nos Estados Unidos, Reino Unido, Holanda, Hong Kong, Cingapura e Brasil instituiu pontos de corte para sobrespeso e obesidade para crianças e adolescentes de 5 a 18 anos (COLE et al., 2000). Tabela 2 – Pontos de corte da IOTF para sobrepeso e obesidade Idade (anos) Sobrepeso / meninos Sobrepeso / meninas Obesidade / meninos Obesidade / meninas 10 19,84 19,86 24,00 24,11 10,5 20,20 20,29 24,57 24,77 11 20,55 20,74 25,10 25,42 11,5 20,89 21,20 25,58 26,05 12 21,22 21,68 26,02 26,67 12,5 21,56 22,14 26,43 27,24 13 21,91 22,58 26,84 27,76 13,5 22,27 22,98 27,25 28,20 14 22,62 23,24 27,63 28,57 14,5 22,96 23,66 27,98 28,87 15 23,29 23,94 28,30 29,11 15,5 23,60 24,17 28,60 29,29 16 23,90 24,37 28,88 29,43 16,5 24,19 24,54 29,14 29,56 17 24,46 24,70 29,41 29,69 17,5 24,73 24,85 29,70 29,84 18 25 25 30 30 Capítulo 2 Crescimento e Desenvolvimento 91 Relação cintura-quadril A relação cintura-quadril compreende o quociente entre a menor circunferência entre o gradil costal e a cicatriz umbilical e a maior circunferência da extensão posterior da região glútea. Quanto maior esta relação, maior a proba- bilidade de complicações clínicas, ou seja, o predomínio de tecido adiposo na região abdominal está associado a uma incidência maior de hipertensão arterial, diabetes melito, doença coronariana e dislipidemias. Os valores normais da relação cintura-quadril para os homens é 1,0 e para as mulheres 0,85 (adultos). Este predomínio é encontrado mais co- mumente em indivíduos do sexo masculino e é denominado padrão andróide de distribuição de gordura corpórea. Epidemiologia Estima-se que a prevalência da obesidade/sobrepeso na população adulta americana supere os 40%. O Brasil registrou um importante aumento ponderal nas últimas décadas e hoje acredita-se que aproximadamente 32,8% da população estejam acima da faixa de peso ideal. A obesidade distribui-se de forma bastante peculiar pelas di- versas regiões brasileiras. Observam-se no Nordeste valores modestos de prevalência, e nas regiões Sul e Sudeste, mais ricas e desenvolvidas, valores próximos aos obtidos pelas estatísticas americanas. Também ocorrem ligeiras diferenças entre áreas urbanas e rurais, com maior prevalência na primeira. A melhoria das condições de vida, em especial o maior acesso à alimentação por camadas mais pobres da população, e a diminuição do gasto diário de energia proporcionado por avanços tecnológicos vêm sendo apontadas como responsáveis pelo aumento dos índices de obesidade entre os brasileiros. Os resultados do “Th e National Health and Nutrition Examination Surveys” evidenciaram um aumento da prevalência de obesidade/sobrepeso em adolescentes americanos similares àqueles observados para a população adulta no intervalo de 1963 a 1991, de 15,1% a 21,7% para o sexo masculino e de 15,2% a 21,2% para o sexo feminino, respectivamente. Adolescentes brasileiros do sexo masculino de regiões mais favorecidas, como o Sul e o Sudeste, têm IMC em média pouco inferior aos americanos da mesma idade. As meninas brasileiras, no entanto, após os 13 anos de idade possuem IMC superior ao das americanas. Este fato não é observado em outras regiões. Sawaya et al (1995) observaram uma prevalência de obesidade em 21,1% das meninas e 8,9 % dos meninos entre 10 e 18 anos em São Paulo. O maior acesso das meninas aos alimentos e a diferença na composição corporal entre meninos e meninas são algumas das explicações aventadas para o fato de existirem mais meninas obesas e com IMC superiores aos dos meninos. Fatores etiopatogênicos Aspectos genéticos Filhos de pais obesos têm maior probabilidade de apresentar esta característica, o que sugere a participação de um fator hereditário na fi siopatologia da obesidade. As evidências de que gêmeos univitelinos criados separadamente apresentavam concordância em seus IMCs e que indivíduos adotados tiveram seu peso melhor correlacionado com o de seus pais biológicos justifi cam as investigações que objetivam identifi car um gene ou um grupo de genes que estivessem associados ao acúmulo de gordura no organismo humano. Ministério da Saúde Saúde do Adolescente: competências e habilidades 92 Pesquisas no campo da genética identifi caram um gene e seu produto protéico, a leptina. Produzida pelo tecido adiposo, ela parece atuar como um sinal de saciedade no sistema nervoso central, mais precisamente no hipotálamo. Seres humanos obesos possuem níveis séricos elevados de leptina. No entanto, talvez por uma diminuição da sen- sibilidade a esta substância, podem apresentar difi culdade em atingir o estágio de saciedade após a alimentação. Aspectos sociais Os adolescentes encontram-se inseridos em seu meio social e com ele estabelecem trocas. Infl uenciam e são infl uenciados por estilos de vida, hábitos adquiridos de sua família e depois de seus amigos e pares. Todos estes atores sociais sofrem infl uência de uma estrutura maior que contempla os aspectos históricos, econômicos, políticos e da mídia. Seus hábitos alimentares, formas de lazer, prática de atividades físicas e em última instância o modo de relacionar-se com o mundo são determinados cultural e historicamente. A obesidade para os adolescentes representa uma fonte de riscos biológicos e constitui-se em fonte de sofrimento, uma vez que interfere na sua imagem corporal, relacionamento com amigos e parceiros sexuais e até mesmo na inserção no mercado de trabalho. Estudo realizado na Universidade de Harvard mostrou, a partir da observação de adolescentes e jovens durante sete anos, que adolescentes com sobrepeso e obesidade apresentavam escolaridade mais baixa e recebiam menores salários. Na abordagem do adolescente obeso faz-se necessário conhecer seu estilo de vida, as relações familiares e sociais para que se compreenda o impacto exercido pela obesidade em sua vida. Aspectos emocionais Em adolescentes obesos observamos em sua relação com o comer algo mais do que a simples satisfação de uma necessidade biológica. O alimento que ingerem não consiste apenas num objeto natural que atende à pura e simples fi nalidade de auto-preservação. A comida reveste-se de várias signifi cações para estes adolescentes, ultrapassando a satisfação apenas de uma fome biológica. Utilizando a psicanálise no atendimento a adolescentes obesos, podemos dizer que, segundo Freud, seus distúrbios de nutrição e apetite resultam de algum processo na esfera da sexualidade. Os distúrbios orais, entre os quais se inclui a obesidade, nos revelam o que Freud chamou de “tempestade” da puberdade, na qual irrompem múltiplos, intensos e desenfreados desejos sexuais, importantíssimas transformações corporais que afetam profundamente o indivíduo em questão. Sendo assim, o corpo, a boca e aquilo que se come são meios privilegiados pelos quais os adolescentes nos apresentam simbolicamente seus impasses sexuais, difi culdades e traumas em sua história singular, afetos e desafetos, enfi m, o modo de se posicionar no mundo. O conhecimento destas características inerentes ao desenvolvimento e ao modo de ser dos adolescentes nos per- mite vislumbrar aspectos emocionais que compõem também o quadro multifatorial e multicausal dos transtornos alimentares, dentre eles a obesidade. A partir daí compreende-se que muitas vezes é fundamental a abordagem terapêutica das questões emocionais por profi ssionais da área de saúde mental. Aspectos nutricionais O alimento e o modo de se alimentar representam, antes de mais nada, a cultura de um povo. No caso de nós brasileiros, as origens portuguesas e africanas delinearam nosso cardápio: pratos ricos em gorduras saturadas, car- boidratos simples e carnes vermelhas salgadas. Acrescente-se a tudo isso a atual situação econômica que privilegia a aquisição de alimentos rápidos e baratos, igualmente ricos em gorduras e açúcares. Capítulo 2 Crescimento e Desenvolvimento 95 Figura 1 – Tratamento da obesidade Obs.: Diagrama das estratégias a serem desenvolvidas no tratamento da obesidade em adolescentes. O tamanho de cada elemento indica sua relativa contribuição para o efetivo controle da obesidade. Adaptado: WHO Con- sultation on Obesity/1997. Acompanhamento médico • Prevenção das complicações; • Observação dos aspectos ligados ao crescimento e maturação sexual; • Avaliação clínica e laboratorial periódicas. Acompanhamento nutricional • Realizar anamnese alimentar detalhada; • Incentivar a mudança de hábitos alimentares nocivos à saúde; • Propor uma alimentação variada; • Orientar para a redução gradual da ingesta calórica; • Recomendar 4 a 6 refeições por dia, com volumes pequenos e ingesta hídrica maior que 2 litros por dia; • Considerar todos os alimentos, discutir as escolhas, quantidades e maneira de preparo; • Apoiar sempre os aspectos positivos alcançados no tratamento, procurando soluções práticas para os aspectos negativos; • Incentivar o aumento da ingesta de fi bras; • Incentivar ao adolescente para se responsabilizar pelo seu tratamento; • Incluir a família no acompanhamento nutricional; • Desaconselhar o uso de fast-foods; • Distribuir material educativo para os adolescentes e familiares; • Acompanhar sistematicamente, estabelecendo o vínculo entre o profi ssional de saúde e o adolescente. Acompanhamento psicológico • Deve ocorrer de acordo com a demanda do adolescente; Ministério da Saúde Saúde do Adolescente: competências e habilidades 96 • O acompanhamento psicoterápico deverá estar integrado ao clínico e nutricional, ou seja, é importante que a equipe multidisciplinar conheça as difi culdades emocionais que o adolescente esteja vivendo a fi m de planejar e individualizar o tratamento; • A participação da família é fundamental e, se necessário, deve ser encaminhada para tratamento psicológico. A atividade física A necessidade de inclusão de um componente de exercício em qualquer programa de controle de peso já está bem documentada. A melhora na aptidão física pode reverter algumas das conseqüências metabólicas anormais do excesso de peso (por exemplo a resistência insulínica), bem como contribuir para a socialização e melhora emocional destes adolescentes. No planejamento da atividade física, faz-se necessário compreender que os adolescentes obesos apresentam al- gumas características que os diferenciam dos demais, como por exemplo o maior risco de lesões osteomusculares. A atividade física deve ser individualizada, dando-se preferência aos exercícios aeróbicos. A equipe multidisciplinar deve ter conhecimento das atividades diárias do adolescente a fi m de que o exercício físico possa ser inserido em sua rotina. Os adolescentes que têm acesso a profi ssionais da área de educação física em academias ou clubes devem ser incentivados a continuar, desde que haja integração com o tratamento proposto pela equipe de saúde. Aqueles que não desfrutam deste acesso devem ser encorajados à prática de exercícios dentro de seu ambiente, como caminhar de forma rotineira. É muito freqüente em nosso meio a prática de esportes nos campos de rua. Nestas condições devemos lembrar que o exercício não deve ser praticado em excesso e que se recomenda um aquecimento prévio. A atividade física feita sem moderação pode trazer vários transtornos ao adolescente obeso, principalmente res- piratórios e músculo-esqueléticos. Estes transtornos colocam em risco a continuidade dos exercícios. Portanto a atividade física merece uma orientação individualizada. Complicações do tratamento • Risco de desnutrição: um aporte nutricional adequado é essencial a fi m de promover o crescimento saudá- vel. • Risco de distúrbios do apetite: é importante que a intervenção terapêutica não propicie o surgimento de distúrbios ligados à alimentação como anorexia ou bulimia. Em resumo, enfatizamos que a obesidade é uma condição prejudicial à saúde, acarretando conseqüências malé- fi cas a curto, médio e longo prazo.. A magnitude do problema nos adolescentes e os riscos potenciais à sua saúde, especialmente ao sistema cardiovascular, justifi cam a atenção multidisciplinar com uma abordagem realista. O tratamento deve ser planejado com ênfase na adesão do adolescente objetivando uma redução gradual do Índice de Massa Corporal. Capítulo 2 Crescimento e Desenvolvimento 97 Tabela 3 – Percentis de IMC para idade: adolescentes do sexo masculino, 10 a 19 anos* Percentis Idade 5th 15th 50th 85th 95th 10 14,42 15,15 16,72 19,60 22,60 11 14,83 15,59 17,28 20,35 23,73 12 15,24 16,06 17,87 21,12 24,80 13 15,73 16,62 18,53 21,93 25,93 14 16,18 17,20 19,22 22,77 26,93 15 16,59 17,76 19,92 23,63 27,76 16 17,01 18,32 20,63 24,45 28,53 17 17,31 18,68 21,12 25,28 29,32 18 17,54 18,89 21,45 25,92 30,02 19 17,80 19,20 21,86 26,36 30,66 *Dados de referência baseados no Primeiro Estudo do Exame Nacional de Nutrição Saúde (NHANES-I) dos Estados Unidos. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1995) Tabela 4 – Percentis de IMC para idade: adolescentes do sexo feminino, 10 a 19 anos* Percentis Idade 5th 15th 50th 85th 95th 10 14,23 15,09 17,00 20,19 23,20 11 14,60 15,53 17,67 21,18 24,59 12 14,98 15,98 18,35 22,17 25,95 13 15,36 16,43 18,95 23,08 27,07 14 15,67 16,79 19,32 23,88 27,97 15 16,01 17,16 19,69 24,29 28,51 16 16,37 17,54 20,09 24,74 29,10 17 16,59 17,81 20,36 25,23 29,72 18 16,71 17,99 20,57 25,56 30,22 19 16,87 18,20 20,80 25,85 30,72 *Dados de referência baseados no Primeiro Estudo do Exame Nacional de Nutrição Saúde (NHANES-I) dos Estados Unidos. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1995)
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