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Princípio do Devido Processo Legal: Origem, Evolução e Impacto no Direito Comparado, Notas de estudo de Direito Processual

Este documento aborda a origem, evolução e impacto do princípio do devido processo legal em direito comparado. Através de um texto baseado em uma monografia, analisa-se a cláusula 39 da magna carta e sua influência no direito inglês, europeu e norte-americano. Além disso, discutem-se os princípios relacionados, como o juiz natural e o duplo grau de jurisdição.

Tipologia: Notas de estudo

2011

Compartilhado em 04/01/2011

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nanna-2 🇧🇷

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Baixe Princípio do Devido Processo Legal: Origem, Evolução e Impacto no Direito Comparado e outras Notas de estudo em PDF para Direito Processual, somente na Docsity! O DEVIDO PROCESSO LEGAL – BREVE ANÁLISE DE SEU CONTEÚDO E ALCANCE Fabiana Duarte Raslan1 SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1- Origens e desenvolvimento; 1.1. O devido processo legal na Europa continental; 1.2. Nos Estados Unidos. 2 – O devido processo legal no Brasil; 2.1. Os princípios decorrentes na Constituição brasileira; 2.1.1. Princípio da isonomia; 2.1.2. Princípio do juiz natural; 2.1.3. Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional 2.1.4. Princípio do contraditório; 2.1.5. Princípio da proibição da prova ilícita; 2.1.6. Princípio da proibição da prova ilícita; 2.1.7. Princípio do duplo grau de jurisdição; 2.1.8. princípio da motivação da decisões; 3. O devido processo legal substantivo. CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS. INTRODUÇÃO Nos dias atuais, há uma preocupação, tanto da doutrina quanto da jurisprudência, em recuperar e aprofundar a temática dos princípios no Ordenamento Jurídico, pois é por meio dele que se busca a harmonia e a paz social. Em tempos de pós-positivismo, já que superados os debates acerca do conflito entre o positivismo e o jusnaturalismo, busca-se uma forma mais justa do que a simples legalidade formal, de modo que as leis sejam elaboradas e aplicadas com respeito às liberdades individuais e coletivas. As questões acerca dos princípios como concretizadores da justiça e fundamento da legitimidade dos atos estatais quando limitam a liberdade, retornam à pauta dos grandes debates entre os operadores do direito. Neste contexto, não é difícil encontrar pensamentos doutrinários ou fundamentações jurisprudenciais cuja matriz seja o devido processo legal. O instituto ganha goza de diversos aspectos jurídicos e hermenêuticos, mas seu escopo é um só: reprimir o arbítrio do poder público, garantindo ao indivíduo a observância das normas que sustentam o Estado, sobretudo os direitos e garantias fundamentais. 1 1 Professora de Direito Constitucional dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Estácio de Sá, Especialista em Direito Público e Privado. A passagem do tempo não o fez cair na obsolescência, mas reforçou seu alcance. O devido processo legal alarga-se para alcançar outros sentidos diversos de sua origem remota: material e substantivo. O estudo de sua origem permite ao intérprete aplica-lo de maneira racional, como requer a hermenêutica mais moderna. O conhecimento do instituto é essencial para os estudiosos de qualquer ramo do Direito, já que inspirou o próprio o constitucionalismo. Este trabalho não tem a pretensão de esgotar o assunto, mas apenas de sistematizar seu significado no contexto doutrinário e jurisprudencial, de modo que se possa resgatar seu conteúdo, reforçando sua natureza dogmática. 1. Origens e desenvolvimento. O princípio do devido processo legal tem origem na cláusula 39 da Magna Carta, outorgada pelo Rei João Sem Terra aos barões ingleses no ano de 1215. O documento foi redigido em forma de discurso aos Lords e tinha o escopo de limitar o comportamento do Rei perante os senhores feudais, quando tivesse que agir como juiz ou no exercício da atividade administrativa. Naquela época, não existia separação de poderes, todos estavam nas mãos do soberano, que era, ao mesmo tempo, chefe de governo, legislador e juiz. Havia o Parlamento, mas funcionava como mero órgão consultivo do rei na tomada de grandes decisões. A justiça local era exercida pelos próprios barões, cabendo ao Tribunal do Rei (King’s Court) o julgamento de conflitos que envolvessem barões rivais ou entre pessoas de elevada posição social e econômica.2 A Magna Carta fora redigida em latim, que era a língua culta da Idade Média. A interpretação gramatical do texto variou ao longo da história, acompanhando a própria 2 2 CAMPOS, Virgílio. A natureza do devido processo legal. Rio de Janeiro, 13 mar 2002. Disponível em: <http: //www.teiajuridica.com. br>. próprio monarca, pois na época fundamentava-se o Direito Real unicamente na Teoria do Direito Divino. Os direitos fundamentais da Carta foram então estendidos definitivamente a todos os ingleses, sob o poder absoluto do Rei, até que mais de um século e meio depois, Cromwell, procurando legitimar seu movimento revolucionário contra o absolutismo real, buscou na Magna Carta os princípios e garantias das liberdades inglesas. Assim, muitos princípios contidos na Magna Carta foram pouco a pouco se introduzindo na consciência jurídica do povo inglês, como institutos da Common Law. O princípio do devido processo legal incorporou-se ao direito inglês definitivamente através da instituição do Jury, como é conhecido pelos juristas de todo mundo atualmente. O Iluminismo promoveu à categoria de reivindicação revolucionária o estabelecimento democrático de um governo das leis em substituição ao despotismo dos homens. A cláusula 39 da Magna Carta influenciou o Direito dos países europeus ou de cultura européia, como fundamento para separar o direito material do direito processual, que foi elevado à categoria científica pelos juristas. A codificação das leis processuais civis e criminais, iniciada por Napoleão, espalhou-se pela Europa e pelo mundo. A abolição do bill of attainder foi uma importante modificação da antiga cláusula 39. Tratava-se de uma pena aplicável sem necessidade de processo ou julgamento. Na época, considerava-se que a lei que impunha a aplicação da pena preenchia os requisitos de garantia da cláusula: juiz natural e reserva legal, uma vez que emanava do Parlamento, considerado o Jury maior da nação8. Entretanto, esses requisitos não eram suficientes para que o julgamento fosse justo, sendo, então, a justiça o grande objetivo do due process of law. Assim, surgiu uma terceira garantia: a ampla defesa, e o julgamento e condenação passaram a ser tarefa 5 8 Ressalte-se que hoje, trezentos anos após sua abolição, existe um forte movimento, tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos, no sentido de restaurar o bill of attainder, para privar da liberdade de locomoção, por um tempo pré-fixado, sem julgamento nem fiança, bastando para tanto a verificação pelo juiz da autoria e materialidade do delito. exclusiva dos Tribunais. Resultou ainda em outros dois princípios: o da concentração da jurisdição e o da indenegabilidade da jurisdição, tal como se conhece hoje.9 Outro princípio também se deve aos ingleses: o da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade dos vencimentos dos juízes de suas Altas Cortes. Ocorre que, a partir do momento em que o julgamento passou a ser atividade exclusiva dos Tribunais, sentiu-se a necessidade de que fossem os juízes imparciais e, para tanto, era indispensável a independência funcional.10 A necessidade de controlar o arbítrio do poder estatal manifestou-se não só na Inglaterra, mas em toda a Europa, e mais tarde na América, já na segunda metade do século XIX. O velho liberalismo deu lugar ao Estado Social de Direito, provocando a conseqüente queda do princípio da legalidade e ascensão do princípio da constitucionalidade. No início não passou de uma roupagem constitucional atribuída ao velho princípio da legalidade. Continuava, o legislador, a se sobrepor aos demais poderes do Estado, uma vez que não sofria controle sobre seus atos, salvo sob o aspecto estritamente formal. A necessidade de um controle mais eficaz dos atos legislativos, que não se referisse somente ao seu aspecto formal, com objetivo de combater todo tipo de excesso do legislador, trouxe o advento da constitucionalidade material. A teoria material da constituição ampliou os métodos de interpretação, reconhecendo a normatividade dos princípios e dos valores. O juiz, então, deixou de ser mero aplicador da lei, tornando-se seu legítimo intérprete. Ocorre que princípios e valores são conceitos abertos que permitem a preservação do objetivo ao qual a lei se propõe, preenchendo a lacuna que se verifica entre a lei e a evolução social. 6 9 MATTA, José Eduardo Nobre. A cláusula do devido processo legal e a garantia de instância do parágrafo 1º do art. 126 da Lei nº 8.213/91. 10 Curioso notar que embora tenha influenciado diversos países, não vingou, na Inglaterra, o controle judicial dos atos legislativos. Naquele país, o parlamento goza de grande prestígio e confiança do povo. Blackstone, sistematizador da Constituição inglesa, chegou a afirmar que inexiste força institucional capaz de discordar dos éditos parlamentares, por mais irrazoáveis que sejam. 1.1. O devido processo legal na Europa Continental. A idéia de um devido processo legal influenciou os países europeus, no sentido de impor obediência do poder público a um processo justo quando interferisse na esfera de direitos do cidadão. Inicialmente, entendeu-se por processo justo aquele que fosse legalmente previsto anteriormente à restrição imposta pelo poder estatal.11 Em princípio, tratava-se de um processo judicial, pois, naquele tempo, a noção de proteção dos direitos fundamentais ainda não havia se manifestado como um processo político, axiologicamente orientado pela Constituição. Nos países da Europa continental de influência romano-germânica, o devido processo legal foi concebido com a idéia de processo justo, e informou o direito processual com as garantias inerentes à cláusula, sendo pouco a pouco incorporada ao seu conteúdo. Sabe-se que o movimento de codificação iniciado por Napoleão espalhou-se pela Europa, e pelo mundo, o que resultou nos primeiros códigos de Processo Civil e de Processo Penal, tornando ciência o Direito Processual. Ressalte-se que os Códigos de Processo civil e criminal promulgados por Napoleão aperfeiçoaram o devido processo legal ao trazerem o princípio do duplo grau de jurisdição.12 O fato de não existir uma ciência processual nos países anglo-saxãos impediu o aperfeiçoamento do devido processo legal. Nos Estados Unidos, a cláusula tomou outra feição, diferente da teoria concebida em seu país de origem, devido as arbitrariedades cometidas pela Inglaterra na época do imperialismo colonial. 1.2. O devido processo legal nos Estados Unidos. 7 11 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 4 ed., 2002, p. 480. 12 CAMPOS, Virgílio. A natureza do devido processo legal. Rio de Janeiro, 13 mar 2002. Disponível em: <http: //www.teiajuridica.com>. expressa o fundamento do exercício do controle de constitucionalidade das leis por meio do exame da razoabilidade. 2. O devido processo legal no Brasil. A Constituição do Brasil-Império não faz referência expressa ao devido processo legal, tendo em vista a grande concentração de poderes nas mãos do monarca. O Imperador tinha o poder para suspender os magistrados quando julgasse conveniente à administração, o que retirava toda autonomia e independência do Poder Judiciário. Entretanto, determinava que “nenhuma lei será estabelecida sem utilidade pública”. A partir da edição do Código de Processo Criminal de 1831 e do Regulamento nº 737 de 1850, iniciou-se a trajetória do due process of law no Brasil. Já na República os Códigos Estaduais de Processo Civil e Criminal, mantiveram a orientação de respeito ao devido processo legal.14 A Constituição de 1891 reconhecia algumas garantias do devido processo legal, como por exemplo, a ampla defesa e o princípio do juiz natural, porém não fazia menção expressa à cláusula do devido processo legal. Assim como a Constituição de 1934, a de 1937 nem a de 1946 fazem ou não prevêem expressamente a garantia, embora esta última Carta significasse o retorno à democracia, após a era Vargas.15 Mesmo durante a ditadura do Estado Novo, forma editados os Códigos de Processo Civil, em 1939 e o de Processo Penal, em 1941, ambos previam garantias processuais decorrentes da cláusula.16 Convém ressaltar que a evolução do instituto no Brasil coincidiu com o fortalecimento da independência e autonomia do Poder Judiciário. Certo é que “a efetividade 10 14 CAMPOS, Virgílio. A natureza do devido processo legal. Rio de Janeiro, 13 mar 2002. Disponível em: <http: //www.teiajuridica.com>. 15 MATTA, José Eduardo Nobre. A cláusula do devido processo legal e a garantia de instância do parágrafo 1º do art. 126 da Lei nº 8.213/91. 16 CAMPOS, Virgílio. A natureza do devido processo legal. Rio de Janeiro, 13 mar 2002. Disponível em: <http: //www.teiajuridica.com>. do instrumento depende da força das instituições responsáveis por sua aplicação, apenas num estado de direito democrático, com um Poder Judiciário forte e respeitado, o devido processo legal será verdadeira garantia dos direitos fundamentais”, no dizer do mestre José Eduardo Nobre da Matta, em seu artigo sobre o tema. Os excessos praticados pelo regime militar, entre 1964 e 1984, não afetaram a cláusula em matéria cível, nem em matéria criminal comum, mas em matéria da chamada criminalidade política e do dissenso administrativo os efeitos foram francamente funestos à garantia do devido processo legal, sendo o seu desrespeito a regra, ao invés de ser a exceção.17 A redemocratização do país eliminou as violações e erigiu o devido processo legal à categoria de garantia constitucional expressa. O inciso LIV do art. 5º, pela primeira vez, na história do Brasil, traz a cláusula do devido processo legal, in verbis: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. 2.1. Princípios decorrentes do devido processo legal na Constituição brasileira. 2.1.1. Princípio da isonomia A Constituição estabelece que todos são iguais perante a lei (art. 5º, caput e inc. I). Genericamente significa que se devem respeitar as desigualdades, tratando de forma diversa os diferentes, este é o verdadeiro sentido do princípio. No processo civil, significa dar tratamento isonômico aos litigantes, tratando os desiguais na medida de suas desigualdades. Para esclarecer, vale citar o Código de Defesa do Consumidor, que protege a parte hipossuficiente, invertendo o ônus da prova (art. 4º, I). Pode parecer, à primeira vista, que estaria ferindo o princípio da isonomia, mas ao contrário, o dispositivo o prestigia, uma vez que protege a igualdade substancial e não a igualdade formal, conforme a vontade da norma constitucional. 11 17 Op. cit. 2.1.2. Princípio do juiz natural A garantia do juiz natural abrange, também, o promotor natural, adotando-se uma visão mais moderna. Desdobra-se em outros três postulados: o da imparcialidade do juiz, aquele que veda a criação de tribunais de exceção e aquele que determina a competência pré- constituída na forma da lei. Estes estão dispostos nos incisos XXXVII e LIII do art. 5º da CF, de forma expressa, levando toda a doutrina a concluir que se adotou o princípio, assim como fizeram todos os países cultos. A garantia do juiz natural é fundamental para a manutenção do Estado de Direito, uma vez que impõe a imparcialidade no exercício da jurisdição, protegendo, ainda que não completamente, o interesse público do arbítrio do poder estatal. Note-se que a vedação da criação dos juízos de exceção não abrange as chamadas justiças especializadas. Estas são atribuição e divisão da atividade jurisdicional do Estado entre vários órgãos do Poder Judiciário, conforme ensina a professora Ada Pellegrini em sua obra sobre teoria geral do processo. O princípio do juiz natural também se aplica ao processo administrativo, seja ele de qualquer espécie, pois o que se quer coibir é a criação de órgãos julgadores ex post facto ou ad personam, salvo as exceções estabelecidas pela própria Constituição. 2.1.3. Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional O inciso XXXV do art.5º da CF determina que lei alguma pode excluir lesão ou ameaça de lesão a direito da apreciação do Poder Judiciário, ou seja, ninguém, nem mesmo o legislador, pode impedir que o jurisdicionado deduza a pretensão em juízo. Todos têm o direito de pedir a tutela jurisdicional, e o Estado tem o poder e o dever de prestá-la. A norma quer tutelar não somente os direitos individuais, mas também os difusos e coletivos. 12 dizer de Nelson Nery Jr. “o juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de sua decisão”. 3. O devido processo legal substantivo. A evolução do princípio impôs um controle dos atos administrativos e legislativos muito mais subjetivo, restringindo a liberdade de conformação do legislador e do administrador. Modernamente permite a análise, pelo Judiciário, do mérito do ato normativo, indo muito além do controle objetivo de legalidade, através do princípio da razoabilidade, então considerado um desdobramento do due process of law. O controle subjetivo dos atos administrativos iniciou sua trajetória nos tribunais da França, séc. XIX, cuja jurisprudência do Conséil D’État, a partir dos julgamentos de recours pour excès de pouvoir – instrumento processual pelo qual o cidadão pode postular a reforma de decisões administrativas em caso de excesso de poder, resultou no chamado desvio de finalidade. No entanto, a falta de um controle de constitucionalidade repressivo resultou na ausência do princípio em sede constitucional.20 Sabe-se que os franceses são os responsáveis pela garantia do duplo grau de jurisdição, a partir da promulgação dos Códigos de Processo por Napoleão. A apelação já era praticada por vários países, mas sempre como um direito e não como garantia emanada do princípio do devido processo legal. Ressalte-se que a concepção originária da cláusula do devido processo legal não visava ao questionamento do aspecto substantivo dos atos do poder público, ou seja, não 15 20 O constitucionalismo francês baseia-se na supremacia da Déclaration de 26 de agosto de 1789, que estabelecia a disciplina da própria Constituição de 1791, em segundo lugar na pirâmide hierárquica. Em terceiro lugar vem a lei, que submete o poder político ao direito, pelo chamado princípio da primazia da lei. Segundo Canotilho, a supremacia da Constituição foi neutralizada por este princípio, levando ao paradoxo: a França adota um constitucionalismo sem constituição. Isto explica a desnecessidade do controle de constitucionalidade, diferentemente dos modelos alemão e norte-americano. pretendia limitar o mérito da atuação estatal. Isto somente ocorreu anos mais tarde, com a interpretação dada pela Suprema Corte americana à 14ª Emenda à Constituição, que dispunha que “nenhum Estado privará qualquer pessoa da vida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo legal”. A norma garantia que a pena, consistente na perda de certos direitos substantivos garantido pela Carta, somente seria aplicada por um tribunal por meio de um julgamento justo, realizado conforme a lei. A Corte declarou que a norma se referia também à proibição dos Estados fazerem leis que violassem o direito a um julgamento justo. Nascia a teoria do substantive due process of law, pois o comando não dirigia somente aos tribunais, mas a todo e qualquer órgão do governo, visto tratar-se de um direito substantivo. A formulação desta teoria pela Suprema Corte norte-americana trouxe ao Poder Judiciário a possibilidade de apreciar o mérito dos atos do Poder Público. 21 O reconhecimento do caráter substantivo da cláusula passou três fases distintas: a ascensão e consolidação, no final do século XIX até a década de 30, quando deixou de ser utilizada por conta da política intervencionista do New Deal, e, seu renascimento na década de 50, quando da revolução progressista promovida pela Suprema Corte, que reassumiu um perfil conservador e o ativismo judicial, isto é, a intervenção dos tribunais no mérito das atividades legislativas e executivas.22 A teoria pretendeu justificar a idéia de um processo justo, pois sacrificar a vida, a liberdade e a propriedade dos particulares somente se justifica por meio de um processo devido, materialmente informado pelos princípios da justiça. Isto quer dizer que o processo de criação das leis deve ser legal, justo e adequado. O instituto passou, então, a servir de mecanismo de controle da razoabilidade das leis. O Judiciário assumiu um papel decisivo nos Estados Unidos: o de controlador dos atos 16 21 CAMPOS, Virgílio. A natureza do devido processo legal. Rio de Janeiro, 13 mar 2002. Disponível em: <http: //www.teiajuridica.com>. 22 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 3 ed., 1999, p. 213. administrativos e legislativos.23 Na segunda metade do séc. XIX houve uma série de decisões da Suprema Corte, no sentido de preservar a vida, a livre iniciativa econômica, a propriedade a liberdade como bens maiores do cidadão, com fundamento na razoabilidade das leis. Assim, a cláusula adjetiva de proteção judicial passou a ser adotada, também, como cláusula substantiva de proteção política, protegendo judicialmente a infra-estrutura sócio- econômica dos Estados Unidos, que progredia a passos largos, no final do século XIX e início do século XX.24 A doutrina não teve grande aceitação nos países onde tanto o direito material, quanto o direito processual, gozam de uma dogmática. Ademais, sua adoção implica no controle de mérito dos atos legislativos e executivos, o que viola o princípio da separação de poderes. Convém ressaltar que, no Brasil, parte da doutrina adota a teoria do substantive due process of law, sobretudo a jurisprudência, que atribui o mesmo sentido dado pelos norte- americanos, entendendo tratar-se de um desdobramento do devido processo legal trazido pela Carta brasileira. Vale conferir a decisão do Supremo Tribunal Federal em sede de controle de constitucionalidade por ação direta, na qual o Partido Comunista do Brasil – PC do B - postulava a inconstitucionalidade do art. 6º da Lei nº 9.100/95. O voto, proferido em 07 de março de 1996, é do Ministro Celso de Mello, no qual reconhece a teoria claramente: VEDAÇÃO DE COLIGAÇÕES PARTIDÁRIAS APENAS NAS ELEIÇÕES PROPORCIONAIS – PROIBIÇÃO LEGAL QUE NÃO SE REVELA ARBITRÁRIA OU IRRAZOÁVEL – RESPEITO À CLÁUSULA DO SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW. O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, 17 23 Note-se que o Poder Judiciário nos Estados Unidos goza de grande prestígio e liberdade. Isto se deve à repugnância ao legislativo, tendo em vista os abusos cometidos pelo parlamento inglês na época da colonização. O constitucionalismo norte-americano se desenvolveu com fundamento na liberdade do povo em relação aos seus soberanos, tendo como forma de defesa a superioridade da lei nacional sobre as leis do parlamentar inglês. Qualquer lei que contrariasse a lei constitucional era declarada nula, e esse controle, desde sempre, era feito pelos juízes, que tinham o poder de medir a leis segundo a medida da constituição. 24 CAMPOS, Virgílio. A natureza do devido processo legal. Rio de Janeiro, 13 mar 2002. Disponível em: <http: //www.teiajuridica.com>.
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