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CEFALÉIAS, Notas de estudo de Enfermagem

CEFALÉIAS

Tipologia: Notas de estudo

2012

Compartilhado em 30/01/2012

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gerson-souza-santos-7 🇧🇷

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Baixe CEFALÉIAS e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! José Geraldo Speciali Wilson Farias da Silva Coordenação a Õ TEM SOCIDAE BRASLERA DE CALA EDITORIAL cefaléias LEMOS EDITORIAL COLABORADORES Abouch Valenty Krymchantowski Diretor e Fundador do Centro de Avaliação e Tratamento da Dor de Cabeça do Rio de Janeiro. Coordenador do Ambulatório de Cefaléias Crônicas do Instituto de Neurologia Deolindo Couto/ UFRJ. Responsável Técnico pelo site www.dordecabeca.com.br. Antonio Murillo Lemos Ramalho Neurooftalmologista do Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo. Carlos Alberto Bordini Mestre e Doutor em Neurologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Chefe do Ambulatório de Cefaléia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Cefaléia. Cassiano Mateus Forcelini Mestrando em Farmacologia do Departamento de Farmacologia pela Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre. Deusvenir de Souza Carvalho Professor Adjunto Doutor, Chefe do Setor de Investigação e Tratamento das Cefaléias, da Disciplina de Neurologia do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina. Djacir Dantas Pereira de Macêdo Professor Adjunto de Neurologia do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Mestre em Neurologia. Edgard Raffaelli Jr. Neurologista, Doutor em Medicina pela FMUSP. Organizador e Fundador das Sociedades Brasileira e Internacional de Cefaléia. Eliova Zukerman Professor Adjunto de Neurologia da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina. Vice-Presidente do Hospital Israelita Albert Einstein. Erasmo Barros da Silva Professor Adjunto da Disciplina de Neurologia na Universidade Federal da Paraíba. Getúlio Daré Rabello Professor Doutor em Neurologia. Coordenador do Ambulatório de Cefaléia do Hospital das Clínicas de São Paulo. Dr. Hilton Mariano da Silva Jr. Mestre em Neurologia pela USP-RP. Membro do Núcleo de Estudos em Cefaléia da USP-RP. Membro das Sociedades Brasileira e Internacional de Cefaléia. Ida Fortini Neurologista, Orientadora do Ambulatório de Cefaléia do Hospital das Clínicas de São Paulo. Jayme Antunes Maciel Jr. Livre-Docente, Professor Associado de Neurologia. Chefe do Ambulatório de Cefaléias e Algias Craniofaciais do Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp). Jano Alves de Souza Médico Neurologista. Mestre em Neurologia pela Universidade Federal Fluminense. Secretário da Sociedade Brasileira de Cefaléia. João José Freitas de Carvalho Mestre em Neurologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Chefe do Serviço de Neurologia do Hospital Geral de Fortaleza. Diretor do Instituto de Pesquisas Neurológicas do Ceará. Diretor da Unidade 24 horas de Tratamento da Dor de Cabeça Aguda. Joaquim Costa Neto Chefe do Serviço de Neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco. Ambulatório de Cefaléia do HC-UFPE. José Martônio Ferreira de Almeida Professor de Neurologia. Coordenador e Fundador do Serviço de Cefaléia e Enxaqueca da Bahia. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cefaléia (SBCe) e da Sociedade Internacional de Cefaléia (IHS). Liselotte Menke Barea Doutora em Farmacologia pela Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre. Coordenadora do Ambulatório de Cefaléia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Luciana Campaner Fernandes Psicóloga Clínica contratada para o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Pós-graduanda em Neurociências pela FMRP-USP. Marcelo Eduardo Bigal Doutor em Neurologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Professor do Department of Neurology, Albert Einstein College of Medicine, New York. Marcelo Cedrinho Ciciarelli Mestre em Neurologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Médico Colaborador do Ambulatório de Cefaléia do Hospital das Clínicas da FMRP-USP. Médico Fundador do Instituto de Neurologia e Cefaléia de Ribeirão Preto (INCEF). Marcelo Gabriel Vega Doutor em Medicina pela Universidade Nacional de Buenos Aires. Organizador do Laboratório de Dor Cefálica do Hospital Municipal Odilon Behrens, Belo Horizonte, MG. Marco Antônio Arruda Mestre e Doutor em Neurologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Médico Colaborador do Hospital das Clínicas da FMRP-USP. Membro do Comitê de Cefaléias na Infância da International Headache Society. Maurice Borges Vincent Professor Adjunto de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Chefe do do Setor de Cefaléias do Serviço de Neurologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ. Coordenador do Setor de Pós-graduação em Neurologia da Faculdade de Medicina da UFRJ. Doutor em Cefaléias pela Universidade de Trondheim, Noruega. Norma Regina Pereira Fleming Neurologista. Responsável pelo Setor de Cefaléia da Clínica de Dor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Paulo de Tarso T roleis Guimarães Fisioterapeuta. Pós-graduando em Neurociências pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Especialista em RPG, Cadeias Musculares e Osteopatias. Pedro Ferreira Moreira Filho Professor Adjunto de Neurologia da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Neurologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Presidente da Sociedade Brasileira de Cefaléia. Péricles Maranhão Filho Professor Adjunto de Neurologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Hospital Universitário Clementino Fraga Filho Neurologista do Instituto Nacional de Câncer – RJ. Roberta Paulo Garbelini Psicóloga. Auxiliar de Pesquisa no Ambulatório de Cefaléia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Yára Dadalti Fragoso Neurologista. Mestra e Doutora pela Universidade de Aberdeen, Escócia. Wilson Luiz Sanvito Professor Titular de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. TRATAMENTO .......................................................................................215 Deusvenir de Souza Carvalho CEFALÉIA EM IDOSOS ............................................................................ 227 Pedro Ferreira Moreira Filho, Jano Alves de Souza ABORDAGEM NÃO-FARMACOLÓGICA: TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL, MANUSEIO DE ESTRESSE, RELAXAMENTO E BIOFEEDBACK .............................................................. 241 Luciana Campaner Fernandes, Paulo de Tarso Troleis Guimarães TRATAMENTO ALTERNATIVO DAS CEFALÉIAS ............................................ 253 Yára Dadalti Fragoso CEFALÉIA NOS TRAUMATISMOS CRANIOENCEFÁLICOS ................................. 261 Norma Regina Pereira Fleming, Jano Alves de Souza CEFALÉIAS NAS DOENÇAS CEREBROVASCULARES E ARTERITES ...................... 275 Djacir Dantas Pereira de Macêdo CAROTIDÍNIA, CEFALÉIAS E HIPERTENSÃO ARTERIAL, CEFALÉIA NAS MALFORMAÇÕES VASCULARES CEREBRAIS ........................................... 295 Joaquim Costa Neto CEFALÉIA NOS DISTÚRBIOS DA PRESSÃO INTRACRANIANA ........................... 305 Marcelo Gabriel Vega CEFALÉIA E SONO ................................................................................. 315 Jayme Antunes Maciel Jr. CEFALÉIA CRÔNICA DIÁRIA PRIMÁRIA E ASSOCIADA AO USO DE SUBSTÂNCIAS OU À SUA RETIRADA ...................................................... 323 Abouch Valenty Krymchantowski CEFALÉIA NAS INFECÇÕES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL ......................... 345 Getúlio Daré Rabello CEFALÉIA CERVICOGÊNICA E ASSOCIADA A DISTÚRBIOS DA COLUNA CERVICAL ........................................................ 355 José Geraldo Speciali CEFALÉIAS E SEIOS PARANASAIS, OLHOS, OUVIDO E DENTES ........................ 367 José Martônio Ferreira de Almeida NEURALGIAS CRANIANAS E CEFALÉIAS TRIGÊMINO-AUTONÔMICAS .............. 373 João José Freitas de Carvalho ALGIAS FRONTO-ORBITÁRIAS ................................................................. 395 Wilson Luiz Sanvito, Antonio Murillo Lemos Ramalho CAUSAS CENTRAIS DE DOR CEFÁLICA. SÍNDROME DE EAGLE ...................... 409 Erasmo Barros da Silva CEFALÉIA NA EMERGÊNCIA .................................................................... 423 Marcelo Eduardo Bigal, José Geraldo Speciali ESTUDOS DE QUALIDADE DE VIDA RELACIONADA À SAÚDE EM CEFALÉIA ...... 439 Hilton Mariano da Silva Jr., Roberta Paula Garbelini RECOMENDAÇÕES PARA O TRATAMENTO PROFILÁTICO DA MIGRÂNEA ....................................................................................... 447 RECOMENDAÇÕES PARA O TRATAMENTO DA CRISE DE MIGRANOSA .............. 469 1 HISTÓRIA DAS CEFALÉIAS Péricles Maranhão Filho "Quem vive no passado não aproveita o presente. Quem não conhece o passado não aproveita o futuro.... " Autor desconhecido A história das cefaléias é tão longa quanto a história da humanidade. Uma grande parte dessa história foi escrita ao longo dos séculos, mediante o depoimento de pessoas das mais diversas áreas: médicos, matemáticos, filósofos, astrônomos, arquitetos, monges, leigos e até mesmo deuses. Muitos contribuíram descrevendo os próprios sintomas. Este capítulo conta um pouco da história das cefaléias, baseado principalmente na contribuição dessas pessoas. O papiro de Edwin Smith é o documento médico mais remoto do qual temos conhecimento. Escrito cerca de 1700 a.C., considera-se que seja uma cópia de um manuscrito muito mais antigo, c. 3000 a.C. É o mais completo tratado de cirurgia da Antigüidade. Nele, o cérebro com suas circunvoluções e meninges são mencionados pela primeira vez. O papiro de Ebers (c.1500 a.C.), por sua vez, com seus 30 cm de largura e 20,23 metros de comprimento, é médico (não cirúrgico). Neste, entre muitas receitas, encontra-se o primeiro relato de cefaléia unilateral, acompanhada de vômitos, denominada "doença da metade da cabeça", além da indicação de uma pomada para calvície, preparada com partes iguais de leão, hipopótamo, crocodilo, carne de ganso, serpente e gordura de cabra selvagem. Na mitologia grega , a cefaléia mais importante foi a de Zeus, o qual, aconselhado por Urano e Géia, o casal primordial, e preocupado com a perda de seus poderes sobrenaturais, engoliu sua mulher, Métis, que dele estava grávida. Completada a maturação do concepto, Zeus passou a sentir dor de cabeça constante e muito forte que quase o enlouqueceu. Para livrar-se da agonia e descobrir sua origem, ordenou a Hefesto, o deus das forjas, que lhe abrisse o crânio com um machado. Executada a operação, saltou-lhe da cabeça, vestida e armada com lança e égide, dançando a pírrica (dança de guerra, por excelência), a grande deusa Atena. 18 enquanto os centros urbanos eram destruídos e abandonados. A luta pela defesa da terra torna-se a preocupação fundamental; o tempo e o interesse dedicados aos estudos diminuem visivelmente. A ignorância passou a ser um valor fundamental. O mais importante era sempre saber batalhar. Mas, nos monastérios, isolados e poderosos, restava ainda algum tempo para a dedicação aos estudos. Além disso, várias epidemias se sucederam, dizimando populações inteiras. E, contra a peste, a cólera e a varíola, a medicina da época era impotente e caiu em descrédito. Os poucos médicos eram vistos com grande receio. A cura e o tratamento passaram a ser procurados nas experiências sobrenaturais. A medicina passou a ser prática exercida por charlatões, astrólogos e alquimistas. No clima de insegurança que dominava toda a Europa, os monastérios representavam o único abrigo seguro para antigos manuscritos e documentos que se desejassem conservar. Não fossem esses monges, provavelmente grande parte do conhecimento acumulado por gregos e romanos, durante séculos, teria sido destruído, e nem Galeno nem Hipócrates seriam lembrados. Alexander Trallianus (c. 525-605 d.C.), que praticava medicina em Roma, publicou uma enorme obra em 12 volumes sobre patologia e terapêutica. Tais volumes foram publicados aos poucos – em latim e em árabe – até mais ou menos à época do descobrimento do Brasil. Nesse tratado, Trallianus discutia sobre cefalalgias, cefaléias e hemicranias. Paulus Aegineta (c. 625-690 d.C), que praticava medicina na Alexandria, escreveu sobre epilepsias, intoxicação pelo chumbo e forneceu acréscimos à lista de fatores precipitantes da migrânea: "... barulhos, gritos, uma luz brilhante, beber vinhos e substâncias com forte odor, que são sentidos na cabeça. Em alguns, como se toda cabeça tivesse sido atingida, em outros, somente a metade; neste caso a queixa é denominada hemicrania..." Avicenna (980-1037), o sábio islâmico medieval, que contribuiu muito para o conhecimento da anatomia do sistema nervoso, utilizava o termo "soda" (provavel- mente derivado do Persa sâr dard; cefaléia) para todos os tipos de cefaléia, inclusive a migrânea. Considerou que determinados odores poderiam provocar "soda" em pessoas "normais". A queda de Roma, em 476, pelos Goths, e a queda de Constantinopla, em 1453, pelos turcos, são freqüentemente citadas como marcas do início e do fim da Idade Média. Este período, de 977 anos, ficou conhecido como a "Idade da Fé". Basicamente, pode-se considerar a medicina do início da Idade Média como uma mistura dos conhecimentos dos clássicos com as superstições do mundo cristão. Durante muito tempo, a medicina monástica constituiu a única forma de medicina conhecida pelo homem medieval. O vestígio das antigas crenças, atribuindo a todas 19 as doenças uma origem demoníaca, ainda justificava as múltiplas supertições de natureza religiosa. Doenças como a epilepsia eram esconjuradas como possessão demoníaca e as rezas eram vistas como o único meio de expulsar o mal. As relíquias de mártires, a água benta, a comunhão e os santos óleos eram os métodos mais usuais de cura. Foi no final deste período que: Hildegard Bingen (1098-1180), freira carismática e com excepcionais poderes intelectuais e literários, desde a infância experimentou incontáveis "visões", muitas das quais representadas em contos com diversas figuras e reunidas em dois manuscritos – Scivias e Liber divinorum operum homnis –, nos quais Hildegard interpretava suas visões em êxtase, dando-lhes significados filosóficos: "... as visões eu as percebo, nem em sono, nem em sonho, ou doente, nem com os olhos carnais, nem com os ouvidos, ou em lugares escondidos; mas acordada, alerta e com os olhos do espírito e do ouvido interior, eu as percebo com a visão aberta e de acordo com a vontade de Deus...". Segundo Oliver Sacks, a cuidadosa observação dessas figuras do século XII não deixa margem a dúvidas com respeito a sua natureza: eram indubitavelmente migranosas. Por outro lado, segundo R. Gowers, W. Alvarez e mais recentemente J. Blau, a visão de faces, cenas e pessoas não faz parte da aura da migrânea, estando mais de acordo com fenômenos de origem epileptogênica. Relatos isolados desses fenômenos visuais continuaram aparecendo durante a Idade Média. Centenas de anos se passaram até que pudéssemos encontrar descrições de auras outras que não visuais, e explicitamente relacionadas com a migrânea. Antes da metade do século XVI, as doenças eram organizadas em textos médicos de modo "topográfico seqüencial", ou seja, começando pelo scalp e terminando nos dedos dos pés. Em 1549, Jason Pratensi (1486-1558), médico holandês, fugindo do sistema vigente, e mais de 100 anos antes de Thomas Willis ter cunhado a expressão Neurologia, publica De cerebris morbis..., o primeiro livro totalmente voltado para os aspectos gerais e específicos das doenças cerebrais. Diversas curiosidades cercam a obra, como, por exemplo, o título, contendo mais que 60 palavras, e os nove primeiros capítulos totalmente dedicados ao diagnóstico e tratamento dos diversos tipos de cefaléia, inclusive com um exclusivo para "De hemicrania". Já naquela época, Pratensi considerava que a água, quando pura, a moderação na bebida e na dieta eram fundamentais no tratamento e pre- venção das doenças. Nessa época, tanto o calor quanto o frio figuravam como habituais agentes desencadeantes de cefaléia. O primeiro, por fazer "subir os vapores do abdômen para cabeça", e o segundo, por "estreitar orifícios e impedir que e vapores saíssem da cabeça". No século XVII, época de Shakespeare, mesmo sem que houvesse a contri- buição da fisiologia racional, como hoje a conhecemos, muitas páginas foram acrescentadas à história das cefaléias. 20 Por volta de 1600, Charles Le Pois, adepto da teoria humoral, acabou estabelecendo firmemente a idéia de que o cérebro era o local de origem das crises epilépticas focais e da migrânea. Muito embora o gastroenterologista e migranoso, W. Alvarez, tenha difundido a idéia de que a referência mais antiga de migrânea com aura tenha sido um poema sumeriano, escrito há cerca de 5.000 anos, H. Isler, por sua vez, considera que o relato mais antigo, e claramente relacionado com a aura migranosa, só veio aparecer no início do século XVII, na descrição de Le Pois, a respeito de uma crise migranosa iniciando-se com parestesia numa das mãos. Le Pois descreveu também um caso de migrânea hemiplégica denominando-a de hemicraniae insultus. William Harvey (1578-1657) , homem de estatura baixa, cabelos crespos, agitado e falante, contribuiu sobremaneira para o conhecimento atual dos processos que regem a dinâmica das cefaléias, pois foi ele que, aos 50 anos de idade, após reunir idéias que já apontavam nesta direção, destrona a teoria humoral de Galeno, demonstrando para a comunidade científica da época que o sangue é bombeado por um circuito fechado. Utilizou para tal um cachorro vivo. Thomas Willis (1621-1675) foi o primeiro a claramente relacionar dor da migrânea com distensão dos vasos sangüíneos do cérebro e, mais de trezentos anos antes dos modelos de abordagem terapêutica "escalonados" e "estratificados", considerou que determinar o tratamento por tentativas e erros era mais efetivo que a escolha terapêutica de acordo com a indicação teórica. Willis defendia a idéia das cefaléias como um espectro contínuo mais do que uma série de distintas entidades nosológicas. No seu famoso livro Cerebri anatome (1664), cunhou o termo neurologia, que significa doutrina (ou ensinamento) dos nervos, porém sempre foi mais conhecido pelo polígono vascular que leva seu nome. Aliás, este circuito arterial já havia sido descrito – e bem descrito – por J. J. Wepfer, alguns anos antes. Thomas Willis era professor de fisiologia natural na Universidade de Oxford. Casou-se com a irmã de um padre local, morrendo de tuberculose aos 54 anos. O médico suíço Johanm Jackob Wepfer (1620-1695) também reconheceu a pulsação arterial como causa de cefaléia. Escreveu sobre auras (1669), descreveu a migrânea basilar, localizando sua origem no tronco cerebral, e em 1727 descreveu, num jovem de 15 anos, o que seria o primeiro relato de infarto migranoso. Sem nenhuma comprovação científica, Wepfer teorizou: "a dilatação dos vasos sangüíneos resultava em estagnação de sangue e inadequada absorção do soro extravasado". Estaria aí o embrião da "inflamação neurogênica"? No século XVII, o tratamento das cefaléias e em particular da hemicrania incluía: evitar a exposição ao sol e ao calor, utilizar bebidas e compressas frias, tentando com isso equilibrar os humores. Se a origem do mal fosse o estômago ou o útero, esses órgãos deveriam ser tratados primeiro. Em casos extremos, Laudanum opiatum poderia ser aconselhado, mas nunca para crianças e idosos. 23 Sacks, as descrições contidas nesse livro jamais se tornarão obsoletas, tenham elas cem, mil ou dez mil anos. O pai da neurologia britânica, John Hughlings Jackson (1835-1911), que também era repórter, acreditava ser a migrânea uma forma de epilepsia sensitiva acrescida de cefaléia e vômitos como epifenômeno. Em 1894, seguindo a idéia da natureza epiléptica da migrânea, P. J. Moebius propõe o termo "status migranosos" em paralelo com status epiléptico. O excêntrico Moebius, que realizou ensaios clínicos excepcionais, considerava a migrânea uma enfermidade degenerativa e tem seu nome ligado à migrânea oftalmoplégica – doença de Moebius. No início do século XX, dois artigos magistrais foram publicados. O tempo se encarregou de traçar-lhes destinos diferentes. Em 1905, a revista Annalen Physic, da Alemanha, publica um artigo controverso de um jovem cientista alemão, chamado Albert Einstein, de apenas 26 anos, no qual apresenta sua Teoria da Relatividade Restrita. Os estudos desse rapaz, que trabalhava num escritório de patentes em Berna, na Suíça, agitaram os círculos científicos, já que muitos físicos tiveram problemas para entender do que tratava a equação por ele formulada, que dizia: a energia é igual à massa multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz. Einstein abria, assim, novas perspectivas para a compreensão dos átomos, partículas que muitos mal imaginavam existir. Um ano depois, no British Medical Journal, Sir William Richard Gowers (1845-1915) , em artigo denominado Borderland of epilepsy – Migraine, escreve quase com clarividência: "... o processo que precede a cefaléia da migrânea é muito misterioso, seja referido ao olho ou ao braço; há um processo de intensa atividade que se vê alastrar, como as ondas num lago, no qual uma pedra é jogada... na região através da qual as ondas ativas passaram, um estado é deixado como distúrbio molecular de estruturas... essas estruturas são menos suscetíveis a estímulos que chegam a elas vindos de fora, tanto que há diminuição da visão e sensação imperfeita nos braços: elas retornam à condição normal...". Se, por um lado, hoje se sabe que: E = MV2, por outro, quase um século se passou, sem que houvesse uma clara demonstração da ocorrência de algo como "ondas num lago" se dando no cérebro dos migranosos com aura... Gowers era fanático por estenografia – possuía mais de 20 mil relatos de casos estenografados – enfatizava a importância da vida saudável como ação profilática para evitar cefaléias, e tratava muitos de seus pacientes migranosos com solução de nitroglicerina a 1% em álcool, associada com outras substâncias (mistura de Gowers), ou então, eventualmente, com marijuana. Considerava improvável que os fenômenos relativos à aura migranosa fossem ocasionados simplesmente por alterações da vascularização cerebral, e a este respeito sentenciou: 24 "... um distúrbio alastrante peculiar das estruturas nervosas é evidente; que isso dependa do espasmo arterial, é uma assunção que pode ou não ser verdadeira. A opinião é difícil de reconciliar com o caráter de "descarga", tão uniforme no seu caráter geral, tão ordeira na sua desordem...". O professor de neurologia Harold G. Wolff (1898-1962) foi o primeiro a sistematizar o estudo das cefaléias, dando-lhe um cunho verdadeiramente científico. Sua monografia Headache and other head pain , publicada em 1948, manteve-se por décadas como uma bíblia sobre o tema. Wolff, que era migranoso, abortava suas crises jogando squash no 27o andar do New York Hospital. Iniciou seu interesse pelo estudo das cefaléias trabalhando com William Lennox no Boston City Hospital. Lennox tinha grande interesse no estudo da circulação cerebral e nos efeitos da ergotamina sobre o fluxo sangüíneo cerebral. A ergotamina, um importante vasoconstritor e antimigranoso, foi extraído do extrato do ergot, em 1918, e começou a ser estudada nos Estados Unidos na década de 1930. Em 1937, junto com John Graham, publicou os resultados de suas experiências, nas quais utilizava métodos criativos de aferir a dinâmica da circulação extra e intracranial, assim como os efeitos da ergotamina injetada. Wolff e sua escola dirigiram as experiências para obtenção dos registros esfigmográficos da amplitude do pulso da artéria temporal e criaram uma teoria para explicar a migrânea, totalmente voltada para as alterações vasculares. Concluíram que os escotomas ocorriam em virtude da constrição das artérias cerebrais e que a dor advinha da combinação de efeitos da dilatação das grossas artérias encefálicas, mais a ação de substâncias que, acumuladas na parede dos vasos e nos tecidos perivasculares, diminuíam os liminares da dor. Em 1934, John Ruskin Graham (1909-1990) formou-se médico em Harvard e dois anos depois, como parte do seu treinamento, foi para Nova York como assistente de H. Wolff. Graham era considerado excelente clínico e professor, com extensa lista de publicações a respeito das cefaléias. Introduziu o uso do corticóide para o tratamento da cefaléia em salvas e descreveu a fácies característica do paciente com essa doença. Desenvolveu os estudos para elaboração do supositório de ergotamina com cafeína, para o tratamento da crise migranosa, na década de 1960, estudou extensivamente os efeitos profiláticos, assim como os efeitos adversos da metissergida. Na década seguinte, foi o primeiro a demonstrar clinicamente a eficácia do propranolol como tratamento profilático da migrânea e do lítio como forma de tratamento preventivo da cefaléia em salvas. Posteriormente, descreveu a cefaléia relacionada à diálise renal. Faleceu em abril de 1990, aos 81 anos de idade. Enquanto Harold Wolff é mencionado como o pioneiro na pesquisa das cefaléias, John Graham indubitavelmente é lembrado como o pioneiro no tratamento destas. 25 Bayard Taylor Horton (1895-1980) formou-se como médico em 1922. Em 1930, tornou-se consultor em medicina na Mayo Clinic e, dez anos depois, passou a exercer o cargo de chefe da investigação clínica dessa fundação. Autor de numerosas publicações em jornais médicos, B. T. Horton será sempre lembrado por pelo menos duas excelentes contribuições a respeito das cefaléias; a arterite temporal (também denominada doença ou síndrome de Horton), descrita em 1932, e a cefaléia histamínica (também denominada cefaléia de Horton ou síndrome da cefaléia em salvas). A título de curiosidade, Horton era conhecido por sua mania em colecionar sapatos. Consta ter possuído mais de 140 pares e trocava-os até quatro vezes ao dia [Dr. Clifford Rose – comunicação pessoal]. Em relação à cefaléia de salvas, considera-se que o médico e anatomista holandês Nicolaas Tulp, nos idos de 1641, tenha sido o primeiro a fornecer uma descrição incompleta da doença. A primeira descrição integral foi feita por Gerhard van Swieten em 1745. Essa dramática enfermidade veio sendo mencionada ao longo dos anos, por diversos autores, mediante relatos isolados. Em 1926, W. Harris aprofundou-se mais no assunto e, sem diferenciá-la de dores mais duradouras e que alternavam de lado, cunhou a denominação "neuralgia migranosa periódica". A cefaléia em salvas somente passou realmente a ser reconhecida a partir dos trabalhos de B. T. Horton, de 1939 e 1952, nos quais detalhou a dor – " tão intensa que praticamente todo paciente considerava o suicídio" – e os fenômenos associados, e popularizou a expressão cefaléia histamínica, sugerindo um papel para histamina na patogênese da desordem. A periodicidade das cefaléias foi primeiro observada e descrita por K. A. Ekbom em 1947 e, posteriormente, E. C. Kunkle, em 1954, reconheceu os acúmulos e introduziu o termo cluster headache. Em 1912, mesmo ano em que o maior e mais luxuoso transatlântico da época naufragou nas águas geladas do Atlântico Norte em sua viagem inaugural, George Flatau publica em Berlim, Die Migräine, livro considerado por muitos enciclopédico. Além de discutir diversos aspectos nosológicos, Flatau introduz no dialeto médico novos termos como "hemicrania contínua" e "hemicrania epiléptica". Karl Lashley (1890-1958), psicólogo em Harvard, forneceu grande contribuição ao estudo da migrânea quando, em 1941, publicou o mapeamento com a cronometragem de suas próprias auras visuais. Considerou que o padrão do escotoma seria consistente com sua teoria de integração cortical, baseada na interferência de ondas alastrantes de excitação cortical. Lashley afirmou que, exceto por um leve torcicolo, associado à hemianopsia, nunca detectou qualquer sintoma adicional durante ou após o escotoma. Em 1950, trabalhando com ratos, expressou frustração por não ter encontrado a estrutura (ou substância) cerebral responsável por armazenar a memória. Em 1944, dois meses após cerca de 3,5 milhões de combatentes aliados desem- barcarem de surpresa na costa da França, na maior operação de guerra já registrada 28 fisiopatológico da migrânea, ao qual denomina "teoria trigêmino-vascular", e revive o antigo conceito de inflamação neurogênica. Essa teoria conciliadora, que associa um fenômeno neuronal (depressão alastrante) antecedendo e promovendo uma alteração vascular (liberação de neuropeptídeos e vasodilatação), é a que vem sendo mais considerada e pesquisada nas últimas duas décadas. Desde Aretaeus, tenta-se classificar os diversos tipos de cefaléias. Essa história por si representa um capítulo à parte. No século XVIII, por exemplo, Boissier de Sauvages de Lacroix designou diversas classes de hemicrania e cunhou denominações relacionadas com as mais curiosas etiologias. "Hemicrania lunaria" e "hemicrania ab insectis", ou seja, induzidas pela lua ou por insetos invadindo o crânio, entre outras dez variedades de migrânea. Em 1787, Christian Ludwig Baur de Tübingen, doutor em filosofia, resolveu organizar os mais diversos tipos de cefaléia, criando uma nova classificação. Um dos tipos denominou "idiopática", os casos com doença subjacente chamou de "simpática", como Galeno. Estabeleceu 84 categorias e subcategorias de cefaléias, utilizando-se de 53 novos termos gregos e latinos, tais como: cefaléia cacoplástica (de construção defeituosa); exaláctica (de degeneração de substâncias); limantérica (de destruição de partes); thliptica (opressiva); esteretelétrica (de privação de material elétrico) e muitas outras com termos mais intrigantes. A classificação baseada nas recomendações do Ad Hoc Committee on Classification Headache, presidido por Arnold P. Friedman, publicada em 1962, apesar de utilizar-se de adjetivos vagos, como "comumente" ou "eventualmente", manteve-se como orientação, aos interessados em cefaléias, por mais de 25 anos. Em 1985, a International Headache Society criou um comitê, presidido pelo dinamarquês Jes Olesen, para formular um sistema de classificação cefaléias. Após três anos de estudos e discussões, foi criada a primeira Classificação Internacional das Cefaléias e Algias Faciais. Na elaboração desse sistema de classificação, Olesen contou com a participação de 11 subcomitês compostos de especialistas de diversos países. Diferencia-se da Classificação de 1962 por constar de critérios diagnósticos operacionais de todas as cefaléias. Foram identificadas 12 categorias maiores de cefaléias, que podem ser divididas em dois grandes grupos: as cefaléias primárias (Categorias 1-4) e as cefaléias secundárias (Categorias 5- 12). No que se refere às cefaléias primárias, cujas etiologias são desconhecidas e seus mecanismos incertos, o Critério fornece um sistema descritivo e as classifica de acordo com o perfil dos sintomas. Essa classificação foi traduzida em diversos idiomas (português inclusive), recebeu o aval da Federação Mundial de Neurologia e seus princípios foram introduzidos na Classificação Internacional das Doenças da Organização Mundial da Saúde (IC-10). Não se trata, obviamente, – como registrado no prefácio – de um documento definitivo, pois boa parte reflete a experiência de especialistas, sem o respaldo da comprovação científica. 29 A partir do final da década de 1960, métodos de investigação hemodinâmica passaram a ser empregados com intuito de investigar pacientes migranosos. Muitos estudos iniciais foram feitos com o uso intra-arterial de Xenon (Xe133) e avaliação dos sintomas aura-like induzidos pela angiografia carotídea. Mais recentemente, novas técnicas de imagem – não invasivas – passaram a ser empregadas, visando ao estudo de parâmetros metabólicos e hemodinâmicos do cérebro de migranosos, tanto durante, como entre as crises. A gama de dados obtidos com esses novos e revolucionários métodos de imagem (Doppler transcranial, SPECT, PET, ressonância magnética funcional, exame de difusão e perfusão etc.) já contribui para mais um volumoso capítulo dessa história, principalmente no que se refere à procura do entendimento dos mecanismos fisiopatológicos. No nosso país, o Dr. Edgard Raffaelli Jr., possui todos os méritos para ser considerado o pai da cefaléia no Brasil. Raffaelli estudou línguas e filosofia antes de entrar para Faculdade de Medicina. Em 1956, aos 26 anos de idade, no terceiro ano da Faculdade, e decepcionado por não conseguir obter solução médica adequada para suas crises de cefaléia, resolveu estudar por conta própria o problema. E assim o fez. A partir de 1973, a fim de aprimorar-se mais ainda no assunto, passou a freqüentar Congressos na Europa e nos EUA. Nessas participações, além de apresentar trabalhos científicos, consolidou laços de amizade com médicos de diversos países, passando a fazer parte da mais seleta gleba de especialistas no assunto. A respeito desta época, recentemente escreveu: "... quando fui ao Congresso de Barcelona em 1973, não éramos mais do que 30 os médicos interessados por cefaléia no mundo. Deste pequeno grupo pioneiro, do qual me orgulho de pertencer, saiu hoje a plêiade de 2.000- 3.000 participantes nos Congressos Mundiais atuais...". Do seu idealismo e firmeza, nasceu em 1978 a Sociedade Brasileira de Cefaléias (SBCe). Raffaelli foi o autor das primeiras monografias sobre cefaléias (1979) e sobre enxaquecas (1980) em nosso meio. É dele a expressão "cefaléia em salvas" para o cluster headache, além das denominações migrânea, cefaliatria e cefaliatra, hoje cada vez mais utilizadas. A projeção e a importância do seu nome podem ser aquilatadas também, em parte, pelo fato de ter sido o único brasileiro a participar de um dos 11 subcomitês que estruturou a primeira classificação internacional de cefaléias da IHS. Em 1994, criou e "batizou" a revista Migrâneas & Cefaléias, que é distribuída até hoje, como veículo divulgador da SBCe. A história de como surgiu o interesse pelo estudo das cefaléias no Brasil está intimamente relacionada ao idealismo desse homem, somado ao esforço e à persistência de um pequeno grupo de médicos que um dia resolveu criar uma Sociedade Brasileira de Cefaléia. Em 1976, após três anos de participação ativa em congressos internacionais, Edgard Raffaelli solicitou ao amigo e ortopedista, Júlio Casoy – médico do laboratório 30 Sandoz – que o auxiliasse a encontrar outros brasileiros interessados em estudar o assunto. Nessa época, somente havia dois médicos foram: Wilson Farias da Silva, em Recife, e Gilberto Rebello de Mattos, em Salvador. Nesse mesmo ano, Raffaelli convidou-os para uma reunião (histórica) em Salvador, e aí decidiram montar uma Sociedade Brasileira de Cefaléia. Consta não ter sido tarefa fácil, e somente no dia 21 de junho de 1978, numa reunião que contou com 14 participantes, foi criada a Sociedade Brasileira de Cefaléia e Enxaqueca – SBCe. Participaram desta reunião inaugural: Edgard Raffaelli Jr.;, Wilson Farias da Silva, Roberto Melaragno Filho, Wilson Luiz Sanvito, Nelson Augusto Pedral Sampaio (ginecologista), Orlando Martins e Reinaldo Correa (psiquiatras), além de Gilberto R. de Mattos (neuro), Luis Gustavo Hummel (ORL), Osmar Trajan (ginecologista), Júlio Casoy (ortopedista), Ozir Scarante (neuro), José Ivan C. Ribeiro (neuro) e Antônio Douglas Menon (ORL). Os sete últimos relacionados assinaram a Ata, mas não persistiram no assunto. A propósito das grandes dificuldades enfrentadas no início, Raffaelli afirmou: “... Não existiria uma SBCe sem o apoio decidido de três homens que se arriscaram a ser mal falados, numa época em que a cefaléia não era bem vista pela classe médica. Se não fosse pelo Melaragno, pelo Farias e pelo Sanvito, talvez só agora conseguiríamos estar engatinhando. Graças a eles, porém, e à seriedade e honestidade que os seus nomes emprestaram à SBCe, a cefaléia brasileira hoje é a 2a/3a do mundo: some o número de associados da IHS e verá que depois dos Estados Unidos, o Brasil e a Inglaterra estão empatados...”. Também em 1978, o Dr. Eliova Zukerman , desde há muito interessado em cefaléias, inaugurou, na Disciplina de Neurologia da Escola Paulista de Medicina, o Setor de Investigação e Tratamento da Cefaléia. Quatro anos depois, implantou nesse setor a Pós-Graduação. Desde essa época, sob a orientação sempre judiciosa de Zukerman, dez mestres e três doutores obtiveram seus Títulos em cefaléias. Em agosto de 1993, o Dr. Zukerman, mais uma vez, catapultou o conceito da cefaléia brasileira quando, em Paris, concorrendo com 179 candidatos, recebeu junto e com sua equipe, o Prêmio pelo Melhor Pôster apresentado no VI Congresso da International Headache Society. Em março de 1979, a SBCe organizou o 1o Congresso Brasileiro de Cefaléia no Hospital do Servidor Público Estadual em São Paulo, para o qual foram convidados, ninguém menos que John Graham; Federigo Sicuteri e Gustavo Poch. Apesar do grande receio de não conseguirem platéia adequada, houve 126 incritos. Entusiasmados como sucesso desse primeiro evento, ainda em 1979 promoveram outro encontro, desta feita um Curso de Cefaléias, realizado no Hospital Albert Einstein, também em São Paulo. A partir disso, a SBCe passou a reunir-se anualmente em congressos, simpósios ou cursos, quase 33 Isler H. Retrospect: The History of Thought about Migraine from Aretaeus to 1920. In: Blau JN. Migraine. Cambridge: Chapman and Hall, 1987; pp. 659-674. Lashley KS. Patterns of cerebral integration indicated by scotomas of migraine. Arch Neurol Psychiatr 1941;46:331-339. Leao AAP, Morison RS. Propagation of spreading cortical depression. J Neurophysiol 1945;8:33-45. Leao AAP. Spreading depression of activity in the cerebral cortex. J Neurophysiol 1944;7:359- 390. Liveing E. On Megrim, Sick-Headache, and Some Allied Disorders. Nijmegen, the Netherlands: Arts & Boeve, 1997. Lord GDA. Clinical characteristic of the migranous aura. In: Amery WK The Prelude to the Migraine Attack. Great Britain, 1986; pp. 87-98. Maranhão Filho P, Costa AL. Neurologia: Pingos & Respingos. Rio de Janeiro: Revinter, 2000; pp. 55. Moskowitz MA. The neurobiology of vascular head pain. Ann Neurol 1984;16:157-168. Pearse JMS. Edward Living's (1832-1919). Theory of Nerve-storms in Migraine. In: Cliford Rose F. A Short History of Neurology. Oxford: Butterworth-Heinemann, 1999; pp. 192- 203. Raffaelli Jr E. Cefaléias crônicas e enxaqueca. Ars Curandi 1979;11:5-46. Raffaelli Jr E. Enxaquecas. Edição do Programa Nacional de Atualização Médica. (Fontora- Wyeth). 1980; 2:3-40. Sacks OW. Migraine Evolution of a Common Disorder. Berkeley, Los Angeles: University of California Press, 1972. Não obstante o extraordinário avanço tecnológico obtido nas últimas décadas no que diz respeito ao diagnóstico das cefaléias, a anamnese é, ainda hoje, insubs- tituível, mesmo porque, para as cefaléias ditas primárias, que são seguramente as mais freqüentes na prática diária, não existe nenhum exame complementar capaz de confirmar ou, ao contrário, de afastar o diagnóstico clinicamente elaborado. Diversos dados devem ser coletados, nenhum tendo valor absoluto, mas também nenhum sendo totalmente destituído de valia; dito de outra maneira, é o conjunto dos sintomas e sinais que possibilitam a formulação do diagnóstico correto. Só a anamnese permite diagnosticar a modalidade da cefaléia, detectar a coexistência de mais de um tipo de dor de cabeça, pôr de manifesto os possíveis fatores desencadeantes e identificar modificações no padrão de uma cefaléia preexistente. Os exames complementares destinam-se à confirmação do diagnóstico da patologia causal das cefaléias sintomáticas, raramente sendo necessário a eles recorrer, salvo para diagnóstico diferencial em certos quadros cefalálgicos não bem definidos. No sentido de evitar omissões e padronizar a colheita dos dados, preconiza-se o uso de uma ficha-padrão a ser preenchida separadamente para cada modalidade de cefaléia, por acaso ocorrendo em um mesmo paciente. Sexo – Não se pode dizer que seja de importância absoluta para o diagnóstico diferencial; contudo, é indiscutível a preferência por um dos sexos em diversos tipos de dor de cabeça: a migrânea, a cefaléia do tipo tensional e a hemicrania paroxística crônica têm nítido predomínio no sexo feminino, enquanto a cefaléia em salvas, a cefaléia benigna do esforço e as cefaléias ligadas à atividade sexual incidem mais entre os homens. Nas cefaléias sintomáticas, a predileção por homens ou mulheres pode ser detectada, tal fato ocorrendo porque o fator causal, quer seja uma doença, quer seja um hábito de vida, está mais ligado e às vezes é mesmo exclusivo a um dos sexos. Idade cronológica, idade de início e tempo de doença – Maior valia é dada ao tempo de doença, pois, do ponto de vista prático, qualquer dor de cabeça que 2 ANAMNESE Wilson Farias da Silva 36 tenha mais de 5 anos de evolução não deve estar relacionada com uma patologia orgânica. Não esquecer, contudo, que o portador de uma cefaléia primária que venha ocorrendo há vários anos pode vir a ser acometido por uma outra condição que tenha a cefaléia como constituinte de seu quadro clínico. Quanto à idade de início, o valor na maioria das vezes é relativo, algumas modalidades começando preferencialmente, porém não exclusivamente, na infância, na adolescência ou na idade adulta (migrânea habitualmente tem início antes dos 20 anos, enquanto a cefaléia em salvas e a cefaléia do tipo tensional mais freqüentemente eclodem após os 20 anos de idade). Por outro lado, arterite temporal, cefaléia hípnica e as neuralgias craniofaciais essenciais são doenças do idoso, praticamente inexistindo antes dos 50 anos. Em diversas outras modalidades de cefaléias, essa distinção pode não ser tão nítida, mas como muitas delas decorrem de hábitos de vida, uso de medicamentos, determinadas patologias orgânicas ou atividades compatíveis com a idade cronológica, haverá sempre grupos etários preferenciais para várias delas. Profissão – Praticamente destituída de valor diagnóstico, pode, porém, ser a resposta para alguns casos de cefaléia de contração muscular, nos quais o espasmo da musculatura decorre de posições antifisiológicas mantidas por longo período de tempo, por exigência da atividade exercida (automobilistas, digitadores, datilógrafos, microscopistas, entre outras). Sintomas premonitórios – Nas cefaléias sintomáticas, a dor de cabeça pode ser precedida por sintomas passíveis de ser considerados sintomas premonitórios. Nos quadros infecciosos do sistema nervoso, pode haver lassidão, anorexia, mal- estar indefinido, enquanto perda de peso, artralgias, mialgias, febrícula e astenia costumam preceder o quadro de arterite temporal. Sintomas cerebrais focais, transi- tórios, podem aparecer antecedendo as oclusões da artéria carótida. Das cefaléias primárias, apenas na migrânea há sintomas premonitórios precedendo de horas as crises. Esses sintomas são bastante variados e englobam alterações do humor (ansiedade, irritabilidade, depressão e, mais raramente, euforia); alterações da capacidade intelectual (lucidez mental inusitada, excepcional clareza do raciocínio ou, ao contrário, embotamento intelectual); distúrbios gastrointestinais (anorexia ou bulimia, constipação); diminuição do volume urinário; hipersensibilidade a estímulos sensoriais (visuais, auditivos ou olfativos) e, com relativa freqüência, bocejos e necessidade de ingerir doces. Sintomas iniciais – Considera-se aqui o que precede de imediato o quadro doloroso e que vem sendo descrito na literatura como aura, nos casos da denominada migrânea com aura. São sintomas motores, sensitivos, sensoriais, distúrbios da linguagem ou outros. Na migrânea, habitualmente se iniciam de maneira insidiosa e lentamente progridem, evoluindo em 5 a 60 minutos, podendo ter um curso evolutivo mais rápido, menos que 5 minutos (aura de início agudo), ou, ao contrário, mais duradouro, mais de 60 minutos (aura prolongada). Eles são seguidos de imediato, 39 considerar, ainda, o padrão de distribuição temporal das crises, o que permite reconhecer duas formas clínicas: na episódica, as crises acontecem 1 a 8 vezes por dia, durante 1 a 3 meses, ao que se segue uma fase sem dores que pode perdurar por dias (nunca menos que 14), semanas, meses ou mesmo alguns anos; na outra forma clínica, a chamada crônica, os ataques sucedem-se sem intervalos assintomáticos. Longa duração As crises perduram por horas ou mesmo por dias, e a freqüência de apare- cimento é variável nas diferentes modalidades e numa mesma modalidade, em função de interferências várias: migrânea, cefaléia do tipo tensional episódica, cefaléia cervicogênica e cefalalgia disautonômica pós-traumática. CRÔNICA PROGRESSIVA A dor de cabeça, no início de fraca intensidade e intermitente, habitualmente surgindo ao despertar, paulatinamente vai tornando-se mais severa e mais freqüente, terminando por ser contínua e de grande intensidade. É o que ocorre nas lesões expansivas intracranianas e em casos de hidrocefalia crônica. Em relação aos tumores, todavia, peculiaridades anatomofisiológicas, histológicas e mesmo relacionadas à idade cronológica fazem com que padrões evolutivos diferentes possam ser detectados. De um modo geral, a cefaléia da síndrome de hipertensão intracraniana tende a ser difusa, com predominância frontal ou occipital, atenuando-se um pouco com a posição ortostática e piorando com os procedimentos que aumentam a pressão dentro do crânio, tais como decúbito, esforço físico, coito, manobra de Valsalva, compressão das veias jugulares. Podemos, entretando, discernir diferentes comportamentos na maneira de instalação e posterior evolução das cefaléias desencadeadas pelos tumores cerebrais. Início insidioso e evolução crônica e progressiva – Seria a maneira clássica, habitualmente descrita. A dor teria um início insidioso, permanecendo por algum tempo com pequena intensidade, intermitente, aparecimento matutino, desaparecendo paulatinamente, poucas horas após o despertar e levantar. Pouco a pouco, e esse caráter progressivo é importante para o diagnóstico, a cefaléia vai se tornando mais freqüente e mais intensa, terminando por ser contínua e de grande intensidade. Mormente nos tumores da fossa posterior é freqüente a associação com vômitos de aparecimento matutino. Quando dos episódios de intensificação da dor, podem, ocasionalmente, ocorrer amauroses transitórias e hérnias cerebrais. Início agudo – Esse aspecto pode ser visto quando há sangramento intratu- moral, o que pode acontecer em tumores muito vascularizados: a cefaléia abre o quadro clínico. Aqui, o diagnóstico diferencial com as hemorragias cerebrais deve ser feito. Em substancial número de pacientes, esse aspecto é apenas aparente, 40 pois uma anamnese cuidadosa demonstra a existência de sintomas prévios, dor de cabeça inclusive. Intermitente – Esse modo evolutivo ocorre quando o tumor se localiza no interior das cavidades ventriculares: movimentos da cabeça mobilizam a massa tumoral, que obstrui a via de drenagem do líquido cefalorraquiano, agravando ou fazendo surgir dor de cabeça, que pode melhorar ou mesmo desaparecer, também de modo rápido, no instante em que outro movimento desloque a tumoração e desfaça o bloqueio, restaurando o livre trânsito liquórico. Esse aspecto caracteriza os tumores em válvula. Em relação a tosse e esforço – É sabido que acesso de tosse, esforço físico, manobra de Valsalva ou episódio de riso imoderado podem intensificar a dor de cabeça de várias modalidades clínicas de cefaléia, como acontece, por exemplo, durante crises de enxaqueca. Queremos nos reportar aqui àqueles casos nos quais os procedimentos acima referidos induzem o aparecimento de uma dor de cabeça, geralmente difusa ou occipital, de instalação abrupta e que desaparece esponta- neamente ao fim de poucos minutos. Excepcionalmente a cefaléia é localizada em uma área bem delimitada, e se esta for dolorosa à pressão, isso pode ter um valor localizador, indicando a possibilidade de existir uma lesão tumoral subjacente. Esses padrões evolutivos nem sempre estão presentes e em alguns trabalhos eles aparecem como exceção e não como regra, referindo os autores cefaléias do tipo tensional como predominante. CRÔNICA NÃO-PROGRESSIVA A cefaléia contínua ou subcontínua é de média ou pequena intensidade, jamais adquirindo caráter de agravação progressiva. Desta maneira, comportam-se a cefaléia do tipo tensional crônica e a hemicrania contínua. MISTA O que temos nesse grupo é a coexistência em um mesmo paciente de modalidades de cefaléias que têm diferentes padrões de instalação e evolução temporal, isto é, uma é crônica e não-progressiva e a outra é do tipo aguda e recorrente. Migrânea coexistindo com cefaléia do tipo tensional, por exemplo. DOR – LOCALIZAÇÃO, CARÁTER E INTENSIDADE Na migrânea, a cefaléia habitualmente tem início insidioso, agrava-se lentamente, atingindo o máximo em 1 a 3 horas, sendo de intensidade moderada a severa, caráter pulsátil (pelo menos no início das crises), mas podendo ser contínua ou em peso. A distribuição é variável: uni ou bilateral, hemi ou holocraniana, a variação topográfica acontecendo em crises diferentes ou, o que 41 é menos freqüente, em um mesmo ataque. Há tendência de a dor ser mais intensa nas regiões anteriores do crânio. No tocante à topografia, mencione-se que raras são as modalidades de cefaléia nas quais as dores são estritamente unilaterais e sempre do mesmo lado: hemicrania contínua, hemicrania paroxística crônica, carotidínia, cefalalgia disautonômica pós- traumática, cefaléia pós-endarterectomia carotídea, cefaléia cervicogênica (aqui já se aceitando casos com dores bilaterais), cefaléia em salvas (com a ressalva de que em cerca de 10% dos casos pode haver mudança de lado e em mais ou menos 2% a dor pode ser bilateral) e as neuralgias essenciais, que também, embora excepcionalmente, podem ser bilaterais. Na cefaléia em salvas, a dor é de início agudo, grande intensidade, caráter terebrante, habitualmente localizada na região periorbitária, daí se irradiando para as regiões frontal, temporal e maxilar superior ipsilaterais. Na cefaléia do tipo tensional, a dor em peso, constritiva ou em ardência, habitualmente bilateral e difusa, com predomínio suboccipital ou frontal, de média ou pequena intensidade, tem início insidioso com o despertar, intensificando-se paulatinamente no decorrer do dia (forma crônica), podendo, contudo, em decorrência de um fator causal, ter início subagudo e sem horário preferencial (forma episódica). Nas cefaléias benignas do esforço e da tosse, o início é abrupto, após um esforço físico ou um acesso de tosse, o caráter é pulsátil e a distribuição é difusa ou localizada na região da nuca, em geral sendo a intensidade moderada. As alterações da pressão intracraniana induzem ao aparecimento de dores pulsáteis e difusas, podendo haver predomínio frontal ou occipital. A instalação depende do fator etiológico primário responsável pelo aumento ou diminuição da pressão intracraniana. Na arterite temporal, a cefaléia é de instalação aguda ou subaguda, contínua, com ocasionais exacerbações, intensidade moderada a severa e localizada na área correspondente ao vaso comprometido. Na carotidínia, a dor pulsátil é de intensidade moderada, início agudo, habitualmente unilateral e começando no nível da bifurcação carotídea, daí se irradiando pelo trajeto da artéria carótida externa. Nas cefaléias ligadas à atividade sexual, o início é sempre agudo ou subagudo, existindo diferenças, no momento do aparecimento, na intensidade e no caráter da dor, em consonância com a forma clínica: constritiva e de média intensidade, de localização occipital e nucal, e aparecendo no auge da excitação sexual–no tipo em peso (ou pré-orgásmica); intensa, pulsátil e difusa, explodindo durante o orgasmo – no tipo explosivo (ou orgásmica); pulsátil, baixa intensidade, sediada na região suboccipital, acentuando-se com a posição ortostática e surgindo após o orgasmo – na modalidade postural (ou pós-orgásmica). Nas neuralgias, as dores são lancinantes, agudas, restritas à área de distribuição do nervo envolvido, no mais das vezes de um lado só, excepcionalmente bilaterais, 44 ao que ocorre com a manutenção de atitudes antifisiológicas da cabeça, desencadear os ataques de cefaléia cervicogênica. As crises hipertensivas dos feocromocitomas podem ser precipitadas por excitação sexual, exercícios físicos, curvar-se, virar-se no leito ou pela palpação abdominal. Problemática sexual, distúrbios emocionais, tensões da vida moderna são fatores determinantes da cefaléia do tipo tensional mormente em sua forma episódica. Esforços físicos ou intercurso sexual podem precipitar hemorragias cerebrais ou subaracnóideas por rotura de malformações vasculares, enquanto tosse, espirros, riso imoderado, esforço para defecar induzem às cefaléias benignas do esforço e da tosse. O uso ou o abuso de drogas pode ser responsável por cefaléias intermitentes ou pelo aparecimento de uma cefaléia crônica diária. Quando um tumor se localiza próximo à via de drenagem do líquido cefalorraquidiano, movimentos do segmento cefálico, em especial o da flexão anterior, podem induzir aparecimento ou agravar uma dor de cabeça preexistente em conseqüência do obstáculo criado ao fluxo liquórico. Antecedentes pessoais – Nos antecedentes dos pacientes com migrânea, freqüentemente se encontram referências a enjôos de viagem, dores abdominais ou precordiais paroxísticas e recorrentes e sem substrato orgânico detectável, manifestações essas consideradas equivalentes da migrânea, ou seja, o modo particular de a migrânea se expressar em crianças. Crises convulsivas relacionadas com esforços físicos ou episódios recorrentes de cefaléias paroxísticas e agudamente instaladas, acompanhadas ou não de vômitos, levam à suspeita de que o atual quadro de hemorragia subaracnóidea tenha malformação angiomatosa cerebral como fator etiológico. Pequenas hemorragias intracranianas, resultantes de fissuras de aneurisma cerebral, podem ter se expressado por cefaléias agudamente instaladas e erroneamente diagnosticadas como crises de migrânea. Traumatismos cranioencefálicos são responsáveis pelo aparecimento de variadas modalidades de cefaléia, acompanhadas ou não de sinais neurológicos. Em alguns casos, a cefaléia é de instalação aguda ou subaguda, surgindo poucas horas ou poucos dias após o trauma, e decorre de hipertensão intracraniana, quer em conseqüência de edema cerebral, quer por hemorragias (cerebrais ou cerebelares), quer ainda por hematomas (extradurais ou subdurais). Em outros, a cefaléia instala-se de maneira subaguda ou mesmo insidiosa, estando relacionada à hipotensão liquórica secundária à perda de líquido cefalorraquidiano através de fístulas, ou por parada em sua produção, como ocorre na aliquorréia pós- traumática. Outras vezes, são formas crônicas de cefaléias bastante diversificadas; algumas do tipo vascular similares às da migrânea, outras assemelháveis àquelas do tipo tensional que, em alguns pacientes, vêm acompanhadas por distúrbios vários (dificuldade de concentração, insônia, irritabilidade, tonturas), perfazendo 45 um quadro outrora conhecido como “síndrome subjetiva tardia dos traumatizados de crânio”. Os traumatismos da região cervical com envolvimento da artéria carótida e a lesão em chicotada da coluna cervical induzem ao aparecimento de quadros cefalálgicos com características que mimetizam a cefaléia em salvas. Nos traumas cervicais, Vijayan e Dreyfus descreveram a “cefalalgia disautonômica pós-traumática” conseqüente de uma disfunção simpática (hiperfunção durante e hipofunção no pós-crise). Nas lesões em chicotada da medula cervical, Hunt e Mayfield relataram um quadro de hemicrania paroxística e unilateral, acompanhada por distúrbios disautonômicos. Dores na região frontal podem estar em conexão com agudização de um quadro de sinusite frontal preexistente e que estava silente. Infecções dos seios frontais ou paranasais ou dos tegumentos da face, num passado recente, podem ter sido ponto de partida para um abscesso cerebral ou uma tromboflebite de veias ou de seios venosos intracranianos, patologias que evoluem com cefaléia, crises convul- sivas e paralisias (abscessos, tromboflebite do seio longitudinal superior) ou exoftalmia com quemose e oftalmoplegia (trombose do seio cavernoso). Hábitos de vida (fumar cachimbo) ou profissões que obriguem à manutenção sustentada e prolongada de posições antifisiológicas da cabeça podem causar contraturas musculares indutoras de cefaléias do tipo miógeno. Fumar em excesso ou o uso imoderado de cafeína em infusões (café, chá) ou preparados farmacêuticos, ou de outras drogas, tais como fenacetina, ergotamina, diidroergotamina e subs- tâncias vasoconstritoras, são responsáveis por cefaléia de rebote. Dores de cabeça conseqüentes de vasodilatação intracraniana podem ser desencadeadas pelo uso de drogas com propriedades vasodilatadoras, várias delas utilizadas no tratamento de arteriopatias e, outras, no preparo (glutamato monossódico) de alimentos ou em procedimentos industriais que visam conservar a aparência de comestíveis (bacon, lingüiça, salame, salsicha), como é o caso dos nitritos. O uso desregrado de bebidas alcoólicas também pode ser fator causal de dores de cabeça, o mecanismo aqui parecendo ser mais complexo do que uma simples vasodilatação intracraniana. Lembrar que o uso abusivo de analgésicos é, por si só, capaz de induzir ao aparecimento de casos de cefaléia crônica diária ou auxiliar na transformação de uma cefaléia intermitente em cefaléia contínua. Uma pergunta que não pode ser esquecida quanto a pacientes do sexo feminino é se estão utilizando anticoncepcionais orais, fator de agravação de quadros cefalálgicos preexistentes ou de indução ao aparecimento de dores de cabeça do tipo tensional ou migranoso. Hodiernamente, e cada vez mais, tem-se preconizado a reposição hormonal para mulheres na menopausa, a agravação de quadros migranosos preexistentes vem sendo observada com relativa freqüência. 46 Antecedentes hereditários – De grande valia para o diagnóstico das doenças hereditárias e familiares, têm, em geral, importância apenas pela incidência de quadro clínico similar entre os familiares de pacientes com migrânea. A anamnese complementada, evidentemente, pelo exame clínico-neurológico vai levar ao diagnóstico correto ou, pelo menos, a uma hipótese solidamente alicerçada, ajudar na decisão sobre a necessidade da realização de exames complementares e na definição daqueles que seriam realmente pertinentes ao caso. No universo das cefaléias, aqui implicando mais ou menos 150 modalidades diferentes, dois grandes grupos são encontrados: 1. Cefaléias primárias: acolhe as dores de cabeça sem substrato orgânico, que são, na prática diária, as mais freqüentes: migrânea em suas diversas formas clínicas; cefaléia dos tipos tensional episódica e crônica; cefaléias em salvas episódica e crônica; hemicranias paroxísticas episódica e crônica. Na quase totalidade dos casos enquadrados nas modalidades acima referidas, exames subsidiários são desnecessários, apenas em algumas situações eles tornam-se indispensáveis. Os diagnósticos de migrâneas hemiplégica e oftalmoplégica, especialmente se os pacientes são vistos na primeira crise, só podem ser firmados após exames complementares, primordialmente por neuroimagem, para afastar de maneira indiscutível outras condições. 2. Cefaléias secundárias: a doença primária pode estar relacionada com variadas etiologias: infecciosa, inflamatória, parasitária, traumática, vascular, tumoral ou dismetabólica. Neste grupo, os exames complementares são imprescindíveis, qual ou quais devem ser solicitados, e em que ordem, está na dependência da doença causal, podendo ser algo tão simples como a determinação da glicemia ou da VHS ou, ao contrário, exames de alta complexidade, alguns utilizando, inclusive, técnicas invasivas. QUANDO SUSPEITAR DA ORGANICIDADE DE UMA CEFALÉIA? 1. Quando o início tiver sido abrupto, mormente se for o primeiro episódio: Suspeita – Hemorragias subaracnóidea, parenquimatosa, intratumoral; tumores intracavitários (em válvula) e de fossa posterior. Exames – Neuroimagem, punção lombar. 2. Quando vier acompanhada por distúbio de consciência, febre e/ou rigidez de nuca: Suspeita – Meningites; meningoencefalite; neuroparasitoses; neurotu- berculose; doença de Lyme; infecção sistêmica; doença do colágeno e Aids. Exames – Punção liquórica; testes no sangue e no LCR, neuroimagem. 49 Raskin NH, Pruzinier MD. Carotidynia. Neurology 1977;27:43-46. Rooke ED. Cefaléia Benigna de Esforço. Clínica Médica da América do Norte. 1968; 4:799-806. Sanvito WL. Síndromes Neurológicas. São Paulo Manole, 1977; 436p. Shaumburg HH et al. Monosodium L-Glutamate: it's pharmacology and role in the Chinese restaurant syndrome. Science 1969;163:826-827. Singh J et al. Acute mountain sickness. Boston New England Journal of Medicine 1969;280:175-184. Sjaastad O, Dale I. Evidence for a new treatable headache entity. Headache 1974;14:105-108. Sjaastad O et al. Chronic paroxysmal hemicrania: mechanical precipitation of attacks. Headache 1979;19:31-37. Symonds C. Cough headache. Brain 1956;29:567-577. 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Porém, o conhecimento detalhado da natureza dos diversos tipos de cefaléia, especialmente daquelas denominadas cefaléias primárias , só obteve progresso significativo nas últimas décadas do século XX. Para isso, contribuíram grandemente os avanços na área da epidemiologia e sua aplicação no estudo das cefaléias. EPIDEMIOLOGIA CLÍNICA APLICADA AO ESTUDO DAS CEFALÉIAS O propósito básico da epidemiologia clínica é promover métodos de observação e interpretação dos fenômenos clínicos que levem a conclusões válidas e úteis para o cuidado dos pacientes e das populações. No que diz respeito às cefaléias, o estudo de sua epidemiologia permite que se conheçam a sua distribuição na população, a amplitude de sua severidade e prejuízo que acarreta, os padrões vigentes de diagnóstico e tratamento, os fatores e risco para a sua ocorrência etc. A partir desses dados, pode-se planejar as estratégias mais efetivas para melhorar o diagnóstico e tratamento, e estruturar intervenções na saúde pública. A maioria dos estudos epidemiológicos sobre cefaléia utiliza duas medidas de freqüência da condição: prevalência e incidência. 52 Prevalência é a proporção de uma população que apresenta uma doença (casos) num determinado período de tempo. Há dois tipos de prevalência: prevalência- ponto (point prevalence), medida em cada pessoa no momento do estudo; prevalência-período, que se refere à ocorrência da doença em qualquer momento durante um período especificado de tempo (vida, último ano, última semana etc.). O delineamento de pesquisa indicado para avaliar a prevalência de uma condição é o estudo transversal. Incidência é a proporção de indivíduos de um grupo que, inicialmente livres de uma condição, a desenvolve ao longo de um determinado período de tempo (casos novos). O estudo de coorte é o delineamento adequado para determinar incidência de uma condição numa população. EPIDEMIOLOGIA DAS CEFALÉIAS PRIMÁRIAS Um fato que dificultou, até recentemente, a pesquisa sobre as cefaléias foi a falta de critérios claros para a definição de um caso de enxaqueca (migrânea), cefaléia do tipo tensional, cefaléia em salvas etc. Isso limitou deveras a comparação interpessoal dos casos e, conseqüentemente, entre os diversos trabalhos sobre o assunto. Mesmo após 1962, com o estabelecimento do Ad Hoc Comittee on Classification of Headaches, os critérios diagnósticos continuaram vagos e ambíguos. Somente em 1988 com o surgimento da classificação das cefaléias da International Headache Society (IHS), é que se passou a dispor de critérios clínicos operacionais e comparáveis para a classificação das cefaléias, critérios esses indispensáveis para o estudo epidemiológico dessas entidades. Embora não destituída de falhas (como, por exemplo, a falta de critérios diagnósticos para a cefaléia crônica diária evoluindo de um caso de migrânea), essa classificação tem permitido uma maior uniformidade diagnóstica, ampliando a possibilidade de comparação entre diferentes estudos e examinadores. Num estudo, em que quatro médicos faziam, separadamente, o diagnóstico das cefaléias baseado nos critérios da IHS, revisando fitas de vídeo com entrevistas estruturadas de pacientes com dor de cabeça, observou-se concordância interobservador satis- fatória. Outros fatores dificultam a realização e a comparação dos estudos epidemio- lógicos. A falta de uniformidade nas manifestações das cefaléias entre os pacientes e ao longo do tempo (no mesmo paciente) interfere no desenvolvimento de definições de casos com alta sensibilidade e especificidade. Outro elemento a ser considerado é o viés de memória de evocação, pelo qual o paciente tende a lembrar dos episódios dolorosos mais dramáticos e freqüentes em detrimento dos mais leves e raros. Uma variante desse viés é o efeito telescópio, que faz o paciente referir eventos remotos em um tempo mais próximo ao presente, e que pode distorcer as medidas de incidência. 55 Por meio de entrevista telefônica de cerca de 10 mil pessoas entre 12 e 29 anos de idade nos Estados Unidos, Stewart et al. (1993) observaram que a incidência de migrânea foi menor no sexo masculino, neste ocorrendo em idade mais precoce (enxaqueca com aura – sexo masculino: 6,6/1.000 pessoas/ano, pico entre 5 e 6 anos; sexo feminino: 14,1/1.000 pessoas/ano, pico entre 12 e 13 anos; enxaqueca sem aura – sexo masculino: 10/1.000 pessoas/ano, pico entre 10 e 11 anos; sexo feminino: 18,9/1.000 pessoas/ano, pico entre 14 a 17 anos). Alguns trabalhos mostram indícios de que a migrânea possa estar aumentando a incidência (e a prevalência) nas últimas décadas. No estudo de Rozen et al., Tabela 3.2 – Algumas estimativas de prevalência para migrânea Autor (ano) Tipo de Método de Amostra Faixa etária Intervalo Definição Prevalência País população pesquisa (anos) enxaqueca (masc.) (fem.) Bille (1962) Estudantes Entrevista, 8. 993 7 – 15 Vida 2 de 3,3 4,4 Suécia correio HF/N/U/AV Ekbom et al. Funcionários Entrevista 9. 610 18 Vida 2 de 1,7 – (1978) HF/N/U/AV Suécia Henry et al. Comunidade Entrevista 4. 204 5 – 65 1 ano IHS 1988 6,1 17,6 (1992) França Rasmussen Comunidade Entrevista, 740 25 – 64 Vida IHS 1988 7,8 25,2 et al. (1991) exame 1 ano 5,9 15,3 Dinamarca clínico Stewart Comunidade Questionário 20. 334 12 – 80 1 ano IHS 1988 6,0 17,7 et al. (1993) EUA Barea et al. Estudantes Entrevista, 538 10 – 18 1 ano IHS 1988 9,6 10,3 (1996) exame dia 0,7 1,8 Brasil clínico Lavados e Comunidade Entrevista 1.385 adultos 1 ano IHS 1988 2,0 11,9 Tenhamm (1997) Chile Launer et al. Comunidade Entrevista 6.491 20 – 65 Vida IHS 1988 13,3 33,0 (1999) telefônica, 1 ano 7,5 25,0 Holanda exame clínico* Lu et al. Estudantes Entrevista 4.064 13 – 15 Vida IHS 1988 5,7 7,8 (2000) Taiwan HF = história familiar, n = náusea, U = unilateral, AV = aura visual. * Se houve dúvida diagnóstica. 56 esse incremento foi mais forte no sexo feminino, especialmente naquelas pacientes em idade reprodutiva. Não estão claros os motivos desse aumento de incidência. Pode ser espúria, em virtude do maior conhecimento da migrânea pelos pacientes e médicos, e não necessariamente uma mudança nas características biológicas da doença. Nesse trabalho de Rozen, verificou-se que a proporção de casos de migrânea diagnosticada por neurologistas diminuiu em 10 anos, com um aumento relativo na detecção de casos feita por médicos de outras especialidades. De fato, apenas 15% dos migranosos procuram neurologistas e menos de 2% consultam especialistas em cefaléia. Um elemento importante no estudo epidemiológico da migrânea são as morbidades associadas, como acidentes vasculares cerebrais, epilepsia, depressão e transtornos de ansiedade. Essas morbidades associadas são mais que casuais, podendo até ser causais. Como exemplo, cita-se o estudo de Merikangas et al. investigando a ocorrência maior que aleatória de acidentes vasculares cerebrais em pacientes com migrânea, particularmente em mulheres jovens. Os trabalhos que procuraram analisar a relação de migrânea com renda mostraram resultados conflitantes. Em um estudo norte-americano a prevalência de migrânea está inversamente relacionada com a renda. Uma das explicações seria maior tendência à perda de emprego e dificuldade para estudar em virtude da freqüência das crises. Essa associação não foi constatada no estudo de Launer, realizado na Holanda, e tampouco no trabalho de Lavados e Tenhamm, no Chile. CEFALÉIA EM SALVAS (CLUSTER HEADACHE) Trata-se de uma cefaléia primária rara, com estimativas de prevalência (não estabelecidas em base populacional) entre 0,09% a 0,4%. Ocorre muito mais em homens que em mulheres (razão homens/mulheres: 4,5 a 6,7/1), com diferença um pouco menor em negros (3/1). Parece haver um risco aumentado de ocorrência dessa condição em parentes em primeiro grau de pacientes com cluster. CEFALÉIA CRÔNICA DIÁRIA A cefaléia crônica diária constitui uma categoria de caracterização ainda controversa, tanto que não figurou na classificação da IHS de 1988. Ultimamente, tem-se aceito o conceito de cefaléia crônica diária toda cefaléia primária que ocorre mais de 15 dias por mês. Segundo a classificação proposta por Silberstein (1994), são duas as entidades que perfazem a maioria dos casos dessa categoria: a cefaléia do tipo tensional crônica e a migrânea transformada. São escassos os estudos de prevalência em base populacional sobre a cefaléia crônica diária. 57 No estudo populacional de Rasmussen (1992), na Dinamarca, a prevalência na vida de cefaléia do tipo tensional crônica foi de 3%. Em Santiago, no Chile, chegou a 2,6% no último ano em relação à pesquisa. Já o trabalho norte-americano de Schwartz mediu a prevalência em um ano de 2,2%, sendo maior em mulheres e inversamente proporcional em nível educacional. No estudo chileno, a cefaléia do tipo tensional crônica foi mais freqüente nas faixas etárias mais avançadas. Outra estatística, do American Migraine Study, relata prevalência de cefaléia diária de 0,5%. A maioria dos pacientes com migrânea “ transformada” é de mulheres, com história prévia de migrânea episódica, geralmente sem aura, de início na adolescência, exibindo um perfil de abuso de analgésicos, uma vez que uma parcela importante tem história prévia de cefaléia do tipo tensional associada. São escassos os dados de estudos populacionais acerca dessa entidade. Num estudo de base populacional espanhol, realizado por Castillo et al., que abarcou uma amostra não selecionada de 1.883 pacientes acima de 14 anos de idade, foi encontrada uma prevalência de 4,7% de cefaléia crônica diária (89 casos) em um mês. Quarenta e dois desses pacientes tiveram diagnóstico (após entrevista, exame físico e análise de um diário de cefaléia) de cefaléia do tipo tensional crônica, enquanto 45 preenchiam os critérios de Silberstein (1994), para o diag- nóstico de migrânea transformada. Rara na população em geral, a cefaléia do tipo tensional crônica é bem mais comum em consultórios médicos e clínicas especializadas. Por exemplo, o levantamento de Gracia Naya abarcando 3.489 pacientes de clínicas neurológicas espanholas mostrou que a maior parte dos pacientes que consultam por dor de cabeça é de mulheres. No total, a cefaléia do tipo tensional crônica foi o diagnóstico em 30,1% dos pacientes, enquanto a migrânea foi diagnosticada em 42%. O IMPACTO DAS CEFALÉIAS PRIMÁRIAS Uma medida de valor epidemiológico cada vez mais considerada quando se fala em qualquer doença é o impacto desta sobre os indivíduos afetados e sobre a sociedade (a população como um todo). No estudo das cefaléias primárias não poderia ser diferente. Expressa-se esse conceito de impacto individual, geralmente, com a quantificação dos dias ou horas de trabalho ou demais atividades sociais perdidos ou com diminuição da produtividade em função da dor de cabeça. Feliz- mente, medidas de mortalidade não são aplicadas ao estudo das cefaléias primárias, e o relato de incapacidade permanente, como seqüela de infarto migranoso genuíno ou casos de cefaléia crônica refratária a tratamento, é raro. A tabela 3.3 mostra algumas medidas encontradas no estudo de Schwartz et al. que tentam quantificar o impacto das cefaléias dos tipos tensional, episódica e crônica sobre os indivíduos (n = 13.345 pacientes). 60 Barea LM, Tannhauser M, Rotta NT. An epidemiologic study of headache among children and adolescents of Southern Brazil. Cephalalgia 1996;16:545-549. Benassi G, D’Alessandro R, Lenzi PL, Manzaroli D, Baldrati A, Lugaresi E. The economic burden of headache: an epidemiological study in the Republic of San Marino. Headache 1986;266:457-459. Bigal ME, Fernandes LC, Bordini CA, Speciali JG. Hospital costs of acute headaches in a Brazilian public emergency room unit. Arq Neuropsiquiatr 2000; 58 (3A):664-670. Castillo J, Muñoz P, Guitera V, Pascual J. 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Neste idioma, utiliza-se também jaqueca, termo herdado do árabe sagiga, que significa fender ao meio e que, no português, tornou-se enxaqueca. Em 1984, a Sociedade Brasileira de Cefaléia sugeriu o uso dos termos migrânea para a doença e migranoso para o paciente. INTRODUÇÃO O diagnóstico da migrânea ou enxaqueca não difere, em linhas gerais, do de outras moléstias: é extremamente fácil nos casos típicos e repleto de sintomas e sinais, e difícil nos casos oligossintomáticos, exigindo alto grau de suspeição clínica do médico. As peculiaridades e dificuldades de diagnóstico, observadas no cotidiano, principalmente para o generalista, devem-se aos seguintes fatos: 1. O nosso raciocínio diagnóstico baseia-se exclusivamente no relato feito pelo paciente de sua dor, não existindo até o momento nenhum marcador diagnóstico adequadamente sensível, específico e disponível para ser utilizado em larga escala para identificar os migranosos. Além da clareza de informação que se alicerça no nível de instrução e cultural do paciente, observou-se que os pacientes ao longo do tempo e após algumas consultas 66 É unilateral no início em cerca de 50% a 75% dos casos, geralmente se tornando difusa no desenrolar da crise. O caráter pulsátil (latejante) está quase sempre presente, tornando-se mais evidente com o esforço físico. As localizações predominantes são a frontal e a temporal. A duração da crise varia entre os episódios, estando também na dependência do uso de analgésicos pelo paciente e da eficácia destes. O habitual é durar de 4 a 48 horas, em média de 6 a 12 horas (Farias da Silva, 1998). A freqüência dos episódios de dor é extremamente variável, com relatos de crises anuais até diárias. Henry et al ., em 1992, em um estudo na França, encontraram a seguinte distribuição de freqüência de crises: menos de 1/ mês: 17%; 1/mês: 32%; de 2 a 4 /mês: 40%; mais de 1/semana: 10%. A intensidade também varia, mais freqüentemente sendo a dor caracterizada como de moderada a forte (as mulheres de maneira consistente relatam seus ataques como mais intensos que os dos homens). Entre os sintomas acompanhantes, náuseas, vômitos, visão turva e foto e/ou fonofobia são mais comuns nas mulheres, ao passo que nos homens auras visuais e somatossensitivas são mais comuns. Palidez cutânea (muito freqüente), osmofobia, hiperemia conjuntival, obstrução nasal, rinorréia, anorexia, tenesmo, diarréia, poliúria, apatia, irritabilidade, dificuldade de concentração, sudorese e visão borrada são também relatados. Em relação à fonofobia, sabe-se que migranosos apresentam maior desconforto induzido pelo som que o grupo-controle, mesmo fora do período de crise. O quadro clínico da migrânea parece variar ao longo do tempo; a consistência dos sintomas foi avaliada em um estudo de 2 anos nos EUA e os sintomas mais consistentes (os pacientes continuavam apresentando) foram: a dor hemicraniana (75%), o caráter latejante (72%) e fotofobia (65%). Em se tratando de fatores desencadeantes das crises, são citados problemas emocionais, cansaço, excesso de atividade física, alterações do sono, jejum prolongado, alimentos gordurosos, leite e derivados, temperos condimentados, chocolate, laranja, banana, abacate, refrigerantes, bebidas alcoólicas, falta ou excesso de café, estímulos olfatórios, visuais ou auditivos intensos, entre outros. Zétola et al., (1998), estudando 987 funcionários do Hospital das Clínicas da UFPR, constataram que 77,8% dos migranosos afirmaram que certos tipos de alimento desencadeavam as crises de dor; 77%, luz forte; 74,2%, barulho; 73,7%, jejum e 79%, estresse. Dentre 768 migranosos, 41,5% identificaram os problemas emocionais como desencadeantes e 14,3%, o jejum e o sono encurtado. Em relação aos fatores de alívio ou melhora , são citados pelos pacientes freqüentemente o sono, a compressão das têmporas e o repouso em um ambiente agradável, silencioso e pouco iluminado. Este último aspecto é típico e permite a diferenciação do comportamento do paciente com cefaléia em salvas, o qual 67 permanece inquieto e agitado durante as crises, não obtendo alívio com o repouso ou simplesmente não conseguindo permanecer quieto. Um tema a ser destacado seria a relação entre os hormônios sexuais femininos e a migrânea, o qual será abordado na página 181 deste livro. Resolução Quando ocorre alívio da dor, há uma sensação de letargia, exaustão; algumas vezes depressão, outras, euforia. São comuns as queixas de irritabilidade, dificuldade de concentração, anorexia, as quais podem permanecer durante dias. SISTEMATIZAÇÃO DO DIAGNÓSTICO Indubitavelmente, com uma expressão clínica tão pleomórfica, sempre foi difícil classificar a enxaqueca. Em 1962, o Comitê Ad hoc do Instituto Nacional de Doenças Neurológicas e Cegueira de Bethesda, nos EUA, divulgou a seguinte definição: “Crises recorrentes de dor de cabeça, de intensidade, duração e freqüência variáveis. As crises são comumente unilaterais no início, e usualmente associadas à anorexia e algumas vezes a náuseas e vômitos. Em alguns casos são precedidas ou acompanhadas por distúrbios sensoriais ou motores e perturbações do humor. Freqüentemente há história familiar de quadro clínico semelhante”. Essa classifi- cação dividia as cefaléias em vasculares e nãovasculares e distinguia a enxaqueca comum (migrânea sem aura, atualmente) da enxaqueca clássica (migrânea com aura); pecava por não permitir um diagnóstico sistematizado e pela imprecisão dos termos utilizados. Em 1988, a Sociedade Internacional de Cefaléia (SIC) elaborou a Classificação e Critérios Diagnósticos das Cefaléias, Nevralgias Cranianas e Dor Facial, o que levou à uniformização da nomenclatura e subdividiu as dores de cabeça em 12 grupos, sendo os quatro primeiros referentes às cefaléia primárias e os demais, às secundárias. A classificação da SIC é constituída de critérios de inclusão e exclusão, extraídos do relato do paciente, e corroborados pela normalidade do exame físico e investigação complementar adequada, quando necessário. O aspecto relevante dessa classificação é a sua operacionalidade, facilitando o diagnóstico mediante a sistematização dos critérios. Inicialmente de aplicação restrita às pesquisas, os critérios da SIC mostraram sua utilidade na prática clínica. Os estudos de acurácia realizados até o momento revelam que esses critérios apresentam alta especificidade (capacidade de incluir um diagnóstico) e baixa sensibilidade (capacidade para excluir um diagnóstico). Um estudo em adultos realizado na França, com o objetivo de avaliar a acurácia dos critérios da SIC, mostra uma sensibilidade menor que 50%, com especificidade de 90%. A performance dos critérios da SIC na distinção entre a migrânea e a cefaléia do tipo tensional é de 94% para especificidade e de 99% para o valor preditivo positivo. 68 Reserva-se o código 1.1 para a migrânea sem aura (pelo menos cinco crises preenchendo os critérios) e 1.2 para a migrânea com aura (pelo menos duas crises que satisfaçam os critérios) (Tabela 4.1). Tabela 4.1 – Grupos diagnósticos da migrânea segundo a classificação da SIC de 1988 1 - Migrânea: 1.1 - Migrânea sem aura 1.2 - Migrânea com aura 1.2.1 - Migrânea com aura típica 1.2.2 - Migrânea com aura prolongada 1.2.3 - Migrânea hemiplégica familiar 1.2.4 - Migrânea basilar 1.2.5 - Aura migranosa sem cefaléia 1.2.6 - Migrânea com aura de instalação aguda 1.3 - Migrânea oftalmoplégica 1.4 - Migrânea retiniana 1.5 - Síndromes periódicas da infância que podem ser precursores ou estar associadas à migrânea 1.5.1- Vertigem paroxística benigna da infância 1.5.2 - Hemiplegia alternante da infância 1.6 - Complicações da migrânea 1.6.1 - Estado migranoso 1.6.2 - Infarto migranoso 1.7 - Distúrbios migranosos que não preenchem os critérios das formas anteriores GRUPOS DIAGNÓSTICOS DA MIGRÂNEA Migrânea sem aura A migrânea sem aura é a forma clínica mais freqüente desse grupo e fica caracterizada, segundo a SIC, quando ocorrem pelo menos cinco crises de dor pulsátil, unilateral, de moderada a forte intensidade e agravada pelo esforço físico habitual, sendo necessárias duas dessas quatro características para que se possa pensar nesse diagnóstico. Além disso, durante a dor, há, no mínimo, um dos seguintes sintomas: 1) náuseas e/ou vômitos; 2) fotofobia e fonofobia. A crise de dor tem duração de 4 a 72 horas (quando a duração é maior que 72 horas, caracteriza-se o estado migranoso). Estudos recentes demonstraram que parentes em primeiro grau de pessoas com migrânea sem aura têm 1,9 vez o risco de ter migrânea sem aura e 1,4 vez o risco de ter migrânea com aura. Migrânea com aura típica Nos estudos realizados em clínicas especializadas de cefaléia, a migrânea com aura apresenta freqüência próxima à da migrânea sem aura em virtude dos vieses de seleção. Distingui-se do grupo diagnóstico anterior pela presença do fenômeno de aura, que se define como um sintoma neurológico totalmente reversível de origem 71 DISTÚRBIOS MIGRANOSOS QUE NÃO PREENCHEM OS CRITÉRIOS DAS FORMAS ANTERIORES São crises supostamente de enxaqueca (impressão clínica), porém não preenchem os critérios de nenhuma das formas clínicas anteriores. MORBIDADES ASSOCIADAS À MIGRÂNEA Define-se co-morbidade como a coexistência de duas condições num mesmo indivíduo em estudos clínicos. Lipton et al. (1994) modificaram esse conceito, caracterizando co-morbidade como a associação entre duas condições que ocorre acima do determinado pela coincidência. São associadas à migrânea as seguintes condições: depressão, epilepsia, transtornos da ansiedade e acidente vascular cerebral isquêmico. Existem evidências mais tênues da associação entre migrânea e prolapso da válvula mitral e fenômeno de Raynaud. Embora não seja um conceito novo, a presença de co-morbidades emerge, na atualidade, como um aspecto de fundamental importância a ser cotejado para uma melhor abordagem diagnóstica e terapêutica do paciente com enxaqueca. A coexistência freqüente dessas doenças e a sobreposição parcial de sintomas sugerem uma patogênese subjacente comum em que fatores de risco genéticos e ambientais independentes convergiriam para produzir alterações cerebrais que dariam origem à enxaqueca e suas co-morbidades com aumentada probabilidade (por exemplo, a hiperexcitabilidade neuronal determinada por fatores genéticos ou ambientais, como um trauma craniano, aumentaria a probabilidade do desenvol- vimento de enxaqueca e/ou epilepsia). Lipton et al. (1994) em um abrangente estudo explorando a co-morbidade de enxaqueca e epilepsia, observaram que os indivíduos com epilepsia apresentam um risco 2,4 vezes maior de ter enxaqueca que seus parentes sem epilepsia, sendo esse risco maior nos indivíduos com epilepsia pós-traumática. A relação entre enxaqueca e AVC parece ser significativa, sendo mais freqüente entre os casos de migrânea com aura e nas isquemias da circulação posterior. Além das restrições metodológicas dos estudos realizados, esse risco relativo, quando avaliado no contexto global dos outros fatores de risco para AVC, é bastante reduzido. Entre as co-morbidades, a depressão e os transtornos de ansiedade são os mais prevalentes. Estudos epidemiológicos longitudinais apontam para os pacientes migranosos um risco 3,6 vezes maior de ter depressão e 1,9 vez maior de ter transtornos de ansiedade, e estes geralmente precedem o início da enxaqueca enquanto a depressão costuma ocorrer após o início dela. A interpretação mais lógica para esses achados é de que distúrbios no mesmo sistema neurotransmissor podem produzir sintomas de uma ou mais condições ao longo da vida. 72 EVOLUÇÃO DA MIGRÂNEA Poucos estudos têm averiguado a evolução da migrânea durante a vida. Bille (1989) relatou que uma criança com migrânea tem 60% de chance de remissão na adolescência e que aos 30 anos, 52% dos meninos e 30% das meninas estavam sem dor. Guidetti e Galli (1998) observaram 34% de remissão e 45% de melhora em crianças com migrânea após 8 anos de seguimento. Cologno, Torelli e Manzoni (1998) reavaliaram 81 pacientes com diagnóstico de migrânea com aura após 10 a 20 anos de seguimento e constataram remissão em 11,1%, diminuição da intensidade em 36,2% e piora em 5,5%. Reavaliaram-se em 2001 os pacientes consultados no ambulatório de cefaléia do HCFMUSP-RP entre os anos de 1987 e 1990 e que obtiveram alta do serviço. Foram contatados 80 pacientes com diagnóstico de migrânea e solicitado a estes que retornassem ao serviço para reavaliação. Da amostra inicial, 35 compareceram. Na entrevista foi aplicado um questionário com o objetivo de avaliar a presença de dor e a evolução da migrânea ao longo dos anos. Naqueles pacientes que ainda se queixavam de dor, esta era classificada segundo os critérios da SIC, as informações obtidas eram comparadas com as características da dor antiga, registradas no prontuário. Foram avaliados então 3 homens e 32 mulheres, com média de idade de 48,6 anos; DP de 13,5. Treze das mulheres entrevistadas se encontravam na menopausa. Os diagnósticos prévios eram: 1.1 (15 pacientes), 1.2.1 (16 pacientes), migrânea sem aura evoluindo para cefaléia crônica diária (4) e migrânea com aura evoluindo para cefaléia crônica diária (2). Observou-se, então, relato de melhora da dor ao longo dos anos na maioria dos indivíduos avaliados (Gráfico 4.1) em relação às principais características da dor (Tabela 4.2). GRÁFICO 4.1 – Evolução da dor ao longo de 10 anos de acordo com o relato dos pacientes avaliados. 17% Evolução da dor em 10 anos Remissão Melhora Piora Sem alteração 20% 9% 54% 73 Tabela 4.2 – Evolução das características das crises de acordo com o registro do prontuário e relato dos pacientes Característica das crises/ Freqüência Duração Intensidade Evolução ao longo dos anos N % N % N % Diminuição 22 75,9 16 55 15 51,7 Sem alteração 5 17,2 8 27,6 8 27,6 Aumento 2 6,9 5 17,2 6 20,7 Total 29 100 29 100 29 100 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Barea LN, Tannhauser M, Rotta NT. An epidemiological study of headache among children and adolescents of southern Brazil. Cephalalgia 1996;16:545-549. Bigal ME, Fernandes LC, Moraes F, Bordini CA ,Speciali JG. Prevalência da migrânea e impacto sobre a qualidade de vida em funcionários do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. Arq Neuropsiquiatr 2000;58:431-436. Bille B. Migraine in Childhood: A 30-Years Follow-Up. 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Cephalalgia 1998;18:449-454. Headache Classification Committee of the International Headache Society. Classification and diagnostic criteria for headache disorders, cranial neuralgias and facial pain. Cephalalgia 1988;8(Suppl 7):1-96. Henry P, Michel P, Brochet B et al. A nationwide survey of migraine in France: prevalence and clinical features in adults. Cephalalgia 1992;12:229-237. Lance, JW. Mechanism and Management of Headaches. London: Buttherworth-Heinemann 1983; pp. 68-90. Lipton RB, Silberstein SD, Stewart WF. An update on the epidemiology of migraine. Headache 1994;31:319-328. 76 Nos estudos do fluxo sangüíneo cerebral regional (FSCr) com equipamentos de alta resolução, na fase precoce da aura de episódios induzidos de enxaqueca, evidencia-se redução do FSC com início focal. Em alguns casos, a primeira anormalidade observada é a hiperperfusão focal, porém, na maioria dos casos, o primeiro fenômeno observado é a redução do FSC no pólo posterior do cérebro, que aparece antes de o paciente observar qualquer sintoma da aura e que aumenta de forma a envolver a área parieto-occipitotemporal e, às vezes, todo o hemisfério. O aumento gradual da área de baixo fluxo foi denominado oligemia alastrante por Olesen et al. (1981). Entretanto, o termo hipoperfusão alastrante é um termo mais adequado e será aqui utilizado. A hipoperfusão alastrante progride num ritmo de aproximadamente 2 mm a 3 mm por minuto da região posterior do cérebro para a anterior, não respeitando os territórios de irrigação das artérias cerebrais maiores e dos seus ramos. Após a rápida progressão da hipoperfusão, o FSCr permanece relativamente estável por pelo menos 1/2 a 1 hora. Pode, porém, manter-se reduzido durante horas. Nessa fase ocorrem os sintomas da aura. O início da cefaléia ocorre enquanto o FSC permanece diminuído. Durante a fase de cefaléia, o FSCr gradualmente muda de anormalmente baixo para alto, sem uma modificação aparente da cefaléia. Em alguns pacientes, a cefaléia desaparece enquanto o FSCr permanece aumentado. Portanto, parece que a cefaléia é dissociada da hipoperfusão no seu início e no seu final. Alguns estudos demonstram que a hiperemia que ocorre posteriormente à hipoperfusão pode persistir durante horas, inclusive mais de 24 horas. Woods et al . realizaram medidas do FSCr numa jovem desde o início de um ataque espontâneo de enxaqueca. A primeira diminuição do FSCr foi verificada bilateralmente no córtex de associação visual. Essa hipoperfusão foi se alas- trando anteriormente, num ritmo constante, em direção às áreas parietais e temporais, poupando o cerebelo, os gânglios da base e o tálamo. Os autores estimaram a diminuição máxima do FSCr em cerca de 40%. Apesar de o estudo evidenciar hipoperfusão cortical occipital, a paciente relatou somente bor- ramento visual, sem caracterizar propriamente aura visual. Portanto, é possível que as alterações do FSCr ocorram tanto na enxaqueca com aura quanto na enxaqueca sem aura, e que porém, nesta, a hipoperfusão seja clinicamente silenciosa. Os atos de falar, ler e ouvir, que normalmente levam a aumentos do FSCr nas áreas específicas do cérebro envolvidas na tarefa, não acarretam essas elevações do fluxo nas áreas cerebrais afetadas pela hipoperfusão durante as crises de enxaqueca, enquanto nas áreas não afetadas pela hipoperfusão, a ativação ocorre da forma habitual. A resposta ao CO2 está alterada, porém não é possível saber se está completamente abolida ou somente reduzida. A auto-regulação parece ser normal. 77 Raskin et al. (1988) relataram que pacientes que foram submetidos a um implante de eletrodos no núcleo magno da rafe ou na substância periaquedutal mesencefálica para o tratamento de dor crônica, referiam cefaléia unilateral semelhante à enxaqueca, com náuseas e vômitos, fotofobia e fonofobia, mesmo quando o paciente não era enxaquecoso. Foram realizados estudos do FSCr durante o ataque e se constataram valores significativamente mais altos do FSCr nas estruturas medianas do tronco cerebral (TC), contralaterais à cefaléia, e que não foram evidenciadas quando não houve ataques. Esse aumento do FSCr no TC, na região da substância periaquedutal mesencefálica, formação reticular do tronco cerebral e lócus cerúleo persistiram mesmo após o desaparecimento da cefaléia. Essas observações indicam que pode existir uma estrutura anatômica no TC ou no mesencéfalo que esteja envolvida na deflagração do ataque de enxaqueca. Weiller et al., usando PET scan para medir o FSCr, relataram a ativação do TC em ataques espontâneos de enxaqueca com dor à direita, horas após o início do ataque. Constataram valores elevados de FSCr no córtex de associação visual e giro do cíngulo bilateralmente. Do lado esquerdo, verificaram aumento do FSCr na parte anterocaudal inferior do giro do cíngulo e no TC, numa região anterior ao aqueduto cerebral e posterior ao trato corticoespinhal. Quando sumatriptano foi administrado a esses pacientes, ocorreu alívio da cefaléia e dos sintomas associados, e houve reversão do aumento do FSCr nos hemisférios cerebrais, porém não no TC, mesmo após o alívio da cefaléia. A ativação do TC pode ser inerente ao processo de enxaqueca, podendo funcionar como um integrador. A ativação contínua desses centros, apesar da resolução dos sintomas pelo sumatriptano, pode ser responsável pela recorrência da cefaléia. A estimulação experimental do núcleo do lócus cerúleo no TC de animais causa redução do FSC, por meio de um mecanismo ligado à estimulação de receptores alfa-2-adrenérgicos. Essa redução, máxima no córtex occipital, é de mais de 25%. Ocorre vasodilatação extracerebral em paralelo. A estimulação do lócus cerúleo durante a crise de enxaqueca, particularmente o grupamento que contém noradrenalina, pode alterar o FSC e a permeabilidade da barreira hematoencefálica. Os estudos do FSC refletem o diâmetro arteriolar, mas não dão informações acerca do fluxo nas artérias maiores. Arteriografias realizadas durante as crises de enxaqueca não revelam anormalidades, exceto por um enchimento anormal da artéria basilar após injeções intracarotídeas, indicando aumento da resistência cerebrovascular na região carotídea. Com relação ao fluxo sangüíneo extracerebral, estudos em que foram realizadas medidas diretas usando xenônio 133 nos músculos temporais e no tecido subcutâneo não revelaram anormalidades durante ataques de enxaqueca com ou sem aura. 78 Vários estudos da velocidade do fluxo sangüíneo nas artérias cerebrais, que foram realizados nos pacientes com enxaqueca utilizando Doppler transcraniano, mostram, com freqüência, resultados contraditórios. No entanto, a maioria desses estudos sugere que os enxaquecosos têm velocidades sistólicas médias de fluxo aumentadas nos períodos interictais. Alguns desses estudos sugerem que nos períodos interictais a árvore arterial cerebral dos pacientes com enxaqueca pode responder mais vigorosamente a uma variedade de estímulos (abertura ocular, hipercapnia e manobra de Valsalva) que a circulação cerebral dos indivíduos que não sofrem de enxaqueca. Parece também que a auto-regulação cerebral não é afetada durante as crises. É preciso enfatizar que o Doppler transcraniano mede os efeitos indiretos das alterações arteriolares sobre as grandes artérias, enquanto os estudos do FSC se relacionam ao nível arteriolar diretamente. As alterações da velocidade do fluxo sangüíneo durante as crises de enxaqueca podem representar modificações do tônus arteriolar cortical. Com a utilização de equipamentos de ultra-som de alta freqüência foram realizadas medidas do diâmetro das artérias temporais e radiais durante as crises e verificou-se que tanto as artérias radiais quanto as temporais estavam contraídas durante as crises, provavelmente em virtude de um aumento do tônus simpático induzido pela dor. A artéria temporal do lado da dor (sintomático) apresentava diâmetros maiores que a do lado não sintomático. Esses achados foram interpretados como o efeito de uma vasodilatação local superimposta a uma vasoconstrição sistêmica. Atualmente existem muitas evidências de que a dor na enxaqueca é mediada por meio das terminações do nervo trigêmeo, e que pode ser devida a uma forma de inflamação neurogênica estéril. A estimulação do gânglio de Gasser pode provocar vasodilatação extracraniana. Uma rede de fibras dos neurônios que dão origem à primeira divisão do trigêmeo se distribui ao redor dos vasos cranianos, constituindo o sistema trigêmino-vascular, via final comum de transmissão das cefaléias vasculares. A densidade das fibras sensitivas é maior ao longo das partes proximais das artérias do polígono de Willis e diminui consideravelmente sobre a convexidade. A distribuição predominantemente ipsolateral das fibras trigeminais explica a distribuição estritamente ipsolateral de muitas cefaléias vasculares. A inervação bilateral dos vasos sangüíneos da linha média (artéria cerebral média, artéria cerebral anterior e seio sagital superior) sugere a possibilidade de que distúrbios nesses vasos possam causar cefaléias bilaterais. A vasodilatação provocada pela estimulação do gânglio de Gasser acompanha- se de granulação de mastócitos e de maior permeabilidade vascular, liberando neuropeptídeos, incluindo a substância P, CGRP (peptídeo relacionado ao gene calcitonina) e o VIP (polipeptídeo intestinal vasoatiavo), que contribuem para manter a vasodilatação. 81 Portanto, as alterações do humor, náuseas e vômitos associados com a crise de enxaqueca poderiam ser relacionados à disfunção do TC e das regiões subcorticais. Dois mecanismos foram propostos para explicar a DAC, sendo um baseado na liberação de íons K+ do tecido neural e outro baseado na liberação de glutamato, que é um aminoácido que funciona como um neurotransmissor excitatório. O tecido neural pode possuir os dois mecanismos. A liberação neuronal de glutamato despolariza neurônios adjacentes que, por sua vez, liberam glutamato adicional propagando a DAC. Um aumento de íons K+ no espaço extracelular ocasiona eventos semelhantes. Dados mais recentes admitem que os íons K+ são os principais responsáveis pela propagação da DAC. Os indivíduos com enxaqueca têm níveis de glutamato e de aspartato sérico substancialmente mais altos no período intercrítico do que os controles, e os que sofrem de enxaqueca com aura têm níveis mais altos que os que têm enxaqueca sem aura. Durante os ataques, o glutamato e, em menor grau, o aspartato sofrem posteriores aumentos, sendo os níveis mais altos atingidos nos que sofrem de enxa- queca com aura. A DAC é mais facilmente desencadeada nos cérebros com deficiência de magnésio. Por estudos de espectroscopia, verifica-se que o cérebro de indivíduos que sofrem de enxaqueca é deficiente em magnésio tanto nas crises (redução de 19%) como nos períodos intercríticos. Existem evidências de que os níveis de magnésio no líquido cefalorraquidiano de pacientes com enxaqueca são mais baixos quando comparados com indivíduos sem enxaqueca. Além disso, substâncias que podem desencadear uma crise, como estrógenos, álcool e fosfatos, diminuem o magnésio sérico. Em parte, o magnésio regula o influxo de cálcio ionizado por meio de canais regulados por receptores NMDA (de aminoácidos excitatórios). A hipomagnesemia pode aumentar a sensibilidade desse tipo de receptor à DAC induzida pelo glutamato, pois o magnésio normalmente modula o receptor NMDA. No neocórtex, a DAC é dependente da ativação do receptor NMDA. O influxo de cálcio desencadeado pela ativação do receptor NMDA é o estímulo próprio para a atividade de óxido nítrico sintetase. Existem muitas evidências que sugerem que a serotonina possa ser particular- mente importante em alguns aspectos da fisiopatologia da enxaqueca. Logo após seu descobrimento, em 1948, a serotonina foi implicada na fisiopatologia da enxaqueca, desde que Sicuteri et al . verificaram excreção urinária aumentada de ácido 5-hidróxi-indolacético durante as crises. A serotonina, 5-hidroxitriptamina (5-HT), funciona predominantemente como um neurotransmissor inibitório no cérebro. Dependendo do tônus vascular, do diâmetro e do leito vascular considerado, a administração de 5-HT pode causar vasoconstrição ou vasodilatação. Em geral, a 5-HT contrai as grandes artérias de 82 condução e anastomoses arteriovenosas, principalmente via receptor 5-HT1b e dilata arteríolas, via receptor 5-HT7. No sistema nervoso central, os neurônios que contêm 5-HT são restritos a grupamentos celulares que se situam perto da linha média do TC. As células mais caudais se projetam para a medula espinhal e participam da modulação da dor e os grupos mais rostrais se projetam para o tálamo, hipotálamo, córtex e sobre vasos cerebrais. A 5-HT está envolvida na fisiopatogênese da enxaqueca, tanto como agente vasomotor que regula o fluxo sangüíneo cerebral, quanto como neurotransmissor nos sistemas neuronais que regulam a nocicepção. Especula-se que nos indivíduos com enxaqueca poderia existir uma transmissão serotoninérgica instável que levaria a um aumento no ritmo de deflagração das células da rafe do TC. Nos pacientes com enxaqueca sem aura, os níveis de serotonina plaquetária são normais entre as crises, mas se reduzem em 40% durante os ataques. Nos pacientes com enxaqueca com aura, tal decréscimo nos níveis de 5-HT plaquetária durante as crises não é detectado. Já os níveis plasmáticos de 5-HT (concentração de 5-HT no plasma livre de plaquetas) mostram alterações similares durante ataques de enxaqueca com e sem aura. Durante as crises, os níveis plasmáticos de 5-HT são cerca de duas vezes mais altos que durante os períodos intercríticos. Portanto, parece ocorrer liberação ictal de 5-HT plaquetária no início da crise, com aumento dos níveis plasmáticos. O aumento de 5-HT plasmático durante a crise de enxaqueca não é devido somente à liberação de 5-HT plaquetária. O turnover sistêmico de 5-HT está aumentado tanto no sangue quanto no LCR dos pacientes com enxaqueca nos períodos intercríticos, o que se reflete nos baixos níveis interictais de 5-HT. Durante os ataques, o turnover de 5-HT está reduzido, resultando na normalização transitória dos níveis de 5-HT plasmáticos. Como a atividade das enzimas envolvidas no metabolismo de 5-HT é reduzida durante as crises de enxaqueca, a redução ictal do turnover de 5-HT pode ser devida a uma diminuição transitória da degradação enzimática. Somente dados fragmentados e, com freqüência, conflitantes estão disponíveis, com respeito aos níveis de 5-HT nos fluidos corporais de pacientes com enxaqueca. Os pacientes com enxaqueca têm, no entanto, um distúrbio sistêmico do metabolismo da serotonina. A fase final dos eventos que culminarão com cefaléia na enxaqueca parece envolver a ativação de receptores 5-HT1. Na visão de alguns autores, o paciente com enxaqueca, que sofre de ataques recorrentes, tem, de forma crônica, níveis sistêmicos baixos de 5-HT, o que o predispõe à cefaléia desde que uma crise tenha se iniciado. Demonstra-se que os neurônios serotoninérgicos localizados na rafe do TC mudam seu padrão de deflagração em resposta a estímulos estressantes, um 83 comportamento compatível com a hipótese de que ataques de enxaqueca sejam deflagrados por um aumento das descargas de 5-HT em resposta a estímulos estressantes. Se a ativação trigêmino-vascular que causa a inflamação neurogênica poderia ser deflagrada por uma alteração no padrão de deflagração dos neurônios da rafe, isso ainda deve ser definido. Há possibilidade de que um aumento abrupto na atividade de neurônios serotoninérgicos da rafe ou uma descarga plaquetária de 5-HT, após uma estimu- lação estressante, ative receptores 5-HT2 sensibilizados e leve à ativação de um processo gerador de dor. Em 1980, Furchgott e Zawadzki relataram que a vasodilatação induzida pela acetilcolina dependeria de um endotélio intacto. Posteriormente, foi identificado o mediador dessa vasodilatação endotélio-dependente como sendo o óxido nítrico (NO). O NO é gerado a partir do terminal guanidino-nitrogênio da l-arginina e oxigênio molecular. A família de enzimas que catalisa a formação de NO é conhecida como óxido nítrico sintetase (NOS). A acetilcolina age por meio da ativação de NOS, por sua ação nos receptores muscarínicos. A liberação de NOS é acelerada em resposta à estimulação de vários receptores pelo glutamato, bradicinina, 5-HT, histamina, substância P, acetilcolina e, talvez, CGRP. O aumento da velocidade de fluxo, com o conseqüente aumento do estresse nas células endoteliais, pode levar à estimulação da NOS. O GTN (gliceriltrinitrato) é considerado um doador de NO exógeno. Várias observações suportam a hipótese de que as cefaléias induzidas pelo GTN ocorram pela liberação de NO. A histamina é um doador endógeno de NO, via ativação de receptores H1. A ativação dos receptores endoteliais H1 induz a formação endógena de NO e, portanto, a cefaléia induzida pela histamina é provavelmente mediada pelo NO, assim como as induzidas por reserpina, fenfluramina, prostaciclina e mCPP. O NO tem inúmeros efeitos fisiológicos em todo o organismo, principalmente vasodilatação endotélio-dependente e produção de hiperalgesia. O NO se difunde livremente através das membranas, não se liga a receptores (ativa guanilato-ciclase solúvel intracelular, que catalisa a formação de GMP cíclico que, por sua vez, fosforila outras enzimas; o resultado final é o aumento do cálcio citosólico). Vários fatores desencadeadores comuns de enxaqueca, como hormônios, álcool e chocolate, podem dar origem a aumentos de NO diretamente ou via aumento de neurotransmissores que podem estimular a formação de NO. Parece que o NO ativa uma cascata de eventos fisiológicos à qual os indivíduos com propensão à enxaqueca são hipersensíveis. Em virtude de sua meia-vida curta, o NO somente pode se difundir por curtas distâncias de uma célula de onde é liberado (150 a 160 mm) e, portanto, os processos envolvidos seriam iniciados dentro ou ao redor dos vasos. 86 Olesen J, Tfelt-Hansen P, Welch KMA.The Headaches, 2nd. Philadelphia: Lippincot e Williams & Wilkins, 2000. Raskin NH. Headache, 2nd ed. New York: Churchil Livingstone, 1988. Russel MB, Olesen J. Increased familial risk and evidence of genetic factor in migraine. BMJ 1995;311:541-544. Silberstein SD, Lipton RB, Goadsby PJ. Headache in Clinical Practice. Oxford: Isis Medical Media, 1998: pp. 61-90. Spearings ELH. Headache. Boston: Butterworth-Heinemann, 1998. TRATAMENTO DA CRISE Ida Fortini Quando se considera o tratamento de uma condição tão complexa como a enxaqueca, a utilização de medicamentos é apenas uma faceta do problema. A orientação terapêutica começa com a atenção que o médico dedica à história do paciente, o cuidado com que ele o examina e eventualmente se completa com a paciência nas explicações que, muitas vezes, é o que o paciente procura. O médico deve encorajar o paciente a desenvolver expectativas realistas com relação ao trata- mento. Fatores predisponentes ou desencadeantes podem ser identificados e eventual- mente afastados. São muito importantes os fatores emocionais como estresse, medo, ansiedade, angústia ou fatores circunstanciais, como fadiga, privação do sono, hipoglicemia, ingestão alcoólica, fumo entre outros. Muitas vezes a correção de um ou mais desses fatores é suficiente para reduzir a freqüência das crises. O médico deve ser capaz de reconhecer condições coexistentes com a enxaqueca, que incluem cefaléia do tipo tensional, asma, alergia, alterações gastrointestinais e hipertensão e co-morbidades comportamentais e psicológicas, como ansiedade, depressão, pânico, transtorno bipolar, fobias sociais e tendência ao abuso de drogas. É útil indicar medidas que levem ao relaxamento, recomendar uma rotina regular de sono e exercícios, e a diminuição da ingestão de álcool, de cafeína e de fumo. Ao se instituir o tratamento sintomático das crises, é importante levar em consideração a administração precoce das drogas de forma segura, em doses adequadas, e tomar cuidados na prevenção do uso de doses excessivas. Muitas das drogas utilizadas tanto no tratamento sintomático como no tratamento profilático das crises de enxaqueca atuam sobre receptores serotoninérgicos, muito embora talvez tenham outros mecanismos de ação possíveis. Existem atualmente descrições de sete tipos de receptores serotoninérgicos. A ativação dos receptores 5-HT1 reduz a resposta nociceptiva, já a estimulação dos receptores 5-HT2 pode aumentar a transmissão da nocicepção em nível espinhal. 87 Várias drogas utilizadas no tratamento sintomático das crises de enxaqueca têm afinidade pelos receptores 5-HT1. Os receptores 5-HT1 têm cinco subtipos denominados a, b, c, d, e, f. O tratamento apenas das crises está indicado quando elas são esparsas. Não há consenso quanto ao número máximo de crises por mês, acima do qual estaria indicado o tratamento profilático. Esse número varia conforme os autores, entre duas e quatro crises por mês. O tratamento sintomático ou abortivo é indicado em praticamente todas as situações de crises moderadas e intensas e, portanto, tem impacto expressivo na qualidade de vida dos portadores de enxaqueca. Existe uma série de medicações abortivas, classificadas em dois grupos principais: a) Drogas não-específicas: • analgésicos não opiáceos (ácido acetilsalicílico, paracetamol, dipirona, clonixinato de lisina) • mucato de isometepteno • antieméticos (metoclopramida, domperidona, proclorperazina) • antiinflamatórios não esteroidais • cafeína • analgésicos opiáceos • neurolépticos (clorpromazina, haloperidol, droperidol) • esteróides (dexametasona, prednisona, metilprednisolona) b) Drogas específicas: • derivados do ergot (ergotamina e diidroergotamina) • agonistas dos receptores 5-HT1b/1d (sumatriptano, rizatriptano, zolmitriptano, naratriptano, eletriptano, almotriptano, frovatriptano). Um quadro de enxaqueca de início recente com crises esparsas geralmente responde bem a analgésicos comuns (aspirina, dipirona e paracetamol) nas doses habituais. Com o passar do tempo, infelizmente a maioria desses pacientes passa a necessitar de medicamentos mais potentes. Quando as crises não respondem a analgésicos comuns, deve-se utilizar outras drogas. Podem ser utilizados os vasoconstritores e destes, a droga mais utilizada é o tartarato de ergotamina, o primeiro a ser introduzido na prática clínica para o tratamento da enxaqueca, há mais de 60 anos. A ergotamina tem atividade em todos os receptores de 5-HT, dopamina e de noradrenalina. Em doses baixas é agonista de alfa-adrenorreceptores. Em altas concentrações é bloqueadora de alfa-adrenorreceptores. Sua ação farmacológica mais importante é inegavelmente a ação vasoconstritora, particularmente marcada no leito vascular carotídeo. A ergotamina inibe o extravasamento dural de plasma após a estimulação do gânglio trigeminal nos ratos e pode bloquear as vias trigêmi- no-vasculares centrais. 88 Embora utilizada há várias décadas, não existem muitos estudos randomizados envolvendo a ergotamina. De modo geral, os estudos mostram que a ergotamina é eficaz no tratamento da enxaqueca, porém o benefício não é adequadamente quantificado. O tartarato de ergotamina é absorvido lenta e incompletamente pelo trato gastrointestinal. A absorção oral de ergotamina é de 60% a 70%, e a biodisponi- bilidade após administração oral é menor que 1%. A concentração de pico no plasma é atingida em 2 horas. A administração concomitante de cafeína, por motivos ainda não bem compre- endidos, provoca maior absorção gastrointestinal da ergotamina. A administração por via retal proporciona níveis séricos maiores que a via oral. A ergotamina pode também ser absorvida pela via inalatória, com concentrações semelhantes àquelas obtidas pela administração via retal. Os níveis plasmáticos de ergotamina nas doses terapêuticas são muito baixos, da ordem de 1 a 5 ng/ml. A ergotamina é metabolizada no fígado e 90% de seus metabólitos são excretados pela bile, e o que resta é seqüestrado em outros tecidos. Existe um segundo pico de absorção 20 horas após a administração, o que significa a perma- nência da ergotamina nos tecidos e a possibilidade de ocorrer acúmulo da droga, quando novas doses são repetidas em curto prazo. Os efeitos colaterais da ergotamina são representados pelo agravamento das náuseas e vômitos que muitas vezes comprometem sua utilização pela via oral. Com o uso de doses excessivas, pode ocorrer insuficiência vascular periférica que, porém, só se manifesta com a ingestão de doses maiores que 15 mg ao dia. Outra eventual complicação do uso da ergotamina diz respeito à possibilidade do desenvolvimento de cefaléias crônicas diárias pelo abuso de sua utilização. O uso do tartarato de ergotamina está contra-indicado nas seguintes condições: doenças vasculares por aterosclerose, tromboangiíte obliterante, doença de Raynaud, tromboflebites e outras condições que causam arterites. Insuficiência hepática ou renal e a existência de infecção ativa impedem o uso da ergotamina. Gravidez e aleitamento também são condições limitantes. Outras contra-indicações incluem: hipertensão arterial importante, hipertireoidismo, desnutrição e porfiria. A DHE é derivada da ergotamina, tem as mesmas características de absorção e espectro de ação, e em doses terapêuticas equivalentes, possui os mesmos efeitos colaterais. As formas de apresentação parenteral e inalatória nasal são disponíveis só para a DHE na maioria dos países. A maioria dos autores sugeria os seguintes limites para a ingestão oral: máximo de 6 mg ao dia e de 10 a 12 mg por semana. Segundo o “consenso europeu para o uso da ergotamina”, parece haver um lugar para a droga no contexto terapêutico, mas somente quando utilizada com 91 Tabela 4.3 – Características farmacológicas e clínicas dos triptanos suma (VO) riza zolmi nara ele frova almo T ½ (horas) 2 2 a 3 3 6 5 25 3 Biodisponibilidade 14% 40 a 45% 40% 63 a 74% 50% 24 a 30% 80% T máx (horas) 2 1 2,5 2 a 3 1 2 a 4 2 a 3 Excreção MAO MAO p450 renal p450 renal a 50% p450 MAO MAO Recorrência 38% 30 a 40% 20 a 37% 25% 25% 8 a 10% ? Interações IMAO IMAO IMAO IMAO IMAO propranolol propranolol % de eficácia 58% 71% 64% 48% 65% 45% 70 a 80% em 2 horas % de eficácia 60 a 74% 60 a 70% em 4 horas suma = sumatriptano; riza = rizatriptano zolmi = zolmitriptano nara = naratriptano ele = eletriptano frova = frovatriptano almo = almotriptano t ½ = meia-vida t máx = tempo para atingir o pico de concentração plasmática MAO = metabolizada pela monoaminoxidade, p450 = metabolizada pelo citocromo p450 IMAO = inibidores da monoaminoxidase recorrência = índice de recorrência da cefaléia em 24 horas. O sumatriptano, assim como os derivados do ergot, tem propriedades vasocons- tritoras que podem limitar seu uso em pacientes portadores de coronariopatias, doenças vasculares periféricas e cerebrais e hipertensão arterial grave. Nos estudos com artérias coronárias humanas, a constrição produzida pela 5-HT é mediada por receptores 5-HT2 e 5-HT1b/1d. O sumatriptano causa 40% da vasoconstrição indu- zida pela 5-HT. Doses terapêuticas de sumatriptano causam redução de 14% no diâmetro das artérias coronárias. O sumatriptano não tem efeitos analgésicos e parece não atravessar a barreira hematoencefálica em animais. Após a administração sistêmica, o sumatriptano causa constrição dos grandes vasos de condutância. Parece não causar alterações significativas da freqüência cardíaca, da pressão arterial ou da freqüência respiratória. Existem também evidências de que o sumatriptano bloqueia seletivamente o extravasamento de plasma dos vasos sangüíneos da dura-máter, diminuindo a inflamação neurogênica, o que talvez ocorra por inibição da liberação de neuro- peptídeos vasoativos, mediada pela ativação de auto-receptores 5-HT1b/1d das fibras sensitivas. O sumatriptano utilizado por via subcutânea é efetivo em mais de 70% dos casos, mesmo quando administrado tardiamente na crise. No entanto, a cefaléia pode recorrer em mais de 38% dos pacientes. Recomenda-se seu uso nas crises moderadas ou graves. A dose de sumatriptano por via subcutânea é de 6 mg. Se a cefaléia recorrer, outra dose de 6 mg pode ser administrada 1 hora após a primeira. A dose máxima por via subcutânea é de 12 mg em 24 horas. A dose oral recomendada é de 50 mg, podendo ser repetida 92 até duas vezes no período de 24 horas. A eficácia do sumatriptano administrado por via oral é menor que quando administrado por via subcutânea. O sumatriptano pode ser utilizado por via inalatória, na dose de 20 mg. O sumatriptano spray nasal (20 mg) tem início de ação mais rápido e, com exceção do sabor desagradável, apresenta boa tolerabilidade. Comparado com o sumatriptano subcutâneo, o spray nasal é menos efetivo na redução dos sintomas de enxaqueca, porém causa menos efeitos adversos. O efeito colateral mais comum é um gosto amargo na boca, que é relatado por cerca de 68% dos indivíduos. A maior parte do spray administrado numa narina é absorvida pela via gastrointestinal. O início de ação mais rápido (15 minutos) ocorre em virtude, provavelmente, de um acesso mais direto ao local da ação antimigranosa ou também de, absorção local do sumatriptano sobre a mucosa nasal com liberação direta para estruturas- alvo intracranianas. Cerca de 75% dos pacientes relatam alívio da dor até 2 horas após a aplicação. Após a descoberta do sumatriptano, outros agonistas 5-HT1d foram desenvol- vidos: zolmitriptano, naratriptano, rizatriptano (já disponíveis no mercado), eletriptano, almotriptano, alniditan etc. O zolmitriptano age não somente nos componentes periféricos do sistema trigêmino-vascular, como também no TC, suprimindo a neuroexcitabilidade dentro do núcleo trigeminal caudal. É rapidamente absorvido por via oral. Pode ser utilizado em doses de 2,5 e 5 mg. O índice de respostas positivas é de 40% a 50% na primeira hora e de 65% a 75% na segunda hora. Os índices de recorrência e persistência da cefaléia foram menores com doses de 2,5 mg que com o placebo. Para pacientes com cefaléia resistente ou recorrente, uma segunda dose de zolmitriptano trata eficazmente tanto a cefaléia quanto os sintomas associados. Em todos os estudos, o zolmitriptano reduziu a incidência de fotofobia, fonofobia e náuseas quando comparado com o placebo. O zolmitriptano tem um metabólito ativo, o n-desmetil-zolmitriptano, que também é degradado pela MAO-A, o que limita a dose total diária para 5 mg, para pacientes fazendo uso de inibidores da MAO. O naratriptano parece ter biodisponibilidade maior que a do sumatriptano e baixa taxa de recorrência, embora tenha menor eficácia. A droga mostra uma relação dose-resposta terapêutica bem definida com relação ao alívio da cefaléia, com uma resposta média de 48%, 2 horas após a administração. A taxa de recorrência da dor dentro das 24 horas é baixa, por volta de 25%, quando comparada com a taxa de recorrência da dor após uso de sumatriptano, que é da ordem de 38%. A tolerabilidade do naratriptano para a dose de 2,5 mg é muito boa, com uma taxa de eventos adversos comparavel à do placebo. É o único dos triptanos que não é contra-indicado para uso concomitante com inibidores da MAO. 93 O rizatriptano também tem alta biodisponibilidade e revela eficácia superior ao placebo já após 30 minutos de uso e até 4 horas após. Sua eficácia em promover o alívio da cefaléia é comparável à do sumatriptano, porém com um início de ação muito mais rápido. A ausência completa de dor após 2 horas foi observada em 22% dos pacientes que usaram o sumatriptano e em até 48% dos que utilizaram o rizatriptano (embora em doses bem mais altas, da ordem de 40 mg). Os efeitos adversos foram pouco freqüentes nas doses de 5 e 10 mg. O rizatriptano está disponível na forma de comprimidos e também na forma de disco dispersível, solúvel sobre a língua, que dispensa a ingestão de água para ser deglutido. Deve-se reduzir a dose para a metade quando os pacientes estão em uso de propranolol. O eletriptano ativa 4,5 vezes mais receptores que a serotonina. Tem um perfil agonista parcial que provê uma explicação racional para a baixa incidência de efeitos adversos relatada nos seres humanos. Exibe alta afinidade pelo receptor 5-HT1f e afinidade 4 a 8 vezes maior que o sumatriptano para os receptores 5- HT1b/1d. É mais rapidamente absorvido por via oral que o sumatriptano. O eletriptano é o mais lipossolúvel dos triptanos. Doses de eletriptano de até 120 mg não foram associadas com alterações clinicamente significativas ou a alterações do ECG. Provavelmente estará disponível no mercado na dose de 40 mg por comprimido. Em relação ao frovatriptano, parece que a maior vantagem desse composto seja a baixa taxa de recorrência da cefaléia, da ordem de 8% a 10%. Tem meia- vida mais longa que a dos outros triptanos, de cerca de 25 horas. O almotriptano é o composto que tem a maior biodisponibilidade entre os triptanos. Em algumas situações, medicamentos auxiliares são muito úteis. Assim, náuseas e vômitos são sintomas comuns da enxaqueca e também efeitos colaterais de muitas drogas citadas. A metoclopramida, por via oral, retal ou parenteral, é a mais freqüentemente utilizada com bons resultados; também podem ser utilizados domperidona, bromoprida e dimenidrato. Ansiolíticos e tranqüilizantes, que podem ser úteis em casos selecionados, não devem ser utilizados no dia-a-dia. Crises prolongadas e refratárias aos medicamentos habituais podem responder melhor a corticóides por via parenteral, em doses iniciais, por via intravenosa, de 10 a 20 mg de dexametasona ou 80 a 160 mg de metilprednisolona, seguidas de doses menores mantidas por 24 a 72 horas. ESTRATÉGIAS DE TRATAMENTO Atualmente existem controvérsias quanto à melhor estratégia a ser utilizada na abordagem das crises de enxaqueca. Debate-se se seria melhor adotar o tratamento escalonado ou o tratamento estratificado. O tratamento escalonado (ou passo a passo) procura utilizar, de início, analgésicos comuns, não levando em consideração a intensidade, a duração da crise ou os 96 Goadsby PJ. Serotonin 5HT1b/1d receptor agonists in migraine. Comparative pharmacology and its therapeutic implications. CNS Drugs 1998;10(4):271-286. Goadsby PJ, Ferrari MD, Olesen J, Stovner LJ, Senard JM, Jackson NC, Poole PH, Stat C. Eletriptan na crise de enxaqueca. Uma comparação duplo-cega e controlada com placebo, com sumatriptano. Neurology 2000;54:156-163. Gobel H, Roswell D, Winter P. A comparison of the efficacy, safety and tolerability of naratriptan and sumatriptan [abstract]. Cephalalgia 1997;17:426. Goldstein J, Ryan R, Jiang K, Getson A, Norman B, Block GA, Lins C and the Rizatriptan Protocol 046 Study Group. Headache 1998;38:737-747. Meloche J. Triptans and migraine: which drug for which patient? Can J Diag 1999;16:67-77. Rappoport AM, Ramadan NM, Adelnon JV, Mathew NT, Elkind AH,Kudrow DB, Earl NL on behalf of the 017 Clinical Trial Study Group. Optimizing the dose of zolmitriptan (ZOMIG, 311C90) for the acute treatment of migraine. A multicenter, double-blind, placebo- controlled, dose-ranging finding study. Neurology 1997;48(suppl). Sanvito WL. Tratamento escalonado versus tratamento estratificado. Simpósio Enxaqueca: Atualidades. XVI Congresso Brasileiro de Neurologia, São Paulo, 1998. Tfelt-Hansen P, Teall J, Rodriguez F, Giacovazzo M, Paz J, Malbecq W, Bock GA, Reines SA, Visser WH on behalf of the Rizatriptan 030 Study Group. Oral rizatriptan versus oral sumatriptan: a direct comparative study in the acute treatment of migraine. Headache 1998;38:748-755. Tfelt-Hansen P, McEwen J. Nonsteroidal Antiinflamatory Drugs in the Acute Treatment of Migraine. In: Olesen J, Tfelt-Hansen P, Welch KMA (eds.). The Headaches 2nd ed. Philadelphia: Lippincot Williams & Wilkins, 2000; pp. 391-397. Tfelt-Hansen P, Saxena PR, Dahlöf C, Pascual J, Lainez M, Henry P, Diener HC, Schoenen J, Ferrari MD, Goadsby PJ. Ergotamine in the acute treatment of migraine. A review and european consensus. Brain 2000;123:9-12. The Subcutaneous Sumatriptan International Study Group. Treatment of migraine attacks with sumatriptan. N Eng J Med 1991;32:316-321. TRATAMENTO PROFILÁTICO Carlos Alberto Bordini Conquanto se possua cada vez mais fármacos altamente eficazes no combate das crises migranosas, essas drogas não reduzem o número de crises ou a evolução da migrânea. Deve-se atentar para: a) 24% dos migranosos padecem mais de quatro crises/mês; b) em 50% dos migranosos, a crise provoca grande diminuição das atividades; c) 85% apresentam em determinadas épocas crises muito intensas. Esses fatos justificariam a introdução de tratamento profilático, semelhantemente ao que se procede em outras áreas médicas, como epilepsia, hipertensão e depressão. Ao se optar pelo início de medicação profilática, considerar que: a) esta será usada por meses ou anos, sua indicação, portanto, deve ser bem estabelecida; b) a 97 profilaxia deve ser evitada caso a paciente deseje engravidar; alguns autores recomendam que se utilize um método contraceptivo eficaz quando se for instituir tratamento profilático; c) migranosos são mais sensíveis aos efeitos colaterais; d) a posologia pode ser menor que a usada em outras condições, assim, a amitriptilina para depressão é usada na dose de 75 a 125 mg, para migrânea a dose usual é de 12,5 a 37,5 mg, a dose de divalproex para epilepsia ou mania é de 1.000 a 3.000 mg; para migrânea, 500 a 1.000 mg. Ao usar medicação profilática, visa-se elevar o limiar de ativação do processo migranoso com as seguintes estratégias: a) Diminuindo a ativação do centro gerador de migrânea; b) Aumentando a antinocicepção central; c) Aumentando o limiar para a depressão alastrante; d) Estabilizando o sensível sistema nervoso migranoso alterando o tônus simpático ou serotoninérgico. Por não se dispor ainda de uma única droga perfeita, isto é, que cure 100% dos pacientes e desprovida de efeitos colaterais ou contra-indicações, a instituição de tratamento para migrânea torna-se um processo fascinante, envolvendo toda a perspicácia do médico que deve conhecer minuciosamente não somente o fármaco, sua ação, contra-indicações, efeitos colaterais, segurança, tolerabilidade, comodidade, mas também seu paciente a fim de se usar o chamado tratamento sob medida (Tabela 4.4), que, sem dúvida, aumenta sobremaneira a possibilidade de sucesso. O tratamento profilático pode ser efetuado sob diversas modalidades: a) episódico: é um tratamento profilático, posto que se tenta prevenir a ocorrência da crise com o uso do fármaco limitado ao período imediata- mente anterior à exposição à circunstância presumidamente deflagradora de crises. Como exemplos há as cefaléias coital e a de exercício; Tabela 4.4 – Profilaxia da migrânea – O tratamento sob medida 1. Tirar vantagens dos efeitos colaterais: • Abaixo do peso: tricíclicos, flunarizina, ciproeptadina • Insônia: tricíclicos • Acima do peso: evitar tricíclicos • Idosos: pode-se usar valproato. Evitar beta-bloqueadores e bloqueadores de canais de cálcio, inclusive flunarizina 2. Tirar vantagens das co-morbidades: • Hipertensão: beta-bloqueadores ou bloqueadores de canais de cálcio • Vertigens: flunarizina • Depressão: tricíclicos • Epilepsia, pânico ou distúrbio bipolar: valproato 3. Observar as limitações impostas pelas co-morbidades: • Depressão: evitar beta-bloqueadores, flunarizina • Epilepsia: evitar tricíclicos e neurolépticos 98 Tabela 4.5 – Circunstâncias para introdução de profilaxia • Duas ou mais crises por mês • Uso de abortivo mais que uma vez por semana • Crises esparsas, porém com grande impacto • Absenteísmo regular profissional, escolar, social ou doméstico • Intolerância ou contra-indicação ou ineficácia de medicamentos abortivos de crises • Algumas circunstâncias raras de alto impacto: migrânea hemiplégica familiar • Durante a gravidez, ocorrendo náuseas e vômitos importantes (risco de desidratação) b) subagudo é quando se institui a profilaxia por determinado período durante o qual o migranoso ficará exposto. Por exemplo, profilaxia para migrânea de altitude, profilaxia perimenstrual da migrânea; c) crônico, contínuo, é o mais corriqueiro. O medicamento é ingerido de maneira ininterrupta. As circunstâncias geralmente aceitas para que se proceda ao tratamento profilático estão listadas na tabela 4.5. CLASSIFICAÇÃO DAS MEDICAÇÕES PROFILÁTICAS Ainda que não haja concordância absoluta entre os cefaliatras a respeito dos fármacos profiláticos de migrânea, a classificação adaptada de Silberstein et al. (1997), com a inserção de medicamentos presentes em nosso mercado, possivel- mente espelhe os conhecimentos atuais do assunto (Tabela 4.6). A diversidade e a multiplicidade de substâncias é o reflexo da inexistência do “fármaco ideal” e é sugestivo de que haja participação de diversos sistemas, que quando ativados resultem em crise migranosa. AS PREFERÊNCIAS E AS EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS Ramadan et al. (1997) revisaram todos os artigos em língua inglesa de estudos randomizados, duplo-cegos, controlados contra placebo de drogas profiláticas para Tabela 4.6 – Classificação das medicações profiláticas de migrânea Primeira linha Segunda linha Alta eficácia Alta eficácia Beta-bloqueadores Metissergida Tricíclicos IMAO Valproato Flunarizina Pizotifeno Baixa eficácia Baixa eficácia Inibidores dos canais de cálcio (verapamil, diltiazem) Lítio Antiinflamatórios não esteroidais Ciproeptadina Inibidores seletivos de recaptação de serotonina 101 e) quanto à afinidade serotoninérgica no SNC: com afinidade (propranolol, pindolol); sem afinidade (metoprolol). Como se depreende, há várias maneiras de se classificare essas substâncias, entretanto não há nítida correlação entre as diferentes propriedades dos beta- bloqueadores e a ação antimigranosa. Dentre todas elas, a mais sugestiva é que o composto seja desprovido de ação simpatomimética intrínseca. O melhor parâmetro é a droga mostrar-se eficaz em ensaios clínicos. Dessas substâncias, a mais utilizada na profilaxia da migrânea é o propranolol (PPN). Sua ação antimigranosa foi descoberta fortuitamente por Rabkin (1966) quando estudava a ação dessa droga na profilaxia da angina pectoris. Verificou que um de seus pacientes apresentou acentuada diminuição da freqüência das crises migranosas e com respectivo recrudescimento das crises quando da interrupção da droga. Logo depois, Wykes (1968) testou PPN em quatro migranosos com angina pectoris, verificando que dois indivíduos melhoraram da migrânea e da angina. A partir disso, numerosos ensaios controlados contra placebo, contra outros profiláticos, comprovaram a eficácia desse fármaco. Outros beta- bloqueadores se mostraram igualmente eficazes (Tabela 4.9). Correntemente, tais drogas situam-se na primeira linha na profilaxia da migrânea. A maneira pela qual essas substâncias exercem sua ação antimigranosa não é perfeitamente conhecida. Schoenen et al. realizaram uma série de experimentos elegantes usando testes psicomotores e experimentos neurofisiológicos. Esses autores concluíram que talvez exista um estado de hiperatividade catecola- minérgica cerebral em migranosos, que se normalizaria com o tratamento com beta-bloqueadores. Precauções: deve-se evitar seu uso em asmáticos (possibilidade de deflagrar broncospasmo), em diabéticos (poderiam mascarar os sintomas de hipoglicemia) e talvez também em deprimidos. Quando se decide por sua retirada, é prudente que ela se faça de forma gradativa ao longo de dias. É válido lembrar que a não resposta à determinado beta-bloqueador não implica a ineficácia de outro. Os beta-bloqueadores correntemente utilizados na prática clínica diária estão na tabela 4.9 e seus efeitos adversos na tabela 4.10. Flunarizina Amery, na década de 1980 emitiu a hipótese de que ocorreria um breve período de hipoxia cerebral focal na crise migranosa e que seria a responsável pela deflagração da depressão alastrante ou pela excitação de centros geradores de migrânea no tronco cerebral. Os fatores subjacentes à hipoxia poderiam ser um estado de hiperatividade simpática que geraria um desequilíbrio entre a necessidade e o aporte de oxigênio. 102 Acompanhando a hipoxia, ocorreriam acidose intracelular e prejuízo das funções da membrana citoplasmática que deixaria de se opor a entrada de íons cálcio, os quais não seriam suficientemente evacuados em virtude da falta de ATP. Tal sobrecarga cálcica aumentaria a produção de neurotransmissores e as alterações neuronais funcionais e estruturais. Baseado nessa hipótese, foi iniciada a procura de fármacos (bloqueadores de canais de cálcio) que pudessem prevenir essa entrada maciça de cálcio. Os bloqueadores de canais de cálcio se classificam em: a) seletivas para canais lentos (classe I semelhantes ao verapamil, da classe II semelhantes à nifedipina, da classe III semelhantes ao diltiazem); b) não seletivos para canais lentos (da classe IV semelhantes à flunarizina, da classe V semelhantes à prenilamina, da classe VI a outros). Trata-se de um grupo heterogêneo de substâncias tanto do ponto de vista de suas seletividades tissulares como das ações terapêuticas. São utilizados na insuficiência coronariana, na hipertensão, na síndrome de Raynaud, no espasmo pós-hemorragia meníngea e na migrânea. Dentre todas essas substâncias, somente a flunarizina (FNZ) mostrou possuir a propriedade de proteção contra a hipoxia nas células cerebrais e de aumentar o limiar para a deflagração da depressão alastrante. Outra característica desse fármaco é ser desprovido de efeitos cardíacos ou hipotensores. Na prática clínica, a FNZ se mostrou bastante eficaz na profilaxia da migrânea, tanto em estudos contra placebo como contra outros profiláticos. Sua ação seria particularmente útil na migrânea com aura e em pacientes com baixa freqüência de crises, porém com grande impacto. A dose usual é 5 a 10 mg ao deitar. Seu efeito é mais bem observado a partir do segundo mês de tratamento. Evitar seu uso em pessoas acima de 55 anos, pois Tabela 4.9 – Antagonistas de receptores beta-adrenérgicos mais usados na profilaxia da migrânea Fármaco Cardiosseletividade Dosagem diária (mg) Propranolol Não 60 a 240 Nadolol Sim 40 a 120 Atenolol Sim 50 a 150 Metoprolol Sim 100 a 200 Tabela 4.10 – Efeitos adversos dos beta-b loqueadores mais usados na profilaxia da migrânea Efeitos colaterais Sistema nervoso central Pesadelos, sonhos vívidos, insônia, fadiga, depressão, impotência Sistema cardiovascular Hipotensão, bradicardia, sensação de cabeça leve, extremidades frias, parestesias, bloqueio de ramo, exacerbação de I.C.C. Outros Broncoespasmo, dispnéia, diarréia, cólicas abdominais 103 para elas provavelmente o risco de desenvolver acatisia esteja aumentado também não usá-la em pacientes com tendência à obesidade, visto que o aumento ponderal é risco não negligenciável. Tampouco se deve prescrever FNZ para pacientes com antecedentes de depressão. A tabela 4.11 resume aspectos relacionados à FNZ. Antidepressivos tricíclicos A amitriptilina tem eficácia comprovada por inúmeros ensaios. Inibe tanto a recaptação de NA como de serotonina. Sua ação antimigranosa é independente da ação antidepressiva. Deve-se usar de 12,5 a 75 mg/dia, preferencialmente à noite. É particularmente útil em migrânea associada a sintomas depressivos, insônia, cefaléia do tipo tensional, grande freqüência de crises, abuso de substâncias. Os principais efeitos adversos relatados são: taquicardia, hipotensão postural, tremor, secura de mucosas, constipação, retenção urinária, sonolência, ganho ponderal. Está contra-indicada em pacientes prostáticos, glaucoma com ângulo fechado e concomitante a inibidores da monoamino oxidase. Outros tricíclicos como imipramina e nortriptilina também podem ser usados com indicações semelhantes. Inibidores da monoamino oxidase (IMAO) São utilizados tendo em vista que a migrânea pode ser considerada uma síndrome hiposserotoninérgica. Lance et al. usaram fenelzina com sucesso em pacientes com migrânea grave e crises freqüentes. Por seus efeitos colaterais (hipotensão postural, crise hipertensiva, quando ingerida com vasta gama de alimentos, e retenção urinária) os IMAO são pouco utilizados na prática diária. Valproato – Divalproex Valproato foi introduzido no arsenal terapêutico em finais da década de 1970, como antiepiléptico. Entre suas ações no SNC destacam-se: a) Ações GABAérgicas (a mais conhecida). Valproato aumenta os níveis de GABA cerebral por ativar sua enzima de síntese (ácido glutâmico descarboxilase) e por inibir suas enzimas de degradação (succinato semial- deído desidrogenase) (Figura 4.2). Tabela 4.11 – Flunarizina Prós Contras Dose única diária de 5 a 10 mg Ganho ponderal em alguns pacientes Baixo custo Depressão do humor, sonolência Útil em crianças Sintomas parkinsonianos, acatisia Desprovida de efeitos cardiovasculares Eficácia a partir do segundo mês
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