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Apostila - saúde pública, Notas de estudo de Farmácia

saúde pública (apostila)

Tipologia: Notas de estudo

2011
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Compartilhado em 04/12/2011

francisco-bisneto-6
francisco-bisneto-6 🇧🇷

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Baixe Apostila - saúde pública e outras Notas de estudo em PDF para Farmácia, somente na Docsity! O Sistema Único de Saúde (SUS): antecedentes históricos Período Colonial - 1500 a 1822 Estamos no ano de 1500, século XV, da Idade Moderna. O descobrimento do Brasil coincidiu com o nascimento da medicina moderna no mundo, com investigações, estudos e descobertas que darão à medicina o cunho científico que passará a ter. Nesse momento histórico, as doenças eram encaradas pelos índios, população nativa do Brasil, como castigo ou provação, cujas causas eles reconheciam como reflexo da vontade de um ser sobrenatural, ação de astros e dos agentes climáticos ou força de uma praga ou feitiço. Dentro das concepções empíricas, místicas e mágicas da doença quando as pessoas adoeciam, recorriam ao pajé, que exorcizava os maus espíritos e utilizava plantas e substâncias diversas no tratamento dos enfermos. Os primeiros colonizadores, obviamente, não endossavam esse sistema de atendimento. Um dos objetivos dos portugueses era converter os indígenas ao cristianismo (“salvar essa gente”, nas palavras de Caminha) e isso significava neutralizar a influência do pajé; e talvez, principalmente, cuidar da saúde dos habitantes da terra. Os padres jesuítas tiveram papel importante na assistência aos doentes, levando medicamentos, por eles manipulados em suas boticas, e alimentos aos pacientes, além de aproveitarem aquele momento para a catequese. O progressivo desenvolvimento da colonização levou ao desaparecimento da assistência médica jesuítica, substituída pelos físicos, como eram conhecidos os médicos da época, e pelos cirurgiões-barbeiros. Nesse período, importada da África, onde era endêmica, e da Europa, a varíola não mais desertou do território brasileiro e, em surtos periódicos, 1 dizimou boa parte da população local. As ações sobre as doenças transmissíveis em nosso meio datam desse tempo do Brasil Colonial, quando os serviços de saúde, organizados precariamente, preocupavam-se com as doenças pestilências, principalmente a varíola e a febre amarela.2 A prática médica era baseada em conhecimentos tradicionais e não “científicos”. A estratégia de controle utilizada na época baseava-se no afastamento ou no confinamento dos doentes nas Santas Casas de Misericórdia, 3 cuja função era mais assistencialista do que curativa. Tal é a característica das ações de combate à hanseníase, voltadas para o indivíduo doente, e não para a prevenção da ocorrência da doença na população. 1 As primeiras referências à varíola datam de 1561 (surto no Maranhão). Sua difusão, ao longo do litoral norte e sul, foi rápida, com o registro de vários surtos em 1563 (Paraíba, Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro). Em 1565, atingiu São Paulo de Piratininga, onde exterminou cinco das 11 aldeias indígenas. 2 Em 1685, a febre amarela penetrou por Recife e atingiu Olinda, em uma epidemia que durou sete anos. 3 A primeira Santa Casa de Misericórdia no Brasil foi inaugurada em Santos, no ano de 1543, construída por Braz Cubas. A segunda foi fundada em Salvador, no ano de 1549, para cumprir a sua missão de tratar dos doentes. No final do século XVI, construiu o Hospital São Cristóvão em Salvador-BA. 4 Em 1568, o Governador Salvador Correa de Sá oficializa o tráfico de escravos africanos, para substituir a mão-de-obra indígena nas grandes plantações de cana-de-açúcar. 5 Após a Revolução Francesa (1789), surgiu a concepção social de causação da doença, que afirmava haver relação entre as condições de vida e de trabalho das populações e o aparecimento de doenças. 6 Em 1864, Louis Pasteur identifica a levedura como agente responsável pela fermentação alcoólica e dá início à chamada Era Bacteriológica. 7 A invasão da Indochina pelos japoneses coloca as fontes produtoras de borracha e de quineiras, de cuja casca é extraído o quinino, nas mãos das “potências do Eixo”. Essa situação determina três providências dos “países aliados” e dos Estados Unidos da América: as tentativas de aclimatização de quineiras na América Latina; a pesquisa de antimaláricos sintéticos; e a criação de serviços para o controle de malária nas regiões produtoras de matérias primas essenciais – no Brasil, a criação do Serviço Especial de Saúde Publica (SESP). 8 Em função do acordo com a “Rubber Reserve Co.”, como conseqüência do convênio firmado entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos, durante a Terceira Reunião de Consulta aos Ministérios das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, realizada no Rio de Janeiro em 1942, sob o patrocínio técnico-financeiro da Fundação Rockefeller. 9 No governo de presidente Juscelino Kubitschek, o nacionalismo da era Vargas foi substituído pelo desenvolvimentismo, com o lema: “50 anos em cinco”, ou seja, 50 anos de progresso em cinco anos de governo. O “paraíso” tropical anunciado pelos marinheiros quando retornavam para seus portos de origem, foi logo substituído pela versão oposta. Já no século XVII, a colônia portuguesa era identificada como o “inferno”, onde os colonizadores brancos e os escravos africanos4 tinham poucas chances de sobrevivência. Os conflitos com os indígenas, as dificuldades materiais de vida na região e, sobretudo, as múltiplas e freqüentes doenças eram os principais obstáculos para o estabelecimento dos colonizadores. Diante do dilema sanitário, o Conselho Ultramarino português, responsável pela administração das colônias, criou, ainda no século XVI, os cargos de Físico-mor e Cirurgião-mor. A população colonial fosse rica ou pobre, tinha medo de submeter-se aos tratamentos desses médicos formados na Europa e preferia utilizar os remédios recomendados pelos curandeiros negros ou indígenas. A ação contra a febre amarela desenvolvida em fins do século XVII, em Pernambuco, inaugura uma nova prática, em que, ao lado das medidas voltadas para o indivíduo – como isolamento – são organizadas ações com o objetivo de destruírem ou transformar tudo o que no meio urbano, era considerado causa da doença. Para evitar a sua propagação, aterram-se águas estagnadas, limpam-se ruas e casas, criam-se cemitérios, purifica-se o ar. O fator desencadeante dessas medidas, contudo, é a própria ocorrência de epidemias. Estas, tão logo controladas, são seguidas pela desativação daquelas medidas saneadoras. Somente a partir do século XIX, estruturam-se ações que visam à promoção da saúde, antes mesmo da ocorrência das doenças. Dentro do movimento denominado de Medicina Social, 5 que eleva à condição de tema a saúde da população e procura intervir na sociedade de maneira global, ações são propostas para dificultar ou impedir o aparecimento da doença, enfrentando as suas causas, contra tudo que, na sociedade, pode interferir no bem-estar físico e moral. A saúde torna-se um problema social que requer autoridades constituídas com o objetivo de preservá-la. O momento em que o Estado se encarrega, de maneira positiva, da saúde dos cidadãos é o mesmo em que a sociedade, como um todo, aparece como passível de regulamentação médica. A nova ótica do Estado sobre a Saúde como instituição compromete o indivíduo doente ao tratamento – se necessário, com o seu isolamento do convívio social –, como também submete a saúde da população – e suas possíveis causas – a uma contínua vigilância. Com a chegada da família real ao Brasil, em 1808, incorporou-se o caráter de ação denominado de Polícia Médica, originário da Alemanha do século XVIII. Essa concepção propunha a intervenção nas condições de vida e saúde da população, com o propósito de vigiar e controlar o aparecimento de epidemias. Tratava-se de um controle-profilaxia, de vigilância da cidade, para controlar as instalações de minas e cemitérios, o comércio do pão, vinho e carne. Em 1808, D. João VI atribui a Fisicatura as ações voltadas para os problemas de higiene do meio urbano, que esboça a idéia de uma Política Sanitária da cidade. A concepção adotada, sobre as causas das doenças baseava-se na teoria iniciada no Rio de Janeiro no ano anterior (demonstrando a precariedade da organização sanitária municipal), foi criada a Junta Central de Saúde Pública, embrião do que viria a se constituir no Ministério da Saúde. A Junta Central de Saúde Pública incorporou os estabelecimentos de Inspeção de Saúde dos Portos do Rio de Janeiro e do Instituto Vacínico. Nessa época, a chamada Medicina Tropical – responsável pela atenção a doenças como malária, febre amarela e várias parasitoses –, passou a ser objeto de interesse não apenas médico ou sanitário, mas também econômico e político. Com o desenvolvimento da bacteriologia (Era Bacteriológica)6 e da utilização de recursos que possibilitaram a descoberta dos microrganismos, surgiu a identificação do agente etiológico da doença, concretizada na segunda metade do século XIX e início do século XX. O conseqüente desenvolvimento de métodos que possibilitavam o combate aos agentes etiológicos (soroterapia, quimioterapia) propiciou a execução da vacinação antivariólica, iniciando uma nova prática de controle das doenças, com repercussões na forma de organização de serviços e ações em saúde coletiva. Como conseqüência da redução da importância do meio na ocorrência das doenças, característico da teoria miasmática, progressivamente, as ações tornam- se mais restritas ao indivíduo portador, para o qual seriam dirigidas as ações de controle. Além da utilização do isolamento do paciente, este seria objeto de intervenção dos serviços de saúde da época. Período da República Velha - 1889 a 1930 No final do século XIX e começo do século XX, ocorreu grande aumento da emigração européia para o Brasil, formada por pessoas muito suscetíveis às doenças tropicais. A péssima situação sanitária do País prejudicava até mesmo a economia, que dependia, fundamentalmente, da exportação do café. Navios recusavam-se a vir ao Brasil. As necessidades de saúde geradas no processo de desenvolvimento econômico e social, de controle de doenças que visavam à manutenção da força de trabalho em quantidade e qualidade adequadas, determinaram, como parte do processo de organização do Estado republicano, a montagem da estrutura sanitária encarregada de responder a essa demanda. A simples fiscalização não resolveria o problema: era preciso uma ação governamental mais abrangente, em bases mais científicas. Em 1889, a proclamação da República acontecia embalada por uma idéia principal: modernizar o Brasil a todo custo. Destituíram-se as Juntas e Inspetorias de Higiene provinciais, substituídas pelos Serviços Sanitários Estaduais, estes bastante deficientes inicialmente. A desorganização desses serviços facilitou a ocorrência de novas ondas epidêmicas no país, logo nos primeiros anos da República. Entre 1890 e 1900, o Rio de Janeiro e as principais cidades brasileiras continuaram as ser vitimadas por varíola, febre amarela, peste bubônica, febre tifóide e cólera, que matavam milhares de pessoas. Diante dessa situação, os médicos higienistas passaram a receber incentivo do governo federal para ocupar cargos importantes na administração pública. Em contrapartida, assumiram o compromisso de estabelecer estratégias para o saneamento das áreas atingidas pelas epidemias, como veremos a seguir. A Bacteriologia vivia seu auge em todo mundo, a medicina higienista começava a ganhar força no Brasil e a pautar o planejamento urbano da maioria das cidades. No momento em que os tripulantes estrangeiros receavam desembarcar nos portos brasileiros, pela temeridade de contrair inúmeras doenças que proliferavam aqui, o saneamento foi à solução encontrada para, literalmente, mudar a imagem do País lá fora. Os problemas de saúde que, então, aparecem como preocupação maior do Poder Público são as endemias e as questões gerais de saneamento nos núcleos urbanos e nos portos, principalmente naqueles vinculados ao segmento comercial voltado à exportação o ao capital industrial nascente. Tratava-se da criação de condições sanitárias mínimas indispensáveis não só para as relações comerciais com o exterior, como também para o êxito da política de imigração, em função da relativa escassez de mão-de-obra nacional. São Paulo, Santos e Rio de Janeiro foram os primeiros Municípios contemplados com programas de obras que visavam ao saneamento da zona urbana. As doenças pestilências como cólera, peste bubônica, febre amarela, varíola e as chamadas doenças de massa, isto é, doenças infecciosas e parasitárias, como tuberculose, hanseníase, febre tifóide, que representavam as doenças de maior expressão a requerer a atenção pública. A estratégia adotada para resolver esses problemas, entretanto, obedecia, principalmente, à necessidade de atrair e reter mão-de-obra e visava dar condições mínimas para o combate à febre amarela iniciado por Oswaldo Cruz no ano de 1903, em nível nacional; além de garantir medidas vacinais obrigatórias contra a varíola, cuja lei foi promulgada em 1904 e que gerou a polêmica Revolta da Vacina. As campanhas contra febre amarela, peste bubônica e varíola, assim como as medidas gerais destinadas à promoção de higiene urbana, caracterizavam-se pela utilização de medidas jurídicas impositivas de notificação de doenças, vacinação obrigatória e vigilância sanitária em geral. No seu conjunto, não ultrapassavam os limites de soluções imediatistas a problemas agudos que, de uma forma ou de outra, poderiam comprometer o desenvolvimento da economia cafeeira. Senão, essas medidas representavam, tão somente, tentativas de respostas aos quadros epidêmicos calamitosos que ameaçavam a população em geral e que, por vezes, davam motivos às pressões políticas. Como fator limitante para a ação da Saúde Pública, figurava o próprio alcance do conhecimento científico e tecnológico referente ao diagnóstico, prevenção e terapia das doenças, quando comparado aos parâmetros atuais. Na década de 1920, a Saúde Pública cresce como questão social, com o auge da economia cafeeira. A partir de então, suas medidas caracterizar-se-ão pela tentativa de extensão de seus serviços a todo o País. As unidades de Saúde Pública existentes estavam vinculadas aos governos estaduais, situadas nas capitais e principais cidades do interior, atuando na assistência médica, assistência materno-infantil, orientação alimentar, fiscalização de alimentos, fiscalização de laboratórios e do exercício da medicina. Os governos estaduais financiavam, também, serviços voltados para a área rural. Em 1923, o estabelecimento de convênio entre o governo brasileiro e a Fundação Rockefeller garantiu a cooperação médico-sanitária e educacional para a implementação de programas de erradicação das endemias, sobretudo nas regiões do interior, onde os trabalhos se concentraram no combate à febre amarela e, mais tarde, à malária. Como iniciativa de ação coadjuvante com aos serviços estaduais e municipais no combate a doenças como ancilostomíase, esse acordo tinha duplo interesse para o País: científico e econômico, porque, além de proteger as populações, aumentaria a sua produtividade. Com a finalidade de controlar e regulamentar o mercado de trabalho, são promulgadas leis. A de maior importância, denominada lei Elói Chaves, de 1923, promulgada pelo Presidente Artur Bernardes, instituiu o Sistema das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP), embrião do seguro social no Brasil. As CAP eram financiadas pela União, pelas empresas empregadoras (1% da receita bruta) e pelos empregados (3% do salário). Eram organizadas pelas empresas, de modo que só os grandes estabelecimentos reuniam condições para isso. Empregadores e empregados participavam, paritariamente, da administração. As CAP previam os seguintes benefícios: assistência médica curativa e fornecimento de medicamentos, aposentadoria por tempo de serviço, velhice ou invalidez; pensões para dependentes dos empregados e auxílios para funeral. Embora fosse regulado pelo Estado, o rápido crescimento do sistema de caixas não permitia ao governo monitorar o seu funcionamento, especialmente no final da República Velha (anos 20), quando o Estado era desprovido, quase totalmente, de instâncias de fiscalização das ações da sociedade civil. O sistema apresentava grandes diferenças entre os planos de benefícios e inexistiam regras comuns de funcionamento técnico-administrativo. Os primeiros a organizar as CAP em suas empresas foram os ferroviários, em 1923, e os estivadores, em 1926 – então, as categorias de trabalhadores mais combativas politicamente. As outras categorias tinham, então, de recorrer a serviços públicos e beneficentes e a profissionais liberais. A partir de 1930, com a alteração do caráter do Estado e a necessária ampliação de suas bases sociais, esses problemas passaram a fazer parte da problemática do elenco de questões do poder instituído. Apenas em um segundo momento, de desenvolvimento da indústria, esse processo ganha respaldo econômico. Ainda em 1923, como tentativa de forçar o processo de centralização, foi criado o Departamento Nacional de Saúde Pública. Entre suas funções, estava a higiene infantil, a industrial e profissional, a propaganda sanitária, a saúde dos portos e o combate às endemias rurais, que não entraram em vigência combate às endemias e assume o controle técnico em Saúde Pública, institucionalizando, também, as campanhas sanitárias. Enquanto a assistência médica evoluía de forma segmentada e restrita aos contribuintes urbanos da previdência social, no âmbito da Saúde Pública, a primeira mudança na cultura campanhista do governo federal, de atuação verticalizada, ocorreu em 1942. Durante a II Guerra Mundial, por razões de ordem estratégica vinculada à produção de borracha7 na Amazônia e à extração de manganês no Vale do Rio Doce, onde os trabalhadores eram dizimados pela malária e pela febre amarela sistematicamente, foi criado o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP). O SESP tinha por objetivo fundamental proporcionar o apoio médico-sanitário às regiões de produção de materiais estratégicos que representavam, naquela época, uma inestimável contribuição do Brasil ao esforço de guerra.8 O SESP disseminou pelo Brasil, ao longo de quase 30 anos, unidades sanitárias modelo, inadequadas à estrutura brasileira e às nossas possibilidades financeiras, fato reconhecido em 1956, em autocrítica da própria SESP e em mensagem ao Congresso, do Presidente Juscelino Kubitscheck. No decorrer de sua existência, o SESP – transformado, em 1960, em fundação do Ministério da Saúde – destacou-se pela atuação em áreas geográficas distantes e carentes e pela introdução de inovações na assistência médico-sanitária, como técnicas de programação e avaliação e métodos de capacitação de pessoal em Saúde Pública. Foi, também, pioneiro na atenção básica domiciliar, com o uso de pessoal auxiliar e, sobretudo, na implantação de redes hierarquizadas de atenção integrada à saúde, proporcionando serviços preventivos e curativos, inclusive internação em especialidades básicas em suas unidades mistas. Período Desenvolvimentista - 1945 a 1964 Na assistência à saúde, a maior inovação aconteceu em 1949, durante o segundo governo de Gaspar Dutra, quando foi criado o Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência (Samdu). A importância histórica desse evento decorre de três características inovadoras da iniciativa: o atendimento médico domiciliar, até então inexistente no setor público, embora comum na prática privada; o financiamento consorciado entre todos os IAP; e, principalmente, o atendimento universal, ainda que limitado aos casos de urgência. Na década de 1950, o movimento de urbanização é intenso, acarretando uma transformação do perfil urbano-rural: aumento da ocupação do setor industrial, favorecido pelo constante fluxo de capital estrangeiro; intensificação do processo de mecanização agrícola, com a destruição do sistema de colonato; e transformação dos colonos em trabalhadores volantes (bóias frias), que passam a residir na periferia dos núcleos urbanos. É nos anos 50 que se recoloca a discussão do padrão de política de Saúde Pública existente, dentro de uma discussão mais geral que pretendia que o desenvolvimento econômico-industrial tivesse a capacidade de resolver os problemas sociais; entre eles, os de saúde. A primeira questão pode ser resumida no que veio a ser conhecido como o círculo vicioso da pobreza e doença, que estabelecia uma relação causal: a doença gerava a pobreza. Imaginava-se que, para alcançar o mesmo nível de saúde de países desenvolvidos, bastaria gastar os mesmos recursos e montar a mesma estrutura de saúde desses países. Investiu-se, durante muitos anos, nessa estratégia, até que se chegasse à conclusão da sua irrealidade. Na metade dos anos 50, a ideologia desenvolvimentista9 coloca a questão de outra forma, invertendo os termos da relação pobreza versus doença, ao afirmar que o desenvolvimento econômico traria consigo, necessariamente, melhorias no nível de saúde da população. Passou-se a investir o pouco recurso público existente na promoção desse desenvolvimento econômico. Aliada à concentração de renda, essa política trouxe, na verdade, a piora das condições de saúde da população. Em 1953, é criado o Ministério da Saúde e, em 1956, o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu), que congrega todos os serviços de combate às doenças endêmicas. Esses serviços atuavam nas capitais e principais cidades do interior, possuindo um sistema de informação que produzia os dados necessários ao seu trabalho. Em 1961, ao final do governo Kubitschek, foi regulamentado o Código Nacional de Saúde, criado pela Lei no 2.312/54. Ele atribuía ao Ministério da Saúde extenso espectro de atuação na regulação de alimentos, estabelecimentos industriais e comerciais, pessoal, veículos; e na distribuição, na propaganda comercial e no controle de resíduos de pesticidas. Com o objetivo de combater a malária e a varíola, foram criados órgãos executivos autônomos, a Campanha de Erradicação da Malária (CEM), em 1962, e a Campanha de Erradicação da Varíola (CEV) em 1966, os quais posteriormente, junto com o DNERu, foram incorporadas à Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), criadas em 1970. A Campanha de Erradicação da Varíola deu importante contribuição à organização do sistema de notificação e investigação de casos suspeitos da doença, em todo o território nacional, segundo a nova conceituação de vigilância epidemiológica, então amplamente difundida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Uma das recomendações básicas preconizadas era a divulgação regular de dados atualizados sobre a situação epidemiológica da doença e das ações de controle realizadas, como instrumento essencial para manter em funcionamento o sistema de notificações. Com essa finalidade, a CEV criou uma publicação semanal que circulou durante toda a duração do programa (1967 a 1974), informando e estimulando os responsáveis pelas atividades de campo: o Boletim da Campanha de Erradicação da Varíola. A CEV implantou dois mecanismos operacionais de grande importância para a expansão das atividades nacionais no campo da epidemiologia aplicada ao controle das doenças transmissíveis: - organização de Unidades de Vigilância Epidemiológica (UVE), na estrutura das Secretarias de Saúde de todos os Estados, com a finalidade primordial de implantar um sistema semanal e de investigação imediata de casos suspeitos de varíola; - delegação de competência à Fundação SESP para coordenar, nacionalmente, a rede de UVE, objetivando assegurar a continuidade das atividades nas Secretarias de Estado de Saúde, com o apoio técnico- administrativo permanente das estruturas regionais da Fundação. No final da década de 50 e até 1966, ao mesmo tempo em que se processava a expansão da medicina previdenciária, montava-se uma estrutura de atendimento hospitalar já, basicamente, de natureza privada, apontando na direção da formação de empresas médicas. Período do Regime Militar - 1964 a 1984 Na década de 60, desencadeia-se a fase aguda da crise do sistema nacional de saúde. De um lado, o sistema previdenciário mostrava-se incapaz de responder à crescente pressão da massa assalariada urbana pela ampliação e melhoria dos serviços. De outro, a expansão do atendimento à Saúde Pública colidia, de há muito, com a escassez financeira do Estado e a falta de prioridade para o setor de saúde. Desenhava-se, progressivamente um quadro nada animador, cujas causas ultrapassavam os limites das instituições encarregados de prestar assistência à saúde no Brasil. Em todos os países, elevavam-se, extraordinariamente, os custos de assistência à saúde, em conseqüência das próprias transformações científicas e tecnológicas por que passava o ato médico. Ocorria, então, uma profunda mudança no saber e na prática médica, baseada na maior utilização de medicamentos, na difusão do uso de serviços para o diagnóstico e na utilização mais intensiva de equipamentos médicos. No Brasil, esta elevação dos custos de assistência à saúde encontrou as instituições completamente despreparadas. A economia desenvolvera-se profundamente, nos dez anos anteriores, criando as bases para o novo desenvolvimento da industrialização. Exigia-se que o aparelho do Estado também se transformasse, para atender as exigências da acumulação capitalista; ou seja, que fossem criadas as bases financeiras adequadas à nova etapa de desenvolvimento. Assim, logo após o golpe de 1964, foram implementadas reformas administrativas, tributárias, financeiras, etc. As transformações do setor Saúde ocorridas nessa época só podem ser entendidas quando vistas no interior dessas mudanças mais amplas. À sua sombra, brotaram transformações em nível de Estado que possibilitaram que a atenção à saúde ocupasse o papel a ela destinado naquele momento (e III. Regionalizar e hierarquizar a assistência médico-sanitária de acordo com os perfis epidemiológicos de cada área do País. O que se consolidou, no entanto, foi à centralização das decisões e mesmo da execução de parte das ações de Saúde Pública, no nível federal, permanecendo a desarticulação entre as atribuições cabíveis a cada Ministério, muito diferentes no que concerne ao poder político e financeiro, com a separação entre a medicina preventiva, objeto das ações do Ministério da Saúde e a medicina curativa cujas ações são atribuídas ao Ministério da Previdência e Assistência Social. Nesse contexto, criam-se o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE), o Programa Nacional de Imunização (PNI) e do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS). Com a criação desses sistemas, consolida-se, no conjunto das práticas de saúde coletiva, a dissociação entre a Vigilância Epidemiológica, que responde pelo controle de doenças, particularmente das doenças transmissíveis, e a Vigilância Sanitária, responsável pela fiscalização de portos, aeroportos, fronteiras, medicamentos, alimentos, cosméticos e bens. Apesar dessas atividades terem sido ampliadas e definidas inter-relações entre as duas estruturas, a automização dessas práticas consolidou-se. Em 1977, a persistência da crise promove um movimento burocrático administrativo que tenta reordenar o sistema, dividindo as atribuições da Previdência em órgãos especializados. Cria-se o Sistema Nacional de Previdência (Sinpas) congregando o Instituto de Administração da Previdência e Assistência Social (Iapas), o INPS e o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps). Esta estrutura manteve-se até o advento da Constituição de1988, que definiu um conceito de Seguridade Social abrangente e universal, estendendo os direitos à cobertura da previdenciária, à saúde e à assistência social, para a totalidade da população, independentemente do exercício profissional e da existência de vínculo contributivo. De 1981 em diante, a SNABS, por meio da Divisão Nacional de Epidemiologia (DNE), assumiu a coordenação do sistema de notificações organizado pela Fundação SESP, passando a centralizar a coleta dos dados no nível nacional. A institucionalização da saúde pública O primeiro governo Vargas é reconhecido pela literatura como um marco na configuração de políticas sociais no Brasil. As mudanças institucionais que ocorreram, a partir de 1930, moldaram a política pública brasileira, estabelecendo um arcabouço jurídico e material que conformaria o sistema de proteção social até um período recente. Coube ao Estado Novo acentuar e dirigir o processo de expansão do capitalismo no campo, de maneira a impedir que nele ocorressem alterações radicais na estrutura da grande propriedade agrária. Em 1937, é promulgada nova Constituição que reforça o centralismo e a autoridade presidencial (ditadura). O trabalhismo oficial e as suas práticas foram reforçados a partir de 1940 com a imposição de um sindicato único e pela exigência do pagamento de uma contribuição sindical. Em 1939, regulamenta-se a justiça do trabalho e, em 1943, é homologada a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). A crescente massa assalariada urbana passa a constituir-se no ponto de sustentação política do novo governo de Getúlio Vargas, por meio de um regime corporativista. São promulgadas as leis trabalhistas e, ao mesmo tempo, cria-se à estrutura sindical do Estado. Essas ações transparecem como dádivas do Governo e do Estado, e não como conquista dos trabalhadores. No que tange à Previdência Social, a política de Estado pretendeu estender a todas as categorias do operariado urbano organizado os benefícios da previdência. Dessa forma, as antigas CAPs são substituídas pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP). Nestes institutos, os trabalhadores eram organizados por categoria profissional (marítimos, comerciários e bancários) e não por empresa. Em 1933, foi criado o primeiro Instituto de Aposentadoria e Pensões, o dos Marítimos (IA�M). Seu decreto de constituição definia, no artigo 46, os benefícios assegurados aos associados: a) aposentadoria; b) pensão em caso de morte: para os membros de suas famílias ou para os beneficiários, na forma do art. 55; c) assistência médica e hospitalar, com internação até 30 dias; e. d) socorros farmacêuticos, mediante indenização pelo preço do custo acrescido das despesas de administração. Até o fim dos anos 1950, a assistência médica previdenciária não era importante. Os técnicos do setor a consideravam secundária no sistema previdenciário brasileiro, e os segurados não faziam dela parte importante de suas reivindicações (POLIGNANO, 2006). As políticas de saúde, então implementadas, corresponderam a alterações em diversos campos; na esfera institucional, a principal mudança consistiu na criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (Mesp), o qual passou por sucessivas reformulações. Ao Mesp cabia a saúde pública, ou melhor, tudo que dissesse respeito à saúde da população e que não se encontrava na área da medicina previdenciária, desenvolvida no Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. O Mesp fazia a prestação de serviços para aqueles identificados como pré-cidadãos: os pobres, os desempregados, os que exerciam atividades informais, ou seja, todos aqueles que não se encontravam habilitados a usufruir os serviços oferecidos pelas caixas e pelos serviços previdenciários. Tal dualidade tornou-se uma das marcas do sistema de proteção social de saúde no Brasil, formalizando no campo da saúde uma separação, uma distinção institucional entre duas áreas de gestão em políticas públicas de saúde, que marcaria definitivamente as ações de saúde no Brasil (LIMA, 2005). Com a promulgação de uma nova Constituição em 1946, o País inicia um período de 19 anos de experiência democrática. A saúde pública, ainda que herdeira dos aparatos estatais construídos nos 15 anos do primeiro governo Vargas, teve sua estrutura centralizada com múltiplos programas e serviços verticalizados para implementar campanhas e ações sanitárias, assim como sua burocracia foi confrontada com novos contextos e contornos políticos e sociais que caracterizaram o Brasil até 1964. a medicina preventiva no currículo das faculdades, tornou obrigatórios os DMPs. No Brasil, os primeiros foram criados na década de 1950. Esse novo campo da especialidade médica foi o lócus a partir do qual começou a se organizar o movimento sanitário, que buscava conciliar a produção do conhecimento e a prática política, ao mesmo tempo em que ampliava seu campo de ação, envolvendo-se com organizações da sociedade civil nas suas demandas pela democratização do País. Foi nesse período que as idéias da medicina social penetraram nos meios acadêmicos brasileiros. Sua abordagem contrapunha-se à “concepção positivista de uma ciência universal, empírica, atemporal e isenta de valores”, uma abordagem médico-social fundada na percepção do caráter político da área da saúde (ESCOREL, 1998). Em fins da década de 1960, desenvolve-se na América Latina uma forte crítica aos efeitos negativos da medicalização. Os programas de medicina comunitária propõem a desmedicalização da sociedade, com programas alternativos de autocuidado da saúde, com atenção primária realizada por pessoal não-profissional e a valorização da medicina tradicional. A Conferência lnternacional sobre a Atenção Primaria à Saúde, realizada em Alma-Ata (localizada no atual Cazaquistão), em 1978, foi o ponto culminante na discussão contra a elitização da prática médica, bem como contra a inacessibilidade dos serviços médicos dos grandes massas populacionais. Na Conferência, reafirmou-se ser a saúde um dos direitos fundamentais do homem, sob a responsabilidade política dos governos, e reconhece-se a sua determinação intersetorial. As novas formulações em torno da prática médica caracterizaram-se pela revisão crítica da teoria preventivista, até então hegemônica na análise dos problemas da saúde. Delimitou-se teoricamente o campo da saúde coletiva e, nessa perspectiva, o estudo do processo saúde-doença teria como foco não mais o indivíduo ou o seu somatório, mas a coletividade (as classes sociais e suas frações) e a distribuição demográfica da saúde e da doença (ESCOREL, 1998). Portanto, o movimento sanitário, entendido como movimento ideológico com uma prática política, constituiu-se a partir dos DMPs em um confronto teórico com o movimento preventivista liberal de matriz americana e com sua versão racionalizadora proposta pela burocracia estatal. O pensamento reformista que iria construir uma nova agenda no campo da saúde desenvolveu sua base conceitual a partir de um diálogo estreito com as correntes marxistas e estruturalistas em voga. O ano de 19�4 marcou o começo de uma importante inflexão política do regime militar que inicia o processo de abertura, completada pelo último presidente militar (1979-1984). Esses anos são marcados pelas críticas ao regime, que procurou resistir, ampliando, por um lado, de forma controlada, o espaço de manifestação política; por outro, utilizando-se simultaneamente de dois mecanismos voltados para responder às demandas das camadas populares: concessões econômicas restritas e uma política social ao mesmo tempo repressiva e paternalista. Destacam-se, ainda, o ressurgimento do movimento estudantil e o surgimento do movimento pela anistia e do novo sindicalismo, além do início do movimento sanitário (CORDEIRO, 2004). Entre essas políticas, o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) foi um pIano qüinqüenal voltado ao desenvolvimento econômico e social, o qual continuava ideologicamente orientado pela visão do “Brasil Grande Potência”. Apareciam nele, entretanto, algumas prioridades no campo social: Educação, Saúde e infra-estrutura de serviços urbanos. O diagnóstico apresentado para a Saúde pública e, até mesmo, para a assistência medica da Previdência denunciava a carência de capacidade gerencial e estrutura técnica. �ara fazer frente a esses desafios, o governo criou o Conselho de Desenvolvimento Social (CDS). O regime precisava lançar mão de políticas sociais para a sua legitimação, por isso investiu, canalizou recursos e priorizou projetos nesses setores. No entanto, não tinha quadros para ocupar todos os espaços abertos e terminou por criar espaços institucionais para pessoas de pensamento contrário, senão antagônicos, ao dominante, em seu setor. Por essa brecha, lideranças do movimento sanitário entraram na alta burocracia estatal, na área da saúde e da Previdência Social (ESCOREL, 1998). A estratégia de distensão política, iniciada pelo governo do general Geisel (1974-1979), possibilitou ao movimento sanitário apresentar propostas transformadoras no sentido de melhorar e democratizar o atendimento à saúde das populações mais carentes. A política de saúde, adotada até então pelos governos militares, colocava ênfase em uma medicina de cunho individual e assistencialista, em detrimento de ações vigorosas no campo da saúde coletiva. Além de privilegiar uma prática médica curativa, em detrimento de medidas de ações preventivas de interesse coletivo, a política de saúde acabou por propiciar um processo incontrolável, por parte dos setores privados, que, na busca do superfaturamento, multiplicavam e desdobravam os atos médicos, optavam por internações mais caras, enfatizavam procedimentos cirúrgicos desnecessários, alem de utilizar pouco pessoal técnico e equipamentos antigos, entre outros expedientes (CORDEIRO, 2004). Atuando sob forte pressão do regime autoritário, o movimento sanitário caracterizou-se, gradualmente, como uma força política construída a partir da articulação de uma série de propostas contestatórias ao regime. Nesses primeiros anos do movimento sanitário, a ocupação dos espaços institucionais caracterizou-se pela busca do exercício e da operacionalização de diretrizes transformadoras do sistema de saúde. Alguns desses projetos tornaram-se modelos de serviços oferecidos pelo sistema de saúde. Entre eles, o Projeto Montes Claros (MOC) cujos princípios, mais tarde, servirão para nortear a proposta do SUS. O Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (Piass) propunha a “interiorização das ações de saúde” e teve como sua área de ação privilegiada a região Nordeste. Abrangendo 10 estados, tornou- se viável por haver contado, a partir de certo momento, com o apoio de Secretários de Saúde dos estados e da própria Previdência Social. O governo Figueiredo, marcado pela abertura política e a influência do II PND, do período Geisel, pareceu, no primeiro momento, mais promissor para a área da saúde. Contudo, não concretizou a unificação dos Ministérios da Previdência e da Saúde, desejada para o aprofundamento das reformas pretendidas. Em contrapartida, as pressões sociais e políticas do setor da saúde resultaram na criação de mecanismos de coordenação interministerial com o objetivo de se elaborar um projeto de grandes proporções para o reordenamento do setor. A primeira versão do projeto, de julho de 1980, denominada originalmente de Pró-Saúde e, mais tarde, Prev- Saúde, passou por diversas redefinições. Na sua primeira versão, o Prev-Saúde apresentava-se, aparentemente, como um pIano que, inspirado em programas de atenção primária, como os projetos Sobradinho, MOC e Piass, tinha como seus pressupostos básicos a hierarquização das formas de atendimento por níveis de complexidade, a integração dos serviços existentes em cada um dos níveis de complexidade, fossem de origem pública ou privada, e a regionalização do atendimento por áreas e populações definidas. Contudo, não passava de uma proposta de investimento no nível primário de atenção, que não tocava significativamente na rede Hospitalar privada. Ao incorporar o ideário do movimento sanitário, construído em amplos debates oficiais, como o I Simpósio sobre Política Nacional de Saúde e a VII Conferência Nacional de Saúde, em 1980, bem como em debates não-oficiais, o Prev-Saúde permaneceu como paradigma das reformas sanitárias desejadas, jamais atendidas pelo governo (ESCOREL; NASCIMENTO; EDLER, 2005). A década de 1980 se inicia com um movimento cada vez mais forte de contestação ao sistema de saúde governamental. As propostas alternativas ao modo oficial de Atenção �� Saúde caracterizam-se pelo apelo �� democratização do sistema, com participação popular, à universalização dos serviços, à defesa do caráter público do sistema de saúde e à descentralização. Ao mesmo tempo, o agravamento da crise da Previdência Social, em 1981, resultou no lançamento do chamado “pacote da previdência” que previa o aumento das alíquotas de contribuição, a diminuição dos benefícios dos aposentados e a intervenção na área da assistência médica da Previdência Social. Foi nesse contexto que teve origem o Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária (Conasp). O Conasp, criado em setembro de 1981, pelo Decreto n. 86.329 da Presidência da República, como órgão do Ministério da Previdência e Assistência Social, deveria operar como organizador e racionalizador da assistência médica e procurou instituir medidas moralizadoras na área da saúde, como, por exemplo, a Portaria n. 3.046, de 20 de julho de 1982, que estabeleceu parâmetros assistenciais visando disciplinar o atendimento médico-hospitalar dos hospitais conveniados e da rede pública e que se corporificou no PIano de Reorientação da Assistência �� Saúde no Âmbito da Previdência Social. As Ações Integradas de Saúde (AIS) surgiram sob a forma de um programa dentro do Plano do Conasp e se concretizaram por meio de convênios, assinados pela maioria dos estados brasileiros entre o MPAS/MS/MEC e as Secretarias Estaduais de Saúde, com a incorporação progressiva dos municípios. Apesar de todos os problemas em sua implementação, as AIS significaram avanços consistentes no fortalecimento da rede básica ambulatorial, na contratação de recursos humanos, na articulação com os serviços públicos municipais, na revisão do papel dos serviços privados e, em alguns casos, na participação da população na gestão dos serviços. Estes avanços, entretanto, não impediram retrocessos (ESCOREL, 1998). Mesmo antes do advento da chamada Nova República, o movimento sanitário realizou sua estratégia de ocupação de todos os espaços de discussão possíveis. Articulado com as lideranças políticas do �aís, promoveu encontros cuja finalidade não se resumia a planejar políticas para a área de saúde, mas, sim, de influenciar na sua adoção. Em 1985, o regime militar chega ao fim. Com o advento da Nova República, lideranças do movimento sanitário assumem efetivamente posições em posto-chave nas instituições responsáveis pela política de saúde no País. Como expressão dessa nova realidade, destaca-se a convocação, em 1986, da 8ª Conferência Nacional de Saúde, cujo presidente foi Sérgio Arouca, então presidente da Fundação Oswaldo Cruz. Este evento é considerado o momento mais significativo do processo de construção de uma plataforma e de estratégias do “movimento pela democratização da saúde em toda sua história” (ESCOREL; NASCIMENTO; EDLER, 2005). determinante histórica e social, resultante do processo de organização da sociedade relacionado a um conjunto ampliado de políticas públicas – habitação, emprego, alimentação, etc –, caracterizada como direito de cidadania e dever do Estado. A transformação do Sistema Nacional de Saúde na direção de um Sistema Único de Saúde, apresentada como condição para a implementação dessa grande reforma sanitária, pautava-se nos princípios da universalização, descentralização com comando único em cada esfera de governo, integralidade de ações e controle social. Entre a promulgação da Constituição de 1988, que criou o SUS, e a sua regulamentação dada pela Lei Orgânica da Saúde no 8.080, de 19 de setembro de 1990, e pela Lei no 8.142, de 20 de dezembro de 1990, agregando todos os serviços da esfera federal, estadual, municipal e os serviços privados, passaram-se quase dois anos de convivência com uma vasta legislação normativa que, ainda, regulava mecanismos e condições de repasse de recursos aos Estados e Municípios, até a efetiva unificação do setor no Ministério da Saúde. A partir da Constituição de 1988, que preconiza acesso universal, igualitário e integral a população aos serviços e ações de proteção e recuperação da saúde, várias iniciativas institucionais, legais e comunitárias foram desenvolvidas no sentido de criar condições de viabilização integral desses direitos. Em 1990, com a extinção da SNABS, as ações nacionais de vigilância epidemiológica e todo o seu acervo documental foram absorvidos pela recém-instituída Fundação Nacional de Saúde (Funasa) que incorporou a FSESP, a Sucam e, posteriormente, áreas técnicas remanescentes da SNABS e da também extinta Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde (SNPES). A proposta de criação do Centro Nacional de Epidemiologia (Cenepi), vinculado à Fundação Nacional de Saúde, surgiu em 1990. Desde a sua criação, o Cenepi buscou promover o uso da epidemiologia em todos os níveis do SUS e subsidiou a formulação e a implementação das políticas de saúde nacionais. O Cenepi desenvolveu trabalhos conjuntos, integrando universidades e serviços de saúde, para o estabelecimento e consolidação de sistemas de informação [Sistema Nacional de Mortalidade (SIM), Sistema Nacional de Nascidos Vivos (Sinasc), Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan), entre outros], constituição da Rede Nacional de Informação para a Saúde (RNIS) e da Rede Interagencial de Informações para a Saúde (Ripsa), capacitação de recursos humanos e apoio à pesquisa. Principalmente, o Cenepi acumulou importante experiência em vigilância epidemiológica de doenças e agravos inusitados à saúde. Um dos pilares do Sistema Único de Saúde passa a ser a descentralização de funções, sob o comando único em cada esfera de governo – federal, estadual e municipal –, o que implica o direcionamento da atenção para as bases locais de operacionalização das atividades de vigilância epidemiológica. Ao nível estadual compete a função de coordenar o Sistema de Vigilância Epidemiológica (SVE), investindo em atividades de normatização, supervisão, capacitação e avaliação ao sistema, enquanto o Município incorpora as ações de vigilância epidemiológica de acordo com o grau de complexidade e estrutura do seu sistema de gestão. Os instrumentos legais que propiciarão a nova organização do sistema de saúde são as Normas Operacionais Básicas (NOB), editadas entre os anos de 1991 e 1996, cuja finalidade é promover e consolidar o pleno exercício, por parte do poder público estadual e municipal, da função de gestão da atenção à saúde. As NOB definem a forma de financiamento, os mecanismos de repasse de recursos, nas relações entre os gestores dos três níveis, enfatizando as descentralizações aos Municípios e criando categorias de gestão diferenciadas, segundo um processo de habilitação. Em 1996, o Ministério da Saúde emite a Portaria no 1.742, publicada no Diário Oficial da União de 6 de novembro daquele ano, que institui a Norma Operacional Básica 1996 (NOB-SUS 96) e que aponta para a condição do comando único em cada nível do sistema, sublinhando a responsabilidade pela saúde do cidadão – também compartilhada entre gestores. Ao promover mecanismos para o exercício de plena responsabilidade do gestor público, a NOB-SUS 96 reafirma as funções de coordenação, articulação, negociação, planejamento, acompanhamento, controle, avaliação e auditoria como de competência dos três níveis de gestão. O Município passa a ser o responsável imediato, de fato, pelo atendimento das necessidades e demandas de saúde da sua população e das exigências de intervenção saneadoras no seu território, de acordo com a sua capacidade de atuação dentro do sistema. A NOB-SUS 96 vem reafirmar a necessidade de aperfeiçoamento da gestão do SUS e reordenação do modelo de atenção à saúde, na valorização dos resultados advindos de programações com critérios epidemiológicos e desempenho das ações com qualidade. A atribuição das ações desenvolvidas foi definida pela elaboração de uma programação que toma, como base, desde o nível municipal de execução, articulado com os demais níveis. A isso, denominou-se Programação Pactuada Integrada (PPI), um processo de elaboração que deve respeitar a autonomia de cada nível gestor. O Estado deveria harmonizar e compatibilizar as programações municipais, incorporando as ações sob a sua responsabilidade direta, mediante negociações com os demais níveis. Dessa forma, a NOB-SUS 96 direcionava, como prioridade do SNVE, o fortalecimento de sistemas municipais de vigilância, dotados de autonomia técnico-gerencial para enfocar os problemas de saúde próprios de suas respectivas áreas de abrangência. As ações de vigilância epidemiológica eram distribuídas segundo graus de complexidade (baixo, médio e alto) e serviam como parâmetro nas propostas de habilitação do Município, quanto à sua gestão. Na gestão plena de atenção básica, o Município se comprometia a notificar as doenças e agravos previstos na legislação vigente, de comum acordo com a Secretaria de Estado da Saúde; e a definir as respectivas responsabilidades em relação às ações de vigilância epidemiológica, ligadas à notificação, busca ativa, investigação de casos, bem como bloqueios vacinais, colheita de exames de laboratório, capacitação de pessoal, avaliação, etc. Na habilitação para gestão plena do sistema municipal, o Município deveria ser capaz de realizar, integralmente, as notificações de doenças de notificação compulsória, investigação epidemiológica – incluindo óbitos infantis e maternos –, consolidação e análise de dados. Quanto mais eficiente fosse a gestão local no desempenho das funções de vigilância epidemiológica, maior seria a oportunidade para que as ações de controle fossem desencadeadas. Os âmbitos de gestão estadual e federal dedicar-se-iam, seletivamente, às questões mais complexas, emergenciais ou de maior extensão, que demandassem a participação de especialistas e centros de referências. As NOB foram o principal instrumento legal para a descentralização das ações de saúde, particularmente as de atenção básica. O mesmo, entretanto, não se podia dizer dos serviços de alta complexidade. Faltava, ainda, uma abordagem regionalizada e mais adequada à estrutura administrativa do país e suas particularidades. É exemplo comum entre os Municípios habilitados em gestão plena e capacitados a oferecer serviços de maior complexidade tentar impedir o acesso a esse atendimento pelos moradores de cidades vizinhas, sob a argumentação de que os recursos que recebem já estão comprometidos com a assistência aos seus habitantes. Sem outra saída, os Municípios menores, ressentidos com as dificuldades dessa falta de autonomia no atendimento à sua população, são obrigados a expandir tais serviços sem uma escala de demanda que justifique o seu investimento. Diante desse tipo de impedimento, era necessário pensar uma política de otimização de recursos pelo Município, ampliando a cobertura das ações e serviços além dos limites do município, com economia de despesas e ganho de qualidade para a saúde. Em janeiro de 2001, o Ministério da Saúde, apoiado pela Comissão Intergestores Tripartite, tomou a decisão de instituir a Norma Operacional à Saúde (NOAS-SUS) em substituição as NOB. A publicação da NOAS-SUS 01/2001, instituída pela Portaria MS/GM no 95, de 26 de janeiro de 2001, teve como objetivo central promover maior eqüidade na alocação de recursos e no acesso da população às ações e serviços de saúde em todos os níveis de atenção. Ela amplia as responsabilidades dos Municípios na atenção básica, define o processo de regionalização da assistência, cria mecanismos para o fortalecimento da capacidade de gestão do SUS e procede à atualização dos critérios de habilitação de Estados e Municípios. A NOAS-SUS 01/2001 prevê a organização de uma assistência qualificada e de melhor resolutividade na atenção básica, a partir da identificação de áreas estratégicas essenciais, relacionadas a problemas de saúde de abrangência nacional. Complementarmente, os gestores estaduais e municipais podem definir outras áreas de ação, de acordo com as especificidades locais. A NOAS-SUS 01/2001 estabelece que o Município poderá pleitear a habilitação à gestão de Sistema Municipal de Saúde em dois níveis: a) Gestão Plena de Atenção Básica Ampliada b) Gestão Plena do Sistema Municipal Para a habilitação na condição de Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada (GPABA), o Município deverá ter, como áreas de atuação estratégicas: o controle da tuberculose; a eliminação da hanseníase; o controle da hipertensão arterial e diabetes mellitus; a saúde da criança; a saúde da mulher; e a saúde bucal. Para o financiamento do elenco de procedimentos da Atenção Básica Ampliada, foi instituído o PAB-Ampliado, no qual os Municípios que recebiam o PAB fixo em valor superior ao PAB-Ampliado não terão acréscimo no valor per capita.
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