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Guias e Dicas
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Arquimedes, o Centro de Gravidade e a Lei da Alavanca, Notas de estudo de Física

Muito bom, fala sobre o centro de gravidade, bem interresante!

Tipologia: Notas de estudo

2011

Compartilhado em 02/01/2011

william-lagasse-9
william-lagasse-9 🇧🇷

4.5

(4)

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Baixe Arquimedes, o Centro de Gravidade e a Lei da Alavanca e outras Notas de estudo em PDF para Física, somente na Docsity! André Koch Torres Assis Arquimedes, o Centro de Gravidade e a Lei da Alavanca A rquim edes, o C entro de G ravidade e a Lei da A lavanca A ssis A peiron Sobre o Autor André Koch Torres Assis nasceu no Brasil em 1962. Formou-se no Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, obtendo o bacharelado em 1983 e o doutorado em 1987. Passou o ano de 1988 na Inglaterra realizando um pós-doutorado no Culham Laboratory (United Kingdom Atomic Energy Authority). Passou um ano entre 1991-92 como Visiting Scholar no Center for Electromagnetics Research da Northeastern University (Boston, EUA). De Agosto de 2001 a Novembro de 2002 trabalhou no Institut für Geschichte der Naturwissenschaften da Universidade de Hamburg, Alemanha, com uma bolsa de pesquisa concedida pela Fundação Alexander von Humboldt da Alemanha. É autor de diversos livros em português e inglês, dentro os quais se destacam Eletrodinâmica de Weber (1995), Cálculo de Indutância e de Força em Circuitos Elétricos (juntamente com M. Bueno, 1998), Mecânica Relacional (1998), Uma Nova Física (1999) e The Electric Force of a Current (juntamente com J. A. Hernandes, 2007). Traduziu para o português o livro Óptica, de Isaac Newton (1996), assim como O Universo Vermelho, de Halton Arp (juntamente com D. Soares, 2001). É professor do Instituto de Física da UNICAMP desde 1989 trabalhando com os fundamentos do eletromagnetismo, da gravitação e da cosmologia. Arquimedes, o Centro de Gravidade e a Lei da Alavanca é um livro que lida com os aspectos fundamentais da física. Descreve os principais eventos na vida de Arquimedes e o conteúdo de suas obras. Discute um grande número de experiências relacionadas com o equilíbrio de corpos suspensos que estão sob a ação gravitacional terrestre. Todas as experiências são descritas com clareza e realizadas com materiais simples, baratos e facilmente acessíveis. Estas experiências levam a uma definição conceitual precisa do centro de gravidade e ilustram procedimentos práticos para encontrá-lo com precisão. São analisadas as condições de equilíbrio estável, neutro e instável. São descritos e explicados muitos brinquedos de equilíbrio. Aspectos históricos relacionados a este conceito são apresentados, juntamente com os valores teóricos do centro de gravidade de diversos corpos obtidos por Arquimedes. O livro também explica como construir e calibrar balanças e alavancas precisas e sensíveis. São realizadas diversas experiências com estes instrumentos até se chegar a uma definição matemática do centro de gravidade e à lei da alavanca, também chamada de primeira lei da mecânica. São descritas diversas conseqüências desta lei, assim como diferentes demonstrações de como se chegar nela. É feita uma análise detalhada das obras de Euclides e de Arquimedes, assim como uma tradução de duas obras destes autores. Uma ampla bibliografia é incluída no final da obra. ISBN 978-0-9732911-7-9 ,!7IA9H3-cjbbhj! Arquimedes, o Centro de Gravidade e a Lei da Alavanca André Koch Torres Assis Apeiron Montreal Sumário Agradecimentos 7 I Introdução 9 1 Vida de Arquimedes 13 2 Obras de Arquimedes 23 2.1 Obras Conhecidas de Arquimedes . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 2.2 O Método de Arquimedes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 II O Centro de Gravidade 37 3 Geometria 39 3.1 Obtendo os Centros de Círculos, Retângulos e Paralelogramos . . 39 3.2 Os Quatro Pontos Notáveis de um Triângulo . . . . . . . . . . . 40 4 Experiências de Equilíbrio e Definição do Centro de Gravidade 45 4.1 Primeiro Procedimento Experimental para se Encontrar o Centro de Gravidade: Experiências com Figuras Planas . . . . . . . . . . 45 4.2 Experiências com Figuras Côncavas ou com Buracos . . . . . . . 56 4.3 Experiências com Corpos Volumétricos . . . . . . . . . . . . . . . 62 4.4 Fio de Prumo, Vertical e Horizontal . . . . . . . . . . . . . . . . 64 4.5 Segundo Procedimento Experimental para se Encontrar o Centro de Gravidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 4.6 Terceiro Procedimento Experimental para se Encontrar o Centro de Gravidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 4.7 Condições de Equilíbrio de Corpos Apoiados . . . . . . . . . . . 76 4.7.1 Equilíbrio Estável, Instável e Indiferente . . . . . . . . . . 80 4.7.2 Estabilidade de um Sistema . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 4.8 Condições de Equilíbrio de Corpos Suspensos . . . . . . . . . . . 85 4.8.1 Equilíbrio Estável e Indiferente . . . . . . . . . . . . . . . 86 4.9 Caso em que o Centro de Gravidade Coincide com o Ponto de Suspensão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 3 4.10 Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 5 Explorando as Propriedades do Centro de Gravidade 99 5.1 Atividades Lúdicas com o Equilibrista . . . . . . . . . . . . . . . 99 5.2 Brinquedos de Equilíbrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107 5.3 Equilíbrio de Botequim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111 5.4 Equilíbrio do Corpo Humano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113 5.5 O ET . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117 6 Alguns Aspectos Históricos sobre o Conceito do Centro de Gra- vidade 121 6.1 Comentários de Arquimedes, Heron, Papus, Eutócius e Simplício sobre o Centro de Gravidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 6.2 Resultados Teóricos sobre o Centro de Gravidade Obtidos por Arquimedes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 III Balanças, Alavancas e a Primeira Lei da Mecânica133 7 Balanças e a Medida do Peso 137 7.1 Construção de uma Balança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 7.2 Medida do Peso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144 7.3 Melhorando a Sensibilidade de uma Balança . . . . . . . . . . . . 148 7.4 Alguns Situações Especiais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 156 7.4.1 Condição de Equilíbrio de um Corpo Suspenso . . . . . . 156 7.4.2 Balanças com o Centro de Gravidade Acima do Fulcro . . 159 7.4.3 Outros Tipos de Balança . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160 7.5 Usando o Peso como Padrão de Força . . . . . . . . . . . . . . . 160 8 A Lei da Alavanca 165 8.1 Construção e Calibração de Alavancas . . . . . . . . . . . . . . . 165 8.2 Experiências com Alavancas e a Primeira Lei da Mecânica . . . . 167 8.3 Tipos de Alavanca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176 8.4 Definição Matemática do Centro de Gravidade . . . . . . . . . . 178 9 Explicações e Deduções da Lei da Alavanca 183 9.1 Lei da Alavanca como um Resultado Experimental . . . . . . . . 183 9.2 Lei da Alavanca Derivada a partir do Conceito de Torque . . . . 185 9.3 Lei da Alavanca Derivada a partir do Resultado Experimental de que um Peso 2P Atuando à Distância d do Fulcro é Equivalente a um Peso P Atuando à Distância d − x do Fulcro, Juntamente com um Peso P Atuando à Distância d + x do Fulcro . . . . . . 188 9.4 Lei da Alavanca como Derivada por Duhem a partir de uma Mo- dificação de um Trabalho Atribuído a Euclides . . . . . . . . . . 191 9.5 Demonstração da Lei da Alavanca a partir de um Procedimento Experimental Atribuído a Euclides . . . . . . . . . . . . . . . . . 193 4 Agradecimentos A motivação para escrevermos este livro surgiu de cursos para aperfeiçoamento de professores de ensino fundamental e médio que ministramos nos últimos anos, dentro do projeto Teia do Saber da Secretaria de Educação do Governo do Es- tado de São Paulo. Foi um privilégio muito grande termos sido convidados a atuar neste programa. O apoio que recebemos por parte da Secretaria de Edu- cação e do Grupo Gestor de Projetos Educacionais da Unicamp, assim como o contato com os alunos que participaram de nossas aulas, foram extremamente enriquecedores para nós. Também foram muito proveitosas as trocas de experi- ências com os colegas da Unicamp que participaram deste projeto. A inspiração para a maior parte das experiências relacionadas com o equilí- brio e o centro de gravidade dos corpos veio dos excelentes trabalhos de Norberto Ferreira e Alberto Gaspar, [Fer], [Fer06] e [Gas03]. Foram extremamente valio- sas as trocas de idéias com eles e com seus alunos, dentre os quais Rui Vieira e Emerson Santos. Agradecemos ainda por sugestões e referências a Norberto Ferreira, Alberto Gaspar, Rui Vieira, Emerson Santos, Dicesar Lass Fernandez, Silvio Seno Chi- beni, César José Calderon Filho, Pedro Leopoldo e Silva Lopes, Fábio Miguel de Matos Ravanelli, Juliano Camillo, Lucas Angioni, Hugo Bonette de Carvalho, Ceno P. Magnaghi, Caio Ferrari de Oliveira, J. Len Berggren, Henry Mendell e Steve Hutcheon, assim como aos meus alunos do Instituto de Física com quem trabalhei este tema. Minha filha e Eduardo Meirelles ajudaram com as figuras da versão em inglês, [Ass08]. Todas as figuras desta versão em português foram feitas por Daniel Robson Pinto, através de uma Bolsa Trabalho concedida pelo Serviço de Apoio ao Estudante da Unicamp, ao qual agradecemos. Agradeço ainda ao Instituto de Física e ao Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e à Extensão da Unicamp, que forneceram as condições necessárias para a realização deste trabalho. André Koch Torres Assis Instituto de Física Universidade Estadual de Campinas — UNICAMP 13083-970 Campinas, SP, Brasil E-mail: assis@ifi.unicamp.br Homepage: http://www.ifi.unicamp.br/˜assis 7 8 Parte I Introdução 9 o material contido aqui para adaptá-lo à sua realidade escolar. Várias das atividades podem ser utilizadas em cursos de formação ou de aperfeiçoamento de professores. Devido ao aprofundamento que o livro apresenta de diversos conceitos e princípios físicos, pode também ser utilizado com proveito em cursos de história e filosofia da ciência. A melhor maneira de ler o livro é realizando em paralelo a maior parte das experiências aqui descritas. Não se deve simplesmente ler o relato destas montagens e atividades, mas sim tentar reproduzí-las e aperfeiçoá-las. Apesar da física conter aspectos filosóficos, teóricos e matemáticos, ela é essencialmente uma ciência experimental. É a junção de todos estes aspectos que a torna tão fascinante. Esperamos que o leitor tenha o mesmo prazer ao realizar as experiências aqui descritas que nós próprios tivemos ao implementá-las. Caso você, leitor, goste deste material, ficaria contente se recomendasse o livro a seus colegas e alunos. Gostaria de saber como foi a realização destas atividades, a reação dos alunos etc. Uma versão em inglês deste livro foi publicada em 2008 com o título: Archi- medes, the Center of Gravity, and the First Law of Mechanics, [Ass08]. Quando necessário usamos no texto o sinal ≡ como símbolo de definição. Utilizamos o sistema internacional de unidades SI. 12 Capítulo 1 Vida de Arquimedes As principais informações que vão aqui foram tiradas essencialmente de Plu- tarco, [Plu], Heath, [Arc02] e [Hea21], Dijksterhuis, [Dij87], assim como de Netz e Noel, [NN07]. Todas as traduções são de nossa autoria. Arquimedes viveu de 287 a 212 a.C., tendo nascido e vivido a maior parte de sua vida na cidade de Siracusa, na costa da Sicília, atual Itália, que naquela época era parte do mundo Grego. Era filho do astrônomo Fídias, que obteve uma estimativa para a razão dos diâmetros do Sol e da Lua. A palavra “Arqui- medes” é composta de duas partes: arché, que significa princípio, domínio ou causa original; e mêdos, que significa mente, pensamento ou intelecto. Se inter- pretarmos seu nome da esquerda para a direita ele poderia significar algo como “a mente principal.” Mas na Grécia antiga era mais comum interpretarmos o nome da direita para a esquerda. Neste caso seu nome significaria “a mente do princípio,” assim como o nome Diomedes significaria “a mente de Deus,” [NN07, págs. 59-60]. Arquimedes passou algum tempo no Egito. É provável que tenha estudado na cidade de Alexandria, que era então o centro da ciência grega, com os sucessores do matemático Euclides, que viveu ao redor de 300 a.C.. Euclides publicou o famoso livro de geometria Os Elementos, entre outras obras, [Euc56]. Vários dos trabalhos de Arquimedes eram enviados a matemáticos que viviam ou que estiveram em Alexandria. O famoso museu de Alexandria, que incluía uma enorme biblioteca, uma das maiores da Antiguidade, havia sido fundado ao redor de 300 a.C. Algumas estimativas afirmam que em seu auge esta biblioteca chegou a ter mais de 500 mil rolos de papiro (com umas 20.000 palavras, na média, em cada rolo). A cidade de Alexandria ficou sobre o domínio romano de 30 a.C. até 400 d.C. Quando César ficou sitiado no palácio de Alexandria houve um incêndio que atingiu um depósito de livros. Em 391 da nossa era houve um grande incêndio nesta biblioteca e não se houve falar mais do museu e da biblioteca a partir do século V. O Império Romano foi fragmentado em duas partes, ocidental e oriental, em 395. Muitas obras de Arquimedes devem ter sido irremediavelmente perdidas neste período. Arquimedes é considerado um dos maiores cientistas de todos os tempos e o 13 maior matemático da antiguidade. É comparável nos tempos modernos apenas a Isaac Newton (1642-1727) não apenas por desenvolver trabalhos experimentais e teóricos de grande alcance, mas pelo brilhantismo e influência de sua obra. Utilizando o método da exaustão, que é um método de se fazer integrações, Arquimedes conseguiu determinar a área, o volume e o centro de gravidade, CG, de muitos corpos importantes, resultados que nunca haviam sido obtidos antes dele. É considerado um dos fundadores da estática e da hidrostática. A capacidade de concentração de Arquimedes é bem descrita nesta passagem de Plutarco (c. 46-122), [Plu]: “Muitas vezes os servos de Arquimedes o levavam contra sua vontade para os banhos, para lavá-lo e untá-lo. Contudo, estando lá, ele ficava sempre desenhando figuras geométricas, mesmo nas cinzas da chaminé. E enquanto estavam untando-o com óleos e perfumes, ele desenhava figuras sobre seu corpo nu, de tanto que se afastava das preocupações consigo próprio, e entrava em êxtase ou em transe, com o prazer que sentia no estudo da geometria.” Esta preocupação de Arquimedes com assuntos científicos em todos os mo- mentos de sua vida também aparece em uma história muito famosa contada por Vitrúvio (c. 90-20 a.C.) em seu livro sobre arquitetura. Ela está relacionada ao princípio fundamental da hidrostática, que lida com a força de empuxo exercida por um fluido sobre um corpo imerso total ou parcialmente no fluido. Ela ilustra a maneira como Arquimedes chegou a este princípio ou ao menos como teve a intuição inicial que desencadeou a descoberta. Citamos de [Mac60, pág. 107] e [Ass96]: “Embora Arquimedes tenha descoberto muitas coisas curiosas que demonstram grande inteligência, aquela que vou mencionar é a mais extraordinária. Quando obteve o poder real em Siracusa, Hierão mandou, devido a uma afortunada mudança em sua situação, que uma coroa votiva de ouro fosse colocada em um certo templo para os deuses imortais, que fosse feita de grande valor, e designou para este fim um peso apropriado do metal para o fabricante. Este, em tempo devido, apresentou o trabalho ao rei, lindamente forjado; e o peso parecia corresponder com aquele do ouro que havia sido designado para isto. Mas ao circular um rumor de que parte do ouro havia sido retirada, e que a quantidade que faltava havia sido completada com prata, Hierão ficou indignado com a fraude e, sem saber o método pelo qual o roubo poderia ser detectado, solicitou que Arquimedes desse sua atenção ao problema. Encarregado deste assunto, ele foi por acaso a um banho, e ao entrar na banheira percebeu que na mesma proporção em que seu corpo afundava, saía água do reci- piente. De onde, compreendendo o método a ser adotado para a solução da proposição, ele o perseguiu persistentemente no mesmo instante, saiu alegre do banho e, retornando nu para casa, gritou 14 “Arquimedes escreveu ao rei Hierão, de quem era amigo próximo, informando que dada uma força, qualquer peso podia ser movido. E até mesmo se gabou, somos informados, de que se houvesse uma outra Terra, indo para ela ele poderia mover a nossa Terra. Hierão ficou admirado e lhe solicitou que demonstrasse isto com uma ex- periência real, mostrando um grande peso sendo movido por uma pequena máquina. De acordo com este desejo Arquimedes tomou um dos navios de carga da frota do rei, o qual não podia ser retirado das docas exceto com grande esforço e empregando muitos homens. Além disso, carregou o navio com muitos passageiros e com carga total. Sentando-se distante do navio, sem fazer esforço, mas apenas segurando uma polia em suas mãos e movendo as cordas lentamente, moveu o navio em linha reta, de maneira tão suave e uniforme como se o navio estivesse no mar.” Hierão ficou tão admirado com este feito que afirmou: “A partir deste dia deve-se acreditar em tudo que Arquimedes disser,” [Arc02, pág. xix]. Plutarco continua, [Plu]: “O rei, admirado com o feito e convencido do poder desta arte, soli- citou que Arquimedes lhe construísse armas apropriadas para todos os fins de um cerco, ofensivas e defensivas. O rei nunca usou estas armas, pois passou quase toda sua vida em paz e em grande abun- dância. Mas toda a aparelhagem estava pronta para uso na época mais apropriada, e juntamente com ela o próprio engenheiro.” Durante a Segunda Guerra Púnica entre Roma e Cartago, a cidade de Si- racusa associou-se a Cartago. Siracusa foi atacada pelos romanos em 214 a.C., comandados pelo general Marcelo. Muitas informações sobre Arquimedes so- breviveram na famosa biografia sobre Marcelo escrita por Plutarco. Marcelo atacou Siracusa por terra e pelo mar, fortemente armado. De acordo com Plu- tarco, [Plu]: “[Todos os armamentos de Marcelo] eram bagatelas para Arquimedes e suas máquinas. Ele havia projetado e construído estas máquinas não como assunto de qualquer importância, mas como meras diver- sões em geometria. Havia seguido o desejo e o pedido do rei Hierão, feito pouco tempo antes, tal que pudesse colocar em prática parte de suas especulações admiráveis em ciência, e para que, acomodando a verdade teórica para a percepção e o uso comum, pudesse trazê-la para a apreciação das pessoas em geral.” Em outro trecho ele afirma, [Plu]: “Portanto, quando os romanos assaltaram os muros de Siracusa em dois lugares simultaneamente, os habitantes ficaram paralisados de medo e de pavor, acreditando que nada era capaz de resistir a esta 17 violência e a estas forças. Mas quando Arquimedes começou a ma- nejar suas máquinas, ele lançou contra as forças terrestres todos os tipos de mísseis e rochas imensas que caíam com grande estrondo e violência, contra as quais nenhum homem conseguia resistir em pé, pois elas derrubavam aqueles sobre quem caíam em grande quanti- dade, quebrando suas fileiras e batalhões. Ao mesmo tempo, mastros imensos colocados para fora das muralhas sobre os navios afunda- vam alguns deles pelos grandes pesos que deixavam cair sobre eles. Outros navios eram levantados no ar pelos mastros com uma mão de ferro ou com um bico de um guindaste e, quando os tinha levan- tado pela proa, colocando-a sobre a popa, os mastros os lançavam ao fundo do mar. Ou ainda os navios, movidos por máquinas e colocados a girar, eram jogados contra rochas salientes sob as mu- ralhas, com grande destruição dos soldados que estavam a bordo. (...) Os soldados romanos ficaram com um pavor tão grande que, se vissem uma pequena corda ou pedaço de madeira saindo dos muros, começavam imediatamente a gritar, que lá vinha de novo, Arquime- des estava para lançar alguma máquina contra eles, então viravam as costas e fugiam. Marcelo então desistiu dos conflitos e assaltos, colocando toda sua esperança em um longo cerco.” Também relacionado à defesa de Siracusa é a famosa história dos espelhos queimando os navios romanos. Arquimedes teria usado um grande espelho ou então um sistema de pequenos espelhos para atear fogo nos navios romanos ao concentrar os raios solares. Os dois relatos mais conhecidos são devidos a Johannes Tzetzes, sábio bizantino, e John Zonaras, ambas do século XII: “Quando Marcelo afastou seus navios do alcance dos mísseis e fle- chas, o velho homem [Arquimedes] construiu um tipo de espelho hexagonal, e em um intervalo proporcional ao tamanho do espelho colocou espelhos pequenos semelhantes com quatro cantos, movidos por articulações e por um tipo de dobradiça, e fez com que o espe- lho fosse o centro dos feixes do Sol — seu feixe de meio dia, seja no verão ou no meio do inverno. Depois disso, quando os feixes fo- ram refletidos no espelho, ateou-se um fogo medonho nos navios, e à distância do alcance de uma flecha ele os transformou em cinzas. Desta maneira predominou o velho homem sobre Marcelo com suas armas,” J. Tzetzes, citado em [Ror]. “Finalmente, de maneira incrível, Arquimedes ateou fogo em toda a frota romana. Ao girar uma espécie de espelho para o Sol ele concentrou os raios do Sol sobre ela. E devido à espessura e lisura do espelho ele inflamou o ar a partir deste feixe a ateou um grande fogo, que direcionou totalmente sobre os navios que estavam ancorados no caminho do fogo, até que consumiu a todos eles,” J. Zonaras, citado em [Ror]. 18 Marcelo só conseguiu conquistar Siracusa depois de um cerco que durou três anos. Arquimedes foi morto por um soldado romano em 212 a.C., durante a captura da cidade pelos romanos. Marcelo havia dado ordens expressas de que a vida de Arquimedes devia ser poupada, em reconhecimento ao gênio do inimigo que tantas baixas e dificuldades lhe causou durante esta guerra. Apesar disto, um soldado acabou matando-o enquanto Arquimedes tentava proteger um diagrama contendo algumas descobertas matemáticas. A última frase de Arquimedes parece ter sido direcionada a este soldado: “Fique longe do meu diagrama,” [Dij87, pág. 31]. Plutarco relata três versões diferentes que ouviu sobre sua morte, [Plu]: “Mas nada afligiu tanto Marcelo quanto a morte de Arquimedes, que estava então, como quis o destino, concentrado trabalhando em um problema por meio de um diagrama e, tendo fixado sua mente e seus olhos no tema de sua especulação, não percebeu a incursão dos roma- nos, nem que a cidade havia sido tomada. Neste estado de estudo e contemplação, um soldado, chegando até ele de maneira inesperada, mandou que o seguisse até Marcelo; o que ele se recusou a fazer até que tivesse terminado seu problema e chegado a uma demons- tração. O soldado então, enfurecido, tirou sua espada e o matou. Outros escrevem que um soldado romano, correndo até ele com uma espada levantada, disse que ia matá-lo. Arquimedes, olhando para trás, implorou-lhe seriamente para esperar um pouco, para que ele não deixasse de forma inconclusa e imperfeita o trabalho que estava fazendo. Mas o soldado, não sensibilizado pelo seu pedido, matou-o instantaneamente. Outros relatam ainda que quando Arquimedes estava levando para Marcelo instrumentos matemáticos, relógios de Sol, esferas e ângulos ajustados para medir com a vista o tamanho aparente do Sol, alguns soldados, vendo-o e pensando que transpor- tava ouro em um recipiente, o assassinaram. O certo é que sua morte muito afligiu a Marcelo; e que Marcelo sempre considerou aquele que o matou como um assassino; e que ele procurou pelos parentes [de Arquimedes] e os honrou com muitos favores.” Arquimedes expressou em vida o desejo de que em seu túmulo fosse colocado um cilindro circunscrito a uma esfera dentro dele, Figura 1.1, juntamente com uma inscrição dando a razão entre os volumes destes corpos. Podemos inferir que ele considerava a descoberta desta razão como sendo seu maior feito. Ela aparece nas Proposições 33 e 34 da primeira parte do seu trabalho Sobre a Esfera e o Cilindro, dois resultados extremamente importantes obtidos pela primeira vez por Arquimedes: “Proposição 33: A superfície de qualquer esfera é quatro vezes seu círculo máximo,” [Arc02, pág. 39]. Isto é, em linguagem moderna, com A sendo a área da esfera e r seu raio: A = 4(πr2). “Proposição 34: Qualquer esfera é igual a quatro vezes o cone que tem sua base igual ao círculo máximo da esfera e sua altura igual ao raio da esfera,” [Arc02, pág. 41]. Vamos expressar este resultado em linguagem moderna. Seja VE o volume da 19 22 Capítulo 2 Obras de Arquimedes 2.1 Obras Conhecidas de Arquimedes As obras conhecidas atualmente de Arquimedes podem ser encontradas no ori- ginal em grego, assim como em latim, em [Hei15]. Uma tradução para o inglês em notação moderna encontra-se em [Arc02]. Uma outra versão encontra-se em [Dij87]. Uma tradução literal do grego para o francês encontra-se em [Mug70], [Mug71a], [Mug71b] e [Mug72]. Os trabalhos de Arquimedes já traduzidos para o português encontram-se em [Ass96], [Ass97] e [Arq04]. No Apêndice B ao final deste livro apresentamos uma nova tradução para o português da primeira parte de seu trabalho Sobre o Equilíbrio dos Planos. Até cem anos atrás, os manuscritos mais antigos e importantes ainda exis- tentes contendo a obra de Arquimedes em grego (com exceção de O Método, que não aparecia em nenhum manuscrito) eram principalmente dos séculos XV e XVI, encontrando-se em bibliotecas européias. Eles foram copiados de dois ou- tros manuscritos do século IX ou X, em grego. Um destes manuscritos do século IX ou X pertenceu ao humanista George Valla, que ensinou em Veneza entre 1486 e 1499. Este manuscrito desapareceu entre 1544 e 1564, não se sabendo atualmente se ainda existe. Ele continha as seguintes obras, nesta ordem: Sobre a Esfera e o Cilindro, Medida do Círculo, Sobre Conóides e Esferóides, Sobre as Espirais, Sobre o Equilíbrio dos Planos, O Contador de Areia, Quadratura da Parábola, comentários de Eutócius em relação às obras Sobre a Esfera e o Cilindro, Sobre a Medida do Círculo, e Sobre o Equilíbrio dos Planos. Os últimos registros do segundo manuscrito do século IX ou X foram na Biblioteca do Vaticano nos anos de 1295 e 1311. Não se sabe se ele ainda existe. Ele continha as seguintes obras, nesta ordem: Sobre as Espirais, Sobre o Equilíbrio dos Planos, Quadratura da Parábola, Medida do Círculo, Sobre a Esfera e o Cilindro, comentários de Eutócius em relação à obra Sobre a Esfera e o Cilindro, Sobre Conóides e Esferóides, comentários de Eutócius em relação à obra Sobre o Equilíbrio dos Planos, e Sobre os Corpos Flutuantes. Este trabalho de Arquimedes sobre os corpos flutuantes, em duas partes, não estava contido 23 no manuscrito anterior. O trabalho Sobre os Corpos Flutuantes só era conhecido até 1906 por uma tradução para o latim feita por Willen von Mörbeke em 1269 a partir deste se- gundo manuscrito do século IX ou X. Ele realizou uma tradução para o latim de todas as obras de Arquimedes a que teve acesso, sendo isto muito importante para a divulgação de seu trabalho. O manuscrito original contendo a tradu- ção de Mörbeke foi encontrado novamente em Roma em 1884, encontrando-se atualmente na Biblioteca do Vaticano. Arquimedes escrevia no dialeto dórico. Nos manuscritos que sobreviveram sua linguagem original foi em alguns livros totalmente, em outros parcialmente, transformada para o dialeto ático comum da Grécia. A partir do século IX surgiram traduções de algumas obras de Arquimedes para o árabe. As primeiras traduções para o latim das obras de Arquimedes e de vários cientistas e filósofos gregos foram feitas a partir dos séculos XII e XIII. A imprensa de caracteres móveis foi inventada no ocidente por Gutenberg em meados do século XV. As obras de Arquimedes começaram a ser impressas no século XVI, a mais antiga sendo de 1503, contendo a Medida do Círculo e a Quadratura da Parábola. Em 1544 foi impressa a obra Editio Princeps, contendo a maior parte das obras conhecidas de Arquimedes, em grego e latim, com exceção de Sobre os Corpos Flutuantes. A invenção da imprensa deu um grande impulso para a divulgação de suas obras. As primeiras traduções de algumas obras de Arquimedes para um idioma vivo foram publicadas em 1667 e 1670 por J. C. Sturm, traduzidas para o alemão. Em 1807 surgiu a primeira tradução para o francês do conjunto de suas obras feita por F. Peyrard. Em 1897 e em 1912 foi publicada a primeira tradução para o inglês por T. L. Heath. Apresentamos aqui as obras de Arquimedes que chegaram até nós, na ordem em que Heath supõe que foram escritas, [Hea21, págs. 22-23]. Mas existem muitas controvérsias em relação a este ordenamento. Knorr, por exemplo, coloca O Método como uma das últimas obras de Arquimedes, [Kno79]. • Sobre o Equilíbrio dos Planos, ou Sobre o Centro de Gravidade das Figuras Planas. Livro I. Arquimedes deriva teoricamente usando o método axiomático a lei da ala- vanca e os centros de gravidade de paralelogramos, triângulos e trapézios. No Apêndice B ao final deste livro apresentamos uma tradução desta obra. • Quadratura da Parábola. Arquimedes encontra a área de um segmento de parábola formado pelo corte de uma corda qualquer. Proposição 24: “Todo segmento limitado por uma parábola e por uma corda Qq é igual a quatro terços do triângulo que tem a mesma base que o segmento e a mesma altura,” [Arc02, pág. 251]. Ele apresenta duas demonstrações para este resultado. Na primeira faz uma quadratura mecânica, utilizando a lei da alavanca. Na segunda faz uma quadratura geométrica. • Sobre o Equilíbrio dos Planos, ou Sobre o Centro de Gravidade das Figuras Planas. Livro II. 24 “Postulado 1: Vai-se supor que um fluido tem tal propriedade que, suas partes estando situadas uniformemente e sendo con- tínuas, aquela parte que é menos pressionada é impelida pela parte que é mais pressionada; e que cada uma de suas par- tes é pressionada pelo fluido que está acima dela numa direção perpendicular se o fluido for afundado em qualquer coisa e com- primido por qualquer outra coisa.” Esta versão de Heath que havíamos traduzido para o português em 1996, está baseada na tradução para o latim publicada por Mörbeke em 1269, não se conhecendo então o texto original de Arquimedes em grego. Em 1906 Heiberg localizou um outro manuscrito contendo a versão original em grego deste trabalho. O manuscrito ainda tem algumas partes que estão faltando ou que estão indecifráveis. De qualquer forma, a parte legível contém este postulado. Com isto foi possível clarificar o significado da úl- tima passagem. Em vez da expressão do Heath, “e que cada uma de suas partes é pressionada pelo fluido que está acima dela numa direção per- pendicular se o fluido for afundado em qualquer coisa e comprimido por qualquer outra coisa,” o significado correto é aquele de Mugler e Dijks- terhuis, a saber, “e que cada uma de suas partes é pressionada pelo fluido que está verticalmente acima dela, a menos que este fluido esteja encer- rado em qualquer [recipiente] ou que seja comprimido por qualquer outra coisa.” Ou seja, há uma expressão negativa (enfatizada em itálico) que mostra as condições que limitam a validade do postulado. A partir deste postulado Arquimedes chega a uma explicação para o for- mato esférico da Terra, supondo-a composta apenas de água. Depois de- monstra um teorema fundamental da hidrostática, chamado hoje em dia de princípio de Arquimedes (ou de princípio fundamental da hidrostática), em suas Proposições 5 a 7. Deve-se observar que para o próprio Arquime- des estes resultados são proposições ou teoremas derivados a partir de seu postulado fundamental que acabamos de apresentar. Ou seja, para ele as Proposições 5 a 7 não são princípios fundamentais nem postulados, mas sim resultados secundários demonstrados a partir de seu princípio funda- mental. Ao afirmar que um sólido é mais pesado ou mais leve do que um fluido, ele está se referindo ao peso relativo ou específico, isto é, se o sólido é mais ou menos denso do que o fluido: “Proposição 5: Qualquer sólido mais leve do que um fluido ficará, caso colocado no fluido, submerso de tal forma que o peso do sólido será igual ao peso do fluido deslocado,” traduzido em [Ass96]. “Proposição 6: Se um sólido mais leve do que um fluido for forçadamente submerso nele, o sólido será impelido para cima com uma força igual à diferença entre seu peso e o peso do fluido deslocado,” traduzido em [Ass96]. 27 “Proposição 7: Um sólido mais pesado do que um fluido descerá, se colocado nele, ao fundo do fluido, e o sólido será, quando pesado no fluido, mais leve do que seu peso real pelo peso do fluido deslocado,” traduzido em [Ass96]. Baseado nestas proposições, Arquimedes determina no final do primeiro livro as condições do equilíbrio de um segmento esférico flutuante. Na se- gunda parte deste trabalho Arquimedes apresenta uma investigação com- pleta das posições de repouso e de estabilidade de um segmento de um parabolóide de revolução flutuando em um fluido. Seu interesse aqui pa- rece bem claro, estudar a estabilidade de navios de forma teórica, embora isto não seja mencionado explicitamente. É como se fosse um trabalho de matemática aplicada ou de engenharia teórica. Este é um trabalho monumental que por quase dois mil anos foi uma das únicas obras sobre o assunto, até ser retomado no renascimento, influen- ciando a Stevin (1548-1620) e Galileu (1564-1642). • Medida do Círculo. Este trabalho não chegou em sua forma original até nós sendo, prova- velmente, apenas um fragmento de um trabalho maior. Arquimedes de- monstra que a área do círculo é igual à área do triângulo retângulo tendo por catetos o raio e a circunferência retificada: “Proposição 1: A área de qualquer círculo é igual a um triângulo retângulo no qual um dos lados ao redor do ângulo reto é igual ao raio, e o outro [lado é igual] à circunfe- rência do círculo,” [Arc02, pág. 91]. Em notação moderna este resultado pode ser expresso da seguinte maneira. Se chamamos de AC à área do círculo de raio r tendo circunferência C = 2πr, e se chamamos de AT à área do triângulo descrito por Arquimedes (dada por sua base vezes sua altura dividido por 2), então AC = AT = r · C/2 = πr2. Arquimedes mostra ainda que o valor exato de π situa-se entre 3 10 71 ≈ 3, 1408 e 3 1 7 ≈ 3, 1429. Obteve este resultado circunscrevendo e inscre- vendo um círculo com polígonos regulares de 96 lados. Este resultado é expresso por Arquimedes com as seguintes palavras na Proposição 3, [Arc02, pág. 93]: “A razão da circunferência de qualquer círculo para seu diâmetro é menor do que 3 1 7 mas maior do que 3 10 71 .” No meio da demonstração desta proposição Arquimedes apresenta também aproxima- ções muito precisas para as raízes quadradas de diversos números, sem es- pecificar como chegou a elas. Utiliza, por exemplo, o seguinte resultado em notação moderna: 265 153 < √ 3 < 1351 780 , isto é, 1, 7320261 < √ 3 < 1, 7320513. • O Contador de Areia. Arquimedes lida com o problema de contar os grãos de areia contidos na esfera das estrelas fixas, usando resultados de Eudoxo, de seu pai Fídias e de Aristarco. Propõe um sistema numérico capaz de expressar números até o equivalente moderno de 8 × 1063. É neste trabalho que Arquimedes 28 menciona que a adição das ordens dos números (o equivalente de seus ex- poentes quando a base é 108) corresponde a achar o produto dos números. Este é o princípio que levou à invenção dos logaritmos, muitos séculos depois. É também neste trabalho que Arquimedes menciona o sistema heliocên- trico de Aristarco de Samos (c. 310-230 a.C.). O trabalho de Aristarco descrevendo seu sistema heliocêntrico não chegou aos nossos dias. Por isto apresentamos aqui a introdução ao Contador de Areia de Arquime- des. Esta introdução é o testemunho mais antigo e mais importante da existência de um sistema heliocêntrico na antiguidade. Devido à sua idéia extremamente importante, Aristarco é chamado hoje em dia de o Copér- nico da antiguidade (embora o mais correto fosse chamar Copérnico de o Aristarco da modernidade). No final da introdução Arquimedes refere-se a um trabalho de nome Princípios, sendo provavelmente o título do seu trabalho contendo um sistema de numeração que havia enviado a Zeuxi- pus, citado na própria introdução. Este trabalho está perdido atualmente. Vamos ao texto de Arquimedes, [Dij87, págs. 362-363] e [Arc02, págs. 221-222]: “Existem alguns, rei Gelon, que pensam que o número de grãos de areia é infinito. Quero dizer não apenas da areia que existe em Siracusa e no restante da Sicília, mas também aquela que existe em toda região, seja habitada ou desabitada. Outros já não assumem que este número seja infinito, mas pensam que ainda não foi nomeado nenhum número que seja grande o suficiente para ultrapassar o número imenso de grãos de areia. É claro que se aqueles que têm este ponto de vista imaginassem um volume de areia tão grande quanto seria o volume da Terra, incluindo neste volume todos os mares e buracos na Terra preenchidos até uma altura igual à das maiores montanhas, eles estariam ainda menos inclinados a acreditar que qualquer número pudesse ser expresso que excedesse o número imenso de grãos desta areia. Mas tentarei mostrar por meio de demonstrações geométricas que você será capaz de seguir, que os números que nomeamos, como publicados no trabalho destinado a Zeuxipus, incluem al- guns números que excedem não apenas o número de grãos de areia ocupando um volume igual ao da Terra preenchida da ma- neira descrita, mas também o da areia que tem um volume igual ao do cosmo. Você sabe que ‘cosmo’ é o nome dado pela mai- oria dos astrônomos à esfera cujo centro é o centro da Terra e cujo raio é igual à distância entre o centro do Sol e o centro da Terra. Esta é a explicação comum, como você já ouviu dos astrônomos. Mas Aristarco de Samos enunciou certas hipóteses nas quais resulta das premissas que o universo é muito maior do que o que acabou de ser mencionado. De fato, ele supõe que as estrelas fixas e o Sol não se movem, mas que a Terra gira na 29 • Sobre Balanças ou Sobre Alavancas. (Sobre o CG e a lei da alavanca.) • Um trabalho sobre Óptica. (Inclui a lei de reflexão e estudos sobre a refração.) • Sobre a Construção de Esferas. (Um trabalho mecânico descrevendo a construção de uma esfera representando os movimentos dos corpos ce- lestes, provavelmente uma descrição do famoso planetário construído por Arquimedes.) • Calendário. (Sobre a duração do ano.) • Sobre os Círculos que se Tocam. • Sobre Linhas Paralelas. • Sobre Triângulos. • Sobre as Propriedades dos Triângulos Retângulos. • Sobre as Suposições dos Elementos de Geometria. • Livro dos Dados ou Definições. 2.2 O Método de Arquimedes Entre as obras atualmente conhecidas de Arquimedes, nenhuma tem chamado tanta atenção quanto O Método. A única informação que se tinha sobre este trabalho até 1906 era seu título. Entre 1880 e 1881 o erudito dinamarquês J. L. Heiberg (1854-1928), professor de filologia clássica na Universidade de Cope- nhagem, publicou a obra completa de Arquimedes então conhecida, em grego e latim, em três volumes. Esta obra serviu como base para a tradução com- pleta recente das obras de Arquimedes para vários idiomas, como o inglês feita por T. L. Heath (1861-1940) publicada em 1897. Ao descrever as obras per- didas de Arquimedes, Heath cita O Método em uma única frase, [Arc02, pág. xxxviii]: “ ǫ̀φóδιoν, um Método, mencionado por Suidas, que afirma que Theodo- sius escreveu um comentário sobre ele, mas não fornece informações adicionais.” Suidas foi um dicionarista grego que viveu no século X, enquanto que Theo- dosius (c. 160-90 a.C.) foi um matemático da Anatólia, atual Turquia. Mas em 1899 Heiberg leu uma informação sobre um palimpsesto de conteúdo mate- mático localizado em Constantinopla. A palavra palimpsesto significa “raspado novamente.” Em geral trata-se de um pergaminho (pele de animal raspada e polida para servir de escrita) usado duas ou três vezes, por meio de raspagem do texto anterior, devido à escassez do material ou ao seu alto preço. Este pa- limpsesto específico continha uma coleção de orações usadas na igreja ortodoxa oriental escritas por volta do século XIII, redigida sobre um texto manuscrito matemático do século X. Por algumas poucas linhas a que teve acesso, Hei- berg suspeitou que se tratava de um texto de Arquimedes. Conseguiu viajar 32 a Constantinopla e examinou o manuscrito por duas vezes, em 1906 e 1908. Felizmente o texto original não tinha sido totalmente apagado com sucesso e Heiberg conseguiu ler a maior parte com o auxílio de lupas e fotografias. O manuscrito continha 185 folhas com obras de Arquimedes em grego. Além dos textos já conhecidos, continha três tesouros: (I) Fragmentos do Stomachion, (II) A única versão ainda existente em grego de partes importantes da obra Sobre os Corpos Flutuantes. Anteriormente só se conhecia a tradução para o latim feita por Willem von Mörbeke em 1269 a partir de um outro manuscrito grego atualmente perdido. (III) A maior parte do trabalho O Método de Arquimedes! Uma obra que estava perdida por dois mil anos (o último a estudá-la parece ter sido Theodosius), não se conhecendo nem mesmo seu conteúdo, surgiu de repente ampliando enormemente nosso conhecimento sobre Arquimedes. Até os comentários de Theodosius sobre esta obra não são conhecidos. Este manuscrito continha as seguintes obras, nesta ordem: a segunda parte de Sobre o Equilíbrio dos Planos, Sobre os Corpos Flutuantes, O Método, Sobre as Espirais, Sobre a Esfera e o Cilindro, Medida do Círculo, e Stomachion. Em 1907 Heiberg publicou o texto da obra O Método em grego e uma tradu- ção para o alemão, com comentários de Zeuthen. Em 1912 Heath publicou um complemento à sua tradução para o inglês das obras completas de Arquimedes, incluindo agora O Método. Entre 1910 e 1915 Heiberg publicou uma segunda edição das obras completas de Arquimedes, em grego e latim, em três volumes. Esta segunda edição é bem melhor do que a primeira e foi reeditada em 1972, [Hei15]. A descoberta de Heiberg foi manchete do New York Times em 1907. Mas a história não termina aqui. No período entre 1908 e 1930 o manuscrito desaparece, acreditando-se que tenha sido roubado. Ao redor de 1930 um cole- cionador de antiguidades francês compra o manuscrito, sem o conhecimento do mundo exterior. Em 1991 a família deste francês coloca o manuscrito para ser leiloado e só então todos ficam sabendo que se tratava do manuscrito descoberto por Heiberg em 1906 e que se considerava novamente perdido. Em 1998 ele foi leiloado pela Christie’s, em Nova York. Foi comprado por cerca de 2 milhões de dólares por um bilionário anônimo e emprestado para o Walters Arts Gallery, de Baltimore, EUA. Um grupo de eruditos, dirigido por Nigel Wilson e Reviel Netz, da Universidade de Stanford, está trabalhando para a restauração, digi- talização e publicação do manuscrito, que contém a única cópia existente de O Método, um trabalho que se considerava perdido por aproximadamente 2.000 anos! A importância deste trabalho é que ele contém praticamente o único relato de um matemático da antiguidade apresentando o método que o levou à desco- berta dos seus teoremas. Em todos os outros trabalhos só temos os teoremas apresentados em sua forma final, deduzidos com rigor lógico e com demonstra- ções cientificamente precisas, a partir de axiomas e de outros teoremas, sem que se saiba qual foi o caminho ou a intuição que levou ao resultado final. O Método alterou tudo isto. Neste caso Arquimedes apresenta o caminho que utilizou para chegar a diversos resultados importantes e difíceis de quadratura e de cubatura (obtenção de áreas e de volumes por integração), assim como ao centro de gra- vidade de diversas figuras geométricas. Nada melhor agora do que dar a palavra 33 a Arquimedes na descrição do seu trabalho, [Arc02, Suplemento, págs. 12-14]: “Arquimedes para Eratóstenes, saudações. Enviei a você em uma ocasião anterior alguns dos teoremas que descobri, apresentando apenas os enunciados e convidando-o a des- cobrir as demonstrações, que não havia fornecido naquela ocasião. Os enunciados dos teoremas que enviei naquela ocasião são como segue. (...) Além disso, vendo em você, como digo, um estudante sério, um ho- mem de eminência considerável em filosofia, e um admirador [da pesquisa matemática], achei apropriado apresentar e explicar para você detalhadamente no mesmo livro a peculiaridade de um certo método, através do qual será possível a você ter um começo para capacitá-lo a investigar alguns dos problemas em matemática por meio da mecânica. Estou persuadido de que este procedimento não é menos útil até mesmo para a demonstração dos próprios teoremas; pois algumas coisas tornaram-se claras para mim por um método mecânico, embora tivessem de ser demonstradas depois pela geome- tria, pois a investigação destas coisas por este método não forneceu uma demonstração real. Mas obviamente é mais fácil fornecer uma demonstração quando já adquirimos anteriormente, pelo método, al- gum conhecimento das questões, do que encontrar a demonstração sem qualquer conhecimento. Este é o motivo pelo qual, no caso dos teoremas que Eudoxo foi o primeiro a descobrir as demonstrações, a saber, que o [volume do] cone é a terça parte do cilindro [circuns- crito], e [o volume] da pirâmide [a terça parte] do prisma [circuns- crito], tendo a mesma base e a mesma altura, devemos dar uma parte importante do crédito a Demócrito que foi o primeiro a afirmar isto com relação a esta figura, embora ele não tenha demonstrado isto. Eu próprio estou na posição de ter feito inicialmente a descoberta do teorema a ser publicado agora [pelo método indicado], e considero necessário expor o método, parcialmente por já ter falado sobre ele e não quero que se pense que proferi palavras em vão, mas também porque estou persuadido de que o método será bem útil para a ma- temática. Pois entendo que alguns dos meus contemporâneos ou dos meus sucessores serão capazes, por meio do método uma vez que ele esteja estabelecido, de descobrir outros teoremas adicionais, os quais ainda não ocorreram para mim. Em primeiro lugar vou apresentar o primeiro teorema que descobri por meio da mecânica: Qualquer segmento de uma parábola é igual a quatro terços do triân- gulo que tem a mesma base e a mesma altura. Após isto apresentarei cada um dos teoremas investigados pelo mesmo método. Então, no 34 Parte II O Centro de Gravidade 37 Capítulo 3 Geometria Começamos nosso trabalho com um pouco de matemática. Vamos recortar algu- mas figuras planas e obter suas propriedades geométricas principais. Mais tarde elas serão utilizadas em algumas experiências. As dimensões que apresentamos aqui são adequadas para atividades individuais, sendo que os tamanhos devem ser maiores no caso de serem feitas experiências de demonstração em sala de aula ou em palestras e seminários. Material Empregado - Cartolina, papelão, cartão duro ou papel cartão plano (o papel cartão é melhor que a cartolina pois é um pouco mais espesso e, portanto, mais firme). Também pode ser usada a espuma EVA, lâminas de madeira (tipo madeira de balsa), folhas de isopor, chapas planas e finas de plástico rígido ou de alumínio etc. - Folhas de papel em branco. - Régua, caneta, esquadro, compasso e transferidor. 3.1 Obtendo os Centros de Círculos, Retângulos e Paralelogramos Traçamos e recortamos no papel cartão um círculo com 7 ou 8 cm de diâmetro. Caso o círculo tenha sido traçado utilizando um compasso, marca-se depois o centro do círculo (ponto furado pelo compasso) com uma caneta, indicando-o pela letra X . Caso o círculo tenha sido traçado utilizando um copo colocado em cima do papel cartão, pode-se encontrar o centro pelo cruzamento de dois diâmetros. Os diâmetros podem ser traçados com uma régua. Mas é difícil ter certeza se a régua está passando exatamente pelo centro, caso este centro não tenha sido localizado anteriormente. Um procedimento alternativo para se encontrar os diâmetros e o centro do círculo utiliza dobraduras. Nas experiências que serão feitas em seguida é melhor 39 C C Figura 3.4: O circuncentro e o circuncírculo. do que 90o), o circuncentro estará localizado na região externa ao triângulo. No triângulo retângulo, o circuncentro estará localizado no ponto médio da hipote- nusa. O baricentro é o encontro das medianas, que são as retas que ligam os vértices aos pontos médios dos lados opostos. Como vimos no caso do circuncentro, os pontos médios de cada lado podem ser facilmente obtidos com uma régua ou com dobraduras. Após encontrar estes pontos médios, basta que eles sejam ligados aos vértices opostos. O cruzamento destas retas é o baricentro (B), ver a Figura 3.5. O baricentro está sempre dentro do triângulo e possui uma propriedade importante: A distância do vértice ao baricentro é sempre o dobro da distância do baricentro ao ponto médio do lado oposto ao vértice. B Figura 3.5: O baricentro de um triângulo. O ortocentro é o encontro das alturas, que são as retas que ligam os vérti- ces perpendicularmente aos lados opostos. A maneira mais fácil de encontrar estas retas é utilizando um esquadro ou o retângulo de papel cartão. Vai-se escorregando com a base do esquadro ou do retângulo por um dos lados do triângulo (com a base do esquadro ou do retângulo coincidindo com o lado do triângulo) até que o lado perpendicular do esquadro ou do retângulo encontre 42 o vértice oposto do triângulo. Neste momento traçam-se estas retas que vão dos vértices até os lados opostos, sendo perpendiculares a estes lados, Figura 3.6. O cruzamento das alturas é o ortocentro (O). As alturas representam tam- bém as menores distâncias entre os vértices e os lados opostos. Dependendo das dimensões do triângulo, o ortocentro pode se localizar dentro ou fora do triângulo. O Figura 3.6: O ortocentro. O incentro é o encontro das bissetrizes, que são as retas que dividem os vérti- ces em dois ângulos iguais. Estas retas podem ser encontradas com o auxílio de um transferidor. Mas a maneira mais prática de localizá-las é com dobraduras. Basta que se encontrem pelos vértices os lados vizinhos do triângulo, Figura 3.7. As dobras do papel dividem cada vértice em dois ângulos iguais. O cruzamento destas retas é o incentro (I). II Figura 3.7: O incentro e o incírculo. O incentro sempre localiza-se dentro do triângulo. O incentro é eqüidistante dos lados. Por este motivo ele é o centro da circunferência inscrita no triângulo, também chamada de incírculo, Figura 3.7. Depois que estes quatro pontos foram localizados nos triângulos de papel, 43 fura-se os papéis nestes pontos e colocam-se os triângulos de papel sobre o triângulo de papel cartão. Em seguida marcam-se sobre o triângulo de papel cartão os quatro pontos notáveis. O resultado no caso deste triângulo isósceles com base de 6 cm e altura de 12 cm é mostrado na Figura 3.8. Vemos que os quatro pontos são distintos entre si, com o ortocentro mais próximo da base, depois o incentro, depois o baricentro e por último o circuncentro. Estes quatro pontos estão sobre uma reta que é ao mesmo tempo mediatriz, mediana, altura e bissetriz. I C B O 6 cm 1 2 c m 1 2 ,3 7 c m 1 2 ,3 7 cm Figura 3.8: Um triângulo isósceles e seus quatro pontos notáveis. No caso de um triângulo eqüilátero estes quatro pontos se sobrepõem, Figura 3.9a. I C B O 10 cm 7 c m14 cm I C B O 12 cm 7 cm Figura 3.9: Os quatro pontos notáveis em alguns casos particulares. No caso de um triângulo isósceles com base de 12 cm e altura de 7 cm a ordem dos pontos em relação à base é invertida quando comparada com os pontos do triângulo isósceles com base de 6 cm e altura de 12 cm, Figura 3.9b. No caso de um triângulo escaleno estes quatro pontos não estão ao longo de uma reta e também não estão necessariamente todos dentro do triângulo, como pode ser visto pela Figura 3.9c, baseada em um triângulo obtusângulo com lados de 7 cm, 10 cm e 14 cm. Vemos que o baricentro e o incentro estão dentro do triângulo, enquanto que o circuncentro e o ortocentro estão fora dele. 44 relação à Terra. Quando dizemos que um corpo está em repouso (mo- vimento), em geral queremos dizer que ele está parado (em movimento) em relação à Terra. O mesmo deve ser entendido para todas as partes do corpo em relação a todas as partes da Terra. • Equilíbrio: Em geral vamos nos referir ao equilíbrio como sendo a falta de movimento em relação à Terra. Isto é, ao dizer que um corpo está em equilíbrio, queremos dizer que todas as suas partes permanecem em repouso em relação à Terra com a passagem do tempo. Ou seja, todas as partes de um corpo dito em equilíbrio permanecem paradas em relação à Terra, não se aproximando nem se afastando dela, nem deslocando-se horizontalmente em relação à Terra. Enquanto o triângulo está parado em nossas mãos, dizemos que ele está em equilíbrio. Enquanto está caindo, deixa de estar em equilíbrio. • Gravidade: Nome que se dá à propriedade que faz com que os corpos caiam em direção à Terra ao serem soltos do repouso. Outra maneira de expressar isto é dizer que a gravidade é a tendência dos corpos em serem atraídos em direção ao centro da Terra. • Descer e subir: Quando dizemos que um corpo desce (sobe), queremos dizer que ele está se aproximando (se afastando) da superfície da Terra com a passagem do tempo. Em vez de descer, podemos usar também verbos análogos como cair, tombar, se aproximar da Terra ou se inclinar em direção à Terra, por exemplo. Da mesma maneira, em vez de subir, podemos usar verbos análogos como levantar ou se afastar da Terra, por exemplo. • Em cima e embaixo, superior e inferior: Quando dizemos que um corpo A está em cima de um corpo B, queremos dizer que o corpo B está entre a Terra e o corpo A. Quando dizemos que um corpo A está abaixo de um corpo B, queremos dizer que o corpo A está entre a Terra e o corpo B. Quando nos referimos à parte superior (inferior) de um corpo, queremos dizer sua parte mais (menos) afastada da superfície da Terra. • Vertical: Linha reta definida pela direção seguida por um pequeno corpo (como uma moeda metálica) ao cair em direção à Terra pela ação da gravidade, partindo do repouso. É também a linha seguida por um corpo que sobe em relação à Terra ao ser solto do repouso (como uma bexiga cheia de hélio, em uma região sem vento). Ou seja, a vertical (V) não é uma linha reta qualquer. É uma linha reta bem específica que está ligada com a gravidade da Terra. Para diminuir a influência do ar e do vento o ideal é realizar esta experiência com corpos pequenos e densos como moedas, Figura 4.1. • Horizontal: Qualquer reta ou plano ortogonal à reta vertical. Deve ser ressaltado que todos estes conceitos estão ligados à Terra, indicando propriedades físicas relacionadas à interação gravitacional dos corpos com a 47 Terra. Ou seja, não são conceitos abstratos ou puramente matemáticos. São conceitos definidos a partir de experiências mecânicas realizadas na Terra. É importante apresentar explicitamente todos estes conceitos pois serão uti- lizados ao longo deste trabalho. Apesar disto, deve ser enfatizado que estas são idealizações que não se encontram exatamente assim na natureza. Por exem- plo, nenhum corpo é verdadeiramente rígido. Mesmo quando um livro está parado em cima de uma mesa, suas moléculas estão vibrando. Neste sentido, nenhum corpo está verdadeiramente em equilíbrio, já que sempre existirão par- tes deste corpo deslocando-se em relação à superfície da Terra, mesmo quando o corpo como um todo, macroscopicamente, não esteja se deslocando em relação à Terra. Ao ser apoiado sobre um pequeno suporte como será descrito a seguir, todo corpo sempre vai se curvar um pouco, mesmo que seja uma chapa metálica. Apesar disto, para fenômenos em escala macroscópica estes detalhes (como as vibrações das moléculas, ou a pequena curvatura sofrida pelo corpo) nem sempre são observáveis ou nem sempre são relevantes para o que está sendo analisado. Logo, os conceitos definidos anteriormente fazem sentido a nível macroscópico e devem ser entendidos assim. Suporte para as experiências Após estas definições podemos prosseguir com as experiências concentrando- nos nos fenômenos que levam à definição do centro de gravidade. Para isto vamos precisar de um suporte para apoiar as figuras planas de papel cartão já recortadas. Apresentamos aqui diversas possibilidades de construí-lo. • Suporte de palito de churrasco: Usamos um pouco de massa de mo- delar como base e fincamos o palito de churrasco de madeira na vertical, com a ponta para baixo, ver a Figura 4.2. É importante ressaltar que a ponta deve ficar para baixo, caso contrário fica muito difícil realizar as ex- periências de equilíbrio que serão apresentadas a seguir. Em vez da massa de modelar pode-se fincar o palito em uma borracha ou em alguma outra base apropriada. • Suporte de lápis: Coloca-se um lápis com a ponta para baixo em um apontador, tal que o lápis fique parado na vertical. • Suporte de garrafa pet: Caso as figuras de papel cartão sejam grandes (dimensões típicas da ordem de 20 cm ou de 40 cm, tamanho apropriado para que o professor faça demonstrações em sala de aula), pode-se utilizar uma garrafa de refrigerante como suporte, com a figura apoiada sobre a tampa, ver a Figura 4.2. Se a garrafa for de plástico, é bom enchê- la com um pouco de água para que não tombe enquanto realizamos as experiências. • Suporte de arame: Uma outra possibilidade interessante é utilizar um arame vertical com a base de sustentação em espiral, ver a Figura 4.2. Caso o arame seja rígido mas muito fino, fica muito difícil conseguir equilibrar 48 as figuras na horizontal (ele também pode furar as folhas de isopor etc.). O ideal é utilizar uma arame mais grosso. • Suporte de prego: Basta um prego na vertical fincado em uma rolha, borracha, tábua de madeira ou outra base apropriada. A cabeça do prego deve estar para cima, com a ponta fincada na base. Figura 4.2: Suportes para as experiências. Existem infinitas outras possibilidades. Os aspectos importantes a ressaltar são que o suporte fique firme na base de sustentação, que o suporte fique na ver- tical, que sua extremidade superior seja plana (ficando na horizontal) e pequena comparada com as dimensões das figuras que serão equilibradas sobre ele. Mas a extremidade superior não pode ser muito pequena, análoga a um ponto (como os casos do palito de churrasco, alfinete, agulha ou prego com as pontas para cima). Caso isto ocorra, fica muito difícil de conseguir equilibrar as figuras e as experiências podem falhar. A extremidade superior deve ser pequena para que o ponto de equilíbrio do corpo fique bem localizado, mas não deve ser pequena demais senão inviabiliza boa parte das experiências. Com um pouco de prática é possível encontrar facilmente as dimensões apropriadas. Primeiro Procedimento Experimental para se Encontrar o Centro de Gravidade Apresentamos agora o primeiro procedimento experimental para se encontrar o centro de gravidade de figuras planas. Experiência 4.2 Pegamos o círculo, o retângulo e o paralelogramo de papel cartão já recorta- dos e tentamos equilibrá-los na horizontal apoiando-os sobre o suporte vertical. 49 corpo. Para quantificar esta idéia qualitativa de simetria, podemos pensar no centro X de um retângulo. Vamos pensar em uma reta AXB passando por X , inclinada de um ângulo θ em relação à base e dividindo o retângulo em duas partes de áreas A1 e A2, Figura 4.5. A2A1 A B X θ Figura 4.5: O centro geométrico X de um retângulo: Igualdade entre os seg- mento AX e XB, assim como igualdade entre as áreas A1 e A2, para qualquer ângulo θ. Existem dois critérios pelos quais podemos dizer que X é o centro geométrico do retângulo. (I) A reta AXB é sempre dividida em dois segmentos iguais pelo ponto X . Ou seja, AX = XB, para todo ângulo θ. (II) A reta AXB sempre divide o retângulo em duas áreas iguais. Isto é, A1 = A2, para todo ângulo θ. Estas duas propriedades não vão ocorrer para qualquer outro ponto do retângulo, somente para seu centro X . Representemos por P um outro ponto qualquer do retângulo, diferente do seu centro X . Um segmento de reta APB pode ser dividido ao meio pelo ponto P quando esta reta está inclinada de um certo ângulo θI em relação à base do retângulo, mas isto deixará de ser válido quando alteramos a inclinação da reta. Um outro segmento reta CPD pode dividir o retângulo em duas áreas iguais quando esta reta está inclinada de um certo ângulo θII em relação à base do retângulo mas, novamente, isto deixará de ser válido quando alteramos a inclinação desta reta. Concluímos então que o retângulo possui um único centro, o mesmo ocorrendo com um círculo e com algumas outras figuras simétricas como um paralelogramo ou uma elipse. Por outro lado, os critérios (I) e (II) do parágrafo anterior não são verificados para qualquer ponto P de um triângulo dado. Ou seja, dado um triângulo qualquer, não vai existir nenhum ponto PI pertencente a ele tal que todas as retas passando por PI satisfaçam ao critério (I). Também não vai existir nenhum ponto PII pertencente ao triângulo tal que todas as retas passando por PII satisfaçam ao critério (II). Neste sentido pode-se dizer que nenhum triângulo possui um centro geométrico, sendo que todo triângulo possui apenas quatro pontos notáveis. Para ilustrar isto vamos considerar o triângulo isósceles V1V2V3 de base a e altura b. A área deste triângulo vale ab/2. A mediana ligando o centro da base ao vértice superior V2 é dividida ao meio por um ponto P localizado a uma distância b/2 da base e do vértice superior. Um segmento de reta paralelo à 52 base passando por P e limitado pelos lados do triângulo também é dividido ao meio por P . Por outro lado, o segmento de reta V1PQ (onde Q é o ponto sobre a reta V2V3 cortada pela reta que passa por V1 e por P ) não é dividido ao meio por P , ver a Figura 4.6. Ou seja, o critério (I) não é satisfeito por P . Também o critério (II) não é satisfeito por P . Embora a reta passando por V2 e por P divida o triângulo em duas partes de áreas iguais, a reta paralela à base passando por P não divide o triângulo em duas partes de áreas iguais. O triângulo superior possui apenas um quarto da área total, enquanto que o trapézio inferior possui três quartos da área total, Figura 4.6. Q V1 V3 V2 P a P Aa/2 Aa/2 Aa/2 Figura 4.6: Os critérios (I) e (II) não são válidos para qualquer ponto P de um triângulo. O baricentro B está localizado a uma distância b/3 do ponto médio da base e a uma distância de 2b/3 do vértice superior. Logo de cara observa-se que ele não satisfaz ao critério (I) dado anteriormente. As retas ligando B a qualquer um dos vértices dividem o triângulo em duas partes de áreas iguais. Mas isto já não vai ocorrer, por exemplo, para uma reta paralela à base passando por B, Figura 4.7. B B Figura 4.7: O segmento paralelo à base e passando pelo baricentro divide o triângulo em duas figuras que possuem áreas diferentes. Neste caso a área do triângulo superior tem o valor de quatro nonos da área total, enquanto que a área do trapézio inferior possui uma área de cinco nonos 53 da área total. Para confirmar isto utilizando as propriedades dos triângulos sem fazer as contas, basta recortar nove triângulos isósceles iguais, cada um com uma base de comprimento a/3 e altura b/3 (área de ab/18). Com quatro destes pequenos triângulos conseguimos preencher o triângulo superior e com cinco destes pequenos triângulos conseguimos preencher o trapézio inferior, Figura 4.7. Mesmo o triângulo mais simétrico de todos, o eqüilátero, não possui um centro geométrico que satisfaça ao critério (I) ou ao critério (II) dados anteri- ormente. Neste caso os quatro pontos notáveis coincidem no baricentro B do triângulo. Já vimos no parágrafo anterior que o baricentro de um triângulo isósceles não satisfaz a nenhum destes critérios. Como o triângulo eqüilátero é um caso particular de um triângulo isósceles, vem automaticamente que o baricentro de um triângulo eqüilátero também não satisfará a nenhum destes critérios. Apesar disto, pode-se dizer que o triângulo eqüilátero possui um cen- tro de simetria dado por C = B = O = I. Embora este ponto não satisfaça aos dois critérios apresentados anteriormente, há uma simetria de rotação (qual- quer característica do triângulo repete-se a cada 120o) ao redor deste ponto. Logo, pode-se dizer que o baricentro de um triângulo eqüilátero é seu centro de simetria. Concluímos então que um triângulo não possui um centro geométrico de- finido de acordo com os critérios apresentados anteriormente. Apesar disto, vem da experiência que todo triângulo fica equilibrado horizontalmente ao ser apoiado colocando um pequeno suporte sob o baricentro. Isto não ocorre ao colocarmos o suporte sob nenhum outro ponto do triângulo com seu plano na horizontal. Isto sugere que alteremos nossa definição anterior de centro de gra- vidade. Apresentamos a seguir uma segunda definição provisória do centro de gravidade. Ela é mais precisa do que a idéia apresentada anteriormente, de que o CG seria o centro geométrico do corpo. Definição Provisória CG2: O centro de gravidade é o ponto no corpo tal que se o corpo for apoiado por este ponto e solto do repouso, vai permanecer em equilíbrio em relação à Terra. Mais adiante teremos de alterar novamente esta definição por um conceito mais geral. Mas por hora ela serve aos nossos propósitos. Das experiências realizadas até aqui vem que todo corpo possui um único ponto tal que se o corpo for colocado sobre um pequeno suporte colocado embaixo deste ponto e solto do repouso, o corpo vai permanecer em equilíbrio, ponto este chamado de centro de gravidade do corpo. Caso o corpo seja solto apoiado por qualquer outro ponto ele não permanecerá em repouso, mas tombará em direção à Terra. Das experiências vem que no caso de círculos, retângulos e paralelogramos este ponto coincide com o centro destes corpos, enquanto que para os triângulos ele coincide com o baricentro. Uma outra maneira de pensar no centro de gravidade está relacionada ao seu peso. Apenas em uma parte posterior deste livro vamos quantificar esta 54 algumas figuras com buracos como uma arruela de papel cartão (também pode ser facilmente adquirida uma arruela metálica). Para facilitar o corte do círculo interno da arruela feita de papel cartão, pode-se fazer um corte radial entre o círculo externo e o círculo interno. Mas se utilizarmos uma tesoura pontuda este último procedimento é desnecessário. Os diâmetros externos de todas estas figuras podem ser de 8 cm ou de 10 cm, por exemplo, com os diâmetros internos da ordem de 4 cm ou de 6 cm. Mas estes tamanhos não são tão relevantes. Para as experiências seguintes é bom que sejam recortadas no papel cartão pelo menos duas figuras iguais de cada modelo (duas letras C do mesmo formato e tamanho, duas Luas, duas arruelas etc.). Um conjunto destas figuras será utilizado na Experiência 4.6, enquanto que o outro conjunto composto de figuras iguais será utilizado nas experiências posteriores, quando serão prendidas linhas sobre estas figuras com o auxílio de fitas adesivas. Experiência 4.6 Tenta-se agora equilibrar estas figuras (colocadas com seus planos na hori- zontal) colocando-as sobre o suporte, como foi feito com o retângulo ou com o triângulo. Observa-se que não conseguimos equilibrar nenhuma delas. Ou seja, elas sempre caem, não importando o ponto sob o qual colocamos o suporte. Isto está exemplificado na Figura 4.10a no caso da arruela. Ela também cai ao ser solta em um plano horizontal com o palito vertical do suporte ao longo do seu eixo de simetria, ou seja, passando ao longo da parte oca da arruela e de seu centro geométrico. Figura 4.10: (a) A arruela cai quando tentamos suportá-la horizontalmente, ou (b) verticalmente pela borda inferior. (c) Mas podemos mantê-la verticalmente em equilíbrio apoiando-a por uma vareta horizontal que a suporta pelo diâmetro menor da arruela. Mesmo se tentarmos equilibrar estas figuras sobre uma borda, deixando-as em um plano vertical, não temos sucesso, elas continuam caindo do suporte. Isto está ilustrado na Figura 4.10b no caso de uma arruela. Ou seja, a arruela vai tombar para um lado ou para outro, já que é muito fina e não fica parada em um plano vertical apoiada apenas pela borda inferior. A única maneira de conseguir deixá-las equilibradas a uma certa altura do solo é mantendo o palito na horizontal, apoiando as figuras em um plano ver- tical, com o palito atravessando um buraco nos corpos, ou apoiando alguma 57 parte côncava das figuras. Na Figura 4.10c ilustramos como a arruela pode ser equilibrada em um plano vertical por um palito horizontal. Diante desta experiência a primeira possibilidade é afirmar que existem al- guns corpos ocos ou com buracos que não possuem um centro específico de gravidade, mas sim toda uma linha de gravidade. No caso da arruela, por exemplo, ela fica apoiada em qualquer ponto de sua circunferência interior, mas não fica apoiada quando o palito é colocado exatamente no centro vazio (que é o centro geométrico da arruela). Se formos seguir a definição CG2 rigorosamente, deveríamos dizer que a arruela possui uma linha de gravidade, sua circunferência interior, mas que não possui um centro de gravidade. O mesmo pode ser dito em relação à definição CG3. Afinal de contas, o palito na Figura 4.10c está mantendo ou suportando todo o peso da arruela quando a apóia por algum ponto da circunferência interna. Mas o palito não consegue suportar a arruela quando a ponta do palito está sobre o centro vazio da arruela, estando a arruela na horizontal ou na vertical, sem que nenhuma parte do palito toque em qualquer parte material da arruela. Vemos então que se formos seguir a definição CG3 rigorosamente, deveríamos dizer que a arruela possui uma linha de peso ou de gravidade (ou seja, sua circunferência interna), mas não um centro de gravidade. A outra possibilidade é afirmar que nem sempre o centro de gravidade está “no corpo,” ou seja, nem sempre ele está localizado em alguma parte material do corpo. Nestes casos o centro de gravidade poderia estar localizado no es- paço vazio em algum ponto que guarda uma certa relação espacial com o corpo (como o centro geométrico da arruela, por exemplo), mesmo sem estar ligado fisicamente ao corpo. Se seguirmos esta última possibilidade teremos de alterar nossa definição CG2 de centro de gravidade e também teremos de encontrar alguma outra maneira de encontrar experimentalmente o centro de gravidade nestes casos especiais. Um procedimento para isto é apresentado na próxima experiência. Experiência 4.7 Prendemos com pequenas fitas adesivas duas linhas de costura na arruela, esticadas, como se fossem dois diâmetros cruzando-se no centro. Neste caso conseguimos equilibrar a arruela quando o suporte é colocado sob o cruzamento das linhas, como na Figura 4.11. Também no caso da Lua ou da letra C é possível encontrar, por tentativa e erro, um ponto tal que quando duas linhas esticadas, presas por fitas adesivas, se cruzam neste ponto, o corpo fica equilibrado na horizontal com o suporte colocado sob o cruzamento das linhas. Se seguirmos a segunda possibilidade, temos de generalizar nossa definição CG2 de centro de gravidade para incluir estes casos especiais. Uma definição mais geral é apresentada a seguir. Definição Provisória CG4: Chamamos de centro de gravidade ao ponto no corpo ou fora dele tal que se o corpo for apoiado por este ponto e solto do repouso, vai permanecer em equilíbrio em relação à Terra. Nos casos em 58 Figura 4.11: A arruela pode ser equilibrada por seu centro utilizando duas linhas de costura esticadas. que este ponto está localizado fora do corpo, é necessário que seja estabelecida alguma ligação material entre este ponto e o corpo, para que o corpo permaneça em equilíbrio ao ser solto do repouso apoiado sob este ponto. Esta definição não deixa de ser problemática já que quando fazemos esta ligação material rígida (como as linhas presas com fitas adesivas) estamos al- terando o corpo original. Mas desde que o peso desta ligação material seja pequeno comparado com o peso do corpo, é razoável adotar este procedimento. No caso anterior, por exemplo, poderíamos ter o peso conjunto das duas linhas e dos quatro pedaços de fita adesiva sendo muito menor do que o peso da arruela de papel cartão ou de metal. Mesmo assim ainda surge um outro problema com esta definição, como ve- remos nas próximas experiências. Experiência 4.8 Colocamos agora duas linhas bambas, de mesmo comprimento, presas à ar- ruela por fitas adesivas. O comprimento das linhas deve ser maior do que o diâmetro externo da arruela. Elas estão presas do mesmo jeito e nos mesmos locais que na experiência anterior. Ou seja, a reta ligando as duas fitas adesi- vas que prendem cada linha passa pelo centro geométrico da arruela. A única diferença é o comprimento das linhas, que são bem maiores nesta experiência. Neste caso também conseguimos equilibrar o conjunto com o suporte, só que agora o ponto de encontro entre o cruzamento das linhas e a parte superior do suporte está ao longo do eixo de simetria da arruela e não mais no seu centro geométrico, Figura 4.12. Caso sigamos a segunda possibilidade descrita anteriormente (ou seja, de que o CG não precisa estar no corpo, podendo localizar-se no espaço vazio), temos de concluir que a arruela não possui apenas um centro de gravidade, mas um conjunto infinito deles localizados ao longo do seu eixo de simetria. Ou seja, 59 Figura 4.15: Os 3 palitos são comprimidos quando a arruela em queda é freada por eles, continuando a ser pressionados enquanto ela permanecer em repouso sobre eles. Definição Provisória CG5: O centro de gravidade é um ponto no corpo ou fora dele que se comporta como se toda a força gravitacional estivesse atuando neste ponto. Nos casos em que este ponto está localizado fora do corpo, é necessário que seja estabelecida alguma ligação material entre este ponto e o corpo para que se perceba ou se meça toda a força gravitacional atuando neste ponto. Esta é uma definição bem razoável. A dificuldade maior está na localização deste ponto a partir desta definição. Vamos analisar, por exemplo, o caso da arruela com linhas compridas, Figura 4.12. Ela é suportada pelas quatro fitas adesivas. Já estas fitas adesivas são suportadas pelas duas linhas esticadas que, por sua vez, são apoiadas no cruzamento entre elas pelo palito de churrasco ou pelo gancho acima do cruzamento das linhas. Ou seja, é como se todo o peso da arruela estivesse sendo suportado, indiretamente, por pontos localizados ao longo do eixo de simetria da arruela (isto é, no cruzamento das duas linhas esticadas), mas não necessariamente no centro da arruela, desde que se utilizem linhas presas ao corpo. Neste caso deveria ser falado em linha de gravidade ou linha do peso, em vez de centro de gravidade ou centro do peso. Dificuldades análogas com a definição CG5 ocorrem nas Experiências 4.9 e 4.10. Nas próximas experiências veremos um outro problema que surge mesmo com as definições mais gerais do centro de gravidade representadas por CG4 e por CG5. 4.3 Experiências com Corpos Volumétricos Até o momento temos feito experiências com figuras “planas.” Na verdade todo corpo material é tridimensional. Quando afirmamos que a figura é plana, o que queremos dizer é que sua espessura é muito menor do que as outras dimen- sões envolvidas no problema (a espessura d do retângulo de papel cartão, por 62 exemplo, é muito menor do que os comprimentos a e b de seus lados). Vamos agora realizar experiências com corpos cujas três dimensões espaciais possuem tamanhos da mesma ordem de grandeza. Os corpos que vamos utilizar são um cubo ou dado de faces planas, uma esfera, uma porca metálica e um ovo. Quando os corpos são leves usaremos a massa de modelar e o palito de churrasco como suporte. No caso do ovo (ou de esferas pesadas) pode-se usar a própria mesa como suporte já que o corpo sempre vai ficar apoiado apenas por uma pequena região devido à sua forma convexa em todos os pontos. Experiência 4.11 Apóiam-se estes corpos sobre um suporte e observam-se em quais pontos eles ficam em equilíbrio. No caso do cubo de faces planas encontram-se seis pontos de equilíbrio, a saber, os centros das seis faces, Figura 4.16. Figura 4.16: Um cubo pode ser apoiado pelos centros de suas 6 faces, enquanto que um ovo pode ser apoiado sobre uma mesa por qualquer ponto da circunfe- rência representada nesta Figura. Também no caso da porca metálica encontram-se seis pontos de equilíbrio, os centros dos seis lados exteriores. Além disso, utilizando o procedimento das linhas de costura que se cruzam (método empregado no caso da arruela), mostra-se que todos os pontos ao longo do eixo de simetria da porca também são pontos de equilíbrio. Ela também fica equilibrada em qualquer ponto ao longo da circunferência interna, ou da superfície cilíndrica interna, se o palito de churrasco estiver na horizontal. Já a esfera fica equilibrada em todos os pontos de sua superfície. A esfera possui, portanto, um número infinito de pontos de equilíbrio. O caso mais interessante é o do ovo, que possui toda uma linha de equilí- brio. Esta linha é uma circunferência sobre a casca, sendo que o plano desta circunferência é perpendicular ao eixo de simetria do ovo, Figura 4.16. Desta experiência conclui-se que muitos corpos geométricos possuem mais de um centro de gravidade, tanto se seguirmos a definição CG2 quanto as definições CG3, CG4 ou CG5. O cubo, por exemplo, possuiria seis destes centros, o ovo toda uma linha e a esfera toda sua superfície. A porca oca possuiria seis destes centros, mais sua circunferência interna, além de todos os pontos de seu eixo de simetria. Para sermos coerentes com esta descoberta, deveríamos falar de 63 pontos, linhas ou superfícies de gravidade, em vez de falarmos de um “centro” de gravidade para cada corpo. 4.4 Fio de Prumo, Vertical e Horizontal Felizmente existe um outro procedimento experimental ligado à gravidade que nos permite encontrar um único ponto específico ligado ao equilíbrio de cada corpo rígido. A partir deste segundo procedimento experimental pode-se chegar a uma outra definição do centro de gravidade que evita os problemas anteriores e que ainda mantém um significado físico importante. Como este procedimento utiliza um fio de prumo, apresentamos inicialmente este instrumento e os con- ceitos de pontos de apoio e de suspensão. Antes algumas definições. • Fio de Prumo: Qualquer fio ou linha dependurados pela extremidade superior, que fica fixa em relação à Terra, e que possui um corpo preso na extremidade inferior. O fio de prumo tem de ser livre para oscilar ao redor da extremidade superior, Figura 4.17. • Ponto de apoio, representado em algumas Figuras pelas letras PA: Ponto sobre o qual o corpo se apóia, como a extremidade superior do palito de churrasco utilizado nos suportes das experiências descritas anteriormente. • Ponto de suspensão ou de sustentação, representado em algumas Figuras pelas letras PS: Ponto por onde o corpo é suspenso ou depen- durado, como veremos nas próximas experiências (muitas vezes coincidirá com a posição do alfinete que sustentará o corpo e o fio de prumo). A parte superior do fio de prumo pode ser segurada pelos dedos, pode ser amarrada a uma barra ou a um gancho etc. Nas nossas experiências vamos prendê-la ao suporte. Espetamos um alfinete na parte superior do palito de churrasco usado como suporte nas experiências iniciais. Poderíamos então sim- plesmente amarrar no alfinete uma linha de costura com um peso na ponta. Mas como vamos ter de colocar e tirar o fio de prumo diversas vezes do alfi- nete, o ideal é fazer um pequeno laço na parte superior da linha. Na parte inferior amarramos um chumbo de pesca ou um pedaço de massa de modelar. O instrumento a ser usado nas experiências é indicado na Figura 4.17. Uma das vantagens desta montagem é que ela ainda permite que se repitam as experiências anteriores em que apoiamos figuras planas na parte superior do palito de churrasco. Para que o alfinete não atrapalhe a repetição das experi- ências iniciais, ele não deve ficar bem no topo do palito de churrasco, mas um pouco abaixo de sua extremidade superior. Além disso, para que as figuras de papel cartão não fiquem escorregando do alfinete, é recomendável que ele fique um pouco inclinado, com sua cabeça um pouco mais alta do que sua ponta espetada no palito. 64 sobre uma superfície. Quando a bolha fica no meio da marcação que existe no recipiente com líquido, a superfície está na horizontal, Figura 4.21. H Figura 4.21: Encontrando a horizontal com um nível de bolha. Quando a bolha fica em uma das extremidades do recipiente, a superfície não está na horizontal, sendo que o lado onde se localiza a extremidade da bolha está mais levantado em relação à Terra do que a extremidade oposta do nível, como na Figura 4.21. O funcionamento do nível de bolhas é baseado na ação da gravidade e no princípio do empuxo devido a Arquimedes, [Ass96]. C) Utiliza-se uma grande mangueira transparente aberta nas duas extre- midades e preenchida parcialmente com um líquido como água. Mantém-se a mangueira parada em relação à Terra e aguarda-se que o líquido também atinja o repouso. A reta unindo as duas superfícies livres do líquido indica a direção horizontal, como na Figura 4.22. O funcionamento desta mangueira é baseado no equilíbrio de líquidos sob a ação da gravidade. H Figura 4.22: Encontrando a horizontal com uma mangueira transparente aberta nas duas extremidades. Apenas como curiosidade vale mencionar aqui a maneira como os pedreiros constroem paredes ortogonais ou, como afirmam, paredes que estejam no esqua- dro. Depois de construída uma parede, marcam sobre ela dois pontos separados horizontalmente de quatro metros, A e B. O primeiro ponto, A, está na extre- midade da parede a partir da qual se quer construir a outra parede. Feito isto tentam encontrar um terceiro ponto C tal que a distância entre A e C seja de 3 m e a distância entre B e C seja de 5 m. Quando encontram este ponto, a reta ligando AC é então ortogonal à reta AB, como na Figura 4.23. Em vez de uti- lizarem estas distâncias específicas, podem usar qualquer múltiplo delas (como 30 cm, 40 cm e 50 cm). Por trás deste método está o teorema de Pitágoras. Ou seja, em um triângulo retângulo o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos. E um triângulo de lados 3 m, 4 m e 5 m satisfaz a este 67 teorema, assim como qualquer triângulo cujos lados sejam proporcionais a estes valores. CA B Figura 4.23: Maneira prática de traçar retas ortogonais. 4.5 Segundo Procedimento Experimental para se Encontrar o Centro de Gravidade O primeiro método para encontrar o centro de gravidade foi descrito nas ex- periências anteriores. Isto é, equilibra-se círculos, paralelogramos e triângulos horizontalmente em cima de um palito de churrasco na vertical. Esta é a maneira mais simples e intuitiva de entender o que é o centro de gravidade. Com este procedimento também se pode perceber que ele é um ponto único no corpo. A experiência mostra que estes corpos só permanecem em equilíbrio na horizontal quando apoiados por um único ponto chamado de CG. Mas haviam problemas conceituais com este enfoque, como vimos anteriormente. Voltamos agora a estas figuras planas e realizamos outro conjunto de experiências. Apresentamos agora o segundo método para encontrar o centro de gravidade que evita os problemas apresentados anteriormente. Vamos usar figuras planas iguais às anteriores, de mesmo formato e tamanho. Vamos fazer em cada figura dois ou três furos circulares. As figuras podem ser perfuradas com pregos ou com furadores de papel. Os diâmetros dos furos devem ser pequenos comparados com as dimensões das figuras para que não alterem muito os pesos nem as distribuições de matéria das figuras, mas grandes o suficiente para que possamos dependurar com folga estas figuras no alfinete ou no gancho onde também será dependurado o fio de prumo. Ou seja, não deve haver muito atrito entre o alfinete e as figuras. A figura deve poder girar livremente ao redor do alfinete e neste sentido o furo não pode ser muito apertado, devendo ser maior do que o diâmetro do alfinete. Furadores de papel funcionam muito bem para fazer os furos circulares em figuras de papel cartão com dimensões maiores do que 5 cm. Estes furos permitem um movimento livre tanto quando se passa um alfinete por eles, quanto no caso em que são atravessados por um palito de churrasco. Outra vantagem dos furadores de papel é que os furos saem bem circulares, evitando imperfeições e diminuindo o atrito com o suporte. Existem alguns furadores 68 de papel com um único furo que são extremamente úteis e práticos, como o apresentado na Figura 4.24. Figura 4.24: Furador de papel com um único furo. Experiência 4.13 Pega-se um círculo de papel cartão igual ao utilizado nas experiências an- teriores e faz-se um pequeno furo circular em uma posição qualquer do círculo que não coincida com seu centro. Dependura-se este círculo no alfinete que está fincado no suporte, com o alfinete passando pelo furo. Ou seja, com o alfinete na horizontal, o plano do círculo ficará na vertical. Coloca-se o fio de prumo no alfinete e espera-se que ele atinja o equilíbrio. Solta-se o círculo a partir do repouso e espera-se que ele atinja o equilíbrio. Observa-se que ele não fica parado em todas as posições em que é solto, a não ser que seja liberado em uma posição preferencial na qual o centro X está verticalmente abaixo do alfinete, Figura 4.25a. Caso seja solto do repouso com o centro fora da vertical passando pelo alfi- nete, observa-se que o centro vai oscilar ao redor desta vertical até parar devido ao atrito, Figura 4.25b. Quando o círculo pára de oscilar, observa-se que seu centro X fica vertical- mente abaixo do alfinete. Em vez de pendurar o círculo no alfinete, pode-se também amarrar o círculo com uma linha passando pelo furo. A parte superior da linha é então presa a um suporte fixo que fica acima do círculo. Também neste caso observam-se os mesmos fenômenos que no caso anterior, desde que o círculo tenha a liberdade de girar em qualquer sentido ao redor do ponto onde está amarrado. Podemos agora apresentar o segundo procedimento experimental para se encontrar o centro de gravidade Dependura-se o círculo pelo furo, soltando-o do repouso. Depois que o círculo oscilou e atingiu o repouso, dependura-se no mesmo alfinete o fio de prumo junto ao círculo e novamente espera-se que o sistema atinja o equilíbrio. Traça-se então com um lápis sobre o círculo a reta vertical que coincide com a direção indicada pelo fio de prumo. Vamos chamá-la de PS1E1 onde PS1 é o ponto de 69 traçadas agora sobre a arruela de papel cartão. Novamente, observa-se que os prolongamentos de duas ou três verticais que partem de pontos diferentes da arruela cruzam-se no centro da arruela. Como a figura é oca, os prolongamentos das verticais têm de ser determinados geometricamente. O importante é que se observa que este ponto coincide com o centro de gravidade que havia sido obtido pelas linhas esticadas na Exp. 4.7. No caso da arruela com as linhas compridas, Exp. 4.8, a vertical que passava pelo cruzamento das linhas no equilíbrio coincidia com a direção do palito de churrasco (ou do fio de prumo) e também com a direção do eixo de simetria da arruela. E este eixo de simetria também passa pelo centro geométrico da arruela. Experiência 4.16 Repete-se o procedimento com o fio de prumo no caso do papel cartão na forma de Lua em quarto crescente, ou na forma da letra C. Ou seja, neste caso as figuras de papel cartão ficam equilibradas em um plano vertical. Novamente observa-se que o cruzamento das verticais nestes casos coincide com o resultado da Exp. 4.7 feita com estas figuras equilibradas em um plano horizontal. Na Exp. 4.7 eram utilizadas linhas esticadas horizontais apoia- das por um suporte vertical colocado sob o cruzamento das linhas horizontais esticadas. Experiência 4.17 Recorta-se agora no papel cartão uma figura plana de forma arbitrária que não tenha qualquer simetria. São feitos dois ou três furos nesta figura. Depois se localiza seu centro de gravidade procurando-se o ponto sob o qual tem de ser colocada a parte superior do palito de churrasco na vertical tal que a figura permaneça em equilíbrio na horizontal ao ser solta do repouso. Marca-se este ponto. Utiliza-se agora o segundo procedimento de encontrar o centro de gravidade. Ou seja, dependura-se a figura na vertical por um alfinete horizontal que passa por cada um dos furos da figura, aguarda-se que ela atinja o equilíbrio em cada caso, traçam-se as verticais pelos pontos de suspensão e marca-se o encontro destas verticais. Observa-se que o cruzamento destas verticais coincide com o centro de gravidade obtido anteriormente, embora a figura não possua qualquer simetria. Podemos resumir estas experiências da seguinte maneira. Suspende-se um corpo rígido por um ponto de suspensão PS1, tal que o corpo seja livre para girar em todos os sentidos ao redor deste ponto. Para cada ponto PS vai existir uma posição preferencial tal que o corpo vai permanecer em equilíbrio ao ser solto do repouso. Caso ele não seja solto nesta posição preferencial, ao ser solto do repouso o corpo vai executar um movimento oscilatório ao redor da vertical passando por PS, até parar devido ao atrito. Depois que o corpo atingiu o equilíbrio, traça-se uma vertical passando por PS1. Escolhe-se então 72 um segundo ponto PS2 que não esteja ao longo da primeira vertical e repete- se o procedimento. Vem da experiência que estas duas verticais obtidas desta maneira se encontram em um ponto. O mesmo vai ocorrer quando o corpo é suspenso por qualquer outro ponto PS. Ou seja, todas as verticais que passam pelos pontos de sustentação quando o corpo está em equilíbrio se cruzam em um único ponto. Estes fatos permitem uma definição bem geral apresentada a seguir. Definição Prática CG6: Centro de gravidade de um corpo é o ponto de encontro de todas as verticais passando pelos pontos de suspensão do corpo quando ele está em equilíbrio e tem liberdade para girar ao redor destes pontos. O procedimento detalhado para se encontrar o centro de gravidade traçando as verticais passando por cada ponto de suspensão já foi apresentado anterior- mente. Ele está ilustrado na Figura 4.28 para um corpo de forma arbitrária. CG PS2 E2 E1 PS1 Figura 4.28: Segundo procedimento experimental para achar o CG de uma figura de forma arbitrária. Vem da experiência que o centro de gravidade é único para cada corpo. Além disso, ele não precisa coincidir com nenhum ponto material do corpo, como vimos no caso de figuras côncavas ou com buracos. É importante enfatizar nesta definição que o corpo tem de ter liberdade para girar ao redor do ponto de suspensão. Podemos manter uma régua homogênea em equilíbrio com seu lado mais comprido na horizontal, por exemplo, segurando-a por uma de suas extremidades, desde que a prendamos com força nesta extremidade, impedindo- a de girar. Neste caso não podemos traçar a vertical pelo ponto de suspensão já que ela não está livre para girar. Caso lhe seja dada liberdade para girar, ela não vai permanecer nesta posição ao ser solta do repouso, mas vai girar até ficar com seu eixo maior na vertical. Outro aspecto relevante a enfatizar é que as verticais que vão ser utilizadas para encontrar o CG só devem ser traçadas depois que o corpo estiver em equilíbrio, ou seja, com todas as suas partes paradas em relação à Terra. Não se deve traçar nenhuma vertical enquanto ele estiver oscilando ao redor da posição de equilíbrio. Tudo isto está explícito na definição anterior, mas quisemos chamar atenção para estes pontos. Esta última definição do centro de gravidade é bem mais abstrata do que a 73 definição CG2. A definição CG2 é mais intuitiva e indica de maneira clara a existência de um ponto único e específico em cada corpo tal que ele pode ficar em equilíbrio sob a ação da gravidade quando apoiado por este ponto. Mas a definição CG2 apresenta problemas ao lidar com corpos ocos ou volumétricos, como vimos anteriormente. A definição CG6 é mais geral e se aplica a todos os casos encontrados até agora. No caso de corpos volumétricos é necessário suspender o corpo por um fio ligado a um dos pontos externos do corpo, PS1. Esperamos até que o corpo atinja o equilíbrio. Depois temos de imaginar a vertical passando por PS1 sendo estendida para baixo até atingir a extremidade E1 do corpo. Então suspendemos o corpo pelo fio ligado a um outro ponto externo do corpo, PS2. Esperamos até que o corpo atinja o equilíbrio e imaginamos a vertical que passa por PS2 sendo estendida para baixo até atingir um outro ponto externo E2 do corpo. A intersecção destas duas verticais é o CG do corpo. Este procedimento está ilustrado na Figura 4.29 no caso de um cubo. PS1E1 E2 PS2 CG Figura 4.29: Segundo procedimento experimental para achar o CG de um cubo. Agora que já temos uma definição clara e geral do centro de gravidade, podemos clarificar os conceitos relacionados ao apoio ou à suspensão de um corpo apresentando duas definições. • Ponto de apoio: Dizemos que um corpo em equilíbrio está apoiado por um ponto (ou por uma pequena superfície ou região) quando este ponto de apoio está abaixo do centro de gravidade do corpo. Este ponto de apoio será representado pelas letras PA. • Ponto de suspensão: Dizemos que um corpo em equilíbrio está suspenso por um ponto (ou por uma pequena superfície ou região) quando este ponto de suspensão está acima do centro de gravidade do corpo. Este ponto de suspensão ou de sustentação será representado pelas letras PS. Após estas definições podemos prosseguir com as experiências. 74 com a ponta para cima, fica bem mais difícil equilibrar o triângulo. Qualquer tremida de nossas mãos enquanto soltamos o triângulo é suficiente para dese- quilibrar o triângulo e fazê-lo cair. O mesmo ocorre com qualquer inclinação ou trepidação do palito de churrasco ocasionada por ventos ou por trepidações no solo. Por último, é extremamente difícil conseguir equilibrar o triângulo sobre a ponta de um alfinete ou de uma agulha, mesmo que tentemos colocar o centro de gravidade exatamente sobre a ponta do alfinete, a não ser que furemos ou deformemos o papel cartão. Muitas pessoas não conseguem equilibrar a figura deste jeito por mais que tentem. Outros exemplos deste fato encontram-se em uma das experiências anteri- ores, na qual um cubo e uma porca metálica ficavam em equilíbrio apoiadas sobre a parte superior de um palito de churrasco apenas quando seus centros de gravidade (o centro de simetria do cubo e da porca) ficavam verticalmente acima da superfície superior do palito. Concluímos então que um corpo só fica apoiado em equilíbrio quando o CG está verticalmente acima da região de apoio. Além disso, é extremamente difícil equilibrar um corpo quando o centro de gravidade está verticalmente acima do suporte nos casos em que a área do suporte tende a zero, aproximando-se de um ponto matemático. Isto fica ainda mais evidente na experiência a seguir. Experiência 4.19 Pegamos o triângulo da experiência anterior, o furamos e o dependuramos em um alfinete fincado em um suporte vertical. O alfinete horizontal passa pelo furo do triângulo e o plano do triângulo é vertical. Giramos o triângulo tal que seu centro de gravidade e o alfinete estejam ao longo de uma vertical, com o centro de gravidade do triângulo acima do alfinete. Soltamos então o triângulo desta posição a partir do repouso, firmando a base do palito de churrasco. Observa- se que o triângulo não permanece nesta posição. Em vez disso, o centro de gravidade começa a realizar oscilações de grande amplitude ao redor da vertical inferior que parte do alfinete, até que finalmente pára de oscilar, Figura 4.31. Na posição final de equilíbrio temos o alfinete e o centro de gravidade ao longo de uma vertical, com o centro de gravidade do triângulo estando localizado abaixo do alfinete. Experiência 4.20 Consideramos agora uma esfera homogênea sobre uma mesa horizontal. Po- demos soltá-la em repouso em qualquer posição sobre a mesa que ela vai con- tinuar parada. Caso seja dado um pequeno movimento horizontal ao centro da esfera, ela vai continuar girando até parar devido ao atrito. Experiência 4.21 Uma experiência análoga pode ser feita com qualquer recipiente cilíndrico homogêneo que tenha o centro de gravidade ao longo do seu eixo de simetria (lata de refrigerante ou de óleo, vidro de conserva etc.). Ele permanece em 77 CG PS Figura 4.31: Quando o triângulo é solto em um plano vertical com seu CG acima do alfinete ele não permanece em repouso, mas oscila ao redor da vertical passando pelo alfinete, até parar com o CG abaixo do alfinete. repouso se for colocado parado deitado sobre uma mesa horizontal, a partir de qualquer posição. Se receber um pequeno impulso horizontal tal que comece a girar ao redor da linha de apoio, vai continuar girando até parar devido ao atrito. Vamos fazer agora uma seqüência de três experiências de certa forma aná- logas ao que foi feito com o ovo anteriormente, só que agora com uma simetria um pouco diferente que permite analisar com mais clareza o que está ocorrendo. Vamos lidar com um recipiente cilíndrico de xampu cuja seção reta seja elíptica (semi-eixos maior e menor dados por b e por a, respectivamente, com b > a). O centro de gravidade está ao longo do eixo de simetria do recipiente, passando pelo centro das duas bases elípticas. Experiência 4.22 O recipiente de xampu é deitado sobre uma superfície horizontal e solto do repouso. Observa-se que ele permanece em equilíbrio somente ao ser colocado deitado sobre a superfície com a linha de apoio ao longo da extremidade do semi-eixo menor a, ver a Figura 4.32a. Nesta posição o CG está verticalmente acima desta linha de apoio. Por definição esta configuração será chamada de posição preferencial do recipiente. Experiência 4.23 Se girarmos ligeiramente o recipiente ao redor desta linha e o soltarmos, ele não permanecerá em repouso. Em vez disso, o centro da elipse começará a oscilar ao redor da vertical anterior, como mostrado na Figura 4.32b, até que o recipiente entre em repouso devido ao atrito. A posição final em que ele fica parado é aquela posição preferencial em que o centro da elipse está verticalmente 78 CG b a PA CG Figura 4.32: O CG oscila ao redor da vertical passando por PA. acima da linha de apoio passando pela extremidade inferior do semi-eixo menor a. Esta experiência é análoga ao que acontece em uma cadeira de balanço. Podemos ver pela Figura 4.33 que ao girarmos o recipiente ao redor da linha inferior na posição preferencial, o CG deixa de estar ao longo da vertical que passa pelo novo ponto de apoio ou pela nova linha de apoio. Além disso, o CG sobe em relação à altura que ocupava na posição preferencial. Quando o recipiente é solto do repouso, o sentido inicial do movimento (ou seja, para que lado o recipiente vai girar) é tal que o CG se aproxima da Terra. A posição final atingida pelo recipiente, que coincide com sua posição preferencial, é aquela na qual o CG está no ponto mais baixo possível. CGCG CG V V V Figura 4.33: Quando um corpo é solto do repouso, sua direção de movimento é tal que o CG desce. A posição central nesta Figura é de equilíbrio estável. Experiência 4.24 O recipiente é agora solto do repouso a partir da posição em que o CG está verticalmente acima da extremidade inferior do semi-eixo maior b. É pratica- mente impossível deixá-lo equilibrado nesta posição se o solo for plano e liso. Em vez disso, ele acaba tombando para um lado ou para outro. Para saber de que lado ele tomba, basta soltá-lo do repouso com o CG ligeiramente afastado da vertical anterior. Neste caso o sentido inicial do movimento é sempre tal que o CG se aproxime da Terra, como na Figura 4.34. A posição final de equilí- brio é mais uma vez a posição preferencial com o CG verticalmente acima da extremidade inferior do semi-eixo menor a. Estas experiências e outras análogas podem ser resumidas da seguinte ma- neira. Seja um corpo apoiado sobre uma superfície horizontal firme e solto do repouso. Ele permanecerá em equilíbrio somente se o CG estiver verticalmente 79 Vamos escolher o sentido de rotação anti-horária no plano vertical como indicando um ângulo positivo, Figura 4.35b. Se girarmos o paralelepípedo ao redor do eixo V1V2 de um ângulo θ e o soltarmos do repouso, seu movimento inicial será no sentido de abaixar seu CG, como vimos nas condições de equilíbrio estável e instável anteriormente. É fácil ver que existirá um ângulo crítico θc no qual a reta passando pelo eixo V1V2 e pelo centro de gravidade estará vertical, coincidindo com a direção do fio de prumo. Nesta situação o CG estará na posição mais alta possível. Caso o paralelepípedo parta do repouso em um ângulo inicial menor do que o ângulo crítico, tenderá a voltar à posição inicial com o lado c na vertical e o lado b na horizontal, já que neste sentido de movimento o CG estará baixando. Caso o ângulo inicial seja maior do que o ângulo crítico, o corpo tenderá a se afastar da posição inicial, caindo para o lado tal que o lado c se aproxime da horizontal enquanto que o lado b tenda à vertical. A posição do ângulo crítico é de equilíbrio instável, Figura 4.35c. Da Figura 4.36 podemos ver que a tangente do ângulo α entre a base V1V4 e a reta ligando o vértice V1 ao CG é dada por c/b. θ CG αhCG r CG b/2 r c/2 α Figura 4.36: Propriedades geométricas de um paralelepípedo. Das Figuras 4.35 e 4.36 vemos que o ângulo crítico θc é dado por 90o − α. Isto significa que tan α = tan(90o − θc) = c/b. Da Figura 4.36 vemos que em geral o valor da altura do CG é dado por hCG = r sen (α + θ), onde r = (c2 + b2)1/2/2. Quando θ = 0o temos hCG = c/2, quando θ = 90o temos hCG = b/2. O valor mais alto atingido pelo CG em relação à superfície horizontal da Terra ocorre quando α + θ = 90o, quando então hCG = r. Quando c = b temos α = θc = 45o. Neste caso os valores mais baixos da altura do CG são dados por hCG = b/2 = c/2 = 0, 5c. O valor mais alto é dado por hCG = 21/2c/2 ≈ 0, 7c. Se c = 4b temos α = 71, 6o e θc = 18, 4o. Neste caso temos hCG = c/2 = 0, 50c quando θ = 0o, hCG = 101/2c/6 ≈ 0, 53c quando θ = θc, e hCG = c/6 ≈ 0, 17c quando θ = 90o. No caso em que c = b/3 temos α = 18, 4o, θc = 71, 6o, hCG = c/2 = 0, 50c quando θ = 0o, hCG = 10 1/2c/2 ≈ 1, 6c quando θ = θc e hCG = 3c/2 = 1, 5c quando θ = 90o. 82 Destas condições vemos então que quanto mais baixo está o CG de um corpo apoiado por baixo em uma situação de equilíbrio estável, maior será a estabilidade de sua situação. Ou seja, quanto mais baixo estiver seu CG, maior será o ângulo crítico do corpo. Pode ser feita uma experiência mais controlada do que a anterior ao lidarmos sempre com um corpo de mesmo peso e de mesma forma externa, mas tal que podemos controlar a posição de seu CG. A idéia aqui é usar uma caixa oca homogênea de lados a, b e c, cujo CG esteja no centro da caixa. Vamos supor que o lado bc fique sempre na vertical. Coloca-se então um outro peso dentro da caixa, ocupando uma faixa estreita situada a uma altura h da base, Figura 4.37. CG b/2 h hCG Figura 4.37: Uma caixa com um peso dentro. O importante é que esta altura possa ser controlada por nós. No caso de uma caixa de fósforos, por exemplo, pode-se prender um conjunto de chumbos de pesca na parte inferior ou superior da caixa. Pode-se verificar que o CG do sistema caixa-chumbo estará localizado em algum ponto entre o centro da caixa e o centro do conjunto de chumbos. Vamos supor que ele esteja a uma altura hCG da base da caixa colocada em uma superfície horizontal, situado ao longo do eixo de simetria da base inferior b da caixa, como na Figura 4.37. Experiência 4.26 Coloca-se uma base de chumbos internamente a uma caixa de fósforos, ape- nas sobre o lado inferior. Apóia-se a caixa de fósforos sobre uma superfície horizontal com os chumbos na parte inferior da caixa. Gira-se então o sistema ao redor de um dos eixos da base, soltando-o do repouso. Observa-se que para alguns ângulos o sistema volta à posição inicial ao ser solto do repouso, enquanto que para ângulos maiores que um certo valor crítico a caixa tomba para o outro lado. Isto permite que se determine o ângulo crítico para esta situação, θcI , o qual separa os dois comportamentos. Inverte-se agora a posição dos chumbos tal que fiquem na parte superior da caixa. Repete-se o procedimento anterior e obtém-se um novo ângulo crítico, θcS . Observa-se que este novo ângulo crítico é bem menor do que o ângulo crítico anterior, θcS < θcI . 83 Pela definição anterior temos que tanto com o peso embaixo, quanto com o peso em cima, a caixa de fósforos fica em equilíbrio estável. Isto ocorre devido ao fato de que qualquer pequena perturbação desta posição, seja rotação no sentido horário ou anti-horário, faz com que ela volte à posição original ao ser solta do repouso. Apesar disto, pode-se dizer que a caixa com o peso embaixo possui uma estabilidade maior do que a caixa com o peso em cima. O motivo para isto é que o ângulo crítico no primeiro caso é bem maior do que o ângulo crítico no segundo caso. Isto sugere então a definição de estabilidade de um sistema. Definição: A medida ou o valor deste ângulo crítico pode então ser con- siderado como o grau de estabilidade do sistema. Isto é, para dois sistemas em equilíbrio estável, define-se que tem maior estabilidade aquele sistema que possui maior ângulo crítico. A pergunta agora é saber qual será o ângulo crítico θc deste sistema. Quando a caixa gira ao redor do eixo V1V2 de um ângulo θ, como na experiência anterior, ela vai voltar para a posição inicial ao ser solta do repouso se θ < θc. Caso θ > θc, a caixa não voltará à posição inicial ao ser solta do repouso, mas tombará para o lado oposto. Seja α o ângulo entre a base horizontal b e a reta ligando o eixo V1V2 ao CG. Temos então o resultado dado pela Eq. (4.1), ver a Figura 4.38. tan α = hCG (b/2) = 2hCG b , (4.1) θc CG α hCG Figura 4.38: Condições de estabilidade para um corpo. No ângulo crítico temos α + θc = 90o. Logo, θc = 90 o − α = 90o − arctan 2hCG b . (4.2) 84 • Equilíbrio estável: É a posição na qual o CG está verticalmente abaixo do PS e, além disso, quando qualquer perturbação nesta posição faz com que o CG suba. Chama-se de posição preferencial do corpo à configuração em que o CG está verticalmente abaixo do PS. Observa-se que caso o corpo seja solto do repouso na posição preferencial, ele vai permanecer em equilíbrio. Caso ele sofra alguma perturbação, vai oscilar ao redor da posição preferencial, diminuindo sua amplitude de oscilação devido ao atrito, até retornar à posição preferencial. Por este motivo esta situação é chamada de equilíbrio estável. • Equilíbrio indiferente: Casos em que o centro de gravidade está ver- ticalmente abaixo do ponto de suspensão e, além disso, quando qualquer perturbação nesta posição não altera a altura do CG em relação à Terra. Nestes casos observa-se que o corpo fica em equilíbrio em qualquer posição na qual seja solto. Por este motivo esta situação é chamada de equilíbrio indiferente. Caso o corpo receba um pequeno impulso e comece a girar ao redor do PS, continuará deslocando-se neste sentido até parar devido ao atrito. Experiência 4.30 Antes de prosseguir vale à pena realizar mais uma experiência. Recorta-se uma figura em papel cartão na forma da letra T . O comprimento da ponta de um braço do T à ponta do outro braço pode ser de 15 cm. A altura do T pode ser de 15 cm ou de 20 cm. A largura dos braços e do corpo do T pode ser de 2 cm. São feitos 11 furos ao longo do eixo de simetria do T . Vamos chamá-los em seqüência de F1 a F11, com o furo F1 ficando na junção dos braços e o furo F11 na extremidade do corpo do T . Pode-se também fazer um furo na ponta de cada braço, Figura 4.40. F1 F11 Figura 4.40: Um papel cartão cortado na forma da letra T , com vários furos. Inicialmente localiza-se o CG do T . Isto pode ser feito, por exemplo, de- pendurando-o pelos furos nas pontas de cada braço e traçando as verticais res- 87 pectivas. O CG será o cruzamento destas verticais, que deve estar ao longo do eixo de simetria do T , mais próximo de F1 do que de F10. Em seguida o T será solto sempre do repouso dependurado por um furo ao longo do seu eixo de simetria, com os braços na horizontal e com seu corpo abaixo do braço (ou seja, com F1 acima de F11). Quando ele é dependurado por furos que estão acima do CG, como F1 ou F2, por exemplo, ele permanece equilibrado na posição em que é solto. Já quando é dependurado por pontos que estão situados abaixo do CG, como F10 ou F11, por exemplo, ao ser solto do repouso ele acaba girando para um lado ou para outro, oscila algumas vezes, até parar com os braços na horizontal situados abaixo de F11. Ou seja, o T acaba invertendo sua situação inicial, ficando em repouso na posição final com F11 verticalmente acima de F1. Esta experiência ilustra mais uma vez que é instável a situação de equilíbrio na qual o CG está acima do PS, sendo estável quando ocorre o inverso. Apesar da explicação desta experiência ser baseada em princípios já vistos, ela é bem interessante. Afinal de contas, todos os furos são iguais, permitindo o mesmo movimento de rotação do corpo ao redor do PS. Só que apenas em alguns casos o corpo vai girar ao ser solto do repouso, invertendo a altura dos braços em relação ao corpo do T . 4.9 Caso em que o Centro de Gravidade Coincide com o Ponto de Suspensão Talvez seja impossível realizar na prática uma experiência em que o corpo esteja suspenso ou apoiado por um ponto que passa exatamente em seu CG, sendo livre para girar ao redor deste ponto. Mesmo quando tentamos nos aproximar desta situação por baixo, o CG sempre vai estar um pouco acima do ponto de apoio PA. Este é o caso, por exemplo, do triângulo na horizontal apoiado sobre um palito de churrasco na vertical colocado abaixo do baricentro do triângulo, Experiência 4.3. Aqui o ponto de contato entre o palito e o papelão fica um pouco abaixo do CG do triângulo, que está localizado em um ponto no centro da espessura do papelão. Também quando tentamos nos aproximar desta situação por cima, o CG sempre vai ficar um pouco abaixo do ponto de suspensão PS. Este é o caso, por exemplo, do triângulo em um plano vertical apoiado por um alfinete horizontal passando por um furo feito ao redor do baricentro do triângulo. O diâmetro do furo tem de ser um pouco maior do que o diâmetro do alfinete, para permitir uma rotação livre ao triângulo. Neste caso o PS será o ponto de contato entre o alfinete e a parte superior do furo, enquanto que o CG estará localizado no centro do furo. Uma outra dificuldade surge para corpos volumétricos. Por exemplo, se temos um paralelepípedo, só podemos apoiá-lo por uma vareta que toca sua face externa inferior, ou então por um fio preso à superfície externa superior do paralelepípedo. Por outro lado, o CG do paralelepípedo está localizado no centro do paralelepípedo, no interior do tijolo. Para suspendê-lo ou apoiá-lo por este ponto temos de fazer um furo no paralelepípedo. Portanto, teríamos de alterar 88 sua distribuição de matéria. Mas se a espessura deste buraco é muito pequena comparada com os lados do paralelepípedo, podemos desprezar esta modificação na matéria do paralelepípedo. Mas mesmo depois de feito este buraco fica difícil imaginar um sistema real que permita com que o paralelepípedo tenha liberdade de giro ao redor de seu CG. Pelo que foi visto nas experiências anteriores, pode-se imaginar o que aconte- ceria se fosse possível realizar na prática a experiência em que um corpo estivesse dependurado por um ponto de suspensão que passasse exatamente pelo CG do corpo. Já vimos que a tendência do CG de qualquer corpo rígido ao ser solto do repouso é a de se aproximar da Terra. Caso o corpo seja preso exatamente pelo CG, tendo liberdade para girar ao redor deste ponto, qualquer movimento de rotação que ele fizer não vai alterar a altura do CG em relação à Terra. Neste caso o corpo permaneceria em equilíbrio em todas as posições em que fosse colocado e solto do repouso, qualquer que fosse sua orientação em relação à Terra. Vamos supor inicialmente que temos um triângulo horizontal suspenso exa- tamente pelo seu centro de gravidade. Vamos chamar de α ao ângulo entre o segmento CGV1 (que liga o CG ao vértice V1) e o segmento CGL que indica a direção Leste-Oeste (segmento CGL indo do CG para o Leste, L). Caso ele seja solto em um plano horizontal apoiado por um suporte vertical sob o baricentro, ficará parado qualquer que seja este ângulo α, Figura 4.41. N S LO α V1 V2 V3 CG Figura 4.41: O triângulo horizontal apoiado pelo baricentro fica em equilíbrio para todo ângulo α. Vamos agora supor que o triângulo está em um plano vertical apoiado exa- tamente pelo baricentro. Seja β o ângulo entre o segmento CGV1 e a vertical indicada por um fio de prumo. Neste caso ele permanecerá em equilíbrio ao ser solto do repouso qualquer que seja o ângulo β, Figura 4.42. Vamos supor que agora a normal ao triângulo esteja inclinada de um ângulo 89 circunferência interna, o CG só vai estar em seu ponto mais baixo quando está verticalmente abaixo deste PS, quando então temos θ = 90o. Esta é uma posição de equilíbrio estável. Quando diminuímos o ângulo θ, o CG sobe. Se a arruela for solta do repouso nesta nova posição, a gravidade vai fazer com que seu CG desça. Suponha agora que fossem colocados raios sobre a arruela, como os raios de uma roda de bicicleta. Isto pode ser feito com linhas esticadas presas à arruela, ou podemos considerar uma roda de bicicleta real. Vamos supor que a arruela ou roda de bicicleta é suspensa por seu centro e que seja livre para girar em todas as direções ao redor deste ponto. Se ela for solta do repouso com seu eixo fazendo um ângulo θ com a linha vertical, ela permanecerá em equilíbrio para todo ângulo θ, Figura 4.45. Figura 4.45: Quando um corpo é apoiado exatamente por seu CG ele permane- cerá em equilíbrio não importando a orientação em que for solto em relação à Terra. Pela definição CG8, vem então que o centro de simetria da arruela coincide com seu centro de gravidade. A justificativa para ela ficar parada neste caso qualquer que seja o ângulo θ, quando apoiada por seu centro, é que o CG da arruela vai permanecer na mesma altura em relação à superfície da Terra, inde- pendentemente do valor deste ângulo. E esta é a característica de um equilíbrio indiferente. Chamamos esta definição CG8 de definitiva. Hoje em dia a palavra “defini- tiva” deve ser entendida entre aspas. O motivo para isto é que esta definição só é válida em regiões de forças gravitacionais uniformes. As regiões em que isto ocorre são aquelas nas quais um certo corpo de prova sofre sempre a mesma força (em intensidade, direção e sentido) em todos os pontos da região. Isto é o que ocorre para corpos pequenos nas proximidades da superfície da Terra. As forças gravitacionais sobre cada partícula do corpo de prova podem ser consideradas como atuando em retas paralelas entre si, todas verticais. Mas há situações em que isto não ocorre. Vamos dar um exemplo concreto no qual fazemos várias suposições: (A) O corpo que está exercendo a força gravitacional é como a Terra, mas com o formato de uma maçã, com a maior 92 distância entre quaisquer duas partículas desta Terra-maçã sendo dada por dT ; (B) o corpo que está sofrendo a força gravitacional é como a Lua, mas com o formato de uma banana, com a maior distância entre quaisquer duas partículas desta Lua-banana sendo dada por dL; (C) a distância entre uma partícula i qualquer desta Terra e uma partícula j qualquer desta Lua sendo dada por dij = dT + dL + eij , com 0 < eij << dT + dL. Neste caso não vai existir um centro de gravidade único. Dependendo da orientação relativa entre a Lua- banana e a Terra-maçã, vão existir linhas de equilíbrio distintas. Nestes casos o conceito de centro de gravidade perde seu significado. De qualquer forma, a definição CG8 pode ser utilizada para um corpo de prova de dimensões pequenas comparadas com o raio da Terra. Embora possa ser impossível realizar uma experiência na qual o corpo rígido esteja apoiado exatamente pelo CG, tendo liberdade para girar em todas as direções ao redor deste ponto, existem experiências que podem ser realizadas ilustrando a definição definitiva CG8. A situação da Figura 4.41 é simulada pela Experiência 4.3. Ou seja, um triângulo fica parado em um plano horizontal ao ser apoiado sobre um palito vertical cuja projeção para cima passa pelo CG do triângulo. A reta ligando um vértice qualquer do triângulo ao seu CG pode fazer um ângulo α qualquer com a direção Leste-Oeste que mesmo assim o triângulo permanecerá em equilíbrio ao ser solto do repouso. Esta situação não é exatamente aquela descrita na definição CG8 já que o triângulo possui uma certa espessura, embora seja fino. Isto significa que a parte do papel cartão em contato com o palito de churrasco não é exatamente o CG do triângulo, pois este ponto se localiza no interior da espessura do papel cartão. De qualquer forma esta experiência indica um equilíbrio indiferente, já que o ângulo α pode ser variado sem que com isto se altere a altura do CG do triângulo em relação à superfície da Terra. Isto é, esta experiência ilustra uma situação de equilíbrio indiferente no que diz respeito a este ângulo α. Nas próximas experiências ilustramos como se pode fazer algo análogo às Figuras 4.42 e 4.43. Experiência 4.31 Atravessamos um palito ortogonalmente ao plano de um triângulo de papel cartão, tal que o palito fique fixo em relação ao papel cartão. Não há folga entre o palito e o papel cartão, ou seja, o diâmetro do furo é igual ao diâmetro do palito. Isto é feito de tal forma que o palito e o triângulo constituam um único corpo rígido, tal que quando o triângulo gira, o mesmo ocorre com o palito. Isto vai ser indicado nas próximas Figuras pelo semi-círculo preto marcado na seção reta do palito. Vamos supor inicialmente que o furo do palito não coincida com o CG do triângulo. Apoiamos o palito horizontal por dois suportes verticais, tal que o plano do triângulo seja vertical, Figura 4.46. A posição preferencial é aquela em que o CG do triângulo fica verticalmente abaixo do palito. Vamos supor que o triângulo seja solto do repouso fora da posição preferencial, Figura 4.46a. O 93 CG do triângulo começa a oscilar ao redor da vertical inferior passando pelo palito, com suas amplitudes de oscilação diminuindo devido ao atrito, até parar na posição preferencial, Figura 4.46b. CG CG Figura 4.46: (a) Um triângulo é solto do repouso fora da posição preferencial. (b) Ele gira, juntamente com o palito, até parar com o CG verticalmente abaixo do palito. Por outro lado vamos agora supor que o eixo de simetria do palito passe exatamente pelo CG do triângulo, com o plano do triângulo mais uma vez ortogonal ao palito. O palito vai ficar novamente apoiado na horizontal com o plano do triângulo na vertical. Neste caso o triângulo vai permanecer em repouso qualquer que seja a orientação em que é solto em relação à Terra, Figura 4.47. Esta situação não é exatamente aquela descrita na definição CG8, já que o palito é apoiado pela parte de baixo de sua seção reta e não exatamente por seu eixo de simetria (ao longo do qual está o CG do triângulo). Isto significa que o eixo (ou fulcro) de apoio não passa exatamente pelo CG do triângulo. De qualquer forma, neste caso podemos girar o palito juntamente com o triângulo, alterando as partes do palito que estão em contato com os 2 suportes verticais abaixo dele, sem alterar a altura do CG do triângulo em relação à superfície da Terra. Temos então uma situação de equilíbrio indiferente. Esta experiência simula o caso da Figura 4.42. Experiência 4.32 Vamos agora supor que abrimos uma fenda em um palito de churrasco para poder passar um triângulo de papel cartão pela fenda, Figura 4.48. O palito e o triângulo formam um único corpo rígido. Isto é, quando o triângulo gira, o palito gira junto. Vamos supor inicialmente que o CG do triângulo esteja fora da fenda, como na Figura 4.49. A configuração preferencial é aquela na qual o CG fica ver- ticalmente abaixo do palito. Vamos supor que o sistema seja solto fora da configuração preferencial, com o palito horizontal apoiado sobre dois suportes horizontais colocados abaixo dele, Figura 4.49a. Neste caso ao ser solto do re- pouso ele não permanece em equilíbrio, mas gira até parar com o CG abaixo do palito, Figura 4.49b. 94
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