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Coriolano - Willian Shakespeare, Notas de estudo de Literatura

Coriolano - Willian Shakespeare

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 23/09/2010

izabele-caroline-rodrigues-gomes-4
izabele-caroline-rodrigues-gomes-4 🇧🇷

4.3

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Baixe Coriolano - Willian Shakespeare e outras Notas de estudo em PDF para Literatura, somente na Docsity! CORIOLANO (Coriolanus) William Shakespeare ÍNDICE ATO I Cena I Cena II Cena III Cena IV Cena V Cena VI Cena VII Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (1 of 76) [10/04/2001 23:07:35] Cena VIII Cena IX Cena X ATO II Cena I Cena II Cena III ATO III Cena I Cena II Cena III ATO IV Cena I Cena II Cena III Cena IV Cena V Cena VI Cena VII Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (2 of 76) [10/04/2001 23:07:35] PRIMEIRO CIDADÃO - É muito honesto. Quem nos dera que todos fossem como ele. MENÊNIO - Que tendes, meus concidadãos, em mira? Para onde ides com paus e cachaporras? Que se passa? Dizei-me, por obséquio. PRIMEIRO CIDADÃO - Nossa causa não é desconhecida do senado; nestes quinze dias eles já farejaram o que pretendemos fazer e que vamos mostrar-lhes agora com os próprios fatos. Eles dizem que os suplicantes pobres têm fôlego comprido; mas hão de ver que nossos braços também são compridos. MENÊNIO - Mestres, caros amigos, bons vizinhos, quereis arruinar-nos? PRIMEIRO CIDADÃO - Isso não será possível, senhor; já estamos arruinados. MENÊNIO - Acreditai-me, amigos: os patrícios têm por vós todos a mais caridosa solicitude. Com respeito a vossas necessidades e o que estais sofrendo com essa carestia, tanto vale bater no céu com todas essas armas, como jogá-las no romano Estado, que seguirá seu curso, arrebentando dez mil freios mais fortes do que quanta resistência pudésseis antepor-lhe. No que respeita à carestia - os deuses, não os patrícios, são seus causadores - remédio lhe virá de vossos joelhos, não dos braços. Oh céus! Fostes levados pela calamidade aonde maiores, ainda, vos esperam. Caluniastes os pilotos do Estado, que de todos vós cuidam como pais, sempre zelosos, enquanto os insultais como a inimigos. PRIMEIRO CIDADÃO - Cuidam de nós? Muito certo, realmente! Nunca se incomodaram conosco; deixam-nos morrer de fome, enquanto seus celeiros estão abarrotados de trigo; promulgam editos sobre a usura, para favorecerem os onzeneiros; revogam diariamente dispositivos estabelecidos contra os ricos e promulgam todos os dias estatutos cada vez mais vexatórios, para encadear e oprimir o povo. Se as guerras não nos devorarem antes, eles o farão. É esse todo o amor que revelam a nosso respeito. MENÊNIO - De duas uma: ou confessais que sois muito maldosos, ou tolos por demais. Vou relatar-vos uma fabula muito interessante. Decerto a conheceis; mas como serve muito bem a meus fins, vou arriscar-me a contá-la de novo. PRIMEIRO CIDADÃO - Muito bem; vamos ouvi-la, senhor; mas não vades imaginar que podereis chasquear de nossa miséria com uma fabulazinha qualquer. Não tem importância; quando quiserdes podereis principiar. MENÊNIO - Contra o estômago os membros se insurgiram certo dia, acusando-o de no meio do corpo colocar-se, preguiçoso sempre e inativo, e, como sorvedouro, absorver, insaciável, a comida, sem nunca contribuir com sua parte para o comum trabalho, enquanto os outros órgãos viam, andavam, refletiam, sentiam e falavam, contribuindo cada um, assim, com sua parte, para proverem às comuns necessidades e apetites do corpo. Respondeu-lhes o estômago... - PRIMEIRO CIDADÃO - Ora bem, senhor: qual foi a resposta do estômago? MENÊNIO - Vou dizer-vos, senhor. Com uma espécie de sorriso, que não se originava dos pulmões, um sorriso deste modo - pois, no final de contas, tanto posso dotar o estômago de fala como fazer que ele sorria - com um sorriso desdenhoso falou aos insurrectos, aos membros sediciosos que invejavam suas atividades absorventes, tal como ora fazeis, só por maldade, com nossos senadores, por não serem em tudo iguais a vós. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (5 of 76) [10/04/2001 23:07:35] PRIMEIRO CIDADÃO - Mas a resposta do estômago? Que disse? Se a cabeça de real coroa, os olhos vigilantes, o conselheiro coração, os braços nossos soldados, os corcéis - as pernas - a língua nosso trombeteiro e as outras aparelhagens e menores peças de nossa construção, se todos, disse... MENÊNIO - E então? E então? Mas como ele é eloqüente! E então, que aconteceu? PRIMEIRO CIDADÃO - Se todos ficam lesados pelo estômago voraz, que é a sentina do corpo... MENÊNiO - Bem, e agora? PRIMEIRO CIDADÃO - Se eles, os principais, fizeram queixa, que poderia responder o estômago? MENÊNIO - Já vou dizer-vos. Se me concederdes um pouco do que quase nada tendes, que é paciência, direi sua resposta. PRIMEIRO CIDADÃO - Quantas voltas fazeis para dizê-la! MENÊNIO - Atenção, caro amigo! Nosso estômago, sempre grave, manteve-se tranqüilo, sem revelar exaltação nenhuma, como seus detratores. Deste modo lhes respondeu: "É certo, meus amigos incorporados", disse, "que eu recebo, antes de outro qualquer, todo o alimento de que viveis, e é justo que assim seja, por ser eu o depósito e celeiro de todo o corpo. Mas se estais lembrados, pelos canais de vosso sangue tudo de novo mando à corte, ao coração, à alta sede do cérebro, e assim, pelos sinuosos passos da oficina humana, os nervos mais potentes e as menores arteríolas de mim recebem tudo de quanto necessitam para a vida. E muito embora todos vós, a um tempo, meus bons amigos..." isso disse o estômago, observai bem. - PRIMEIRO CIDADÃO - Pois não, senhor. Adiante! MENÊNIO - "E muito embora todos vós, a um tempo, não vejais o que eu dou em separado para cada um, mui fácil é provar-vos por um cálculo certo e rigoroso, que recebeis de mim toda a farinha, sobrando-me de tudo só o farelo." Que dizeis a isso? PRIMEIRO CIDADÃO - Foi resposta boa. E a sua aplicação? MENÊNIO - Os senadores de Roma são esse bondoso estômago; vós, os membros rebeldes. Seus conselhos examinai, suas canseiras todas, e heis de reconhecer que os benefícios gerais que recebeis vêm tão-somente da parte deles, nunca de vós mesmos. E vós aí, que pensais disto, sendo, como sois, o dedão do pé do grupo? PRIMEIRO CIDADÃO - Eu, o dedão do pé? Por que o dedão? MENÊNIO - Porque sendo, como és, um dos mais baixos, mais pobres e ordinários desta muito sapiente rebelião, vais sempre à frente. E se assim fazes, é porque farejas qualquer vantagem própria. Vamos! Ide preparar vossas clavas resistentes, vossos bastões, que Roma está no ponto de bater-se com os ratos. Um dos lados terá de ser malhado. (Entra Caio Márcio.) Nobre Márcio, Salve! MÁRCIO - Muito obrigado. Que acontece, marotos rezingueiros, que de tanto coçar a pobre crosta da vaidade vos transformais em sarna? PRIMEIRO CIDADÃO - Só palavras boas é que nos dais. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (6 of 76) [10/04/2001 23:07:35] MÁRCIO - Quem vos desse palavras boas vos adularia de produzir engulhos. Que vos falta, cães ordinários, se não vos agrada nem a paz nem a guerra? Esta vos causa pavor; aquela vos aumenta a empáfia. Quem se fiasse de vós, na hora precisa, em vez de leões encontraria lebres; em lugar de raposas, simples patos. Não; mais seguros não vos mostrais nunca do que um carvão ardente sobre o gelo, ou saraiva no sol. Vossa virtude consiste em exaltar quem abatido se acha das próprias faltas, para, logo, malsinar a justiça. Quem se mostra merecedor de glória, de vosso ódio também se mostra. Tal como os desejos de certos doentes são vossos impulsos, que visam sobretudo quanto possa aumentar-lhes a doença. Quem depende de vossa graça nada com espadanas de chumbo e abate robles com gravetos. Enforcai-vos! Confiar em vós? Mudais de idéia a cada instante; achais que é nobre quem vosso ódio até há pouco merecia, e infame o que era vosso emblema máximo. Que aconteceu? Por que motivo em vários quarteirões da cidade gritais tanto contra o nobre senado que sob a égide dos deuses vos mantém sempre com medo, que, do contrário, vos devoraríeis uns aos Outros? - Dizei: que é que eles querem? MENÊNIO - Trigo por preço que eles estipulem, pois acham que há bastante na cidade. MÁRCIO - Vão todos se enforcar! Acham? Ao fogo! Ficam sentados e saber presumem quanto no Capitólio está passando: quem poderá subir, quem enriquece, quem declina; a facções diversas se unem, conjeturais alianças põem por terra, reforçam seus partidos e enfraquecem os que no desagrado lhes caíram, pondo-os abaixo dos sapatos rotos. Acham que há muito trigo? Se a nobreza pusesse a compaixão de lado e a espada deixasse que eu usasse, logo um monte faria de pedaços desses biltres, da altura desta lança. MENÊNIO - Não; estes estão já persuadidos, pois embora lhes falte em grande escala qualquer discernimento, são covardes a mais não poder ser. Mas, por obséquio, que diz o outro magote? MÁRCIO - Dispersaram-se. Que se enforquem! Disseram-se esfomeados. Sopravam certas máximas: que a fome rompe muralhas; ou que até cachorro precisa de alimentos; que comida foi feita para as bocas, e que os deuses não deram trigo apenas para os ricos. Com esses trapos é que fazem vento para suas lamúrias. Responderam-lhes, e tendo sido satisfeito numa das exigências - coisa perigosa, de arrebentar o próprio coração da generosidade e deixar pálido o poder mais altivo - logo os gorros a jogar para cima começaram, como se pretendessem espetá-los lá nos cornos da lua, arrefecendo de pronto a grande ardência. MENÊNIO - E que vitória aí alcançaram? MÁRCIO - A de terem cinco tribunos, por escolha livre deles, para defesa da sabedoria do populacho. Júnio Bruto é um deles, e Sicínio Veluto, e... os outros. - Bolas! - Como posso saber? Destelharia primeiro essa canalha Roma inteira, antes de obter de mim uma tal coisa. O tempo os deixará mais fortes, sobre dar nascimento a temas de mais peso, para novas revoltas. MENÊNIO - É curioso! MÁRCIO - Ide embora, fragmentos! Para casa! (Entra apressadamente um mensageiro.) MENSAGEIRO - Onde está Caio Márcio? MÁRCIO - Aqui. Que é que houve? MENSAGEIRO - Senhor, a novidade é que esses volscos estão em armas. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (7 of 76) [10/04/2001 23:07:36] AUFÍDIO - Oh! não o duvideis; falo com provas. Mais, ainda: uma parte de seus homens já está em marcha, e para nossas bandas. Deixo Vossas Nobrezas. Se eu e Caio Márcio nos encontrarmos, já fizemos o juramento de lutar sem pausa, até que um de nós dois fique por terra. TODOS - Que os deuses vos assistam. AUFÍDIO - E conservem Vossas Honras em paz. PRIMEIRO SENADOR - Adeus. SEGUNDO SENADOR - Adeus. TODOS - Adeus. (Saem.) Cena III Roma. Um quarto em casa de Márcio. Entram Volúmnia e Vergília; sentam-se em dois tambores e começam a costurar. VOLÚMNIA - Cantai alguma coisa, filha, por obséquio, ou exprimi-vos por qualquer Outro modo prazenteiro. Se meu filho fosse meu marido, eu me mostraria mais alegre com essa ausência, em que ele ganha honra, do que com os abraços do leito nupcial com que ele me testemunhasse mais amor. Quando ele ainda era grácil de corpo e o único filho de minhas entranhas; quando sua adolescência, com a graça muito própria, atraía todos os olhares; quando qualquer outra mãe, ainda que instada durante um dia todo por um rei, não se teria privado de uma hora da satisfação de contemplá-lo: eu, considerando que o mais adequado adorno de sua beleza seria a glória e que ele valeria tanto como um quadro pendurado na parede, se aquela não o animasse, aprazia-me em mandá-lo procurar perigo onde pudesse encontrar a fama. Mandei-o para uma guerra cruel, de onde ele retornou com a fronte coroada de louros. Digo-te, filha, que não foi menor a minha alegria ao ouvir que havia dado à luz a um varão, do que ao saber pela primeira vez que ele se afirmara como homem. VERGÍLIA - Mas se ele tivesse morrido nesse negócio, senhora: que aconteceria depois? VOLÚMNIA - Depois, o meu filho ficaria sendo seu belo nome, que me teria dado posteridade. Permite que te confesse com sinceridade: se eu tivesse uma dúzia de filhos, todos iguais em meu amor, e nenhum menos caro do que o teu e o meu bom Márcio, preferira ver onze morrer nobremente por sua pátria a que um somente se fartasse numa inação cheia de volúpia. (Entra uma dama.) DAMA - A senhora Valéria veio ver-vos. VERGÍLIA - Dai-me licença para retirar-me. VOLÚMNIA - Não; de jeito nenhum. Só me parece que ouço o tambor, daqui, de vosso esposo; vejo-o a puxar pelo cabelo Aufídio, fugindo dele os volscos como as crianças fogem dos ursos; vejo-o como bate com o pé no chão, assim, e como grita: "Poltrões, segui-me! Concebidos fostes no medo, embora em Roma ao mundo viésseis!" A fronte ensangüentada, então, limpando com a mão de malha, segue para diante, tal como o ceifador que recebera por tarefa segar toda a lavoura, se receber quiser o estipulado. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (10 of 76) [10/04/2001 23:07:36] VERGÍLIA - A fronte ensangüentada! Oh não! Por Júpiter! Sangue, não! VOLÚMNIA - Oh! calai-vos, minha tola. Sangue é adorno mais belo, para os homens, do que troféu dourado. O seio de Hécuba amamentando Heitor, mais agradável aparência não tinha do que a fronte do próprio Heitor, quando estilava sangue nos prélios contra os gregos. - A Valéria dize que ela é bem-vinda a nossa casa. (Sai a dama.) VERGÍLIA - Que os céus amparem meu marido contra o terrível Aufídio! VOLÚMNIA - Ele há de a fronte fazer vergar de Aufídio até aos joelhos, e o pescoço pisar-lhe. (Volta a dama com Valéria e um porteiro.) VALÉRTA - Minhas senhoras, bom dia para ambas. VOLÚMNIA - Querida senhora! VERGÍLIA - Alegro-me por Vossa Graça. VALÉRIA - Como estais passando? Ambas sois notoriamente caseiras. Que estáveis cosendo? Belo modelo, em verdade. Como está vosso filhinho? VERGÍLIA - Fico muito agradecida a Vossa Graça: está passando bem, minha boa senhora. VOLÚMNIA - Ele prefere ver espadas e ouvir tambor, a olhar para o mestre-escola. VALÉRIA - Dou minha palavra em como é igualzinho ao pai. Iria jurar que é uma criança linda. Por minha fé, na quarta-feira eu o contemplei durante meia hora: tem uma fisionomia decidida. Vi-o correr empós de uma borboleta dourada; depois de a ter pegado, soltou-a de novo; depois, tornou a persegui-la por várias vezes, sempre a correr atrás dela, até tornar a apanhá-la. Por último, ou por ter ficado exasperado por ter caído, ou por outra razão qualquer, rangeu os dentes assim e a despedaçou. Oh! deveríeis ter visto como a deixou em pedacinhos! VOLÚMNIA - Revela os mesmos caprichos do pai. VALÉRIA - Realmente; é uma nobre criança. VERGÍLIA - É muito esperto, minha senhora. VALÉRTA - Vamos, ponde de lado essa costura; passareis comigo a tarde de hoje como donas de casa desocupadas. VERGÍLIA - Não, minha boa senhora; hoje não porei os pés fora da porta. VALÉRIA - Não poreis os pés fora da porta? VOLÚMNIA - Sim, sim; ela o fará. VERGÍLIA - Não, não, se mo permitirdes. Não transporei o umbral da casa enquanto meu senhor não voltar da guerra. VOLÚMNIA - Ora! Encarcerais-vos por maneira absurda. Vamos; precisais ir visitar a boa senhora que teve criança. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (11 of 76) [10/04/2001 23:07:36] VERGÍLIA - Almejo-lhe pronto restabelecimento e a visitarei com minhas orações, mas não poderei ir à sua casa. VOLÚMNIA - E por quê, pergunto-vos? VERGÍLIA - Não será para furtar-me a esse trabalho, nem por falta de amizade. VALÉRIA - Deveríeis ser uma segunda Penélope. No entanto há quem diga que toda a lã que ela fiou na ausência de Ulisses só serviu para encher Ítaca de traças. Vinde; desejara que vossa cambraia fosse tão sensível quanto vossos dedos, para que, por compaixão, deixasses de espetá-la. Vamos; tereis de sair conosco. VERGÍLIA - Não, minha boa senhora; desculpai-me, mas não sairei de casa. VALÉRIA - Por minha fé, vinde comigo, que vos darei excelentes notícias de vosso esposo. VERGÍLIA - Oh! minha boa senhora; não pode ter chegado ainda nenhuma notícia. VALÉRIA - É certo; não estou brincando: chegaram notícias ontem à tarde. VERGÍLIA - É verdade, senhora? VALÉRIA - Falando com toda a seriedade: é certo. Ouvi-as da boca de um senador. Passou-se deste modo: os volscos têm em campo um exército, contra o qual partiu Comínio, na qualidade de general, com parte de nossas forças romanas. Vosso marido e Tito Lárcio puseram cerco à cidade de Coríolos. Eles não têm a menor dúvida com respeito à vitória e ao término da campanha. Eis a verdade, por minha honra. Assim, vos peço, vinde conosco. VERGÍLIA - Perdoai-me, minha boa senhora; porém mais tarde vos serei obediente em tudo o mais. VOLÚMNIA - Deixemo-la sozinha, minha senhora; no estado em que está, só poderá estragar-nos a alegria. VALÉRIA - Realmente, é também o que penso. Passai bem, então. Vamos, boa e querida senhora. Por obséquio. Vergília, põe tua solenidade porta fora e vem passear conosco. VERGÍLIA - Não, decididamente, minha senhora. VALÉRIA - Está bem. Então, adeus. (Saem.) Cena IV Diante de Coríolos. Entram com tambores e estandartes Márcio, Tito Lárcio, oficiais e soldados. Depois, aproxima-se um mensageiro. MÁRCIO - Ali vem novidade. Apostar quero em como houve combate. LÁRCIO - Meu cavalo contra o vosso: não houve. MÁRCIO - Aceito. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (12 of 76) [10/04/2001 23:07:36] É o com que estes escravos se preocupam antes de estar a pugna terminada. Abaixo com eles todos! Vede a bulha que faz o general! Vamos salvá-lo! Eis ali o ódio de minha alma, Aufídio, a espetar os romanos... Nobre Tito, ficai com gente suficiente para segurar a cidade, enquanto eu corro com os que forem dotados de coragem, a socorrer Comínio. LÁRCIO - Caro amigo, estás sangrando muito; teu esforço foi por demais violento, para em outra refrega te arriscares. MÂRCIO - Deixai desses elogios, senhor, que meu trabalho não me esquentou ainda. Passai bem. O sangue extravasado é mais saudável para mim que nocivo. É deste modo que quero ver Aufídio e combatê-lo. LÁRCIO - Agora que Fortuna, a bela deusa, se enamore de ti e com seus grandes encantamentos deixe confundidas as espadas imigas. Destemido gentil-homem, que tenhas como pajem sempre a felicidade. MÁRCIO - E que não menos amiga se te mostre, como a quantos ela mais favorece. E agora, adeus! LÁRCIO - Oh meu notável Márcio! (Sai Márcio.) Vai logo soar o toque de trombeta na praça do mercado, convocando todos os oficiais do burgo, para ficarem conhecendo nosso intento. Depressa! (Saem.) Cena VI Perto do acampamento de Comínio. Entra Comínio com suas forças, em retirada. COMÍNIO - Tomai fôlego, amigos. Combatemos muito bem. Procedemos em tudo isto como romanos: nem sem pouco tino em nossa resistência, nem covardes na hora da retirada. Acreditai-me, senhores, vamos ter novo recontro. Enquanto nos batíamos, nas pausas, o vento nos fazia ouvir a bulha dos ataques de nossos companheiros. Deuses romanos! dai que eles alcancem tudo o que para nós também queremos, porque nossos exércitos se juntem com faces sorridentes e vos prestem, em gratidão, solene sacrifício! (Entra um mensageiro.) Que aconteceu? MENSAGEIRO - Os homens de Coríolos as portas transpuseram da cidade e em luta se acham já com Lárcio e Márcio. Vi nossos homens repelidos para nossas trincheiras. Nisso, vim correndo. COMÍNIO - Embora digas a verdade, creio que não falaste bem. Há quanto tempo foi isso? MENSAGEIRO - Há mais de uma hora, meu senhor. COMÍNIO - Daqui lá há uma milha. Há pouco ouvimos seus tambores. Por que gastaste uma hora para andar uma milha e nos trazeres notícias atrasadas? MENSAGEIRO - Sentinelas volscas me perseguiram, obrigando-me a fazer uma volta de três milhas ou quatro, mais ou menos. Não fora isso, meu senhor, eu teria em meia hora cumprido esta missão. COMÍNIO - Quem aparece naquele ponto, como se tivesse sido esfolado vivo? Oh deuses grandes! tem a forma de Márcio, sendo certo que já o vi desse modo. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (15 of 76) [10/04/2001 23:07:36] MÁRCIO (dentro) - Cheguei tarde? COMÍNIO - Não distingue o pastor com mais acerto entre o trovão e o rufo de tambores, como eu distingo a voz do grande Márcio entre outras mais humildes. (Entra Márcio.) MÁRCIO - Cheguei tarde? COMÍNIO - Sim, caso não tragais sangue inimigo como manto, mas próprio. MÁRCIO -Num abraço como do meu noivado vos aperto de encontro ao coração tão jubiloso como no casamento, quando tochas para o leito de núpcias me levavam. COMÍNIO - Flor dos guerreiros, que é de Tito Lárcio? MÁRCIO - Está ocupado apenas com decretos, uns à morte condena, outros, a exílio; deste se compadece, a um outro ameaça, aceita o preço do resgate de outro, Coríolos conservando para Roma tal como dócil galgo na correia que à vontade afrouxamos. COMÍNIO - Onde se acha o poltrão que me disse que vós tínheis recuado até às trincheiras? Onde se acha? Chamai-o aqui. MÁRCIO - Deixai-o, pois vos disse, tão-somente, a verdade. Quanto a nossos cavalheiros, a plebe numerosa - a peste em todos! e vão ter tribunos! - nunca do gato correu tanto o rato, como eles de poltrões piores do que eles. COMÍNIO - Teremos tempo para tais histórias? Onde está o inimigo? Sois senhores do campo? Se o não sois, por que parastes antes de sê-lo? COMÍNIO - Márcio, não tivemos sorte no encontro e fomos obrigados a recuar até aqui, por estratégia. MÁRCIO - Onde está o inimigo? Sabeis a ordem de suas tropas e onde dispuseram seus homens de confiança? COMÍNIO - Penso, Márcio, que as tropas da vanguarda são de antíates, as de maior confiança, sob o mando de Aufídio, o próprio coração de suas mais gratas esperanças. MÁRCIO - Pelos prélios em que já temos combatido juntos; pelo sangue que, juntos, derramamos; por nossos votos de amizade eterna, conjuro-vos a enviar-me sem demora ao encontro de Aufídio e seus antíates. Não deixeis escapar a conjuntura; mas, enchendo o ar de espadas e de lanças, aproveitemos a hora. COMÍNIO - Muito embora preferisse vos ver num grato banho e, após, os membros reforçar com bálsamo, não ouso denegar vosso pedido: escolhei, pois, os que melhor vos podem auxiliar nessa empresa. MÁRCIO - Os mais capazes são os de boa vontade. Assim, vos digo: se houver alguém aqui - fora pecado duvidá-lo - que tenha amor à tinta com que me vejo agora besuntado; que por sua pessoa menos tema do que por um mau nome, e considere que é preferível uma heróica morte à vida mal vivida; alguém que a pátria coloque muito acima de si mesmo: que esse valente - seja um só, ou muitos - agite o braço assim, para mostrar-nos sua disposição, e siga Márcio. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (16 of 76) [10/04/2001 23:07:36] CORIOLANO (Coriolanus) William Shakespeare ÍNDICE ATO I Cena I Cena II Cena III Cena IV Cena V Cena VI Cena VII Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (1 of 76) [10/04/2001 23:07:35] Cena VIII Cena IX Cena X ATO II Cena I Cena II Cena III ATO III Cena I Cena II Cena III ATO IV Cena I Cena II Cena III Cena IV Cena V Cena VI Cena VII Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (2 of 76) [10/04/2001 23:07:35] PRIMEIRO CIDADÃO - É muito honesto. Quem nos dera que todos fossem como ele. MENÊNIO - Que tendes, meus concidadãos, em mira? Para onde ides com paus e cachaporras? Que se passa? Dizei-me, por obséquio. PRIMEIRO CIDADÃO - Nossa causa não é desconhecida do senado; nestes quinze dias eles já farejaram o que pretendemos fazer e que vamos mostrar-lhes agora com os próprios fatos. Eles dizem que os suplicantes pobres têm fôlego comprido; mas hão de ver que nossos braços também são compridos. MENÊNIO - Mestres, caros amigos, bons vizinhos, quereis arruinar-nos? PRIMEIRO CIDADÃO - Isso não será possível, senhor; já estamos arruinados. MENÊNIO - Acreditai-me, amigos: os patrícios têm por vós todos a mais caridosa solicitude. Com respeito a vossas necessidades e o que estais sofrendo com essa carestia, tanto vale bater no céu com todas essas armas, como jogá-las no romano Estado, que seguirá seu curso, arrebentando dez mil freios mais fortes do que quanta resistência pudésseis antepor-lhe. No que respeita à carestia - os deuses, não os patrícios, são seus causadores - remédio lhe virá de vossos joelhos, não dos braços. Oh céus! Fostes levados pela calamidade aonde maiores, ainda, vos esperam. Caluniastes os pilotos do Estado, que de todos vós cuidam como pais, sempre zelosos, enquanto os insultais como a inimigos. PRIMEIRO CIDADÃO - Cuidam de nós? Muito certo, realmente! Nunca se incomodaram conosco; deixam-nos morrer de fome, enquanto seus celeiros estão abarrotados de trigo; promulgam editos sobre a usura, para favorecerem os onzeneiros; revogam diariamente dispositivos estabelecidos contra os ricos e promulgam todos os dias estatutos cada vez mais vexatórios, para encadear e oprimir o povo. Se as guerras não nos devorarem antes, eles o farão. É esse todo o amor que revelam a nosso respeito. MENÊNIO - De duas uma: ou confessais que sois muito maldosos, ou tolos por demais. Vou relatar-vos uma fabula muito interessante. Decerto a conheceis; mas como serve muito bem a meus fins, vou arriscar-me a contá-la de novo. PRIMEIRO CIDADÃO - Muito bem; vamos ouvi-la, senhor; mas não vades imaginar que podereis chasquear de nossa miséria com uma fabulazinha qualquer. Não tem importância; quando quiserdes podereis principiar. MENÊNIO - Contra o estômago os membros se insurgiram certo dia, acusando-o de no meio do corpo colocar-se, preguiçoso sempre e inativo, e, como sorvedouro, absorver, insaciável, a comida, sem nunca contribuir com sua parte para o comum trabalho, enquanto os outros órgãos viam, andavam, refletiam, sentiam e falavam, contribuindo cada um, assim, com sua parte, para proverem às comuns necessidades e apetites do corpo. Respondeu-lhes o estômago... - PRIMEIRO CIDADÃO - Ora bem, senhor: qual foi a resposta do estômago? MENÊNIO - Vou dizer-vos, senhor. Com uma espécie de sorriso, que não se originava dos pulmões, um sorriso deste modo - pois, no final de contas, tanto posso dotar o estômago de fala como fazer que ele sorria - com um sorriso desdenhoso falou aos insurrectos, aos membros sediciosos que invejavam suas atividades absorventes, tal como ora fazeis, só por maldade, com nossos senadores, por não serem em tudo iguais a vós. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (5 of 76) [10/04/2001 23:07:35] PRIMEIRO CIDADÃO - Mas a resposta do estômago? Que disse? Se a cabeça de real coroa, os olhos vigilantes, o conselheiro coração, os braços nossos soldados, os corcéis - as pernas - a língua nosso trombeteiro e as outras aparelhagens e menores peças de nossa construção, se todos, disse... MENÊNIO - E então? E então? Mas como ele é eloqüente! E então, que aconteceu? PRIMEIRO CIDADÃO - Se todos ficam lesados pelo estômago voraz, que é a sentina do corpo... MENÊNiO - Bem, e agora? PRIMEIRO CIDADÃO - Se eles, os principais, fizeram queixa, que poderia responder o estômago? MENÊNIO - Já vou dizer-vos. Se me concederdes um pouco do que quase nada tendes, que é paciência, direi sua resposta. PRIMEIRO CIDADÃO - Quantas voltas fazeis para dizê-la! MENÊNIO - Atenção, caro amigo! Nosso estômago, sempre grave, manteve-se tranqüilo, sem revelar exaltação nenhuma, como seus detratores. Deste modo lhes respondeu: "É certo, meus amigos incorporados", disse, "que eu recebo, antes de outro qualquer, todo o alimento de que viveis, e é justo que assim seja, por ser eu o depósito e celeiro de todo o corpo. Mas se estais lembrados, pelos canais de vosso sangue tudo de novo mando à corte, ao coração, à alta sede do cérebro, e assim, pelos sinuosos passos da oficina humana, os nervos mais potentes e as menores arteríolas de mim recebem tudo de quanto necessitam para a vida. E muito embora todos vós, a um tempo, meus bons amigos..." isso disse o estômago, observai bem. - PRIMEIRO CIDADÃO - Pois não, senhor. Adiante! MENÊNIO - "E muito embora todos vós, a um tempo, não vejais o que eu dou em separado para cada um, mui fácil é provar-vos por um cálculo certo e rigoroso, que recebeis de mim toda a farinha, sobrando-me de tudo só o farelo." Que dizeis a isso? PRIMEIRO CIDADÃO - Foi resposta boa. E a sua aplicação? MENÊNIO - Os senadores de Roma são esse bondoso estômago; vós, os membros rebeldes. Seus conselhos examinai, suas canseiras todas, e heis de reconhecer que os benefícios gerais que recebeis vêm tão-somente da parte deles, nunca de vós mesmos. E vós aí, que pensais disto, sendo, como sois, o dedão do pé do grupo? PRIMEIRO CIDADÃO - Eu, o dedão do pé? Por que o dedão? MENÊNIO - Porque sendo, como és, um dos mais baixos, mais pobres e ordinários desta muito sapiente rebelião, vais sempre à frente. E se assim fazes, é porque farejas qualquer vantagem própria. Vamos! Ide preparar vossas clavas resistentes, vossos bastões, que Roma está no ponto de bater-se com os ratos. Um dos lados terá de ser malhado. (Entra Caio Márcio.) Nobre Márcio, Salve! MÁRCIO - Muito obrigado. Que acontece, marotos rezingueiros, que de tanto coçar a pobre crosta da vaidade vos transformais em sarna? PRIMEIRO CIDADÃO - Só palavras boas é que nos dais. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (6 of 76) [10/04/2001 23:07:35] MÁRCIO - Quem vos desse palavras boas vos adularia de produzir engulhos. Que vos falta, cães ordinários, se não vos agrada nem a paz nem a guerra? Esta vos causa pavor; aquela vos aumenta a empáfia. Quem se fiasse de vós, na hora precisa, em vez de leões encontraria lebres; em lugar de raposas, simples patos. Não; mais seguros não vos mostrais nunca do que um carvão ardente sobre o gelo, ou saraiva no sol. Vossa virtude consiste em exaltar quem abatido se acha das próprias faltas, para, logo, malsinar a justiça. Quem se mostra merecedor de glória, de vosso ódio também se mostra. Tal como os desejos de certos doentes são vossos impulsos, que visam sobretudo quanto possa aumentar-lhes a doença. Quem depende de vossa graça nada com espadanas de chumbo e abate robles com gravetos. Enforcai-vos! Confiar em vós? Mudais de idéia a cada instante; achais que é nobre quem vosso ódio até há pouco merecia, e infame o que era vosso emblema máximo. Que aconteceu? Por que motivo em vários quarteirões da cidade gritais tanto contra o nobre senado que sob a égide dos deuses vos mantém sempre com medo, que, do contrário, vos devoraríeis uns aos Outros? - Dizei: que é que eles querem? MENÊNIO - Trigo por preço que eles estipulem, pois acham que há bastante na cidade. MÁRCIO - Vão todos se enforcar! Acham? Ao fogo! Ficam sentados e saber presumem quanto no Capitólio está passando: quem poderá subir, quem enriquece, quem declina; a facções diversas se unem, conjeturais alianças põem por terra, reforçam seus partidos e enfraquecem os que no desagrado lhes caíram, pondo-os abaixo dos sapatos rotos. Acham que há muito trigo? Se a nobreza pusesse a compaixão de lado e a espada deixasse que eu usasse, logo um monte faria de pedaços desses biltres, da altura desta lança. MENÊNIO - Não; estes estão já persuadidos, pois embora lhes falte em grande escala qualquer discernimento, são covardes a mais não poder ser. Mas, por obséquio, que diz o outro magote? MÁRCIO - Dispersaram-se. Que se enforquem! Disseram-se esfomeados. Sopravam certas máximas: que a fome rompe muralhas; ou que até cachorro precisa de alimentos; que comida foi feita para as bocas, e que os deuses não deram trigo apenas para os ricos. Com esses trapos é que fazem vento para suas lamúrias. Responderam-lhes, e tendo sido satisfeito numa das exigências - coisa perigosa, de arrebentar o próprio coração da generosidade e deixar pálido o poder mais altivo - logo os gorros a jogar para cima começaram, como se pretendessem espetá-los lá nos cornos da lua, arrefecendo de pronto a grande ardência. MENÊNIO - E que vitória aí alcançaram? MÁRCIO - A de terem cinco tribunos, por escolha livre deles, para defesa da sabedoria do populacho. Júnio Bruto é um deles, e Sicínio Veluto, e... os outros. - Bolas! - Como posso saber? Destelharia primeiro essa canalha Roma inteira, antes de obter de mim uma tal coisa. O tempo os deixará mais fortes, sobre dar nascimento a temas de mais peso, para novas revoltas. MENÊNIO - É curioso! MÁRCIO - Ide embora, fragmentos! Para casa! (Entra apressadamente um mensageiro.) MENSAGEIRO - Onde está Caio Márcio? MÁRCIO - Aqui. Que é que houve? MENSAGEIRO - Senhor, a novidade é que esses volscos estão em armas. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (7 of 76) [10/04/2001 23:07:36] AUFÍDIO - Oh! não o duvideis; falo com provas. Mais, ainda: uma parte de seus homens já está em marcha, e para nossas bandas. Deixo Vossas Nobrezas. Se eu e Caio Márcio nos encontrarmos, já fizemos o juramento de lutar sem pausa, até que um de nós dois fique por terra. TODOS - Que os deuses vos assistam. AUFÍDIO - E conservem Vossas Honras em paz. PRIMEIRO SENADOR - Adeus. SEGUNDO SENADOR - Adeus. TODOS - Adeus. (Saem.) Cena III Roma. Um quarto em casa de Márcio. Entram Volúmnia e Vergília; sentam-se em dois tambores e começam a costurar. VOLÚMNIA - Cantai alguma coisa, filha, por obséquio, ou exprimi-vos por qualquer Outro modo prazenteiro. Se meu filho fosse meu marido, eu me mostraria mais alegre com essa ausência, em que ele ganha honra, do que com os abraços do leito nupcial com que ele me testemunhasse mais amor. Quando ele ainda era grácil de corpo e o único filho de minhas entranhas; quando sua adolescência, com a graça muito própria, atraía todos os olhares; quando qualquer outra mãe, ainda que instada durante um dia todo por um rei, não se teria privado de uma hora da satisfação de contemplá-lo: eu, considerando que o mais adequado adorno de sua beleza seria a glória e que ele valeria tanto como um quadro pendurado na parede, se aquela não o animasse, aprazia-me em mandá-lo procurar perigo onde pudesse encontrar a fama. Mandei-o para uma guerra cruel, de onde ele retornou com a fronte coroada de louros. Digo-te, filha, que não foi menor a minha alegria ao ouvir que havia dado à luz a um varão, do que ao saber pela primeira vez que ele se afirmara como homem. VERGÍLIA - Mas se ele tivesse morrido nesse negócio, senhora: que aconteceria depois? VOLÚMNIA - Depois, o meu filho ficaria sendo seu belo nome, que me teria dado posteridade. Permite que te confesse com sinceridade: se eu tivesse uma dúzia de filhos, todos iguais em meu amor, e nenhum menos caro do que o teu e o meu bom Márcio, preferira ver onze morrer nobremente por sua pátria a que um somente se fartasse numa inação cheia de volúpia. (Entra uma dama.) DAMA - A senhora Valéria veio ver-vos. VERGÍLIA - Dai-me licença para retirar-me. VOLÚMNIA - Não; de jeito nenhum. Só me parece que ouço o tambor, daqui, de vosso esposo; vejo-o a puxar pelo cabelo Aufídio, fugindo dele os volscos como as crianças fogem dos ursos; vejo-o como bate com o pé no chão, assim, e como grita: "Poltrões, segui-me! Concebidos fostes no medo, embora em Roma ao mundo viésseis!" A fronte ensangüentada, então, limpando com a mão de malha, segue para diante, tal como o ceifador que recebera por tarefa segar toda a lavoura, se receber quiser o estipulado. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (10 of 76) [10/04/2001 23:07:36] VERGÍLIA - A fronte ensangüentada! Oh não! Por Júpiter! Sangue, não! VOLÚMNIA - Oh! calai-vos, minha tola. Sangue é adorno mais belo, para os homens, do que troféu dourado. O seio de Hécuba amamentando Heitor, mais agradável aparência não tinha do que a fronte do próprio Heitor, quando estilava sangue nos prélios contra os gregos. - A Valéria dize que ela é bem-vinda a nossa casa. (Sai a dama.) VERGÍLIA - Que os céus amparem meu marido contra o terrível Aufídio! VOLÚMNIA - Ele há de a fronte fazer vergar de Aufídio até aos joelhos, e o pescoço pisar-lhe. (Volta a dama com Valéria e um porteiro.) VALÉRTA - Minhas senhoras, bom dia para ambas. VOLÚMNIA - Querida senhora! VERGÍLIA - Alegro-me por Vossa Graça. VALÉRIA - Como estais passando? Ambas sois notoriamente caseiras. Que estáveis cosendo? Belo modelo, em verdade. Como está vosso filhinho? VERGÍLIA - Fico muito agradecida a Vossa Graça: está passando bem, minha boa senhora. VOLÚMNIA - Ele prefere ver espadas e ouvir tambor, a olhar para o mestre-escola. VALÉRIA - Dou minha palavra em como é igualzinho ao pai. Iria jurar que é uma criança linda. Por minha fé, na quarta-feira eu o contemplei durante meia hora: tem uma fisionomia decidida. Vi-o correr empós de uma borboleta dourada; depois de a ter pegado, soltou-a de novo; depois, tornou a persegui-la por várias vezes, sempre a correr atrás dela, até tornar a apanhá-la. Por último, ou por ter ficado exasperado por ter caído, ou por outra razão qualquer, rangeu os dentes assim e a despedaçou. Oh! deveríeis ter visto como a deixou em pedacinhos! VOLÚMNIA - Revela os mesmos caprichos do pai. VALÉRIA - Realmente; é uma nobre criança. VERGÍLIA - É muito esperto, minha senhora. VALÉRTA - Vamos, ponde de lado essa costura; passareis comigo a tarde de hoje como donas de casa desocupadas. VERGÍLIA - Não, minha boa senhora; hoje não porei os pés fora da porta. VALÉRIA - Não poreis os pés fora da porta? VOLÚMNIA - Sim, sim; ela o fará. VERGÍLIA - Não, não, se mo permitirdes. Não transporei o umbral da casa enquanto meu senhor não voltar da guerra. VOLÚMNIA - Ora! Encarcerais-vos por maneira absurda. Vamos; precisais ir visitar a boa senhora que teve criança. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (11 of 76) [10/04/2001 23:07:36] VERGÍLIA - Almejo-lhe pronto restabelecimento e a visitarei com minhas orações, mas não poderei ir à sua casa. VOLÚMNIA - E por quê, pergunto-vos? VERGÍLIA - Não será para furtar-me a esse trabalho, nem por falta de amizade. VALÉRIA - Deveríeis ser uma segunda Penélope. No entanto há quem diga que toda a lã que ela fiou na ausência de Ulisses só serviu para encher Ítaca de traças. Vinde; desejara que vossa cambraia fosse tão sensível quanto vossos dedos, para que, por compaixão, deixasses de espetá-la. Vamos; tereis de sair conosco. VERGÍLIA - Não, minha boa senhora; desculpai-me, mas não sairei de casa. VALÉRIA - Por minha fé, vinde comigo, que vos darei excelentes notícias de vosso esposo. VERGÍLIA - Oh! minha boa senhora; não pode ter chegado ainda nenhuma notícia. VALÉRIA - É certo; não estou brincando: chegaram notícias ontem à tarde. VERGÍLIA - É verdade, senhora? VALÉRIA - Falando com toda a seriedade: é certo. Ouvi-as da boca de um senador. Passou-se deste modo: os volscos têm em campo um exército, contra o qual partiu Comínio, na qualidade de general, com parte de nossas forças romanas. Vosso marido e Tito Lárcio puseram cerco à cidade de Coríolos. Eles não têm a menor dúvida com respeito à vitória e ao término da campanha. Eis a verdade, por minha honra. Assim, vos peço, vinde conosco. VERGÍLIA - Perdoai-me, minha boa senhora; porém mais tarde vos serei obediente em tudo o mais. VOLÚMNIA - Deixemo-la sozinha, minha senhora; no estado em que está, só poderá estragar-nos a alegria. VALÉRIA - Realmente, é também o que penso. Passai bem, então. Vamos, boa e querida senhora. Por obséquio. Vergília, põe tua solenidade porta fora e vem passear conosco. VERGÍLIA - Não, decididamente, minha senhora. VALÉRIA - Está bem. Então, adeus. (Saem.) Cena IV Diante de Coríolos. Entram com tambores e estandartes Márcio, Tito Lárcio, oficiais e soldados. Depois, aproxima-se um mensageiro. MÁRCIO - Ali vem novidade. Apostar quero em como houve combate. LÁRCIO - Meu cavalo contra o vosso: não houve. MÁRCIO - Aceito. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (12 of 76) [10/04/2001 23:07:36] É o com que estes escravos se preocupam antes de estar a pugna terminada. Abaixo com eles todos! Vede a bulha que faz o general! Vamos salvá-lo! Eis ali o ódio de minha alma, Aufídio, a espetar os romanos... Nobre Tito, ficai com gente suficiente para segurar a cidade, enquanto eu corro com os que forem dotados de coragem, a socorrer Comínio. LÁRCIO - Caro amigo, estás sangrando muito; teu esforço foi por demais violento, para em outra refrega te arriscares. MÂRCIO - Deixai desses elogios, senhor, que meu trabalho não me esquentou ainda. Passai bem. O sangue extravasado é mais saudável para mim que nocivo. É deste modo que quero ver Aufídio e combatê-lo. LÁRCIO - Agora que Fortuna, a bela deusa, se enamore de ti e com seus grandes encantamentos deixe confundidas as espadas imigas. Destemido gentil-homem, que tenhas como pajem sempre a felicidade. MÁRCIO - E que não menos amiga se te mostre, como a quantos ela mais favorece. E agora, adeus! LÁRCIO - Oh meu notável Márcio! (Sai Márcio.) Vai logo soar o toque de trombeta na praça do mercado, convocando todos os oficiais do burgo, para ficarem conhecendo nosso intento. Depressa! (Saem.) Cena VI Perto do acampamento de Comínio. Entra Comínio com suas forças, em retirada. COMÍNIO - Tomai fôlego, amigos. Combatemos muito bem. Procedemos em tudo isto como romanos: nem sem pouco tino em nossa resistência, nem covardes na hora da retirada. Acreditai-me, senhores, vamos ter novo recontro. Enquanto nos batíamos, nas pausas, o vento nos fazia ouvir a bulha dos ataques de nossos companheiros. Deuses romanos! dai que eles alcancem tudo o que para nós também queremos, porque nossos exércitos se juntem com faces sorridentes e vos prestem, em gratidão, solene sacrifício! (Entra um mensageiro.) Que aconteceu? MENSAGEIRO - Os homens de Coríolos as portas transpuseram da cidade e em luta se acham já com Lárcio e Márcio. Vi nossos homens repelidos para nossas trincheiras. Nisso, vim correndo. COMÍNIO - Embora digas a verdade, creio que não falaste bem. Há quanto tempo foi isso? MENSAGEIRO - Há mais de uma hora, meu senhor. COMÍNIO - Daqui lá há uma milha. Há pouco ouvimos seus tambores. Por que gastaste uma hora para andar uma milha e nos trazeres notícias atrasadas? MENSAGEIRO - Sentinelas volscas me perseguiram, obrigando-me a fazer uma volta de três milhas ou quatro, mais ou menos. Não fora isso, meu senhor, eu teria em meia hora cumprido esta missão. COMÍNIO - Quem aparece naquele ponto, como se tivesse sido esfolado vivo? Oh deuses grandes! tem a forma de Márcio, sendo certo que já o vi desse modo. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (15 of 76) [10/04/2001 23:07:36] MÁRCIO (dentro) - Cheguei tarde? COMÍNIO - Não distingue o pastor com mais acerto entre o trovão e o rufo de tambores, como eu distingo a voz do grande Márcio entre outras mais humildes. (Entra Márcio.) MÁRCIO - Cheguei tarde? COMÍNIO - Sim, caso não tragais sangue inimigo como manto, mas próprio. MÁRCIO -Num abraço como do meu noivado vos aperto de encontro ao coração tão jubiloso como no casamento, quando tochas para o leito de núpcias me levavam. COMÍNIO - Flor dos guerreiros, que é de Tito Lárcio? MÁRCIO - Está ocupado apenas com decretos, uns à morte condena, outros, a exílio; deste se compadece, a um outro ameaça, aceita o preço do resgate de outro, Coríolos conservando para Roma tal como dócil galgo na correia que à vontade afrouxamos. COMÍNIO - Onde se acha o poltrão que me disse que vós tínheis recuado até às trincheiras? Onde se acha? Chamai-o aqui. MÁRCIO - Deixai-o, pois vos disse, tão-somente, a verdade. Quanto a nossos cavalheiros, a plebe numerosa - a peste em todos! e vão ter tribunos! - nunca do gato correu tanto o rato, como eles de poltrões piores do que eles. COMÍNIO - Teremos tempo para tais histórias? Onde está o inimigo? Sois senhores do campo? Se o não sois, por que parastes antes de sê-lo? COMÍNIO - Márcio, não tivemos sorte no encontro e fomos obrigados a recuar até aqui, por estratégia. MÁRCIO - Onde está o inimigo? Sabeis a ordem de suas tropas e onde dispuseram seus homens de confiança? COMÍNIO - Penso, Márcio, que as tropas da vanguarda são de antíates, as de maior confiança, sob o mando de Aufídio, o próprio coração de suas mais gratas esperanças. MÁRCIO - Pelos prélios em que já temos combatido juntos; pelo sangue que, juntos, derramamos; por nossos votos de amizade eterna, conjuro-vos a enviar-me sem demora ao encontro de Aufídio e seus antíates. Não deixeis escapar a conjuntura; mas, enchendo o ar de espadas e de lanças, aproveitemos a hora. COMÍNIO - Muito embora preferisse vos ver num grato banho e, após, os membros reforçar com bálsamo, não ouso denegar vosso pedido: escolhei, pois, os que melhor vos podem auxiliar nessa empresa. MÁRCIO - Os mais capazes são os de boa vontade. Assim, vos digo: se houver alguém aqui - fora pecado duvidá-lo - que tenha amor à tinta com que me vejo agora besuntado; que por sua pessoa menos tema do que por um mau nome, e considere que é preferível uma heróica morte à vida mal vivida; alguém que a pátria coloque muito acima de si mesmo: que esse valente - seja um só, ou muitos - agite o braço assim, para mostrar-nos sua disposição, e siga Márcio. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (16 of 76) [10/04/2001 23:07:36] (Todos prorrompem em exclamações, agitam as espadas, carregam Márcio e jogam os bonés para o alto.) Oh, deixai-me! Pensais que eu seja espada? Se essas demonstrações forem sinceras, quem não valerá mais que quatro volscos? Não há entre vós outros quem não possa antepor um escudo ao grande Aufídio, tão duro quanto o dele. Muito embora a todos agradeça, um certo número, somente, escolher vou. Em qualquer outro recontro os mais terão a sua parte, conforme as circunstâncias o exigirem. Em frente, pois. E agora, bem depressa, quatro entre vós escolham para minha sortida os mais dispostos. COMÍNTO - Ide, amigos, a lealdade provai de vosso gesto; conosco parte igual tereis em tudo. (Saem.) Cena VII As portas de Coríolos. Tito Lárcio, tendo posto sentinelas nas portas de Coríolos, sai da cidade com tambor e corneta, para ir ao encontro de Caio Márcio, acompanhado de um tenente, um destacamento de soldados e de um batedor. LÁRCIO - Assim; guardai as portas; cumpri todas as minhas instruções. Enviai-me aquelas centúrias, se eu mandar pedir reforço. TENENTE - Podeis ficar tranqüilo. LÁRCIO - Entrai, fechando sobre nós vossas portas. Vamos, guia; conduze-nos ao campo dos romanos. (Saem.) Cena VIII Um campo de batalha entre o acampamento dos romanos e dos volscos. Alarma. Entram por lados diferentes Márcio e Aufídio. MÁRCIO - Só lutarei contigo, pois te odeio mais ainda que a um perjuro. AUFÍDIO - Justamente como eu a teu respeito. Não possui a África uma serpente que eu odeie mais do que a tua glória insuportável. Firma o pé. MÁRCIO - Como escravo do outro morra quem primeiro correr e que o condenem depois os imortais. AUFÍDIO - Se eu fugir, Márcio, escorraça-me como a lebrezinha. MÁRCIO - Há pouco menos de três horas, Tulo, sozinho combati em vossos muros. Fiz lá o que bem quis. Não é meu sangue que vês a revestir-me. Para tua vingança, pois, arma tua força ao máximo. AUFÍDIO - Ainda que Heitor tu fosses, o flagelo de que se ufana vossa altiva raça, não poderias escapar-me agora. (Batem-se. Entram alguns volscos em socorro de Aufídio.) Serventes, não guerreiros, vosso auxílio amaldiçoado me cobriu de opróbrio! (Saem combatendo, perseguidos por Márcio.) Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (17 of 76) [10/04/2001 23:07:36] encontrar barba com barba, meu será ou eu dele. Já não mostra meu ardor a lealdade costumeira. Antes, pensava em vir a dominá-lo em iguais condições de resistência: espada honrosa contra espada... Agora, se de novo o atacar, de qualquer jeito hei de vencê-lo: por astúcia ou força. PRIMEIRO SOLDADO - Ele é o demônio. AUFÍDIO - Muito mais ousado, mas menos astucioso. Envenenado meu valor se acha agora pela ofensa feita por ele. Só por causa dele fugirá de si mesmo. Nem santuário, nem sono, o estado de nudez, de doença, nenhum templo, nem mesmo o Capitólio, a hora do sacrifício, as santas preces dos sacerdotes, todos esses óbices antepostos à fúria, nada pode doravante antepor seus privilégios e usos embolorados contra o grande ódio que eu voto a Márcio. Vindo a achá-lo, seja na minha casa, sob a guarda de meu irmão, e até contra o direito sagrado que a todo hóspede devemos, no sangue de seu coração pretendo lavar a mão feroz. Ide à cidade saber que força há lá e que pessoas como reféns terão de ir para Roma. PRIMEIRO SOLDADO - E vós, não vindes? AUFÍDIO -Não; vou esperar-vos no bosque de ciprestes. For obséquio - fica no sul dos moinhos da cidade - ide contar-me como vai o mundo. Conforme os passos dele, hei de esforçar-me por apressar os meus. PRIMEIRO SOLDADO - Pois não, senhor. (Saem.) ATO II Cena I Roma. Uma praça pública. Entram Menênio, Sicínio e Bruto. MENÊNIO - O áugur me disse que esta noite vamos ter notícias. BRUTO - Boas ou más? MENÊNLO - Pouco conformes aos votos do povo, pois ele não gosta de Márcio. SICÍNIO - A natureza ensina os animais a conhecer os amigos. MENÊNIO - For obséquio, a quem ama o lobo? SICÍNIO - Ao cordeiro. MENÊNIO - Sim, para devorá-lo, tal como os plebeus famintos desejariam fazer com Márcio. BRUTO - É um cordeiro, com efeito, que bala como urso. MENÊNIO - É um urso, com efeito, que vive como cordeiro. Ambos vós sois velhos; respondei ao que vos vou perguntar. SICÍNIO E BRUTO - Perfeitamente, senhor. MENÊNIO - De que enormidade é Márcio pobre, que não tenhais em abundância? Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (20 of 76) [10/04/2001 23:07:36] BRUTO - Ele não é pobre de nenhum defeito, senão bem provido de todos eles. SICÍNIO - Principalmente de orgulho. BRUTO - E a todos ultrapassa em jactância. MENÊNIO - É extraordinário! Não sabeis em que conceito sois tidos aqui na cidade, quero dizer, por nós outros da ala direita? Não o sabeis? AMBOS - Como assim? De que nos censuram? MENÊNIO - Já que falais de orgulho... Mas não ireis ficar zangados, não? AMBOS - Falai, senhor! Falai! MENÊNIO - Ora, não tem muita importância, porque o pequeno ladrão oportunidade vos roubará uma grande dose de paciência. Soltai as rédeas ao capricho e ficai aborrecidos quanto quiserdes, no caso de encontrardes prazer nisso. Censurais Márcio por causa de seu orgulho? BRUTO - Não somos os únicos a fazê-lo, senhor. MENÊNIO - Sei muito bem que, sozinhos, fazeis muito pouca coisa, porque sem bastantes auxiliares vossos feitos se tornam espantosamente escassos. Tendes qualidades muito infantis para, sozinhos, realizardes muita coisa. Falais de orgulho... Oh! se pudésseis virar a vista para a nuca e passar em revista vosso interior! Oh! se o pudésseis! BRUTO - Que aconteceria, senhor? MENÊNIO - Ora, então descobriríeis um par de magistrados - aliás bobos - orgulhosos, sem merecimento, arbitrários e cabeçudos, como não há iguais em toda Roma. SICÍNIO - Menênio, vós também sois bastante conhecido. MENÊNIO - Sim, sou conhecido como um patrício bem humorado, que aprecia um bom copo de vinho quente sem mistura de nenhuma gota do Tibre; que passa por ter o pequeno defeito de prestar ouvidos às primeiras reclamações; vivo e inflamável aos menores estímulos; um sujeito que se mostra mais familiar com o traseiro da noite do que com a fronte da manhã... Digo o que penso, gastando nesse esforço toda a minha maldade. Ao encontrar dois conselheiros como vós - não poderei dizer que sois Licurgos redivivos - no caso de me ser desagradável ao paladar a bebida que me derdes, faço logo uma careta. Não poderei dizer que Vossas Senhorias elucidaram bem a matéria, quando descubro asneira em todas as vossas palavras; e conquanto precise mostrar-me satisfeito com os que dizem que sois pessoas graves e reverendas, ainda assim mentem descaradamente os que afirmam que tendes fisionomias agradáveis. Se ledes todas essas coisas no mapa de meu microcosmo, conclui-se que sou bastante conhecido? Que defeito poderá descobrir em meu caráter vossa sagacidade míope, admitindo-se que eu seja mesmo tão conhecido assim? BRUTO - Vamos, senhor; vamos; conhecemos-vos perfeitamente. MENÊNIO - Não me conheceis, como não conheceis a vós mesmos nem a coisa nenhuma. Só ambicionais os chapéus e as pernas dos pobres diabos; gastais uma saudável e santa manhã só em ouvir uma disputa entre um taberneiro e uma vendedora de laranja, e adiais para outra audiência essa Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (21 of 76) [10/04/2001 23:07:36] controvérsia que não vale três vinténs. Quando estais ouvindo a discussão entre as partes, se por acaso sois pinçados pela cólica, fazeis caretas de mascarados; levantais a bandeira vermelha contra toda paciência e, reclamando aos gritos um urinol, despedis uma controvérsia sangrenta, que fica ainda mais enleada depois de vossa audiência, consistindo todo o vosso acordo em chamardes de marotos a ambos os litigantes. Um bem estranho par é o que sois. BRUTO - Vamos, vamos, senhor; vê-se perfeitamente que sois mais hábil como palhaço de mesa do que como juiz no Capitólio. MENÊNIO - Até os nossos sacerdotes se tornam zombadores, quando encontram tipos ridículos como vós. O que dizeis com mais discernimento não paga o trabalho que tendes com agitar a barba, não merecendo vossas barbas túmulo mais honroso do que servir de enchimento de travesseiro. No entanto dizeis que Márcio é orgulhoso, Márcio que, num cálculo muito por baixo, vale por todos os vossos antepassados até Deucalião, muito embora seja bem possível que os melhores dentre eles não tivessem passado de carrascos hereditários. Muito boa tarde para Vossas Senhorias. Uma conversação mais prolongada convosco poderia infectar-me o cérebro, por serdes pastores dos bestiais plebeus. Tomo a ousadia de despedir-me de ambos. (Bruto e Sicínio se afastam.) (Entram Volúmnia, Vergília e Valéria.) Então, minhas formosas e nobres damas - e a lua, se fosse terrena, não teria mais nobreza - para onde vos leva os olhos com tanta pressa? VOLÚMNIA - Digno Menênio, o meu nobre Márcio está a chegar. Pelo amor de Juno, vamos logo! MENÊNIO - Como! Márcio está de volta? VOLÚMNIA - Está, meu digno Menênio; com a mais feliz confirmação. MENÊNIO - Fica com o meu boné, Júpiter, e ainda te agradecerei. Olá! Márcio está de volta! VOLÚMNIA E VERGÍLIA - É certo! É certo! VOLÚMNIA - Aqui está uma carta dele; o governo recebeu outra; sua esposa, uma terceira, e eu penso que em casa há outra para vós. MENÊNIO - Hoje à noite porei minha casa de pernas para o ar. Uma carta para mim! VERGÍLIA - Sim, é isso; uma carta para vós. Eu própria a vi. MENÊNIO - Uma carta para mim! Isso me deixa com saúde para sete anos, durante os quais assobiarei para o médico. Comparada com esse cordial, a mais soberana prescrição de Galeno não passa de mezinha ridícula, que vale tanto como remédio de cavalo. Não foi ferido? Ele sempre costumava voltar ferido para casa. VERGÍLIA- Oh! não, não, não! VOLÚMNIA - Oh, sim! Está ferido; dou graças aos deuses por semelhante fato. MENÊNIO - Como eu também o faço, se as feridas não forem perigosas. Traz a vitória no bolso? As feridas sempre lhe vão bem. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (22 of 76) [10/04/2001 23:07:36] SICÍNIO - Afirmo desde já que vai ser cônsul. BRUTO - Nossas funções, então, em seu governo poderão cochilar. SICÍNIO - Ele não há de ter o comedimento necessário para até ao fim levar as honrarias; acabará perdendo o que ganhou. BRUTO - É o que nos deixa, em parte, mais tranqüilos. SICÍNIO - Não o duvideis um só momento: o povo, que nós representamos, com seu velho e habitual ódio, ao menor pretexto há de esquecer seus títulos recentes, sendo ele mesmo que há de oferecer-lhes essa oportunidade, estou certíssimo, máxime porque timbra em demonstrá-lo. BRUTO - Jurar o ouvi que se a pleitear o posto viesse de cônsul, não se mostraria na praça do mercado, nem as vestes sujas dos suplicantes vestiria, nem, como de uso, mostraria as suas cicatrizes ao povo de mau hálito, para pedir-lhes voto. SICÍNIO - É muito certo. BRUTO - Foram suas palavras: preferira não alcançar o posto, a vir a obtê-lo por outro meio que não seja o voto dos senhores e o anelo da nobreza. SICÍNIO - Nada me agrada tanto como vê-lo persistir nessa idéia e pô-la em prática. BRUTO - É o que fará, decerto. SICÍNIO - E que há de em nosso proveito redundar, sendo para ele segura destruição. BRUTO - Se não a dele, então será a de nossa autoridade. For isso relembremos aos do povo o ódio que Márcio votou sempre a todos e como, se pudesse, os transformara em animais de carga, silenciara seus defensores e cortara todas as suas liberdades, sobre tê-los em tal conceito quanto aos atos próprios do ser humano e o esforço produtivo, que mais alma não chega a conceder-lhes do que aos próprios camelos de campanha, que alimentos só obtêm, quando carregam pesados fardos, e pancada a rodo, quando caem sob a carga. SICÍNIO - Tal idéia, como o dissestes, sugerida a tempo, quando sua insolência insuportável houver deixado o povo mais alerta - sendo que essa ocasião virá depressa, se excitá-lo soubermos, o que muito mais fácil nos será do que cachorros açular contra ovelhas - esse o fogo vai ser que incendiará sua palha seca, e cujas labaredas para sempre vão deixá-lo tisnado. (Entra um mensageiro.) BRUTO - Que há de novo? MENSAGEIRO - No Capitólio vos reclamam. Dizem que Márcio vai ser cônsul. Apertarem-se vi mudos para vê-lo, e muitos cegos para ouvi-lo falar. Nossas matronas atiram luvas; damas e meninas, lenços e charpas à passagem dele. Dobram-se os nobres como se estivessem ante a estátua de Jove, tendo os próprios comuns feito uma chuva de trovoada com seus gorros e vivas. É inaudito. BRUTO - Vamos ao Capitólio; disponhamos de olhos e ouvidos para o dia de hoje, mas de disposição para o que possa resultar de tudo isso. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (25 of 76) [10/04/2001 23:07:36] SICÍNIO - Irei convosco. (Saem.) Cena II O mesmo, O Capitólio. Entram dois oficiais para colocar almofadas. PRIMEIRO OFICIAL - Vamos! vamos! Eles já vêm perto. Quantos são os candidatos para o consulado? SEGUNDO OFICIAL - Três, é o que dizem; mas todos estão certos de que Coriolano ganhará o pleito. PRIMEIRO OFICIAL - É um sujeito valente, mas orgulhoso a conta inteira, e não gosta do povo comum. SEGUNDO OFICIAL - For minha fé, há muitas personagens de projeção que adularam o povo, sem nunca lhes terem dedicado a menor afeição, como há outros que o povo amou sem saber porquê. Ora, se o povo ama sem saber porquê, também odeia sem maior fundamento. Assim, não se preocupando nem com o amor nem com o ódio que os plebeus possam votar-lhe, Coriolano prova que conhece perfeitamente a disposição de todos eles, o que revela à saciedade com sua nobre indiferença. PRIMEIRO OFICIAL - Se ele não se preocupa nem com o ódio nem com o amor dos plebeus, mantém-se em equilíbrio, sem lhes fazer bem nem mal. Mas a verdade é que procura o ódio deles com mais empenho do que eles poderiam ser capazes de revelar-lho, sem deixar por fazer nada que possa apresentá-lo como inimigo declarado de todos. Ora, procurar tão abertamente o ódio e o descontentamento do povo é tão prejudicial como o que ele próprio reprova; adulá-lo para obter-lhe as graças. SEGUNDO OFICIAL - Ele se tornou benemérito da pátria; sua ascensão não se fez por degraus tão suaves como os dos que subiram à força de se mostrarem insinuantes e corteses para o povo, desfazendo-se em zumbaias, sem que nada mais houvessem feito para se afirmarem em sua estima e apreciação. Não; de tal modo plantou ele a honra nos olhos de todos e seus grandes feitos no coração do povo, que ficarem caladas as bocas, sem proclamarem essa verdade, fora ingratidão culposa, e contestá-lo, maldade inominável que, dando a si própria o desmentido, provocaria de quem quer que o ouvisse protestos e reprovações. PRIMEIRO OFICIAL - Bem; não falemos mais dele; é um homem digno. Abramos caminho, que eles já estão chegando. (Toque de trompa. Entram, precedidos de lictores, o Cônsul Comínio, Menênio, Coriolano, grande número de senadores, Sicínio e Bruto. Os senadores sentam-se em seus lugares; os tribunos sentam-se à parte.) MENENIO - O negócio dos volscos terminado e após termos mandado a Tito Lárcio ordem para voltar, o assunto máximo desta nossa reunião extraordinária vai consistir em premiar os nobres serviços de quem soube com tal êxito defender sua pátria. Assim, vos resta pedir agora, venerandos padres, que o atual cônsul que na feliz campanha foi nosso general nos conte um pouco de todas as ações extraordinárias feitas por Caio Márcio Coriolano, a quem agradecer agora vamos e enaltecer com honras dignas dele. PRIMEIRO SENADOR - Bom Comínio, falai, sem omitir nada por ser extenso, convencendo-nos de que antes poderá mostrar-se Roma deficiente no prêmio do que falhos de gratidão seus filhos. (Aos tribunos.) Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (26 of 76) [10/04/2001 23:07:36] De vós outros, tribunos populares, reclamamos amigável ouvido e, após, a vossa benigna interferência junto ao povo, para que aprove quanto aqui fizermos. SICÍNIO - Aqui comparecemos convocados para um pacto amigável, encontrando-nos de coração dispostos a dar honras ao assunto agitado e a incentivá-lo. BRUTO - O que faremos tanto mais felizes, se doravante ele mostrar que o povo tem em mais alto apreço do que sempre revelou no passado. MENÊNIO - Vamos logo! Passemos ao que importa. Preferível fora nada dizer. Não quereríeis ouvir falar Comínio? BRUTO - De bom grado; mas minha restrição tem mais cabida do que vossa censura. MENENIO - Ele aprecia vosso povo; mas não deveis forçá-lo a dormir a seu lado. Agora fale o mui digno Comínio. (Coriolano se levanta e faz menção de retirar-se.) Não; ficai. PRIMEIRO SENADOR - Sentai-vos, Coriolano, sem corardes das gloriosas ações que praticastes. CORIOLANO - Nobres, perdoai-me; mas preferiria ter de pensar de novo estas feridas a ouvir contar como cheguei a obtê-las. BRUTO - Quero crer, meu senhor, que não deixastes vosso lugar por causa do que eu disse. CORIOLANO - Oh não, senhor! Porém já se tem dado resistir eu a golpes e, no entanto, pôr-me em fuga por causa de palavras. Não me adulastes; logo, não feristes. Vosso povo, avalio-o pelo peso. MENÊNIO - For obséquio, sentai-vos. CORIOLANO - Preferira que ao sol o crânio todo me arranhassem, quando soasse o alarma, a aqui sentar-me sem fazer coisa alguma e ouvir meus nadas transformados em monstros assombrosos. (Sai.) MENÊNIO - Homens do povo, como poderia ele adular vossa cambada infinda - onde, entre mil, um bom, somente, se acha - quando, como estais vendo, ele prefere todos os membros arriscar pela honra, a deixar que um só ouvido ouça seus feitos? Comínio, principiai. COMÍNIO - A voz me falta. Proclamados não podem ser os feitos de Coriolano por um peito débil. A virtude suprema - afirmam todos - é a coragem, que mais que tudo os homens eleva e dignifica. Sendo certa semelhante premissa, em todo o mundo não há quem possa ser equiparado ao varão de que falo. Quando tinha dezesseis anos e Tarquínio contra Roma se levantou, ele nas pugnas se distinguiu de todos. O então nosso ditador, a quem cito com louvores, o viu lutar, tendo testemunhado como ele, com seu queixo de amazona, correr fazia lábios bigodudos. Defendeu um romano que caíra, tendo, à vista do cônsul, derrubado três dos opositores. Sim, ao próprio Tarquínio se atreveu e o fez, de um golpe, tocar com o joelho em terra. Nesse dia de altos feitos, em que ele poderia representar como mulher na cena, provou ser o mais farte da campanha e alcançou a coroa de carvalho. Tendo passado, assim, da adolescência para virilidade tão gloriosa, como o oceano cresceu, e no entrechoque de dezessete pugnas, depois disso, os louros empalmou dos gládios todos. De seu último feito, diante e dentro de Coríolos, confesso que não posso, falar como devera. Fugitivos soube deter, e por seu raro exemplo fez os Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (27 of 76) [10/04/2001 23:07:36] SEGUNDO CIDADÃO - Estais, sempre com brincadeiras. Continuai! continuai! TERCEIRO CIDADÃO - Estais, portanto, resolvidos a dar o vosso voto? Pouco importa. É a maioria que decide. Penso que se ele se inclinar para o povo, não haverá homem mais digno. (Entra Coriolano, com traje humilde, e Menênio.) Aí vem ele com vestes humildes; observai sua atitude. Não devemos ficar juntos; passemos por ele insuladamente, ou em grupos de dois e de três. Terá de fazer o pedido a cada cidadão, com o que cada um de nós ganhará honra em dar-lhe o voto com a própria voz e a própria boca. For isso, acompanhai-me, que eu vos indicarei o modo de vos aproximardes dele. TODOS - De acordo! de acordo! (Saem os cidadãos.) MENÊNIO - Senhor, estais errado; pois decerto sabeis que os cidadãos mais conceituados assim mesmo fizeram. CORIOLANO - De que modo falar-lhes? "Peço-vos, senhor..." Malditos! Não posso pôr a língua nesse passo. "Contemplai, meu senhor, estas feridas; no serviço da pátria ganhei todas, quando muitos dos vossos companheiros aos urros debandavam, só de ouvirem nossos próprios tambores." MENÊNIO - Pelos deuses! não faleis assim. Deveis levá-los a pensar sobre vós. CORIOLANO - Pensar em mim? Que se enforquem! Prefiro que se esqueçam do que me diz respeito, como o fazem com a virtude que, em pura perda, os padres gastam com eles todos. MENÊNIO - Desse modo estragaríeis tudo. Vou deixar-vos. For obséquio, falai-lhes, por obséquio, por maneira razoável. CORIOLANO - Nesse caso mandai que todos vão lavar o rosto e limpar mais os dentes. (Sai Menênio.) Eis que chega uma parelha deles. (Voltam dois cidadãos.) com certeza sabeis, senhor, por que me encontro aqui. PRIMEIRO CIDADÃO - Perfeitamente, senhor; dizei-nos o que vos levou a isso. CORIOLANO - Meu próprio mérito. SEGUNDO CIDADÃO - Vosso próprio mérito! CORIOLANO - Sim, que não foi meu desejo. PRIMEIRO CIDADÃO - Como! Não vosso desejo? CORIOLANO - Não, senhor, pois nunca desejei incomodar com pedidos os pobres. - PRIMEIRO CIDADÃO - Deveis imaginar que se vos dermos alguma coisa será com a esperança de obter alguma recompensa. CORIOLANO - Então dizei-me, por obséquio, qual é o preço do consulado? PRIMEIRO CIDADÃO - O preço é um pedido delicado. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (30 of 76) [10/04/2001 23:07:36] CORIOLANO - Delicado! Ora, senhor! concedei-mo, por obséquio. Tenho que mostrar-vos cicatrizes, o que poderei fazer em particular. Vosso bom voto, senhor... Que me dizeis? SEGUNDO CIDADÃO - Será vosso, digno senhor. CORIOLANO - Negócio feito, senhor. Ao todo, já mendiguei dois dignos votos. Aceito vossos óbolos. Adeus. PRIMEIRO CIDADÃO - Tudo isso é um pouco estranho! SEGUNDO CIDADÃO - Se tivéssemos de concedê-lo de novo... Ora! não importa. (Saem os dois cidadãos.) (Voltam dois outros cidadãos.) CORIOLANO - Por obséquio, se se concilia com o tom de vossa voz que eu venha a ser cônsul, aqui me encontro com as vestes do estilo. TERCEIRO CIDADÃO - Tomastes-vos com nobreza merecedor da pátria, e não vos tomastes merecedor com nobreza. CORIOLANO - Vossa charada? TERCEIRO CIDADÃO - Fostes flagelo para os inimigos dela; fostes açoite para seus amigos. O certo é que jamais amastes o povo comum. CORIOLANO - Tanto maior é o cabedal de virtude que deveríeis levar à minha conta, por eu não ter sido comum em minhas afeições. Vou adular, senhor, meus irmãos jurados, as pessoas, do povo, para merecer deles mais cordial estima... por ser essa a condição que eles consideram amável. E por preferirem eles, em sua sabedoria, meu chapéu a meu coração, vou exercitar-me nas curvaturas aduladoras, para sair-me do caso com o mais-completo fingimento. Quero dizer, senhor, vou imitar a fascinação de algum homem popular e concedê-la a mancheias a quantos a desejarem. Por isso, concordai, vos peço em que eu venha a ser cônsul. - QUARTO CIDADÃO - Esperamos encontrar em vós um amigo; por isso, de coração vos damos nossos votos. TERCEIRO CIDADÃO - Recebestes muitas feridas na defesa da pátria. CORIOLANO - Não desejo selar vosso conhecimento com mostrar-vo-las. Farei grande cabedal de vossos votos, não desejando incomodar-vos por mais tempo. AMBOS OS CIDADÃOS - Que os deuses vos dêem alegria, senhor, de todo o coração. (Saem.) CORIOLANO - Que votos agradáveis! Antes morrer de fome, alarvemente, do que ter de pedir a tanta gente quanto já nos pertence. Como logo vestido, assim, que faço - grande bobo! - pedindo a Pedro e a João o voto estulto? Chamam a isso costume; é quase um culto; mas se seguirmos o costume em tudo, o pó do tempo ficará rabudo, e tal montanha de erros se levanta, que a verdade, de vez, enfim suplanta. Se não quiser estupidificar-me deixemos logo o ofício com seu carme para quem se dispõe a exercitá-lo. Já consegui vencer meio intervalo. Ora, tendo sofrido uma metade, a outra, por isso, perecer não há de. Eis Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (31 of 76) [10/04/2001 23:07:36] outros votos que nos chegam. (Voltam mais três cidadãos.) Vossos votos, senhores. Foi por vossos votos que eu combati; velei por vossos votos; recebi duas dúzias de feridas, ou mais, por vossos votos. Vi batalhas e ouvi três vezes seis; só pelos vossos votos fiz muitas coisas; umas, grandes; outras, pequenas. Bem; os vossos votos. Desejara ser cônsul. QUINTO CIDADÃO - Ele se conduziu com nobreza, não podendo, portanto, deixar de alcançar o voto das pessoas honestas. SEXTO CIDADÃO - Então, que se torne cônsul. Que os deuses lhe concedam alegria e o façam amigo do povo. TODOS - Amém! Amém! Deus te proteja, nobre cônsul! (Saem os cidadãos.) CORIOLANO - Dignos votos! (Volta Menênio, com Bruto e Sicínio.) MENÊNIO - Passastes bem o prazo estipulado. Os tribunos vos dão a voz do povo. Agora só vos resta pôr as vestes oficiais e logo ir para o senado. CORIOLANO - Aqui já terminou? SICÍNIO - Satisfizestes os costumes do rogo. Assim, o povo vos aprova, ficando convocado para a confirmação de vossa escolha. CORIOLANO - Onde isso? No senado? SICÍNIO - Sim, lá mesmo. CORIOLANO - Posso trocar de roupa? SICÍNIO - Sim, mui digno senhor; podeis. CORIOLANO - Vou fazer isso logo; e, depois de voltar a ser eu mesmo, irei para o senado. MENÊNIO - Irei convosco. Não vindes? BRUTO - Vamos esperar o povo. SICÍNIO - Passai bem. (Saem Coriolano e Menênio.) Alcançou o que queria. No olhar revela, quero crer, o ardor que tem no coração. BRUTO - Com que arrogância envergou ele as vestes da humildade! Despedireis o povo? (Voltam os cidadãos.) SICÍNIO - Então, meus mestres? Elegestes esse homem? PRIMEIRO CIDADÃO - Teve os nossos votos, senhor. BRUTO - Só peço aos deuses que ele mereça vosso amor. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (32 of 76) [10/04/2001 23:07:36] LÁRCIO - Perfeitamente, senhor, sendo essa a causa de nos termos unido tão depressa. CORIOLANO - Então os volscos se encontram como no princípio, prontos, conforme as circunstâncias, a atacar-nos. COMÍNIO - Tão gastos, senhor cônsul, estão todos, que mui dificilmente em nossas vidas veremos seus pendões outra vez soltos. CORIOLANO - Vistes Aufídio? LÁRCIO - Veio procurar-me com passe livre, tendo amaldiçoado todos os volscos, por cedido haverem a cidade com tanta covardia. Retirou-se para Ântio. CORIOLANO - Falou de mim? LÁRCIO - Falou, senhor, CORIOLANO - Mas como? Que disse? LÁRCIO - Que convosco se encontrara muitas vezes, espada contra espada; que não há coisa alguma sobre a terra de que ele, como a vós, tanto ódio tenha, e que de grado arriscaria todos os seus bens em parada perigosa, contanto que pudesse ser chamado de vosso vencedor. CORIOLANO - Vive ora em Ântio? LÁRCIO - Em Ântio. CORIOLANO - Desejara ter motivo para ir lá procurá-lo e, assim, opor-me de cheio, ao seu rancor. Sois mui bem-vindo. (Entram Sicínio e Bruto.) Os tribunos do povo, vede! a língua da boca dos comuns! Tenho por eles só desprezo, por causa da maneira por que se pavoneiam nos seus cargos. Não há paciência nobre que os suporte. SICÍNIO - Parai aí! CORIOLANO - Que é que houve? Que acontece? BRUTO - Seria perigoso ir mais adiante. CORIOLANO - Qual foi a causa de uma tal mudança? MENÊNIO - Que aconteceu? COMÍNIO - Não foi, acaso, eleito pelos nobres e, assim, pelos comuns? BRUTO - Não, Comínio; não foi. CORIOLANO - Então só obtive votos de criança? PRIMEIRO SENADOR - Abri-nos o caminho, tribunos; ele vai para o mercado. BRUTO - Exaltado contra ele se acha o povo. SICÍNIO - Detende-vos; se não, sairá barulho. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (35 of 76) [10/04/2001 23:07:36] CORIOLANO - Esse é o vosso rebanho? Será digno de votar quem promete seu sufrágio para, no mesmo instante, retirá-lo? Que foi feito de vossa autoridade? Se a boca sois do povo, por que causa não dirigis seus dentes? Porventura não os espicaçastes? MENÊNIO - Calma! calma! CORIOLANO - É de caso pensado; houve conjura para dobrar o voto da nobreza. Tolerai isso e, após vivei com quem não sabe nem mandar nem ser mandado. BRUTO - Não faleis de conjura. O povo grita que o ludibriastes e que há pouco tempo, quando foi distribuído trigo grátis, vós murmurastes e fizestes troça de seus representantes e os chamastes de criados do momento, aduladores, inimigos dos nobres. CORIOLANO - Mas tudo isso era mais que sabido.- BRUTO - Não de todos. CORIOLANO - Quer dizer que depois os informastes? BRUTO - Eu, informá-los? Como! CORIOLANO - Sois capazes de semelhantes atos, BRUTO - Pelo menos sou capaz de melhores do que os vossos. CORIOLANO - Então, por que eu teria de ser cônsul? Oh! pelas nuvens! Arranjai um jeito de, como vós, eu me tornar inepto e me nomeai tribuno ao vosso lado. SICÍNIO - Revelais em excesso o que tem feito tanto excitar o povo. Se quiserdes alcançar o alvo a que visais, forçoso vos será procurar a estrada certa, de que vos afastais, com outro espírito, ou nunca alcançareis o nobre posto de cônsul, nem sereis jungido ao lado dele como tribuno. MENÊNIO - Ficai calmos. COMÍNIO - Semelhantes trapaças não são dignas de Roma, nem merece Coriolano que atiremos com tanta falsidade na estrada reta de seu grande mérito lixo tão desonroso. CORIOLANO - Ora! falarem-me de trigo! Novamente vou dizer-vos qual foi o meu discurso. MENÊNIO - Não agora! Depois! Depois! PRIMEIRO SENADOR - Nem nesse estado de alma, caro senhor. CORIOLANO - Por minha vida, agora! Quero falar. Meus nobres companheiros, peço vosso perdão. Quanto aos muitos, mutáveis sempre, e sempre mal cheirosos, que em mim venham mirar-se - que eu a ninguém adulo - e se conheçam. Repito: lisonjeando-os desse modo, contra nosso senado alimentamos o germe da revolta, da insolência, da rebelião, lançado por nós próprios no sulco aberto e no terreno ao longe semeado e dispersado, com os termos trazido para o número dos nobres que de virtude nem poder carecem, senão das que deixamos aos mendigos. MENÊNIO - É o bastante! É o bastante! PRIMEIRO SENADOR - Nem mais uma palavra, por obséquio. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (36 of 76) [10/04/2001 23:07:36] CORIOLANO - Nem mais uma? Como! Do mesmo modo que na guerra o sangue derramei por minha pátria sem temer força externa, hão de palavras cunhar os meus pulmões até pararem, contra estes lazarentos, que receamos possam contaminar-nos, mas fazemos tudo para pegar a doença deles. BRUTO - Falais do povo como se um deus fôsseis para punir, e não um homem fraco como qualquer um deles. SICÍNIO - Bom seria que fôssemos falar ao povo disso. MENÊNIO - Como! Falar de quê? De sua cólera? CORIOLANO - Cólera? Embora eu fosse calmo como o sono da meia-noite - pelo grande Jove! - meu modo de pensar seria o mesmo. SICÍNIO - É um modo de pensar que ficar deve, como veneno que é, no lugar próprio, sem que continuar possa a ser nocivo. CORIOLANO - Deve ficar? Ouvistes o que disse o tritão das sardinhas? Percebestes seu absoluto "deve"? COMÍNIO - Foi um lapso de expressão. CORIOLANO - Como! "Deve"? Ó generosos mas levianos patrícios! Como, graves senadores, porém imprevidentes, permitistes a essa hidra que escolhesse representante para, com um "deve" impudente, ele que é, tão-só, a tromba e o barulho do monstro, ter o ousio de pretender mudar num fosso estreito a corrente de vossa autoridade, transformando no dele vosso leito? Se ele é potente, então acomodai-vos em vossa estupidez; se não, que acorde vossa indulgência mais que perigosa. Se sois esclarecidos, que não seja vossa conduta como a dos idiotas; não o sendo, então, que eles também se sentem ao vosso lado em moles almofadas. Sois plebeus, se eles forem senadores; e menos não serão desde que, tendo misturado seus votos com os dos nobres, sente o fino padar ao gosto deles. Escolheram os seus representantes do tipo deste que antepôs seu "deve", seu "deve" popular, a este conclave de graves senadores, como nunca franziu outro na Grécia o cenho augusto. Por Jove! Isso rebaixa nossos cônsules. Sofro até o fundo da alma, quando vejo dois poderes de pé, sem que o primado nenhum alcance, e como facilmente penetra a confusão no espaço entre ambos, vindo, assim, mutuamente a se destruírem. COMÍNIO - Bem: mas vamos à praça do mercado. CORIOLANO - Quem teve a idéia de distribuir grátis o trigo dos depósitos, tal como algumas vezes já se fez na Grécia... MENÊNIO - Muito bem! muito bem! Sobre isso basta. CORIOLANO - ...embora o povo lá tivesse muito mais força que entre nós, com isso apenas trabalhou para a ruína da república. BRUTO - Como! Poderá o povo dar seu voto para quem fala assim? CORIOLANO - Vou dar-vos minhas razões, que valem mais que o voto deles. Eles tinham certeza de que o trigo que lhe demos não era recompensa por coisa alguma, pois jamais haviam feito jus a tal prêmio. Quando instados para a guerra, no instante em que a república atingida se via nas entranhas, não ousaram pôr pé fora das portas. Merecerá serviço desse gênero distribuição de trigo? Na campanha, seus Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (37 of 76) [10/04/2001 23:07:36] BRUTO - Edis, prendei-o! CIDADÃOS - Márcio, entrega-te! MENÊNIO - Ouvi-me num palavra. Conjuro-vos, tribuno: uma palavra, tão-somente. EDIS - Silêncio! Paz! MENÊNIO - Agora sede o que pareceis: amigos certos de vossa pátria e procedei com calma para o conserto do que por violência pretendeis corrigir. BRUTO - Senhor, processos frios como esse, que com mui prudentes recursos se assemelham, são veneno quando o mal é violento. - Segurai-o! Para a rocha arrastai-o! CORIOLANO - Não; primeiro me tirarão a vida. (Arranca a espada.) Alguns dos vossos Já me viram lutar. Vinde e em vós próprios experimentai o que fazer me vistes. MENÊNIO - Abaixai essa espada! Retirai-vos, tribunos, um momento. BRUTO - Segurai-o! MENÊNIO - Socorrei Márcio! - Aqui! Socorrei Márcio. vós da nobreza! Aqui, moços e velhos! CIDADÃOS - Abaixo Coriolano! Abaixo! Abaixo! (No tumulto os tribunos, os edis e o povo são repelidos.) MENÊNIO - Já! retirai-vos para vossas casas; se não, tudo irá mal. SEGUNDO SENADOR - Sim, retirai-vos! CORIOLANO - Fiquemos firmes, pois é igual o número de amigos e inimigos. MENÊNIO - Chegaremos a esse ponto? PRIMEIRO SENADOR - Que os deuses não o permitam! Peço-te, nobre amigo, por obséquio, vai para casa e deixa a nosso cargo o tratamento disto. MENÊNIO - Dói-nos muito não poderdes pensar vós mesmo a chaga. Por favor, retirai-vos. COMÍNIO - Vinde, vinde, meu senhor! CORIOLANO - Desejara que eles fossem bárbaros - como o são, embora tenham tido todos em Roma a manjedoura - não romanos - o que não são, realmente, muito embora paridos tenham sido todos junto ao portão do Capitólio... MENÊNIO - Retirai-vos, sem pôr em vossa boca tanta cólera nobre. Ainda veremos o dia da vingança. CORIOLANO - Em campo liso bateria quarenta desses biltres. MENÊNIO - Eu próprio me incumbira de um par deles, os mais valentes, sim, os dois tribunos. COMÍNIO - Mas a desproporção agora é enorme; passa da conta, merecendo o nome de loucura a coragem que se oponha a um edifício que a cair esteja. Não quereis ir antes que a corja volte? Sua raiva Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (40 of 76) [10/04/2001 23:07:36] parece-se com a água represada, que vence os altos diques que vencê-la soíam. MENÊMO - Ide, peço-vos. Quero ver se ainda dá meu velho espírito para tratar com quem nenhum possui. É indiferente a cor do pano usado como remendo. COMÍNIO - Vamos, vamos logo. (Saem Coriolano, Comínio e outros.) PRIMEIRO PATRÍCIO - Este homem estragou a própria sorte. MENÊNIO - De natural é em demasia nobre para este mundo. Não adularia Netuno sob ameaça do tridente, nem Jove pela força de seu raio. A boca é o coração; ao que se forja dentro do peito a língua dá saída. Chega a esquecer, quando encolerizado, que o nome ouviu da morte em qualquer tempo. (Barulho dentro.) Vamos ter coisa. SEGUNDO PATRÍCIO - Fossem para as camas! MENÊNIO - No Tibre é que os quisera. Com os demônios! Mas por que causa não falou com modos? (Voltam Bruto e Sicínio, com a ralé.) SICÍNIO - Onde está aquela víbora que Roma quisera despovoar para tornar-se todo o mundo ele só? MENÊNIO - Dignos tribunos... SICÍNIO - Com rigorosas mãos será atirado já da rocha Tarpéia. Resistiu à lei; por isso a lei desprezar deve quaisquer formalidades e entregá-lo ao rigor do poder do próprio povo por ele desprezado tanto e tanto. PRIMEIRO CIDADÃO - Fique ele, assim, sabendo que os tribunos são a cabeça do povo e nós, seus braços. CIDADÃOS - Oh! vai ficar sabendo. MENÊNIO - Mas senhores... SICÍNTO - Calai-vos! MENÊNIO - Não griteis "Avança!" quando caçar só poderíeis com direitos em tudo relativos. SICÍNIO - Por que causa, meu senhor, o ajudastes nesta fuga? MENÊNIO - Ouvi-me um pouco. Assim como conheço todo o valor do cônsul, também posso apontar suas faltas. SICÍNIO - Cônsul? Que cônsul! MENÊNIO - O cônsul Coriolano. BRUTO - Cônsul, ele? CIDADÃOS - Não, não, não, não! Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (41 of 76) [10/04/2001 23:07:36] MENÊNIO - Se com o consentimento dos tribunos e o vosso, meu bom povo, eu conseguisse dizer-vos uma ou duas palavrinhas, quando muito algum tempo perderíeis. SICÍNIO - Então sede sucinto, porque estamos determinados a matar aquele viperino traidor. Grande perigo fora expulsá-lo; nossa morte certa, conservá-lo entre nós. Ficou assentado, por isso, que esta tarde a morrer venha. MENÊNIO - Os deuses não permitam que a famosa Roma, cujo alto apreço por seus filhos meritórios impresso está no livro do grande Jove, mãe desnaturada se revele, comendo os próprios filhos. SICÍNIO - É doença que precisa ser cortada pela raiz. MENÊNIO - Oh não! É um membro doente, tão-somente. Cortá-lo é perigoso; curá-lo é fácil. Que fez ele a Roma que só mereça a morte? Ter matado nossos imigos? Quando perdeu sangue - que ultrapassa de muitas onças, posso vos afirmar, quanto ele ainda possua - derramado foi todo pela pátria. Se sua pátria agora derramasse o pouco que lhe resta, para todos nós que nisso tivermos parte, ou formos simples espectadores, fora infâmia que duraria até acabar o mundo. SICÍNIO - Pura tolice, tudo. BRUTO - E sem propósito. Quando ele amou a pátria, esta o exaltou. MENÊNIO - Se nosso pé gangrena, deixaremos de estimar seus serviços anteriores? BRUTO - Basta de palavrório. Ide buscá-lo em sua própria casa, de lá mesmo tirando-o à força, para que essa doença, que pega facilmente, não se alastre. MENÊNIO - Uma palavra, ainda; uma palavra! Essa fúria de pés de tigre, quando perceber os prejuízos resultantes da precipitação, há de, mui tarde, desejar ter nos pés libras de chumbo. Prossegui desse modo, para verdes - que ele é muito estimado - levantarem-se os partidos em luta e ser saqueada a grande Roma pelos próprios filhos. BRUTO - Se tal se desse... SICÍNIO - Para que falardes? Já não ficamos conhecendo a sua desobediência? Não nos desafiou? Não bateu nos edis? Sigamos logo. MENÊNIO - Refleti que ele criado foi nas guerras desde que pôde manejar a espada, mal iniciado foi nos artifícios da linguagem polida, misturando sem distinção a boa e a má farinha. Se me derdes licença, irei buscá-lo, para que ele responda legalmente, em paz, correndo os riscos e perigos que ele próprio criou. PRIMEIRO SENADOR - Nobres tribunos, esse é o caminho humano; o outro processo por demais sanguinário se revela, não conhecendo o fim seu próprio início. SICÍNIO - Ireis ficar, então, nobre Menênio, como oficial do povo. Abaixai vossas armas, meus mestres. BRUTO- Não vos recolhais. SICÍNIO - Ide já para a praça do mercado. (A Menênio.) Lá vos esperaremos; mas no caso de não levardes Márcio, em nosso plano prosseguiremos. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (42 of 76) [10/04/2001 23:07:36] VOLÚMNIA - Vamos; sê comedido, por obséquio, embora eu saiba que preferirias ir em perseguição de teu imigo num abismo de chamas, a adulá-lo num relvado macio. Aí vem Comínio. (Entra Comínio.) COMÍNIO - Venho da praça pública; é preciso, senhor, que reforceis vossos adeptos ou que cuideis de vossa salvação pela moderação ou pela ausência. A indignação é grande. MENÊNIO - Dirigi-lhes palavras amigáveis. COMÍNIO - Suficientes poderão ser, tenho certeza disso, se o gênio ele dobrar nesse sentido. VOLÚMNIA - Há de fazê-lo e de bom grado. Vamos! dizei que assim quereis e parti logo. CORIOLANO - Será preciso, então, mostrar a todos a cabeça raspada? Com fingida língua imporei ao coração altivo uma mentira dessas? Bem; que seja. Mas se em perigo apenas estivesse este terrão, o molde deste Márcio, antes disso o teriam reduzido a poeira fina e a arremessado aos ventos. Bem; para a praça pública! Impusestes-me um papel que jamais será possível representar direito. COMÍNIO - Vamos, vamos; serviremos de ponto. VOLÚMNIA - Eu te suplico, meu caro filho: tens asseverado que ficaste guerreiro tão-somente pelos meus elogios. Ora cumpre representares um papel inédito. CORIOLANO - Bem; representá-lo-ei. Fora, nativa disposição! De mim se aposse agora o espírito de alguma prostituta. Minha goela guerreira, que fazia coro com meu tambor, torne-se cânula tão fina como a voz de eunuco ou virgem, quando no berço embala as criancinhas. Que em minhas faces fixe moradia o riso dos poltrões; tape as janelas de meus olhos o choro de meninos; que em minha boca a língua de mendigo se ponha em movimento e que estes joelhos armados, nunca afeitos a dobrarem-se senão para montar, ora se curvem como os do pobre que recebe esmola! Não! Não farei tal coisa, que não posso deixar de honrar minha verdade intrínseca, o que faria se, pela atitude do corpo, à alma ensinasse tal baixeza. VOLÚMNIA - Como queiras, então; maior desonra é para mim pedir-te do que mesmo dirigires-te ao povo. Venha abaixo tudo quanto há, que é preferível dares a sentir a tua mãe teu grande orgulho a fazê-la recear-se, em qualquer tempo, de tua perigosa teimosia, pois rio-me da morte com tanto ânimo como tu próprio. Faze o que quiseres; teu heroísmo vem de mim; mamaste-o com meu leite; porém todo esse orgulho só a ti mesmo deves. CORIOLANO - Por obséquio, mãe, acalmai-vos. Vou para o mercado; já decidi. Parai com esses ralhos. Pretendo escamotear o amor de todos, o coração furtar-lhes, retornando adorado por todos os artífices de nossa Roma. Vede: já vou indo. Dai recomendações a minha esposa. Voltarei como cônsul; do contrário, nunca mais confiarei em minha língua no que à bajulação disser respeito. VOLÚMNIA - Fazei o que quiserdes. (Sai.) COMÍNIO - Vamos logo! Os tribunos já estão à vossa espera. Disponde-vos a lhes falar com calma, pois em reservas, dizem todos, têm acusações mais forte do que quantas já vos houvessem feito. MENÊNIO - "Brandamente", é a senha de hoje. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (45 of 76) [10/04/2001 23:07:36] CORIOLANO - Vamos, por obséquio. Que inventem contra mim o que quiserem, que minha honra será toda a resposta. MENÊNIO - Com brandura, porém. CORIOLANO - Sim, com brandura. Que seja: com brandura! (Saem.) Cena III O mesmo. O foro. Entram Sicínio e Bruto. BRUTO - Sobre esse ponto carregai com força: que ele aspira ao poder da tirania. No caso de escapar-nos, acusai-o de odiar o povo e de não ter, até hoje, feito a distribuição do grande espólio conquistado na guerra dos antíates. (Entra um edil.) Como é: vem ou não vem? EDIL - Já está chegando. BRUTO - E quem agora vem com ele? EDIL - O velho Menênio e os senadores que costumam satisfazê-lo em tudo. SICÍNTO - Conseguistes organizar a lista, por cabeça, das vozes que do nosso lado se acham? EDIL - Consegui; está pronta. SICÍNIO - Organizaste-las segundo as tribos? EDIL - Sim. SICINTO - Então, depressa convocai todo o povo. No momento em que me ouvirem declarar: "De acordo com o direito e a vontade dos comuns, será desta maneira", quer se trate de morte, multa ou banimento, todos, se eu disser: multa! gritar devem "Multa" se: morte! gritem "Morte", persistindo nos velhos privilégios e na força da verdade da causa. EDIL - Hei de informá-los do que dizeis. BRUTO - E desde que tiverem começado a gritar, não se detenham; com confuso alarido exijam pronta execução de quanto resolvermos, seja qual for a pena. EDIL - Muito bem. SICÍNIO - Fortes os conservai e sempre atentos ao sinal que teremos de fazer-lhes. BRUTO - Ponde pressa em tudo isso. (Sai o edil.) Tratai logo de deixá-lo colérico. Ele se acha acostumado a dominar em tudo, afirmando o valor na resistência. Uma vez alterado, não se deixa refrear pela prudência e fala tudo que tem no coração, só parecendo que se empenha, com nossa interferência, em quebrar o pescoço. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (46 of 76) [10/04/2001 23:07:36] SICÍNIO - Aí vem ele. (Entram Coriolano, Menênio, Comínio, senadores e patrícios.) MENÊNIO - Calma, é só o que vos peço. CORIOLANO - Sim, tal como o servente que por íntima moedinha engole pencas de "velhacos" que os altos deuses sempre amparem Roma, as cadeiras provejam da justiça com pessoas de bem, e entre nós todos a concórdia semeiem. Que com cenas de paz apinhem sempre nossos templos, não as ruas com mostras belicosas. PRIMEIRO SENADOR - Amém. MENÊNIO - Um nobre voto. (Volta o edil, seguido de cidadãos.) SICÍNIO - Aproximai-vos, povo! EDIL - Ouvi os tribunos! Prestai toda atenção. Silêncio! digo. CORIOLANO - Permiti que eu comece. AMBOS OS TRIBUNOS - Bem; falai. Silêncio, aí! CORIOLANO - Acabarão, acaso, minhas acusações com essas de hoje? SICÍNIO - Pergunto se vos submeteis ao voto do povo, se aceitais seus magistrados e concordais em que se instaure pronta sindicância com relação às faltas que imputadas vos forem. CORIOLANO - Sim, concordo. MENÊNIO - Cidadãos! Ele disse que concorda. Considerai agora seus serviços durante a guerra a refleti nas marcas que no corpo ele traz e que parecem sepulturas num santo cemitério. CORIOLANO - Pequenos arranhões de espinho, apenas, esfoladuras que provocam riso. MENÊNIO - Além do mais, consideremos que ele não fala como cidadão, a todos qual soldado se mostra, não devendo, portanto, serem tidos seus acentos ásperos como fala maliciosa. mas, como disse, própria de um soldado, sem que possa ofender-vos. COMÍNIO - Bem; já basta. CORIOLANO - Por que motivo, tendo eu sido eleito por unanimidade para o posto de cônsul, na mesma hora sofro a afronta de minha indicação ver anulada? SICÍNIO - A vós é que compete responder-nos. CORIOLANO - Falai; é certo. SICÍNIO - Nós vos acusamos de tentar suprimir de Roma todos os postos constituídos e de ao mando tirânico aspirar, assim tornando-vos traidor ao povo. CORIOLANO - Como assim! Traidor? Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (47 of 76) [10/04/2001 23:07:36] teríeis feito seis de seus trabalhos e muito suor poupado a vosso esposo. Adeus, Comínio! Levantai a fronte. Adeus, esposa! Minha mãe, adeus! Tudo acabará bem. Meu fiel e velho Menênio, mais amargas são tuas lágrimas do que as de um moço e, assim, mais venenosas para teus olhos. Meu antigo chefe, severo já te tenho visto, e muitas vezes já contemplaste cenas duras, de deixarem de pedra o coração: explica a estas mulheres pesarosas que tão pueril é lastimar os golpes inevitáveis como zombar deles. Minha mãe, bem sabeis que meus perigos sempre grande alegria vos causaram; podeis crer firmemente que, partindo sozinho como parto, solitário dragão vou parecer que de seu charco mais medo infunde e assanha comentários do que se deixa ver. Ou vosso filho se elevará de muito sobre a plebe, ou será preso pelas armadilhas e laços da traição. VOLÚMNIA - Meu primogênito, para onde irás? Leva até certo ponto contigo o bom Comínio; toma alguma decisão quanto ao teu itinerário, sem te expores a todos os acasos que te possam surgir na estrada incerta. CORIOLANO - Oh deuses! COMÍNIO - Ficarei um mês contigo; combinaremos o retiro juntos, para que possas receber notícias de nós e nós de ti. Assim, no caso de nos lançar o tempo algum pretexto para te repatriar, nós não teremos necessidade de correr o mundo tão vasto em busca de uma só pessoa, sem que venhamos a perder o ensejo que sempre se arrefece, quando ausente se acha o necessitado. CORIOLANO - Adeus a todos. Tens muitos anos sobre ti e te achas por demais carregado das orgias da guerra para ires correr mundo com quem ainda está sem pisaduras. Vem até à porta; vem, querida esposa, minha adorada mãe, caros amigos de nobre toque! Quando além dos muros eu estiver, dizei-me adeus sorrindo. Vamos, vamos, vos peço. Enquanto firme eu estiver na terra, haveis de novas ouvir a meu respeito, porém nada que não seja tal como eu antes era. MENÊNIO - Nada mais digno ouviu orelha alguma. Paremos de chorar. Ah! se eu pudesse tirar das velhas pernas e dos braços pelo menos sete anos, pelos deuses bondosos, passo a passo te seguira. CORIOLANO - Dá-me a mão. Vamos! Vamos! (Saem.) Cena II O mesmo. Uma rua perto da porta da cidade. Entram Sicínio, Bruto e um edil. SICÍNIO - Mandai que se recolham; já partiu. Vamos parar aqui, que os nobres se acham irritados conosco, pois bem vimos como todos ficaram de seu lado. BRUTO - Tendo provado nossa força, vamos mostrar mais humildade após o feito do que durante a ação. SICÍNIO - Mandai que todos vão para suas casas. O inimigo máximo, lhes direis, já foi embora, tendo eles recobrado a força antiga. BRUTO - Mandai que se recolham para casa. (Sai o edil.) (Entram Volúmnia, Vergília e Menênio.) Aí vem a mãe dele. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (50 of 76) [10/04/2001 23:07:36] SICÍNIO - Retiremo-nos. BRUTO - Por que razão? SICÍNIO - Dizem que ficou louca. BRUTO - Já nos viu; continuemos o caminho. VOLÚMNIA - Oh! chegais muito a tempo. Recompense-vos os deuses a afeição com seus flagelos acumulados. MENÊNIO - Paz! Falai mais baixo. VOLÚMNIA - Não fossem minhas lágrimas, havíeis de ouvir-me... Não! Tereis de ouvir um pouco. (A Bruto.) Já quereis ir embora? VERGÍLIA (A Sicínio) - É necessário que também vós fiqueis. Ah! se eu pudesse dizer a mesma coisa a meu marido! SICÍNIO - Sois ser humano, acaso? VOLÚMNIA - Sim, idiota; será vergonha sê-lo? Que cretino! Não foi homem meu pai? E tu, que espécie de raposa serás, para banires de Roma o herói que a seu favor mais golpes dera do que palavras já disseste? SICÍNIO - Oh céu bendito! VOLÚMNIA - Mais gloriosos golpes pela causa de Roma do que em todas as sensatas palavras de tua vida. Vou dizer-te... Não; vai... É bom que fiques. Quisera que meu filho se encontrasse na Arábia, e diante dele tua tribo à distância de sua boa espada. SICÍNIO - Bem; e depois? VERGÍLIA - Depois? Extinguiria tua posteridade. VOLÚMNIA - Sim, bastardos e tudo o mais. Quantas feridas ele recebeu pela pátria! MENÊNIO - Vamos! Vamos! SICÍNIO - Quisera que ele houvesse continuado como de início, sem soltar o laço glorioso que o prendia à sua pátria. BRUTO - Eu também. VOLÚMNIA - Eu também? Gatos! Todos vós apreciar podeis seu grande mérito como eu penetrar posso nos mistérios que o céu não quer que a terra a saber venha. BRUTO - Partamos, por favor. VOLÚMNIA - Sim, homens, ide! Realizastes um ato de bravura! Mas antes de vos irdes ouvi isto: Como ultrapassa o Capitólio as casas mais humildes de Roma, assim, meu filho que foi por vós banido - o esposo desta senhora que aqui vedes - vos excede. Sim, a vós todos. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (51 of 76) [10/04/2001 23:07:36] BRUTO - Bem; vamos deixar-vos. SICÍNIO - Por que ficarmos tanto tempo imóveis, servindo de alvo para as invectivas de uma pessoa que perdeu o juízo? VOLÚMNIA - Levai as minhas preces. (Saem os tribunos.) Desejara que nada mais para fazer tivessem os deuses a não ser dar cumprimento às minhas maldições. Se os encontrasse uma vez, pelo menos, cada dia, aliviaria o coração do peso que tanto o oprime. MENÊNIO - Destes-lhes de rijo. E com razão, por minha fé, vos digo. Vamos cear. VOLÚMNIA - Meu alimento é a cólera; ceio a mim mesma; e, assim, morro de fome, de tanto me fartar. Vamos embora. Parai com esses pios abafados e lamentai-vos tal como eu: colérica, como outra Juno! Vamos! vamos! vamos! MENÊNIO - Ora! ora! (Saem.) Cena III Estrada real entre Roma e Ântio. Um romano e um volsco se encontram. ROMANO - Conheço-vos, senhor; como vós também me conheceis. Se não me engano, chamais-vos Adriano. VOLSCO - É isso mesmo, senhor. Mas, por minha fé, não me recordo de vós. ROMANO - Sou de Roma; mas, como vós, trabalho contra os romanos. Reconheceis-me agora? VOLSCO - Nicanor, não? ROMANO - Ele mesmo, senhor. VOLSCO - Tínheis mais barba, quando vos vi pela última vez; mas, pela voz, reavivam-se-me na memória vossos traços fisionômicos. Que novidades há em Roma? Recebi do governo volsco a incumbência de procurar-vos lá; poupastes-me um dia de caminho. ROMANO - Em Roma houve insurreições extraordinárias: o povo contra os senadores, patrícios e nobres. VOLSCO - Houve? Então já terminaram? Nossos governantes não pensam desse modo; estão promovendo enormes preparativos bélicos, esperando surpreender os romanos no maior ardor de suas dissenções. ROMANO - As labaredas mais fortes já passaram; mas a menor coisa poderá reavivá-las. Porque os nobres se apaixonaram a tal ponto com o banimento de Coriolano, que se encontram maduramente dispostosa retirar todo o poder do povo e privar este para sempre de seus tribunos. É uma brasa debaixo de cinza, posso afiançar-vos, que se acha quase no ponto de reacender-se com violência. VOLSCO - Coriolano, banido? Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (52 of 76) [10/04/2001 23:07:37] TERCEIRO CRIADO - Amigo, que tens a fazer aqui? Por obséquio, evita esta casa. CORIOLANO - Permiti que me conserve de pé; não causarei dano à lareira. TERCEIRO CRIADO - Quem sois? CORIOLANO - Um gentil-homem. TERCEIRO CRIADO - Admiravelmente pobre. CORIOLANO - É o que sou, de fato. TERCEIRO CRIADO - Por favor, gentil-homem pobre, escolhei pousada. Aqui não há lugar para vós. Ide embora, por obséquio. Vamos! CORIOLANO - Continuai com vossas ocupações; empanturrai-vos de frios. (Dá-lhe um empurrão.) TERCEIRO CRIADO - Ah! não quereis? Por favor, faze saber ao patrão que hóspede estranho ele tem aqui. SEGUNDO CRIADO - Vou já. (Sai.) TERCEIRO CRIADO - Onde moras? CORIOLANO - Debaixo da abóbada. TERCEIRO CRIADO - "Debaixo da abóbada?" CORIOLANO - Sim. TERCEIRO CRIADO - E onde fica isso? CORIOLANO - Na cidade dos milhanos e dos corvos. TERCEIRO CRIADO - "Na cidade dos milhanos e dos corvos?" Que grande asno! Nesse caso, moras também com as gralhas? CORIOLANO - Não; não estou a serviço de teu patrão. TERCEIRO CRIADO - Como assim, senhor! Tendes alguma coisa que ver com meu patrão? CORIOLANO - Sim, alguma coisa mais honesta do que seria intrometer-me com tua patroa. Não paras de falar. Leva teu prato! Fora daqui! (Expulsa-o com pancada.) (Entra Aufídio e o primeiro criado.) AUFÍDIO - Quem é esse camarada? SEGUNDO CRIADO - Aqui, senhor. Eu o teria batido como num cão, se não fosse o receio de incomodar lá dentro os nobres. AUFÍDIO - Que queres? De onde vens? Qual o teu nome? Por que não falas? Vamos, homem: fala! Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (55 of 76) [10/04/2001 23:07:37] Como te chamas? CORIOLANO (descobrindo o rosto) - Se não me conheces ainda, Tulo, e, vendo-me, não pensas quem eu seja, de fato, será força que eu mesmo me nomeie. AUFÍDIO - Qual teu nome? (Os criados se afastam para o fundo.) CORIOLANO - Um nome dissonante para os volscos e duro aos teus ouvidos. AUFÍDIO - Dize: o nome? Tens aspecto sanhoso, mas revelas o mando nas feições, e embora roto tragas todo o velame, inculcas barco de nobre compostura. Qual teu nome? CORIOLANO - Então prepara a fronte; vais franzi-la. Inda não me conheces? AUFÍDIO - Não; teu nome? CORIOLANO - Meu nome é Caio Márcio, que a ti próprio e aos volscos todos causa foi de males e prejuízos inúmeros, conforme meu sobrenome o prova: Coriolano. Os trabalhos penosos, os perigos por que passei, as incontáveis gotas de sangue derramadas pela minha pátria de todo ingrata, me valeram tão-somente este nome, monumento magnífico e penhor do ódio e repulsa que me deves votar. Resta-me apenas esse título. A inveja e a má vontade do povo, consentidas pelos nossos nobres bastardos, que me abandonaram, tudo o mais consumiram. Sim, deixaram que de Roma eu chegasse a ser expulso pela voz dos escravos. Foi tão grande calamidade que ao teu lar me trouxe; não na esperança - quero que me entendas - de conservar a vida. Se eu tivesse medo da morte, dentre os homens todos, de ti, principalmente, fugiria. Foi o rancor, apenas, o desejo de com meus proscritores justar contas que à tua frente me trouxe. Se tiveres um coração cheio de raiva, pronto para vingar os males a ti feitos e endireitar os aleijões que o opróbrio em tua pátria causou: não percas tempo e de minha desgraça te aproveita; usa-a de forma que meus vingadores serviços favoreçam teus intentos, pois combater pretendo minha pátria gangrenada com toda a odiosidade dos demônios do inferno. Mas no caso de não quereres arriscar-te a tanto, de já estares cansado de aventuras... Para ser breve: mais do que enfarado da vida me declaro e ao teu antigo rancor estendo agora este pescoço. Tolo te mostrarás, se o não cortares, pois teus passos segui sempre com ódio, do seio de tua pátria toneladas de sangue fiz correr, já não podendo viver senão para teu grande opróbrio, a menos que serviços te prestasse. AUFÍDIO - Ó Márcio! Márcio! Uma por uma as tuas palavras arrancaram-me do peito as raízes de meu rancor antigo. Se Júpiter, com sua voz divina, do alto daquela nuvem me dissesse: "É certo!" não lhe dera maior crédito do que te dou, meu Márcio, em tudo nobre. Deixa que eu passe os braços nesse corpo em que cem vezes eu quebrei a lança e de estilhaços arranhei a lua. Cinjo a bigorna, assim, de minha espada, e com tanta veemência e com nobreza luto com teu afeto, como sempre lutei com fúria cobiçosa contra tua bravura. A ti, somente, o digo: amava a jovem que ora é minha esposa. Jamais noivo nenhum soltou suspiros tão sinceros que os meus. Porém, ao ver-te neste momento - a ser em tudo nobre! - mais enlevado o coração no peito sinto saltar, do que quando a soleira transpôs de casa pela vez primeira minha esposa recente. Ora te conto, Marte, que já aprestamos Outro exército, e que eu tinha a intenção de novamente tentar das carnes arrancar-te o escudo, ou perder nisso o braço. Derrotaste-me doze vezes a fio, e desde essa época sonhei todas as noites com recontros entre nós dois. Travados, no meu sono, rolávamos no chão, o capacete um do outro a desatar, e nos pescoços, encrispados, os dedos, do que sempre meio morto sem causa eu despertava. Digno Márcio, se mais nenhuma queixa de Roma nós tivéssemos, afora teres sido banido, alistaríamos de doze até setenta os homens todos e nas entranhas Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (56 of 76) [10/04/2001 23:07:37] dessa ingrata Roma faríamos correr a guerra como rio impetuoso que transborda e alaga. Vem para dentro e aperta a mão amiga de nossos senadores, que aqui vieram trazer-me as despedidas, pois armado ora estou contra vossos territórios, muito embora não contra a própria Roma. CORIOLANO - Ó deuses, abençoais-me? AUFÍDIO - Assim, guerreiro sem par, se a direção tomar quiseres de tua própria represália, aceita metade de meus homens e, de acordo com teu alto saber neste domínio, já que conheces a fraqueza e a força de teu país, regula a tua marcha, ou seja para contra as próprias portas dos romanos bater, ou com violência visitá-los nas partes mais remotas e derrotá-los antes de destruí-los. Mas entra! Quero logo apresentar-te aos que terão de dizer "Sim" a todos os teus desejos. Vezes mil boas-vindas! E agora mais amigo do que sempre fui inimigo. E, Márcio, eu o fui de fato. Vossa mão. Sois bem-vindo. (Saem Coriolano e Aufídio.) PRIMEIRO CRIADO (avançando) - Eis aí uma modificação extraordinária. SEGUNDO CRIADO - Por esta mão, tinha pensado em bater-lhe com um porrete; mas agora me diz o espírito que a roupa dele não dizia o que ele era. PRIMEIRO CRIADO - E que punho ele tem! Só com um dedo e o polegar fez-me rodar que nem um pião. SEGUNDO CRIADO - Pelo rosto eu vi que ele não era pouca coisa. Homem, ele tinha feições, parece-me... Nem sei como caracterizá-las. PRIMEIRO CRIADO - É certo. Parecia... Quero ser enforcado se eu não suspeitei de que ele encerrava mais do que eu poderia imaginar. SEGUNDO CRIADO - Eu também posso jurá-lo. É simplesmente o homem mais raro do mundo. PRIMEIRO CRIADO - É isso mesmo; mas decerto conheceis um guerreiro maior do que ele. SEGUNDO CRIADO - Quem é? Meu amo? PRIMEIRO CRIADO- Isso nem se pergunta. SEGUNDO CRIADO - Vale seis como ele. PRIMEIRO CRIADO- Não, não tanto assim; mas considero-o maior guerreiro. SEGUNDO CRIADO - Com a breca! Ora vede... A gente nem sabe como dizer, mas para a defesa de uma cidade, nosso general é excelente. PRIMEIRO CRIADO - Sim, e também para um assalto. (Entra o terceiro criado.) TERCEIRO CRIADO - Ó escravos! Posso contar-vos novidades! Novidades, marotos! PRIMEIRO E SEGUNDO CRIADOS - Quais! quais? quais? Conta-nos algumas. TERCEIRO CRIADO - Entre todos os povos, não quisera ser romano; equivaleria a estar condenado. PRIMEIRO E SEGUNDO CRIADOS - Por quê? Por quê? Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (57 of 76) [10/04/2001 23:07:37] SICÍNIO - O tempo agora é muito mais alegre e melhor de viver do que quando estes camaradas corriam pelas ruas gritando por socorro. BRUTO - Caio Márcio na guerra sempre foi oficial digno, mas insolente, pelo orgulho inflado, ambicioso sem conta, muito egoísta... SICÍNIO - E desejoso de estar só no trono, sem assistente algum. MENÊNIO -Não penso assim. SICINIO - Para nosso pesar é o que teríamos verificado, se ele conseguisse ter sido cônsul. BRUTO - Felizmente os deuses preveniram tal coisa e agora Roma sem ele continua calma e firme. (Entra um edil.) EDIL. - Dignos tribunos, um escravo preso por nós e encarcerado trouxe a nova de que os volscos, em dois distintos corpos, os nossos territórios invadiram e com furor guerreiro incontrastável derrubam tudo o que acham no caminho. MENÊNIO - É Aufídio, que do exílio tendo ouvido do nosso Márcio, novamente ao mundo mostra os cornos, que sempre conservara dentro da concha, sem ousar tirá-los, quando ao lado de Roma estava Márcio. SICÍNIIO - Por que falais de Márcio? BRUTO - Mandai logo chicotear esse espalhador de boatos. É impossível que os volscos se atrevessem a romper nossos pactos. MENÊNIO - É impossível? Sabemos muito bem que isso é possível; só em meu tempo vi três vezes isso. Mas convém conversar com esse escravo antes de castigá-lo, e perguntar-lhe onde ele se informou. Não aconteça virdes a chibatear o próprio aviso e dar no mensageiro que vos manda ter cautela com o que há de ser temido. SICÍNIO - Não faleis nisso; sei que isso é impossível. BRUTO - Não pode ser. (Entra um mensageiro.) MENSAGEIRO - Todos os nobres foram para o senado muito cabisbaixos. Chegou qualquer notícia que a eles todos deixou completamente transtornados. SICÍNIO - Foi o escravo; mandai que o chibateiem diante do povo. Isso é trabalho dele; foi a notícia, apenas. MENSAGEIRO - Sim, mui digno senhor; foi confirmada essa notícia, além de outras bem mais, bem mais terríveis. SICÍNIO - Que outras notícias mais terríveis? MENSAGEIRO - Fala-se por muitas bocas, claramente - ignoro quanto haja de verdade nisso tudo - que Márcio, juntamente com Aufídio, contra Roma dirige um grande exército, prometendo vingança da largura da distância que vai das coisas velhas às mais recentes. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (60 of 76) [10/04/2001 23:07:37] SICÍNIO - É de acreditar. BRUTO - Foi espalhada essa notícia apenas para que a gente de ânimo abatido deseje a volta do bondoso Márcio. SICÍNIO - Eis todo o ardil da coisa. MENÊNIO - É inverossímil; ele e Aufídio concordam tanto como duas contradições irredutíveis. (Entra outro mensageiro.) SEGUNDO MENSAGEIRO - Do senado vos chamam. Um exército pavoroso, com Caio Márcio à frente, com Aufídio associado, assola nossos territórios; à força abrem caminho; o incêndio espalham e tomam tudo o que acham. (Entra Comínio.) COMÍNIO - Oh! realizastes um trabalho e tanto! MENÊNIO - Que aconteceu? Quais são as novidades? COMÍNIO - Oh! violar conseguistes vossas filhas, sobre vossas cabeças todo o chumbo da cidade fundir, em vossos próprios narizes desonrar vossas esposas... MENÊNIO - Que novidades há? Que novidades? COMÍNIO - Vossos templos queimados até à base, vossas imunidades, de que tanto caso fazíeis, apertadas dentro de um furo de verruma. MENÊNIO -Por obséquio, que novidades há? - Fizestes obra magistral, é o que temo. - Por obséquio, vossas notícias? Se, em verdade, Márcio com os volscos se juntou... COMÍNIO - "Se?" É o deus dos volscos. Condu-los como um ser que houvesse sido por um criador formado, diferente da natureza e mais habilidoso na feitura dos homens, e eles todos sob sua direção avançam contra nossos bonecos tão confiantes como meninos que perseguem borboletas ou açougueiros quando matam moscas. MENÊNIO - Belo trabalho o vosso e o desses homens de avental, que importância dáveis tanto aos votos dos artífices e ao hálito dos comedores de alho. COMÍNIO - Vossa Roma vai ele sacudir em vossas próprias orelhas. MENÊNIO - Tal como Hércules fazia nas árvores de frutas. Que trabalho admirável o vosso! BRUTO - Mas é certo, senhor, o que dizeis? COMÍNIO - Ora, certíssimo. Podeis tornar-vos pálido até achardes notícias em contrário. Sorridentes, passam-se muitos para os volscos; quantos procuram resistir são transformados em alvo de chacota pela ignávia valorosa, morrendo como todos de provada constância. Quem o pode censurar? Tanto os vossos inimigos como os dele o valor lhe reconhecem. MENÊNIO - Estaremos perdidos, se o mui nobre vencedor não tiver de nós piedade. COMÍNIO - Quem irá suplicar-lhe? Por vergonha não o farão os tribunos, merecendo sua demência o Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (61 of 76) [10/04/2001 23:07:37] povo como o lobo merece a do pastor. Se lhe dissessem seus melhores amigos: "Sê benigno para Roma", teriam procedido como os que o ódio dele mereceram, comportando-se, assim, como inimigos. MENÊNIO - É certo; caso o viesse atear em minha casa o fogo que iria consumi-la, não teria coragem de dizer-lhe: "Parai, vos peço!" Bela mão tivestes nesse negócio, vós e todos esses artesãos de mãos destras. Trabalhastes belamente com as mãos. COMÍNIO - Chamastes sobre Roma um tremor que desafia a cura. SICÍNIO E BRUTO - Não digais que o chamamos. MENÊNIO - Como! É isso por caso, obra nossa? Nós o amávamos; porém como animais e nobres fracos o entregamos a vossa malta informe, que o expulsou, entre apupos, da cidade. COMÍNIO - Mas receio que aos urros eles todos o reconduzam. Tulo Aufídio, o nome segundo entre os ilustres, obedece, como subordinado, às ordens dele. O desespero é toda a arte política, toda a força e defesa de que Roma ora dispõe contra ele. (Entra um bando de cidadãos.) MENÊNIO - Aí vem o bando. - Então Aufídio está com ele? - Fostes vós que empestastes o ar, quando jogáveis para o alto vossos gorros fedorentos e engordurados, e soltáveis gritos pelo exílio de Márcio. Ele aí vem vindo, não havendo um cabelo na cabeça de seus soldados que ora não se mude num bom chicote. Todos os idiotas que para cima os gorros atiraram vai ele derrubar para pagar-se dos votos alcançados. Não importa; mesmo que ele a nós todos consumisse num só tição: de sobra o merecemos. CIDADÃOS - Em verdade, a notícia é assustadora. PRIMEIRO CIDADÃO - Por minha parte, quando eu disse: "Voto pela expulsão!" acrescentei: "E pena!" SEGUNDO CIDADÃO - O mesmo eu fiz. TERCEIRO CIDADÃO - Eu também; e, para dizer a verdade, muitos outros disseram a mesma coisa. O que fizemos foi pelo melhor, e embora tivéssemos concordado voluntariamente em que ele fosse banido, deu-se isso contra nossa vontade. COMÍNIO - Bela coisa sois todos vós, com vossos votos! MENÊNIO - Ótima coisa vós e vossa malta conseguistes fazer. E agora, vamos ao Capitólio? COMÍNIO - Sim, que mais faremos? (Saem Comínio e Menênio.) SICÍNIO - Ide, meus mestres, para vossas casas. Não fiqueis assustados. Esses fazem parte de um grupo que se alegraria se visse confirmado o que simula, tão-somente, temer. Ide, acolhei-vos a vossas casas, sem mostrar receio. PRIMEIRO CIDADÃO - Que os deuses se amerceiem de nós! Vamos, mestres; vamos para casa. Eu sempre disse que procedíamos mal em bani-lo. - SEGUNDO CIDADÃO - E assim todos. Mas vamos para casa. (Saem os cidadãos.) Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (62 of 76) [10/04/2001 23:07:37] MENÊNIO - Bem; mas digamos que ele me despeça, como fez com Comínio, sem ouvir-me... E depois? Um amigo molestado, atingido de cheio pela mágoa de sua grosseria... E se for isso? SICÍNIO - Vossa boa vontade, nesse caso, terá alcançado a gratidão de Roma, por terdes procedido nobremente. MENÊNIO - Bem, vou tentar; espero ser ouvido. Mas ter mordido o lábio e resmungado para nosso Comínio, me apavora. Não foi bem apanhado; certamente ainda estava sem jantar. Vazias as veias, nosso sangue se arrefece, indispostos ficamos desde cedo, incapazes de dar e de perdoar. Mas quando enchemos os canais e as calhas de nosso sangue com comida e vinho, fica-nos a alma muito mais maleável do que durante esses jejuns de padre. Vou esperar, assim, que entre na dieta de meu pedido, para então falar-lhe. BRUTO - Conheceis o caminho da bondade que lhe é própria; extraviar-vos é impossível MENÉNIO - Por minha fé! vou pô-la à prova, venha daí o que vier. Dentro de pouco ficarei conhecendo meu prestígio. (Sai.) COMÍNIO - Jamais ele o ouvirá. SICÍNIO - Não? COMÍNIO - É o que eu penso. Sentado está em ouro; os olhos, rubros como para lançar o incêndio em Roma, sendo sua própria injúria o carcereiro de sua compaixão. Ajoelhei-me na frente dele; muito vagamente murmurou: Levantai-vos! despedindo-me assim, com a mão muda. O que pretende fazer, depois mandou-me por escrito, e o que jamais fará; por juramento se acha obrigado a cumprir tudo à risca. Assim, não temos esperança alguma. a menos que sua nobre mãe e a esposa, conforme me disseram, se resolvam a lhe impetrar piedade para a pátria. Vamos, pois, procurá-las, apressando-as quanto estiver em nossa justa instância. (Saem.) Cena II O acampamento volsco diante de Roma. Os guardas estão em seus postos; Menênio aproxima-se deles. PRIMEIRO GUARDA - Alto aí! De onde vindes? SEGUNDO GUARDA - Nem um passo mais para a frente! MENÊNIO - Sois, valentes guardas. Mas, com licença: oficial eu sou do Estado e vim falar com Coriolano. PRIMEIRO GUARDA - De que parte? MENÊNIO - De Roma. PRIMEIRO GUARDA - Então não pode; forçoso é que volteis; o nosso chefe não quer ouvir de lá coisa nenhuma. SEGUNDO GUARDA - Vereis Roma entre chamas, antes mesmo de poderdes falar com Coriolano. Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (65 of 76) [10/04/2001 23:07:37] MENÊNIO - Caros amigos, se já ouvistes vosso chefe falar de Roma e dos amigos que ele tem lá: aposto cem contra um que meu nome já vos feriu o ouvido: Menênio. PRIMEIRO GUARDA - Pouco importa qual seja ele. Para trás, que a virtude desse nome aqui não tem passagem. MENÊNIO - Companheiro, teu general, repito, é meu amigo. O livro tenho sido de seus atos valorosos, no qual os homens leram sua fama sem par, até aumentada, que exaltar sempre eu soube meus amigos - dos quais ele é o primeiro - com a amplitude que a verdade comporta sem declínio. Algumas vezes, mesmo, como bola num terreno macio, estive a ponto de ultrapassar a meta; em louvor dele quase pus a chancela nas mentiras. Por isso tudo, amigo, é necessário deixardes-me passar. PRIMEIRO GUARDA - Em verdade, senhor, ainda mesmo que houvésseis dito tantas mentiras a seu favor quantas palavras pronunciastes em vosso próprio proveito, não passaríeis aqui. Não; nem que fosse tão virtuoso mentir, como viver castamente. Por obséquio, retornai. MENÊNIO - Por obséquio, amigo, lembrai-vos de que meu nome é Menênio, adepto sempre entusiasta de vosso general. SEGUNDO GUARDA - Ainda que tivésseis sido seu caluniador - como há pouco o confessastes - sou homem que digo a verdade sob as ordens dele, razão por que vos declaro que não podeis passar. Por isso, retornai. MENÊNIO - Poderás informar-me se ele já jantou? Porque só desejo falar-lhe depois do jantar. PRIMEIRO GUARDA - Sois romano, não é verdade? MENÊNIO - Sou o que é teu general. PRIMEIRO GUARDA - Nesse caso deveríeis ter ódio a Roma, como ele tem. Poderíeis, quando pusestes porta fora seu verdadeiro defensor, e, numa crassa ignorância popular, entregastes vosso escudo ao inimigo, poderíeis crer que seríeis capazes de conter sua vingança com os gemidos fáceis das velhas, as palmas virgens de vossas filhas ou com a interferência paralítica de um velho tonto como pareceis ser? Acreditais, mesmo que o incêndio que está prestes a destruir vossa cidade possa ser apagado com um sopro assim tão fraco? Não; estais enganado. Voltai, pois, para vossa Roma e preparai-vos para a execução. Estais condenados, nosso general não vos concederá trégua nem perdão. MENÊNIO - Maroto, se teu capitão soubesse que me encontro aqui, tratar-me-ia com consideração. SEGUNDO GUARDA - Vamos! Meu capitão não vos conhece. MENÊNIO - Quero dizer: teu general. PRIMEIRO GUARDA - Meu general não se preocupa convosco. Para trás! Já disse; do contrário, derramarei a meia pinta de sangue... Para trás!... que é só o que vos resta. Para trás! MENÊNIO - Sim... Mas, companheiro! companheiro! (Entram Coriolano e Aufídio.) CORIOLANO - Que é que há? Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (66 of 76) [10/04/2001 23:07:37] MENÊNIO - Agora, companheiro, vou mostrar-vos como as coisas são; vereis em que conceito eu sou tido. Chegou o momento de verificardes que não cabe nas obrigações de um João-porteiro separar-me de meu filho Coriolano. Deduz, da maneira por que vou ser recebido, se não te encontras em perigo de ser enforcado ou de qualquer outra morte mais demorada para os espectadores e mais cruel para o paciente. Olha agora bem de frente e desmaia por causa do que te espera. (A Coriolano.) Que os deuses gloriosos se reúnam a todas as horas em conselho, para tratar de tua prosperidade, e que não te amem menos do que o teu velho pai Menênio. Ó meu filho! meu filho! Preparas fogo para nós. Olha: aqui trago água para apagá-lo. Custou-me a decidir-me a vir falar-te; mas por estar convencido de que somente eu poderia comover-te, deixei que os suspiros me trouxessem até vossas portas, para conjurar-te a perdoar a Roma e a teus compatriotas suplicantes. Que os deuses bondosos abrandem tua cólera e lancem sua borra sobre este tipo que, como um bloco de pedra, me negou acesso a tua presença. CORIOLANO - Para trás! MENÊNIO - Como! Para trás! CORIOLANO - Esposa, mãe e filho, desconheço-os. Confiados a outros tenho os meus negócios. É certo que a vingança me pertence; porém minha demência ora se encontra no coração dos volscos. A amizade que tivemos, primeiro o olvido ingrato deixará venenosa, que a piedade poderá avaliar. Por isso, parte. Mais fortes são os meus ouvidos contra vossos pedidos do que vossas portas contra minha investida. No entretanto, por já te ter amado, recebe isto. (Dá-lhe um papel.) Foi escrito somente por tua causa, e tencionava enviar-to. Outra palavra, Menênio, não desejo que me digas. Aufídio, este homem foi meu bem-amado na cidade de Roma. No entretanto, como vês... AUFÍDIO - Revelai-vos sempre firme. (Saem Coriolano e Aufídio.) PRIMEIRO GUARDA - Então, senhor, vosso nome é Menênio? SEGUNDO GUARDA - Como vistes, é uma palavra mágica, de grande eficiência. Agora aprendestes o caminho de casa. PRIMEIRO GUARDA - Ouvistes como fomos censurados, por termos interceptado a passagem de Vossa Grandeza. SEGUNDO GUARDA - Que razão imaginais que eu tenha para desmaiar? MENÊNIO - Não me preocupo nem com o mundo nem com vosso general. Seres como vós dois, nem chego a conceber que possam existir, tão insignificantes sois. Quem tem a possibilidade de morrer por suas próprias mãos, não tem medo de que os outros o matem. Que vosso general pratique as piores barbaridades. Quanto a vós, continuai por muito tempo sendo o que sois, e que com a idade aumente vossa miséria. Digo-vos o que me disseram: para trás! (Sai.) PRIMEIRO GUARDA - Um nobre companheiro, posso asseverar. SEGUNDO GUARDA - O companheiro mais digno é nosso general: é uma rocha, um carvalho, que vento algum consegue abalar. (Saem.) Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (67 of 76) [10/04/2001 23:07:37] VERGÍLIA - E também sobre o meu, onde gerado foi teu filho, porque teu nome nele perpetuasses. MENÊNIO - Sobre o meu corpo ele não pisa, que hei de sair correndo, e quando ficar grande, volto para brigar. CORIOLANO - Se não quisermos na alma ter de mulher a semelhança, ver não devemos nem mulher nem criança. Já esperei muito tempo. (Levanta-se.) VOLÚMNIA - Desse modo não nos deixeis. Se nossa interferência a favor dos romanos implicasse a destruição dos volscos, a serviço dos quais estais agora, poderíeis ver em nós o veneno de vossa honra. Não; não há tal. Queremos, tão-somente, que a reconciliação façais entre eles, de forma que dizer os volscos possam: "Mostramo-nos clementes", e os romanos: "Com relação a nós", rompendo todos em calorosos vivas para tua pessoa com dizerem: "Sê bendito por semelhante paz!" Meu grande filho, como bem sabes, toda guerra é incerta. Mas uma coisa é certa: se chegares a ganhar Roma, lucrarás apenas um nome que há de ser por toda parte dito com maldição e cuja crônica repetirá: "Era pessoa nobre. mas com o último feito rebaixou-se: destruiu a pátria, havendo transmitido para a posteridade um nome abjeto". Fala, meu filho. Sempre te esforçaste por ter os delicados traços da honra, por imitar dos imortais a graça, com teus trovões dilacerando as largas bochechas do ar, mais disparando um raio capaz apenas de fender um roble. Por que não dizes nada? Acaso pensas que seja honroso para um nobre sempre relembrar as injúrias? Falai, filha; ele não dá valor ao vosso choro. Menino, fala tu, é bem possível que comovê-lo possa mais que nossas razões tua inocência. Não há filho que mais deva a sua mãe; no entanto, deixa-me falar agora sem parar, tal como condenado no cepo. Em toda a vida nunca deste a tua mãe prova de afeto. Ela - pobre ave! não se preocupava com segunda ninhada - para as guerras com seu cacarejar sempre te enviava e, coberto de glória, te fazia voltar são para casa. Dize apenas que meu pedido é injusto e me repele. Mas, se tal não se der, faltas com a honra, castigando-te os deuses por me haveres recusado a obediência que me toca por direito de mãe. Ele se vira! De joelho, damas! Possam humilhá-lo nossas genuflexões. O sobrenome Coriolano lhe infunde mais orgulho que compaixão todas as nossas súplicas. De joelhos; acabemos. Vai ser a última tentativa. Voltemos para Roma e com nossos vizinhos pereçamos. Não; olha para nós. Este menino que não sabe dizer o que pretende, mas apenas se ajoelha e as mãos levanta, traz razões mais potentes do que possas aduzir em contrário. Mas voltemos. Por mãe este homem teve mulher volsca; a esposa está em Coríolos; o filho só por acaso tem os traços dele. Mas despachemo-nos; quero ficar quieta até nossa cidade ver em chamas; depois ainda direi alguma coisa. CORIOLANO (tomando Volúmnia, que se cala, pela mão.) Mãe! ó mãe! que fizestes? Oh! entreabrem-se os céus, e os deuses que nos vêem riem desta cena contrária à natureza. Ó minha mãe! Ó mãe! Ó minha mãe! Ganhastes para Roma uma vitória muito feliz, mas para vosso filho, podeis crer-me - oh! podeis - prevalecestes sobre ele por maneira perigosa, se mortal não lhe for. Porém que venha. Aufídio, muito embora eu já não possa dirigir guerra leal, ao menos posso concluir honrosa paz. Bondoso Aufídio, se em meu lugar agora vos achásseis, teríeis, porventura, ouvido menos vossa mãe, caro Aufídio, ou concedido menos do que pedisse? AUFÍDIO - Comovido fiquei, confesso. CORIOLANO - Eu o asseveraria. E, amigo, podeis crer que pouca coisa dos olhos não me faz pingar piedade. Meu bondoso senhor, aconselhai-me sobre a paz que quereis fazer com eles. Por minha parte não irei a Roma; retornarei convosco. Por obséquio, neste passo auxiliai-me. Oh mãe! oh esposa! Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (70 of 76) [10/04/2001 23:07:37] AUFÍDIO (à parte) - Muito me alegra ver que em tua alma lutam a compaixão e a honra. Com isso tudo saberei refazer a antiga sorte. (As senhoras fazem sinal a Coriolano.) CORIOLANO - Neste momento. Mas bebamos juntos, e levareis a Roma um testemunho melhor do que palavras, que haveremos de subscrever em condições idênticas. Vamos, entremos juntos. Vós, senhoras, um templo mereceis que vos construam; as espadas da Itália, suas armas confederadas, nunca chegariam a alcançar uma paz como a de agora. (Saem.) Cena IV Roma. Uma praça pública. Entram Menênio e Sicínio. MENÊNIO - Estais vendo aquela saliência do Capitólio, a pedra angular? SICÍNIO - Estou; mas a que vem isso? MENÊNIO - Se conseguirdes abalá-la com o dedo mínimo, haverá alguma esperança de que as damas de Roma, principalmente a mãe dele, consigam alguma coisa. Mas, como disse, não há esperança; estamos com as gargantas sentenciadas à espera somente da execução. SICÍNIO Será possível que um tempo tão curto modifique a esse ponto a natureza de uma pessoa? MENÊNIO - Há muita diferença entre a crisálida e a borboleta; no entanto, a borboleta já foi crisálida. De homem, este Márcio se transformou em dragão; adquiriu asas; é algo mais do que um ser que rasteja. SICÍNIO - Era muito afeiçoado à mãe. MENÊNIO - Como a mim também o foi. Mas agora ele se recorda tanto de sua mãe como de um cavalo de oito anos. A aspereza de seu rosto azeda uvas maduras. Quando anda, move-se como uma máquina de guerra, rachando-se o solo às suas passadas. Só com o olhar é capaz de furar um arnês; fala como um dobre de finados e seu murmúrio é uma bateria. Senta-se em sua cadeira como quem representa Alexandre. O que ele ordena que se faça, fica feito só com a simples ordem. Para ser um deus só lhe falta a eternidade e um céu para servir-lhe de trono. SICÍNIO - Oh! compaixão! se o descreveis com fidelidade. MENÊNIO - Na descrição atenho-me ao seu caráter. Observai a graça que sua mãe alcançou junto dele. Há piedade nele como leite em um tigre macho, é o de que terá de certificar-se nossa cidade. E tudo isso é trabalho vosso. SICÍNIO - Que os deuses se compadeçam de todos nós. MENÊNIO - Não; num caso destes eles não se compadecerão de nós. Quando banimos Coriolano, não fizemos conta dele; voltando Coriolano agora para cortar-nos o pescoço, não farão conta de nós. (Entra um mensageiro.) MENSAGEIRO - Senhor se amais a vida, recolhei-vos para casa. Os plebeus se apoderaram de vosso companheiro de mandato, dão-lhe empurrões e juram que se as damas romanas não trouxerem boas Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (71 of 76) [10/04/2001 23:07:37] novas, hão de tirar-lhe a vida aos pedacinhos. (Entra outro mensageiro.) SICÍNIO- Que novidades há? SEGUNDO MENSAGEIRO - Boas notícias? Boas notícias! boas! Às matronas prevaleceram. Já o acampamento os volscos levantaram, Márcio foi-se. Nunca viu Roma tão alegre dia, nem mesmo quando expulso foi Tarquínio. SICÍNIO - Amigo, tens certeza do que dizes? Não haverá engano? SEGUNDO MENSAGEIRO - Tenho tanta certeza como de que o sol é fogo. Por onde vos metestes, para terdes dúvida sobre o que houve? Nunca as águas da maré se comprimem com tanto ímpeto debaixo do arco, como os aliviados se atiram pelas portas da cidade. Mas Ouvi! (Soam trombetas, oboés e tambores em confusão; aclamações dentro.) Sacabuxas, harpas, pífaros, trombetas, címbalos, tambores, vivas dos romanos à dança o sol arrastam. (Aclamações dentro.) Estais ouvindo? MENÊNIO - É muito boa a nova. Vou ao encontro das senhoras. Essa Volúmnia vale uma cidade cheia de senadores, cônsules e nobres; de tribunos assim, um mar repleto, toda a terra. Soubestes rezar hoje. Esta manhã eu não daria um óbolo para comprar dez mil gargantas vossas. Ouvi, quanta alegria! (Aclamações e música.) SICÍNIO - Inicialmente, abençoem-vos os deuses pelas novas; depois vos dou meus agradecimentos. SEGUNDO MENSAGEIRO - Motivos todos nós temos bastantes para agradecimentos sublimados. SICÍNIO - Já se estão da cidade aproximando? SEGUNDO MENSAGEIRO - Já no ponto de entrar. SICÍNIO - Saiamos todos a encontrá-los e o júbilo aumentemos. (Retiram-se.) (Atravessam o palco as damas acompanhadas dos senadores, patrícios e povo.) PRIMEIRO SENADOR - Vede a vida de Roma, a protetora de todos nós! Reuni todas as tribos; orai aos deuses e acendei fogueiras de regozijo; atapetai de flores o caminho por onde elas passarem. Com novos vivas abafei os gritos que de Roma expulsaram Caio Márcio. Nas saudações da mãe chamai-o à pátria. Gritai todos: Senhoras, sois bem-vindas! TODOS - Senhoras, sois bem-vindas! (Fanfarras e tambores. Saem todos.) Cena V Coríolos. Uma praça pública. Entra Tulo Aufídio com criados. AUFÍDIO - Anunciai aos senhores da cidade que eu já cheguei e dai-lhes este escrito. Depois de o terem lido convocai-os para o mercado, onde, no ouvido deles e nos do povo provarei tudo isso. Quem eu acuso Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (72 of 76) [10/04/2001 23:07:37] juízo, ponderados nobres, vai dar o desmentido a este cachorro; e sua própria consciência - que as estrias de meus golpes ainda tem presentes, marcas que há de levar ao próprio túmulo - há de vos secundar no desmentido. PRIMEIRO NOBRE - Ficai quietos e deixai que eu fale. CORIOLANO - Cortai-me em pedacinhos, volscos! Homens e moços, vinde em mim manchar os gládios. "Menino!" Cão hipócrita! Se houvésseis vossos anais escrito com verdade, lá poderíeis ler que tal como águia num pombal pus em fuga os vossos volscos, em Coríolos. Eu, eu só! "Menino!" AUFÍDIO - Como! nobres senhores, quereis mesmo que as façanhas da sorte dele cega - vosso opróbrio - vos sejam relembradas por este fanfarrão desnaturado, ante vossos ouvidos, vossos olhos? CONSPIRADORES - Que ele morra por isso. TODOS OS CIDADÃOS - Espedaçai-o, já já! - Matou meu filho! - Minha filha!- Matou meu pai! - Matou meu primo Marco! SEGUNDO NOBRE - Silêncio aí! Nada de insultos. Calma! É um homem nobre e sua fama ocupa o orbe todo da terra. A última ofensa que nos fez há de ser regularmente em juízo discutida. Pára, Aufídio; não perturbes a paz. CORIOLANO - Ah! se o tivesse com seis outros Aufídios e sua tribo ao alcance de minha leal espada! AUFÍDIO - Celerado insolente! CONSPIRADORES - Morte! Morte para ele! Morte! Morte! (Aufídio e os conspiradores sacam da espada e matam Coriolano, que cai. Aufídio põe o pé sobre o cadáver.) NOBRES - Não! Parai! Parai! Parai! Parai! AUFÍDIO - Meus nobres mestres, deixai que vos explique o que houve. PRIMEIRO NOBRE - Oh Tulo! SEGUNDO NOBRE - Chora a coragem ante o que fizeste. TERCEIRO NOBRE - Não o piseis. Senhores, acalmai-vos! Guardai vossas espadas. AUFÍDIO - Meus senhores, quando a saber chegardes - o que neste grande furor, por ele suscitado, possível não será - todo o perigo com que nos ameaçava a vida dele, ficareis satisfeitos por ter sido morto ele deste modo. Vossas Honras podem chamar-me à frente do Senado, que hei de provar que sou vosso fiel servo, ou submeter-me a vosso grave juízo. PRIMEIRO NOBRE - Levai daqui o corpo. E pranteai-o. Será tido na conta do mais nobre cadáver que já foi acompanhado pelo arauto até à urna funerária. SEGUNDO NOBRE - Seu arrebatamento justifica por uma boa parte o erro de Aufídio. Tiremos disso todas as vantagens. AUFÍDIO - Minha fúria passou. Sinto-me agora tomado de tristeza. Levantai-o. Ajudai três guerreiros, Coriolano file:///C|/site/LivrosGrátis/coriolano1.htm (75 of 76) [10/04/2001 23:07:37] dos melhores; serei o quarto. Bate em teu tambor, de forma que ele fale tristemente. Abaixai vossas lanças. Muito embora tenhamos ainda na cidade muitas mulheres que sem filhos, sem maridos ele deixou e que ainda se ressentem de seus golpes até este momento, há de alcançar mui nobre monumento. Carreguemos. (Saem levando o corpo de Coriolano, ao som de uma marcha fúnebre.) 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