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Guias e Dicas
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Introdução a Ergonomia Especialização, Notas de estudo de Engenharia de Telecomunicações

Material de especialização do cusso de ergonomia.

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 03/11/2010

francivandro-damasceno-10
francivandro-damasceno-10 🇧🇷

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Baixe Introdução a Ergonomia Especialização e outras Notas de estudo em PDF para Engenharia de Telecomunicações, somente na Docsity! CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ERGONOMIA CONTEMPORÂNEA DO RIO DE JANEIRO (Pós-Graduação Lato Sensu – 540 horas) FUNDAÇÃO COPPETEC GRUPO DE ERGONOMIA E NOVAS TECNOLOGIAS PARCERIA: CREA/RJ APOIOS Programa de Engenharia de Produção do COPPE Programa de Engenharia Mecânica do COPPE Departamento de Engenharia Industrial da EE/UFRJ Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da FAU/UFRJ Associação Brasileira de Ergonomia – ABERGO INTRODUÇÃO À ERGONOMIA Prof. Mario Cesar Vidal, Dr. Ing. Introdução à Ergonomia Página 2 Prof. Mario Cesar Vidal GENTE - Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias CESERG - Curso de Especialização Superior em Ergonomia. Sumário 1 O QUE É ERGONOMIA............................................................................................................................ 3 1.1 CENAS DA VIDA DIÁRIA ............................................................................................................................. 3 1.2 UMA DISCIPLINA ÚTIL, PRÁTICA E APLICADA .............................................................................................. 4 1.3 PROBLEMAS RETROSPECTIVOS, PROSPECTIVOS E EMERGENTES ................................................................... 6 1.4 A EXPLOSÃO DA DEMANDA DE ERGONOMIA .............................................................................................. 6 2 A FORMAÇÃO HISTÓRICA DA ERGONOMIA.................................................................................... 7 2.1 PRIMEIRA DEFINIÇÃO DE ERGONOMIA ........................................................................................................ 7 2.2 ERGONOMIA NO PERÍODO CLÁSSICO ........................................................................................................... 8 2.3 ERGONOMIA NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO .......................................................................................... 8 2.4 A ERGONOMIA NA II GUERRA MUNDIAL : IMPORTÂNCIA DOS FATORES HUMANOS...................................... 9 2.5 A ERGONOMIA NA RECONSTRUÇÃOEUROPÉIA: A ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO.......................... 10 3 AS ERGONOMIAS CONTEMPORÂNEAS ........................................................................................... 10 3.1 INTERVENÇÃO ERGONÔMICA................................................................................................................... 11 3.2 MACROERGONOMIA ................................................................................................................................ 12 3.3 ANTROPOTECNOLOGIA ............................................................................................................................ 13 4 CAMPO CONTEMPORÂNEO DA ERGONOMIA ............................................................................... 15 4.1 ERGONOMIA FÍSICA................................................................................................................................. 16 4.2 ERGONOMIA COGNITIVA ......................................................................................................................... 19 4.3 ERGONOMIA ORGANIZACIONAL ............................................................................................................... 22 5 FOCO E CRITÉRIOS DA ERGONOMIA .............................................................................................. 25 5.1 FOCO...................................................................................................................................................... 25 5.2 CRITÉRIOS PARA A ERGONOMIA............................................................................................................... 25 6 AÇÃO ERGONÔMICA ........................................................................................................................... 26 6.1 QUANTO À ABORDAGEM: ERGONOMIA DE PRODUTO E DE PRODUÇÃO ....................................................... 28 6.2 QUANTO À PERSPECTIVA : ERGONOMIA DE CONCEPÇÃO E DE INTERVENÇÃO ............................................. 29 6.3 ERGONOMIA DE CORREÇÃO, ENQUADRAMENTO, REMANEJAMENTO E/OU MODERNIZAÇÃO ......................... 31 7 CONCLUSÃO: UMA DISCIPLINA NOVA E POUCO TRIVIAL......................................................... 33 8 EXERCÍCIOS........................................................................................................................................... 34 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................................... 35 Figuras Figura 1 : Ergonomia como uma tecnologia de interfaces: .......................................................... 4 Figura 2: Interdisciplinaridade da Ergonomia (Hubault, 1992, modificado por Vidal, 1998) ....... 5 Figura 3 : Esquema de uma Intervenção Ergonômica (Vidal, 1999) .......................................... 11 Figura 4 : Modelo sociotécnico em que se fundamenta a Macroergonomia ............................... 12 Figura 5 : Campos da Ergonomia Contemporânea..................................................................... 16 Figura 6 : O "caldeirão" da Fadiga de Grandjean....................................................................... 17 Figura 7 : Processo perceptivo, cognitivo e motor (Gagné, 1966, modificado por Vidal, 2000) 20 Figura 8 : Esquema elementar de uma organização. ................................................................. 23 Figura 9 : As diferentes e complementares Ergonomias ............................................................ 27 Figura 10 : Classificações da Ergonomia................................................................................... 28 Figura 11 : Processos de evolução tecnológica (Vidal, 1978) .................................................... 33 Índice de quadros Quadro 1 - Principais disciplinas formadoras do pensamento ergonômico clássico ..................... 9 Introdução à Ergonomia Página 5 Prof. Mario Cesar Vidal GENTE - Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias CESERG - Curso de Especialização Superior em Ergonomia. A superação desse duplo registro, deste paradoxo aparente está numa compreensão da Ergonomia como disciplina útil, prática e aplicada: • Como disciplina útil, através de seus procedimentos de modelagem da realidade do uso e a incorporação de conhecimentos para a melhoria das interfaces entre os com- ponentes humanos e os demais constituintes do sistema de produção, a Ergonomia tem tido bastante sucesso em tratar de problemas onde outras abordagens tem deixado a desejar. • Como disciplina científica a Ergonomia através do estudo das capacidades e limita- ções e demais características humanas necessárias para o projeto de boas interfaces, assim como busca modelar a atividade de trabalho para garantir a qualidade operacio- nal deste projeto. Para tanto ela situa num cruzamento interdisciplinar entre várias disciplinas como Fisiologia, a Psicologia, a Sociologia, a Lingüística e práticas profis- sionais como a Medicina do Trabalho, o Design, a Sociotécnica e as Tecnologias de estratégia e organização. Toda esta interdisciplinaridade se centra no conceito de ati- vidade de trabalho, o verdadeiro objeto da Ergonomia (figura 2). Figura 2: Interdisciplinaridade da Ergonomia (Hubault, 1992, modificado por Vidal, 1998) A ergonomia como interdisciplinaridade interage com várias disciplinas no cam- po das ciências da vida, técnicas, humanas e sociais. Seus conteúdos se orientam para o design, arquitetura e engenharia, cuja inserção nesses quadrantes é basi- camente a mesma. • Como disciplina prática a ergonomia busca encaminhar soluções adequadas aos usuá- rios, operadores e à realidade das empresas e organizações onde as intervenções ergo- nômicas têm lugar. • Como disciplina aplicada ela traz os resultados dos tratamentos científicos de modela- gem da realidade e de levantamento do estado da arte de problema ao desenvolvi- Ergonomia Coletivos Ciências Humanas Ciências da Vida Ciências Técnicas Ciências Sociais Organização Riscos Medicina do Trabalho Sociologia Sociotécnica Estratégia Hig iene Indust r ia l Segurança do TrabalhoFisiologia Psicologia Linguística Introdução à Ergonomia Página 6 Prof. Mario Cesar Vidal GENTE - Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias CESERG - Curso de Especialização Superior em Ergonomia. mento de tecnologia de interfaces para a concepção, análise, testagem, normatização5 e controle dos sistemas de trabalho. São assuntos aplicados de ergonomia, portanto a concepção de sistemas de trabalho sob o ponto de vista da atividade das pessoas que nele se integram, de produtos sob o ponto de vista de uso e manuseio pelos adquiren- tes, de sistemas informatizados sob a ótica da usabilidade (interatividade facilitada, amigabilidade, customização etc.) de estruturas organizacionais do ponto de vista dos que nela trabalham e assim por diante. 1.3 Problemas retrospectivos, prospectivos e emergentes Como uma disciplina concomitantemente útil, prática e aplicada, a ergonomia é indicada para tratar de problemas nos sistemas de produção. Empresas e organismos diversos têm podido empregar, com muitas vantagens, os serviços dos ergonomistas para intervir sobre estes diversos tipos de problemas com que a produção se defronta. Esses problemas podem ser referentes ao histórico da empresa (retrospectivos), à disposição para mudanças (prospectivos) ou mesmo ur- gentes e/ou desconhecidos ate então ( caso das emergências). A compreensão do que está acontecendo e que requer uma intervenção ergonômica - ou seja, a construção de um diagnóstico ergonômico de um sistema de trabalho - vai requerer o levantamento de problemas retrospectivos como: • custo de doenças ligadas ao trabalho; • inadequação dos postos de trabalho ou dos ambientes; • Qualidade insatisfatória dos produtos e dos processos de produção; • ineficiências dos métodos de produção, de formação, de inspeção ; • defeitos dos produtos, com conseqüente perdas de mercado e aumento do nível de re- clamações dos clientes; • funcionamento inadequado de equipamentos e softwares. De posse de um diagnóstico ergonômico é preciso agir para adequar as diferentes interfa- ces. A ação ergonômica, a partir dos elementos que o diagnóstico ergonômico lhe fornece, lida com problemas prospectivos como: • a concepção de novos produtos, de sistemas de produção, de novas instalações ; • as inovações nos equipamentos: mobiliário, maquinário, instrumentos e acessórios; • a construção da formação de novos empregados na implantação de novas tecnologias e/ou novos sistemas organizacionais; Porém em certas passagens é necessário que o sistema de trabalho responda a situações inusitadas e tenha a capacidade de absorver fatos novos. Assim sendo a Ação Ergonômica é indicada para tratar de alguns problemas emergentes, sobretudo para gerar cenários de simula- ção de situações novas e estruturar o treinamento necessário e dali advindo. 1.4 A explosão da demanda de ergonomia Constatamos que, em todo o mundo, a ergonomia tem sido objeto de uma explosão de demanda, com um número crescente de empresas solicitando consultorias e criando cargos para ergonomistas em seus organogramas. Se nos limitarmos ao Brasil, a demanda já ultrapassa bas- tante a capacidade de formação e treinamento hoje disponível no mercado. Hendrick (1998), aponta ao menos quatro razões explicativas para esse quadro: (i) paradoxalmente um número razoável de pessoas se confrontaram com o que Chong 5 Assumiremos a distinção entre normalização e normatização. Por normalização entenderemos o processo de re- estabelecimento de uma situação em direção ao seu modo normal de funcionamento e por normatização, a intro- dução de normas de funcionamento. Introdução à Ergonomia Página 7 Prof. Mario Cesar Vidal GENTE - Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias CESERG - Curso de Especialização Superior em Ergonomia. (1996) denomina de “voodoo ergonomics”, no sentido da criação de ilusão de soluções fáceis. Isto produziu produtos, ambientes e processos rotulados como ergonômicos quando na verdade foram elaborados por pessoas sem uma competência certificada ou acreditada em ergonomia. Essa é uma das razões que tem levado a IEA a estabelecer como prioritária e urgente o estabelecimento de padrões de formação e de certificação profissional, uma realidade já efetiva na América do Norte e na União Européia. (ii) A ergonomia contribui decisivamente para que os operadores tenham as condições re- queridas para executar satisfatoriamente suas tarefas. Assim sendo, a explosão da de- manda por Ergonomia se explica pelo fato de que na vida cotidiana atual nos tornamos todos operadores, como o sustenta Mallet (1995). Cada um de nós “opera” diariamente alguns tipos de sistema tais como: automóveis, computadores, televisão aberta ou a cabo, telefones convencionais ou celulares. Neste sentido, é extremamente delicado considerar os aspectos humanos destas interfaces como solucionáveis pelo emprego de constatações de senso comum. (iii) Muitos responsáveis de empresas têm demandado a Ergonomia simplesmente por se tratar da coisa certa a se fazer, até porque essas pessoas devem pensar naquilo que seja o mais adequado para realizar os objetivos estratégicos de suas organizações; (iv) Finalmente, embora haja muito pouca documentação a esse respeito, até por uma falha de formação e de sistemática de trabalho dos ergonomistas, em alguns casos tem sido possível realizar uma avaliação do resultado das ações ergonômicas em termos de cus- to-benefício. E essas avaliações têm sido muito positivas. 2 A formação histórica da Ergonomia Os primeiros estudos sobre as relações entre homem e o trabalho se perdem na origem dos tempos: em termos arqueológicos, é possível demonstrar que os utensílios de pedra lascada se miniaturizaram, num processo de melhoria de manuseabilidade e que teve por resultados pro- dutivo, o ganho de eficiência na caça e coleta. O ganho de eficiência no processo de caça permi- tiu uma nova forma de divisão do trabalho podendo as mulheres se ocuparem melhor dos bebês e com isso reduzindo a mortalidade infantil (Meirelles, Comunicação pessoal). Existem também no Museu do Louvre papiros egípcios que denotam recomendações de natureza ergonômica para a construção de utensílios de construção civil, assim como desenhos de arranjos organizacionais para o canteiro de obras de pirâmides. Em seu sentido clássico, a Ergonomia buscou primeiramente entender os fatores humanos pertinentes ao projeto de instrumentos de trabalho, ferramentas e outros apretrechos típicos da atividade humana em ambiente profissional. Mais adiante buscou-se entender, tabelar, organizar dados sobre os fatores humanos que deveriam ser considerados não apenas para os instrumentos, mas para os projetos de sistemas de trabalho, como as linhas de montagem, as salas de controle, os postos de direção de máquinas (cockpits) e assim por diante. No seu sentido mais contempo- râneo se busca entender os determinantes de uma atividade de trabalho através de contribuições num sentido ainda mais amplo, que incluem a organização do trabalho e os softwares, procedi- mentos e estratégias operatórias. Como se deu esse caminho, essa evolução? 2.1 Primeira definição de ergonomia A primeira definição de Ergonomia foi feita em 1857 na égide do movimento industria- lista europeu. Esta definição foi feita por um cientista polonês, Wojciech Jarstembowsky numa perspectiva típica da época, de se entender a Ergonomia como uma ciência natural em um artigo intitulado “Ensaios de ergonomia, ou ciência do trabalho, baseada nas leis objetivas da ciência sobre a natureza”. Esta primeira definição estabelecia que: A ergonomia como uma ciência do trabalho requer que entendamos a atividade Introdução à Ergonomia Página 10 Prof. Mario Cesar Vidal GENTE - Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias CESERG - Curso de Especialização Superior em Ergonomia. forto dos soldados, marinheiros e aviadores". Os trabalhos desses grupos foram voltados para a adaptação de veículos militares, aviões e demais equipamentos militares às características físicas e psicofisiológicas dos soldados, sobretudo em situações de emergência e de pânico. E o que nos interessa particularmente, estes estudos se baseavam na análise e nos estudos dos materiais que retornavam e no relato de seus problemas operacionais. Assim sendo, em seu nascedouro, a Er- gonomia se alimentou profundamente de dados e estudos de manutenção bélica. Segundo nos relata Iida (1990), os cientistas que haviam participado desse esforço de guerra decidiram continuar a empreitada voltando-se para a produção civil, utilizando os méto- dos, técnicas e dados obtidos para a indústria. Numa precursora forma de extensão universitária, são formados laboratórios universitários para atender a demandas industriais, com sucesso. Em decorrência é formada em 1947 a primeira sociedade de Ergonomia do planeta, a Ergonomics Research Society. Nasce a corrente de ergonomia chamada de fatores humanos (Human Factors Engineering ou HFE ), como uma continuidade da prática acima mencionada em operações ci- vis. Desde então a corrente HFE tem buscado responder à seguinte pergunta: o que se sabe acer- ca do ser humano e que pode ser empregado nos projetos de instrumentos, dispositivos e siste- mas. Em suas interfaces com o operador humano a HFE, até o presente, tem sido baseada em procedimentos experimentais que vão do laboratório clássico para o estudo de fatores humanos em si mesmo até às modernas técnicas de simulação, buscando uma melhor conformação das interfaces entre pessoas e sistemas técnicos. Os principais tratados de ergonomia foram produzi- dos nos anos 60 tendo como dominante a abordagem HFE. Os mais interessantes a nosso ver são Woodson e Conover, (USA, 1966) e Grandjean (Suiça, 1974), aqui lançado pela Editora Quali- mark sob o título “Ergonomia”. Uma compilação acessível destes livros pode ser obtida em Iida, (1991). Para um uso prático de especialistas recomendamos o “Ergonomic Checkpoints” editado pela International Labour Office, em Genebra, com o apoio da International Ergonomics Asso- ciation - IEA 2.5 A ergonomia na reconstrução européia: a análise ergonômica do trabalho No período do pós-guerra surgiu uma outra vertente da ergonomia, ensejada pelas neces- sidades da reconstrução do parque industrial europeu dizimado. No bojo de um amplo pacto so- cial, o projeto de reconstrução abria uma janela para o estudo de condições de trabalho, tendo como emblema a fábrica de automóveis Renault que, dadas suas características peculiares tornar- se-ia um modelo da nova política industrial francesa7. Esta segunda vertente partiu da seguinte questão: como conceber adequadamente os novos postos de trabalho a partir do estudo da situa- ção existente? Desta preocupação nasce em 1949 com Suzanne Pacaud, a análise da atividade em situação real, resgatada em 1955 por Obrendame & Faverge como análise do trabalho. Estes au- tores preconizavam que o projeto de um posto de trabalho deveria ser precedido por um estudo etnográfico da atividade e mostravam o distanciamento entre as suposições iniciais e o auferido nas análises. A proposta veio a ser formalizada somente em 1966 por Alain Wisner8 já como Análise Ergonômica do Trabalho (AET). 3 As ergonomias contemporâneas A década de 1970 marca a passagem definitiva da análise situada para o campo da ação com uma crescente integração da ergonomia na prática industrial, para o que, foi decisivo o mesmo ambiente que engendra o movimento pela gestão da qualidade. Surge em especial na Europa um conceito novo, a intervenção ergonômica, hoje expressão corrente nos EUA, Japão, 7 A Renault efetivamente é a primeira indústria francesa a criar um laboratório industrial voltado para temas de er- gonomia 8 Professor Emérito de Ergonomia do Conservatoire National des Arts et Métiers, Paris, França. Foi um dos princi- pais responsáveis pela formulação e desenvolvimento hodierno do método de Análise Ergonômica do Trabalho, sendo ainda o formulador do conceito e do método da antropotecnologia. Introdução à Ergonomia Página 11 Prof. Mario Cesar Vidal GENTE - Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias CESERG - Curso de Especialização Superior em Ergonomia. França, Alemanha, Canadá, Suécia e Brasil, apenas para citar os países onde existe um maior avanço da ergonomia. As mudanças de paradigmas econômicos, no limiar dos anos 80, amplia- ram este quadro fazendo brotar duas novas considerações que dão à ergonomia seu formato atual da ação ergonômica. A primeira delas nos Estados Unidos e Países Nórdicos, preconiza que os projetos de melhoria ergonômica são mais bem sucedidos numa perspectiva maior e inseridas na estratégia organizacional, e que foi chamada a partir de 1990 de Macroergonomia (Brown Jr., 1990). A segunda nova vertente amplia este mesmo debate para o nível das contingências soci- ais e culturais, a que uma empresa está afeita no seu ambiente mediato e que foi cunhada por seu autor em 1974 de Antropotecnologia(Wisner, 1974, 1980). Examinemos, pois, estes três for- matos da ação ergonômica contemporânea. 3.1 Intervenção ergonômica O conceito de intervenção ergonômica inicialmente desenvolvido pela escola francesa de Ergonomia (Wisner, 1974, Duraffourg et al. 1977; Guérin et al. 1991) é hoje uma forma interna- cional de atuação do profissional que trabalha com a ergonomia9. A efetividade da ergonomia consiste no fato de resultar em transformações positivas no ambiente de trabalho (ambiente aqui tomado em seu sentido amplo, o que inclui a tecnologia e a organização como seus componen- tes). Segundo um consultor norte-americano contemporâneo (Burke, 1998), o trabalho de prepa- rar um diagnóstico é irrelevante se este não criar mudanças positivas. Isto significa que a inter- venção ergonômica é uma tecnologia da prática que objetiva modificar a situação de trabalho para torná-la mais adequada às pessoas que nela operam. Diferencia-se desta forma de estudos e análises de caráter apenas descritivo ou sem comprometimento de fato com as mudanças no tra- balho, como a produção de laudos ou diagnósticos puramente acadêmicos. 3.1.1 Caracterização O que caracteriza uma intervenção ergonômica é a construção que vai viabilizar a mu- dança necessária, e que possa inserir os resultados da ergonomia nas crenças e valores das orga- nizações que as demandam e recebem os seus resultados. Esta construção divide a intervenção e se realiza em distintas etapas: a instrução da demanda, a análise da atividade e dos riscos ergo- nômicos, a concepção de soluções ergonômicas e a implementação ergonômica (figura 3 ) Figura 3 : Esquema de uma intervenção ergonômica (Vidal, 1999) A instrução da demanda compreende todo o encaminhamento contratual da intervenção, o que passa pelo ajuste e foco do problema, identificação do processo de tomada de decisão na 9 A expressão é empregada em realidades diversas como Estados Unidos, Suécia, Japão Austrália e Brasil. Processo negocial e incremental de construção mútua Concepção de Soluções Ergonômicas Solução Ergonômica incorporada à organização I n s t r u ç ã o d a D e m a n d a Implementação das Soluções Ergonômicas Atalho Ilusório: Busca da Solução Pronta Contrato para a Ação Ergonômica Análise da Atividade e dos Riscos Ergonômicos Introdução à Ergonomia Página 12 Prof. Mario Cesar Vidal GENTE - Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias CESERG - Curso de Especialização Superior em Ergonomia. organização, levantamento dos recursos humanos para formar a consultoria interna, e determina- ção das formas de apresentação de resultados. A análise da atividade e dos riscos ergonômicos consiste no conjunto de coletas de dados e informações que permitem ao ergonomista realizar as modelagens necessárias para prover mu- danças no ambiente de trabalho. Por risco ergonômico entenderemos a condição ou a prática que traga obstáculos à produtividade, que desafie a boa qualidade ou que traga prejuízos ao conforto, segurança e bem estar do trabalhador. A etapa de concepção de soluções ergonômicas varia de acordo com a natureza do pro- blema e da forma com a demanda foi instruída e ainda dos resultados da fase anterior. A implementação ergonômica se constitui na fase final de uma intervenção. 3.1.2 Utilidade Os trabalhos em ergonomia têm uma dupla vertente: cientifica e prática. Os resultados práticos se traduzem nas mudanças implantadas nas organizações onde as intervenções são reali- zadas. Do ponto de vista científico os resultados das intervenções ergonômicas vão interagir nos diversos campos e áreas do conhecimento. Numa intervenção em uma agência de notícias (Pa- vard et al.,1980), a finalidade era realizar um rearranjo das instalações para torná-la compatível com os procedimentos de editoração eletrônica em redes e da estrutura dinâmica de uma grande redação de jornal. O resultado da intervenção foi efetivamente um rearranjo, porém o estudo no qual se baseou permitiu uma discussão conceitual em arquitetura (Dejean, 1981), teórica em psi- colingüística (Pavard, 1982) e mesmo metodológica em ergonomia (Guérin et al.,1981). 3.1.3 Praticidade A ergonomia é uma disciplina para a ação sobre o real, e, como tal, se expressa de forma especialmente pertinente para os projetos de mudanças na tecnologia física e de gestão. Os des- dobramentos de uma intervenção ergonômica, no âmbito científico e tecnológico podem ser muitos, mas o que confere a uma ação no ambiente de trabalho, o caráter de intervenção ergo- nômica é o resultado materializado num projeto implantado de mudanças para melhor. Assim, uma intervenção cujo resultado aparentemente pífio seja a redefinição de especificações da com- pra de mobiliário (Santos e Palmer, 1992) é ergonômica na medida em que atinge um resultado em termos de boas modificações da situação de trabalho; inversamente, uma profunda reflexão detalhada e interessante sobre as dimensões psíquicas dos maquinistas ferroviários sem repercus- sões concretas (Moscovici, 1977) não caracteriza uma intervenção ergonômica10. 3.2 Macroergonomia 3.2.1 Caracterização O ensinamento básico da macroergonomia é que as organizações precisam buscar um equilíbrio sociotécnico entre pessoas, tecnologias e organização Tecnologia Pessoas Organização Sociofatos Horários Cultura Contratos Artefatos Instrumentos Equipamentos Software Mentefatos Competência - Regras - Procedimentos Figura 4 : Modelo sociotécnico em que se fundamenta a Macroergonomia 10 No jargão de Ergonomistas chamamos a trabalhos desta natureza de “Maionese”. Introdução à Ergonomia Página 15 Prof. Mario Cesar Vidal GENTE - Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias CESERG - Curso de Especialização Superior em Ergonomia. seu estudo. O estudo ergonômico de casos onde a tecnologia somente funciona adequadamente no período da partida do equipamento ou unidade permite esclarecer certos aspectos complexos na transferência de tecnologia. A partida (start-up) é uma exigência dos contratos "turn-key" (lite- ralmente: chave-na-mão) onde a transferência é considerada realizada após a demonstração da capacidade de funcionamento dos dispositivos. Uma equipe do país vendedor é deslocada para o comprador no período de inauguração. Esta equipe é composta por um pessoal experiente tanto para a operação como para a manutenção, assim como, eventualmente, o pessoal da equipe de projeto que introduziu algumas modificações no projeto inicial. Trata-se de uma equipe de ex- cepcional valor, capaz de fazer com que o dispositivo efetivamente funcione. Porém no dia se- guinte do retorno desta equipe, nada mais funciona a contento, uma vez que o pessoal local, que a substitui, está longe de dispor dos mesmos saberes teóricos e práticos, mesmo nos casos onde tenha existido um programa sério de formação e treinamento (o que nem sempre ocorre). A ori- gem deste grave problema se liga à sub-estimativa das atividades cognitivas de controle e de manutenção dos automatismos, das competências requeridas aos operadores e também à insufi- ciente conscientização das dificuldades de funcionamento ligadas à geografia da implantação que já discutimos mais acima. Estes fatos explicam porque, e em que medida, é necessário reconce- ber os dispositivos aos invés de transferi-los. 3.3.3 Praticidade O campo da Antropotecnologia tem sido mais efetivamente um campo de estudos do que um campo de realizações até porque estas ações não correm isoladamente de outros processos nas organizações. Em geral a compra de tecnologia é um processo estabelecido nos mais altos escalões da empresa ou da organização e a Ergonomia infelizmente não é suficientemente apre- endida nestes espaços de decisão. 4 Campo contemporâneo da ergonomia A definição hoje internacionalmente aceita (ABERGO, 2000) chama a atenção para três aspectos: o tipo de conhecimento e suas inter-relações, o foco nas mudanças e os critérios da ação ergonômica. A consideração destes aspectos configura contemporaneamente a Ergonomia como uma disciplina de síntese entre vários aspectos do conhecimento sobre as pessoas, a tec- nologia e a organização. Numa boa ergonomia a antropometria física (as dimensões estáticas e dinâmicas do corpo) , a fisiologia do trabalho (o funcionamento de nossos sistemas fisiológicos em diversos regimes), a psicologia experimental (a percepção de sinais, a discriminação de indí- cios, a leiturabilidade de instrumentação) a higiene e a toxicologia (os riscos envolvidos nas ati- vidades) contribuem com a adequação da tecnologia e da organização do trabalho aos trabalha- dores reais. Na realidade, não se pode adequar o trabalho ao ser humano se não se sabe de que ser humano se trata, portanto, que características, habilidades e limitações estamos nos referin- do? E para falar de um trabalhador real, estamos nos referindo a um operador efetivo numa situ- ação bem definida. Por exemplo, um trabalhador de 1,70 m não tem como alcançar adequadamente uma es- tante situada a 2,20 m do chão. Se o fizer seu manuseio será certamente impróprio podendo cau- sar queda própria ou do objeto manuseado. Vemos aqui que as perdas materiais e os acidentes podem ter a mesma origem. Porém este trabalhador entende que não poderá deixar cair a caixa de lâmpadas que tenta retirar desta estante. Por falta de uma escada ou acessório equivalente pode ser levado a improvisar com o que esteja disponível. O acessório inadequado poderá tam- bém causar os mesmos problemas – ou piores! Vemos aqui que a organização do trabalho tam- bém pode agravar uma inadequação antropométrica que já não tenha sido considerada. E não basta dispor de um acessório fixo para este operador de 1,70 m pois ele pode ser substituído por um de 1,60m no próximo plantão. Imaginem se tivermos que escolher a altura do pessoal como critério de formação de equipes ... Introdução à Ergonomia Página 16 Prof. Mario Cesar Vidal GENTE - Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias CESERG - Curso de Especialização Superior em Ergonomia. Para uma ordenação desse campo empregamos uma classificação destes conteúdos, suge- rida pela International Ergonomics Association (IEA): ergonomia física, cognitiva e organizaci- onal. Para simplificar essa divisão subdividiremos a ergonomia física em ergonomia do posto e ergonomia ambiental, formando assim nossa divisão de conteúdos (figura 5). Esta classificação tem apenas finalidades didáticas para compreensão de conceitos. Uma realidade de trabalho é um sistema complexo onde cada um dos aspectos intervêm a seu modo porém de forma interdependente ou sistêmica. Figura 5 : Campos da ergonomia contemporânea Assim sendo, podemos formar uma base de conhecimento em ergonomia através dos constituintes físicos, cognitivos e organizacionais, mas sem esperar que cada um destes elemen- tos influa de forma isolada e comportada na realidade complexa do trabalho. 4.1 Ergonomia física Por ergonomia física entenderemos o foco da ergonomia sobre os aspectos físicos de uma situação de trabalho. E eles são inegavelmente reais: trabalhar engaja o corpo do trabalhador exigindo-os de várias formas ao longo da jornada de trabalho. A ergonomia física busca adequar estas exigências aos limites e capacidades do corpo, através do projeto de interfaces adequadas para o relacionamento físico homem-máquina : as interfaces de informação (displays) as interfa- ces de acionamentos (controles). Para tanto são necessários diversos conhecimentos sobre o corpo e o ambiente físico onde a atividade se desenvolve. 4.1.1 Caracterização Numa primeira simplificação, consideremos que o corpo tem um sistema músculo- esquelético movimentado por uma central energética. O sistema esquelético confere ao corpo suas dimensões antropométricas: estatura, comprimento dos membros, capacidades de movi- mentação limitadas, alcances mínimos e máximos. Por óbvio que possa parecer, um dos aspectos mais importantes da Ergonomia é que o posto de trabalho, seus utensílios e elementos estejam de acordo com as dimensões do ocupante do posto de trabalho. Nisto consiste o capitulo da antro- pometria como disciplina fundamental da ergonomia. A inadequação antropométrica produz o desequilíbrio postural estático, fator causal das LER/DORT, mas igualmente a de lombalgias, ciáticas e outros problemas fisiátricos. Para que o sistema esquelético se movimente e se mantenha em determinadas posições, a ele está acoplado o sistema muscular que pode ser primariamente assimilado a um conjunto de cabos extensores em oposição. O sistema muscular tem a propriedade de poder se contrair e in- versamente se distender e essa propriedade requer consumo de energia, provida ao corpo pelo metabolismo, que é a maravilha da natureza que transforma alimento e ar em energia no interior do organismo. A atividade de trabalho deve estar adequada às possibilidades musculares e do metabolismo humano e nisto consiste o segundo capítulo da ergonomia física, a saber a fisiologia do trabalho. Retomando um exemplo já citado, o desconhecimento da fisiologia produziu pro- blemas para os aviadores, mas o mesmo se deu com mineiros, empregados em linhas de monta- Organizacional Cognitiva Fisica Posto de Trabalho Ambiente Fisico Individual Coletiva Normalidade Anormalidade Ergonomia Introdução à Ergonomia Página 17 Prof. Mario Cesar Vidal GENTE - Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias CESERG - Curso de Especialização Superior em Ergonomia. gem e mais recentemente no pessoal de escritório. As inadequações fisiológicas agravam e am- pliam os problemas de inadequação antropométrica já aludidos. Finalmente este organismo músculo-esquelético e dotado de um sistema de transforma- ção de energia, um metabolismo interage com o ambiente em que se encontra realizando uma homeostase, suando no caso de temperaturas elevadas, sentindo odores e sabores, sendo facilita- do ou dificultado nessa integração ao locus da atividade pela qualidades acústicas e lumínicas deste ambiente. Estabelece-se um domínio de conhecimentos de ergonomia ambiental, também podendo ser chamado de ecologia humana. Trata-se de um grande capítulo da ergonomia e que responde pela maior parte dos traba- lhos e livros até hoje publicados. Exatamente por isso é uma tarefa quase impossível sintetizar este campo. Neste sentido nossa opção é de , neste momento, ilustrar o campo com o esquema global proposto por Grandjean (1977). Figura 6 : O "caldeirão" da Fadiga de Grandjean Os temas mais freqüentemente estudados pela ergonomia física têm sido: (a) Posturas desfavoráveis (b) Força excessiva demandada (c) Movimentos repetitivos (d) Transporte de car- gas 4.1.2 Utilidade A utilidade da ergonomia física está na contribuição decisiva que fornece a muitos pro- blemas verificados nos sistemas de trabalho. No campo dos postos de trabalho, problemas antro- pométricos e posturais efetivamente se verificam numa grande quantidade sejam eles industriais, agrícolas ou de serviços. Nos dois primeiros a atividade é em geral agravada pelo fato das tarefas comportarem igualmente uma importante parcela de manuseio de materiais. As contribuições da ergonomia física, nesse aspecto, têm sido muito grande, tanto que o Governo dos EUA acaba de promulgar um vasto programa de ação ergonômica a nível governamental, com uma série de incentivos para as empresas que adotarem programas de ergonomia com uma forte conotação neste campo da ergonomia física12. No campo ambiental, aqui significando o meio-ambiente de trabalho, a ergonomia tem igualmente grandes contribuições para o agenciamento adequado desses ambientes. A mais im- portante delas está em que ao se colocar as mudanças necessárias a partir de seu ponto de vista - 12 Naturalmente não se trata de altruísmo ou consciência ergonômica pura. Os custos sociais dos distúrbios músculo- esqueléticos pularam, naquele país, de 2,1 bilhões de dólares em 1997 para cerca de seis milhões em fins de 1999. Somadas com as lombalgias e outras disfunções fisiátricas, a conta já ultrapassa os 9 bilhões de dólares. Por outro lado existe o poderoso lobby das seguradoras que vêem aumentar seus custos sem poderem repassá-los aos segu- rados de forma mecânica. Quanto a nós, brasileiros, e guardadas as devidas proporções, nada existe que nos poupe de estarmos diante de um quadro no mínimo análogo ao dos americanos do norte. Fadiga Intensidade e dura- ção da atividade física e mental Componentes Psicossomáticos Ritmos Biológicos Ambiente Físico Recuperação Nutrição Dores e doenças Introdução à Ergonomia Página 20 Prof. Mario Cesar Vidal GENTE - Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias CESERG - Curso de Especialização Superior em Ergonomia. A ergonomia tem uma interdisciplinaridade com as ciências cognitivas, mas não é a mesma coisa. As ciências cognitivas tem como foco e objetivo estudar a capacidade e os proces- sos de formação e produção de conhecimento em sistemas em geral, sejam eles naturais ou arti- ficiais (humanos, formigas…) . Já a ergonomia se alimenta de estudos de inteligência natural e busca trazê-los para a tecnologia de interfaces homem-máquina . Figura 7 : Processo perceptivo, cognitivo e motor (Gagné, 1966, modificado por Vidal, 2000) 4.2.2 Utilidade A ergonomia cognitiva tem como assunto a mobilização operatória das capacidades mentais do ser humano em situação de trabalho. Este campo da ergonomia tem como programa mínimo: • Inovações nos equipamentos, sobretudo que no que tange à usabilidade das interfa- ces entre o operador e os equipamentos; • Confiabilidade humana na condução de processos, prevenindo as conseqüências dos erros humanos no controle de sistemas complexos e perigosos; • Otimização na operação de equipamentos informatizados e seus softwares, preve- nindo seu funcionamento inadequado ou bloqueios; • A construção da formação de novos empregados na implantação de novas tecnologi- as e/ou novos sistemas organizacionais; • Estabelecimento e manutenção de sistemas seguros, confiáveis e eficientes de co- municação e de cooperação. A ergonomia cognitiva se subdivide em dois campos: a cognição individual e a cognição coletiva ou social. No campo da cognição individual se reúnem os vários estudos sobre o racio- cínio e tomada de decisão que têm serventia na elaboração de procedimentos e normas operacio- nais. Muitos desses estudos se voltam para a formação profissional, sobretudo nos processos de qualificação e requalificação tão necessários num mundo em sobressalto pela constante introdu- ção de novas tecnologias. No que tange as interfaces, a ergonomia cognitiva tem produzido re- sultados bastante convincentes na engenharia de softwares (amigabilidade) nas interfaces de ins- trumentação e controle (usabilidade). De forma mais ampla as modelagens cognitivas têm possi- bilitado a elaboração de sistemas de controle mais confiáveis. Um bom exemplo da usabilidade de softwares de extrema utilidade são os aplicativos JAVA que identificam os ícones das barras de ferramenta, nem sempre tão evidentes como gostariam que o fossem seus criadores. No entanto os avanços mais recentes têm sido registrado no âmbito da cognição coletiva, especialmente nos sistemas de interconecção de múltiplos agentes. Os sistemas de controle em rede que envolvem a intervenção simultânea de vários operadores comuns, por exemplo no con- trole de trafego aéreo, têm se disseminado em outras situações industriais e de serviços, numa Identificação Memória de curto prazo Memória de longo Prazo Mensagens Regras e registros Interpretação Processo Cognitivo Processo perceptivo DetecçãoSinal Ação Processo Motor Decisão Gestos e movimentos Introdução à Ergonomia Página 21 Prof. Mario Cesar Vidal GENTE - Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias CESERG - Curso de Especialização Superior em Ergonomia. tendência de integração que parece substituir a filosofia de centralização em voga há bem pouco tempo atrás. Esses dispositivos de cognição compartilhada e distribuída têm se revelado bastante mais eficazes para o tratamento de situações anormais e de emergência. Um exemplo disso nos é dado por Pavard e col. (1998) que desenvolveu um sistema de escuta mútua e de bases informa- tizadas para a defesa civil o município de Essonne, na região metropolitana sul de Paris, França. Com este sistema os diferentes agentes - médicos, auxiliares e bombeiros - podem acompanhar chamadas recebidas por qualquer dos colegas e ir tratando coletivamente o problema : enquanto o médico aprofunda informações sobre o estado do acidentado, uma ambulância já é deslocada pelo bombeiro, conquanto o auxiliar providencia uma internação hospitalar adequada ao caso. 4.2.3 Praticidade O grande perigo do campo cognitivo é seu aspecto fortemente abstrato, na medida que não vemos o pensamento em si, mas apenas indícios de sua existência nos atos das pessoas. E por essa mesma razão é um campo fértil para mistificações e deturpações, como um recente co- mercial onde uma empresa apresenta um computador que pensa, numa propaganda enganosa.13 Muitos cientistas e engenheiros buscaram o desenvolvimento de mecanismos e dispositi- vos lógicos capazes de reproduzir esta estrutura em sistemas mais ou menos complexos através de mecanismos de captação de sinais do ambiente (sensores) e dispositivos capazes de produzir as respostas adequadas. Os relativos insucessos dessa corrente chamada de Inteligência Artificial e alguns de seus espetaculares fracassos (explosão da Chalenger, queda do vôo 402 da TAM, etc.) vêm criando uma alternativa que são o desenvolvimento de assistentes, onde os operadores têm a possibilidade de um sistema que os auxilie nas tarefas cognitivas e com isso possam tomar as boas decisões nos momentos certos. Os assistentes mais freqüentes têm sido os bancos de dados iterativos (data mining), como por exemplo os que auxiliam uma busca por palavra chave, ou alguma outra variável de entrada. Na computação gráfica é cada vez mais freqüente o desenvolvimento de programas de assistência à configuração de layouts gráficos. Poderíamos fazer uma longa lista, mas preferimos sublinhar o que esses programas têm tido de positivo no campo da Ergonomia cognitiva: eles aceitaram o fato de que as pessoas têm um pensamento, capacidade de raciocinar e tomar deci- sões, como por exemplo fazer uma escolha entre possibilidades que lhes são ofertadas. 4.2.4 Aplicação Um bom exemplo de aplicação da ergonomia cognitiva nos é dado pelo Prof. Maurice de Montmollin (1991) 14. Imaginemos, por exemplo, um trabalhador diante de um terminal numa refinaria. Seu trabalho consiste em monitorar, através do sistema de instrumentação, o anda- mento do processo de refino e, se necessário, fazer as regulações necessárias, ou seja, acionar os dispositivos adequados, através do sistema de controle. Como uma refinaria não pode parar, ela funciona em turnos de trabalho e não esqueçamos, ali são processados materiais combustíveis de alto risco. O terminal em foco, permite monitorar pela tela de vídeo o processo e agir através de comandos do teclado do terminal. Este trabalhador não está sentado ali, sem fazer nada: ele exerce uma atividade. Ele per- 13 Esta questão merece uma explicação especialista. O aludido programa se baseia numa técnica matemática chama- da de rede neural que consiste numa lógica que transforma uma matriz em outra mediante certas condições. Assim pode-se deflagrar um mecanismo que, uma vez reconhecido um quadro de valores, ordene sua transformação em um outro. Do ponto de vista do processo cognitivo existe aqui tão somente o reconhecimento de um sinal com- plexo e sua transformação numa resposta desejada. Isto não caracteriza um pensamento, mas uma reação com- portamental estímulo resposta, bem ao gosto das teorias do reflexo condicionado de Pavlov. Mesmo sendo um belo avanço tecnológico falar em um computador que pensa é exagerado e extremamente perigoso, se aplicado em sistemas de controle como refinarias, usinas nucleares e outros processos complexos e perigosos. 14 Apropriação livre da passagem introdutória de De Montmollin, M., L'Ergonomie, Editions La Découverte, Co- llection Repères, Paris, 1987. Introdução à Ergonomia Página 22 Prof. Mario Cesar Vidal GENTE - Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias CESERG - Curso de Especialização Superior em Ergonomia. cebe, identifica e interpreta as informações que aparecem no monitor e tenta resolver os proble- mas do processo que aparecem. Por vezes ele comete erros de julgamento, freqüentemente se comunica com outros colegas da sala e de campo. O ergonomista pode aprender, através da aná- lise de sua atividade, muitas coisas sobre os raciocínios empregados por este trabalhador. Ele pode, então, ajudar a melhor apresentar as informações no monitor, a melhor formular os pro- blemas de diagnóstico e de regulação da planta, a conceber uma organização mais condizente com as necessidades de períodos calmos e períodos perturbados, a estruturar uma formação e um treinamento mais adequados, a estabelecer meios e métodos de comunicação entre os diversos operadores. Vamos agora supor um grupo de operadores numa central de atendimento de um cartão de crédito15. E o que dizermos da atividade de controladores de vôo, de mergulhadores em ma- nutenção subaquática, de pedreiros na construção civil. Enfim, sem alguma forma de raciocínio estas pessoas poderiam realizar suas tarefas? Me parece que não. E não poderíamos ajudá-las a raciocinarem em melhores condições? Eis o desafio da ergonomia cognitiva. 4.3 Ergonomia organizacional O campo da ergonomia organizacional se constrói a partir de uma constatação óbvia, que toda a atividade de trabalho ocorre no âmbito de organizações. Esse campo que tem tido uma formidável desenvolvimento é conhecido internacionalmente como ODAM (Organizational De- sign and Management), para alguns significando um sinônimo de macroergonomia. 4.3.1 Caracterização Como já pude assinalar anteriormente (Vidal, 1997), ao se falar de trabalho e organização deve-se distinguir o plano da organização geral da organização do trabalho. A organização ge- ral tem como bases teóricas a teoria das organizações e a logística, buscando especificar a orga- nização produtiva tal como um organismo com vistas à sua atuação no contexto mais geral: soci- al, econômico, geográfico, cultural. A organização do trabalho, se prosseguirmos na metáfora biológica, trata dos aparelhos funcionais internos de uma organização produtiva e que lhe dão sentido motor. Em termos con- cretos o plano é o da troca de energia entre as pessoas da organização, repartidas entre as energi- as de execução e de controle, ou antes, de como estruturam-se os aparelhos para manusear tais energias (Vidal e al., 1976). A idéia motriz é a de compreender as formas como se dá a cada uma das unidades funcionais as disposições necessárias para a consecução das funções que lhes são imputadas pela organização geral e o conceito subsidiário é o estabelecimento de métodos de trabalho. Como conteúdo concreto a organização do trabalho envolve ao menos seis aspectos in- terdependentes, quais sejam: i) A repartição de tarefas no tempo (estrutura temporal, horários, caden- cias de produção) e no espaço (arranjo físico); ii) Os sistemas de comunicação, cooperação e interligação entre ativida- des, ações e operações; iii) As formas de estabelecimento de rotinas e procedimentos de produção; iv) A formulação e negociação de exigências e padrões de desempenho produtivo, aí incluídos os sistemas de supervisão e controle; v) Os mecanismos de recrutamento e seleção de pessoas para o trabalho; vi) Os métodos de formação, capacitação e treinamento para o trabalho. 15 Extraído de pesquisas do GENTE/COPPE (Santos, 1999; Frigeri, 1999) Introdução à Ergonomia Página 25 Prof. Mario Cesar Vidal GENTE - Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias CESERG - Curso de Especialização Superior em Ergonomia. 5 Foco e critérios da ergonomia 5.1 Foco Trabalhar na perspectiva de tecnologia de interfaces resolve o problema básico da ergo- nomia como uma disciplina de síntese e do ergonomista no que tange à sua competência profis- sional. Nos primórdios da disciplina face à ausência desta clareza, muitos ergonomistas se con- fundiram e não sabiam se se transformavam em bons especialistas em pesquisa experimental sobre fatores humanos ou se buscavam fazer avançar a ergonomia no meio industrial e de servi- ços. Muitos não sobreviveram a este dilema e encerraram precocemente carreiras promissoras! No entanto o especialista em interfaces é a pessoa que faz a ponte entre um campo do conheci- mento e outro. Sem ser um especialista em fatores humanos - e existem muitos ma Biomecânica, na fisiologia, na psicologia experimental e mais recentemente no campo da engenharia de siste- mas - tampouco o responsável pela tecnologia ou pela organização, o ergonomista é, no entanto, a pessoa capaz de solucionar a interface. Para isso sua disciplina requer um foco. O foco da ergonomia que sustentamos é o de modificar o sistema de trabalho de forma realista e efetiva. Na verdade tratar-se-á de um processo especialista onde o ergonomista aporta conhecimentos, mas também participativo, onde os diversos saberes técnicos, operativos e de manutenção devem concorrer para implantar uma boa solução. A ergonomia contribui com su- gestões e na condução de um trabalho em equipe trazendo resultados de um estudo da situação e incorporando elementos como os que vimos mais acima. Num estudo ergonômico foi verificado que um operador de gráfica costumava operar uma máquina de impressão adicionando a seu método habitual, um curioso cacoete de colocar a mão sobre a carenagem a cada ciclo de produção. A sistematicidade com que realizava este gesto chamou a atenção dos ergonomistas. Indagado, o operador não soube explicar o porque. Algum tempo depois o próprio personagem procurou a equipe e comentou que buscara realizar um certo número de tarefas sem realizar o gesto e se apercebeu que esta era a maneira com que controlava a temperatura do equipamento e injetava fluido de refrigeração. Esta constatação abriu caminho para uma correção do equipamento que, dado seu tempo de uso, passara a requerer um controle de temperatura que prevenia paradas. Este controle era absolutamente desnecessário segundo o fabricante. Acontecia que o mesmo havia sido projetado para funcionamento em um regime de produção e em ambiente térmico bem diferente desta realidade, que se pautava por uma produ- ção continuada devido à modificações no processo à montante e por utilização em ambiente não climatizado. A partir da observação dos ergonomistas, do aporte do operador, a engenharia de manutenção pôde tomar providências necessárias. Assim resumimos este tópico: o foco da ergonomia é viabilizar mudanças no sistema de trabalho a partir de uma compreensão elaborada da realidade da atividade. 5.2 Critérios para a ergonomia Um professor de engenharia civil ensina aos seus alunos como realizar os quase trinta projetos distintos necessários para construir uma edificação : projeto hidráulico, de instalações elétricas, cobertura, estrutura, vedação. estanqueidade, etc. Nós, ergonomistas porém não dispo- mos de uma lista tão completa, e nem poderíamos! As formas organizacionais mudaram da linha de montagem para o grupo semi-autônomo, as bases tecnológicas dos processos mecânicos para a informática e a mecatrônica, as opções gerenciais de macroestruturas corporativas para redes terceirizadas. Em outras palavras a tecnologia de interfaces que a ergonomia tem como referente concreto de sua produção deve necessariamente acompanhar a evolução tecnológica e organiza- cional. E neste mister forçoso é de se reconhecer que vivemos uma época não necessariamente monótona ! Deste modo as necessidades de ergonomia se ampliaram, uma vez que os campos da Cognição e da Organização não têm crescido em detrimento do campo físico, mas em comple- mento e extensão dessa problemática mais evidente. No meu modo de ver, a ergonomia caminha Introdução à Ergonomia Página 26 Prof. Mario Cesar Vidal GENTE - Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias CESERG - Curso de Especialização Superior em Ergonomia. para a constituição de corpos de especialistas tal como a medicina e a engenharia experimenta- ram num dado momento de sua história. E isto leva a uma grande dificuldade de estabelecer princípios universais, sistemáticas e procedimentos únicos. Naturalmente poder-se-ia questionar o exagero desta colocação dizendo que, como em toda profissão de objetivo diagnóstico, analítico ou de intervenção - me inspirando na medicina clínica, laboratorial e cirúrgica - o importante não é tanto dispor de uma sistemática, um proce- dimento hiper-estruturado, mas ter assentado princípios e conceitos que permitam levar ao deli- neamento destes sistema em projeto. Muito bem, quais os princípios, quais os conceitos a serem ventilados ao longo de um projeto de interfaces em um sistema de trabalho? Essa discussão será aprofundada, do ponto de vista conceitual, em outras disciplinas. Por ora nos cabe insistir que o emprego de critérios a principio contraditórios como conforto e efici- ência, ou interdependentes como saúde e segurança, ou ainda derivados uns dos outros como adequação e usabilidade, apenas sublinham o caráter de síntese da ergonomia, necessário para que seja útil - tenha serventia para os projetos tecnológicos e organizacionais - prática - tenha pertinência aos problemas que tratar - e aplicada - que tenha embasamento científico inequívoco. Trabalhar com os critérios da ergonomia – conforto, segurança, eficiência, confiabilidade e usabilidade - é uma função progressiva, na medida em que todo processo inseguro, passa ante- riormente por um estágio de ineficiência e esta é precedida de uma situação de desconforto. A premissa da ergonomia está em que a ação que visa assegurar um mínimo de conforto nas opera- ções estará realizando prevenção primária tanto a nível de saúde ocupacional como de eficiência produtiva. O caso mais latente é o das doenças ocupacionais neuromusculares, conhecidas popular- mente como L.E.R. Esta enfermidade somente aparece como crise após um longo período de maturação. Neste estágio ela é praticamente incurável e poucas providências podem ser tomadas. No entanto muita coisa pode ser feita nos estágios iniciais, adequando instrumental, mobiliário e procedimentos. O critério de conforto aplicado, evita que haja baixa de eficiência, com o agra- vamento do quadro clínico do trabalhador e com isso se previne o absenteísmo (por doença ainda não declarada) que significa perda de homens-hora. E o mesmo processo irá evitar o afastamento médico que custa à empresa – e cujo reconhecimento pelo INSS está limitado aos casos mais agudos, traduzindo por um período de alternâncias entre licença e repouso bastante longo e pre- judicial para todos. Afinal, tal como é entendido legalmente no Brasil, a função da segurança é prevenir acidentes e doenças - esse sendo exatamente um dos pontos de atrito entre engenheiros de segurança e médicos do trabalho. 6 Ação ergonômica A ação ergonômica é um conjunto de princípios e conceitos eficazes para viabilizar as mudanças necessárias para a adequação do trabalho às características, habilidades e limitações dos agentes no processo de produção de bens e serviços. Nesse sentido, a ação ergonômica: • parte dos fundamentos da ergonomia: ou seja, dos diversos conhecimentos sobre as ca- racterísticas, habilidades e limitações da pessoa humana envolvida num processo de produção – o que constitui o campo da ergonomia física, onde se estabelece uma visão do operador e de seu posto de trabalho como unidades elementares do sistema de traba- lho; • se alimenta da abordagem cognitiva do trabalho: ou seja das diversas modelagens sobre a natureza e o processo de tomada de decisão individual e coletiva que requer a execu- ção das atividades de trabalho - o que constitui o campo da ergonomia cognitiva onde o trabalhador é concebido como um agente competente e organizado num sistema de pro- dução • se estabelece com foco na organização do trabalho: ou seja busca descrever as ativida- des de trabalho como uma resposta do operador às exigências da produção – o que Introdução à Ergonomia Página 27 Prof. Mario Cesar Vidal GENTE - Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias CESERG - Curso de Especialização Superior em Ergonomia. constitui o campo da ergonomia situada, onde se modela a organização baseada na ati- vidade e, mais ainda, qual o lugar da modelagem da atividade na concepção da organi- zação. • se conduz na perspectiva da avaliação custo-efetividade: ou seja, busca ao longo da ação avaliar o custo e o retorno propiciado pela Ergonomia para a organização - o que cons- titui o campo da macroergonomia. • produz resultados a nível de negócios: ou seja, busca inserir as necessidades de mudan- ças estabelecidas nos campos clássicos, cognitivos e situados numa perspectiva maior da estratégia e da organização da empresa, suas contingências e de mudanças de cultura da organização – o que constitui o campo da antropotecnologia onde se constrói uma engenharia simultânea de produto, de processo e de gestão da produção centrada na ati- vidade de trabalho. Figura 9 : as diferentes e complementares ergonomias Nos termos contemporâneos da ergonomia estaremos olhando para o operador – indivi- dualmente ou em coletivo – como uma pessoa que realiza sua atividade em situação de trabalho socialmente determinada. A pergunta chave da ação ergonômica é portanto: Naturalmente, a resposta não é simples nem imediata, requerendo de todos aos que se de- diquem a respondê-la uma postura aberta e dinâmica. Por ora, assumiremos que a ação ergonô- mica é um processo ao mesmo tempo: • construtivista - dando destaque às singularidades e demais características dife- renciadoras de cada caso onde se busque conseguir realizar mudanças e trans- formações; • participativo - no sentido possível da realidade de cada organização, de sua rea- lidade social e de suas múltiplas micro-sociologias reais; • consensual - onde as verdades se pautam por convergência de pontos de vista, buscando administrar o impacto das revelações possíveis e argumentar sobre as realidades e materialidades inequivocamente apresentáveis: A ação ergonômica não é uma venda de produtos, mas o atendimento à demanda do cli- ente de se dotar de tecnologia física ou gerencial para resolver seus problemas. Para realizar este trabalho de articulação dos talentos, competências e experiências existentes na organização com os saberes e práticas que aporta em sua consultoria, o consultor de ação ergonômica escuta a como transformar as situações de trabalho em nossa sociedade? Posto de Trabalho Situação de Trabalho Contexto da Atividade Realidade Antropotecnológica: Tecido Industrial, Geografia Humana, História, Cultura Introdução à Ergonomia Página 30 Prof. Mario Cesar Vidal GENTE - Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias CESERG - Curso de Especialização Superior em Ergonomia. de verificação, métodos alternativos e criativos para responder a situações ou passagens inusita- das e com soluções que incorporem tanto as recomendações do diagnóstico situado como as dos manuais de fatores humanos. O importante, na intervenção é chegar à tomada de providências úteis, práticas e aplicadas ao caso. A intervenção de produção não necessariamente significa uma mudança física, mas pode ser um parecer que fundamente uma opinião ou uma atitude. Numa ocasião fomos chamados para periciar um acidente, onde um trabalhador de uma usina de álcool havia sofrido uma queda do alto da coluna de destilação. A primeira avaliação – a nosso ver simplória – era de que aquele trabalhador havia cometido um ato inseguro pois nada teria que fazer naquele local. Ocorria, no entanto que o processo de destilação é catalisado mediante a adição de uma pequena quantidade de enxofre. Esse procedimento, embora eficaz e responsável pelo bom aproveitamento químico, não era formalizado e portanto a cada vez que a destilação apresentava tendência de queda, um dos operadores escalava a coluna da usina e fazia o acréscimo de enxofre. A queda ocorreu num dia chuvoso decorrente de um escorregão, mas não se tratava de ato inseguro, mas de uma ope- ração do processo – informal, certamente – mas que não havia sido devidamente aparelhada. Nosso parecer ao mesmo tempo desqualificou a noção de ato inseguro, como apontou a necessi- dade de dotar esta operação dos acessos adequados: escada, plataforma de trabalho, roldana para subida do insumo, enfim um conjunto de providências de relativo baixo custo, além da incorpo- ração formal do procedimento na equação química do processo. 6.2.2 Ergonomia de concepção A ergonomia de concepção pode ser sintetizada como a elaboração, com base na Ergo- nomia de novos produtos, processos, métodos de trabalho ou sistemas informatizados. De acordo com o caso a concepção servir-se-á de métodos e modelagens de produto ou produção. Entre- tanto quando se trata de ergonomia de concepção, as demandas se apresentam de forma bas- tante menos nítida. A possibilidade de projetar uma nova sala de controle ou uma nova planta ou novo escritório sempre é acompanhada do desejo de que outras mudanças ocorram - tecnologia mais moderna, nova filosofia de trabalho, etc. Todas estas vontades, legítimas ou não, acabam tendo influência decisiva sobre os processos de trabalho, sobre a atividade das pessoas e isso quer dizer: impacto ergonômico a ser avaliado, e é nisso que se constitui um dos capítulos da Ergonomia de concepção. Diríamos, para manter uma coerência metodológica que um dossier de concepção é, em geral, de difícil instrução da demanda e de grandes problemas para a imple- mentação de soluções, dado que os problemas anunciados ainda não se materializaram, como no caso de uma intervenção. Por outro lado os projetos de arquitetura, instalações prediais e os comissionamentos de- vem ser feitos e para isso a ergonomia pode contribuir bastante. Um bom exemplo foi o caso de comissionamento de um equipamento de alta tecnologia para uma organização. Durante o processo de aquisição do equipamento fomos verificar o fun- cionamento deste mesmo tipo de equipamento já instalado e operando em uma outra organiza- ção. Na situação observamos que o local era dotado de condicionadores de ar de parede impli- cando em uma maior taxa hidrotérmica. Ali havia sido instalado um equipamento acessório para retirar a umidade do ar, posto que o equipamento para ter seu rendimento compatível com os indicadores do fabricante necessitava permanecer em uma dada temperatura e com a umidade relativa do ar dentro dos parâmetros prescritos. Numa conclusão apressada estaríamos tentados a recomendar a implantação do desumidificador, no entanto, este acessório emitia um grande ruído no ambiente, fato relatado pelos operadores e que nos chamou atenção visto que o ruído atrapa- lhava o desempenho da equipe. No entanto as condições de implantação em nossa organização eram diferentes, pois veri- ficamos que devido a existência de climatização central desumidificada o equipamento poderia funcionar perfeitamente sem o desumidificador. Eis um exemplo concreto onde a importação de Introdução à Ergonomia Página 31 Prof. Mario Cesar Vidal GENTE - Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias CESERG - Curso de Especialização Superior em Ergonomia. experiências poderia ter tido conseqüências indesejadas. Ademais, o acessório instalado na outra organização não era provido de instrumentação para mensuração da umidade retirada do ar comprometendo o controle do funcionamento do equipamento dentro de suas especificações. Assim sendo, todo o sistema homem-máquina estaria sendo prejudicado: os operadores pelo ruí- do excessivo e o equipamento por permanecer em condições hidrotérmicas sub-ótimas. 6.3 Ergonomia de correção, enquadramento, remanejamento e/ou modernização Agindo no produto ou na produção, na concepção ou intervenção, admite-se quatro finali- dades de ação a saber: a) pode significar a adoção de padrões e parâmetros previamente estabelecidos a partir de um caderno de especificações, ou ergonomia de enquadramentos, b) uma mudança limitada no existente a partir de uma análise inicial , caso de uma ergo- nomia de correção; c) pode estar inserida num processo de mudanças mais ou menos amplas do existente, caso de uma ergonomia de remanejamento; d) ou finalmente se este remanejamento se dá num contexto de mudança na base técnica do processo de produção (por exemplo automação), caso que chamaremos de ergono- mia da modernização. Em cada um destes casos a postura do ergonomista se ajusta às circunstâncias. Os enqua- dramentos podem significar, num dado momento, a única forma de ação possível, mas é certa- mente a de menor efeito a médio prazo; as correções se dirigem aos casos onde as distorções sejam insuportáveis e ainda assim nos limites das possibilidades; os remanejamentos abrem al- guma possibilidade maior, embora as restrições ainda sejam consideráveis. No entanto as mo- dernizações somente se tornarão favoráveis dependendo de sua forma de condução e de como o profissional consegue colocar seus argumentos de mudanças. 6.3.1 Enquadramentos Os enquadramentos visam ao atendimento a uma normatividade, um padrão a ser aten- dido, seja ele estabelecido internamente à empresa, por exemplo, num programa de qualidade, reestruturação, ou melhoria de processos seja ele deliberado pelo nível estratégico, imposto por alguma disposição legal ou pressão de algum acordo com os trabalhadores e/ou suas entidades representativas. São demandas muito freqüentes. Algumas vezes e dependendo de como o enquadra- mento foi projetado e conduzido em termos de análise, desenvolvimento e implementação, este trabalho abre caminho para uma demanda de correção. Um exemplo de enquadramento nos é dado por um grande banco, onde todo o mobiliário das agências foi reconstituído a partir de uma especificação ergonômica e que hoje atinge a quase totalidade das dependências daquela organi- zação. 6.3.2 Correção Corrigir significa reconhecer um erro seja ele de projeto ou de decisão de investimento. Um erro de projeto é difícil de ser trabalhado sobretudo quando os projetistas estão presentes; na melhor das hipóteses trata-se de uma mudança apenas cosmética que incidirá sobre artefatos mais facilmente mutáveis - em geral mobiliário, quase nunca sobre o dispositivo técnico - um pouco sobre mentefatos aceitáveis - algumas rotinas e procedimentos, desde que muito bem ar- gumentados, e aí existe algum interesse dos modelos esquemáticos de engenharia de métodos - e pouquíssimo ou nada sobre sociofatos - a organização e a estrutura de relacionamento e poder na organização, aí incluindo a organização do trabalho. No entanto, pode vir a ser uma situação Introdução à Ergonomia Página 32 Prof. Mario Cesar Vidal GENTE - Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias CESERG - Curso de Especialização Superior em Ergonomia. didática por excelência, abrindo caminho para, no futuro, seja feito algo mais profundo, como, por exemplo, um remanejamento. 6.3.3 Remanejamentos Nos remanejamentos a necessidade de mudança existe e pode ser facilmente captada. É a situação quase ideal para a engenharia : possibilidade de inovações e criatividades num con- texto onde várias restrições existem e são manifestas. O espaço projetual é amplamente delinea- do e poder-se-ia sonhar com uma avaliação da eficiência do projeto no estágio de plantas, es- quemas e memórias de cálculo. Um bom desempenho neste nível permite sonhar mais alto e pensar que seja possível encarar um desafio maior, um projeto de modernização. De forma geral a situação de remanejamento pode ser sintetizada no seguinte lema: aproveitar as mudanças para corrigir defeitos antigos. Uma experiência cuidadosamente histori- ada no banco de dados da empresa tem aqui sua maior utilidade, na medida em que um estudo destes pode ser bem aproveitado no projeto de remanejamento – mesmo que os projetistas ainda não o tenham percebido. Aliás, cabe ao ergonomista saber se posicionar neste momento, o mes- mo valendo para aqueles a quem a ação ergonômica irá beneficiar: os trabalhadores, mas tam- bém gerentes e supervisores a quem o enriquecimento propiciado pela modelagem ergonômica é de grande utilidade. Numa reforma de instalações de um escritório foi idealizada a construção de um mezani- no. Neste momento, lembramos o problema da manutenção da climatização, que implicava em sério transtorno dado que os aparelhos estavam instalados em janelas a mais de 4.50m do piso. Com o histórico de manutenção e a lembrança dos dissabores, ao mezanino foi acoplada uma passarela para facilitar o acesso aos aparelhos. Com isso além da facilidade de retirada do equi- pamento, a própria limpeza de filtros pôde ser realizada mais amiúde contribuindo com isso para a melhoria da qualidade do ar naquele ambiente. Ademais, o método antigo requeria um efetivo de três homens, o que sempre retardou o atendimento. 6.3.4 Modernização Já numa demanda de modernização as mudanças existem de forma ampla e extensa (quer dizer em abrangência e profundidade) e de tal forma que muitas pessoas se assustam com os rumos que este processo de transformação vai tomando e passa a ocorrer uma certa polariza- ção entre os que tentam aprofundar e os que tentam refrear a marcha dos acontecimentos. Podemos catalogar pelo menos três processos de modernização da base técnica, por so- fisticação, por especialização genética e por aglutinação lógica (Vidal, 1978). A modernização por sofisticação ocorre quando a estrutura e forma da base técnica é a mesma, modificando potência e eficácia de componentes. Um exemplo típico é a mudança de um micro de uma série inferior para uma plataforma mais atualizada. Para a manutenção este tipo de mudança é, em teoria, quase sempre benéfico dado que o sistema apresentaria um melhor desempenho operacional sem grandes modificações a nível estrutural. No entanto outros setores como o treinamento, o almoxarifado têm milhares de argumentos contrários à informatite aguda e suas constantes “necessidades inadiáveis de atualização”. Os modelos ergonômicos, nesse caso, ajudam bastante a realizar atualizações criteriosas. A modernização por especialização genética se dá quando um dispositivo dá lugar a dois ou mais dispositivos cuja aglutinação reproduz com ganhos a função da matriz genética. Assim o desenvolvimento de um equalizador, a partir dos controles de tonalidade de um amplificador comum permitiram um ganho de qualidade nos sistemas de reprodução sonora. Se do ponto de vista operacional há ganhos, do ponto de vista de manutenção o número de equipamentos a ins- pecionar aumenta e nem sempre a base técnica permanece a mesma. Modernização por aglutinação lógica é um processo simétrico à especialização genética; aqui dispositivos são combinados para dar origem a um componente geralmente mais compacto, sendo o exemplo mais conhecido o circuito integrado e mesmo o chip, que são estruturas que
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