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Guias e Dicas
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Tambores de Angola - Angelo Inacio - Robson Pinheiro, Notas de estudo de Bioquímica

Tambores de Angola - Angelo Inacio

Tipologia: Notas de estudo

2012

Compartilhado em 12/05/2012

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danilo-dalla-vecchia-rocha-4 🇧🇷

4.7

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Baixe Tambores de Angola - Angelo Inacio - Robson Pinheiro e outras Notas de estudo em PDF para Bioquímica, somente na Docsity! qr E e MENSAGEM DO AUTOR ESPIRITUAL Volto à ativa novamente. Se bem não tenha dado ao luxo de ficar na inércia deste lado de cá. Aqui, igualmente, as notícias fazem ibope. Porem a temática é outra, que não aquela costumeira da velha Terra . Os outros defuntos que compartilham comigo desta ventura quase nirvânica de viver deste lado do véu fazem também a “sua” notícia. Hoje, porém, tentarei falar de assuntos um pouco diferentes daqueles aos quais emprestara a minha pena quando metido nos labirintos da carne. Como vê, meu caro, se abandonei aí o paletó e a gravata de músculos e nervos, conservei, no entanto, o jeito próprio do escritor e repórter, agora, porem, radicado em “outro mundo”, quando dizia quando estava aí. O bom agora é que não me sinto mais escrever àqueles velhacos de colarinho engomado, que nos julgam pela forma ou gramática, de acordo com os ditames das velhas academias da Terra. Igualmente, não tenho a obrigação, deste lado do túmulo, de me ater aos rigores das convenções dos escritores terrenos. Estou mais solto, mais leve e mais fiel aos fatos observados. Embora conserve os domínios de mim mesmo, a minha distinta e preciosa individualidade de morto-vivo metido à repórter e escritor do além, resolvi, por bem daqueles que me guardam na memória, adotar um pseudônimo para falar aos amigos que ficaram do lado de lá do rio da vida. Assim sendo, meu caríssimo, enquanto emprestava sua mão para grafar meus pensamentos, que, desafiando todas as expectativas de meus colegas de profissão, teimam em continuar constantes, sem ser interrompido pela morte ou lançado às chamas do inferno, empresto-lhe igualmente as minhas pobres experiências, compartilhando com você um pouco das histórias que almejo levar ao correio dos defuntos e dos que se julgam vivos. Creio que será proveitoso para ambos, o momento em que estaremos juntos. No mínimo, sentirei mais de perto o calor das humanas vidas, enquanto você experimentará mais intensamente a presença de um fantasma metido à repórter e comentarista do além-túmulo. Despeço-me, para breve retornar. Com o carinho de um amigo, Ângelo Inácio http://livroespirita.4shared.com/ forma e por motivo ignorado se livrar dele, tomar o seu lugar no emprego ou intervir em sua vida. A psicose foi a tal ponto que mesmo em relação aos familiares pensou sofrer perseguição. Não adiantavam os conselhos da mãe, e as sessões com o psicólogo já haviam terminado, sem se obter algum resultado mais definido. Seguindo o conselho de “amigos”, começou a freqüentar lugares de suspeita moral, entediando-se com as aventuras sexuais, que, de pronto, tornaram sua vida um tormento ainda maior. Foi justamente a partir de tais aventuras que a problemática começou a piorar. _ Erasmino! Erasmino! Eram sussurros. A princípio distantes e depois mais constantes, em casa, no trabalho ou nas tentativas de diversão. A noite parecia ouvir vozes que chamavam pelo seu nome. O desespero aumentou quando, determinado dia, ao levantar-se, deparou com um vulto de homem prostrado à entrada de seu quarto. A visão se apresentava aos seus olhos estupefatos como sendo de um senhor idoso, todo envolto em roupas esfarrapadas e apresentando os dentes podres, em estranho sorriso emoldurando o rosto. Percebeu ainda, antes de desmaiar, o mau cheiro que exalava da estranha aparição, causando-lhe intenso mal-estar. Entre imagens de pesadelo e da realidade, pôde perceber-se em ambiente diferente de onde se encontrava o seu corpo físico. Parecia algo familiar. Não era tão desagradável na aparência, aquele lugar. As impressões estranhas que sentia vinham de algo que pairava no ambiente, talvez da atmosfera local. Em meio a vapores que envolviam sua mente, quem sabe do próprio lugar onde se encontrava, percebeu estranha conversa. Sentado em uma cadeira de espaldar alto, um espírito estava com alguém que lhe parecia de certa forma familiar. _ Nós o queremos exatamente como se encontra. Sua mente está confusa e não acredita muito em nossa existência. Aos poucos vamos minando-lhe as resistências psicológicas, e o caos estabelecer-se-á. Gargalhadas foram ouvidas naquela situação e paisagem mental em que se envolvera. Tal pesadelo parecia não ter fim, quando se sentiu atraído ao corpo pelos gritos de alguém. Quando acordou, secundado pelos familiares aflitos, resolveu contar todo o tormento que vivia há alguns meses. _ Procurei médicos, psicólogos e até já fiz uso de alguns medicamentos, mas tudo foi em vão, nada surtiu efeito. Acredito que esteja louco, ou alguma coisa semelhante... _ Que é isso, meu filho? – Falou à mãe que tudo ouvia, desconfiada. _ Parece até caso de mediunidade – aventurou a irmã. Erasmino levantou-se furioso com as duas, pois não admitia a hipótese de alguma interferência espiritual, a tudo julgando como produto de sua própria mente. Por mais que procurasse a causa dos males que o acometiam, não conseguia uma explicação lógica, racional. Os dias se passaram, e o clima era de intranqüilidade entre os familiares, devido à atitude de Erasmino para com sua irmã. A tensão se estabelecera, em razão das dificuldades em solucionar o caso, que a cada dia parecia mais e mais complicado. Novamente estava em casa, desta vez preparando-se para sair com alguns amigos, quando, ao entrar na sala, estranho mal-estar o dominou. Parou entre os umbrais da porta. Os amigos, que naquela ocasião já sabiam o que vinha ocorrendo, ampararam-no, conduzindo-o para o sofá, providenciando uma bebida para que ingerisse, tentando amenizar a situação. O efeito da bebida foi como uma bomba. Imediatamente tudo girou à sua volta, e um torpor o invadiu de imediato, levando-o quase à inconsciência. Começou a gaguejar, não conseguindo coordenar as idéias que lhe afluíam à cabeça. Num misto de pavor e desespero, por desconhecer o que se passava com ele, tentava impedir que sua boca emitisse palavras que já não dominava mais. O transe estabelecido, ouviu sair de sua própria boca, com entonação diferente da que lhe era própria, as palavras nem tanto corteses: _ Miseráveis, miseráveis!!! – falava com estranha voz – eu o destruirei, eu farei com que repare o mal que me causou – continuava falando, transtornando a todos, que ouviam estarrecidos a voz diferente que saia de sua boca. _ São todos covardes, tem medo de mim; não sabem o que pretendo nem quem eu sou? – continuou a falar à voz que fazia uso de suas cordas vocais, causando o desespero da família e dos amigos, que tentavam em vão chamá-lo pelo nome, pretendendo acorda-lo do transe, sem ao menos saberem o que se passava. Depois de muitas tentativas, prostrou-se, finalmente, ante os olhos aflitos de sua mãe e de sua irmã, eu eram atendidas pelos amigos. Olhos esbugalhados, Erasmino chorava como criança, pois conservara a plena consciência do ocorrido, não conseguindo, no entanto, coordenar as palavras que lhe saiam da boca. O que ocorreu depois foi um verdadeiro interrogatório, que os amigos lhe faziam, enquanto a Sra. Niquita, sua mãe, corria chamando a vizinha para auxilia-la, pois nunca vira o filho em situação semelhante. _ Sabe, D. Niquita, eu queria muito lhe falar desde há alguns dias, mas a senhora não me dava oportunidade. _ Eu não sei o que está acontecendo com meu filho, D. Ione, ele está muito diferente, mas o que ocorreu agora foi o máximo que eu poderia agüentar. Eu tenho medo do meu próprio filho. Imagine, como posso conviver com tudo isso? È tudo tão estranho que não me restou outro jeito senão recorrer a sua ajuda – falou, chorando. _ A senhora tem que ter muita fé, pois o caso de Erasmino pode ser muito difícil. Eu acho que ele é médium e tem que desenvolver; por isso, ele está levando couro dos espíritos. Olha, eu sei de casos em que a pessoa até chegou a ficar louca, por não obedecer aos guias. É um caso muito sério. _ Mas o que eu posso fazer para ajudar o meu filho? Ele não sabe mais o que fazer para ficar livre do problema. Está desesperado. _ Faz assim, eu hoje vou lá na sessão de Mãe Odete e falo com ela, quem sabe ela pode nos ajudar? Mais tarde, então, nós duas vamos lá e conversamos com ela juntas, talvez até Erasmino nos acompanhe e faça um tratamento lá no centro. _ Você freqüenta esse tipo de lugar? Como você nunca me falou nada? _ E a senhora não sabe? Eu sou médium de berço, e olha que Mãe Odete me disse que eu sou daquelas bem fortes e que os meus orixás trabalham nas sete linhas. _ Mas o que significam essas sete linhas? Eu não entendo nada disso. _ Olha D. Niquita, eu também não entendo direito o que é isso, não, mas que é verdade, é, pois Mãe Odete é pessoa muito respeitada no meio e ela não iria mentir para mim. Agora, cá pra nós, a senhora podia ir conversando com Erasmino, enquanto eu falo com minha Mãe de Santo, tentando convencê-lo a ir fazer uma visita lá no terreiro. Assim, quem sabe ele melhora... Foi providencial o caso ocorrido com Odete e Ione. Muitas vezes, circunstancias adversas são emissárias de oportunidade de acerto encaminhadas às vidas das pessoas. Algumas investidas das sombras, ao invés de atrapalhar, costumam ser revertidas em benefícios, conforme as circunstancias. UM RECURSO DIFERENTE Estávamos visitando um determinado posto de socorro deste lado da vida, em tarefa de estudo, quando nos foi permitido participar da equipe que ajudaria no caso de Erasmino. Tentaríamos algo, visando ao reeqüilíbrio do rapaz, que era tutelado por bondosa entidade, que fora sua avó na existência física. Há muito desejávamos fazer estudos a respeito da obsessão e essa era a oportunidade que sempre quisemos ter. Não a perderia em hipótese alguma. Demandamos o lar de D. Niquita com a curiosidade que me era característica, desde que me entendia por gente sobre a Terra, se bem que continue sendo “gente”, embora outra tem sido a minha residência nessa nova etapa da vida em que me encontro. Sou agora uma alma do outro mundo, arvorando-se em comentarista e repórter do além e do aquém, fazendo suas observações, não como o fazia na crosta, mas agora sob uma nova ótica. A ótica espiritual. Encontramos a casa de D. Niquita em intensa agitação, naquela tarde de sábado. A vizinha D. Ione, estava convencendo Erasmino a participar de uma sessão de terreiro, juntamente com duas amigas suas, pessoas extremamente místicas e com argumentos. Diante do desespero de todos, a sugestão foi aceita imediatamente, na esperança de resolver o problema de uma vez por todas. O companheiro Arnaldo, que conduzia nossa equipe espiritual, falou-nos, sempre com sabedoria: _ Estamos diante de um caso muito delicado e que requer firmeza por parte dos envolvidos. O nosso irmão Erasmino necessita urgentemente receber auxilio para o seu equilíbrio espiritual. Encontra-se abatido psicologicamente e dessa forma, torna-se presa fácil nas mãos de seu verdugo do passado, que apenas espreita o momento ideal para desfechar o golpe infeliz que poderá levar o nosso amigo à loucura definitiva. É necessário no entanto, que respeitemos os posicionamentos da família e principalmente o de Erasmino, esperando que ele tome uma posição mais decidida e crie ambiente mental propício para que possamos interferir em seu beneficio. _ Mas o que você acha a respeito da tentativa da mãe e da vizinha de conduzi-lo a um terreiro de umbanda, para resolver o problema? _ Tentaremos auxiliar como pudermos, conscientes de que a bondade divina se manifesta conforme os instrumentos de que dispõe para trabalhar. Não é pelo fato de ir a um terreiro de umbanda que o nosso irmão não será atendido convenientemente. No seu caso, talvez necessite realmente de um choque com vibrações mais intensas para acordar para os problemas da vida. Observemos primeiro e depois ajuizaremos quanto à forma de auxiliar o companheiro. _ Mas não seria mais conveniente induzi-los a procurar um centro de orientação Kardecista, em vez de um terreiro? – perguntei curioso. _ Nos terreiros umbandistas encontramos igualmente os recursos necessários para atuarmos junto aos nossos irmãos. Conheço pessoalmente espíritos de extrema lucidez que militam junto aos nossos irmãos umbandistas, no serviço desinteressado do bem. Os problemas que às vezes encontramos não se referem a Umbanda propriamente como religião, mas à desinformação das pessoas, ao misticismo e à falta de preparo de muitos dirigentes, o que alias, encontramos igualmente nas casas que seguem a orientação Kardecista. Não se devem confundir as pessoas mal intencionadas, os médiuns interesseiros com a religião em si. Em qualquer lugar onde as questões espirituais são colocadas como uma forma de se promover, tirar proveito ou manipular a vida das pessoas, envolvendo o comercio ilícito com as esferas invisíveis, ocorre desequilíbrio e é atraída a tenção de espíritos infelizes. A Umbanda inspira-nos profundo respeito pelos seus ideais; trabalhemos para que alcance um grau de entendimento maior das leis da vida e que os seus orientadores espirituais encontrem medianeiros que lhes entendam os propósitos iluminativos. Deixemos de lado quaisquer preconceitos e tentemos auxiliar como pudermos. Calei-me ante as palavras do companheiro espiritual e comecei a rabiscar algumas anotações que se pareciam de grande utilidade. Acredito que, a partir daquele momento, eu havia começado a ter uma nova visão do que se chamava de mistérios da Umbanda e minha visão da vida começava a modificar-se. Estava acostumado a determinados pontos de vista e me fechava a outras formas de manifestações religiosas que não aquela que conhecera como sendo a verdadeira. Antes de desencarnar eu tivera contato com a Doutrina Espírita e por influencia de um amigo, pude beber-lhe dos ensinamentos que afinal, muito me auxiliaram quando cheguei aqui, deste lado. Mas no Brasil, existem outras expressões religiosas que tem como base o mediunismo e foi a partir dessa experiência que resolvi ditar algo a respeito. Quem sabe outros como eu, embora a boa intenção não se conservavam com o pensamento restrito, julgando-se donos da verdade? E quem sabe não desconheciam a verdadeira base da Umbanda, como também a de outros afros e por isso mesmo os julgavam ultrapassados, primitivos ou coisa semelhante? Afinal, eu não poderia deixar passar aquela oportunidade que para mim, seria de intenso trabalho e aprendizado e quem quisesse poderia se beneficiar de alguma forma com os meus apontamentos. Afinal, eu não havia deixado na sepultura a minha vontade de aprender e a minha curiosidade, às quais devo os melhores momentos que tenho passado no meu mundo de além. O final de semana transcorreu com a família de Erasmino muito preocupada quanto à melhora dele, pois ainda não conseguira sair do abatimento a que se entregara. Chegamos próximo à cama onde ele se encontrava, perdido em suas preocupações intimas e Arnaldo convidou-me a observar com atenção a região cerebral de Erasmino. Acheguei-me por detrás dele e o que vi era um misto de beleza e terror. Seu cérebro parecia uma usina elétrica com imensas reservas de energia que brilhavam em cores variadas, à semelhança de luzes multicoloridas na noite de uma cidade grande. Mas, enlaçada no córtex cerebral, uma rede tenuíssima de filamentos fluídicos estava presa como se fosse uma teia de aranha que pulsava, envolvendo o centro cerebral, variando a sua tonalidade entre prateado e negro. Assustado e ao mesmo tempo maravilhado com o que observava, olhei para Arnaldo, que me socorreu imediatamente com a explicação: _ O nosso amigo encontra-se sob a influencia de entidade espiritual que, de certa forma, entende de métodos de influenciação mais aperfeiçoados no campo do magnetismo. Essa malha magnética que envolve o córtex cerebral é responsável pelas imagens mentais que o atormentam constantemente, além de promoverem a recordação constante de situações vividas em seu passado espiritual, apesar do cuidado de seus verdugos desencarnados para que isso se dê de forma lenta causando o sentimento de angustia e os ataques de depressão, inexplicáveis para os médicos e psicólogos que o atenderam. Mas não é somente isso que o atormenta. Observe com mais detalhe o companheiro. Agucei mais a visão espiritual e pude perceber que da rede magnética partiam delicados fios, invisíveis para os encarnados, que se juntavam na região do plexo solar e se uniam aos feixes de nervos, alastrando-se em varias regiões do sistema nervoso. Além elevação espiritual. Não mais continentes a serem descobertos, nem paises a serem conquistados, mas um mundo todo diferente em se tratando da matéria que o constitui. E falamos “matéria” porque aqui também a encontramos, mas vibrando em estados diferentes da matéria física. Pode-se, quem sabe, chamá-la de anti-materia, anti-atomo, anti-eletron. Mas o que importa não são as denominações ou os vocabulários já há muito obsoletos com referencia às manifestações da vida no universo, mas a realidade desta mesma vida eu, para nós, os desencarnados ou os defuntos como somos muitas vezes chamados aí pelos colarinhos engomados – segue sempre sendo um mundo vibrante com suas construções forjadas na matéria sutil do nosso plano ou dimensão. Essas construções encontram-se espalhadas por muitos lugares do Plano Astral e muitas vezes se justapõem às construções físicas que vocês fazem aí. Esse prédio que avistamos fugia ao que comumente se espera de uma construção desse tipo, utilizada para a finalidade que seus habitantes desencarnados o usavam. Geralmente se espera que espíritos atrasados habitem regiões negras com cheiro ácido e com muita sujeira, o que refletiria seu estado íntimo de desequilíbrio. Mas até eu me enganei. Embora a paisagem externa não perdesse para as melhores descrições de Dante, em sua “Divina Comedia”, a imponência do prédio desafiava os melhores arquitetos da Terra e a perfeição de seus detalhes certamente faria inveja aos amantes das aparências exteriores. Com a presença de Arnaldo, segui atrás de Erasmino, que se dirigia para o que se poderia chamar de andar térreo do portentoso edifício. Não sabia direito para onde nos dirigíamos quando Arnaldo veio com a explicação. _ Não se preocupe, estamos sob o abrigo do bem. Aqui neste prédio posso afirmar que estudam as mesmas forças e energias que nós estudamos. Entretanto, empregam-nas em sentido contrario. A nossa presença não será percebida, pois mesmo sendo desencarnados como nós, os seus habitantes e trabalhadores, se assim podemos chamá-los estão com as mentes embotadas por vibrações infelizes, especializando-se em formas de ataques mentais ou magnéticos, para atuarem contra seus irmãos encarnados, portanto, permanecem em vibração diferente da nossa, não nos podendo perceber a presença espiritual. Continuamos invisíveis para eles, como para os encarnados. Tudo é questão de se compreenderem as dimensões espirituais. Adentramos a construção atrás de Erasmino, que permanecia sob o domínio de alguma força misteriosa. Tudo era limpo. O chão em que pisávamos era de material semelhante ao granito, conforme observara na Terra. Um balcão iluminado funcionava como recepção, onde o espírito de uma mulher, de aparência jovem, recebia outros espíritos que ali chegavam com objetivos que eu, no momento nem imaginava. Era a imagem do luxo exagerado. Luminárias pendiam do teto em cores variadas, parecendo cristais. Espíritos iam e vinham em varias direções. A cena era de difícil descrição, pela riqueza de detalhes. Alguns desses espíritos estavam vestidos conforme o figurino de homens finos do século xx, trazendo no semblante a arrogância de certos magnatas que pude conhecer quando encarnado. Outros se mostravam em trajes de épocas variadas, como se encontrassem ali personagens de tempos históricos diferentes; e outros ainda nem tão arrumados assim, mas pareciam seres trevosos, com aparências terríveis, que, caso se mostrassem aos encarnados, certamente causariam pavor. Era toda uma população de almas do outro mundo ou deste mundo, que entravam e saíam do prédio. Olhando por aquilo que julguei serem vidraças, pude ver que do lado de fora, intensa tempestade se fazia, dificilmente podendo observar o ambiente externo. Em frente a algo que se parecia um elevador, havia uma inscrição em vários idiomas: “AQUI TEMOS TODAS AS POSSIBILIDADES DE EXECUTAR SEUS PLANOS DE VINGANÇA. O ÓDIO E O DESESPERO SÃO AS FORÇAS QUE UTILIZAMOS PARA CONDUZI-LO AO SEU OBJETIVO. POR FAVOR, PROCURE NA RECEPÇÃO A INFORMAÇÃO ADEQUADA PARA O SEU CASO E CONTE COM NOSSO SISTEMA, POIS ELE NUNCA FALHA”. E abaixo da inscrição estava assinado: “OS MAGOS DA MENTE”. Todo aquele conjunto arquitetônico fora então elaborado com a finalidade de abrigar espíritos dedicados a planos funestos de vingança. Era toda uma organização das trevas, com os requintes da modernidade, da tecnologia e os demais recursos que o homem encarnado conhecia na atualidade, mas que certamente iriam além, com possibilidades que nós mesmos desconhecíamos. Entramos no elevador ou algo parecido, acompanhando o espírito desdobrado de Erasmino, que permanecia sob domínio invisível. Subimos vários andares e paramos em local desconhecido, onde havia nova placa com os dizeres: “ALA DE CIENCIAS PSICOLOGICAS”. Seguimos Erasmino por extenso corredor, por onde trafegava grande quantidade de espíritos, enquanto outros esperavam sentados à porta de algumas salas, como se esperassem para ser atendidos. Havia placas de “SILENCIO” em varias portas como se fossem consultórios de moderno edifício. O moço desdobrado parou mecanicamente em frente a uma porta, que se abriu assim que ele chegou. Entrou silencioso e nós o acompanhamos. A sala era imensa, consideradas as proporções de outras semelhantes na Terra, com decoração esmerada e uma luminosidade avermelhada envolvendo todo o apartamento. Móveis modernos foram moldados na matéria astral, de maneira a lembrar um consultório de psicanálise da Crosta. Sentado atrás de algo que se afigurava uma escrivaninha, estava um espírito de aparência grave, estatura alta, trajando um moderno terno preto que, se visto por alguém da Crosta, seria considerado de extremo bom gosto. Era um perfeito “gentleman”, como o chamariam os encarnados. Em frente a ele, sentado numa cadeira de recosto, um velho, não tão arrumado como o outro, aparentando mais ou menos sessenta anos de idade e mais ao fundo, dois outros espíritos de aparência jovem, impecavelmente trajados com cabelos longos presos atrás, formavam o grupo que ali encontramos. Tudo me parecia muito estranho, mas Arnaldo pediu-me para observar apenas, pois mais tarde teríamos como retornar ali para realizar alguma tarefa que teria relação com o caso. _ Eis nosso pupilo – falou o espírito que parecia comandar a situação. – Veja como obedecê-nos a influencia. Aos poucos, irá se submetendo ao nosso domínio, até que esteja totalmente à nossa mercê. _ Mas vocês irão acabar com ele para mim. Esse miserável não me escapará e espero que tenham condições de fazer o mesmo com aquela bruxa velha que se diz ser mãe dele – falou o outro espírito que parecia mais velho, o responsável pela desdita de Erasmino. _ Claro, claro – redargüiu o outro – afinal você é nosso cliente e aqui nós não brincamos em serviço. Vê meus dois amigos ali? – apontou para os dois espíritos que se mostravam mais jovens. São meus melhores magnetizadores. Elial e Dario. São na verdade, dois excelentes psicólogos e conhecem a fundo os problemas da alma humana. Trabalham diretamente sob o comando central. Veja como atuam e se certifique de que nós cumprimos o que prometemos. Ainda quando falava, os dois espíritos conduziram Erasmino até um divã e o fizeram deitar-se. Elial postou-se a um lado, enquanto Dario localizou-se num pequeno assento próximo à cabeça de Erasmino. O primeiro aplicava-lhe intensas radiações magnéticas na região do bulbo raquidiano e o outro falava mansamente com um tom monótono: _ Erasmino, Erasmino. Você ouve apenas a minha voz. Sinta-se em casa, sereno e tranqüilo. Sua mente é agora a minha mente, seus pensamentos, os meus pensamentos. Você está cada vez mais sob o meu domínio. Você está aos poucos perdendo a identidade. Mergulha no passado. Não se encontra mais no presente... Aos poucos, a entidade projetava sobre Erasmino intenso magnetismo, enquanto continuava: especializaram em doenças viróticas, em epidemias e processos requintados de interferência nas estruturas celulares dos irmãos encarnados. Outros, psicólogos, psiquiatras e psicanalistas, os quais, como estes que presenciamos, são especialistas nas questões da mente, nas modernas técnicas de ficoterapia, com objetivos diabólicos, pretendendo atuar diretamente nas mentes de dirigentes mundiais, em pessoas que ocupam cargos importantes no mundo terreno, em religiosos, pastores e dirigentes espirituais, pelo uso do magnetismo, que sabem manipular com maestria. Toda essa organização utiliza os modernos métodos desenvolvidos na Terra. Entretanto, fazem-no para prejudicar, atrasando o progresso da humanidade, pois sabem que bem pouco tempo lhes resta para continuarem com seus desequilíbrios, espalhando a infelicidade na morada dos homens: em breve poderão ser banidos da psicosfera do planeta e não ignoram o destino que podem ter. Os espíritos infelizes que lhes contratam os serviços especializados, se mantém a eles ligados por processos que não compreendem, pois eles mesmos se enganam com o poder ilusório que julgam possuir. Tentam fazer-se deuses e são, na verdade, apenas homens, embora desenfeixados do corpo carnal. _ Mas eu não esperava que estes espíritos fossem tão requintados em suas ações e métodos... – falei para Arnaldo. _ Muitos pensam, inclusive os espíritas, que as entidades das trevas são espíritos que pararam no tempo e que se utilizam ainda de métodos antiquados de domínio, quais os que se utilizavam na Idade Media da Terra, ou nas civilizações mais antigas que desapareceram ao longo dos séculos. No entanto, podemos observar que tais criaturas infelizes, como os homens na Crosta, se disfarçam sob o manto enganador das aparências, das construções suntuosas, sob o abrigo da vaidade e do orgulho mal dissimulados e, como os homens terrestres, guardam sob essa aparência a sordidez do caráter inferior, a serviço de intenções inconfessáveis. Também as forças das trevas têm o requinte da civilização. Calados, seguimos Erasmino de volta ao ambiente domestico onde repousava seu corpo físico. De olhos esbugalhados, aproximou-se do veiculo de carne e justapôs-se a ele, embora permanecesse entre o sono e a vigília. _ Temos que conduzi-lo imediatamente a tratamento - falou Arnaldo.- Teremos que procurar ajuda em mais de um lugar. Por enquanto, os danos são reversíveis, mas teremos que apressar a ajuda. Oramos juntos e partimos para outros sítios à procura de socorro. PRIMEIROS CONTATOS Dona Niquita resolveu procurar orientação na tenda de Umbanda que Ione freqüentava. Embora um pouco apreensiva, pois achava Ione um pouco mística, não conhecia outra maneira de ajudar seu filho. Venceu as primeiras barreiras criadas pela desinformação e pôs-se a caminho. A tenda umbandista ficava do outro lado da capital, em bairro afastado da região central. D. Niquita nem ao menos viu o barulho e a confusão do transito, tais as suas preocupações. Ia acompanhada de Ione, que falava o tempo todo, como se quisesse catequizar a companheira e torna-la umbandista também. D. Niquita não estava interessada em outra coisa diferente da melhora do filho. Para ela nada mais importava. Estava disposta a tudo e como boa católica que era, estava armada com o seu rosário e uma dezena de nomes de santos na cabeça, rezando a Salve-Rainha e dirigindo-se a uma tenda para falar com os “guias”, como Ione chamava os orientadores espirituais da religião, Umbanda. Um mistério envolve de tal forma essa manifestação religiosa que se torna difícil para o leigo saber a sua origem e o seu significado. Seus rituais tornaram-se tão misteriosos que os brasileiros com o seu misticismo natural, foram explorados por aqueles que nenhum escrúpulo tinham em relação à fé alheia. Mas essa não é característica da Umbanda. Por todo lugar onde há o sentimento religioso, manifestam-se pessoas inescrupulosas, que abusam da fé alheia. Protestantes, católicos, espíritas, espiritualistas, esotéricos e também umbandistas não estão livres do comercio e do abuso das almas alucinadas. Mas, no Brasil, essa terra abençoada onde as pessoas preferem julgar antes e talvez, conhecer depois a Umbanda, por se manifestar, na maioria das vezes, para aqueles possuidores de umas almas mais simples, de uma fé menos exigente que os tornam vitimas dos pretensos sábios e donos da verdade, recebeu uma marca, um rotulo, que aos poucos, somente aos poucos vai-se desfazendo. Isso ocorreu também devido às manifestações de sectarismo religioso, antifraterno e anticristão de uma minoria, o que gerou o preconceito contra os rituais da Umbanda, seu vocabulário, suas devoções. Esse preconceito meio velado é que fazia D. Niquita armar-se contra tudo. Preparou o talão de cheques, pois ouvira falar que nestes lugares se cobrava e muito para realizar um “trabalho”, quem sabe algum despacho ou “ebó”, como ouvira algum dia na televisão. Mas bem que tinha uma certa inclinação para essas coisas. Embora fosse católica apostólica romana, de vez em quando recorria às rezas, aos benzimentos e a outras possibilidades que Ione lhe ensinava, mesmo porque “Ione é uma médium muito forte, só não é desenvolvida. Mas o que importa? Médium é médium”, pensava ela em sua ignorância das coisas espirituais. Dentro do carro, olhava para Ione meio desconfiada, imaginando encontrar no “centro” toda uma parafernália de instrumentos de culto, animais para serem mortos, velas e defumadores, cânticos estranhos e muita cachaça; afinal, não era assim que falavam nos comentários de televisão e não era assim que a “caridade” do povo se referia ao culto? Talvez encontrasse também um povo esquisito, vestido com roupas espalhafatosas, com imensos colares extravagantes pendentes no pescoço e fumando charutos. _ Ai meu Deus! – Deixou escapar D. Niquita. – Onde me meti? _ O que foi que a senhora disse, D. Niquita? – perguntou Ione, que se distraíra. _ Tudo bem! Tudo bem! Eu faço tudo por meu filho. Estava apenas rezando sozinha – mentiu. Aproximaram-se do local que tinha aspecto agradável e era localizado em rua arborizada. Antes de chegar, pôde ver muitos carros parados em frente a uma casa de aspecto simples, mas de bom gosto. Pararam o carro e desceram. D. Niquita conservava-se pensativa e esperava ver a multidão de gente “esquisita” entrando escondida em algum lugar escuro e de aspecto diferente. Esta foi a sua primeira decepção. Deparou com pessoas alegres, joviais, efusivas. Foi recebida com imenso carinho, enquanto Ione a apresentava aos amigos que lhe cumprimentavam com um “saravá”, frase característica de nossos irmãos umbandistas. Adentrou a casa ou tenda, como era chamada pelos freqüentadores; então teve mais uma surpresa e quem sabe uma decepção.. Nada de ambiente escuro, malcheiroso nem de pessoas diferentes. Encontrou pessoas normais. Tão normais quanto ela mesma. Sorridentes, porém, respeitosas pelo ambiente onde se encontravam. O cheiro de rosas e outras ervas que não pôde identificar enchia o ambiente de um agradável odor, que lhe fazia imenso bem. Foi acalmando-se intimamente. O efeito das ervas aromáticas foi aos poucos estabelecendo aquele estado íntimo de intensa tranqüilidade. Cheiro suave e agradável. Nada do que imaginara anteriormente. O salão era de uma simplicidade que desafiava tudo que pensara antes. Havia cadeiras dispostas com regularidade para a assistência; ao fundo, uma mesa que servia de altar, com uma imagem de Jesus de Nazaré, duas velas acessas ao lado e copos com água formavam a maior parte dos utensílios do culto. Tudo simples. Muito simples. Desencarnados e encarnados vinham ali em busca de algo. Chegamos cedo a meu pedido, pois desejava obter informações e fazer algumas observações, que para mim, eram muitíssimo importantes. O caso Erasmino me inspirava de dedicação e gostaria de participar de todos os lances. Momentos atrás, quando D. Niquita penetrou no salão principal, já nos encontrávamos lá e deste lado da vida as coisas se passavam bastante interessantes. Fomos apresentados a uma entidade que estava postada junto à soleira da porta. O espírito parecia um soldado que estava de prontidão para manter a ordem e a disciplina. Lá fora viríamos outros que estavam em pontos estratégicos em torno de todo o quarteirão onde se localizava a construção física da tenda. Impunham respeito e zelavam pela disciplina do lugar. Eram perfeitos cavalheiros. Um deles, a quem fomos apresentados, atendeu-nos solicito e encaminhou- nos ao responsável espiritual pelos trabalhos da noite. Aproximou-se de nós um espírito trajando terno azul marinho, alto e de bigode emoldurando a face sorridente. Era o irmão Anselmo. Vinha acompanhado de outro espírito: uma senhora de cor negra, que se vestia com os trajes típicos da época do Brasil colônia. Sua aura envolvia-nos a todos e uma bondade profunda irradiava-se de sua presença, tornando-a respeitada por todos os outros espíritos que ali trabalhavam. Eram os responsáveis pelas atividades daquela tenda de Umbanda, o irmão Anselmo e a irmã Euzália que, sorrindo nos cumprimentaram com um abraço fraternal. _ Meu nome é Arnaldo – falou o meu companheiro. – Estamos em tarefa de socorro e com certeza já foram informados pelos nossos irmãos maiores a respeito de nossa vinda. _ Claro, meu irmão! – falou Anselmo. – Somos aqui, todos aprendizes e creio que poderão nos auxiliar muito nas tarefas que possamos desenvolver em comum. Esta é nossa irmã Euzália, nossa mentora, responsável por nossas atividades. _ Que é isso, Anselmo? – Dessa forma você me deixa sem jeito – redargüiu a bondosa entidade. – Somos trabalhadores da mesma causa e estamos aqui para fazer o melhor que pudermos para o auxilio a quantos Deus nos envia. Sintam-se em casa, meus filhos. A partir daí, estabeleceu-se um clima de verdadeira fraternidade e amizade entre nós. Anselmo nos orientava com carinho quanto a tudo que perguntávamos, ou melhor, que eu perguntava, pois não abandonara ainda o meu hábito de espírito perguntador. Não consegui deixar na Terra a minha curiosidade, que até hoje me acompanha como marca registrada. Afinal, mesmo deste lado da vida tem muita gente que se julga possuidora da verdade, o que é um ledo engano. Também para esses eu escrevo. Aqui temos também muita literatura e alguém que se acostumou a ser repórter quando encarnado encontra aqui mil e uma situações às quais poderá se dedicar. E olha que tem muito espírito interessado em nossas noticias. Mas, deixando de lado essa minha mania de defunto metido a repórter do além, vamos ao que interessa realmente. Olhei por todo o ambiente e pude notar uma luminosidade azul com reflexos dourados envolvendo a todos que entravam. Curioso, ensaiei uma pergunta para Anselmo, enquanto Arnaldo se afastava com Euzália para tratar do caso que viemos acompanhar. O meu novo amigo não se fez de rogado e explicou-me solicito: _ Acho que você está tão interessado nos assuntos da Umbanda que não olhou bem o que acontece à sua volta. Quem dera que outros espíritos pudessem se dedicar a uma pesquisa, como você está se propondo fazer e levassem para os nossos irmãos da Crosta as informações corretas. Enquanto ele falava, eu fui olhando o ambiente com mais atenção. Ao lado da porta de entrada havia dois espíritos, que estavam magnetizando todos que passavam por eles. Um assemelhava-se a um índio pele-vermelha, com uma indumentária jogada sobre o ombro, de porte altivo, sério, porém, sem ser grave. Trazia um recipiente nas mãos e espargia uma espécie de mistura de ervas maceradas em todas as pessoas. Do outro lado da porta, um autentico preto velho, porém nem tão velho assim. Trazia nas mãos um estranho instrumento, que Anselmo identificou como sendo um turíbulo ou incensário, movendo-o em torno das pessoas que entravam na tenda, enquanto o objeto exalava uma fumaça de cheiro adocicado, de forma que ninguém que passasse por aquela porta ficasse sem os efeitos do que lhes era ministrado. _ Esses são companheiros que na Terra se especializaram no cultivo e na manipulação de ervas. Aqui deste lado, além de irradiarem fluidos de sua aura pessoal, continuam com o mesmo trabalho, auxiliando quanto possam para o beneficio geral – falou-me Anselmo. – Observe bem aquele companheiro que entra no salão. Entrava um senhor de semblante grave, estatura alta, acompanhado por uma jovem, que segurava em sua mão. O preto velho e o índio faziam o que eu chamava de ritual, envolvendo-o em suas vibrações. Aproximei-me mais para melhor observação e pude notar no senhor uma grande quantidade de energias que se mesclavam em tonalidades de cinza e verde escuro, envolvendo-o na região do chacra frontal e do plexo solar. Trazia impregnado em seu campo áurico, algo semelhante a uma lagarta, que parecia sugar-lhe as energias. Quando a fumaça fluídica envolveu-o, começaram a cair no chão algumas postas de uma massa que se assemelhava a carne crua, guardando a peculiaridade de parecer viva, pois mexia-se constantemente. Quando o índio espargia a água com propriedades desconhecidas para mim, sobre o senhor, ela caia sobre o parasita e o desfazia, derretendo-o como se fosse um ácido que, derramado sobre a estranha criatura, a desmaterializasse. Fiquei abobalhado com o que vira. Eram verdadeiramente diferentes os métodos empregados, mas sem sombra de duvida eram eficazes. Anselmo socorreu-me a curiosidade novamente: _ Vê, meu amigo, como esses companheiros promovem a limpeza magnética nas auras dos irmãos encarnados? Utilizam-se de recursos que conhecem. Você não ignora que todas as coisas tem magnetismo próprio e aqui deste lado da vida, as estruturas astrais das plantas, com a vibração que esses espíritos conseguem canalizar da natureza, são medicamentos eficazes, que nas mãos de quem conhece, se transformam em potentes instrumentos de auxilio, expurgando larvas e criações mentais inferiores do campo magnético dos companheiros encarnados e mesmo desencarnados. A natureza guarda segredos que estamos longe de compreender em sua totalidade. Aqui nada se perde. Todo conhecimento é utilizado para o trabalho de auxilio. Toda experiência é aproveitada nas tarefas, porém, obedecemos a um critério como verá depois. Comecei a aprender que, em qualquer lado da vida que nos encontremos, nossas experiências, nosso conhecimento, mesmo que sejam incompreendidos por uma multidão, poderão ser úteis no serviço ao próximo. Aquele caboclo e aquele preto velho eram espíritos de uma sabedoria que desafiava muitos sábios da crosta e mesmo muitos desencarnados. Em sua simplicidade e pureza de intenções, auxiliavam quanto podiam, dando sua cota de contribuição. Segui Anselmo e observei igualmente o congá, o local onde se encontravam as atenções de todos. Era uma espécie de altar, utilizado para as rezas que se destinavam a encarnados e desencarnados. Anselmo, desta vez, explicou sem que eu perguntasse: _ Muitas pessoas necessitam ainda de algo que funcione como muletas psicológicas, a fim de desenvolverem seu potencial. Mas, aqui, o que acontece é bem diferente. O altar, os objetos de cultos e todo o simbolismo que utilizamos, como os pontos riscados e cantados, as chamadas curimbas, visam compor o que chamamos de bateria magnética. É uma espécie de bateria psíquica que concentra as energias de que precisamos para as tarefas que realizamos. Na Umbanda lidamos com fluídos às vezes muitos pesados, com magnetismo elementar, e uma grande quantidade de pessoas que vai e vêm em busca de recursos não conseguem ainda compreender o verdadeiro objetivo da Umbanda. Às vezes, muitos umbandistas também não lhe compreendem os mistérios sagrados. Esse altar, o congá, usando terminologia própria da Umbanda, é uma verdadeira aplicação energética. Todos concentram ai seus pensamentos, suas orações, suas criações mentais mais sutis. Então, quando precisamos de uma cota energética maior para desenvolver certas atividades, é só disciplinados e confiáveis. Utilizam o rigor a que estão acostumados para impor respeito mas são trabalhadores do bem. Como nós, não exigem nem aceitam “trabalhos”, despachos ou outras coisas ridículas das quais médiuns irresponsáveis, dirigentes e pais de santo ignorantes se utilizam para obter o dinheiro de muitos incautos que lhes cruzam os caminhos. Isso é trabalho de Quimbanda, de magia negra. Nada tem a ver com a Umbanda. O assunto dava para muita conversa e elucidações, mas a hora não comportava tais possibilidades, pois as atividades iriam começar. Arnaldo e Euzália aproximaram-se de nós, após as interessantes elucidações de Anselmo. Enquanto os dois dirigentes se dirigiam para a mesa ou altar, achegamo-nos de D. Niquita para envolve-la com vibrações mais sutis, enquanto, segundo Arnaldo me contou, um grupo de espíritos, os guardiões, estava se dirigindo à residência de Erasmino e outro grupo faria investigações em relação ao lugar que visitamos, o prédio onde trabalhava a falange de espíritos que estavam envolvidos com os desequilíbrios de Erasmino. Os cânticos criavam no ambiente uma atmosfera de intensa radiação magnética, pois concentravam na psicosfera da tenda, as energias de todos os presentes. Faíscas elétricas cruzavam o ar, ionizando a atmosfera, como se as correntes energéticas obedecessem ao ritmo dos hinos cantados. Não havia ali atabaques ou tambores como eram utilizados em outros lugares. A um sinal do dirigente, pararam de cantar e todos se concentraram no altar de onde emanava luminosidade singular, parecendo uma nevoa de irradiações cintilantes. Foi indicado um médium da corrente para realizar as preces iniciais e novamente recomeçou a cântico de invocação das entidades da casa. Aproximou-se de cada médium um determinado espírito, que o envolvia em suas vibrações peculiares. O ritmo da musica foi aumentando e pude ver como Euzália e Anselmo aproximaram-se dos médiuns com os quais deveriam trabalhar na noite. Fiquei encantado com o que via. Euzália transformou-se aos nossos olhos de desencarnados, modificando a sua aparência perispiritual de tal maneira que, se alguém possuidor de vidência a tivesse visto naquele momento, não a reconheceria. Foi-se encurvando aos poucos e assumiu a personalidade e aparência de uma velha de mais ou menos setenta anos de idade, enquanto o seu médium igualmente assumia a mesma postura, demonstrando em seu semblante as características que o espírito assumira. Por sua vez, Anselmo foi aos poucos modificando a sua aparência e num exercício de ideoplastia, assumiu aspectos de um velho calvo, negro e de um sorriso extenso no rosto. A médium que o “recebia”, como falavam na tenda, tomou a mesma postura do espírito que se apresentava aos encarnados como Pai Damião, enquanto Euzália era agora a bondosa Vovó Catarina. Começaram as atividades mediúnicas da noite e cada médium dava passividade a um espírito que se manifestava entre os encarnados como preto velho. Era a gira da Umbanda. D. Niquita foi conduzida por Ione a ajoelhar-se aos pés de Vovó Catarina, entidade que se revezava com Pai Damião na direção dos trabalhos. O olhar bondoso da entidade transparecia através dos olhos do médium que lhe recebia a influencia. Sentada em um banco pequeno, trazia um ramo de alfazema na mão, que lhe fora dado por um jovem que auxiliava com o qual fazia seu benzimento. D. Niquita começou a chorar emocionada com as vibrações da entidade, as quais a envolviam. A preta velha começou a falar naquele linguajar todo simples, que conseguia tocar nos corações: _ Deus seja louvado, minha fia! Deus seja louvado! Ocê vem à tenda de nega veia em busca de ajuda, mas nega veia vê mais em seu coração. É um coração de mãe, como nega foi um dia! Ocê sofre pelo fio querido. Mas não há de ser nada não, minha fia. Mantenha a fé em Deus, nosso Pai Maior e aos poucos as coisa vai miorando. Nóis vamo trabaiá para o nosso Erasmino e temos amigos seu do lado de nega veia que veio ajudar também. A conversa continuava num misto de consolo e de informações do Plano Espiritual a respeito do caso de Erasmino. D. Niquita chorava sentidamente, enquanto a assistência continuava cantando os pontos dos guias. Olhei bem o que se passava e pude ver que, enquanto a entidade conversava com a companheira encarnada, caíam dela certos resíduos fluídicos, que eram dissolvidos nas vibrações do ambiente espiritual do lugar. Vovó Catarina passava aos poucos seu ramo de alfazema em volta de D. Niquita, dando-lhe um passe e do galho da erva, desprendiam-se fios tenuíssimos de fluidos lilases, que interagiam com a aura da nossa irmã, causando-lhe imenso bem-estar. Eram os recursos da natureza aliados ao amor da entidade e á simplicidade de sua tarefa. Uma a uma as pessoas iam se aproximando dos médiuns “incorporados” para o momento de conversa fraterna, enquanto, deste lado, os guardiães retornavam com informações preciosas a respeito do caso Erasmino. Findo o culto, após as orações, os espíritos responsáveis retornaram a forma que tinham, com extrema naturalidade. Dirigimo-nos a aposento contíguo para conversamos. Os assistentes retornaram ao seus lares, e D. Niquita, aliviada, retornou igualmente com Ione, que lhe presenteou com um livro interessante, que um médium da casa lhe deu: “O Evangelho segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec. Estávamos reunidos na sala, com os mentores da tenda, quando nos foi passado por um dos guardiões extenso material capturado no reduto das trevas, onde todo o caso estava sendo tramado. Após Euzália ler o conteúdo, falou-nos preocupada: _ O caso de nosso Erasmino exige muito trabalho. Pelo que vejo, nosso irmão vem de um passado espiritual em que se comprometeu largamente com atividades menos dignas no submundo do crime, em região da Europa. As entidades envolvidas com o caso não o perdoaram, pois se sentiram lesadas com sua atitude, que julgam traidora. Contrataram um agente das sombras e exímios magnetizadores, os quais trabalham no caso mantendo extensa base em região das sombras, a qual vocês tiveram oportunidade de visitar na companhia de Erasmino, desdobrado. Precisamos de mais ajuda de médiuns experimentados em atividades deste lado. Temos que desativar esta base o mais urgente possível. Os guardiões conhecem bem o local que já está devidamente mapeado. Quanto a Erasmino, nós o traremos aqui para as devidas orientações e ele participará de uma atividade diferente. Fará parte apenas do grupo de estudos. Faremos a limpeza em sua aura de uma única vez; depois veremos como proceder para conduzi-lo a uma consciência mais ampla de sua realidade espiritual. A companheira mostrou-se conhecedora profunda de casos semelhantes e portou-se com extremo equilíbrio em sua proposta de trabalho. Entregou-nos os documentos capturados na base umbralina ou submundo astral, como chamavam e pudemos perceber quanto exigia de nós a tarefa que estávamos empreendendo. Arnaldo teve a idéia de recorrer a dois médiuns conhecidos, que militavam numa casa espírita de orientação Kardecista. Para lá nos dirigimos após falar com Anselmo e Euzália. Estes colocaram à nossa disposição dois guardiões que nos acompanharam com o máximo de interesse no caso. Euzália por sua vez, juntamente com Anselmo dirigiu-se ao lar de Erasmino, para desdobrá-lo e traze-lo à tenda onde seria realizado a “limpeza” magnética, conforme os trabalhos da casa. DESDOBRAMENTO Dirigimo-nos para o lar de Francisco, um dos médiuns que iríamos recrutar para as tarefas da noite. A noite estava belíssima e o ar balsamizante trazia fluidos da natureza, transportados pela brisa suave. Arnaldo, os guardiões e eu encontrávamo-nos em frente a uma residência modesta, de aspecto agradável, onde adentramos com o máximo respeito. Os guardiões ficaram do lado de fora formando uma corrente de energia no local, para proteger o médium quando estivesse em desdobramento. Francisco ainda estava não passa de adaptação do que dizem os escritos de Kardec. Apenas trocaram os nomes para dar sabor de novidade. O problema humano segue sendo sempre o mesmo. _ Mas como trocaram o nome? – aventurei-me. _ Basta observar, Ângelo. Ao fenômeno mediúnico tão conhecido e explicado pela Doutrina Espírita, os autores modernos apenas para se dizerem diferentes, deram o nome de “channeling” e aos médiuns denominaram canais. Aos espíritos deram o nome de consciências extrafisicas; o termo “encarnado” foi substituído em alguns casos por “intrafisicos”. O fenômeno de desdobramento tão conhecido desde épocas remotas e classificado por Allan Kardec, hoje recebe vários apelidos, como projeção da consciência, bilocação da consciência, viagem astral e outros nomes estranhos que o homem não cansa de criar, tentando passar a idéia de que são coisas diferentes, pois o seu orgulho não lhes deixa admitir que a universalidade do fenômeno e seus desdobramentos no psiquismo humano de há muito foram catalogados pela Doutrina Espírita e se encontram atualíssimos em o Livro dos Médiuns, que constitui o mais moderno tratado de ciências psíquicas da humanidade. Mudam apenas os nomes, mas o fenômeno continua sendo o mesmo. Entendi o exposto e fiquei imaginando como o homem complica as coisas de tal modo que passa a ser vítima de si mesmo, emaranhando-se em conceitos tão confusos que ele mesmo não sabe como sair deles. A conversa estava mesmo interessante, mas a nossa equipe, acrescida da presença de Francisco, dirigiu-se ao lar de Otávio, outro médium que Arnaldo conhecia e que poderia ser-nos útil na tarefa. O procedimento se realizou da mesma maneira, com a formação de um campo de força em torno da residência do companheiro encarnado enquanto o outro guardião se colocava de prontidão para a proteção do corpo físico de Otávio que desdobrado, vinha para o nosso lado auxiliar nas tarefas da noite. Dirigimo-nos todos para a tenda, onde nos aguardavam os amigos espirituais Euzália e Anselmo com o espírito de Erasmino desdobrado pelo sono físico. OS GUARDIÕES E OS CABOCLOS Erasmino fora trazido para a tenda de Umbanda pela ação de Euzália que auxiliada também por uma equipe de guardiões que ficaram em sua residência, pôde trazê-lo até nós para as atividades que se realizariam. Anselmo modificou sua aparência perispiritual e manifestou-se à vidência de um dos médiuns da casa, convidando-o ao trabalho como o preto velho Pai Damião, tão querido por todos dali. A equipe estava formada para a primeira parte do trabalho espiritual. Erasmino foi colocado deitado em frente ao altar, numa maca estruturada com fluidos do nosso plano. Caboclos e pretos velhos adentravam o ambiente sob a orientação de Euzália, a Vovó Catarina da tenda que, bondosamente ia indicando o que fazer. Envolvendo o médium desdobrado, Anselmo/ Pai Damião procedeu ao fenômeno de incorporação no plano espiritual, quando o perispírito do médium foi-se ajustando vibratoriamente ao do espírito que o orientava. O fenômeno era maravilhoso de se observar. A aparência externa do médium foi aos poucos se modificando até assumir a mesma conformação de Damião, o velho africano que agora assumia as tarefas. Erasmino, sonolento, não registrava a nossa presença, apenas ficava passivo ante aos acontecimentos. O espírito de um índio aproximou-se trazendo uma vasilha que continha uma espécie de remédio, que deu a Erasmino para beber. Imediatamente ele vomitou algo visguento e malcheiroso, que Euzália disse tratar-se de resíduos colocados pelas entidades das trevas em seu perispírito, a fim de provocar doenças físicas, que o distraíssem do verdadeiro problema. Os guardiões ou exus foram chamados para realizarem outra tarefa. Acompanhando Francisco e Otávio, iriam conosco até o reduto das trevas, para desativarem a base de operações deles. Necessitavam de médiuns encarnados, embora desdobrados, por possuírem ectoplasma, energia necessária para a desativação das bases das sombras. Deixamos Erasmino desdobrado aos cuidados de Euzália e sua equipe e fomos para a região astralina onde se localizava a base de operações das trevas. Assim que chegamos, pudemos notar intensa movimentação nos arredores. Francisco e Otávio estavam tranqüilos e muito seguros na realização da tarefa. Pensei que os habitantes daquela construção estavam sabendo da nossa visita e que haviam se precavido contra nós. Novamente Arnaldo esclareceu a todos: _ A movimentação que presenciam é resultado dos trabalhos dos guardiões, que recrutaram seus amigos para auxiliarem na tarefa. Embora todo o movimento, como vêem, comportam-se com a máxima disciplina e executam com rigor a sua tarefa. Observei mais e vi uma grande quantidade de espíritos que se aproximavam furtivamente do prédio. Pareciam comandados por uma equipe que se colocava à frente, trazendo algo semelhante a um mapa, ora olhando para o prédio à frente, ora para o papel que tinham na mão. Longas fileiras de espíritos se colocavam em volta do edifício das trevas, em movimentos precisos, estudados e com o máximo de silencio. Vestiam-se como soldados e traziam nas mãos uma espécie de tridente. Segundo fui informado, eram armas elétricas que descarregavam energia e davam choques nos outros espíritos que haviam de ser capturados. Funcionavam com eletromagnetismo. Eram as mais eficazes contra as investidas das sombras. Tudo parecia uma operação de guerra. Um dos guardiões aproximou-se de nós trazendo nas mãos instrumentos pequenos, que foram entregues a Francisco e Otávio. Eram duas “bombas mentais”, conforme esclareceram. Foram ajustadas na freqüência vibratória dos dois médiuns e assim que retornassem ao corpo físico, iriam explodir e desativar a base das sombras. Os médiuns não correriam nenhum risco, pois nós os acompanharíamos nas tarefas e eles seriam escoltados de volta ao corpo físico com segurança. Por sua vez, os espíritos não sofreriam nenhum mal; afinal, eram espíritos e o efeito das bombas mentais seria um choque vibratório tão profundo que queimaria as criações fluídicas do edifício, destruindo a base e desestruturando mentalmente seus habitantes por algumas horas, tempo suficiente para que os guardiões os recolhessem com suas redes magnéticas e os conduzissem para aos devidos lugares. Toda a operação fora preparada com esmero e nos mínimos detalhes. Ao longe pude ver ser levantada uma espécie de rede que envolvia todo o prédio. O guardião esclareceu: _ Trata-se de uma medida de emergência. Não estamos lidando com espíritos comuns. São conhecedores de varias técnicas e tem em suas fileiras muitos que na Crosta foram cientistas, generais ou comandantes de tropas de guerra. A rede é para dar mais segurança a todos, principalmente aos médiuns. Caso alguns desses espíritos escapem com consciência do que está acontecendo, serão prisioneiros da rede, que os manterá vibratoriamente desarmados, sugando-lhes as energias. Mas se forem ajudados por fora, aqueles que se aproximarem das redes ficarão aí grudados como a mosca no mata-borrão e só se libertarão quando nós desligarmos as baterias. Esses espíritos são altamente perigosos; convém não arriscarmos. Fiquei extasiado ante a organização dos guardiões e vi quanto eram úteis em qualquer trabalho que se realizasse nas regiões inferiores. Eram profundos conhecedores daqueles sítios e de seus habitantes. Isso justificava o hino que havíamos ouvido na tenda a respeito deles, que dizia mais ou menos o seguinte: “Sete, sete, sete, ele é das sete encruzilhadas, uma banda sem exu, não se pode fazer nada.” cercanias daquela paisagem umbralina, que, neste momento se mostrava como palco de uma atividade de grandes conseqüências para todos nós. Fiquei emocionado com a visão dos caboclos. Euzália baixou a mão no exato momento em que os médiuns assumiam seus corpos físicos e ativavam com suas vibrações mentais que começaram a fazer efeito. Foi tudo muito rápido e organizado. Primeiramente começou uma espécie de fogo ou energia radiante, que consumia a construção de baixo para cima e de cima para baixo, desfazendo a estrutura imponente e provocando o desmoronamento da construção fluídica. Parecia uma fornalha atômica em expansão. Depois pudemos observar descargas magnéticas e elétricas que saiam do interior do prédio em destruição e toda a paisagem em volta do que restava da construção das sombras era literalmente queimada pela ação eficaz das descargas de energias. Acima do edifício, viam-se formas-pensamento esvoaçando e sendo queimadas pelo fogo elétrico que a tudo devorava e desfazia, promovendo o saneamento da atmosfera psíquica ambiente. Eram tão fortes os efeitos magnéticos que, no plano físico, os encarnados puderam ver uma imensa tempestade que se abatia sobre a região da cidade onde, em correspondência, estava localizada o reduto das trevas. Raios e trovões descarregavam-se na atmosfera física e espiritual daquele lugar, enquanto chuva torrencial descia das nuvens sob a região física correspondente à vibração do local. O rio da capital estava ameaçando ultrapassar suas margens com a tempestade imprevista, mas não somente as águas das chuvas como também os fluidos deletérios acumulados pelas mentes invigilantes dos homens na psicosfera da cidade, estavam sendo despejados naquelas águas revoltas e lamacentas do rio para serem absorvidas depois pelo solo abençoado do planeta, onde seriam destruídas as criações mentais inferiores. Grande quantidade de espíritos saia correndo dos escombros da construção no desespero que os invadia. Seres apavorados tentavam escapar, enquanto os guardiões apertavam o cerco com suas lanças e tridentes de energia, contendo qualquer tentativa de fuga. Os outros espíritos que se apresentavam como caboclos, vinham velozes do alto como que cavalgando sobre nuvens fluídicas, impondo respeito e pavor àqueles espíritos que não esperavam uma ação conjunta que destruísse suas atividades. Era de uma beleza indescritível a cena geral. Ao comando de Euzália, a Vovó Catarina da tenda de umbanda, as redes foram ativadas enquanto a falange das trevas saia em debandada e desfalecia ante a visão aterradora de guardiões e caboclos que lançavam suas flechas de energia e seus dardos magnéticos, desarmando a legião das trevas. Nunca vivenciei tão grande ações deste lado da vida, desde que aqui cheguei. A natureza parecia estar satisfeita com o saneamento do ambiente astral e do lado dos encarnados, as pessoas corriam para todos os lados, para se protegerem da tempestade que se abateu sobre a cidade de São Paulo, parecendo querer destruir tudo e todos. Era o resultado das descargas energéticas que foram acionadas para o saneamento da atmosfera local. Essas descargas desencadearam forças da natureza, que nos auxiliaram na derrocada dos poderes das trevas. Os acontecimentos deixaram como lição que qualquer expressão de poder que não esteja alicerçado no bem, na caridade e na fraternidade legitima é meramente obra transitória na paisagem do mundo, podendo a qualquer hora ser desfeita para ser substituída por expressões mais equilibradas e de acordo com as leis da Vida Maior. Todos os espíritos que participaram daquela empreitada estavam sob a orientação de Euzália. Eram espíritos cujas experiências foram colocadas a serviço de uma causa nobre e elevada e que conservam suas próprias maneiras de agir, seus métodos que, embora não estejam de acordo com o que pensam muitos, são de eficácia comprovada. Após terem reunido os representantes das trevas num determinado local, todos se ajoelharam para orar e agradecer o Pai Grande – a Suprema Consciência Universal, Deus. A ORIGEM DA UMBANDA Muitos espíritos foram aprisionados em campos de contenção magnéticos e conduzidos para lugar especifico, onde seriam esclarecidos quanto a certas leis do mundo espiritual, suas responsabilidades e deveres ante a própria vida. Aqueles que estavam ligados ao caso de Erasmino foram levados para a tenda onde aguardavam Euzália e sua equipe que conversariam com eles. Euzália, por sua vez nos pediu humilde: _ Meus filhos, vocês sabem que estas ações mais ou menos pesadas, que são realizadas nos sub-planos astrais, são uma especialidade desses espíritos que conosco militam nas falanges abençoadas da Umbanda. Muitas vezes realizamos ação conjunta com os mentores e orientadores de outras linhas de atividades, como a dos nossos irmãos espíritas. No entanto, temos dificuldades quanto a muitos centros espíritas que ainda guardam reservas quanto aos nossos trabalhadores que se manifestam como caboclos ou pretos velhos. Assim sendo, gostaríamos de rogar aos companheiros que nos auxiliem, conduzindo alguns espíritos para as reuniões de tratamento desobsessivo nas mesas espirituais, pois se forem conduzidos aos nossos núcleos umbandistas, encontraremos dificuldades para o seu esclarecimento. Ainda guardam preconceitos em relação aos nossos rituais e métodos de trabalho, o que não lhes condenamos; por isso requerem outras formas de despertamento de suas consciências e acredito que para isso, a doutrina espírita tem recursos imensos. Enquanto vocês os conduzem para a terapia espírita, nós iremos tomar conta dos espíritos que se fazem acessíveis às nossas atividades espirituais e dos que necessitam de métodos mais drásticos de aprendizado para o seu despertamento. Neste caso, segundo acreditamos em nossa tenda, a Umbanda é especializada, pois muitos encarnados e desencarnados não conseguem acordar para a realidade espiritual, apenas com o esclarecimento tal como ocorre em muitas casas espirituais. Acredito que podemos trabalhar em conjunto, visando ao mesmo objetivo que é a elevação moral de nossas almas. _ Com certeza minha irmã – falou Arnaldo. – Faremos o possível para conduzir essas almas equivocadas ao caminho do bem. No entanto, se nos permitir, gostaríamos de permanecer aqui por enquanto, a fim de aprender um pouco mais com os companheiros espirituais. _ Ah! Meu filho! Se o próprio Senhor nosso não faz distinção entre as pessoas, mas abraça-nos com seu amor incondicional como posso eu, uma simples servidora, impedir que trabalhem na vinha do único Mestre de todos nós ? Permaneçam à vontade, meus filhos. Somos todos da mesma família espiritual. Estamos aprendendo sempre. Ante a conversa com Euzália ou Vovó Catarina, fiquei a pensar na elevação daquele espírito que assumia a condição de uma humilde preta velha para desempenhar sua tarefa de amor em beneficio do próximo. Quantos não encontraram em suas palavras o lenitivo para as suas dores, o consolo para suas aflições? Quantos não a julgaram ignorante pela sua aparência singela? Quantos não entenderam sua sabedoria e a de seus trabalhadores? Quantos não se decepcionariam ante a sua autoridade espiritual? Desejaria conhece-la melhor, sua vida de abnegação e sacrifício, mas a tarefa que tínhamos pela frente não permitiria que me detivesse, no momento para esclarecer essas questões. Erasmino foi reconduzido ao corpo físico e segundo Anselmo, já estava livre das redes que haviam colocado em seu cérebro perispiritual. Apenas mantinha algumas ligações fluídicas com o seu verdugo espiritual, as quais seriam em breve liberadas, quando ele viesse à tenda de Umbanda. A equipe de magnetizadores e psicólogos das trevas seria conduzida a um agrupamento espírita onde se submeteria à terapia espiritual; outras entidades envolvidas no caso estavam sob os cuidados de guardiões e caboclos que, com certeza, tinham condições de orientá-los. Pensativo, dirigi-me a um canto da tenda para orar e meditar um pouco enquanto estava aprendendo. Pensava muito no trabalho muitas vezes incompreendido da Umbanda, principalmente no Brasil, quando fui abordado por Anselmo que veio esclarecer-me: _ E quanto a esses pais-de-santo e centros de Umbanda que se espalham pelo país, será que estão conscientes disso tudo? _ Não podemos esperar a mesma compreensão por parte de todos, meu filho – respondeu-me. _ Existe muita ignorância no meio e os próprios responsáveis pelos terreiros e pelas tendas umbandistas concorrem para que o povo tenha uma idéia errada da Umbanda. Em seus fundamentos, a Umbanda nada tem a ver com o Espiritismo, o que não é bem esclarecido nos meios umbandistas. Começa aí a confusão. Tomou-se emprestado o nome “espírita”, como se ele designasse todas as expressões de mediunismo e descaracterizou-se muito a Umbanda. Por outro lado, espíritos tem baixado ao mundo com a missão de esclarecer e de certa forma dar um corpo doutrinário à Umbanda, escrevendo livros sérios a respeito do assunto, os quais são ignorados por muitos adeptos. Aos poucos, a verdade irá se espalhando e quem sabe, num futuro próximo haveremos de ver abolidos os sacrifícios de animais, as oferendas e uma série de outras coisas que nada tem a ver com a Umbanda, mas com outras expressões de cultos de origem afro, os quais são respeitáveis mas diferem em seus objetivos da verdadeira Umbanda. Pais e mães-de-santo que vivem enganando as pessoas, ciganas e ledoras de sorte que cobram por seus “trabalhos”, não tem nenhuma relação com os objetivos elevados que os mentores da Umbanda programaram. São pessoas ignorantes das verdades eternas e responderão ao seu tempo por suas ações inescrupulosas. A caridade é lei universal e nós que trabalhamos nas searas umbandistas devemos ter nela o guia infalível de nossas atividades. Assim como nem todos os centros espíritas que dizem adotar a codificação de Allan Kardec são na realidade espíritas, também muitas tendas e terreiros não representam os conceitos sagrados da Umbanda. Acredito que Allan Kardec permanece ainda grandemente desconhecido entre aqueles que se dizem adeptos da doutrina espírita, como também você poderá notar que muitos umbandistas permanecem ignorantes das verdades e dos fundamentos de sua religião. Temos que trabalhar unidos pelo bem e esperar; o tempo haverá de corrigir todos os equívocos de nossas almas, através das experiências que vivenciarmos. _ Mas você acha meu irmão, que é possível o trabalho conjunto entre os espíritos espíritas e os umbandistas? _ Perfeitamente, Ângelo. A presença de vocês aqui é uma prova disso. Da mesma forma temos muitos dos nossos trabalhando nos centros Kardecistas, auxiliando aqui e ali nos trabalhos de cura e desobsessão. O fato de nós trabalharmos em conjunto não nos faz robôs, não pensamos de maneira idêntica. Guardamos a nossa opção intima e afinal – disse sorrindo – nisso está a verdadeira fraternidade que nos amemos uns aos outros e respeitemos as convicções pessoais, pois se os métodos de trabalho se multiplicam ao infinito, o Senhor da vinha permanece sendo um só, Jesus ou Oxalá. Abraçou-me o companheiro espiritual e saímos alegres para a tarefa que nos aguardava. APONTAMENTOS Aproveitando o tempo que se fizera mais propicio, alarguei a minha habitual curiosidade e propus ao companheiro espiritual que me orientasse em certas questões, a fim de que eu pudesse mais tarde transmitir esses conhecimentos aos encarnados. Ele não fez de rogado; então comecei o meu interrogatório: _ Quanto aos banhos e ervas de defumações utilizadas pelos umbandistas, haverá algum fundamento cientifico nisso tudo? _ Fundamento há meu amigo Ângelo, embora nem sempre as pessoas que se beneficiem desses recursos o saibam. Tomemos como exemplo os chamados banhos de descarrego, tão receitados por pretos velhos e caboclos. Você sabe muito bem do poder das ervas, de seu magnetismo próprio. Quando são utilizadas adequadamente, podem operar verdadeiros prodígios, gerando equilíbrio e harmonia. As plantas guardam nesse estado de evolução muita energia, muita vitalidade e os raios absorvidos do sol no processo de fotossíntese formam uma aura particular em cada família do reino vegetal, o que se associam ao próprio quimismo da planta. Quando colocadas em infusão, transmitem à água todo o seu potencial energizante, curador, reconstituinte. É o que se passa com os florais usados atualmente. Quando o adepto toma o banho com a mistura de ervas, todo o magnetismo que está ali associado provoca em alguns casos, um choque energético ou uma reconstituição das camadas mais externas de sua aura. Na verdade, isso não tem nenhuma relação com o misticismo; é cientifico. Sob a influencia abençoada das ervas, muitos benefícios tem sido alcançados por inúmeras pessoas. Irmãos nossos de outras confissões religiosas, mesmo os espíritas, julgam que tais providências são um absurdo e recusam qualquer receituário que venha com tais indicações. Estão até indo contra os métodos empregados pelo mestre Allan Kardec, pois recusam-se a pesquisar, questionar, certificar-se cientificamente dos efeitos benéficos desses recursos da natureza. A própria essência do Espiritismo é a pesquisa, a comprovação dos fatos. Mas recusam-se a pesquisar, a comprovar e muitos reputam como misticismo algumas praticas. Felizmente na atualidade, muitos cientistas tem levado a sua contribuição com a descoberta dos florais, que obedecem ao mesmo principio terapêutico dos nossos chás e banhos de ervas. No caso das defumações empregadas na Umbanda, o principio é o mesmo mas em lugar de empregar as ervas em infusão, elas são queimadas. Na queima, suas propriedades terapêuticas são transferidas ou utilizadas de forma energeticamente pura, ou seja, o fogo, a combustão transforma a matéria em energia; isso é uma lei da física e quando determinada erva é queimada, sua parte astral ou etérica passa a concentrar além de seu potencial próprio, o potencial da parte física que é transformado no momento da combustão. O produto obtido, aliado aos fluidos dos espíritos que sabem manipular tais recursos, são de eficácia comprovada em casos de parasitismos, simbioses e larvas astrais, que são literalmente “arrancadas” de seus hospedeiros encarnados. Isso ocorre pela ação conjunta dos fluidos liberados na ocasião da queima das ervas, nas defumações. Mesmo que alguns ou muitos não aceitem tais recursos não significa que não sejam eficazes. Basta que sejam feitas observações com métodos científicos e tudo será comprovado. Neste caso também não se trata de misticismo, mas de puro conhecimento de certas propriedades dos elementos vegetal, mineral ou animal, a serviço do bem aos semelhantes. caminhada é muito longa e só depois de muito penar é que nóis podemo afirmar que estamo apenas começando. Eu sei que ocê não gosta da nossa banda, isso ocê não consegue disfarçar, não! Por isso, essa nega veia vai indicar a ocê que estude alguns livros muito importantes. E posso garantir que se ocê não estudar e se preparar no coração, as coisas pode volta e quem sabe Deus como ocê se encontrará? Pois bem meu fio, ocê segue em paz, que a força do nosso Pai Oxalá proteja os seus passos e a nossa mãe Maria Santíssima dirija seus pés no caminho da paz. Chamando outro médium, a entidade indicou alguns livros para o rapaz estudar: - O Evangelho segundo o Espiritismo e O Livro dos Espíritos, ambos de Allan Kardec – e falou para todos ouvirem: _ Num assustem não meus fio, acontece que cada um deve ir aonde manda o seu coração. O nosso irmão não se sente à vontade com nossos trabaio por isso, nega veia enviou ele para os cuidados de outros companheiros espirituais. Deus abençoa que ele desperta logo e começa a sua tarefa, senão nóis num podemo garantir nada pra ele. Tem que mudar o coração. Despedindo-se dos médiuns e assistentes, retirou-se a entidade ao som do ponto que cantado dizia: “ A Aruanda é longe e ninguém vai lá; A Aruanda é longe e ninguém vai lá; É só os preto velho que vai e torna a voltar...” Os trabalhos da noite terminaram. Após conversar com Erasmino, D. Niquita retirou-se com ele e Ione e deste lado da vida, ficamos nós, observando por quais caminhos iria o nosso irmão. Curioso como sempre, ia aventurar-me a perguntar a Arnaldo alguma coisa quando ele mesmo falou, adivinhando meus sentimentos e pensamentos: _ Aruanda meu amigo, significa hoje, o plano espiritual onde se reúnem os espíritos responsáveis pelos trabalhos da Umbanda. É um plano belíssimo e também é uma colônia espiritual para onde são conduzidos espíritos para serem recambiados ao caminho do bem, sob as bênçãos e orientações de pretos velhos e caboclos, que se apiedam de nossos irmãos encarnados e desencarnados, servindo como instrumentos de Deus para o despertamento de seus filhos. Calei-me momentaneamente para digerir os ensinamentos e experiências que tivera naquela semana de atividades. A noite salpicada de estrelas mostrava-nos Aruanda, a pátria espiritual dos filhos da Umbanda. TAMBORES DE ANGOLA Era noite. Naquele tempo não tínhamos as luzes da civilização. O gemido do negro no poste do martírio fazia com que todos temêssemos por nossas vidas. Ninguém estava seguro. Sinhazinha era temida por toda a negrada e muitas e muitas nós passamos ao relento, sem ao menos ter a chance de dormir dentro das senzalas. Era o nosso castigo por sermos negros. Quitéria era uma negra muito bonita e por causa dela todos nós sofríamos. Nas noites tristes das senzalas, ouvia-se o som dos nossos tambores. Os tambores de Angola, nossa terra que talvez nunca mais veríamos. Ah! Como era duro ser negro naqueles dias. Nosso destino era servir. Servir até a morte. Os tambores tocavam o ritmo cadenciado dos Orixás e nós dançávamos. Dançávamos todos em volta da fogueira improvisada ou à luz de tochas ou velas de cera que fazíamos. A comida era pouca, mas para passar a fome nós dançávamos a dança dos Orixás. E assim, ao som dos tambores de nosso povo, nos divertíamos para não morrer de tristeza e sofrimento. Eu era chamada de feiticeira. Mas eu não era feiticeira, era curandeira. Entendia de ervas com as quais fazia remédios para o meu povo e de parto; eu era a parteira do povo de Angola, que estava errando naquela terra de meu Deus. Até que Sinhazinha me tirou do meu povo. Ela não queria que eu usasse meus conhecimentos para curar os negros, somente os brancos; afinal negro – dizia ela – tinha que trabalhar e trabalhar até morrer. Depois, era só substituir por outro. Mas Dona Moça não pensava assim. Ela gostava de mim e eu dela. Fui jogada num canto, separada dos outros escravos e todas as noites eu chorava ao saber que meu povo sofria e eu não podia fazer nada para ajudar. De dia descascava coco e moía café no pilão. À noite eu cantava sozinha, solitária. E ouvia o cantar triste de meu povo de longe. Ouvia o lamento dos negros de Angola pedindo a Oxalá a liberdade que só depois nós entendemos o que era. E os tambores tocavam seu lamento triste, o seu toque cadenciado, enquanto eu respondia de meu cativeiro com as rezas dos meus Orixás. A liberdade que era cantada por todos do cativeiro, só mais tarde é que nós a compreendemos. A liberdade era de dentro e não de fora. Aqueles eram dias difíceis e nós aprendemos com os cânticos de Oxossi e as armas de Ogum o que era se humilhar, sofrer e servir, até que nosso espírito estivesse acostumado tanto ao sofrimento e a servir sem discutir, sem nada obter em troca que a um simples sinal de dor ou qualquer necessidade, nós estávamos ali, prontos para servir, preparados para trabalhar. E nosso Pai Oxalá nos ensinou em meio aos toques dos tambores na senzala ou aos chicotes do capitão, que é mais proveitoso servir e sofrer do que ser servido e provocar a infelicidade dos outros. Um dia, vitima do desespero de Sinhá, eu fui levada à noite para o tronco enquanto meus irmãos na senzala cantavam. A cada toque mais forte dos tambores, eu recebia uma chicotada até que, desfalecendo fui conduzida nos braços de Oxalá para o reino de Aruanda. Meu corpo na verdade estava morto, mas eu estava livre, no meio das estrelas de Aruanda. Em meu espírito não restou nenhum rancor, mas apenas um profundo agradecimento aos meus antigos senhores, por me ensinar com o suor e o sofrimento, que mais compensa ser bom do que mau; sofrer cumprindo nosso dever do que sorrir na ilusão; trabalhar pelo bem de todos do que servir de tropeço. Eu Era agora liberta e nenhum chicote, nenhuma senzala poderia me prender, porque agora eu poderia ouvir por todo o lado o barulho dos tambores de Angola, mas também do Kêtu, de Luanda, de Jêje e de todo lugar. Em meio às estrelas de Aruanda eu rezava. Rezava agradecida ao meu Pai Oxalá. Assim a companheira Euzália, a querida Vovó Catarina, contou a sua historia da época do cativeiro e a sua libertação do jugo tirano.E continuando falou: _ Fui para Aruanda, lugar de muita paz! Mas eu retornei. Pedi a meu Pai Oxalá que desse oportunidade pra eu voltar ao Brasil pra poder ajudar a Sinhá pois ela me ensinou muita coisa com o jeito dela nos tratar. E eu voltei. Agora as coisas pareciam mudadas. Eu não era aquela nega feia e escrava. Era filha de gente grande e bonita, sabia ler e ensinava crianças dos outros. Um dia bateu na minha porta um homem com uma menina enjeitada da mãe. Era muito esquisita, doente e trazia nela o mal da lepra. Tadinha ! Não tinha pra onde ir e o pai desesperado não sabia o que fazer. Adotei a pobre coitada, fui tratando aos poucos e quando me casei, levei a menina comigo. Cresceu, deu problema, mas eu a amava muito. Até que um dia ela veio a desencarnar em meus braços, de um jeito que fazia dó. Quando eu retornei pra Aruanda, o que vocês chamam de plano espiritual, ela veio me receber com os braços abertos e chorando muito, muito mesmo. Perguntei por que chorava, se nós duas agora estávamos livres do sofrimento da carne, então ela transformando-se em minha frente, assumiu a feição de Sinhazinha! Ela era a minha Sinhá do tempo do cativeiro. E nós duas nos abraçamos e choramos juntas. Hoje, trabalhamos nas falanges da Umbanda, com a esperança de passar a nossa experiência pra muitos que ainda se encontram perdidos em suas dificuldades. entidades que, quando se vêem privadas do alimento ou do plasma do sangue do sacrifício, dos despachos de onde tiravam os fluidos animalizados para satisfazerem-se, procuram-no em local mais propicio. Quando desencarnam seus alimentadores – seus filhos, como eram chamados – essas entidades passam a freqüentar sua sepultura e não raras vezes, permanecem ligados aos despojos carnais em putrefação, quando são literalmente vampirizados por aqueles a quem serviam em vida. São perseguidos então e seus restos mortais passam a ser o repasto dessas entidades que antes consideravam “santos” ou “escoras”. Na verdade trata-se do que erroneamente se chama de exus, mas que são na realidade, quiumbas disfarçados, espíritos grosseiros e atrasados ligados a essas almas infelizes. _ Mas e os mentores dessas pessoas, será que não podem interferir nesse processo para alerta-los ou liberta-los? _ Isso já tentam há muito tempo, mas como se deve respeitar o livre- arbítrio de todos, esperamos que no momento adequado estejam preparados para ouvirem os apelos santificantes do Alto ou de Aruanda. Eles tem, na Terra, as vozes da Umbanda e as orientações do Espiritismo mas se não quiserem ouvi-las, somente os séculos de dores e sofrimentos em futuras reencarnações ou nos pântanos do mundo astral, é que farão com que acordem. Até lá, continuaremos trabalhando, confiando no Pai Maior. Euzália foi muito esclarecedora e tanto sua lição de vida como suas elucidações sobre o assunto fizeram-me parar para pensar em quanto a Umbanda, a verdadeira Umbanda, tem realizado e tem a realizar por essas almas equivocadas. Euzália convidou-me a uma prece e pude ver, rolando em sua face duas lágrimas disfarçadas, duas pérolas de luz que certamente caíam em lembrança dos sons dos tambores de Angola, que ficaram no passado distante. Agora restava o futuro, o trabalho, a esperança nas luzes de Aruanda. NOVOS TEMPOS Dona Niquita continuou a freqüentar a tenda, pois se sentia à vontade e satisfeita com as tarefas que realizava na casa singela de Euzália. Ione “desenvolveu” sua mediunidade e trabalhava como médium sob a orientação umbandista e Erasmino, bem, Erasmino partiu para o estudo, muito embora ele o fazia por medo de que tudo voltasse a ser como antes. Começou a ler os livros espíritas e sempre que podia, ia em alguma reunião publica de certa casa espírita na capital paulista, sem contudo, querer mais comprometimentos com a causa. Certo dia descobriu que seu companheiro de trabalho era espírita e começou então um período longo de perguntas, de curiosidades e de satisfação com as verdades que descobria. Em casa, tentava convencer a mãe de que tudo que havia passado era coisa da cabeça dele e que a Umbanda era “baixo Espiritismo”, coisa de gente atrasada. A mãe silenciosa, continuava com suas rezas e às vezes, ia ao centro espírita para agradar o filho, mas guardava suas raízes nos ensinamentos sagrados da Umbanda, como costumava falar. Permanecia em silêncio. Certo dia Erasmino, numa conversa com seu amigo Paulo César, quis saber por que os espíritos superiores permitem a existência do que ele chamava de “baixo Espiritismo”. Teve a sua resposta: _ Acredito meu amigo, que primeiramente é falta de caridade referirmo-nos a nossos irmãos de maneira pejorativa; depois, seria ignorância nossa classificar a Umbanda como sendo uma parte do Espiritismo. Nada tem a ver uma coisa com a outra. Umbanda é Umbanda e o Espiritismo continua sendo Espiritismo. Temos algo em comum, é o desejo de servir, de sermos úteis ao mesmo Senhor, embora adotemos formas que na aparência são diferentes mas no fundo, se integram na ação fraterna. O Espiritismo é a doutrina codificada por Allan Kardec e inaugurada na Terra em 18 de abril de 1857, na França. Tem por objetivo estudar as leis espirituais que regem os dois mundos, de encarnados e desencarnados, estabelecendo em bases de sólida moral, os princípios superiores da vida. È a DOUTRINA CONSOLADORA e visa ao despertamento do homem, à sua descoberta interior, ao despertar e à iluminação de sua consciência mas isso não nos dá o direito de nos referirmos aos outros companheiros de jornada como sendo uma expressão “baixa” de nossa doutrina. Mesmo porque o termo Espiritismo foi criado por Allan Kardec para referir-se à Doutrina dos Espíritos, codificada por ele e embora a Umbanda seja uma religião de caráter mediúnico, não é Espiritismo, nem alto e muito menos baixo, assim como não podemos dizer que Umbanda e Candomblé sejam a mesma coisa. Erasmino sem graça tentou consertar o que dissera, dando curso à conversa e perguntando desta vez: _ Mas por que todos falam “tenda espírita de Umbanda tal” ou “médium espírita umbandista tal” referindo-se dessa forma ou à Umbanda ou aos seus médiuns? Respondendo, Paulo disse-lhe: _ A palavra “Espiritismo” foi criada, como já lhe disse antes, para referir-se à Doutrina dos Espíritos, codificada por Kardec; no entanto aqui no Brasil, talvez por falta de orientação, as pessoas tomaram emprestado o termo “Espiritismo” e passaram a designar toda manifestação mediúnica – ou que julguem mediúnica, embora não o seja - como Espiritismo. A confusão se estabeleceu por causa da desinformação por parte do povo, que, devido à divulgação da Doutrina Espírita no Brasil, aproveitaram e tentaram unir as duas expressões, Umbanda e Espiritismo, embora sejam distintas uma da outra. Por exemplo, posso lhe dizer meu caro, com todo respeito que tenho pelos irmãos umbandistas, que a Umbanda é uma religião que guarda muitos elementos ritualísticos, próprios do seu culto, utilizando-se os seus médiuns de roupas brancas como uniformes, de colares, em alguns casos, banhos de ervas, defumadores e todo um instrumental para canalizar as energias psíquicas no trabalho que realizam. No Espiritismo no entanto, não temos nenhum ritual, nem roupas brancas, velas, banhos e nenhuma outra forma externa de culto. Prima-se no Espiritismo, pela simplicidade absoluta. Se você encontrar algum dia, alguma casa ou centro que diz ser espírita, mas continua utilizando ritual ou não se encaixa na característica simplicidade, que encontramos nos livros da Codificação, poderá ser qualquer outra coisa, menos Espiritismo, mesmo que seus dirigentes digam o contrario. Existem muitos centros que utilizam métodos próprios, com rituais, uniformes e um monte de outras coisas com objetivos os mais variados; mesmo que sejam bons, não refletem a natureza dos princípios espiritistas. São respeitáveis em seus propósitos, mas se teimam em agir contrariamente às orientações de Allan Kardec, caracterizam-se como espiritualistas mas não espíritas. Mas por isso não podemos falar de nossos companheiros umbandistas. Embora ambos trabalhemos com expressões do mundo espiritual, os seus métodos diferem dos nossos pois não se baseiam nos ensinamentos de Allan Kardec, mesmo que leiam e recomendem os livros espíritas; tem literatura própria, ensinamentos que em suas bases refletem as verdades espirituais e na forma, diferem da maneira como estudamos nos centros e nas fraternidades espíritas. Contudo continuam sendo merecedores do nosso carinho, respeito e amor, os quais devem reger as relações da grande família espiritual. ou aflitivas são encaminhados ao tratamento espiritual. São as chamadas reuniões de desobsessão ou de terapia espiritual. Muitos centros adotam outras reuniões de caráter privativo, como a de educação mediúnica, na qual os médiuns são preparados para o intercambio entre os dois lados da vida e reuniões de tratamento ou as chamadas de reuniões de cura, destinadas a cirurgias espirituais ou a passes magnéticos. Conforme o compromisso de cada casa espírita, são criadas reuniões especializadas, mas todas devem obedecer aos princípios da Codificação Espírita, com simplicidade sem rituais ou outras formas exteriores de culto. O culto espírita é o do coração, da razão e do trabalho constante no bem. Erasmino com o tempo, foi integrando-se aos trabalhos de certa casa espírita. Realizou diversos cursos, como o de Aprendizes do Evangelho, o Curso Básico de Espiritismo e o de Educação Mediúnica, ministrados na casa espírita que freqüentava. Aprendeu muito e integrou-se a caravanas de auxilio aos necessitados, fazendo visitas a hospitais, creches e asilos. Realmente estava modificado. Pelo menos era o que pensava, o que dizia, o que desejava. Mas a reforma é obra de toda uma vida e não de apenas algumas decisões. É necessário perseverança e disciplina, o que se aprende com o tempo e muito trabalho. Erasmino mostrou-se com o tempo um excelente doutrinador; tinha a palavra fácil e a agilidade para conversar com os desencarnados. Conhecia agora a Doutrina Espírita e não se fazia de rogado quando aparecia uma tarefa para fazer. Integrou-se dessa maneira, a um grupo mediúnico. Fora indicado pelo mentor da casa como doutrinador. Encontrava-se satisfeito, tranqüilo intimamente; no fundo depois desse tempo todo, havia esquecido da Umbanda, de Pai Damião e de Vovó Catarina. Eram novos tempos. Novos trabalhos. Mas no plano espiritual, a tarefa começada um dia na tenda de Pai Damião e Vovó Catarina, não havia chegado a termo, embora o tempo houvesse passado. Os bondosos espíritos haviam procurado o concurso da casa espírita onde agora Erasmino estava se integrando e para lá conduziram o antigo verdugo do nosso irmão, a fim de ser esclarecido. E como a vida nos dá lições belíssimas e preciosas em suas voltas tortuosas... REENCONTRO COM O PASSADO Achava-se Erasmino certo dia, num trabalho mediúnico quando deparou com um companheiro de difícil doutrinação. Passaram-se meses e meses e não conseguia definir a problemática do companheiro espiritual que visitava aquela reunião espírita. Apesar de todos os seus argumentos não conseguia convence-lo de sua situação espiritual. Orou, orou e rogou recursos do Alto. Mas a doutrinação prosseguia, fatigante, arrastando-se por vários meses. Passou um ano e o espírito não desistia de seu intento. _ Meu irmão, me conte o que o leva a tamanho ódio contra o companheiro que você diz perseguir. Não terá você, porventura, falhado igualmente em seu passado espiritual? Diga-me, por Deus, qual o nome desse infeliz a quem você persegue? O que lhe fez o coitado? Entre gargalhadas e deboches, o espírito permanecia preso às recordações do passado, ao ódio e ao desejo de vingança. _ Você não sabe o que ele me fez – falava a entidade. – Ele não merece ser ajudado. _ Então, conte-me o que lhe fez esse companheiro, meu irmão? _ Meu irmão, que nada! – respondia o comunicante – Você nem imagina como sofri nas mãos do celerado. Encontrávamo-nos em situação invejável em país da Europa – começou a falar o obsessor. – Eu era pai de três lindas meninas e ele, o infeliz repartia comigo o trabalho, que nos rendia imensa fortuna. Ninguém desconfiava do que fazíamos. Ele era jogador afamado e certo dia, depois de apostar tudo que tinha, correndo risco no jogo, perdeu a fortuna; vendo-se em desespero, começou a arquitetar um plano diabólico para recuperar-se do ocorrido. Traficávamos escravos para terras longínquas e nem nos importávamos com a desdita daquelas bestas. Mas eu não sabia da desgraça que estava para se abater sobre a minha família. O famigerado, que se dizia meu amigo, aproveitou uma viagem que fiz para outro país e fez negocio com um rico senhor que partia para além-mar. Enganou minha mulher e minhas filhas e a pretexto de levá-las até onde eu estava, vendeu-as ao senhorio que o admitiu também na tripulação da caravela. Quanto mais o espírito falava mais Erasmino parecia transportado a historia. Visualizava as cenas da desdita do espírito comunicante. No fundo, passou a compreender o seu desejo de vingança. O espírito continuava a narrativa: _ Só mais tarde no navio minha mulher surpreendeu uma conversa entre os dois negociantes da infelicidade alheia e acordou para o acontecido. O senhorio tentou a todo custo romper as defesas morais de minha mulher e da minha filha mais velha; não conseguindo depois de todos os esforços que empreendeu, entregou-as à tripulação da caravela para que abusassem delas. Seu sofrimento deve ter sido infinito, até que morreram depois de noites e noites de sofrimentos morais nas mãos daquela corja de homens estúpidos e marginais. Minhas outras duas filhas foram vendidas como escravas e cortadas as suas línguas para evitar que falassem. Uma delas quase veio a morrer, não fosse a bondade de uma negra que a salvou da situação, dando-lhe algumas ervas para mastigar, o que lhe aliviou as dores. As duas se consolavam, pois ambas eram prisioneiras. Ocorre que uma era negra e a outra branca, mas inutilizadas com a desgraça que lhes sobreveio. Quando eu soube do acontecido, quase morri de desgosto. Desfiz-me de tudo que me restava para sair à procura de minha família. Era o fim para mim. O desgraçado escapou e jurei vingança. Só quando morri é que fui descobrir toda a verdade a respeito e comecei a perseguir o infeliz. Contratei outros espíritos para me ajudarem em minha sede de vingança e agora você intenta me demover de meus objetivos. O espírito contava a sua vida e todos o ouviam com imenso respeito pela dor do companheiro que sofria há séculos, pelo ódio que trazia no coração. Erasmino emocionou- se ao extremo e pediu socorro aos imortais quanto ao caso, pois se encontrava impotente para dar conselho ao irmão sofredor. Sua dor era realmente procedente. Como falar-lhe, demove-lo da vingança cruel se ele mesmo, sendo o doutrinador estava condoído da situação ? Gostaria intimamente de saber quem era aquele que promovera tamanha desdita na vida de uma família. Quem poderia ser o celerado que tanta desgraça espalhou ao longo do tempo? Rogou ao Alto o recurso necessário para continuar a doutrinação, quando se manifestou uma entidade numa das médiuns da casa, a qual falou amorosa: _ Meus filhos, Deus abençoe-nos os esforços de trabalho no bem. Muitas vezes em nossas experiências passadas, temos semeado a dor e a maldade pelos caminhos por onde andamos. Temos aprendido os conceitos do Eterno Bem, mas não os vivemos e mesmo depois de séculos de experiências dolorosas, continuamos a abrigar em nosso intimo os desejos inconfessáveis, a violência disfarçada e os fantasmas da intolerância e do preconceito, os quais no passado foram motivo de quedas dolorosas. É hora de refazermos nossas pegadas nas areias do tempo. É hora de recomeçarmos nossa jornada sem nada perguntarmos, sem nada exigirmos da vida, mas doando-nos em tarefas de amor e de paz. Semeemos as sementes da bonança e aprendamos a perdoar incondicionalmente, até que nossas almas tenham aprendido o significado do verbo divino: amar. Várias e várias vezes havia se repetido a visita do companheiro espiritual e a historia que ele contava se desdobrou em mais duas encarnações, nas quais ele se vira vitima AS ESTRELAS DE ARUANDA Paulo entrou em cena novamente, convidou-o para ir a uma reunião mediúnica na qual teriam a oportunidade de ouvir a palavra de elevado mentor da Vida Maior, que lhes falaria no dia seguinte, na sede da casa espírita. Depois de muito relutar, Erasmino cedeu ao convite de Paulo e no outro dia, partiam rumo ao centro. Após alguns meses afastado das atividades, Erasmino foi recebido com muita alegria e afeto por parte dos trabalhadores da casa. Todos se confraternizaram com ele. Estava mudado. Muito mudado. Mais manso, mais humilde e pensativo; perdera aquele porte altivo e abatera-se intimamente. Agora mostrava- se mais comedido em suas palavras, em seus posicionamentos pessoais. Levara consigo a mãe querida, que sempre estava ali presente para auxiliá-lo como e quando necessitasse. Quando ia iniciar a reunião mediúnica, pediu a ela que esperasse do lado de fora até que terminasse, pois a reunião era fechada e sua mãe não participava das atividades da casa; portanto, não poderia entrar. Ela ficou num banco na recepção e não se importou com a situação. Permaneceu em prece ao seu Pai Maior, pedindo pelo filho amado. Minutos depois, a porta se abriu e foi chamada a entrar. Assustou-se com o chamado, mas entrou e foi conduzida a uma cadeira ao lado do filho. Um espírito se manifestou à vidência de um dos médiuns da casa e pediu que a chamassem. Leram uma pagina de O Evangelho Segundo o Espiritismo. Depois de alguns comentários, fizeram as preces e colocaram-se todos à disposição da espiritualidade amiga. Ouviram as mensagens esclarecedoras do mentor da casa e de vários outros companheiros e a seguir, o próprio mentor falou: _ Estamos hoje recebendo a visita de levada entidade do Plano Superior. Dentro das possibilidades teremos a sua palavra amiga; gostaríamos que todos a gravassem na intimidade de seus corações. Preparando-se para a visita sublime, todos se irmanaram nas vibrações para propiciar clima psíquico adequado para o visitante. O ambiente extrafísico estava envolvido em suave luminosidade azulínea com reflexos dourados e fluidos balsamizantes caíam sobre todos, emocionando-os com as vibrações amorosas. Erasmino sentiu a aproximação da entidade elevada e entregou-se às suas irradiações dulcíssimas. Reconhecia que era o mesmo espírito que se manifestava num médium da Casa, ao findar das reuniões de desobsessão que ele dirigira antes. A elevação do ambiente era perceptível a todos. A suavidade da entidade levou os médiuns a tal estado de elevação da consciência que eles se sentiram realmente em estado de êxtase. Todos esperavam que a entidade se manifestasse através do médium que recebia as orientações do mentor da casa. Os médiuns videntes puderam vislumbrar réstias de luz do Espírito comunicante. Mas a entidade superior passou pelo médium que julgavam o mais adequado para a comunicação e dirigiu-se para perto de Erasmino. Mas afinal, ele nunca dera passividade. Não poderia ser ele. Envolvido em intensa luz, Erasmino deixou-se ficar sob a proteção do visitante das esferas mais altas. Todo o ambiente estava preparado; os médiuns e o dirigente da mesa mantinham a vibração em harmonia. Leve tremor percorreu o corpo de Erasmino e seu semblante foi aos poucos modificando-se com o envolvimento espiritual. Perdeu a consciência de si mesmo e foi transportado em desdobramento a uma região belíssima do Plano Superior. Era uma cidade de flores. Rios e cachoeiras estavam convivendo perfeitamente com as construções singelas, enfeitadas por trepadeiras e flores perfumosas. Era um vale profundo, rodeado de montanhas altaneiras e verdejantes. O ar trazia o perfume de rosas e alfazemas, balsamizando o ambiente espiritual, que estava cintilando com os reflexos de formoso arco-íris, que enfeitava o céu de um azul intenso. Tudo era harmonia. Tudo era belo. As construções pareciam haver sido estruturadas em material semelhante a cristal. E as cachoeiras e rios e lagos pareciam refletir a beleza do Éden. Mas não era o Éden. Crianças de todas as raças corriam pelo vale em alegria indizível. Espíritos operosos pareciam se ocupar com atividades as mais diversas e caravanas chegavam e partiam em direção à Crosta, levando bálsamo e consolo, lenitivo e esperança. Alheio ao que se passava na reunião mediúnica, Erasmino deixou-se envolver naquele clima superior de imensa beleza e paz. Afinal, era seu primeiro desdobramento inteiramente consciente. Queria aproveitar e retemperar-se nos fluidos balsamizantes da colônia de espíritos bondosos. Aproximou-se dele um Espírito de uma mulher de feições belíssimas e de cor negra; uma aura suave a envolvia. Erasmino perguntou-lhe: _ Minha irmã, por favor, poderia me dizer onde me encontro? Em que região paradisíaca estamos? Porventura, é alguma região de Nosso Lar? O Espírito sorriu-lhe e na alegria que lhe era peculiar, disse-lhe: _ O “Nosso Lar” meu filho, é tudo isso aqui, onde Deus nos abençoa com o seu amor e com o trabalho do bem. Você veio visitar-nos; queremos que seja bem-vindo e se sinta em casa. Este é o lar de nossos antigos afetos. Você está em Aruanda, a terra do infinito. Na Terra, no ambiente da reunião mediúnica, ninguém desconfiava do desdobramento de Erasmino. Ao cabo de alguns segundos após o envolvimento de intensa espiritualidade, a entidade superior acionou as cordas vocais do médium Erasmino e falou com a simplicidade dos grandes espíritos: _ Deus seja louvado, meus filhos! Sarava os filhos da Umbanda e sarava os trabalhadores do nosso Pai Oxalá... Vovó Catarina, a nossa querida Euzália, agora falava por intermédio de Erasmino. Para espanto de todos, a preta velha deu a maior lição de moral que todos haviam escutado nesses anos todos de atividades mediúnicas numa casa de orientação Kardecista; na singeleza de sua linguagem, deu o seu recado enquanto Erasmino-Espirito estava retemperando-se em meio às estrelas, nos céus de Aruanda. A partir daquele dia, contou aquele agrupamento com o apoio de mais uma mensageira do Senhor. Embora alguns achassem diferente o seu palavreado, numa coisa todos concordavam: sempre que as coisas estavam difíceis, sempre que precisavam, a bondosa entidade, desafiando as pretensões de muitos que se julgavam os donos da verdade, estava ali, pronta para auxiliar, disposta a servir em nome do Eterno Bem. Erasmino, agora de volta às atividades, recebia com carinho as vibrações da elevada companheira espiritual, enquanto permanecia atento, estudando e defendendo os princípios espíritas, conforme codificados pelo insigne mestre Allan Kardec. Mas não ignorava o que ouvia na acústica de sua alma – o hino que lhe repercutia no espírito: “Vovó não quer casca de coco no terreiro... Vovó não quer casca de coco no terreiro... Só pra não se lembrar dos tempos do cativeiro... Só pra não lembrar dos tempos de cativeiro.” Era o cântico dos antigos escravos com os toques cadenciados dos tambores de Angola.
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