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Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia, Notas de estudo de Enfermagem

Muitas pessoas contribuíram de muitas maneiras para esta análise da importância da atenção primária dentro dos sistemas de saúde. De longe, as melhores contribuições têm sido de meus colaboradores e amigos que pensaram profundamente a respeito do assunto da atenção primária no contexto dos sistemas de saúde. Estou em dívida, especialmente, com Juan Gérvas e Mercedes Perez Fernandez, cuja amizade e colaboração constantes me levaram a novas formas de pensar e questionar. Seu auxílio em relação

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 21/02/2010

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Baixe Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! DARDARA ITARRÍSLD) ab) ENIO | AlvíAiua DO = MINISTÉRIO SGOVERNO [TIO "DA SAUDE EO ROO [DE Título original: Primary Care: balancing health needs, services, and technology Publicado anteriormente por: © 1998 by Oxford University Press, Inc. New York, N.Y. USA. Edição inglesa; e © 2001 por MASSON, S.A., Fundacó Jordi Gol i Gurina, Societat Catalana de Medicina Familiar i Comunitària. Edição espanhola. ©UNESCO 2002 Edição brasileira A edição brasileira foi publicada pelo Escritório da UNESCO no Brasil e Ministério da Saúde A autora é responsável pela escolha e apresentação dos fatos contidos neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente as da UNESCO, nem comprometem aOrganização. As indicações de nomes e a apresentação domaterial ao longo deste livro não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região ou de suas autoridades, nem tampouco a delimitação de suas fronteiras ou limites. AGRADECIMENTOS Muitas pessoas contribuíram de muitas maneiras para esta análise da importância da atenção primária dentro dos sistemas de saúde. De longe, as melhores contribuições têm sido de meus colaboradores e amigos que pensaram profundamente a respeito do assunto da atenção primária no contexto dos sistemas de saúde. Estou em dívida, especialmente, com Juan Gérvas e Mercedes Perez Fernandez, cuja amizade e colaboração constantes me levaram a novas formas de pensar e questionar. Seu auxílio em relação à BBC (Bibliográfico CESCA), uma inestimável bibliografia internacional anotada mensalmente, é responsável por minha consciência e apreciação de um conjunto maior de informações do que de outra forma seria o caso. Minha exposição inicial aos escritos de Kerr L. White e, posteriormente, a oportunidade de trabalhar como membro da faculdade em seu departamento, foram certamente influentes em meu pensamento a respeito da atenção primária, um termo que não existiria senão pela introdução feita por Kerr no início dos anos 60. Seus escritos foram os primeiros a fazer um sentido real para mim, uma jovem médica lutando para entender o que eu estava fazendo. O desafio de Kerr ao sistema de atenção de saúde para converter dados em informações, então em inteligência e a seguir em sabedoria, são tão pertinentes hoje quanto o eram 40 anos atrás. Agradeço também a meus colaboradores especiais no Johns Hopkins, os quais continuam a tornar a colaboração em pesquisa verdadeiramente emocionante. Jonathan Weiner, Don Steinwachs, Chris Forrest e Anne Riley me vêm especificamente à mente devido ao nosso trabalho em conjunto sobre assuntos relacionados à atenção primária, medidas de case-mix e a avaliação da condição de saúde de crianças e adolescentes. Também sou grata à Margorie Bowman, que me ajudou consideravelmente com os esboços clínicos, e à Karen Rappaport. Nada é suficiente para falar a respeito do enorme desejo de meus colaboradores internacionais em dividir informações e idéias – suas contribuições especiais estão notificadas, com gratidão, no Capítulo 15. Como sempre, minha família merece uma menção especial. Minha maravilhosa mãe, Eva Starfield, tomou o papel de interlocutora e editora não oficial do meu livro depois da morte de meu maravilhoso pai. Meu marido, Neil Holtzman, por ter servido como tábua de salvação oficial, apesar dos desconfortos de ter de conviver com a irritabilidade que acompanha qualquer empenho intenso, como escrever um livro. Agradeço especialmente a Rob e April, Jon e Beth, Susan e Steven por me oferecerem tanto diversão emocional como intelectual na forma de cinco netos incríveis e à Débora, por ser ela mesma. Finalmente, sinto uma gratidão extrema por minha assistente Ruth Hurd, que nem piscou nas intermináveis alterações, que permaneceu perfeitamente calma através do que pareceu serem centenas de rascunhos, e cujo auxílio foi simplesmente inestimável. SUMÁRIO Prefácio .................................................................................................................. 9 Apresentação ...................................................................................................... 13 Abstract ............................................................................................................... 15 I. ATENÇÃO PRIMÁRIA E SAÚDE 1. Atenção primária e sua relação com a saúde .............................. 19 2. Uma estrutura para a medição da Atenção Primária ................ 43 3. Morbidade na Atenção Primária .................................................... 71 II. PRÁTICA DE ATENÇÃO PRIMÁRIA 4. Descrevendo a Atenção Primária ................................................. 101 5. Profissionais de Atenção Primária, subespecialistas e outros profissionais não-médicos ............................................. 133 6. Atenção Primária no contexto dos sistemas de saúde............ 177 III. RESPONSABILIDADE NA ATENÇÃO PRIMÁRIA 7. Acessibilidade e Primeiro Contato: A “Porta” ......................... 207 8. Cadastro de pacientes e atenção orientada para o paciente ao longo do tempo ......................................................... 247 9. Interação profissional-paciente ..................................................... 291 10. Integralidade da atenção: quem deveria oferecer o que ........ 313 11. Coordenação da atenção: juntando tudo ................................... 365 IV. PACIENTES E POPULAÇÕES 12. Qualidade dos serviços de atenção primária: uma visão clínica ................................................................................ 419 13. Avaliação da Atenção Primária: uma visão da população ..... 481 14. Saúde pública e Atenção Primária orientada para a comunidade ..................................................................................... 533 10 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia responsabilidade pela atenção aos pacientes e populações no decorrer do tempo. Existe ainda a crença predominante de que a essência da atenção primária é fundamentalmente simples. Nada pode estar mais longe da verdade, e este livro é testemunha destes desafios. O livro possui cinco seções principais: Atenção Primária e Saúde; Prática de Atenção Primária; Responsabilidade na Atenção Primária; Pacientes e Populações; e Política de Saúde e Atenção Primária. • Atenção Primária e saúde. Três capítulos abordam a relação entre a atenção primária e a saúde, traçam o histórico do desenvolvimento da atenção primária como um conceito e estabelecem o fundamento para o pensamento a respeito de como as contribuições da atenção primária têm sido e podem ser avaliadas. • Prática de Atenção Primária. Três capítulos descrevem as características da prática da atenção primária e os tipos de profissionais de saúde e examinam a atenção primária como um componente dos sistemas de serviços de saúde. • Responsabilidade na Atenção Primária. Cinco capítulos abordam a medição e a avaliação dos componentes essenciais da atenção primária. Quatro descrevem a importância de cada uma das principais características da atenção primária, as abordagens para avaliar sua obtenção e suas importantes implicações políticas; outro explora a importância das interações paciente-profissional de saúde na atenção primária. • Pacientes e populações. Três capítulos exploram a inter- relação das abordagens centradas no paciente e centradas na população para alcançar uma atenção primária de alta qualidade, efetiva e eqüitativa. • Política de Saúde e Atenção Primária. Os últimos quatro capítulos examinam vários sistemas de atenção primária em nações industrializadas ocidentais, a importância dos sistemas de informação na atenção primária, as 11 necessidades de pesquisa que podem ser adotadas como uma estratégia nacional e ser realizadas por organizações de pesquisa ou pesquisadores individuais e uma agenda de política para atingir uma maior eficácia e eqüidade. O livro é para aquelas pessoas desafiadas pelo pensamento crítico a respeito do que é a atenção primária, o que deveria ser e qual a sua contribuição para a melhora da saúde. Isto inclui muitos médicos que a praticam, educadores que a ensinam, pesquisadores que a estudam e avaliam, pacientes que a utilizam e desejam entendê-la, e formuladores de política interessados em melhorá- la. O livro tenta servir a cinco públicos: profissionais de saúde de atenção primária que querem entender o que fazem e por que o fazem; educadores de profissionais de saúde de atenção primária que desejam uma base para pensar a respeito de suas abordagens para a aprendizagem; pesquisadores que podem encontrar estruturas, conceitos e dicas para direcionar seu trabalho; formuladores de política que se beneficiariam de uma melhor apreciação das dificuldades e desafios da atenção primária e de sua importância; e os consumidores dos serviços de saúde, os quais podem achar útil entender e interpretar suas próprias experiências. O livro anterior foi escrito às vésperas da eminente reforma da atenção à saúde nos Estados Unidos, na esperança de trazer maior interesse à atenção primária àqueles esforços. Portanto, os exemplos usados foram, em sua maioria, desse país. Agora a situação mudou; quase todos os países estão lutando com suas próprias reformas e os princípios são aplicados em todos os lugares. Os resultados de estudos em outros países, escritos principalmente em língua inglesa, são agora incorporados a este livro em uma extensão muito maior. Como a literatura que trata da atenção primária ainda é esparsa, muitos dos capítulos neste livro incorporam achados mencionados no livro anterior, juntamente com as evidências que foram adicionadas durante a década de 90. Assim, o livro serve como uma fonte de informações acumuladas referentes ao desenvolvimento e à avaliação da atenção primária no século XX. 12 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia O livro é amplamente direcionado para a atenção fornecida pelos médicos. Isso não sugere que outros profissionais, especialmente enfermeiros, tenham pouca responsabilidade na atenção primária. Ao contrário, a tese é baseada na suposição, geralmente considerada precisa para as nações industrializadas, que o médico é que tem a responsabilidade de enxergar a totalidade da atenção primária. Outros profissionais podem assumir responsabilidade por alguns de seus aspectos, mesmo por alguns dos mais centrais, mas é o médico que deve supervisionar todos os seus aspectos. O reconhecimento da importância de outros tipos de profissionais vem na forma do uso da palavra profissional de saúde ao longo do livro. A expressão “profissional de saúde”, em vez de médico, é usada sempre que a função específica sob consideração algumas vezes seja, ou possa ser, assumida por um profissional que não seja médico. Embora a capacitação especial dos médicos de atenção primária os torne “especialistas” em sua área de prática, o livro adota a designação mais convencional de profissionais de saúde não ligados à atenção primária como “especialistas” ou “subespecialistas”. Os leitores devem entender que isto é meramente “simbólico”, uma vez que os médicos de atenção primária são, na verdade, especialistas em atenção primária. A atenção primária é complexa. Seus desafios exigirão esforços conjuntos na pesquisa e na tradução sistemática do conhecimento em políticas. Embora a atenção primária tenha se tornado cada vez mais reconhecida como um aspecto crítico dos sistemas de saúde, ela ainda sofre de uma falta de apreciação de suas características e contribuições, sendo que suas funções estão sob constante ameaça de serem banalizadas no zelo de economizar em serviços de saúde. Uma atenção primária forte é essencial para um sistema de saúde forte. Se este livro transmitir isso aos leitores, terá atingido seus objetivos. 15 ABSTRACT In Primary Care: Balancing Health Needs, Services and Technology, Barbara Starfield presents evidence of the positive impact of primary care on the health of populations and provides innovative methods to evaluate the attainment and contribution of primary care systems and practitioners. This volume is a valuable extension of the author’s 1992 book on primary care, underscoring two additional areas: the role of primary care in facilitating equity in health services, and the emerging overlap between clinical medicine and public health. As primary care increasingly informs health care decision-making throughout the world, this updated edition is critical for the future trajectory of health policy. I Atenção Primária e Saúde 19 1. ATENÇÃO PRIMÁRIA E SUA RELAÇÃO COM A SAÚDE ... o fracasso em reconhecer que os resultados de observações especializadas são, quando muito, apenas verdades parciais, que precisam ser corrigidas com fatos obtidos por estudo mais amplo. ... Não existe membro mais perigoso da nossa profissão do que aqueles nela nascidos, os especialistas. Osler, 1892 Todo sistema de serviços de saúde possui duas metas principais. A primeira é otimizar a saúde da população por meio do emprego do estado mais avançado do conhecimento sobre a causa das enfermidades, manejo das doenças e maximização da saúde. A segunda meta, e igualmente importante, é minimizar as disparidades entre subgrupos populacionais, de modo que determinados grupos não estejam em desvantagem sistemática em relação ao seu acesso aos serviços de saúde e ao alcance de um ótimo nível de saúde. Em reconhecimento às crescentes iniqüidades sociais e de saúde em quase todos os países, a Organização Mundial da Saúde adotou um conjunto de princípios para construir a base da atenção primária dos serviços de saúde. Conhecida como a Carta de Lubliana, ela propõe que os sistemas de atenção de saúde deveriam ser: • dirigidos por valores de dignidade humana, eqüidade, solidariedade e ética profissional; • direcionados para a proteção e promoção da saúde; • centrados nas pessoas, permitindo que os cidadãos inf luenciem os serviços de saúde e assumam a responsabilidade por sua própria saúde; 22 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia a mexer nos genes para alterar estados de saúde. Além disso, a tecnologia moderna torna cada vez mais possível interferir com a expressão genética por meios como modificação do meio ambiente, alteração de comportamento e o uso de determinados tipos de atenção médica. Os outros determinantes da saúde – ambiente social e físico, comportamentos individuais e serviços de saúde (prática médica) – superpostos à estrutura genética (genótipo) são mostrados na Figura 1.1. Conforme indicado nesta figura, a saúde de um indivíduo ou uma população é determinada por sua combinação genética, mas grandemente modificado pelo ambiente social e físico, por comportamentos que são cultural ou socialmente determinados e pela natureza da atenção à saúde oferecida. Figura 1.1 Determinantes do estado de saúde. Fonte: Starfield (1973). 23 1. Atenção Primária e sua relação com a saúde A Figura 1.2 mostra a provável rota para estes importantes determinantes, de acordo com o conhecimento atual. A cadeia de causas é complexa. Ela envolve fatores antecedentes, como o contexto ambiental, as condições sociais e as relações sociais, e os fatores de risco genético. Alguns destes fatores operam diretamente (como água contaminada ou fatores de risco à segurança em casa) e alguns indiretamente por meio de fatores de mediação envolvendo comportamento, estresses sociais e acesso à atenção médica. Todos os riscos interagem de várias formas (muitas delas desconhecidas) em seu efeito sobre a saúde. Esta visão dos determinantes de saúde refere-se tanto ao indivíduo como aos indivíduos. Ou seja, o estado de saúde de uma população é determinado pelos mesmos fatores que agem no nível ecológico (população), em vez do nível individual. Assim, a condição de saúde de uma comunidade é determinada pelas características ambientais daquela comunidade, as características comportamentais de sua população e o senso de conexão e de graus de coesão social na comunidade. O mesmo ocorre para as condições sociais, como níveis de renda e riqueza na população, o nível geral de educação na comunidade e as características de oportunidades de trabalho disponíveis para seus membros. Na maioria das nações industrializadas há diferenças sistemáticas na falta de saúde entre comunidades, com concentrações mais elevadas entre os socialmente desfavorecidos, independente da medida da morbidade (mortalidade, morbidade objetivamente verificada, saúde auto-avaliada, presença de limitações decorrentes de enfermidades crônicas ou simplesmente a presença de enfermidades crônicas). Muitos estudos demonstraram que a morbidade se concentra mais entre os socialmente desfavorecidos, e este é o caso em todos os países em que ela foi estudada. Entretanto, as disparidades variam de país para país, sendo muito pior em alguns (como nos Estados Unidos) do que em outros (como os Países Baixos) (Wagstaff e Van Doorslaer, 1993). Utilizando a mortalidade de homens entre 35 e 64 anos de idade como indicador de saúde, Kunst (1997) encontrou disparidades 2 4 A TE N Çà O PRIM Á RIA :equilíbrioentrenecessidadesdesaúde,serviçosetecnologia Adaptado de Starfield (1990) Figura 1.2 Determinantes de saúde e doença. 27 1. Atenção Primária e sua relação com a saúde quanto mais eqüitativa a distribuição de renda na população, mais longa a expectativa média de vida, mesmo quando os níveis médios de renda no país são similares (Wilkinson, 1992, 1996, 1997). Foi demonstrado haver a mesma relação dentro dos países e para outros indicadores de saúde. Por exemplo, dados dos 50 estados dos EUA mostram uma relação bastante notável entre os índices de desigualdade de renda no estado e a mortalidade ajustada à idade, mortalidade infantil, mortalidade por doença cardíaca, mortalidade por vários tipos de câncer, mortes por todas as doenças infecciosas combinadas e por tuberculose, além de por pneumonia e bronquite, separadamente, e homicídios. Os achados persistiram mesmo quando as diferenças nas taxas de tabagismo foram consideradas (Kennedy et al., 1996). Em outro estudo, utilizando uma medida diferente de desigualdade de renda, os achados foram os mesmos. Além disso, foi descoberto que uma maior desigualdade de renda estava associada a uma porcentagem maior de crianças nascidas vivas pesando menos de 2.500 gramas e taxas maiores de incapacitação entre a população (Kaplan et al., 1996). Ou seja, quanto maior a desigualdade de renda, maiores as taxas de problemas relacionados à saúde, sem levar em conta a medida específica da desigualdade de renda. Os serviços de saúde, na qualidade de um dos determinantes diretos, podem ter um papel na melhora da saúde, mesmo em face das notáveis iniqüidades na distribuição de riquezas. Como o nível global de gastos em serviços de saúde não está uniformemente associado a melhores níveis de saúde, qualquer efeito dos serviços de saúde deve ser uma conseqüência de características específicas destes serviços de saúde. Com base apenas na teoria, é provável que a obtenção de efetividade e eqüidade exija que o sistema de saúde tenha uma forte orientação de atenção primária. Para que a atenção primária otimize a saúde, ela deve enfocar a saúde das pessoas na constelação dos outros determinantes de saúde, ou seja, no meio social e físico no qual as pessoas vivem e trabalham, em vez de enfocar apenas sua enfermidade individual. As unidades de atenção primária obtêm a eqüidade fornecendo 28 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia atenção no nível mais apropriado; assim, isso libera recursos que podem ser usados para diminuir as disparidades na saúde entre os segmentos mais e menos necessitados da população. A atenção primária é aquele nível de um sistema de serviço de saúde que oferece a entrada no sistema para todas as novas necessidades e problemas, fornece atenção sobre a pessoa (não direcionada para a enfermidade) no decorrer do tempo, fornece atenção para todas as condições, exceto as muito incomuns ou raras, e coordena ou integra a atenção fornecida em algum outro lugar ou por terceiros. Assim, é definida como um conjunto de funções que, combinadas, são exclusivas da atenção primária. A atenção primária também compartilha características com outros níveis dos sistemas de saúde: responsabilidade pelo acesso, qualidade e custos; atenção à prevenção, bem como ao tratamento e à reabilitação; e trabalho em equipe. A atenção primária não é um conjunto de tarefas ou atividades clínicas exclusivas; virtualmente, todos os tipos de atividades clínicas (como diagnóstico, prevenção, exames e várias estratégias para o monitoramento clínico) são características de todos os níveis de atenção. Em vez disso, a atenção primária é uma abordagem que forma a base e determina o trabalho de todos os outros níveis dos sistemas de saúde. A atenção primária aborda os problemas mais comuns na comunidade, oferecendo serviços de prevenção, cura e reabilitação para maximizar a saúde e o bem-estar. Ela integra a atenção quando há mais de um problema de saúde e lida com o contexto no qual a doença existe e influencia a resposta das pessoas a seus problemas de saúde. É a atenção que organiza e racionaliza o uso de todos os recursos, tanto básicos como especializados, direcionados para a promoção, manutenção e melhora da saúde. Vuori (1985) sugeriu quatro formas de visualizar a atenção primária: como um conjunto de atividades, como um nível da atenção, como uma estratégia para organizar a atenção à saúde e como uma filosofia que permeia a atenção à saúde. Já que existem poucas atividades que sejam exclusivas da atenção primária, a 29 1. Atenção Primária e sua relação com a saúde primeira abordagem é inadequada. Os níveis de atenção, as estratégias para organização da atenção à saúde e uma “filosofia” estão inter-relacionados, sendo que a definição de atenção primária utilizada neste livro capta suas inter-relações. A atenção primária difere da atenção por consulta, de curta duração (atenção secundária) e do manejo da enfermidade a longo prazo (atenção terciária) por várias características. A atenção primária lida com os problemas mais comuns e menos definidos, geralmente em unidades comunitárias como consultórios, centros de saúde, escolas e lares. Os pacientes têm acesso direto a uma fonte adequada de atenção que é continuada ao longo do tempo, para diversos problemas e que inclui a necessidade de serviços preventivos. Comparada à Medicina subespecializada, a atenção primária é menos intensiva, tanto em capital como em trabalho, e menos hierárquica em sua organização. Portanto, é inerentemente mais adaptável e capaz de responder às necessidades sociais de saúde em mudança. Na atenção especializada, os pacientes tipicamente são encaminhados por um outro médico que já explorou a natureza do problema do paciente e iniciou um trabalho de diagnóstico preliminar. O processo de diagnóstico resulta em uma definição precisa de fisiopatologia; as intervenções são basicamente orientadas para este processo fisiopatológico. Na atenção primária, ao contrário, geralmente, o paciente é conhecido pelo médico, sendo que, a entrada no sistema é dada pelo paciente, freqüentemente com queixas muito pouco específicas e vagas. A principal tarefa é a elucidação do problema do paciente e a obtenção de informações que levem a um diagnóstico e à escolha do manejo mais apropriado. Médicos da atenção primária, quando comparados com especialistas, lidam com uma variedade mais ampla de problemas, tanto com pacientes individuais como com a população com a qual trabalham. Como estão mais próximos do ambiente do paciente do que os especialistas, estão em uma posição melhor para avaliar o papel dos múltiplos e interativos determinantes da doença e da saúde. 32 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia residem onde trabalham. São, portanto, membros da comunidade à qual servem e é em seu benefício que atuam como agentes de mudança, quando existem circunstâncias ambientais ou sociais que necessitam de melhoria (Gilpin, 1991). Esta integração dos serviços médicos convencionais com serviços sociais e ambientais se encaixa no modelo previsto em Alma Ata. Muitas das metas específicas definidas em Alma Ata já foram alcançadas em países industrializados (Vuori, 1984). A maioria destes países pode ressaltar com orgulho seus programas de longa duração para a maior parte das atividades: fornecimento de alimentos, fornecimento de água potável, saúde materno-infantil, imunizações e controle de doenças endêmicas, tratamento básico de problemas de saúde e fornecimento de medicamentos essenciais. Quando a atenção primária em saúde é vista como serviços “acessíveis”, muitos destes países podem, com justiça, assegurar que alcançaram as metas devido à disponibilidade de serviços de atenção médica. Apenas quando as nações encaram a atenção primária à saúde como uma estratégia para integrar todos os aspectos dos serviços de saúde é que ela se torna igualmente aplicável como uma meta em nações industrializadas. Esta visão requer que um sistema de atenção à saúde seja organizado para enfatizar a justiça e a eqüidade social, a auto-responsabilidade, a solidariedade internacional e a aceitação de um conceito amplo de saúde (Vuori, 1984). As mudanças necessárias para converter a atenção médica primária convencional nas nações industrializadas em uma atenção primária à saúde mais ampla, conforme a definição elaborada em Alma Ata, estão descritas na Tabela 1.1. Todas as orientações de mudanças fazem parte das metas de atenção primária de acordo com a concepção neste livro, o qual utiliza o termo atenção primária para denotar a atenção médica primária convencional lutando para alcançar os objetivos da atenção primária à saúde. A intenção é sugerir que, ao aumentar a orientação dos serviços de atenção primária em direção à resposta das necessidades, tanto das comunidades como dos indivíduos que buscam atenção, a atenção médica primária convencional se aproximará da visão de atenção primária à saúde de Alma Ata e em direção a uma maior eqüidade. 33 1. Atenção Primária e sua relação com a saúde Tabela 1.1 Da atenção médica primária à atenção primária à saúde Adaptado de Vuori (1985) ATENÇÃO PRIMÁRIA COMO UM ENFOQUE DE INTERESSE POLÍTICO Em muitas partes do mundo, os benefícios da atenção primária foram adotados pela fé. Conforme foi observado acima, o Relatório Dawson, de 1920, apresentou uma estrutura organizacional baseada em diferentes níveis de atenção, sendo a mais básica o centro de atenção primária à saúde, apoiado por um nível secundário, consistindo de especialistas que forneciam atenção por consultas que, por sua vez, era apoiado por um nível terciário baseado em hospitais-escola para atenção às doenças mais incomuns e complicadas. A Declaração de Alma Ata, de 1978, codificou a “santidade” da atenção primária à saúde como um princípio para todos os sistemas de saúde do mundo. Foi apenas recentemente, entretanto, que evidências empíricas dos benefícios da atenção primária foram procuradas e encontradas. 34 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia Comparações internacionais Nem todos os países organizaram seus sistemas de saúde em torno de uma forte base de atenção primária. O imperativo tecnológico do século XX tem sido responsável por uma tendência à especialização e à inferioridade do generalista, sendo este imperativo mais forte em alguns países do que em outros. Em que medida estas diferenças na orientação da atenção primária estão associadas a uma saúde melhor, custos mais baixos e satisfação das pessoas com seu sistema de saúde? Uma comparação entre 12 nações industrializadas ocidentais diferentes indica que os países com uma orientação mais forte para atenção primária, na verdade, possuem maior probabilidade de ter melhores níveis de saúde e custos mais baixos (Starfield, 1994). Foi desenvolvida uma classificação para a força da orientação de atenção primária utilizando cinco características do sistema de saúde que se pensava estarem associadas a uma forte atenção primária e seis características das unidades de saúde que refletem uma forte atenção primária. As cinco características do sistema foram a medida na qual os profissionais e instalações de saúde estavam regulados de modo que estivessem geograficamente distribuídos aproximadamente de acordo com o grau de necessidade; o tipo de médico designado como médico de atenção primária; os honorários profissionais dos médicos de atenção primária em relação a outros especialistas; o número de médicos de atenção primária em relação a outros especialistas; e a extensão da cobertura de seguro para os serviços de saúde. As seis características das unidades de saúde foram a extensão na qual as pessoas buscam o primeiro atendimento com seu médico de atenção primária antes de ir a qualquer outro lugar; a força das relações entre as pessoas e seu médico de atenção primária; a medida em que a unidade de atenção primária tratou de necessidades comuns, independente de seu tipo; o grau de coordenação entre a atenção primária e outros serviços de saúde; a orientação familiar da atenção primária; e a orientação comunitária da atenção primária. 37 1. Atenção Primária e sua relação com a saúde Figura 1.4 Relação entre a força da atenção primária e os gastos totais com atenção à saúde Figura 1.5 Relação entre as políticas do sistema de saúde e as características da prática relacionada à atenção primária 38 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia Outras avaliações do impacto da atenção primária As primeiras destas avaliações mediram o impacto da atenção primária por meio do exame de diversas medidas de resultado em áreas mais e menos bem servidas de médicos de atenção primária e especialistas. Utilizando dados de todos os condados dentro dos estados continentais dos Estados Unidos para 1978-1982, Farmer e colaboradores (1991) foram os primeiros a demonstrar taxas de mortalidade específicas para a idade consistentemente mais baixas em condados com proporções mais altas de médicos de atenção primária para a população. Embora as taxas de pobreza (mas não áreas rurais, porcentagem de lares chefiados por mulheres, porcentagem da população com menos de 12 anos de escolaridade ou porcentagem de minoria) também tivessem sido consistentemente relacionadas às taxas de mortalidade, a proporção de médicos de atenção primária para a população teve um efeito independente. Shi (1994) estendeu esta abordagem ao examinar o efeito dos médicos de atenção primária por coeficiente da população sobre as “chances de vida” (taxas de mortalidade total, taxas de mortalidade por doença cardíaca, taxas de mortalidade por câncer, expectativa média de vida ao nascer, mortalidade neonatal e baixo peso no parto) das proporções de médicos de atenção primária por população, proporção de especialistas por coeficiente da população, class i f icação estadual dos indicadores socioeconômicos (taxa de desemprego, nível de escolaridade, índice de poluição, renda per capita) e as classificações estaduais dos indicadores de estilo de vida (taxas de negligência no uso de cinto de segurança, obesidade e tabagismo). A Tabela 1.2 resume os achados, os quais mostram que, quanto mais médicos de atenção primária por população e quanto menor o número de outros especialistas por população, melhores as chances de vida, independente do efeito de outros fatores de influência, como a renda per capita. 39 1. Atenção Primária e sua relação com a saúde Shea e colaboradores (1992) utilizaram uma abordagem de caso-controle para examinar o impacto de ter um médico de atenção primária. Homens que apareceram em um pronto atendimento numa grande área metropolitana foram caracterizados como portadores de complicações de hipertensão ou portadores de outros problemas enquanto, ocasionalmente também apresentam hipertensão, que era não complicada. A probabilidade de que aqueles homens cuja hipertensão foi a causa de sua consulta tivessem uma fonte regular de atenção primária foi menor do que os homens cuja hipertensão tinha sido um achado casual. A presença de uma fonte de atenção primária foi a diferença mais marcante entre os dois grupos – até mesmo mais importante do que a cobertura do seguro. Welch e colaboradores (1993) examinaram declarações para serviços fornecidos a indivíduos com mais de 65 anos de idade em todos os Estados Unidos para explorar as razões para a variação geográfica nos gastos com médicos. Embora os gastos não estivessem relacionados ao número total de médicos por população, Tabela 1.2 Principais determinantes de resultado (mortalidade geral, mortalidade por doença cardíaca, mortalidade por câncer, mortalidade neonatal, duração da vida, baixo peso ao nascer) em 50 Estados dos EUA Observação: Todas as variáveis são ecológicas, não individuais. Fonte: Shi (1994) 42 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia DOORSLAER, E.; WAGSTAFF, A.; RUTTEN, F. (Ed.). Equity in the Finance and Delivery of Health Care: An International Perspective. Oxford: Oxford University Press, 1993. p. 17-19. WELCH W.P. et al. Geographic variation in expenditures for physicians’ services in the United States. N Engl J Med n. 328, p. 621-7, 1993. WILKINSON, R.G. Income distribution and life expectancy. BMJ, n. 304, p. 165-8, 1992. _________. Unhealthy Societies: The Afflictions of Inequality. London: Routledge, 1996. _________. Socioeconomic determinants of health. Health inequalities: Relative or absolute material standards? BMJ, v. 314, n. 7080, p. 591-5, 1997. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Health promotion: A discussion document on the concept and principles. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe. _________. Primar y Health Car e . Geneva: World Health Organization, 1978. 43 A atenção primária, conforme foi definida no Capítulo 1, oferece o suporte filosófico para a organização de um sistema de serviços de saúde. Mas as definições gerais não ajudam quando a tarefa é determinar se um dado sistema merece a descrição de atenção primária. É necessário que sejamos mais específicos. Historicamente, a atenção primária tem sido definida pelo tipo de médico que a exerce; mesmo atualmente é comum que seja caracterizada como aquele atendimento oferecido por clínicos gerais (ou médicos de famíl ia) . O problema com esta caracterização é que a norma para a atenção primária transforma- se naquela que descreve as unidades de medicina de família. Como isto pode variar de lugar para lugar e de país para país, é necessária uma melhor alternativa para especificar suas funções. A atenção primária pode ser distinguida de outros tipos de atenção pelas características clínicas dos pacientes e seus problemas. Estas características incluem a variedade de diagnósticos ou problemas observados, um componente identificável dedicado à prevenção das doenças e uma alta proporção de pacientes que já sejam conhecidos na unidade de saúde. Comumente é pensado que os profissionais de saúde da atenção primária possam ser diferenciados daqueles da atenção secundária e terciária pela variedade dos problemas encontrados. Sobre a totalidade dos problemas, os subespecialistas podem ter uma maior variedade de diagnósticos, já que a maioria dos problemas muito raros pode ser encontrada na atenção especializada e não na atenção primária. Esperava-se que os profissionais de saúde da atenção primária 2. UMA ESTRUTURA PARA A MEDIÇÃO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA 44 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia possuíssem uma maior variedade dos diagnósticos mais comuns, supunha-se por exemplo, aqueles que abrangem 50% das consultas, já que seria esperado que os subespecialistas atendessem principalmente pacientes com um subgrupo destes diagnósticos comuns que têm complicações que não podem ser tratadas por médicos de atenção primária. Além disso, os subespecialistas, por definição, limitam-se apenas a determinados tipos de diagnósticos e, portanto, tratariam de uma variação menor de diagnósticos. Assim, profissionais de saúde da atenção primária deveriam observar uma variedade maior de tipos de diagnósticos, pelo menos entre seus diagnósticos mais freqüentes, do que os subespecialistas. Outra forma de avaliar a variedade de diagnósticos ou a variedade de problemas apresentados é examinar a porcentagem de todos os diagnósticos que contribuíram para os 50 diagnósticos mais comuns; esta porcentagem deveria ser menor na unidade de atenção primária do que na unidade subespecializada, já que se imaginava que as unidades de atenção primária teriam uma variedade maior. Como a atenção primária é o ponto de primeiro contato dentro do sistema de atenção à saúde, seus profissionais deveriam encontrar uma série muito mais ampla de problemas apresentados do que no caso da atenção subespecializada. Quando estes problemas apresentados são catalogados, um número muito maior deles deveria abranger qualquer porcentagem determinada de todos os problemas na atenção primária do que na atenção especializada. Também podemos supor que nas unidades de atenção primária haja uma maior porcentagem de consultas classificadas como relacionadas à prevenção. As unidades de atenção primária deveriam envolver uma proporção maior de pacientes que recebem atenção continuada do que aqueles que chegam pela primeira vez, sendo que a descrição da unidade de atenção primária e da subespecializada deveria demonstrar a diferença. Uma característica relacionada que deveria distinguir a atenção primária é uma maior familiaridade dos profissionais de atenção primária tanto com o paciente como com seus problemas. Seria esperado que tanto os médicos de atenção primária quanto os 47 2. Uma estrutura para a medição da Atenção Primária Um comitê do Institute of Medicine [Instituto de Medicina] (1978) sugeriu uma abordagem para avaliar a atenção primária, listando os atributos da atenção primária como acessibilidade, integralidade, coordenação, continuidade e responsabilidade. Destes cinco atributos, apenas a integralidade foi realmente definida (capacidade da equipe de atenção primária em lidar com os problemas emergentes na população à qual serve). A responsabilidade foi reconhecida como uma característica não exclusiva da atenção primária, embora essencial a ela. O comitê reconheceu que a atenção primária não poderia ser avaliada por características descritivas como a localização da atenção, o campo de treinamento do profissional ou pela oferta de um conjunto particular de serviços. Mas estabeleceu que “os profissionais que treinam homens e mulheres para atenção primária devem acostumar seus estudantes a um ambiente de prática que atenda ou exceda” os padrões da atenção primária, especificados na forma de respostas positivas a um conjunto de 21 questões referentes a seus cinco atributos. Sete questões foram dedicadas à acessibilidade, seis à integralidade, quatro à coordenação, três à continuidade e uma à responsabilidade. Os resultados dos esforços deste comitê foram um marco importante na tentativa de delinear um método normativo para medir a obtenção da atenção primária. Entretanto, a lista de questões apresenta limites. Em primeiro lugar, a maioria dos indicadores na lista poderia ser atributos da atenção secundária ou terciária, além da atenção primária; estes incluem a oportunidade para os pacientes marcarem consultas; a avaliação da cultura, dos antecedentes, da condição socioeconômica e circunstâncias de vida do paciente; a disponibilidade para internar pacientes em hospitais, asilos ou clínicas de recuperação; a oferta de informações simples e compreensíveis sobre taxas; a aceitação de pacientes sem considerar sua raça, religião ou etnia; prontuários de saúde acessíveis e facilmente localizáveis; oferta de um resumo dos registros do paciente a outrosmédicos quando necessário; e a garantia de responsabilidade por alertar as autoridades competentes se o problema de um paciente revelar ser uma ameaça à saúde que possa afetar a outrem. 48 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia Em segundo lugar, muitos dos indicadores exigem um nível muito alto de desempenho e não permitem nenhuma variabilidade, sendo, portanto, difíceis de atingir. Um exemplo é a exigência de que “90% das solicitações adequadas para consultas de rotina, como exames preventivos, sejam atendidas dentro de uma semana”. Em terceiro lugar, muitos dos indicadores representam a capacidade potencial de oferecer um serviço, em vez de sua realização concreta. Alguns exemplos são: a oferta de pessoal que possa lidar com pacientes com barreiras especiais de linguagem (em vez da existência concreta de tais serviços para aqueles que deles precisam), a disponibilidade dos profissionais para internar pacientes em outras instituições (em vez do grau em que podem fazê-lo) e a disposição da unidade de saúde para lidar com a grande maioria dos problemas dos pacientes (em vez da demonstração de que a unidade realmente realiza isso). Uma alternativa ao método de avaliação da atenção primária sugerido pelo Instituto de Medicina é avaliar o nível real de alcance de resultados em vez do potencial de obtenção do primeiro contato, da longitudinalidade, da integralidade e da coordenação. Os padrões para avaliar a adequação estariam baseados no grau de melhoria de uma época para outra ou pela comparação de um sistema em relação a outro, em vez de fazê-lo em comparação com um padrão absoluto arbitrário. Assim como a lista do Instituto de Medicina, a abordagem facilita a auto-avaliação de clínicas ou unidades de saúde, bem como a avaliação por uma instituição externa, para determinar o grau com que o estabelecimento ou o sistema de serviços de saúde oferece atenção primária que responda aos padrões aceitos ou que, pelo menos, alcance um nível de desempenho mais alto do que outros. Para isso, os critérios do Instituto de Medicina foram adaptados por Smith e Buesching (1986) para verificar o grau em que a atenção primária era atingida. Perguntaram a uma amostra casual de pessoas sobre características selecionadas de seu atendimento; das respostas resultou um escore de atenção primária. 49 2. Uma estrutura para a medição da Atenção Primária O acesso foi verificado por respostas a afirmativas como “eu poderia telefonar para meu médico hoje por estar com dor no peito e receber uma resposta imediata” e “se eu entrasse em contato com meu médico com um problema de saúde que não fosse uma emergência, ele me examinaria dentro de um período razoável de tempo”. A continuidade foi expressa em respostas como “meu médico me vê para exames regulares mesmo se eu não tenho uma doença específica” e “meu médico me oferece tratamentos confiáveis de acompanhamento para a doença”. A integralidade foi julgada por respostas como “meu médico cuida da maioria dos meus problemas médicos” e “meu médico tem um excelente conhecimento sobre toda minha medicação atual”. As respostas sobre coordenação incluíram “se eu precisar de um exame laboratorial ou de radiografias, meu médico explica os resultados para mim” e “se vários médicos estão envolvidos no meu tratamento, meu médico organiza-o”. Uma característica adicional, a atenção personalizada, foi avaliada por meio de respostas como “meu médico tem um excelente conhecimento sobre o tipo de trabalho que eu faço” e “posso discutir um problema pessoal, familiar ou emocional com meu médico”. A satisfação com a atenção estava altamente associada ao escore derivado da combinação das respostas para estes atributos; também foram associados altos escores de atenção primária a pacientes que estiveram doentes menos dias e que ficaram menos dias em casa devido à doença, depois que fatores que pudessem gerar confusão, como percepção do estado de saúde e problemas de saúde relatados, fossem levados em consideração. Entretanto, a especialidade do médico pessoal não foi associada ao escore de atenção primária e cerca de 25% da amostra da comunidade indicaram um subespecialista como seu médico pessoal. Um relatório mais recente sobre atenção primária do Instituto de Medicina definiu-a como “a oferta de serviços de atenção à saúde integrados e acessíveis por meio de clínicos que sejam responsáveis por atender a uma grande maioria de necessidades 52 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia capítulo enfatiza a importância de enfocar a atenção primária dentro do contexto de um sistema de saúde que trata explicitamente das funções duais para atender tanto às necessidades das comunidades como às daqueles indivíduos que buscam atendimento por si mesmos (pacientes). ATENÇÃO PRIMÁRIA A PARTIR DO PONTO DE VISTA DO SISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE A Canadian Medical Assoc iat ion [Associação Médica Canadense] considera, explicitamente, a atenção primária como o ponto de entrada para o sistema de atenção à saúde, estando inter- relacionada aos outros componentes do sistema. Define a atenção primária como consistindo de “avaliação de um paciente ao primeiro contato e a oferta de atenção continuada para uma ampla variedade de questões de saúde, além de incluir a abordagem de problemas de saúde, prevenção e promoção de saúde; e apoio continuado, com intervenções familiar e comunitária, quando necessário”. Difere, assim, do relatório do Instituto de Medicina ao distinguir a atenção ao primeiro contato como uma função crucial e ao incluir intervenções comunitárias na definição das funções (Canadian Medical Association, 1994). A Charter for General Practice/Family Medicine in Europe [Carta para Clínica Geral/Medicina de Família na Europa], desenvolvida por um grupo de trabalho da região européia da Organização Mundial da Saúde (1994), reconhece, explicitamente, o papel da atenção primária como um sistema de atenção que oferece atendimento acessível e aceitável para os pacientes; assegura a distribuição eqüitativa de recursos de saúde; integra e coordena serviços curativos, paliativos, preventivos e promotores de saúde; controla, de forma racional, a tecnologia da atenção secundária e os medicamentos; e aumenta a relação custo-efetividade dos serviços por meio de 12 características: 53 2. Uma estrutura para a medição da Atenção Primária 1. Geral: não é restrita a faixas etárias ou tipos de problemas ou condições 2. Acessível: em relação ao tempo, lugar, financiamento e cultura 3. Integrada: curativa, reabilitador, promotora de saúde e preventiva de enfermidades 4. Continuada: longitudinalidade ao longo de períodos substanciais de vida 5. Equipe: o médico é parte de um grupo multidisciplinar 6. Holística: perspectivas físicas, psicológicas e sociais dos indivíduos, das famílias e das comunidades 7. Pessoal : atenção centrada na pessoa e não na enfermidade 8. Orientada para a família: problemas compreendidos no contexto da família e da rede social 9. Orientada para a comunidade: contexto de vida na comunidade local; consciência de necessidades de saúde na comunidade; colaboração com outros setores para desencadear mudanças positivas de saúde 10. Coordenada: coordenação de toda a orientação e apoio que a pessoa recebe 11. Confidencial 12. Defensora: defensora do paciente em questões de saúde sempre e em relação a todos os outros provedores de atenção à saúde. Reconhece, ainda, que determinadas condições estruturais, melhoras organizacionais e questões de desenvolvimento profissional devem ser consideradas na oferta de atenção primária de alta qualidade. As condições estruturais incluíam a clara definição de uma unidade de saúde em que os membros da população tivessem o direito de optar e mudar a escolha de profissionais de atenção primária, a capacidade de colocar uma unidade de saúde na comunidade em que sua população reside, atenção ao primeiro contato em que o acesso a especialistas é 54 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia dado por meio do profissional de saúde de atenção primária e um sistema de remuneração equilibrado para oferecer toda a variedade de serviços necessários para a população. Tanto a visão de atenção primária centrada na população como na pessoa oferecem uma base para um sistema normativo de medição das funções de atenção primária dentro de um sistema de serviços de saúde. Além disso, introduz a necessidade de levar em conta tanto a estrutura de sistemas de saúde como os comportamentos que refletem a função, seja a partir do ponto de vista da população, seja do indivíduo. A Figura 2.1 especifica os componentes importantes do sistema de saúde de acordo com seu tipo: estrutura, processo e resultado (Donabedian, 1966). As características individuais dentro de cada componente diferem de lugar para lugar e de época para época, mas cada sistema de serviços de saúde possui uma estrutura (ou capacidade) que consiste das características que possibilitam que ofereça serviços, os processos (ou desempenho) que envolvem tanto ações por parte dos profissionais de saúde no sistema como as ações das populações e dos pacientes, e o resultado refletido em vários aspectos do estado de saúde. Estes componentes interagem com o comportamento individual e são determinados tanto por ele como pelo ambiente social, político, econômico e físico em que o sistema de serviços de saúde existe. As páginas seguintes descrevem uma abordagem para medição da atenção primária com base em determinadas estruturas e processos ou, como são mais comumente designados, “capacidade” e “desempenho” dentro do sistema de serviços de saúde. Esta abordagem para medir a atenção primária presume que os atributos estruturais estejam em seu devido lugar para que importantes atividades possam ser realizadas. Também presume a importância de aval iar o desempenho dessas atividades. Assim, medir os aspectos principais envolve a medição de uma característica comportamental e da característica estrutural da qual ela depende. 57 2. Uma estrutura para a medição da Atenção Primária Mecanismos para oferecer acesso ao atendimento: não tem sentido possuir pessoal, instalações e equipamentos se não puderem ser utilizados por pessoas que deles necessitem. Existem diversos tipos de acessibilidade: acessibilidade em relação ao tempo (ou seja, o horário de disponibil idade), acessibilidade geográfica (adequação de transporte e distância a ser percorrida) e acessibilidade psicossocial (existem barreiras de linguagem ou culturais à comunicação entre os funcionários, nas instalações, e os pacientes?). A acessibilidade e sua importância especial na atenção primária são consideradas em maiores detalhes no Capítulo 7. Arranjos para financiamento: qual o método de pagamento dos serviços e como a equipe é remunerada por seu trabalho? Dentre todos os aspectos estruturais, este é o mais provável de ser diferente de país para país e, portanto, é de grande interesse para estudos comparativos entre nações. Delineamento da população eletiva para receber os serviços: cada unidade do sistema de serviços de saúde deveria ser capaz de definir a comunidade à qual serve e conhecer suas características importantes em termos sociodemográficos e de saúde. Membros da população deveriam ser capazes de identificar sua fonte de atenção e estar conscientes da responsabilidade desta pela oferta dos serviços requeridos. Este aspecto estrutural é um outro elemento crucial na atenção primária, especialmente em relação ao aspecto conhecido como longitudinalidade. Este elemento é discutido com mais profundidade no Capítulo 8. Administração do sistema de saúde: sistemas de saúde diferem em sua responsabilidade em relação àqueles aos quais servem. Freqüentemente não envolvem a população em decisões sobre a maneira pela qual os serviços são organizados ou oferecidos. Às vezes, conselhos comunitários servem como conselho consultivo. Raramente a responsabilidade pela tomada de decisão é compartilhada ou assumida por comitês comunitários. 58 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia As abordagens para a administração variam desde aqueles com menos poder (capacidade de ser ouvido) aos com mais poder (capacidade de controlar a organização). A variação consiste de três tipos principais: controle, escolha e persuasão moral/legal (Saltman, 1994). O controle político, no qual as pessoas têm autoridade sobre os orçamentos e alocação de recursos, é a forma mais direta de administração; também condiz com a tomada de decisão coletiva, democrática. A escolha, como uma forma alternativa de administração, é um método muito mais indireto baseado no princípio de que permitir às pessoas que escolham onde e de quem desejam receber seus serviços encorajará a competição, e assim, por omissão, a responsabilidade será alcançada. Levando o princípio da escolha à sua conclusão lógica, o financiamento dos serviços permitiria às pessoas buscarem atendimento por prestadores de serviços de saúde alternativos e receberem reembolso como se tivessem sido atendidas por profissionais médicos convencionais. (Este é o caso nos Países Baixos, onde o sistema de seguro reembolsará acupuntura e outras terapias alternativas, e na Alemanha, onde a terapia nos spas é reembolsável.) O terceiro mecanismo de administração é mais indireto e é representado pelos sistemas de reparação legal e social por serviços inadequados ou prejudiciais. As pesquisas de satisfação para determinar como as pessoas se sentem a respeito de seus serviços funcionam por persuasão moral, a medida mais indireta de controle porque as pessoas não têm capacidade de mudar aspectos dos serviços que são considerados inadequados. DESEMPENHO DE UM SISTEMA DE SERVIÇOS DE SAÚDE Os processos de um sistema de serviços de saúde são as ações que constituem a oferta e o recebimento de serviços. Assim, existem dois componentes: aqueles que representam atividades por parte de 59 2. Uma estrutura para a medição da Atenção Primária quem oferece atenção e aqueles que representam atividades da população. Os provedores devem, primeiro, reconhecer as necessidades que existem tanto na comunidade como nos pacientes individuais. Este aspecto é conhecido como reconhecimento de um problema (ou de necessidades) e é uma consideração particularmente importante em relação à atenção primária. O problema pode ser um sintoma, um sinal, um exame laboratorial anormal, um item anterior mas relevante no histórico do paciente ou da comunidade ou necessidade de um procedimento preventivo indicado. O reconhecimento do problema subentende consciência da existência de situações que exijam atenção num contexto de saúde. Após reconhecer o problema, geralmente, o profissional de saúde formula um diagnóstico ou um entendimento do problema quando um diagnóstico não for possível. Isto é necessário para chegar ao passo seguinte no processo de atenção: a instituição de uma estratégia adequada para tratamento ou manejo. Subseqüentemente, deve ser feito um arranjo para reavaliação do problema para determinar se seu reconhecimento original, seu diagnóstico e seu tratamento foram adequados. A esta altura, o processo de atenção inicia um novo ciclo de monitoramento e acompanhamento, com vigilância dos problemas tal qual existem agora. Os processos de atenção que refletem como as pessoas interagem com o sistema de atenção também são importantes. Em primeiro lugar, as pessoas decidem se e quando usar o sistema de atenção à saúde. Se realmente utilizarem-no, chegam a uma compreensão sobre o que este serviço lhes oferece e, então, decidem quão satisfeitos estão com seu atendimento e se aceitarão as recomendações ou orientações dos profissionais de saúde. Em seguida, decidem sobre o quanto querem participar do processo. Podem decidir realizar as recomendações ou modificá-las da maneira como pensam ou desrespeitá-las parcial ou completamente. Certos processos de atenção sugeridos por pacientes são uma consideração importante na avaliação da atenção primária, como será observado nos Capítulos 7 e 8. 62 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia isto se reflita na sua utilização. Portanto, a medição da atenção ao primeiro contato envolve a avaliação da acessibilidade (elemento estrutural) e da utilização (elemento processual). Diversas questões importantes dizem respeito à atenção ao primeiro contato. Em que medida o sistema oferece fácil acesso, tanto geograficamente quanto com horário mais prolongado de funcionamento? A população acha este acesso conveniente? O quanto o acesso mais fácil está associado à utilização do estabelecimento para problemas novos por sua população definida? A atenção ao primeiro contato é mais profundamente discutida no Capítulo 7. A longitudinalidade pressupõe a existência de uma fonte regular de atenção e seu uso ao longo do tempo. Assim, a unidade de atenção primária deve ser capaz de identificar a população eletiva, bem como os indivíduos dessa população – que deveriam receber seu atendimento da unidade, exceto quando for necessário realizar uma consulta fora ou fazer um encaminhamento. Além disso, o vínculo da população com sua fonte de atenção deveria ser refletida em fortes laços interpessoais que refletissem a cooperação mútua entre as pessoas e os profissionais de saúde. Diversas questões importantes referem-se à longitudinalidade. Aqueles indivíduos claramente identificados como usuários identificam a unidade de saúde como sua fonte regular de atenção e utilizam-na como tal por um período de tempo? Todas as consultas, exceto as iniciadas pelos profissionais, ocorrem na unidade? A natureza da interação entre o profissional de saúde e os pacientes reflete sua cooperação mútua? A longitudinalidade é o assunto do Capítulo 8. A integralidade implica que as unidades de atenção primária devem fazer arranjos para que o paciente receba todos os tipos de serviços de atenção à saúde, mesmo que alguns possam não ser oferecidos eficientemente dentro delas. Isto inclui o encaminhamento para serviços secundários para consultas, serviços terciários para manejo definitivo de problemas específicos e para serviços de suporte fundamentais, tais como internação domiciliar e outros 63 2. Uma estrutura para a medição da Atenção Primária serviços comunitários. Embora cada unidade de atenção primária possa definir diferentemente sua própria variedade de serviços, cada uma deveria explicitar sua responsabilidade tanto para a população de pacientes como para a equipe, bem como reconhecer as situações para as quais os serviços estão disponíveis. A equipe deveria oferecer e reconhecer a necessidade de serviços preventivos e de serviços que lidem com sintomas, sinais e diagnósticos de doenças manifestas. Também deveria reconhecer adequadamente problemas de todos os tipos, sejam eles funcionais, orgânicos ou sociais. Este último tipo é particularmente importante, já que todos os problemas de saúde ocorrem dentro de um ambiente social que freqüentemente predispõe ou causa enfermidades. Diversas questões importantes referem-se à integralidade. O quão inclusivo é o pacote de benefícios oferecido? Ele é explícito e é compreendido pela população? Ao oferecer serviços, os profissionais reconhecem um amplo espectro de necessidades na população? Eles encaminham a outros especialistas, quando apropriado? A integralidade é assunto do Capítulo 10. A coordenação (integração) da atenção requer alguma forma de continuidade, seja por parte dos profissionais, seja por meio de prontuários médicos, ou ambos, além de reconhecimento de problemas (um elemento processual). Por exemplo, o estado de problemas observado em consultas anteriores ou problemas pelos quais houve algum encaminhamento para outros profissionais deveria ser aval iado nas consultas subseqüentes. Este reconhecimento de problemas será facilitado se o mesmo profissional examinar o paciente no acompanhamento ou se houver um prontuário médico que esclareça estes problemas. Assim, tanto a continuidade como o reconhecimento de problemas são necessários para avaliar a coordenação da atenção. Diversas questões importantes referem-se à coordenação. Em que medida o agendamento é organizado para permitir que os pacientes consultem sempre com o mesmo profissional em todas as consultas? Os prontuários médicos contêm informações pertinentes ao atendimento dos pacientes? Existe aumento do 64 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia reconhecimento de problemas associado à melhor continuidade? Este reconhecimento aumentado é função de prontuários melhores, da continuidade com um profissional usual, ou de ambos? A coordenação é o assunto do Capítulo 11. AVALIANDO A EFETIVIDADE DOS ATRIBUTOS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA Funções da atenção primária e tarefas da atenção primária Algumas vezes, as funções da atenção primária são confundidas com as tarefas que são necessárias para realizar algumas delas. Assim, a atenção primária, freqüentemente, é caracterizada pelo tipo de serviços que oferece dentro dos interesses de obtenção da integralidade. Exemplos típicos de tais serviços são a promoção de saúde, a prevenção de enfermidades (incluindo tanto a prevenção primária como a secundária, ou seja, a detecção precoce por meio de exames), diagnóstico e manejo de uma ampla variedade de problemas médicos, atenção à saúde materno-infantil, atenção emergencial, atenção reabilitadora, atenção paliativa, encaminhamentos quando apropriados, manutenção do prontuário médico, proteção do paciente, educação em saúde e participação em programas de saúde comunitária e de proteção da saúde (Alberta Medical Association, 1996). Definir e medir a atenção primária pela da obtenção de suas funções cardinais resultará, pelo efeito destas funções, em uma lista de tarefas similar ou idêntica. As funções é que são cruciais, porque muitas das tarefas que fazem parte da atenção primária (por exemplo, prevenção, atenção emergencial, proteção do paciente, educação em saúde, atenção reabilitadora) são tarefas que também fazem parte de outros níveis de atenção e podem, até mesmo, ser assumidas por outros níveis de atenção (por exemplo, atividades de saúde pública) em vez de ser oferecidas nas unidades de atenção primária. 67 2. Uma estrutura para a medição da Atenção Primária consistente daquela fonte regular de atenção ao longo do tempo e a melhores interações profissional-paciente; uma variedade mais ampla de serviços disponíveis deveria estar associada a um melhor reconhecimento das necessidades para aqueles serviços; e uma melhor continuidade da atenção deveria levar a uma melhor coordenação de atenção, medida pelo maior reconhecimento de informações a respeito dos pacientes. Na prática, há pouca pesquisa que teste especificamente a teoria. Além disso, os aspectos singulares da atenção primária nem sempre são claramente separáveis. Se existe uma relação entre um profissional de saúde e um paciente que transcende a presença de problemas ou tipos de problemas específ icos (longitudinalidade), é mais provável que o paciente procure inicialmente aquele profissional de saúde para atendimento no caso de um novo problema (atenção ao primeiro contato). De forma semelhante, a longitudinalidade deveria também estar relacionada à integralidade, já que um profissional ou unidade de saúde que oferece atenção ao longo do tempo, independente do tipo de problema, também deveria oferecer uma maior amplitude de serviços. Similarmente, quanto maior a variedade de ser viços oferecidos, maior o peso da coordenação, especialmente se alguns destes serviços tiverem de ser oferecidos em outro local que não a própria unidade de atenção primária. Apesar destas inter-relações, as quatro características exclusivas da atenção primária são, conceitualmente, distintas; apenas quando são colocadas em uso na prática é que o potencial para sobreposição torna-se evidente. A extensão da sobreposição é, na verdade, de alta prioridade para a pesquisa. A capacidade de medir os aspectos importantes da atenção primária torna possível estabelecer metas para alcançá-los e medir sua obtenção. Também torna possível garantir que unidades de saúde ou profissionais em particular qualifiquem-se para a designação de provedores de atenção primária. Serviços qualificados como de atenção primária podem ser comparados com 68 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia outras formas de atenção no que se refere ao impacto dos serviços. O conhecimento a respeito da importância relativa de cada aspecto na contribuição para os resultados desejados pode resultar de pesquisas utilizando esta abordagem para medição. A obtenção de um nível satisfatório de atenção ao primeiro contato está associada com a maior satisfação entre os pacientes, bem como com uma melhor resolução do problema? A longitudinalidade está associada a um melhor reconhecimento de problemas, melhor entendimento e participação dos pacientes, e resulta em menos dias de incapacitação e desconforto? A integralidade está associada a diferentes modelos de utilização, menos episódios de uma doença nova ou resolução mais rápida de problemas? A coordenação está associada com uma menor utilização global, melhor compreensão e aumento na participação do paciente em sua atenção, além de resolução mais rápida do problema com menos problemas novos? A atenção primária devolve os pacientes mais rapidamente a níveis ótimos de atividade, conforto e satisfação com sua saúde e faz um trabalho melhor ao ajudar as pessoas a alcançarem seu potencial total e capacidade máxima de recuperação contra ameaças à sua saúde? Cada uma das quatro características é igualmente importante, ou algumas são mais importantes do que outras? Nenhum sistema de atenção primária pode alcançar o desempenho perfeito em todos os quatro componentes fundamentais: primeiro contato, longitudinalidade, integralidade e coordenação. Se os padrões forem muito elevados, os pacientes ficarão desapontados e os profissionais, frustrados. Mas a justificativa para a necessidade de atenção primária não depende da obtenção de padrões ótimos; é suficiente para demonstrar, apenas, que as metas da atenção primária são melhor atendidas por profissionais de saúde treinados e organizados para oferecer a atenção primária do que por profissionais treinados para enfocar doenças específicas, sistemas do organismo ou mecanismos patogênicos específicos e que a obtenção das metas melhora progressivamente com o decorrer do tempo é o suficiente. 69 2. Uma estrutura para a medição da Atenção Primária REFERÊNCIAS ALBERTA MEDICAL ASSOCIATION. 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Int J Health Serv, v. 24, n. 2, p. 201-29, 1994. 72 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia Facilitando a prestação de atendimento clínico O atendimento clínico geralmente é mais previsível e mais efetivo quando as intervenções são direcionadas para a interrupção da rota patogenética, ou seja, atacando um elo na cadeia de eventos entre um determinante da doença e a própria doença. O “diagnóstico”, ou o nome dado à doença, tem uma função importante na atenção médica porque geralmente implica uma provável etiologia e curso da doença, sugerindo, assim, uma estratégia para o tratamento. Os diagnósticos são a forma convencional de especificar a morbidade na atenção clínica, embora não seja necessariamente a mais apropriada na atenção primária. Avaliando e documentando a saúde de populações e subpopulações Por meio da extensão da atenção clínica, a saúde de uma população ou subpopulação poderia ser descrita pela freqüência de diagnósticos individuais na população, sendo que as diferentes populações poderiam ser comparadas com relação à incidência (freqüência de novas ocorrências) ou prevalência (freqüência em determinado ponto no tempo) de cada diagnóstico específico. Por exemplo, os Atlas de mortalidade em diferentes países, ou em diferentes subdivisões políticas de qualquer país, retratam a freqüência de ocorrência de mortes devido a diagnósticos específicos (Holland, 1991, 1993). O conhecimento a respeito da incidência ou da prevalência de enfermidades específicas deriva grandemente de dados sobre consultas médicas. Entretanto, a maioria dos problemas novos de saúde que surgem nunca chega a chamar a atenção de profissionais (White, 1961). Além disso, muitos problemas não podem ser resolvidos em uma consulta; algumas vezes, são necessárias muitas consultas para fornecer as informações necessárias para diagnosticar e resolver um problema. Um avanço conceitual importante na mudança para ir além das abordagens baseadas em consultas é a abordagem baseada no episódio de atendimento. Os médicos indicam qual consulta de uma série é a inicial para um problema, 73 3. Morbidade na Atenção Primária caracterizam-no, mantêm um registro de quais consultas subseqüentes estão relacionadas ao problema e indicam a consulta na qual o problema é considerado resolvido. (Se o problema estiver em andamento, um período de tempo, como um ano, pode ser usado para delinear o episódio.) A abordagem tem mais utilidade quando começa com um problema apresentado (quer relacionado à enfermidade em andamento ou não) e o acompanha até sua resolução; o problema é denominado, utilizando-se um sistema de codificação como a Classificação Internacional de Atenção Primária (ver Capítulo 16), e o episódio é designado por um diagnóstico se e apenas se um diagnóstico for alcançado. Lamberts e Hofmans-Okkes (1996) descreveram a natureza da prática da atenção primária nos Países Baixos mostrando que, em uma população de pacientes de 15.158 mulheres, com idade entre 25 e 44 anos, 11.570 (76%) consultaram com seu médico de atenção primária pelo menos uma vez em um ano. Os 20 episódios novos mais comuns constituíram um terço de todos os episódios novos. As 15.158 mulheres apresentaram uma média de 2,9 novos episódios por ano, dos quais 2,4 eram novos e apenas 0,5 eram antigos. (Para as 11.570 pacientes que consultaram, o número médio de episódios foi de 3,8, dos quais 3,1 eram novos.) O tempo para resolução, sua correlação com os diferentes tipos de recursos usados e a quantidade de recursos para diagnóstico e manejo de diferentes problemas podem ser determinados pela aplicação desta abordagem por episódio. Entretanto, a morbidade, expressa pelos diagnósticos de um indivíduo, ou mesmo os sintomas ou incapacitações específicas, é cada vez mais reconhecida como uma medida incompleta e inadequada do peso da doença. Não oferece nenhuma informação sobre aspectos mais positivos da saúde, conforme expressos nas abordagens mais comuns para definir saúde (ver Capítulo 1). Além disso, os padrões de diagnóstico de enfermidades individuais variam de lugar para lugar e de época para época. Embora existam critérios- padrão para alguns poucos diagnósticos, eles não são universalmente usados; o que é chamado de uma enfermidade em um lugar pode não ser reconhecido como a mesma enfermidade em outros lugares. 74 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia Assim, embora a Classificação Internacional de Doenças seja usada em todo o mundo para designar as causas de morte, além das causas de hospitalização e consultas de pacientes não-internados, não existe nenhuma garantia de que o mesmo diagnóstico signifique a mesma coisa em todos os lugares, já que nenhuma definição foi incluída nas edições anteriores. Tem havido tentativas para reduzir a variabilidade no estilo de diagnóstico por meio do desenvolvimento de grupos de diagnósticos que refletem, essencialmente, doenças similares (Schneeweiss et al., 1983), mas estes grupos não incluem todas as enfermidades, nem são usados com freqüência para comparação entre as unidades de saúde em lugares diferentes. Sem dúvida, a principal razão para a busca de medidas além do diagnóstico clínico para descrever e comparar a saúde de populações resulta do reconhecimento de que contar diagnósticos individuais não representa a saúde de forma apropriada. Muitos países realizam pesquisas domiciliares de amostras representativas de sua população. Estas pesquisas, geralmente, revelam informações a respeito da percepção da saúde das pessoas (excelente, muito boa, boa, regular, ruim), sobre seus sintomas e sobre várias doenças para as quais elas podem ou não ter buscado atendimento. Estes tipos de dados estão-se tornando fontes importantes de informação sobre a saúde de diferentes grupos dentro das populações e mesmo entre populações de diferentes países. Assim, Wagstaff e Van Doorslaer (1993) utilizaram dados sobre dias registrados de incapacitação por problemas crônicos, limitação de atividades associadas a elas e a autopercepção de saúde para mostrar que os países com sistemas de saúde mais eqüitativos possuem melhor saúde. A principal inconveniência deste tipo de dados são as possíveis diferenças na tendência ao registrar problemas em populações diferentes. Planejando e alocando recursos A disponibilidade eficiente de recursos depende de boas informações sobre a existência de problemas passíveis de alteração pelos serviços de saúde. A existência de diferenças na morbidade 77 3. Morbidade na Atenção Primária populações diferentes (Iezzoni, 1997). As medidas de combinação de caso são formas de medir a carga total de morbidade em uma população de pacientes pela da combinação de diagnósticos de formas diferentes; são uma ferramenta importante para avaliar tanto a qualidade quanto os custos da atenção. Muitos aspectos da avaliação da qualidade requerem comparações de diferentes profissionais e unidades de saúde; onde os resultados da atenção são diferentes, isso pode ser devido ao fato dos desafios subjacentes serem maiores em um resultado do que em outro, em vez de resultado das diferenças na qualidade da atenção oferecida. Assim, todas as comparações de qualidade da atenção requerem uma padronização da morbidade inicial antes de avaliar as diferenças nos resultados que são encontrados. De forma similar, diferenças na necessidade e nos gastos de recursos entre sistemas, unidades ou profissionais de saúde podem resultar de diferenças na extensão da morbidade em suas populações. A existência de muitos milhares de enfermidades individuais, cada uma com níveis amplamente variáveis de gravidade e necessidade de recursos, impossibilita a simples adição de diagnósticos para alcançar uma descrição do nível de peso de morbidade. Resumir as informações de uma unidade de atendimento clínico para fornecer perfis da morbidade total existente nas unidades de saúde é um desafio difícil. A maioria das unidades é composta por pacientes com centenas, se não milhares, de diagnósticos; uma medida resumida que leve todos em consideração é um desafio desanimador. Quando as populações são razoavelmente homogêneas, em particular no que se refere às características etárias e sociais, os padrões de morbidade podem ser suficientemente uniformes, de forma que a freqüência de diagnósticos individuais pode ser usada para caracterizar o case-mix. Por exemplo, em uma população de uma unidade de saúde composta principalmente por idosos, a 78 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia variabilidade na distribuição de enfermidade será menor do que em uma população de faixa etária mista, porque algumas enfermidades são muito mais comuns em idosos e a variabilidade na susceptibilidade a outras enfermidades (como aquelas para as quais a variabilidade genética terá resultado em morte antes da idade avançada) será menor, de forma a resultar em um padrão mais homogêneo de enfermidades. As abordagens de case-mix baseadas na presença de diagnósticos específicos podem, portanto, ser relativamente bem-sucedidas em populações mais velhas (Ellis et al., 1996). Em populações mais heterogêneas, as necessidades de recursos para diagnóstico individual são altamente variáveis. Em áreas diferentes e em unidades diferentes, a variabilidade na severidade de diagnósticos individuais impede o estabelecimento do perfil da unidade e a alocação de recursos baseada apenas na presença ou ausência de diagnósticos individuais encontrados na unidade, especialmente quando a população da unidade é diversa em idade e outras características sociodemográficas. Uma abordagem que combine os diagnósticos num número gerenciável de categorias diferentes baseada na similaridade de sua necessidade de recursos é mais útil sob estas circunstâncias. A principal fonte de informações para estabelecer o perfil das unidades deriva, desta forma, dos diagnósticos registrados em formulários de queixas ou achados casuais, os quais também contêm informações para determinar os recursos dedicados a lidar com eles ao longo do tempo. As unidades de saúde podem ser comparadas com relação ao peso da morbidade em seus pacientes, bem como os gastos da provisão de atenção para eles. Os sistemas de case-mix também podem ser utilizados para estabelecer taxas de capitação; se um profissional de saúde possui maior peso de morbidade, um pagamento por capitação mais alto pode ser justificado. Se determinados estabelecimentos de atenção à saúde recebem mais por prestarem serviços de atenção a grupos da população que são mais doentes, a distribuição de recursos será mais justa e não haverá nenhuma tendência de uma unidade ou profissional tente evitar atender a indivíduos especialmente 79 3. Morbidade na Atenção Primária doentes. Conforme os pagamentos por capitação se tornam mais difundidos, é mais provável que aumente a necessidade de sistemas de combinação de case-mix. Embora existam muitos métodos de case-mix, a maioria está limitada ao atendimento de pacientes internos. Aqueles que lidam com a atenção ambulatorial estão fundamentados, basicamente, em consultas e não em pessoas. Entretanto, o sistema de ACG (Grupos Clínicos Ajustados [Adjusted Clinical Groups], antigo Grupo de Atenção Ambulatorial [Ambulatory Care Groups]) é um sistema de case-mix que caracteriza as pessoas de acordo com as doenças que apresentam em um período de tempo (geralmente um ano). Isto é feito pela combinação de diagnósticos em populações de pacientes dentro de grupos relativamente homogêneos no uso de seus recursos ao longo daquele período de tempo. Este sistema para categorização do peso da morbidade, representada pela combinação de diagnósticos, foi originalmente desenvolvido para explicar os padrões de utilização. A pesquisa anterior tinha demonstrado que indivíduos (tanto crianças como adultos) que eram usuários freqüentes de serviços tendiam a permanecer usuários freqüentes por longos períodos de tempo (Densen et al., 1959; Starfield et al., 1985). Contrariamente, aqueles que eram usuários não freqüentes apresentavam a tendência de permanecer não freqüentes no mesmo período longo de tempo. Para determinar se estes padrões eram resultado de uma predisposição para utilização dos serviços de saúde por parte das famílias, resultado da presença de tipos específicos de doenças (como problemas médicos crônicos ou problemas de saúde mental), ou algum fator relacionado aos padrões de morbidade, foi desenvolvido um método para caracterizar a morbidade. Este método conceituou a doença como um tipo entre vários: doenças menos importantes que são, geralmente, autolimitadas se tratadas apropriadamente; doenças mais importantes, mas também limitadas na duração se tratadas apropriadamente; enfermidades médicas, geralmente de natureza crônica e não curáveis por de tratamento médico; doenças 82 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia Os 32 agrupamentos estão remontados em 12 grupos relativamente semelhantes (CADEs) que são, então, agregados de acordo com suas combinações mais comumente encontradas na prática clínica. Cada, indivíduo em uma população inscrita, é caracterizado pelos diagnósticos que recebe no período de tempo e colocado naquele agrupamento final (o Grupo Clínico Ajustado – ACG) que representa a constelação de diagnósticos para aquele paciente. O case-mix de um estabelecimento de saúde, ou de qualquer profissional, pode ser descrita de acordo com o modelo do ACG. Pode-se considerar que os profissionais ou estabelecimentos com maior freqüência daqueles ACGs representam os pacientes mais doentes, necessitando de mais recursos para atenção para aqueles pacientes em suas unidades. O aspecto importante do sistema ACG é que um único ACG é indicado para um indivíduo, baseado no padrão da morbidade apresentado pelo indivíduo em um período de tempo de, geralmente, um ano. Esta indicação de morbidade não depende da taxa de consultas ou da extensão de uso ou custo do diagnóstico e procedimentos terapêuticos porque são usados apenas diagnósticos para a indicação. Um indivíduo pode ter múltiplas doenças de um tipo, e ainda assim ser indicado para apenas uma categoria de doença para o ano. Assim, o método não depende do número de doenças, mas de seu tipo, conforme é caracterizado pelos critérios para indicação. Cada uma das 32 categorias básicas é relativamente homogênea em sua probabilidade de consultas e uso de outros recursos. As categorizações do ACG resultantes são altamente preditoras do número de consultas para atendimento ambulatorial e uso de recursos de atenção ambulatorial durante o período de tempo a partir do qual os diagnósticos são indicados; seu uso também é preditor para o ano seguinte (Weiner et al., 1991). Os ACGs também possuem validade clínica, já que os padrões de morbidade são relativamente estáveis ao longo do tempo. É muito mais provável que os indivíduos em uma categoria permaneçam na categoria no ano seguinte do que seria esperado no caso de distribuição casual por doença, sendo que as 83 3. Morbidade na Atenção Primária experiências de utilização no ano subseqüente são similares dentro das categorias (Starfield et al., 1991). Assim, o sistema de ACG tem uma utilidade potencial para descrever diferenças no padrão de doenças em diferentes populações clínicas, ao servir como método para estratificação das populações em grupos clinicamente significativos para o propósito de traçar o perfil da prática de diferentes profissionais ou grupos de profissionais de saúde, e como um método para o estudo do uso de recursos e planejamento das necessidades de recursos de diferentes populações. Também possui aplicabilidade na pesquisa que busca explicar a previsibilidade de vários fatores do sistema de saúde no uso de recursos, de forma que as diferenças na morbidade em diferentes populações possam ser controladas quando da avaliação do impacto do profissional e dos fatores do sistema sobre o uso de serviços e recursos. O sistema de case-mix ACG está sendo amplamente utilizado como uma técnica para traçar o perfil em unidades clínicas, para descrever e entender as diferenças no padrão de prática dos clínicos, na oferta de um meio para desenvolver uma taxa de capitação para as unidades, e em estudos de pesquisa que exijam um mecanismo de controle para o efeito da morbidade, enquanto examina o impacto de outros fatores sobre o uso de recursos. Embora originalmente desenvolvido e aplicado apenas em ambientes ambulatoriais, foram adicionados os códigos de diagnóstico encontrados para pacientes hospitalizados e recursos consumidos na atenção hospitalar. A Tabela 3.2 resume as principais pesquisas utilizando os ACGs. Cada estudo está descrito de acordo com seu objetivo e fonte de informações; os tipos de características examinadas; se o sistema ACG tenha sido utilizado em sua forma ACG (um padrão de morbidade para cada indivíduo na população), em sua forma ADG (cada tipo de morbidade para cada indivíduo considerado isoladamente), ou, em alguns casos, em sua forma CADG (cada um dos agrupamentos reclassificados para cada indivíduo considerado isoladamente); e o uso do sistema ACG na interpretação de achados importantes da pesquisa. 8 4 A TE N Çà O PRIM Á RIA :equilíbrioentrenecessidadesdesaúde,serviçosetecnologia Tabela 3.2 Grupo de diagnostico ajustado (ACGs): perfil, decisão de capitação, pesquisa e estudos metodológicos 87 3. Morbidade na Atenção Primária quais teve um diagnóstico associado que foi indicado para um ADG. A distribuição resultante dos ADGs foi muito similar à distribuição encontrada pelos responsáveis pelo desenvolvimento original do sistema, utilizando dados da atenção ambulatorial de um grupo modelo de uma organização de manutenção de saúde em grupo nos Estados Unidos. Já que as unidades de atenção primária em muitos países da Europa utilizam a Classificação Internacional de Atenção Primária (CIAP) [International of Primary Care] em vez do CID-MC para codificar problemas ou diagnósticos, os pesquisadores desenvolveram um método para apontar problemas e diagnósticos para os ADGs utilizando o CIAP no lugar do CID. Embora o CIAP seja compatível com o CID, possui menos códigos, de forma que não existe correspondência de um para um para problemas ou diagnósticos individuais. Em alguns casos, um código CIAP corresponde a mais de um código CID-MC, sendo que cada um deles pode ser indicado para um ADG diferente. Por meio de um processo de repetição, levando em conta as freqüências dos diferentes diagnósticos dentro destes códigos, os pesquisadores indicaram cada código CIAP para o seu ADG mais provável. A distribuição resultante dos ADGs, utilizando o CIAP em vez do CID, foi muito similar àquela utilizando os CIDs, indicando assim que eles podem ser usados de forma intercambiável. Pesquisadores de atenção primária na região basca da Espanha (Orueta et al., 1998) também encontraram uma forte correspondência entre a previsibilidade dos grupos de morbidade, quer conseguida utilizando os ADGs ou ACGs individuais, e a de estudos norte- americanos. Ou seja, a proporção de variância no uso do recurso (considerando os próprios custos de consultas, bem como os testes diagnósticos a eles associados), que é explicável pela variação de morbidade varia entre 40% e 50% quando os diagnósticos são indicados por episódio (como no estudo em Barcelona). Outros pesquisadores na Espanha estão testando a aplicabilidade do sistema ACG em um estudo colaborativo envolvendo mais de 50 unidades de saúde em diferentes regiões 88 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia do país. Um relatório preliminar com 22 médicos, incluindo quatro pediatras, confirmou a similaridade da distribuição de ADGs e ACGs e a capacidade de previsão do sistema para refletir o número de consultas (Carmona et al., 1997). Assim, um sistema de case-mix que descreva as experiências de pessoas com sua combinação de morbidade parece altamente útil para responder à variedade de necessidades que surgem na atenção primária, onde quer que seja praticada. Medir o impacto (resultados) dos serviços de saúde sobre a saúde O quarto objetivo da avaliação do estado de saúde é medir o impacto dos serviços de saúde. Quando o efeito da atenção médica é prevenir a ocorrência de doenças específicas, o impacto dos profissionais de saúde e das unidades pode ser avaliado pela medida da freqüência de ocorrência das enfermidades específicas preveníveis na população de pacientes. Entretanto, a maioria das enfermidades não pode ser prevenida, e o objetivo da atenção é reduzir a duração da doença ou o desconforto e incapacitação associados a ela. Assim, as medidas de condição de saúde mais apropriadas para avaliar o impacto de intervenções são aquelas que determinam diretamente o efeito dos serviços de saúde no contexto das vidas e aspirações diárias das pessoas. Avanços tanto na biologia molecular quanto nas ciências sociais estão instigando uma mudança na maneira com que a má saúde é encarada e medida. Um enfoque sobre a enfermidade está sendo substituído por um enfoque sobre a morbidade, ou “desconforto”, que é uma representação muito mais ampla de má saúde. Há um século e até relativamente pouco tempo, era pensado que a base genética para a enfermidade ocorria pela ação de genes isolados que, por mutação ou hereditariedade, “causariam” determinados problemas em indivíduos cujas células carregassem o gene afetado. Quanto mais se aprende a respeito do modo de ação do material genético, mais é reconhecido que este é o caso apenas para uma pequena proporção das doenças sofridas pelos indivíduos 89 3. Morbidade na Atenção Primária (Holtzman, 1989). A enfermidade geneticamente determinada não só está mais comumente associada aos efeitos de genes múltiplos, mas é muito sensível à presença ou ausência simultânea de fatores associados no ambiente (Holtzman, 1989). De forma semelhante, os avanços nos métodos para identificar e medir os efeitos de fatores sociais e ambientais tornaram aparente que o risco de enfermidade ou suas complicações depende não de um ou de alguns destes fatores mas, em vez, de um modelo complexo de sua ocorrência no tempo e no espaço. A classe social é um determinante bem conhecido e bem documentado da doença, embora muitos indivíduos na classe social mais baixa estejam em boa saúde. Conforme foi acima observado, os níveis educacionais, de habitação e nutrição, os riscos ambientais (tanto físicos quanto sociais), dinâmicas familiares e recursos psicológicos e exposição aos efeitos mitigadores das intervenções de atenção à saúde estão entre a miríade de “causas” de enfermidades. Como resultado desta multipl icidade de determinantes, é improvável que as manifestações de enfermidades sejam as mesmas em todas as pessoas que as apresentam. Assim, a variabilidade na severidade e na manifestação de qualquer enfermidade dada é muito mais comum do que uma manifestação “média” dela. A maioria das “causas” pode não estar associada a uma doença ou pode estar associada a diferentes manifestações de doenças (inclusive doenças múltiplas no mesmo indivíduo), sendo que as “causas” não necessariamente “causam” a doença manifesta ou até mesmo oculta. A Figura 3.1 expressa estes fenômenos, que são conhecidos como penetrância, pleotropismo e heterogeneidade etiológica (Holtzman, 1989); sobreposto a estes fenômenos encontra-se o fenômeno da susceptibilidade, no qual tanto as “causas” quanto as doenças podem estar inter-relacionadas e potencializadas. Apesar da disseminada falta de valorização corrente (e, portanto, de documentação) da heterogeneidade das manifestações e prognósticos da maioria das doenças específicas, do conjunto de enfermidades aparentemente não relacionadas em indivíduos já 92 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia Assim, a saúde não é a ausência de enfermidade ou predisposição para a doença; em vez disso, é a redefinição contínua do potencial para o funcionamento máximo para atender aos desafios da vida da forma mais positiva e produtiva. No futuro, as abordagens para traçar o perfil do peso da morbidade na prática terão de mudar para abordagens que não sejam baseadas apenas em enfermidade ou enfermidades diagnosticadas. Figura 3.2 Estado de saúde/resultado da atenção Fonte: adaptado de Starfield (1974). 93 3. Morbidade na Atenção Primária Existem muitas formas de considerar o estado de saúde e os resultados da atenção quando vistos a partir desta perspectiva mais ampla (McDowell e Newell, 1996). A maioria divide a saúde nos componentes mencionados na definição original de saúde da Organização Mundial da Saúde: mental, física, social. A Figura 3.2 apresenta um outro tipo de abordagem. Nesta conceituação, a condição de saúde possui sete componentes, variando da longevidade à capacidade de recuperação: Longevidade: a medida mais comum do estado de saúde, especialmente no nível populacional, é a longevidade ou expectativa de vida e seu oposto, a mortalidade. Uma característica importante da saúde de indivíduos é sua expectativa de vida; a expectativa média de vida em uma população é um descritor importante do estado de saúde de uma nação. Sistemas de atenção à saúde influenciam a expectativa de vida, mesmo que esta última também seja afetada por outros determinantes, como estrutura genética, ambiente social e físico e comportamentos pessoais. Atividade: O segundo componente do estado de saúde é a natureza da atividade do indivíduo ou da população. Qualidades relevantes incluem a apresentação de tipos de incapacitação que afetam o indivíduo e, em nível populacional, a proporção da população que pode continuar com as atividades normais. Desconforto: Inclui dor ou outras sensações que interfiram com o trabalho ou o prazer. Bem-estar e satisfação percebidos: Esta característica denota como as pessoas vêem sua própria saúde e o quanto estão satisfeitos com ela. Enfermidade: Envolve a presença de problemas reconhecidos como uma interferência potencial ou real no bem-estar do indivíduo ou da população; inclui tanto patologias mentais como físicas. Alcance: Reflete os aspectos positivos da saúde que devem ser considerados na realização do que a OMS define como “um estado de bem-estar”. Significa o nível de desenvolvimento 94 ATENÇÃO PRIMÁRIA: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia ou realização e o potencial para futuro desenvolvimento de uma saúde melhor. Uma forma comum de descrever o alcance está relacionada a como os papéis sociais normais são desempenhados. Capacidade de Recuperação: Esta característica de saúde também pertence a um estado de bem-estar. Refere-se à capacidade de lidar com a adversidade e é a categoria que mede o potencial para resistir a uma variedade de possíveis ameaças à saúde. A capacidade de responder ao estresse de forma construtiva pode ser medida por técnicas fisiológicas, técnicas psicológicas ou pela evidência de que determinadas defesas conhecidas por aumentar a resistência estão presentes ou foram fornecidas. O protótipo de capacidade de recuperação biológica é o estado de estar adequadamente imunizado contra doenças preveníveis. Uma segunda medida da capacidade de recuperação é o alcance de determinados padrões nutricionais. Uma terceira medida é o desempenho de determinados comportamentos de saúde ou modificações ambientais conhecidos por reduzirem a probabilidade de enfermidades; um exemplo típico é um nível definível de exercício físico. Vulnerabilidade: Esta propriedade da saúde reflete as características que diminuem a capacidade do indivíduo de se precaver contra ameaças à saúde. Exemplos de características que aumentam o risco incluem o uso errôneo de substâncias e atividades que aumentem a probabilidade de ocorrência de lesões. Ver a saúde como uma composição de propriedades permite o desenvolvimento de perfis que refletem diferentes combinações de forças e fragilidades (Starfield, 1974; Riley et al., 1998a; Riley et al., 1998b). Uma avaliação da efetividade de um sistema de saúde, quer em relação ao indivíduo, à comunidade ou a toda a população, deveria levar em conta, pelo menos, alguns aspectos de todas estas características do estado de saúde. (Os Capítulos 12 e 13 consideram as diferentes abordagens para avaliação da condição 97 3. Morbidade na Atenção Primária RILEY, A. W. et al. Reliability and validity of the adolescent health profile types. Med Care, 1998b. (mimeografado). _________ et al. A taxonomy of adolescent health need: Development of the adolescent health profiles. Med Care, 1998a. (mimeografado). ROOS, N.; CARRIERE, K.; FRIESEN, D. Visiting the doctor : How frequently are patients seen during the year and what do physicians have to do with it? 1997. (mimeografado). SALEM-SCHATZ, S. et al. The case for case-mix adjustment in practice profiling: When good apples look bad. JAMA, n. 272, p. 871-4, 1994. SCHNEEWEIS, R. et al. 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