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Geografia do mar, Notas de estudo de Geografia

Geografia : ensino fundamental e ensino médio : o mar no espaço geográfico brasileiro / coordenação Carlos Frederico Simões Serafim, organização Paulo de Tarso Chaves. ? Brasília : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2005. 304 p. (Coleção explorando o ensino , v. 8)

Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010

Compartilhado em 23/12/2009

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Baixe Geografia do mar e outras Notas de estudo em PDF para Geografia, somente na Docsity! PESQUISA CIENTÍFICA = A ECOSSISTEMA COSTEIRO cam BRASIL s «ao E PROJETOS DE CONSERVAÇÃO dm Aeinóago Mart Vaz RECURSOS MINERAIS E ENERGÉTICOS PATRULHA COSTEIRA O Mar no Espaço Coro Bro (O (8) PLATAFORMA DE VOLUME) COLETA DE DADOS PRESIDENTE DA REPÚBLICA Luiz Inácio Lula da Silva MINISTRO DA EDUCAÇÃO Fernando Haddad SECRETÁRIO-EXECUTIVO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Jairo Jorge da Silva COMANDANTE DA MARINHA/COORDENADOR DA COMISSÃO INTERMINISTERIAL PARA OS RECURSOS DO MAR Almirante-de-Esquadra Roberto de Guimarães Carvalho SECRETÁRIO DA COMISSÃO INTERMINISTERIAL PARA OS RECURSOS DO MAR Contra-Almirante José Eduardo Borges de Souza GOUEÇÃO EXPIORANDO)O ENSINO) VOLUME/8 GEOGRAFIA COLEÇÃO EXPLORANDO O ENSINO VOLUME 8 GEOGRAFIA ENSINO FUNDAMENTAL E ENSINO MÉDIO COLEÇÃO EXPLORANDO O ENSINO Vol. 1 – Matemática (Publicado em 2004) Vol. 2 – Matemática (Publicado em 2004) Vol. 3 – Matemática: ensino médio (Publicado em 2004) Vol. 4 – Química Vol. 5 – Química Vol. 6 – Biologia Vol. 7 – Física Geografia : ensino fundamental e ensino médio : o mar no espaço geográfico brasileiro / coordenação Carlos Frederico Simões Serafim, organização Paulo de Tarso Chaves. – Brasília : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2005. 304 p. (Coleção explorando o ensino , v. 8) 1. Ensino de Geografia. 2. Ensino fundamental. 3. Ensino médio. I. Serafim, Carlos Frederico Simões. II. Chaves, Paulo de Tarso. III. Brasil. Secretaria de Educação Básica. IV. Título: O mar no espaço geográfico brasileiro. CDU: 372.891 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Centro de Informação e Biblioteca em Educação (CIBEC) APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................... 11 INTRODUÇÃO ..� 13 CAPÍTULO 1 A AMAZÔNIA AZUL 1 – A OUTRA AMAZÔNIA ...............................................................................................................17 ROBERTO DE GUIMARÃES CARVALHO 2 – BANDEIRANTES DAS LONGITUDES SALGADAS ................................................................19 ALEXANDRE TAGORE MEDEIROS DE ALBUQUERQUE PERGUNTAS E RESPOSTAS .........................................................................................................23 CAPÍTULO 2 O USO RACIONAL DO MAR 1 – MENTALIDADE MARÍTIMA ......................................................................................................27 A FORMAÇÃO DO BRASIL ........................................................................................................27 A MARITIMIDADE BRASILEIRA ................................................................................................28 O MAR VISTO PELO BRASILEIRO ............................................................................................29 OS RESULTADOS MAIS INTERESSANTES .............................................................................31 Mentalidade marítima ...............................................................................................................31 Indústria naval, portos e Marinha Mercante .............................................................................31 Exploração de petróleo off-shore .............................................................................................31 Pesca ........� 32 Poluição marinha ......................................................................................................................32 Pesquisa oceanográfica ...........................................................................................................32 Praias — O uso lúdico do mar .................................................................................................33 ESPORTE E LAZER ...................................................................................................................33 CONSCIENTIZAÇÃO, PARCERIA E SOLIDARIEDADE ............................................................34 2 – A POLUIÇÃO MARINHA EM ÁGUAS NACIONAIS .................................................................37 O CENÁRIO SOCIOECONÔMICO .............................................................................................37 O CENÁRIO INTERNACIONAL ..................................................................................................38 O CENÁRIO NACIONAL ............................................................................................................39 GERALDO GONDIM JUAÇABA FILHO JORGE DE SOUZA CAMILLO 3 – TRÁFEGO MARÍTIMO ..............................................................................................................40 INTRODUÇÃO E CONCEITUAÇÃO ...........................................................................................40 SIGNIFICADO ESTRATÉGICO DAS VIAS DE COMUNICAÇÃO MARÍTIMA ............................42 O mar e sua importância ..........................................................................................................42 Transporte no Brasil .................................................................................................................42 Transporte marítimo ..................................................................................................................43 4 – MARINHA MERCANTE .............................................................................................................43 EVOLUÇÃO HISTÓRICA ............................................................................................................44 ATUAL CONJUNTURA ...............................................................................................................45 SUMÁRIO DIAS MELHORES PARA O SETOR NAVAL NO BRASIL ...........................................................47 CABOTAGEM .............................................................................................................................48 FROTA DE LONGO CURSO .......................................................................................................49 AS EMPRESAS DE NAVEGAÇÃO .............................................................................................50 COMÉRCIO EXTERIOR .............................................................................................................50 CONCLUSÕES ...........................................................................................................................51 5 – PORTOS ....� 52 BREVE HISTÓRICO ...................................................................................................................52 CONJUNTURA ............................................................................................................................53 6 – CONSTRUÇÃO NAVAL ............................................................................................................54 BREVE HISTÓRICO ...................................................................................................................54 ATUAL CONJUNTURA DA CONSTRUÇÃO NAVAL NO BRASIL ...............................................56 Conceitos iniciais ......................................................................................................................56 Construção Naval Civil .............................................................................................................57 Construção Naval Militar ...........................................................................................................59 CARLOS JOSÉ SILVA MONTEIRO ROBERTO SANTOYO CAPÍTULO 3 NOSSAS ILHAS OCEÂNICAS 1 – ILHA DA TRINDADE E ARQUIPÉLAGO MARTIN VAZ ...........................................................65 TRINDADE: COBIÇADA DESDE O INÍCIO DAS GRANDES NAVEGAÇÕES ...........................67 O CLIMA DAS ILHAS ..................................................................................................................69 A FLORESTA NEBULAR DE SAMAMBAIAS-GIGANTES ..........................................................70 O ISOLAMENTO GEOGRÁFICO CRIOU UM PARAÍSO ............................................................71 Os crustáceos ...........................................................................................................................71 Os peixes ..� 71 As tartarugas-marinhas .............................................................................................................72 As aves marinhas .....................................................................................................................73 LUIZ GUILHERME SÁ DE GUSMÃO 2 – ARQUIPÉLAGO DE SÃO PEDRO E SÃO PAULO ...................................................................74 MARCELO AUGUSTO DA CUNHA PORTO 3 – ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO DE NORONHA ..................................................................80 OCUPAÇÃO HUMANA NO ARQUIPÉLAGO ..............................................................................81 O CLIMA DAS ILHAS ..................................................................................................................82 VEGETAÇÃO TERRESTRE ........................................................................................................83 ISOLAMENTO GEOGRÁFICO ....................................................................................................84 Os crustáceos ...........................................................................................................................84 Os peixes ..� 84 As tartarugas-marinhas ............................................................................................................86 As aves marinhas .....................................................................................................................86 Golfinhos rotadores ...................................................................................................................87 JOÃO LUIZ GASPARINI RAPHAEL M. MACIERA 4 – ATOL DAS ROCAS ...................................................................................................................88 AS ORIGENS DO ATOL ..............................................................................................................89 UM PASSADO DE LENDAS E NAUFRÁGIOS ...........................................................................90 O CLIMA DO ATOL ......................................................................................................................91 COMUNIDADES BIOLÓGICAS PRESENTES NO ATOL DAS ROCAS .....................................92 Caracterízação da flora ............................................................................................................92 Composição dos recifes de coral e das comunidades bentônicas associadas ...................................92 Os peixes ..� 94 As aves .....� 95 As tartarugas-marinhas .............................................................................................................96 ESTADO DE CONSERVAÇÃO E PRINCIPAIS AMEAÇAS AO ATOL ........................................96 JOÃO LUIZ GASPARINI LEANDRO P. CHAGAS CAPÍTULO 4 O ECOSSISTEMA COSTEIRO 1 – INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES ...............................................................................................101 2 – CARACTERIZAÇÃO DA ZONA COSTEIRA DO BRASIL ......................................................103 3 – CARACTERIZAÇÃO DA ZONA COSTEIRA DO BRASIL DE ACORDO COM AS CADEIAS TRÓFICAS ....................................................................... 112 ECOSSISTEMA PELÁGICO BASEADO NO FITOPLÂNCTON ................................................ 112 ECOSSISTEMA BÊNTICO DA PLATAFORMA CONTINENTAL .............................................. 113 ECOSSISTEMAS DE MANGUEZAIS NA REGIÃO ESTUARINA-LAGUNAR .......................... 114 ECOSSISTEMA COSTEIRO BASEADO NA PRODUÇÃO DE ALGAS MARINHAS ................ 115 CARLOS FREDERICO SIMÕES SERAFIM FÁBIO HAZIN 4 – RECIFES DE CORAL .............................................................................................................. 116 ANA PAULA LEITE PRATES 5 – MANEJO E CONSERVAÇÃO DOS ECOSSISTEMAS COSTEIROS .....................................122 6 – OS DESAFIOS DA GESTÃO DOS ECOSSISTEMAS – INICIATIVAS BRASILEIRAS ..........126 7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................................127 CARLOS FREDERICO SIMÕES SERAFIM FÁBIO HAZIN PERGUNTAS E RESPOSTAS .......................................................................................................130 CAPÍTULO 5 NOSSAS RIQUEZAS NO MAR 1 – RECURSOS VIVOS ................................................................................................................135 AQÜICULTURA E PESCA ........................................................................................................136 A aqüicultura e a pesca no mundo ........................................................................................136 A aqüicultura e a pesca no Brasil ..........................................................................................140 QUAIS AS ALTERNATIVAS PARA O CRESCIMENTO DA PRODUÇÃO BRASILEIRA DE PESCADO? ............................................................................................... 144 Pesca artesanal: Continental e Costeira (plataforma e talude) .............................................144 Pesca oceânica (atuns e afins) .............................................................................................145 Pesca oceânica (demersais de profundidade) .......................................................................148 Aqüicultura ..............................................................................................................................150 FÁBIO HAZIN JOSÉ ANGEL PEREZ PAULO TRAVASSOS ANEXO A INSTITUIÇÕES QUE OFERECEM CURSOS SUPERIORES NA ÁREA DAS CIÊNCIAS DO MAR ..........................................................................................................261 PAULO DE TARSO CHAVES ANEXO B AÇÕES BRASILEIRAS VOLTADAS PARA OS RECURSOS DO MAR ..................265 CARLOS FREDERICO SIMÕES SERAFIM REFERÊNCIAS ...........................................................................................................291 11 APRESENTAÇÃO A Secretaria de Educação Básica/SEB, do Ministério da Educação, tem o prazer de oferecer aos professores de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental e do Ensino Médio o volume 8 da Coleção Explorando o Ensino. Lançada em 2004, essa coleção tem o objetivo de apoiar o trabalho do professor e de ampliar seus recursos instrucionais, permitindo maior aprofundamento dos conteúdos de cada disciplina e sugerindo novas formas de abordá-los em sala de aula. A coleção está composta, até o momento, dos volumes de Matemática (1, 2 e 3), Química (4 e 5), Biologia e Física. A presente edição trata do ensino de Geografia. Este volume, desenvolvido em parceria com a Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM), possibilitará aos professores de Geografia apreender conheci- mentos sobre estudos, pesquisas e atividades sobre o mar e suas potencialidades. O propósito é despertar nos docentes dessa disciplina consciência e reflexão sobre a importância econômica e estratégica do mar para as nações, em especial para o Brasil, que possui uma costa marítima de cerca de 8 mil quilômetros. De modo geral, desde os primórdios da civilização, o mar tem sido um dos elementos de decisiva influência sobre as organizações social, econômica e cultural de um povo. Inicialmente, pela utilização de recursos pesqueiros e pelo comércio marítimo entre localidades próximas; posteriormente, como via de transporte para os exploradores que se lançavam no oceano, desco- brindo novas terras e rotas comerciais e alargando as fronteiras do mundo então conhecido. A formação histórica da nação brasileira está intimamente ligada ao mar. Para o nosso país, o mar foi a via da chegada dos portugueses, da colonização, das invasões estrangeiras, da consoli- dação da independência e do comércio exterior. Nossas fronteiras terrestres foram consolidadas há um século, no entanto, as fronteiras marítimas ainda não estão definitivamente estabelecidas. O estudo sobre o mar precisa ser estimulado nas escolas, pois tem um importante papel no contexto dos estudos geográficos. A expectativa é que esta edição seja um instrumento valioso de apoio aos procedimen- tos de ensino e de aprendizagem e que a apropriação de informações e conceitos, pelos pro- fessores de Geografia, possa ser compartilhada com os alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. C 1 CAPÍTULO [ ]...Amazônia Azul, medindo quase 4,5 milhões de quilômetros quadrados, o que acrescenta ao País uma área equivalente a mais de 50% de sua extensão territorial. 17 A AMAZÔNIA AZUL 1 – A OUTRA AMAZÔNIA ROBERTO DE GUIMARÃES CARVALHO Toda riqueza acaba por se tornar objeto de cobiça, impondo ao detentor o ônus da proteção. Tratando-se de recursos naturais, a questão adquire conotações de soberania na- cional, envolvendo políticas adequadas, que não se limitam à defesa daqueles recursos, mas incluem-na necessariamente. Nesse contexto, a Amazônia brasileira, com mais de 4 milhões de quilômetros quadrados, abrigando parcela considerável da água doce do planeta, reservas minerais de toda ordem e a maior biodiversidade da Terra, tornou-se ri- queza conspícua o sufi ciente para, após a per- cepção de que se poderiam desenvolver amea- ças à soberania nacional, receber a atenção dos formuladores da política nacional. Assim, a região passou a ser objeto de notáveis iniciati- vas governamentais, que visam à consolidação de sua integração ao território nacional, à garantia das fronteiras, à ocupação racional do espaço físico e à exploração sustentada dos importantes recursos naturais ali existentes. Como exemplos dessas iniciativas podemos citar o Projeto Calha Norte e o Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), que inclui o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). Entretanto, há uma outra Amazônia, cuja existência é, ainda, tão ignorada por boa parte dos brasileiros quanto o foi aquela por muitos séculos. Trata-se da Amazônia Azul, que, maior do que a verde, é inimaginavelmente rica. Seria, por todas as razões, conveniente que dela cuidássemos antes de perceber-lhe as ameaças. 1 FIGURA 1.1 – MAPA DA AMAZÔNIA AZUL 20 Com a descoberta de tais recursos, cresceu de importância a necessidade de delimitar os espaços marítimos em relação aos quais os Estados costeiros exercem soberania e jurisdição. Assim é que, em 1958, foi realizada a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, em Genebra, na Suíça. Dado o malogro de tal conferência, no sentido de estabelecer limites marítimos bem defi nidos, foram convocadas uma segunda e uma terceira conferências sobre o mesmo tema. O resultado da terceira conferência culminou com o advento da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), de cuja elaboração o Brasil participou ativamen- te por meio de competentes delegações formadas, basicamente, por ofi ciais da Marinha do Brasil e por diplomatas brasileiros. A CNUDM, em vigor desde novembro de 1994, constitui-se, segundo analistas internacio- nais, no maior empreendimento normativo no âmbito das Nações Unidas, na medida em que legisla sobre todos os espaços marítimos e oceânicos, com o correspondente estabelecimento de direitos e deveres dos Estados costeiros. No que concerne aos espaços marítimos, todo Estado costeiro tem o direito de estabelecer um mar territorial de até 12 milhas náuticas, uma zona econômica exclusiva de até 200 milhas náuticas e uma Plataforma Continental estendida, cujos limites exteriores, além das 200 milhas náuticas, devem ser determinados segundo a aplicação de critérios específi cos. Os Estados exercem soberania no mar territorial e, tanto na zona econômica exclusiva quanto na plataforma continental, exercem jurisdição quanto à exploração e ao aproveita- mento dos recursos naturais. A partir de 1986, o Governo brasileiro, com base nas disposições da CNUDM, decidiu esta- belecer o limite exterior da plataforma continental brasileira para além do limite das 200 milhas, contadas a partir das linhas de base do nosso litoral, tanto continental quanto insular. 1 FIGURA 1.4 – ÁGUAS JURIDICIONAIS BRASILEIRAS FIGURA 1.5 – MAPA DA ZEE E EXTENSÃO DA PLATAFORMA CONTINETAL 21 1 FIGURA 1.6 – MAPA POLÍTICO DO BRASIL FIGURA 1.7 – MAPA ESQUEMÁTICO DOS ESPAÇOS MARÍTMOS BRASILEIROS 22 Nesse sentido, sob a coordenação da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), coordenada pelo Comandante da Marinha, o Brasil deu início à realização de um extenso projeto tendente a ensejar o estabelecimento dos limites exteriores da nossa plataforma continental, que passou a ser conhecido como Levantamento da Plataforma Continental (Leplac). Desse projeto fizeram parte especialistas da Diretoria de Hidrografia e Navegação – DHN da Marinha do Brasil, da Petrobras e de algumas das nossas universidades com vocação para a pesquisa oceanográfica. Durante um período aproximado de dez anos, de 1987 a 1996, quatro navios de pesquisas da DHN, cujas tripulações incluíam especialistas da Petrobras e pesquisadores universitários, coletaram dados oceanográfi cos ao longo de toda a margem continental brasileira. Esses dados, depois de tratados e integrados, subsidiaram a confecção de mapas onde foram traçadas todas as linhas que contribuem para a determinação do limite exterior da Plataforma Continental. 1 FIGURA 1.8 – MAPA DO RELEVO SUBMARINO 2 CAPÍTULO [ ]O mar é mais lembrado como fonte de alimentos (32%) e de lazer (17%), o que signifi ca que, embora considerado importante, o brasileiro médio visualiza o mar basicamente como fonte de pescado e de divertimento. 26 27 O USO RACIONAL DO MAR 1 – MENTALIDADE MARÍTIMA GERALDO GONDIM JUAÇABA FILHO 1 JORGE DE SOUZA CAMILLO A FORMAÇÃO DO BRASIL Portugal e Espanha dividiam o globo entre si pelo Tratado de Tordesilhas, em 1506, acarretando repercussões para o mundo, particularmente para a América do Sul. Criava-se, neste continente, com a partilha universal de terras e oceanos entre as duas potências européias, a fronteira fundamental, que viria a desempenhar papel preponderante na formação dos países meridionais do Novo Mundo. O Brasil era, nos primeiros tempos, ilha que se colocava entre as muitas terras de além-mar, a fornecer produtos primários à metrópole. Sua ocupação se fez beirando o litoral. O posicionamento das populações junto ao litoral nos primei- ros tempos deve ser visto como a fi xação entre dois vazios: o continental e o oceânico. No continente, a divisão de espaços configura-se a partir do eixo original de Tordesilhas e deforma-se, na história dos povos que herda- ram as civilizações hispânica e lusíada, pela interferência de dois outros eixos geográfi- cos, um proximamente meridional e outro quase transversal, segundo os paralelos. O primeiro desses eixos, a bacia hidrográfica do Prata, hospedava poderosos rivais em suas margens e foi importante referência na formação das nacionalidades ribeirinhas; o segundo, a bacia do Amazonas, ofereceu ao espírito aventureiro, que se transmitia de Portugal ao Brasil, o caminho de penetração nos vazios da selva, para contestar Tordesi- lhas e desenhar um novo limite. FIGURA 2.1 – MAPA DO TRAÇADO DA LINHA DE TORDESILHAS 2 1 – Os tópicos 1 e 2 foram extraídos e modifi cados de O Brasil e o mar no século XXI, capítulos XII, XV e XVI 30 c) aproximadamente metade dos brasileiros considera os manguezais importantes e estão preocupados com sua preservação, principal- mente por serem o hábitat de uma série de ani- mais e fonte de alimentos para a população; d) os brasileiros consideram importante conhe- cer melhor o mar, principalmente como fonte de alimentos e de recursos minerais (petróleo); e) para a grande maioria dos brasileiros é ne- cessário o máximo cuidado com o meio am- biente, quando se trata da exploração econô- mica do fundo do mar; f) nove em cada dez brasileiros desconhe- cem o total da produção de petróleo do fun- do do mar; a exploração em terra é julgada mais importante do que no mar; quase a meta- de dos brasileiros acha que as empresas petrolíferas não têm tido cuidado para prevenir a poluição marinha; g) comparado à carne bovina e ao frango, o peixe é pouco consumido pelos brasileiros, devido principalmente ao preço e à resistência ao consumo; h) para a maioria da população, o litoral brasileiro tem muitos peixes, embora se acredite que essa quantidade esteja diminuindo; devem ser incentivadas as criações de peixes, mariscos e crustáceos, como forma de aumentar a produção e baratear o custo; i) a grande maioria dos brasileiros considera importante a existência de uma Marinha Mercante nacional para baratear custos; não obstante, é praticamente desconhecido o volume da expor- tação nacional feita por navios, assim como a porcentagem dessa exportação com navios de bandeira brasileira; j) quatro em cada cinco brasileiros conside- ram muito importante a existência de uma in- dústria nacional de construção naval. Mais da metade (55%) julga que os navios construídos no Brasil são de qualidade igual ou superior aos fabricados no exterior; 2 FIGURA 2.4 – MERCADO DE PEIXE FIGURA 2.5 – CONSTRUÇÃO NAVAL NO ARSENAL DE MARINHA DO RIO DE JANEIRO 31 l) cerca da metade dos brasileiros considera os portos nacionais inefi cientes, devendo-se tal situação às autoridades portuárias, à falta de investimentos e aos próprios portuários. OS RESULTADOS MAIS INTERESSANTES Mentalidade marítima O mar é mais lembrado como fonte de alimentos (32%) e de lazer (17%), o que signifi ca que, embora considerado importante, o brasileiro médio visualiza o mar basicamente como fonte de pescado e de divertimento. De fato, apenas 12% consideram o mar importante como fonte energética (petróleo) e como meio de transporte. Indústria naval, portos e Marinha Mercante Há consciência (48%) da crise que paira sobre a indústria naval, principalmente nas capitais, sendo que 25% responsabilizam o Governo por tal situação e 17% atribuem o problema à falta de investimentos. Em contrapartida, quatro em cada cinco brasileiros acham que é muito necessário para o País ter uma indústria de construção naval e possuir uma Marinha Mercante. Exploração de petróleo off-shore Apenas 7% da população consideram o mar importante como fonte de petróleo. A exploração off-shore (no mar) é considerada menos importante do que a em terra. Apenas 7% sabem que a maior parte da produção total é proveniente do fundo do mar. A efi ciência da Petrobras é reconhecida, im- plicitamente, pela produção: entre as dez ativi- dades marítimas que foram listadas, a extração 2 FIGURA 2.6 – MARINHA MERCANTE – NAVIO PARA CONTÊINER FIGURA 2.7 – PORTO DE SANTOS FIGURA 2.8 – PLATAFORMA DE PETRÓLEO BACIA DE CAMPOS 32 de petróleo despontou como a que está em melhor situação no País (58%). Entretanto, 46% dos brasileiros acham que as empresas petrolíferas não se preocupam em evitar a poluição no mar. Pesca Os brasileiros reconhecem que con- somem mais carne bovina (85%) e mais carne de frango (87%) do que pescado. Como justificativa para o baixo consumo do peixe, o brasileiro (principalmente o habi- tante do litoral) alinha: o seu preço (36%); a resistência ao seu consumo (20%) (não gostam, pode fazer mal à saúde, estraga facilmente, deixa mau cheiro etc.); a falta de hábito (18%) e a falta do produto (16%). Poluição marinha Constitui-se a terceira fonte de maior preocupação em relação ao mar (45%), de modo geral, e a primeira com respeito à poluição das praias (56%). As praias, na opinião dos brasileiros, estão poluídas em sua maioria, devendo-se o fato ao lixo dos freqüentadores (45%), ao esgoto urbano, aos óleos e resíduos e à poluição dos rios. O brasileiro tem consciência de que a poluição nas praias é prejudicial ao homem (91%), mesmo para quem não as freqüenta (68%). Pesquisa oceanográfi ca Sete brasileiros, em cada dez, acreditam que o maior conhecimento do mar pode trazer benefícios à humanidade. Mais do que isso, merece destaque o fato de que, para 42%, as descobertas nos oceanos e em seu fundo são mais importantes do que as espaciais (só favorecidas por 13% dos entrevistados). 2 FIGURA 2.9 – PESCA OCEÂNICA DO ATUM FIGURA 2.10 – LIMPEZA DO ÓLEO DERRAMADO NA BAÍA DE PARANAGUÁ FIGURA 2.11 – NAVIO OCEANOGRÁFICO PROFESSOR BESNARD 35 • segundo, o vetor português, do século das descobertas, chegando e desembarcando em terras de além-mar, de abundantes riquezas vegetais e minerais, obrigando-se a consolidar a posse da terra, sob o assédio de potências européias. • terceiro, o vetor escravo, proveniente da África em navios negreiros, para servir aos senho- res da terra. Sua civilização na origem era também terrestre, continental, de sobrevivência e ocupação da terra, não comportando projeção marítima, ainda mais nas condições de submissão em que foram mantidos. E depois, a necessidade que tinha Portugal de fi xar seu domínio no chão da nova terra. A criação de feitorias, antes da partilha do litoral em capitanias hereditárias, numa extensão menor que oitocentas léguas, menos da metade dos 8.500 quilômetros atuais. A instalação do Governo Geral. E a longa penetração continental, para Norte e para Oeste, na calha principal do Amazonas. A fi xação do limite exterior da fronteira terrestre, com o cinturão defensivo constitu- ído de fortes. As bacias hidrográfi cas, propiciando caminhos naturais de colonização. E a conti- nuidade de tudo isso por um longo período, em que surgiam as primeiras vozes de afi rmação da nacionalidade brasileira, de brancos, negros, índios, caboclos, mamelucos. José Bonifácio de Andrada e Silva terá sido, talvez, o primeiro estadista brasileiro a assumir a consciência de nossa maritimidade: “O Brasil é potência transatlântica...Que venham, pois, todos aqui comerciar, nada mais; porém em pé de perfeita igualdade...” Iluminados por tal inspiração, retomemos o caminho do Patriarca da Independência. Esta é a hora de despertar. Salvar e recuperar o mar aberto e o litoral deste imenso país. O Arquipélago de São Pe- dro e São Paulo, a bela formação coralígena do Atol das Rocas, os botos de Fernando de Noronha, o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, as ilhas vulcânicas de Trindade e Martin Vaz. 2 FIGURA 2.17 (ESQ.) – PEDRO ÁLVARES CABRAL FIGURA 2.18 (DIR.) – VENDEDOR DE ARRUDA. FONTE: JEAN B. DEBRET 36 Os extensos manguezais da costa do Amapá, a linda praia de Salinópolis, no Pará, o penedio forte de Manoel Luís, no Maranhão. Os verdes mares bravios do Mucuripe cearense, a rústica beleza da Redinha, em Natal, o magnífi co recorte de Itamaracá, em Pernambuco. A linha de recifes do litoral baiano, junto a Porto Seguro e Cumuruxatiba, a sinuosa entrada do porto de Vitória, o mar de Cabo Frio. As ilhas, enseadas, montanhas e praias da formosa Guanabara. E São Sebastião. E toda a magnífi ca costa Sul, até o limite extremo, das águas doces do arroio Chuí. Brasil do Orange ao Cassiporé, do Gurupi ao Calcanhar, do Cabo Branco a São Tomé, de Santa Marta ao Rio Grande. Finalmente, a importância do mar para as fontes de energia alternativa, de marés, de gradien- te térmico, de ondas. Para as riquezas minerais de hoje e do futuro, que o milênio vindouro há de trazer. Despertar para o uso pacífi co do mar alto, para que se percorram novos caminhos, para que 2 FIGURA 2.19 – PENETRAÇÃO CONTINENTAL PELOS BANDEIRANTES 37 se descubram novas trilhas, para que os bens de todos sejam partilhados. E que esses bens se distribuam entre nações ricas e pobres. A consciência, a parceria e a solidariedade no uso do mar ainda estão por ser assumidas in- tegralmente. Nossos índios foram perseguidos. Nossos negros, humilhados pela escravidão he- dionda. Nossos brancos tinham saudade da velha terra. A brasilidade foi assim surgindo, no seio de contradições e dores. Foi preciso descobrir o chão, fi ncar o pé na estrada, abrir caminhos de terra. Agora, é a hora do oceano. Nada mais nos impede de assumir, plenamente, o destino desta Pátria. Tomar-se-ia emprestado de Fernando Pessoa o grande grito: “No mar, no mar, no mar, no mar, Eh! Pôr no mar, ao vento, às vagas A minha vida!” 2 – A POLUIÇÃO MARINHA EM ÁGUAS NACIONAIS O CENÁRIO SOCIOECONÔMICO De acordo com os últimos dados demográfi cos, cerca de 42 milhões de habitantes, correspon- dendo a 25% da população brasileira, vivem em municípios litorâneos. Essa massa populacional distribui-se ao longo da costa, perfazendo uma densidade demográfi ca de 90 hab/km2, quase cinco vezes superior à média nacional, que apresenta o valor de 19 hab/km2. Na verdade, 80% da população brasileira residem a não mais de 200 km do mar, o que equivale a um efetivo de aproximadamente 135 milhões de habitantes, cuja forma de vida impacta diretamente os ambien- tes litorâneos. Nesse contexto, cinco das nove regiões metropolitanas brasileiras encontram-se à beira-mar, respondendo por cerca de 15% da população do País (aproximadamente 26 milhões de pessoas). Quando se adicionam a essas os efetivos das oito outras conurbações litorâneas mais expressivas, atinge-se quase o total de 36 milhões de habitantes, distribuídos em apenas treze aglomerações urbanas na costa. As cinco principais metrópoles correspondem às aglomerações de Fortaleza, Recife, Salvador e Rio de Janeiro – diretamente assentadas à beira-mar –, e Belém, em região estuarina. Esse conjunto é responsável por uma população residente de mais de 22 milhões de indivíduos. O nível de concentração demográfi ca pode ser visualizado quando se observa que esse contin- gente representa 56% do total de habitantes da zona costeira e 61% da população urbana dos 2 FIGURA 2.20 – ESTAÇÃO DE ENERGIA DE MARÉS NO RIO RANCE, FRANÇA 40 Dentro desse quadro, ressalta-se, ainda, a pou- ca importância que é dada a vocações e potencia- lidades naturais das regiões costeiras no direcio- namento do acréscimo das atividades humanas. Alguns representantes da comunidade cientí- fi ca têm expressado a opinião de que, no contex- to político, há forte tendência à centralização, na instância da União, das ações estratégicas para o setor ambiental, contrariamente às tendências internacionais, em que as questões ambientais são tratadas, cada vez mais, em níveis local e regional (municipalização de decisões e ações). Ademais, existe uma carência bastante acentuada de recursos para custeio e suporte logístico, o que reduz a efi ciência de utilização dos modernos equipamentos existentes no País. Há, ainda, uma política de fi nanciamento pontual, que faz com que programas importantes não alcancem continuidade a ponto de produzir resultados transferíveis para a sociedade. 3 – TRÁFEGO MARÍTIMO CARLOS JOSÉ SILVA MONTEIRO ROBERTO SANTOYO “Cada um de nós pode trabalhar para mudar uma pequena parte dos acontecimentos... A história é feita de inúmeros atos de coragem e crença.” John Kennedy INTRODUÇÃO E CONCEITUAÇÃO O mar, ao contrário do que sua imensidão sugere, é um meio físico de integração dos povos, onde as distâncias envolvidas não representam uma barreira, mas, sim, uma ponte de intercâmbio de culturas e de riquezas. O Brasil, que teve a sua história iniciada nas grandes navegações e que possui um litoral de 8,5 mil quilômetros, banhado pelo oceano Atlântico, tem no mar, além de fonte de riquezas e de lazer, meio de transporte para cerca de 95% do seu comércio exterior. A navegação nasceu com a humanidade; precisar seu início seria uma tarefa muito difícil, mas com certeza tudo deve ter começado por força da necessidade de sobreviver. Observamos que a globalização, sobre o que tanto escutamos nos dias de hoje, também foi parte acessória nas 2 FIGURA 2.22 – INDUSTRIALIZAÇÃO LITORÂNEA, CUBATÃO (SP) 41 conquistas dos novos continentes. Aventura e coragem eram e são os ingredientes necessários para todos aqueles que se lançam em busca dos relacionamentos diplomáticos ligados ao comércio marítimo. No princípio, os fenômenos meteorológicos, aliados às precárias condições tecnológicas dos instrumentos de navegação, eram, sem dúvida, as principais barreiras para se navegar com segurança. As embarcações de outrora não eram tão resistentes diante da fúria das tempestades marinhas, sendo temerária a prática da navegação em tais condições. Com o passar dos tempos, os avanços tecnológicos tornaram as aventuras marítimas mais seguras, fazendo com que a atividade comercial prosperasse, estreitando as relações entre as nações separadas por oceanos e mares. Para tanto, no intuito de termos mais tranqüilidade, enquanto nos encontramos no uso do mar, temos de tomar certos cuidados e, por meio deles, o Brasil, preocupado com a segurança da navegação nas águas sob jurisdição nacional, aprovou a Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário (LESTA), Lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997, regulamentada pelo Regulamento da Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário (RLESTA), Decreto nº 2.596, de 18 de maio de 1998, que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional. Na LESTA estão estabelecidos conceitos, defi nições, regras de comportamento e segurança de nossas embarcações, exceto as de guerra, além de regulamento para tripulantes, profi ssionais não-tripulantes e passageiros nelas embarcados, ainda que fora das águas sob jurisdição nacio- nal, respeitada, em águas estrangeiras, a soberania do Estado costeiro. E nessa direção coube à autoridade marítima promover a implementação e a execução dessa lei, com o propósito de assegurar a salvaguarda da vida humana e a segurança da navegação no mar aberto e em hidro- vias interiores, assim como prevenir a poluição ambiental por parte de embarcações, plataformas ou de suas instalações de apoio. No exterior, a autoridade diplomática representa a autoridade marítima, no que for pertinente à lei. As normas decorrentes dessa lei obedecerão, no que couber, a atos e resoluções internacionais ratifi cados pelo Brasil, especifi camente os relativos à salvaguarda da vida humana nas águas, à segurança da navegação e ao controle da poluição ambiental causada por embarcações. No RLESTA são defi nidos os diversos grupos de profi ssionais aquaviários, como também as classifi cações de navegação. Além da LESTA e do RLESTA, são necessárias algumas outras normas e defi nições, principalmente aquelas que estabelecem limites e mostram ao usuário do mar o que deve fazer para não se colocar em situações de perigo. São normas gerenciadas pela Diretoria de Portos e Costa (DPC), organização militar do Comando da Marinha, que visam a dar orientações a todos os níveis de usuários do mar. Nelas poderemos encontrar as defi nições mais importantes da nossa legislação maríti- ma, tais como: Passagem Inocente; Águas Juridicionais Brasileiras (AJB); Mar Territorial; 2 42 Zona Contígua; Zona Marítima de Pesca e Zona Econômica Exclusiva (ZEE); Plataforma Continental; Mares Internos – Águas; Lagos; Estreitos e Canais; características do Direito Marítimo; Tribunal Marítimo e outros conceitos. SIGNIFICADO ESTRATÉGICO DAS VIAS DE COMUNICAÇÃO MARÍTIMA O mar e sua importância Não há país que disponha de litoral e não identifi que interesses no mar, mesmo os medi- terrâneos. Estes, resultantes de anseios, necessidades, possibilidades e cultura de um povo, materializam-se no que se convencionou chamar de política marítima do país. Seus objeti- vos, de ordem política, econômica e militar, dependem, para serem alcançados, da adequada obtenção e do emprego de meios apropriados, isto é, dependem de uma estratégia marítima. De conceito extremamente abrangente, esse poder – o poder marítimo – é constituído de tudo aquilo que, de alguma forma, se relaciona com a navegação, o transporte aquaviário, a pesca, a extração do petróleo e o uso/aproveitamento do subsolo marinho, o esporte náutico, as indústrias afi ns, a população que o integra, a política governamental que o rege e, acima de tudo, a vocação marítima do povo. No caso do Brasil, os interesses marítimos são históricos e amplos. O mar foi nossa via de descobrimento, de colonização, de invasões, de consolidação da independência, de comércio e de agressões, além de arena de defesa da soberania em diversos episódios, inclusive em duas guerras mundiais. Do ponto de vista econômico, 95% de todo o comércio exterior brasileiro são viabilizados pela via marítima, de onde também são extraídos mais de 80% de todo o petróleo nacional. Ademais, do mar retira-se uma infi nidade de outros recursos econômicos, como a pesca, o sal, as algas e uma vasta gama de outros recursos orgânicos e minerais, além de matérias-primas diversas. Tal fonte, quase ilimitada, tende a aguçar os interesses e a desenvolver dependências. No caso do Brasil, onde, hoje, já representa muito, poderá tornar-se a virtual fronteira econômica do futuro. Transporte no Brasil Até a década de 1950, a economia brasileira fundava-se na exportação de produtos pri- mários e, com isso, o sistema de transportes limitou-se aos transportes fl uvial e ferroviário. Com a aceleração do processo industrial na segunda metade do século XX, a política para o setor concentrou os recursos fi nanceiros no setor rodoviário, com prejuízo para as ferrovias, especialmente na área da indústria pesada e de extração mineral. Como resultado, o setor rodoviário, o mais caro depois do aéreo, movimentava, no fi nal do século, mais de sessenta por cento das cargas brasileiras. 2 45 guerra mundial, e o Titanic, grande vapor de 60 mil toneladas, que afundou na noite de 14 para 15 de abril de 1912, ao se chocar com um iceberg, em catástrofe que comoveu o mundo. Episódios como este forçaram a melhora da segurança de outras grandes embarcações construídas posteriormente, como o transatlântico francês Normandie, de 79 mil toneladas, lançado ao mar em 1935, ou o Queen Elizabeth, lançado três anos depois. Na segunda metade do século XX, o transporte de passageiros sofreu uma relativa regressão, provocada especialmente pelo maior desenvolvimento da aviação comercial. Por isso, a Marinha Mercante orientou suas perspectivas para o transporte de mercadorias, especialmente o petróleo e seus derivados, uma vez que constitui o meio mais adequado e menos dispendioso para carre- gar tais substâncias. Também, a energia nuclear, amplamente usada em submarinos, porta-aviões e outros navios de guerra, alcançou o transporte marítimo em embarcações como o cargueiro norte-americano Savannah ou os quebra-gelos russos Lenin e Sibir. ATUAL CONJUNTURA O Brasil é um país marítimo. Não só pela vastidão da costa brasileira, com cerca de 8,5 mil quilômetros, onde se desenvolve intensa atividade pesqueira, como também pelo fato de se extrair mais de 80% da sua produção de óleo e gás do fundo do mar. E é uma vocação marítima para lon- gos percursos, uma vez que cerca de 95% do volume total de exportações e importações brasileiras, superior a US$ 160 bilhões, são transportados em navios, pelos quatro oceanos do planeta. Essas características são forte indutor de uma indústria marítima sólida, de uma vigorosa Marinha Mercante, formada por companhias de navegação com frota diversifi cada de navios de cabotagem e de longo curso e por empresas de construção naval e reparos bem estruturadas e competitivas. Esse era o cenário brasileiro nas décadas de 1970 e 1980, quando o País foi o segundo maior construtor naval do mundo e os navios de bandeira brasileira respondiam por até 90% do nosso comércio exterior. Atualmente, a Marinha Mercante brasileira não se encontra mais como no seu tempo áureo, quando a indústria naval brasileira chegou à marca de segundo maior construtor de navios do mundo (perdendo apenas para o Japão). Nessa época, o Brasil tinha grandes armadores, como o extinto Lloyd Brasileiro, que transportava nossas mercadorias para todas as partes do mundo. A década de 90 assistiu à pior fase da Marinha Mercante brasileira. A frota nacional se reduziu drasticamente; grandes companhias brasileiras faliram; estaleiros fecharam suas portas, parando a fabricação de embarcações no Brasil e praticamente jogando fora todo o desenvolvimento tecnológico adquirido nos anos anteriores. Nessa época, para se ter uma idéia, as Escolas de Formação de Ofi ciais da Marinha Mercante do Rio e de Belém estavam 2 46 formando, juntas, turmas que somavam o irrisório número de, no máximo, 30 novos Ofi ciais. Mas, esses tempos estão fi cando para trás... As crises econômicas, em sua maioria provocadas por fatores externos, que acabaram por reverter a trajetória de sucesso da nossa Marinha Mercante e da indústria naval brasileira, já fazem parte do passado. Nos últimos dez anos, recuperar a capacidade estratégica do setor naval tem sido uma das maiores preocupações do governo brasileiro, o que resultou na implementação de uma série de ações para garantir novo fôlego a essa vocação marítima historicamente comprovada. A Marinha Mercante tem um importante papel a cumprir no resgate da posição de destaque que o País ocupou por quase duas décadas. Atualmente, os navios de bandeira brasileira respon- dem por menos de 4% de nosso comércio exterior. Ou seja: o Brasil paga fretes ao exterior por 96% do total das mercadorias transportadas por via marítima. Esse é o cenário que se quer mudar, uma vez que tais gastos aumentam o défi cit na conta corren- te do balanço de pagamentos do Brasil com o exterior. E o valor do frete tem impacto direto sobre a competitividade das nossas mercadorias para exportações. Apesar da redução da frota brasileira, o setor de transporte marítimo gera quase dez mil empregos diretos, contando-se apenas os empre- gados das empresas de navegação brasileiras (em terra e na tripulação dos navios de registro). A expansão da infra-estrutura logística e de transportes, para manter o incremento das exportações, é um dos grandes desafi os do País. A recuperação do setor naval se insere nesse debate. A conquista de novos mercados e o aumento crescente nas nossas vendas externas, condição essencial para o crescimento socioeconômico brasileiro, indica que é necessário construir e lançar ao mar mais navios de registros brasileiros. A retomada da construção naval já vem acontecendo, empurrada por um poderoso combus- tível: o petróleo. As descobertas de reservas gigantes de petróleo e a abertura do setor marcaram a década de 1990. O Brasil iniciou o novo milênio com gás e óleo sufi cientes para impulsionar o aquecimento da indústria, com a reativação de vários estaleiros. Essa crescente exploração de petróleo está forçando a construção de novas e mais moder- nas embarcações de apoio marítimo dos mais variados tipos, além da crescente necessidade de renovação da frota da antiga Fronape, agora Transpetro (maior armador nacional), para atender à demanda e também às novas especifi cações internacionais que seus antigos navios deixarão de atender em curto espaço de tempo. Quanto a embarcações de apoio marítimo, estão sendo fi rmadas linhas de crédito com o BNDES para a construção, em estaleiros nacionais, de novas embarcações, o que irá gerar milhares de novos empregos na indústria naval. Quanto à Transpetro, empresa transportadora da Petrobras, os planos são de renovação de frota. Até 2006, a empresa planeja contratar a construção de mais 26 embarcações, sendo a 2 47 metade delas construída no Brasil e a outra metade, no exterior (o que já começou a acontecer com a aquisição de dois novos navios para trabalhar com plataformas de exploração petrolífera na bacia de Campos). Quanto à produção no Brasil, a empresa realizou, em 2005, licitação para a construção de petroleiros. Os investimentos da Petrobras têm tido peso decisivo nessa retomada da indústria naval, principalmente com as encomendas de plataformas FPSOs (Floating Production Storage Off- Loading), que têm se mostrado bom modelo de unidade de produção de petróleo na costa brasi- leira, em águas que variam de 500 metros a 3 mil metros de profundidade. Some-se a isso o programa de Renovação da Frota de Navios de Apoio Marítimo, com en- comendas de dezenas de outros tipos de embarcações para dar suporte a toda a cadeia off-shore, como é chamada a atividade petrolífera realizada no mar. Em 2005, a Transpetro lançou a licita- ção de 22 navios petroleiros, avaliados em US$ 1,1 bilhão, dentro do mais ambicioso plano de modernização da frota dos últimos 15 anos. Em terra fi rme e nos diques, cabe ao governo federal, aos investidores e aos empresários condu- zir esta “reconstrução” da indústria naval. Nos navios, que vão ajudar a promover o desenvolvimen- to do País, lançados ao mar, o comando será dos ofi ciais da Marinha Mercante Brasileira (MMB). Dados do The World Marine Propulsion Report 2004–2008 indicam que a indústria de construção naval está em expansão no mundo: até 2006, o valor da produção naval deverá atingir US$ 45 bilhões, com a construção de 1.864 navios e o fornecimento de 2.850 motores navais. Diante desse cenário e pelas iniciativas retro mencionadas, pode-se depreender que a indústria de construção naval brasileira não é uma excessão e irá acompanhar a tendência mundial de expansão. Para os próximos anos, tudo indica que a Marinha Mercante Brasileira, grande transportadora de riquezas do País, voltará a subir ao topo de onde nunca deveria ter saído. DIAS MELHORES PARA O SETOR NAVAL NO BRASIL O setor de construção e reparação naval é benéfi co para toda a sociedade brasileira, pela importância dessa indústria para o desenvolvimento do Estado e para a geração de empregos. O Brasil possui as quatro pré-condições para estabelecimento de uma política industrial para o setor: em primeiro lugar, temos um parque industrial montado e pronto para voltar a funcionar, necessitando de muito pouco investimento para sua modernização; em segundo lugar, temos os recursos fi nanceiros, oriundos do Fundo da Marinha Mercante; em terceiro lugar, temos mão-de-obra qualifi cada esperando ser convocada para retornar a seus postos de trabalho; em quarto lugar, por fi m, temos o que poucos países do mundo em desenvolvimento 2 50 A perda de embarcações que operam no longo curso pode ocorrer, basicamente, em qua- tro situações: venda para empresas estrangeiras; transferência para subsidiárias no exterior (ex.: Docenave); transferência da operação do navio para a navegação de cabotagem (ex.: Lloyd) e retirada de operação do navio (ex.: Lloyd). Assim, a atual frota sob bandeira brasileira é seme- lhante à existente em 1976, mas naquele ano o Brasil movimentava cerca de 130 milhões de toneladas de cargas marítimas e, atualmente, o movimento supera 220 milhões de toneladas. AS EMPRESAS DE NAVEGAÇÃO Em 1995, havia 34 empresas autorizadas a operar na navegação de longo curso, das quais apenas 14 possuíam frota com três ou mais embarcações e respondiam por 96% da frota brasilei- ra de longo curso, fi cando as demais nove com apenas 4%. As duas empresas estatais – Petrobras e Docenave, eram responsáveis por 87% da frota brasileira de longo curso. A Petrobras reduziu sua frota devido não só ao aumento da produção brasileira de petróleo, como também devido à concentração de suas compras na América do Sul, o que restringiu suas necessidades a navios de menor porte. Já a Docenave transferiu a maior parte da frota própria para sua subsidiária na Libéria (Seamar), visando a garantir competitividade às suas exportações de minérios. Finalmente, o Lloyd, empresa que possuía 51 navios, com cerca de 1,3 milhão de tpb de capacidade, foi, ao longo dos últimos anos, totalmente sucateada, deixando de operar na navegação de longo curso devido aos seus graves problemas fi nanceiros. A frota mercante de empresas brasileiras registradas em países que oferecem bandeira de conveniência, segundo a UNCTAD, é de 1,4 milhão de tpb, equivalentes a 31% da frota de longo curso sob bandeira brasileira. As empresas privadas, desestimuladas pela ausência de uma política setorial, não promove- ram investimentos signifi cativos sequer na renovação de suas frotas, quanto mais na sua amplia- ção. Com as alterações ocorridas nos últimos anos do século XX – conteinerização e globaliza- ção da economia –, essas empresas fi caram completamente desatualizadas no que diz respeito ao tamanho da frota, ao tipo e ao porte dos navios (navios cargueiros e multipurposes de pequeno porte não são mais viáveis economicamente na operação no longo curso). COMÉRCIO EXTERIOR Em 1995, as empresas estrangeiras ganharam cerca de US$ 7 bilhões em fretes para movi- mentar o comércio exterior brasileiro, ou 92,5% dos fretes totais gerados. Esse valor poderia ter reduzido em 44% o défi cit na balança brasileira de serviços, excluídos os juros, se tivesse sido faturado por empresas brasileiras. 2 51 CONCLUSÕES Durante o período de 1970 a 1986, a frota brasileira aumentou em 421 mil tpb/ano; no período seguinte, de 1987 a 1995, diminuiu 423 mil tpb/ano. Diversas razões explicam essa grande redução: • a abertura completa e repentina do mercado, sem a necessária implementação de ações de preparação e apoio às empresas brasileiras para enfrentamento do novo ambiente; • a falta de confi abilidade no fl uxo dos recursos arrecadados de Adicional de Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), devido à redução dos percentuais de arrecadação e à retenção desses recursos pelo Tesouro Nacional. Em 1996, até novembro, foram arrecadados R$ 371 milhões, mas somente 9% foram repassados ao BNDES para investimentos no setor; • a completa indefi nição e a inexistência de políticas setoriais; • a obsolescência do parque industrial instalado destinado à construção naval, devido à retração de encomendas e ao enfraquecimento das empresas nacionais. Ausência de mecanismos adequa- dos para uma atuação mais efetiva dos estaleiros diretamente no mercado internacional; • as alterações constantes nas políticas do Fundo da Marinha Mercante (FMM), em especial as trocas de indexadores (BTN, TR, IPC, TJLP), prejudicaram a decisão de investimentos da maior parte das empresas brasileiras de navegação que deixaram de expandir suas frotas para adequar-se a nova ambiência; • a análise sobre oportunidades de negócios e viabilidade de rotas, a pré-defi nição das características do navio, a tomada fi nal da decisão de investimento, a obtenção de fi nancia- mento, a elaboração de projetos técnicos defi nitivos e a demanda de cinco anos, em média, para a construção do navio. Com as altas taxas de infl ação, que imperaram no Brasil até o início dos anos 90, investir na construção de um navio de US$ 75 milhões, com prazo de entrega de 24 meses, exigia uma certa dose de coragem e ousadia. A todos esses problemas, somem-se as profundas alterações do mercado internacional ocorridas nos últimos 10 anos do século XX (aumento da competição, entrada de novas empresas, queda do nível de fretes, intensifi cação dos processos de fusão entre as grandes empresas internacionais), que alteraram de forma substancial o cenário de competição vigente, processo que não foi plenamente compreendido pelas empresas e, principalmente, pelo próprio governo, contribuindo ainda mais para o cenário de estagnação do setor. 2 52 5 – PORTOS BREVE HISTÓRICO Na história encontramos fatos que ressaltam a grande importância dos portos para o desen- volvimento mundial. Um dos mais notáveis foi a transferência do Império Romano, de Roma para Bizâncio, iniciando a transformação do pequeno porto situado no Bósforo, na passagem que ligava o Mar Negro ao Mediterrâneo. De longe, passou a ser o maior centro fi nanceiro, mercantil e cultural de toda aquela parte do globo, a referência viva de um império que, no seu apogeu, chegou a ter mais de trinta milhões de habitantes. Depois, já rebatizada de Constantinopla, foi uma das mais esplendorosas metrópoles da transição da Época Clássica para a Medieval. Podemos dizer que o mundo iniciou o seu primeiro processo de globalização há quase 600 anos, por meio das grandes navegações. Considera-se que o expansionismo ultramarino teve início em 1415, com a conquista de Ceuta (Norte da África) pelos portugueses. Naquela épo- ca, Dom Henrique, ‘O Navegador’, estimulou novos e ousados movimentos de conexões e de domínios estratégicos, o que tornou Portugal um país rico e estruturado para atingir o oriente; em 1492, os reis espanhóis Fernando de Aragão e Isabel de Castela fi nanciaram a expedição do genovês Cristóvão Colombo, que chegou às Américas quando buscava outro caminho para o oriente; Vasco da Gama saiu de Portugal em 1497 e, em 1498, chegou a Calicut, na Índia. Em 1500, Cabral chegou ao Brasil; em 1519, o português Fernão de Magalhães, a serviço da Espanha, iniciou a primeira viagem de circunavegação; em 1543, portugueses chegaram ao Japão; em 1820, completou-se o conhecimento físico de todo o planeta, descobrindo-se a Antártica. A história é vital para a formação da cidadania. Ela nos mostra que, para compreender o que está acontecendo no presente, é preciso entender quais foram os caminhos percorridos pela sociedade até aqui. No caso brasileiro, um fato importante ocorreu em 1808, quando Dom João, regente do reino de Portugal, transferiu o governo e a corte para o Brasil, instalando-se no 2 FIGURA 2.25 – CIDADE DE CONSTANTINOPLA FIGURA 2.26 – MAPA DO SÉCULO XVI 55 em Salvador, fundado por Thomé de Souza, que construiu dezenas de navios, inclusive grandes naus, que eram os maiores navios de guerra do seu tempo. Em 1763, surgiu o Arsenal Real da Marinha, no Rio de Janeiro, fundado por D. Antônio Álvares da Cunha. A primeira cons- trução foi a nau S. Sebastião, lançada ao mar em 1767. Esse estaleiro passou a ter como atividade principal o reparo e a manutenção dos navios da esquadra real e dos navios que aportavam no Rio de Janeiro. Em 7 de setembro de 1822, com a Independência do Brasil, tornou-se imperiosa a constitui- ção de uma esquadra para manter a unidade nacional, sendo preciso reparar os navios existentes e construir outros. Nessa época, o estaleiro passou a ser conhecido, ofi cialmente, por Arsenal da Marinha da Corte e teve ampliadas e modernizadas suas instalações, com a implantação de novas ofi cinas, a prontifi cação do primeiro dique e a vinda dos primeiros brasileiros com curso formal de engenharia naval realizado na Europa. Assim, chegou a atingir adiantamento técnico comparável ao que havia nos centros mais avançados da Europa. Entretanto, no fi nal do século XIX, teve início um período de estagnação da construção naval brasileira; com isso seguiram-se anos de decadência e quase total paralisação do Arsenal até meados do século XX. Em 1930, tendo seu nome alterado para Arsenal de Marinha da Ilha das Cobras (atual Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro) foi retomada a construção naval no Brasil, com o lançamento ao mar do Monitor Fluvial Parnaíba. Seguiu-se a construção dos três grandes contra-torpedeiros da classe Marcílio Dias, navios de estrutura soldada que representaram grande progresso tecnológi- co. Depois, foram construídos, entre outros, os navios hidrográfi cos, no fi nal da década de 1950, que tiveram como novidade a superestrutura de alumínio. A partir de 1958, com a criação do Fundo da Marinha Mercante (FMM), cuja principal fonte de fi nanciamento é a cobrança da Taxa de Renovação da Marinha Mercante, foram reformuladas as políticas do setor, e deu-se o renascimento da construção naval mercan- te no Brasil. O progresso foi contínuo e notável até 1979, com a construção de um nú- mero cada vez maior de navios, não só de maior porte, como mais diversifi cados e mais 2 FIGURA 2.29 – ARSENAL DE MARINHA DA ILHA DAS COBRAS FIGURA 2.30 – ARSENAL DE MARINHA DO RIO DE JANEIRO 56 sofi sticados, chegando-se afi nal, em 1986, aos graneleiros Docefjord e Tijuca, dois gigantes de 305 mil toneladas, com 332 metros de comprimento, que foram, na ocasião, recorde mundial, em tonelagem, para navios de sua classe. Infelizmente, em 1986 teve início uma grave crise em nossa indústria de construção naval, que persiste até hoje, gerando grande massa de desempregados com o fechamento de muitos estaleiros. Atualmente, com a edição da recente Lei nº 10.893, de 13 de julho de 2004, que dispõe sobre o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) e o FMM, buscou-se atender aos encargos da União no apoio ao desenvolvimento da marinha mercante e da indústria de construção e reparação naval brasileiras. ATUAL CONJUNTURA DA CONSTRUÇÃO NAVAL NO BRASIL Conceitos iniciais Alguns conceitos são considerados dignos de nota para maior clareza do assunto. O mais importante deles é o conceito de cadeia produtiva da construção naval, do qual ema- nam conceitos derivados como os de produto, ambiente e mercado. A figura a seguir apre- senta, na forma de fluxograma, a composição dessa cadeia, onde cinco atores se inter- relacionam de tal forma que qualquer análise não pode abordar um deles, isoladamente, sob pena de não ser abrangente do ponto de vista de causas e efeitos. Estes atores são: 2 QUADRO DA CADEIA PRODUTIVA DA CONSTRUÇÃO NAVAL INDÚSTRIA DE NAVIPEÇAS ESTALEIROS IN SU M O S A qu is iç ão Fornecim ento PRODUTO Entrega AGENTE FINANCIADOR ARMADOR (IDENTIFICAÇÃO DOS REQUISITOS) OBTENÇÃO DEMANDA DO MERCADO 57 o mercado gerador de demanda; os armado- res, interpretadores dessa demanda e enco- mendadores do produto; o agente financia- dor; os estaleiros e a indústria de navipeças. Estes dois últimos são os responsáveis pela fabricação do produto que, no caso, é o meio naval. O desempenho dessa cadeia produtiva, como de qualquer sistema, depende tanto de características intrísecas quanto exógenas. Da avaliação dessas características vislumbram-se as conseqüências quando integradas num cenário abrangente. Essas conseqüências podem ser reunidas em três grupos com caracte- rísticas bem definidas: • difi culdade de venda de navios novos; • existência de riscos fi nanceiros; • impactos a longo prazo na cadeia produtiva. A difi culdade de venda de navios novos decorre de forte concorrência nos aspectos ine- rentes a características técnicas, classifi cação, especifi cação, prazos de entrega, organização fi nanceira, garantias e arbitragens, em caso de litígios. Os riscos fi nanceiros estão associados a fatores que afetam o desenrolar dos contratos como: preços fechados, não revisáveis, com alta infl uência das variações de câmbio; preço dos navios sem vínculo com o porte fi nanceiro dos estaleiros; discrepância entre preços de mercado e custos e penalidades elevadas para atrasos ou difi culdades técnicas. Os impactos de longo prazo se refl etem na redução do núme- ro de estaleiros, gerando concentração de empresas, aparecimento de nichos especializados por volume de ofertas, por tipos de navios ou por tecnologias e aparecimento de órgãos reguladores no âmbito de espaços econômicos signifi cativos. Na tentativa de melhor entender as complexidades da conjuntura da construção naval no País, devem ser considerados dois cenários: o civil e o militar. Construção Naval Civil Os contornos atuais de construção naval civil somente foram traçados a partir de 1958, com o plano de metas do presidente JK, que permitiu grande crescimento do setor nos anos seguintes, com o apogeu entre 1970 e 1975. O quadro de crise se confi gurou em meados de 1980, com a queda do nível de encomendas dos armadores nacionais. O ano de 2000 é consi- derado o marco da retomada da produção por meio das encomendas da Petrobras, que incluem 2 FIGURA 2.31 – CONSTRUÇÃO NAVAL NO BRASIL 60 Como os investimentos necessários para reduzir paulatinamente as perdas de divisas seriam de grande valor e perdurariam por longo horizonte temporal, muito provavelmente superior à duração de um mandato, certamente afetariam interesses político-partidários, situação que poderia torná-los de difícil aplicação na construção naval brasileira. Entretanto, visualiza-se que o País terá condições básicas para recuperação e auto-sustenta- ção da indústria local, apenas com a demanda da Petrobras, se mantido o comprometimento de nacionalização e auto-sufi ciência, dependendo, portanto, de política governamental. Com relação à construção naval militar, a conclusão é mais fácil ainda de ser atingida, pois exis- te uma regra simples, dos pontos de vista comercial, estratégico, econômico e militar. Do ponto de vista comercial, mesmo que seja uma opinião corrente de que este não é enfoque de in- teresse da Marinha do Brasil (MB), não podemos esquecer de que ele está intimamente vinculado a estratégia, pois promove a indústria naval militar do País, o que é visão bem clara do “grupo dos que vendem”. Sob esse enfoque, a regra simples é: quem não constrói para si mesmo, não vende. A regra é clara e auto-expli- cativa, pois quando um país dispõe de uma marinha que possui os meios na- vais sem construí-los, faz parte do des- confortável grupo dos que apenas os compram, antípoda do grupo dos que os vendem (o mundo dividido entre os que compram e os que vendem é uma visão do ponto de vista comercial), e acredita-se que seria melhor, pelo menos, estar no grupo dos que não compram, sem estar necessariamente no dos que vendem, isto é, dos que tem auto- sufi ciência e independência tecnológica e militar, sem mencionar a de natureza econômica. E ainda mais, quem apenas constrói, mas não projeta, também tem pouquíssima chance de vender, não somente por prescindir da aquiescência do detentor do projeto para comerciar o produto que nasceu de sua concepção, mesmo que pagando royalties, como também pela dificuldade de convencer o cliente de que é detentor da tecnologia e qualidade na constru- ção, sem tê-las no projeto, pois as duas atividades estão intimamente vinculadas, como se observa com os tradicionais vendedores mundiais. Dos pontos de vista estratégico, militar e tecnológico, os três muito interligados, não construir significa dependência e impossibilidade de obter os meios plenamente de acordo com os requisitos impostos pelas vulnerabilidades do País; dos pontos de vista econômico 2 FIGURA 2.34 – TRABALHADORES DA CONSTRUÇÃO NAVAL 61 e social, é perder divisas sem gerar empregos e deixar de estimular a indústria nacional. Se ao fato de não construir, acrescermos a prática do não projetar, esta última vacuidade acrescentará à primeira uma inevitável condição para que a Marinha do Brasil continue a estar em estágio de relativa subordinação técnica, intelectual e econômica, pois nada inova por si própria e pouco nacionaliza, condenando-se à dependência logística, não podendo especificar e nem executar tão bem a manutenção, pela inexistência da retaguarda técni- ca de quem projeta e seleciona os equipamentos, não praticando assim o que se faz nas marinhas mais avançadas. 2 65 NOSSAS ILHAS OCEÂNICAS 1 – ILHA DA TRINDADE E ARQUIPÉLAGO MARTIN VAZ LUIZ GUILHERME SÁ DE GUSMÃO 1 Para se entender o surgimento da Ilha da Trindade e do Arquipélago de Martin Vaz no meio do Atlântico Sul ocidental, é necessário entender o movimento das placas tectônicas que formam a superfície terrestre. A crosta do planeta Terra é formada por várias placas e na junção dessas existem zonas de intenso movimento e vulcanismo. Por conta dessa dinâmica, ocorreu imensa fratura na placa sul-americana, que se estende de Vitória até cerca de mil quilômetros a leste do Arquipélago de Martin Vaz, chegando a alcançar o limite sul da Bacia do Cuanza, ao largo da costa africana, já no Atlântico Sul oriental. Essa fratura no leito oceânico fez com que o magma extravasasse em escala colossal. Para se converter em ilha, precisou emitir magma numa razão de pelo menos cem quilômetros cúbicos, 3 FIGURA 3.1 – ILHA DE TRINDADE 1 – Extraído e modifi cado de: Ilha da Trindade e Arquipélago Martin Vaz, de João Luiz Gasparini. 66 por um milhão de anos. Foram necessários aproximadamente 10 milhões de anos para atingir a superfície do mar. Diversos pontos dessa fratura liberaram mais magma que outros. Com isso, imensas colunas foram galgando o fundo oceânico, rumo à superfície. O que encontramos hoje, defronte ao Estado do Espírito Santo, é uma grande cadeia de antigos vulcões submarinos extintos, submersos a poucas dezenas de metros da superfície do mar, denominada Cadeia Vitória-Trindade. Alguns desses vulcões oceânicos são conhecidos como bancos pesqueiros, sendo muito procura- dos por embarcações de pesca comercial. Da costa do Espírito Santo, mergulhando em direção à África, encontramos os bancos Vitória, Eclaireur, Montague, Jaseur, Davis, Dogaressa e Colúmbia. As bases desses vulcões estão no leito oceânico, em profundidades abissais, entre 3 mil e 5,5 mil metros, e a cerca de 1,1 mil quilômetros da costa do Espírito Santo surgem os únicos pontos emersos dessa cadeia de vulcões: pequenos rochedos que formam o Arquipélago de Martin Vaz e a imponente Ilha da Trindade. A atividade vulcânica em Trindade perdurou até cerca de 5 mil anos atrás e ocorreu na extre- midade oriental da ilha, onde se formou uma cratera de mais de 200 metros de raio. Atualmente, resta apenas uma pequena parte do arco dessa cratera. Pesquisas recentes dão conta que quatro vulcões formaram Trindade (Vulcão do Vaiado, Vulcão do Desejado, Vulcão do Morro Vermelho e Vulcão do Paredão). Trindade é hoje uma sucessão de colunas e paredes de um imenso edifício vulcânico em ruínas, com uma beleza cênica singular, ao mesmo tempo agressiva e agradável. 3 FIGURA 3.2 – ARQUIPÉLAGO DE MARTIN VAZ 67 TRINDADE: COBIÇADA DESDE O INÍCIO DAS GRANDES NAVEGAÇÕES A história humana na ilha começou juntamente com o início das grandes navegações e seu descobrimento é, até hoje, motivo de dúvida. Alguns historiadores creditam o descobri- mento de Trindade ao navegador espanhol João da Nova, que viajava a serviço de Portugal e teria descoberto Trindade em março de 1501. Contudo, outros historiadores afi rmam que o português Estêvão da Gama, durante a segunda viagem de Vasco da Gama às Índias, teria desco- berto Trindade em 1502. Nessa ocasião, a ilha foi batizada de Ilha da Santíssima Trindade. Quase dois séculos depois, durante uma expedição para realizar medições magnéticas no Atlântico para o governo inglês, a bordo do navio H. M. S. Paramore, o famoso astrônomo inglês Edmund Halley – o mesmo do cometa – teria tomado a ilha, desconsiderando a posse de Portugal. Naquele momento, em abril de 1700, como prática usual entre os navegadores da época, foram soltos diversos animais na ilha, entre esses várias cabras e porcos, para servir de alimento a possí- veis náufragos ou aos ingleses que fossem iniciar a ocupação britânica, num futuro próximo. Mais tarde, aquele simples ato desencadearia drásticas alterações na fl ora da ilha, com conseqüências 3 FIGURA 3.3 – TESTEMUNHOS DA OUTRORA VEGETAÇÃO ARBÓREA QUE COBRIA TRINDADE SÃO ENCONTRADOS ESPALHA- DOS POR QUASE TODA A ILHA. ALGUNS REGISTROS HISTÓRICOS FALAM DE VENDAVAIS COLOSSAIS E MESMO EMANAÇÃO DE GASES COMO CAUSA DO DESAPARECIMENTO DA FLORESTA. NO ENTANTO, AS TENTATIVAS INFRUTÍFERAS DE OCUPA- ÇÃO HUMANA, ORGANIZADAS POR PORTUGUESES E INGLESES, FAZENDO MAU USO DA VEGETAÇÃO E DO SOLO, SOMADO AO GRANDE IMPACTO DO REBANHO CAPRINO QUE PASTOU LIVREMENTE POR TRINDADE DURANTE SÉCULOS, DEVEM SER CONSIDERADOS COMO AS MAIORES CAUSAS DESSA DRAMÁTICA ALTERAÇÃO 70 fontes de água potável na ilha: uma na Enseada da Cachoeira, a mais abundante, outra na Praia do Príncipe e a terceira na Enseada dos Portugueses, a utilizada pela população da ilha. As águas que circundam Trindade e Martin Vaz pertencem à Corrente do Brasil e são caracterizadas pela alta salinidade, pela temperatura tépida (27°C) e por alcançar transparência de até 50 metros, o que possibilita mergulhos fantásticos. A FLORESTA NEBULAR DE SAMAMBAIAS-GIGANTES A imponência da ilha e seu isolamento geográfi co lhe conferem ar de paraíso intocado, que acaba por encobrir o grave problema de degradação ambiental de séculos de impactos causados pelo homem. Após anos de extrativismo vegetal intenso, tentativas fracassadas de cultivo e séculos de ataque impiedoso do rebanho caprino, a fl ora de Trindade mudou drasticamente e, com ela, o solo. Há relatos históricos que contam da exuberante fl oresta que, por volta de 1700, cobria quase 80% de toda sua área. Em 1965, essa cobertura vegetal já havia sido reduzida a aproximadamente 20% da área da ilha e, atualmente, não chega a cobrir 10%. A vegetação de Trindade é pobre em número de espécies. Pesquisas recentes estimaram uma riqueza de aproximadamente 120 espécies, incluindo aquelas trazidas pelos homens e as culti- vadas na horta da Marinha. Esse número é muito modesto se comparado, por exemplo, com um 3 FIGURA 3.5 – AS SAMAMBAIAS-GIGANTES ATINGEM APROXIMADAMENTE 6 METROS DE ALTURA, LOCALIZADAS NAS PARTES ALTAS DA ILHA DA TRINDADE 71 pequeno trecho de Mata Atlântica de encosta do município de Santa Teresa, região montanhosa do Espírito Santo, que detém 443 espécies arbóreas em apenas um hectare. Porém, o que impres- siona em Trindade não é a diversidade e sim o número de espécies endêmicas, ou seja, únicas e exclusivas da ilha. Em Trindade, o endemismo da fl ora é de aproximadamente 10%, o que enquadra a ilha entre as áreas prioritárias para conservação. O ISOLAMENTO GEOGRÁFICO CRIOU UM PARAÍSO A fauna, assim como a fl ora de Trindade, desperta interesse extremo nos pesquisadores, pois o isolamento geográfi co propiciou a evolução de espécies únicas, endêmicas desse pequeno ponto emerso no meio do Atlântico. Os crustáceos Algumas espécies de crustáceos habitam os recifes e as praias de Trindade, entre elas lagostas e caranguejos. Na zona entremarés, destacam-se o caranguejo-da-arrebentação (Plagusia depressa) e o aratu-vermelho (Grapsus grapsus). Já em terra, o “dono da ilha” é o caranguejo-amarelo ou carango (Gecarcinus lagostoma). Essa espécie ainda é muito comum em Trindade e Martin Vaz, apesar da crescente captura para consumo humano entre o pessoal da guarnição militar e os visitantes de Trindade. O carango vive desde a zona entremarés até o Pico do Desejado e se alimenta de enorme gama de itens, de folhas de amendoeiras ou castanheiras a ovos e fi lhotes das tartarugas-verdes. Os peixes Em pesquisas recentes, foram levantadas aproximadamente 100 espécies de peixes nos recifes de Trindade. Tal resultado é discreto, quando comparado com a fauna de peixes encontrada nas ilhas de Guarapari, litoral Sul do Espírito Santo – a área recifal mais rica em número de espécies do Brasil – que abriga mais de 300 espécies em seus recifes, ou seja, 3 FIGURA 3.6 – ARATU OU ARATU-VERMELHO FIGURA 3.7 – CARANGUEJO-DA-ARREBENTAÇÃO 72 três vezes mais espécies que Trindade. A baixa riqueza de espécies, também encontrada em outras ilhas tropicais isoladas do Atlântico, é explicada pela restrição na disponibilidade de am- bientes e grau de isolamento. O tamanho de uma ilha está diretamente ligado à disponibilidade de espaço sufi ciente para uma população residente, de qualquer ser vivo, continuar a existir ou não. A variedade de microambientes também pode afetar a riqueza de espécies num recife isolado. A reduzida disponibilidade de ambientes contribui substancialmente para o tamanho pequeno da fauna de peixes e de outros seres vivos em Trindade e Martin Vaz. A riqueza de espécies é baixa, porém a abundância de algumas formas é surpreenden- te. Um exemplo claro disso são os cardumes colossais de sardinha (Harengula sp) e purfa (Melichthys niger) que fazem fervilhar as águas que circundam a ilha. Outro fato que chama a atenção é o alto índice de espécies únicas de Trindade e de Martin Vaz. Das aproxima- damente 100 espécies de peixes levantadas, seis são endêmicas dos recifes que circundam essas ilhas. Dois exemplos recentemente descritos são o peixe-donzela de Trindade (Stegastes trindadensis) e a maria-da-toca ou moréia-de-Trindade (Scartella poiti). Entomacrodus sp, Eiacatinus sp e Malacoctenus sp são outras três espécies endêmicas, ainda em processo de descrição científi ca. As tartarugas-marinhas Três espécies de tartarugas-marinhas vivem nos recifes ou ao largo de Trindade e de Martin Vaz. A tartaruga-gigante ou tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea) habita o mar 3 FIGURA 3.8 – A GAROUPA-TRINDADE OU GAROUPA-GOSTOSA (DERMATOLEPIS INERMIS) É UMA DAS MAIS BELAS ESPÉCIES DE PEIXE RECIFAL QUE OCORREM EM TRINDADE E MARTIN VAZ 75 impactos sobre as anomalias do clima, como a seca no Nordeste do Brasil e a formação de tempestades tropicais. Na área de Geologia e Geofísica Marinha, o ASPSP representa oportunidade única para melhor conhecer a estrutura do manto superior, pois constitui raríssima formação geoló- gica, que decorre do fato de o Arquipélago constituir afl oramento do manto suboceânico resultante de falha transformante da Dorsal Meso-Atlântica. Esse afl oramento se eleva de pro- fundidades abissais – em torno dos 4 mil metros – até a poucos metros acima da superfície. Exatamente por estar situado em uma falha transformante, o ASPSP é, também, um dos pontos do território brasileiro com maior atividade sísmica, aspecto de particular relevância para o desenvolvimento de estudos de sismologia. Em relação à Oceanografi a Física, o ASPSP, em função de sua proximidade da linha do Equador, representa um local altamente privilegiado para o desenvolvimento de estudos acerca do Sistema Equatorial de Correntes, no qual encontra-se inserido, sofrendo a infl uência direta da Corrente Sul-Equatorial e da Corrente Equatorial Submersa. Essa última é uma das mais rápidas, variáveis e menos conhecidas entre todas as correntes oceânicas do Atlântico, chegando a atingir velocidades superiores a 100 cm/s. Do ponto de vista hidrológico, o desenvolvimento de pesquisas no entorno do ASPSP contribui para melhor entendimento dos fenômenos de enriquecimento, resultantes da interação entre as correntes oceânicas e o relevo submarino, a exemplo de ressurgência orográfi ca, ou seja, o afl oramento de águas profundas ricas em nutrien- tes, ao encontrarem a porção de rocha submersa da ilha. Em decorrência de sua localização, o ASPSP é, também, área de enorme importân- cia biológica, pois exerce papel relevante no ciclo de vida de várias espécies que têm, no arquipélago, etapa importante de suas rotas migratórias, quer como área de reprodução – como o peixe-voador – quer como zona de alimentação, como o caso da albacora laje e de crustáceos (lagostim), aves (atobá), quelônios (tartaruga-de-pente) e mamíferos aquáticos 3 FIGURA 3.12 (ESQ.) – “ZOOM” DA ESTAÇÃO CIENTÍFICA FIGURA 3.13 (DIR.) – VISTA DA ESTAÇÃO CIENTÍFICA DO ASPSP 76 (golfi nho-nariz-de-garrafa). Estudos genéticos, para identifi cação das populações presentes no ASPSP, poderão esclarecer questões ainda pendentes em relação à estrutura populacional de espécies de grande valor comercial, como, por exemplo, o espadarte. A posição estratégica do ASPSP torna-o local ideal para o desenvolvimento de um trabalho dessa natureza. Além de pesquisas genéticas, trabalhos de marcação e telemetria realizados com as espécies presentes no ASPSP em muito poderão contribuir para elucidar seus movimentos migratórios, tanto em pequena escala (movimentos diários, no entorno do Arquipélago), como em larga esca- la (migrações sazonais transoceânicas). Em função do seu posicionamento remoto, o ASPSP apresenta também elevado grau de endemismo, ou seja, ocorrência de espécies somente encontradas na região, constituindo-se a presença da Estação Científi ca em importante ação para o conhecimento e a conservação da biodiversidade e do patrimônio genético nacional. Algumas espécies bastante raras, como o tubarão-baleia, por exemplo, são encontradas com relativa freqüência nas proximidades do Arquipélago, que oferece, assim, excelente oportunidade para estudos de comportamento. Espera-se que a geração de informações, de forma simultânea e em permanente interação, pelos diversos ramos da oceanografi a, possa conduzir a uma compreensão integrada do ecos- sistema do ASPSP, contribuindo para melhor entender os intrincados processos ecológicos de 3 FIGURA 3.14 – VISTA AÉREA DA ILHA BELMONTE – PRINCIPAL ILHA DO ASPSP 77 ecossistemas insulares em outras partes do mundo. A expectativa é que as informações geradas possam, em última análise, subsidiar o desenvolvimento de trabalhos para estimar possíveis impactos de ações no equilíbrio desses frágeis e complexos ecossistemas. Além de sua importância ecológica, do ponto de vista econômico, o ASPSP constitui também uma das mais importantes áreas de pesca do Nordeste brasileiro, sendo bastante visitada por embarcações baseadas em portos nordestinos, principalmente em Natal-RN e Recife-PE. Desde 1988, a frota atuneira sediada em Natal, por exemplo, mantém pesca regular nas adjacências do Arquipélago, objetivando a captura de espécies pelágicas migratórias, como o peixe-rei, a albacora-laje e o peixe-voador. Como resultado dessa atividade, são capturadas anualmente em torno de 600 toneladas de peixes, correspondendo a aproximadamente 1,95 milhão de reais, em valor de cais, gerando cerca de 100 empregos diretos e 500 indiretos, o que atribui ao ASPSP, também, grande relevância social. À importância do Arquipélago de São Pedro e São Paulo nos aspectos científi co, ecológico, econômico e social, soma-se, ainda, seu signifi cado estratégico para o País, no cenário político internacional. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), assinada pelo Brasil em 1982 e ratifi cada em dezembro de 1988, mudou a ordem jurídica internacional relativa aos espaços marítimos, instituindo o direito de os Estados costeiros explorarem e aproveitarem os recursos naturais da coluna d’água, do solo e do subsolo dos oceanos, presentes na sua Zona 3 FIGURA 3.15 – CARANGUEJO ARATU FIGURA 3.16 – CARANGUEJO ARATU FIGURA 3.17 – CASAL DE ATOBÁ 80 Avaliar, quantitativamente, o retorno para o País, a partir do desenvolvimento de pesquisas científi cas no Arquipélago de São Pedro e São Paulo, não é uma tarefa fácil. Há inúmeros benefícios, sob os pontos de vista científi co e ecológico, os quais, apesar de já enumerados anteriormente, são de quantifi cação extremamente complexa, se não impossível. Do ponto de vista político, porém, um índice de fácil mensuração é o ganho em termos da efetiva ocupação da Zona Econômica Exclusiva brasileira no entorno do Arquipélago, a qual representa cerca de 450 mil km2, ou aproximadamente 10% de toda a ZEE brasileira, ou 5% do território nacional. Considerando-se, também, que a participação brasileira nas cotas de captura dos atuns e afi ns do Atlântico estará, direta ou indiretamente, relacionada à extensão com que atuns e afi ns ocorrem na ZEE nacional, um aumento de 10% em área de ZEE decorrente da efetiva ocupação do Arquipélago, a partir das atividades científi cas vinculadas à Estação, poderá se refl etir, no futuro, em aumento correspondente das cotas nacionais de captura, que deverá dar-se em níveis substancialmente superiores à produção atual, provavelmente dobrando, ou mesmo triplicando, o volume presentemente capturado. 3 – ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO DE NORONHA JOÃO LUIZ GASPARINI RAPHAEL M. MACIEIRA O arquipélago de Fernando de Noronha está situado no Atlântico Sul-Equatorial, na posição de 03º50’S e 032º25’W, e a aproximadamente 345 km da costa Nordeste do Brasil. Os processos de formação desse arquipélago também estão associados à teoria da deriva continental, onde a 3 FIGURA 3.21 – LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA FIGURA 3.22 – MAPA DE FERNANDO DE NORONHA 81 instabilidade da crosta terrestre possibilitou o extravasamento do magma através de uma fratura, que ao longo do tempo geológico, por ascensão vertical, originou o arquipélago. A montanha que deu origem ao arquipélago está alinhada aos montes vulcânicos submarinos que compõem a Cadeia de Fernando de Noronha, orientada no sentido leste-oeste. O Atol das Rocas também faz parte dessa cadeia de montanhas. Todo o arquipélago está sobre um monte submarino cônico, com cerca de 60 km de diâmetro, tendo sua base apoiada no assoalho oceânico a 4 mil metros de profundidade. Ao longo do tempo geológico, as rochas sofreram intemperismo e formaram uma plataforma de erosão com cerca de 3 a 4 quilômetros de largura e até 100 metros de profundidade. A principal ilha do arquipélago, denominada Fernando de Noronha, possui cerca de 16,4 km2, que representam 91% da área emersa do arquipélago. Outras 20 ilhotas fazem parte dele. O relevo apresenta planícies, planaltos e altos topográfi cos íngremes, como o Morro do Pico, com 323 m. OCUPAÇÃO HUMANA NO ARQUIPÉLAGO Em 1503, o navegador Américo Vespúcio ofi cialmente relatou a descoberta do arquipélago, quan- do um dos navios da expedição, comandada por Gonçalo Coelho, naufragou após bater nos recifes. 3 FIGURA 3.23 (ESQ.) – VISTA DA AÉREA DE FERNANDO DE NORONHA FIGURA 3.24 (DIR.) – MORRO DO PICO FIGURA 3.25 (ESQ.) – NAVIO BEAGLE FIGURA 3.26 (DIR.) – ROTA DO NAVIO BEAGLE 82 Os náufragos habitaram a ilha principal por dois anos, até ser resgatados. Curiosamente, esse episódio também foi o primeiro naufrágio da história do Brasil. No ano de 1504, o fi dalgo português Fernão de Noronha recebeu da coroa portuguesa o arquipélago como uma Capitania Hereditária. Embora aquele capitão nunca tenha visitado o local, o nome do arquipélago e da ilha principal tiveram origem em seu nome. Após a descoberta, ocorreram sucessivas tentativas de ocupação por holandeses, em 1612 e 1635-1654, e franceses, em 1736, que logo foram expulsos pelos portugueses. Em 1736, os portugueses retomaram o controle da ilha e, no ano seguinte, iniciou-se sua colonização. A vila e a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios foram as primeiras edifi cações construídas pelos portu- gueses nesse período. Também foram construídas 10 fortifi cações para proteção do arquipélago. Nas décadas que se seguiram, a ilha também foi utilizada como colônia correcional. O arquipélago foi visitado por vários naturalistas e pesquisadores. Entre esses, Charles Darwin, que, no ano de 1832, a bordo do navio Beagle, fez uma descrição do arquipélago e posteriormente divulgou suas observações sobre a geologia, petrografi a (estudo descritivo e sis- temático das rochas), natureza vulcânica, fauna e fl ora da ilha principal. Outra importante expe- dição foi realizada em 1873, pelo navio HMS Challenger, que realizou coletas no arquipélago. Em 1988, foi criado o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, reintegrando o arquipélago ao Estado de Pernambuco, que se tornou Distrito Estadual. Recentemente, no ano 2002, o arquipélago foi tombado pela UNESCO, como Sítio do Patrimônio Mundial Natural. O CLIMA DAS ILHAS Devido à privilegiada localização do arquipélago, o clima reinante é o tropical oceânico, onde as brisas marinhas atenuam o calor excessivo. A temperatura média anual é de 27°C e pou- co varia entre o dia e a noite. Em Fernando de Noronha existem apenas duas estações defi nidas: uma seca, de agosto a fevereiro, e uma úmida, de março a julho. No período úmido ocorre o aparecimento de vários córregos temporários, que desaparecem após o período de chuvas. A ilha 3 FIGURA 3.27 (ESQ.) – ROTA DO NAVIO HMS CHALLENGER FIGURA 3.28 (DIR.) – NAVIO HMS CHALLENGER 85 O ótimo estado de conservação da parte marinha das ilhas, que estão protegidas da pesca predatória, proporciona a descoberta e o entendimento das interações entre os organismos. Essas informações serão fundamentais para a implementação de novas medidas de conservação no ambiente marinho, que ainda hoje são muito pouco conhecidas. FIGURA 3.32 – STEGASTES ROCASENSIS FIGURA 3.33 – DACTYLOSCOPUS FIGURA 3.34 – GRAMMA BRASILIENSIS FIGURA 3.35 – GUARAJUBA FIGURA 3.36 – ARRAIA-PREGO FIGURA 3.37 – PEIXE-FRADE PERCORREN- DO O CORPO DE UM PEIXE-PAPAGAIO FIGURA 3.38 – BUDIÕES-DE-NORONHA FA- ZENDO A LIMPEZA NO CIRURGIÃO-AZUL FIGURA 3.39 – TUBARÃO CABEÇA-DE- CESTO FIGURA 3.40 – GÓBIOS-NÉON PERCOR- RENDO O CORPO DE SARGENTINHO FIGURA 3.41 – GÓBIOS-NÉON PROCU- RANDO PARASITAS NO BADEJO-MIRA FIGURA 3.42 – CATUÁ FIGURA 3.43 – MORÉIA-VERDE 3 86 As tartarugas-marinhas Entre as cinco espécies de tartarugas-marinhas que ocorrem em águas brasileiras, ape- nas a tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata) e a tartaruga-verde, ou aruanã (Chelonia mydas) estão presentes no arquipélago de Fernando de Noronha. A tartaruga-de-pente, que se alimenta de esponjas, foi intensamente caçada no Brasil devido a seu casco, que era usado na fabricação pentes, armações de óculos e fi velas. Já a tartaruga-verde, que se alimenta priori- tariamente de algas, era caçada devido a sua carne, comumente utilizada na alimentação de muitas comunidades tradicionais costeiras. A tartaruga-de-pente usa o arquipélago apenas para alimentação. A tartaruga-verde utiliza as praias da ilha para desova durante o período que vai de janeiro a junho. Durante a noite, a fêmea dessa espécie sobe à praia e escava um buraco, onde são depositados, em média, 120 ovos. De- pois, o ninho é cuidadosamente fechado e a tartaruga retorna ao mar. Cada fêmea pode repetir esse processo cerca de 4 vezes por temporada reprodutiva. O tempo de incubação dos ovos é de aproximadamente 55 dias. Após nascerem, os fi lhotes cavam até a superfície e, durante a noite, vão em direção ao mar, onde passarão o resto de suas vidas. Um fato curioso é a relação entre a tartaruga-verde e algumas espécies de peixe, como o sargen- tinho (Abudefduf saxatilis) e o cirurgião (Acanthurus chirurgus e A. coeruleus), que se alimentam das algas presas ao casco das tartarugas. Portanto, há benefício para as tartarugas, pois as algas prejudicam sua movimentação, e para os peixes, que têm uma fonte alternativa de alimento. As aves marinhas Várias espécies de aves marinhas são encontradas em Noronha, onde obtêm alimento e se reproduzem. Algumas espécies são migratórias e usam a ilha para alimentar-se e descansar durante sua jornada. Um exemplo é o pequenino maçarico vira-pedra (Arernaria interpress), que é freqüentemente encontrado nas praias, próximo ao mar, alimentando-se de pequenos 3 FIGURA 3.44 – TARTARUGA-VERDE FIGURA 3.45 – TARTARUGA-DE-PENTE 87 crustáceos, moluscos e insetos. Também existem aves que nidifi cam na ilha, como o mumbebo-de-patas-vermelhas (Sula sula) e o mumbebo marrom (Sula leucogaster). A fragata ou catraia (Fregata magnifi cens), também encontrada em toda a costa brasileira, encanta pela grande envergadura de suas asas – até 2 m –, o que lhe possibilita planar por longos períodos e percorrer grandes distâncias. Essa ave se aproveita de seu tamanho e freqüentemente é avistada batendo nos mumbebos, para roubar seu alimento. O arquipélago de Fernando de Noronha possui grande importância para a avifauna, pois é área de reprodução, nidifi cação e alimentação, além de ser ponto de parada para aves migratórias. Golfi nhos rotadores No arquipélago de Fernando de Noronha também encontramos os golfi nhos rotadores (Stenella longirostris), que foram chamados dessa forma devido aos saltos executados, girando sobre seu próprio eixo. Esses golfi nhos podem ser facilmente avistados durante o dia na Baía dos Golfi nhos e na Enseada do Carreiro de Pedra. Outra relação curiosa ocorre entre os golfi nhos e doze espécies de peixes, que se alimentam das fezes e dos vômitos dos golfi nhos. A principal espécie de peixe associada a esse compor- tamento é a purfa (Melichthys niger) e os golfi nhos rotadores parecem ser importante fonte de alimento para aquela espécie. 3 FIGURA 3.46 – VIRA-PEDRA FIGURA 3.47 – MUMBEBO-DE-PATAS- VERMELHAS FIGURA 3.48 – FRAGATA FIGURA 3.49, 3.50 E 3.51 (ESQ. PARA DIREITA) – GOLFINHOS ROTADORES 90 à altura (latitude) de Fortaleza, na costa cearense. Seus cumes fi cam entre 20 e 30 metros abaixo da superfície marinha. Nos últimos 100 mil anos, durante as várias glaciações, o mar chegou a fi car cerca de 100 metros mais baixo e esses cumes formavam uma seqüência de ilhas, mais ou menos próximas umas das outras. Tal fato possibilitou a migração de espécies durante milhares de anos, provenientes dos ambientes costeiros adjacentes, colonizando am- bientes distantes, como o arquipélago de Fernando de Noronha e o Atol das Rocas. Ao fi nal das eras glaciais, o nível do mar voltou a subir e quase todas as ilhas submergiram. Sobrevi- veram as espécies fi xas nas terras emersas das formações oceânicas remanescentes (Noronha e Rocas). Com menos altura e menos condições do que Noronha, o Atol garantiu menor diversidade e espécies menos nobres, de fl ora e fauna. UM PASSADO DE LENDAS E NAUFRÁGIOS A história dos homens no Atol das Rocas é pontuada por lendas, naufrágios e muitas mortes. Não há registros claros de quem descobriu o Atol, talvez porque o descobridor tenha também naufragado. Alguns autores atribuem a descoberta a Gonçalo Coelho, em 1503, na mesma expedição em que ele descobriu Fernando de Noronha. O que se sabe, com certeza, é que os navegadores do século XVI já temiam seus recifes rasos. Apesar de tal temor generalizado, persistente mesmo depois de iniciada a era de barcos e navios a motor, a localização precisa e o registro das coordenadas exatas do Atol das Rocas nas cartas de navegação só aconteceu no século passado, em 1957, no Ano Geofísico Interna- cional. Durante os séculos XVI, XVII e XVIII, o atol manteve centenas de comandantes de olhos aber- tos, noite e dia, durante a travessia entre a costa brasileira e o arquipélago de Fernando de Noronha. Entre 1803 e 1890, a história registrou cinco grandes naufrágios de navios. Quatro deles ocorreram em outubro e um, em março (período em que se observa maior ação das correntes). O naufrágio mais famoso dessa época foi o do Duncan Dubar, navio inglês com mais de 100 tripulantes e passageiros a bor- do, a maioria emigrantes saídos de Plymouth, Inglaterra, com destino a Sidney, na Austrália. O Duncan Dubar alcançou a corrente equa- torial ao desviar das calmarias. Acabou com o leme destruído e um enorme rombo no casco, na noite de 7 de outubro de 1865, ao se 3 FIGURA 3.56 – RUÍNAS DO ANTIGO FAROL 91 chocar contra os recifes do Atol. Homens, mulheres e crianças só abandonaram o navio na manhã seguinte, quando a fúria das ondas já havia destruído também parte do costado. Apinhados nos escaleres, atravessaram milagrosamente ilesos a arrebentação e desembarcaram na areia, onde permaneceram por 10 dias. O resgate só aconteceu graças a um gesto heróico do comandante Swanson, que deixou o Atol num escaler, acompanhado de seis marinheiros, seguindo rumo à costa brasileira. Em cinco dias, eles chegaram ao litoral pernambucano e tiveram a sorte de encontrar outro navio inglês, o Oneida. Arriscando afundar por superlotação, o Oneida embarcou todos os náufragos, arruinados, mas vivos, e com eles empreendeu a longa jornada de volta à Inglaterra, sem novos incidentes. Em 1883, a instalação do primeiro farol reduziu o medo dos navegantes, mas deu asas às lendas de morte, nascidas da solidão dos faroleiros. Uma das línguas de areia ganhou o nome de Ilha do Cemitério, porque ali foram enterrados os faroleiros, seus familiares e os náufragos. A ausência de fontes de água doce colocava a vida dos faroleiros na precária dependência do abastecimento vindo do continente ou na esperança de chuvas para encher as cisternas. Na virada daquele século, mulher e fi lhos de um dos faroleiros teriam morrido de sede, porque uma das crianças deixou a torneira da cisterna aberta até secar. O faroleiro, desesperado, ateou fogo na casa, para ver se atraía algum navio, mas o socorro chegou tarde e só ele sobreviveu. Conta ainda a lenda que as almas da mulher e das crianças estariam presas à ilha de sua desgraça e, à noite, assombram os visitantes, pedindo água. As luzes dos faróis – inicialmente dos tradicionais, e atualmente dos automáticos – diminuí- ram os naufrágios, mas não os eliminaram. Ainda hoje, os recifes traem a atenção dos timoneiros e interrompem bruscamente os sonhos de viagem. Em 26 de junho de 1979, naufragou o Mon Ami, um veleiro de 13 metros de comprimento e dois mastros. Seus tripulantes, três sul-africanos e uma australiana, passaram 21 dias num acampamento improvisado no Atol, dividindo as provi- sões do seu veleiro e a água da chuva com ratos, camundongos, escorpiões e baratas. Apesar dos insistentes sinais de socorro emitidos pelo rádio, dos salva-vidas jogados ao mar com pedidos de ajuda, dos acenos dirigidos a um avião no oitavo dia, os náufragos do Mon Ami só foram resgata- dos no dia 16 de julho por uma corveta da Marinha brasileira, após a passagem de mais um avião e da comunicação, via rádio, com um petroleiro norueguês, visível no horizonte. O CLIMA DO ATOL O clima do Atol das Rocas é o oceânico tropical, amenizado pelos ventos alísios pro- venientes do Leste e do Sudeste, que sopram o ano todo. Ventos com velocidade variando entre 6 a 10 m/s predominam ao longo de todo o ano, mas, durante o inverno, ventos com 3 92 velocidade entre 11 e 15 m/s são comuns. Velocidades superiores a 20 m/s são regis- tradas com mais freqüência durante o verão. A média de temperatura atmosférica anual é de 25°C, sendo fevereiro o mês mais quente do ano e agosto, o mais frio. A precipitação é distribuída irregularmente ao longo do ano: observa-se, de maneira geral, menor preci- pitação em abril e maior precipitação em agosto. As águas que circundam o Atol das Rocas pertencem à Corrente Sul Equatorial, originada nas costas da África, a partir da Corrente de Benguela. A temperatura média da água na parte externa do atol é de 27°C, entretanto, nas piscinas presentes na região interna do recife, a água pode chegar a 39°C. COMUNIDADES BIOLÓGICAS PRESENTES NO ATOL DAS ROCAS Caracterização da fl ora No Atol das Rocas, a vegetação é tipicamente herbácea, resistente à salinidade, à excessiva luminosidade e à constante ação das marés. Algumas espécies possuem características pró- prias (apresentam seus ramos orientados para o mar e estruturas resistentes ao soterramen- to que crescem continuamente, formando um emaranhado). As espécies que ocorrem no atol pertencem às famílias Amaranthaceae, Aizoa- ceae, Portulacaceae, Cyperaceae, Gramineae e Amaryllidaceae. Na Ilha do Farol há duas ca- suarinas mortas que são pontos de apoio para as aves marinhas. De grande porte, existem apenas alguns poucos coqueiros introduzidos antes da criação da Reserva. Além disso, existem algumas outras espécies de plantas introduzidas por pescadores e marinheiros. Composição dos recifes de coral e das comunidades bentônicas associadas No Atol das Rocas a superfície do recife mostra-se predominantemente recoberta por macroalgas (foram identifi cadas e catalogadas cerca de 110 espécies de macroalgas, sen- do duas novas ocorrências para o Brasil) e uma associação de algas calcárias incrustantes e gastrópodes vermetídeos. Corais maciços, com Siderastrea stellata, Montastrea cavernosa e 3 FIGURA 3.57 – VENTOS ALÍSIOS SOPRANDO SOBRE O ATOL FIGURA 3.58 – VEGETAÇÃO DO ATOL DA ROCAS VISTA DOS FARÓIS (ANTIGO E NOVO)
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