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Guias e Dicas
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Os Fundamentos e as Instituições Fundamentais, Volm.1, Manuais, Projetos, Pesquisas de Direito Processual Civil

Direito Processual Civil

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2013
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Compartilhado em 06/08/2013

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Baixe Os Fundamentos e as Instituições Fundamentais, Volm.1 e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Direito Processual Civil, somente na Docsity! INSTITUIÇOES DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - Volume I - Livro I - Os Fundamentos e as Instituições Fundamentais Sumário 1 Livro I - Os Fundamentos e as Instituições Fundamentais..................................................................................................................................................... 6 2 PREFÁCIO..................................................................................................................................................... 9 3 Livro I - OS FUNDAMENTOS E AS INSTITUIÇÕES FUNDAMENTAIS........................................................................................................................................ 13 4 Título I - O DIREITO PROCESSUAL CIVIL..................................................................................................................................................... 13 5 Capítulo I -AS GRANDES PREMISSAS..................................................................................................................................................... 13 5.1 1. solução imperativa de conflitos..................................................................................................................................................... 13 5.2 2. o direito processual civil..................................................................................................................................................... 14 5.3 3. direito formal, sem formalismo...................................................................................................................................................... 14 5.4 4. direito processual e direito material..................................................................................................................................................... 15 5.5 5. dois planos distintos (Infra, n. 5I)..................................................................................................................................................... 16 5.6 6. o direito processual material..................................................................................................................................................... 16 5.7 7. institutos processuais particularmente influenciados pelo direito material................................................................................................................................. 18 5.8 8. direito público..................................................................................................................................................... 19 5.9 9. denominação..................................................................................................................................................... 19 5.10 10. A ciência processual civil..................................................................................................................................................... 19 5.11 11. a teoria geral do processo..................................................................................................................................................... 20 5.12 12. direito processual constitucional (Infra, n. 74)..................................................................................................................................................... 21 5.13 13. direito processual civil internacional..................................................................................................................................................... 21 5.14 14. direito processual civil comparado..................................................................................................................................................... 22 5.15 15. o ramo juridico, a técnica, a ciência e a arte..................................................................................................................................................... 23 5.16 16. instrumento ético e não puramente técnico..................................................................................................................................................... 24 6 Capitulo II -A LEI PROCESSUAL CIVIL..................................................................................................................................................... 25 6.1 17. a norma processual civil e seu objeto..................................................................................................................................................... 26 6.2 18. normas processuais e normas procedimentais..................................................................................................................................................... 27 6.3 19. normas secundárias..................................................................................................................................................... 28 6.4 20. normas processuais civis cogentes ou dispositivas..................................................................................................................................................... 28 6.5 21. fontes formais da norma processual civil..................................................................................................................................................... 29 6.6 22. A Constituição Federal..................................................................................................................................................... 29 6.7 23. Tratados internacionais..................................................................................................................................................... 30 6.8 24. a lei..................................................................................................................................................... 30 6.9 25. leis federais ordinárias..................................................................................................................................................... 31 6.10 26. leis complementares federais..................................................................................................................................................... 33 6.11 27. Constituições e leis estaduais..................................................................................................................................................... 33 6.12 28. regimentos internos dos tribunais..................................................................................................................................................... 34 6.13 29. a jurisprudência - usos-e-costumes judiciários..................................................................................................................................................... 35 6.14 30. conhecimento da lei processual..................................................................................................................................................... 36 6.15 31. interpretação e integração da lei processual civil..................................................................................................................................................... 36 6.16 32. as dimensões da lei processual civil: normas de superdireito................................................................................................................................................. 38 6.17 33. dimensão espacial da lei processual civil. Territorialidade..................................................................................................................................................... 38 6.18 34. dimensão temporal da lei processual civil. vigência e eficácia................................................................................................................................................ 40 6.19 35. início e fim da vigência da lei processual civil..................................................................................................................................................... 41 6.20 36. eficácia da lei processual civil no tempo..................................................................................................................................................... 41 6.21 37. regras de direito processual civil intertemporal..................................................................................................................................................... 42 6.22 38. conta: preservação da garantia de tutela jurisdicional (remissão ao direito processual material)........................................................................................... 43 7 Título II - O ACESSO À JUSTIÇA E A TUTELA JURISDICIONAL................................................................................................................................................. 44 8 ..................................................................................................................................................... 9 Capítulo III - OS CONFLITOS E A ORDEM JURÍDICA JUSTA..................................................................................................................................................... 44 9.1 39. tutela jurisdicional a pessoas ou grupos - ao autor ou ao réu - contra o processo civil do autor............................................................................................ 44 9.2 40. processo civil de resultados..................................................................................................................................................... 46 9.3 41. sistema de promessas e limitações..................................................................................................................................................... 46 9.4 42. a universalização da tutela jurisdicional e as ondas renovatórias........................................................................................................................................... 48 9.5 43. acesso à justiça..................................................................................................................................................... 49 9.6 44. os conflitos (crises jurídicas: infra, n. 58)..................................................................................................................................................... 50 9.7 45. meios alternativos de acesso à justiça (justiça parajurisdicional)............................................................................................................................................ 50 9.8 46. equivalência funcional - o valor social da conciliação, da mediação e da arbitragem............................................................................................................. 52 10 Capítulo IV - OS ESCOPOS DO PROCESSO CIVIL E A TÉCNICA PROCESSUAL.................................................................................................................... 53 10.1 47. abandono da visão puramente jurídica do processo civil..................................................................................................................................................... 54 10.2 48. o fundamental escopo social. Pacificação..................................................................................................................................................... 55 10.3 49. outro escopo social. Educação..................................................................................................................................................... 55 10.4 50. escopos políticos..................................................................................................................................................... 56 10.5 51. o escopo jurídico do processo civil - as teorias unitária e dualista do ordenamento jurídico (supra, n. 5).............................................................................. 56 10.6 52. escopos do processo civil e técnica processual..................................................................................................................................................... 59 10.7 53. os processos, provimentos e procedimentos como técnicas................................................................................................................................................... 59 10.8 54. equilíbrio entre exigências contrapostas..................................................................................................................................................... 60 10.9 55. certeza, probabilidade e risco em direito processual civil..................................................................................................................................................... 62 11 Capítulo V - ESPÉCIES DE TUTELAS JURISDICIONAIS E A REALIDADE DOS CONFLITOS.................................................................................................. 63 11.1 56. as situações da vida, o direito substancial e as técnicas processuais..................................................................................................................................... 63 11.2 57. provimentos jurisdicionais..................................................................................................................................................... 63 11.3 58. as crises jurídicas e as tutelas cognitiva e executiva..................................................................................................................................................... 64 11.4 59. tutela preventiva, reparatória ou sancionatória - tutela inibitória - tutela específica ou inespecífica (ressarcitória)................................................................ 66 11.5 60. entre a tutela individual e a coletiva..................................................................................................................................................... 67 11.6 61. meios processuais adequados..................................................................................................................................................... 69 11.7 62. tutelas jurisdicionais de urgência..................................................................................................................................................... 70 11.8 63. tutelas jurisdicionais diferenciadas - cognição sumária (infra, nn. 771, 774, 777 e 976)......................................................................................................... 71 11.9 64. escolha da tutela jurisdicional adequada..................................................................................................................................................... 72 11.10 65. espécies de processos..................................................................................................................................................... 73 11.11 66. disponibilidade e indisponibilidade nas escolhas..................................................................................................................................................... 74 12 Título III - O PROCESSO CIVIL BRASILEIRO..................................................................................................................................................... 74 13 ..................................................................................................................................................... 14 Capítulo VI - O MODELO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO..................................................................................................................................................... 74 14.1 67. sistema processual e modelo processual..................................................................................................................................................... 74 14.2 68. o direito processual civil e o mito das famílias do direito..................................................................................................................................................... 75 14.3 69. elementos relevantes para a identificação do modelo processual civil.................................................................................................................................... 75 14.4 70. o pensamento jurídico processual brasileiro..................................................................................................................................................... 76 14.5 71. elementos para a identificação do modelo processual civil brasileiro no plano constitucional e no técnico-processual........................................................ 77 14.6 72. o modelo constitucional do processo civil brasileiro (supra, n. 12 e infra, nn. 74 ss.)............................................................................................................. 78 14.7 73. o modelo infraconstitucional do processo civil brasileiro (técnico-operacional)....................................................................................................................... 80 15 Capítulo VII -OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS: PRINCÍPIOS E GARANTIAS DO PROCESSO CIVIL....................................................................... 82 15.1 74. processo e Constituição..................................................................................................................................................... 82 15.2 75. valor sistemático dos princípios - o processo como direito público......................................................................................................................................... 83 15.3 76. tutela constitucional do processo civil -princípios e garantias constitucionais......................................................................................................................... 84 15.4 77. princípios gerais e regras técnicas - os princípios formativos do processo............................................................................................................................. 85 15.5 78. os princípios constitucionais do processo civil (princípios gerais)........................................................................................................................................... 86 15.6 79. princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional..................................................................................................................................................... 87 15.7 80. a imparcialidade do juiz e as garantias do juiz natural..................................................................................................................................................... 88 15.8 81. o juiz natural..................................................................................................................................................... 89 15.9 82. princípio da igualdade..................................................................................................................................................... 91 15.10 83. a garantia constitucional da igualdade e os privilégios do Estado no processo civil brasileiro............................................................................................... 92 15.11 84. o princípio do contraditório e sua dupla destinação..................................................................................................................................................... 94 15.12 85. contraditório e partes..................................................................................................................................................... 94 15.13 86. o contraditório no processo executivo..................................................................................................................................................... 95 15.14 87. contraditório e tutela coletiva..................................................................................................................................................... 96 15.15 88. contraditório e juiz..................................................................................................................................................... 97 15.16 89. princípio da liberdade das partes..................................................................................................................................................... 99 26.15 185. impedimentos dos juízes (imparcialidade)..................................................................................................................................................... 180 26.16 186. deveres do juiz..................................................................................................................................................... 181 26.17 187. síntese das garantias, impedimentos e deveres..................................................................................................................................................... 181 26.18 188. a independência funcional do juiz..................................................................................................................................................... 182 26.19 189. o controle da Justiça e da Magistratura..................................................................................................................................................... 182 26.20 190. escolas da Magistratura..................................................................................................................................................... 183 DINAMARCO, Cândido Rangel; Instituições de Direito Processual Civil, vol. 1, Editora Malheiros, São Paulo: 2001 CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO é Professor Titular de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Foi Procurador de Justiça do Estado. Especializou-se em Direito Processual Civil na Universidade Estatal de Milão, Itália, junto ao Prof. Enrico Tullio Liebman. Integrou a Comissão de Revisão dos Códigos, do Ministério da Justiça. - Além de artigos e colaborações em re-vistas jurídicas, no País e no estrangeiro, é autor dos seguintes livros: "Direito Processual Civil" (1975); "Juizado Especial de Pequenas Causas" (1985), em cooperação; "Manual de Direito Processual Civil", de Enrico Tullio Liebman (tradução e notas; 2a ed., 1987), e "Manual das Pequenas Causas" (1985). Por esta Editora publicou, além deste Instituições de Direito Processual Civil: Execução Civil (711 ed., 2000); Fundamentos do Processo Civil Moderno (2 vs.) (4á ed., 2001); A Instrumentalidade do Processo (92 ed., 2001); Intervenção de Terceiros (2;1 ed., 2000); Litisconsórcio (6? ed., 2001); Manual dos Juizados Cíveis (2á ed., 2001); A Reforma do Código de Processo Civil (51 ed., 2001); Teoria Geral do Processo (174 ed., 2001), em colaboração com Ada Pellegrini Grinover e Antonio Carlos de Araújo Cintra. MALHEIROS :v: EDITORES INSTITUIÇÕES DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL VOLUME I FUNDAMENTOS E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL; JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA; ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA MINISTÉRIO PÚBLICO; ADVOGADO; SERVIÇOS AUXILIARES DA JUSTIÇA; -MALHEIROS :v :EDITORES - OBRAS DO AUTOR Execução Civil, 7á ed., 2000; Fundamentos do Processo Civil Moderno (2vs.), 4í1 ed., 2001; Instituições de Direito Processual Civil (3 vs.), 2001; A Instrumentalidade do Processo, 9á ed., 2001; Intervenção de Terceiros, 2á ed., 2000; Litisconsórcio, 611 ed., 2001; Manual dos Juizados Cíveis, 22 ed., 2001 A Reforma do Código de Processo Civil, Sá ed., 2001 Teoria Geral do Processo (em colaboração), 17~1 ed., 2001 Direito Processual Civil, 1974 Cândido Rangel Dinamarco INSTITUIÇÕES DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL - VOLUME I - INSTITUIÇOES DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL © CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO ISBN DA COLEÇÃO 85-7420-237-1 ISBN DESTE VOLUME 85-7420-212-6 Direitos reservados desta edição por MALHEIROS EDITORES LTDA. Rua Paes de Araújo, 29, conjunto 171 CEP 04531-940 - São Paulo - SP Tel.: (Oxxll) 3078-7205 Fax: (Oxxll) 3168-5495 URL: www.malheiroseditores.com.br e-mail: malheiroseditores@zaz.com.br Composição PC Editorial Ltda. Capa Arte: PC Editorial Ltda. Impresso no Brasil Printed in Brazil 08-2001 ESCLARECIMENTO AO LEITOR: Esta obra foi programada para ser composta de quatro volumes, três dos quais são agora entregues ao público leitor. Esperamos oferecer o quarto volume no primeiro semestre de 2002, incluindo o estudo da execução civil, das medidas de urgência e do processo perante os tribunais (recursos, ação rescisória, incidentes etc.). A EDITORA e o AUTOR. Agradecimento: a Ana Lúcia Pereira Santos pela minuciosa revisão, pelas utilíssimas sugestões e sobretudo por sua abnegada paciência diante das rabugices de um autor exigente. PLANO DA OBRA Volume I Livro I - Os Fundamentos e as Instituições Fundamentais TÍTULO I - O DIREITO PROCESSUAL CIVIL CAPÍTULO 1 - AS GRANDES PREMISSAS CAPITULO 11 - A LEI PROCESSUAL CIVIL TITULO II - O ACESSO À JUSTIÇA E A TUTELA JURISDICIONAL CAPÍTULO III - OS CONFLITOS E A ORDEM JURÍDICA JUSTA CAPITULO IV - OS ESCOPOS DO PROCESSO CIVIL E A TÉCNICA PROCESSUAL CAPITULO V - ESPÉCIES DE TUTELAS JURISDICIONAIS E A REALIDADE DOS CONFLITOS TÍTULO III - O PROCESSO CIVIL BRASILEIRO CAPÍTULO VI - 0 MODELO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO CAPÍTULO VII - OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS: PRINCÍPIOS E GARANTIAS DO PROCESSO CIVIL CAPITULO VIII - PASSADO E FUTURO DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO: TENDÊNCIAS TÍTULO IV - OS INSTITUTOS FUNDAMENTAIS CAPÍTULO IX - INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL Livro II - A Função do Estado no Processo: Jurisdição TITULO V - JURISDIÇÃO E PODER CAPITULO X - A JURISDIÇÃO CIVIL CAPITULO XI - A JURISDIÇÃO E OS DEMAIS ESTADOS: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL TÍTULO VI - ÓRGÃOS E ORGANISMOS ENCARREGADOS DA JURISDIÇÃO CAPITULO XII - OS ORGÃOS DA JURISDIÇÃO E SUA INDEPENDÊNCIA: ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA; CAPÍTULO XIII - OS ÓRGÃOS DA JURISDIÇÃO: ESTRUTURA JUDICIÁRIA BRASILEIRA; CAPÍTULO XIV - O ESTATUTO CONSTITUCIONAL DA MAGISTRATURA E A INDEPENDÊNCIA DOS JUIZES; TÍTULO VII - A DISTRIBUIÇÃO DO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO: COMPETÊNCIA CAPÍTULO XV - O EXERCÍCIO DA JURISDIÇÀO: COMPETÊNCIA TEORIA GERAL; CAPITULO XVI -- COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE SUPERPOSIÇÃO; CAPÍTULO XVII - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM; CAPITULO XVIII - COMPETÊNCIA TERRITORIAL; CAPÍTULO XIX - COMPETÊNCIA DE JUÍZO; CAPITULO XX - COMPETÊNCIA INTERNA DOS ÓRGÃOS JUDICIÁRIOS; CAPÍTULO XXI - COMPETÊNCIA ABSOLUTA OU RELATIVA; CAPÍTULO XXII – PREVENÇÀO; CAPÍTULO XXIII - COMPETÊNCIA DOS FOROS REGIONAIS; TÍTULO VIII - O EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO CIVIL: SERVIÇOS PARALELOS CAPÍTULO XXIV - ATIVIDADES PARALELAS AO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÀO; CAPÍTULO XXV - SERVIÇOS COMPLEMENTARES À JURISDIÇÃO: OS AUXILIARES DA JUSTIÇA; CAPÍTULO XXVI - FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA: O MINISTÉRIO PÚBLICO; CAPITULO XXVII - FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA: O ADVOGADO; CAPÍTULO XXVIII - OUTRAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA; Volume II Livro III - O Método de Exercício da Jurisdição: Processo: TITULO IX - PROCESSO CIVIL: CONCEITO E FUNÇÃO: CAPÍTULO XXIX - O CONCEITO DE PROCESSO E SEU REGIME JURIDICO; CAPÍTULO XXX - ESPÉCIES DE PROCESSOS E SEUS RESULTADOS ( O PROCESSO E A VIDA DOS DIREITOS); TÍTULO X - FORMAÇÃO DO PROCESSO CIVIL E LITISPENDÊNCIA: CAPÍTULO XXXI - A FORMAÇÃO DO PROCESSO CIVIL E A LITISPENDÊNCIA; CAPITULO XXXII - EFEITOS PROCESSUAIS DA LITISPENDÊNCIA; CAPITULO XXXIII - EFEITOS SUBSTANCIAIS DA LITISPENDÊNCIA; TÍTULO XI - A DEMANDA E O OBJETO DO PROCESSO CIVIL CAPITULO XXXIV - A DEMANDA; CAPITULO XXXV - RELAÇÕES ENTRE DEMANDAS; CAPITULO XXXVI - CUMULAÇÃO DE DEMANDAS; CAPITULO XXXVII - O OBJETO DO PROCESSO CIVIL; TÍTULO XII - RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL CIVIL CAPITULO XXXVIII - RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL; TITULO XIII - SUJEITOS DO PROCESSO CIVIL CAPITULO XXXIX - O JUIZ NO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO; CAPITULO XL - OS AUXILIARES DA JUSTIÇA NO EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES COMPLEMENTARES; CAPÍTULO XLI – PARTES; CAPITULO XLII - AÇÃO E DEFESA: SÍNTESE DAS POSIÇÕES DAS PARTES NO PROCESSO; CAPITULO XLIII – LITISCONSÓRCIO; CAPÍTULO XLIV - AS INTERVENÇÕES DE TERCEIROS; CAPÍTULO XLV - O MINISTÉRIO PUBLICO COMO PARTE NO PROCESSO CIVIL; fomos obrigados a fazer pagando o preço de alguns atos de humilde penitência e inevitavelmente fazendo algumas correções de rota. Foi no curso dessas quatro décadas que tomou vulto o movimento mundial pela bandeira da efetividade do processo, especialmente na obra grandiosa dos condotttieri MAURO CAPPELLETTI e VITTORIO DENTI. Este, na Universidade de Pavia e aquele, em Florença e no mundo, passaram a discorrer sobre a justiça social a ser promovida pelos canais do processo, sobre as ideologias que devem estar presentes na configuração dos institutos processuais, sobre a indispensável consciência dos interesses dos consumidores dos serviços judiciários, sobre a caminhada da Justiça ao encontro do cidadão, sobre a imperiosidade da universalização do acesso à justiça etc. O jovem que hoje se inicia recebe já os frutos maduros dessa evolução multifacetária e seus olhos já se abrem para a ciência processual pela óptica do processo agilizado, coletivizado, humanizado. Os que produziram antes dessa evolução, encerrando sua vida de processualista sem haverem recebido o sopro dos novos ventos, também viveram em paz de espírito e não passaram por essa espécie de provação. Minha geração de processualistas ficou a cavalo de uma fase de mudança de método e isso foi ao menos angustiante para quem já havia assimilado os pensamentos e uma visão inerentes às velhas colocações metodológicas; quase de repente, vimo-nos atropelados por rápidas transformações no sistema, que nos cobraram uma revisão geral, se não quiséssemos ficar à margem com saudosistas lamentações. O que havíamos aprendido e ensinado deixou de ser a verdade universal e aceita. Havíamos aprendido que o processo é um instrumento meramente técnico a serviço do direito substancial, não tendo o juiz qualquer compromisso com o valor do justo: se sua sentença fosse portadora de alguma injustiça, ensinaram-nos, que fosse esta debitada ao legislador e não a ele, a quem cumpre exclusivamente impor a lei conforme fora posta em vigor - merecia execração e caricatas humilhações a figura do bon juge Magnot. Condicionaram-nos também a nos empenharmos na busca de conceitos muito precisos e delimitações muito seguras entre os institutos do processo, sem qualquer preocupação com o ângulo externo do sistema e, portanto, sem pensarmos na eficiência deste em face dos conflitos que angustiam pessoas e instabilizam grupos e sociedades; jamais cuidaram de colocar-nos a problemática dos conflitos que permanecem sem solução e pessoas que sofrem lesões e os males da litigiosidade contida, porque o processo sempre foi assim e tem suas irremovíveis limitações, não se podendo aspirar a soluções que estivessem além das possibilidades do sistema e das forças de seus operadores tradicionais. Quando nos demos conta, essas verdades eternas estavam minadas de morte: entravam no burburinho de uma usinagem de alta pressão e principiavam a sair na outra ponta com novas feições, ou em outras vestes, ou simplesmente sendo lançadas no depósito de material imprestável. 0 pensamento moderno caminhou para a afirmação de um intenso coeficiente ético e deontológico no sistema processual, especialmente endereçado ao espírito do juiz, de quem hoje todos esperam um solene compromisso de realizar processos justos e équos e terminar o processo com a oferta de uma efetiva justiça substancial aos litigantes. Caminhou também para a universalização da tutela jurisdicional, em busca da redução dos resíduos conflituosos não jurisdicionalizáveis - efeitos da pobreza, da ignorância e de um atávico conformismo. Não foi sem angústias, incertezas e riscos que nossas vidas mudaram. Esse é o preço a ser pago por quem vive em duas épocas e não quer ser sepultado entre as páginas viradas do livro da História. Eis como e por que os processualistas de minha geração foram obrigados a viver duas vidas em uma vida só. Na realidade, este livro é portanto o resultado de minhas duas vidas de processualista quero que este livro possa ser objeto de três leituras. A primeira leitura que ele se destina a ter é a leitura da didática e do aprendizado. Porque é acima de tudo um curso de direito processual, ele precisa ser suficientemente claro, além de completo na explicação dos princípios, conceitos, institutos e normas, a ponto de ser entendido pelo principiante ainda desprovido de premissas no espírito e, portanto, necessitado de explicações que principiem pelas raízes. Daí a explicação dos fundamentos legitimadores do próprio direito processual e do processo mesmo, como conjunto de técnicas destinadas a eliminar conflitos; daí o empenho em demonstrar os modos como direito e processo se associam em face do objetivo de oferecer tutela jurisdicional a quem tiver razão; daí a proposta de uma leitura moderna de velhos princípios instalados na Constituição e na consciência dos povos; e daí o inevitável risco de às vezes dizer o óbvio, para melhor ser entendido pelos principiantes. Este é um livro dedicado sobretudo aos meus estudantes e é a eles que o endereço em primeiro lugar. A segunda leitura esperada é a leitura profissional. Como profissional de intensa militância no processo, procuro retratar aqui uma experiência de quarenta anos, associando soluções a conceitos, sem ficar só nestes e sem deixar de ver o que se passa na realidade do dia-a-dia perante os tribunais. Daí as informações jurisprudenciais, as figurações e os exemplos de caráter prático intercalados no texto, com vista à sua utilidade para advogados, promotores de justiça e magistrados. A terceira leitura é a dos estudiosos em busca de profundidade no conhecimento do direito processual civil. Sobre cada tema, cada instituto, cada polêmica de que tenho conhecimento, tratei de externar meus pontos-de-vista, consciente do risco de errar e do perigo das críticas a que me exponho. Não quero dizer verdades eternas, mas não me resigno a permanecer nas planícies sem ventos dos entendimentos pacíficos. Ao assumir uma entre duas ou mais posições construídas ao longo da história da minha ciência, ou quando ouso propor pensamentos novos, sei que alguma turbulência virá, mas sei também que sem esses tremores ou abalos a ciência não caminha. Dos destinatários dessa terceira leitura espero a homenagem de uma aceitação generosa ou de sua crítica racional, na qual saberei ver os movimentos de uma ciência que não se estagna, não se conforma com verdades sabidas e quer manter-se inquieta diante dos problemas a resolver. Este livro teve várias origens. Ele foi construído sobre a base dos planos de aula que vim elaborando, ampliando, atualizando e corrigindo nessa vida de trinta anos junto aos estudantes do Largo de São Francisco. Às vezes, respondendo à indagação de um jovem que se inicia, o professor vê-se obrigado a buscar explicações melhores, associar conceitos ou mesmo penitenciar-se de erros. Não erra quem nada faz e nada diz. Muito do que aqui está escrito teve origem em cursos de pós-graduação, que por índole e destinação devem ser abertos ao diálogo e ao mais amplo dos debates, sendo nocivo o docente que se preocupa em expor suas verdades, sem saber que a verdade nem sempre está onde ele pensa que está. Sempre começo meus cursos dizendo aos mestrandos e doutorandos que vejo em nosso convívio um laboratório ao qual levo meus conhecimentos de colega mais adiantado, as teses que elaborei, minhas convicções e também minhas dúvidas. Muitas de minhas suposições puderam ali ser desenvolvidas, muitas propostas foram aprimoradas, muitos enganos foram corrigidos e muitas dúvidas, desfeitas. A tese A instrumentalidade do processo, que me valeu a titularidade acadêmica de direito processual civil, é para mim o mais gratificante dos frutos desses debates. Como é natural, este livro é também fruto de uma evolução cultural desenvolvida pelos pensadores de meu país e do mundo todo. Não se faz ciência por saltos e ninguém pensa sozinho, ainda quando se iluda ao crer que está pensando sozinho (CARNELUTTI). O que escrevo eu, o que escreveram meus antecessores e o que continuará a ser escrito são passos de uma caminhada cujo começo se conhece razoavelmente mas cuja consumação, não ocorrerá jamais, enquanto o homem for homem e enquanto o gênio humano for capaz de criar. Todos procuramos criar algo, mas dependemos todos do que já foi criado antes. Com a consciência dessa pequenez histórica do que em um livro se diz e das limitações criativas de quem não é mais que um entre os milhares de construtores de uma ciência, sei que também algo de mim próprio está nesse livro; como elo de uma longa corrente ou mero passo de uma caminhada de que todos participamos, ele foi também alimentado pelo produto de minhas próprias reflexões e do modo como, em minhas duas vidas de processualista, hoje vejo meu instrumento de trabalho. Essa é a principal mola propulsora da produção científica - a esperança de ver progredir as próprias idéias, sem o obcecado temor inerente a um sentimento de autocrítica que inibe o progresso da ciência. Este livro tem também a sua história. É uma história muito pessoal, que me agrada contar apesar do risco de trazer tédio aos leitores. O sonho de produzi-lo parecia uma quimera fugidia que se afasta e se afasta sempre que pensamos caminhar ao seu encontro. Não fui capaz de conciliar a redação de minhas Instituições com as atividades de promotor de justiça, juiz do Tribunal de Alçada, desembargador ou advogado. Em determinado momento, ousei. Por três anos consecutivos isolei-me durante longos períodos em uma pequena ilha ao Sul da Itália, onde em um chalé e longe das solicitações profissionais consegui dar corpo ao sonho. Colho hoje o fruto dessas fugas, mas a memória das próprias fugas é também uma saudade que alimenta. Saudade da pequenina Canneto, da ilha de Lipari, do arquipélago das Ilhas Eólias; saudade de don Gennaro, que nos acolhia hospitaleiro entre os fiéis da paróquia de San Cristoforo; do quitandeiro Michele, que sempre nos vendia mais do que queríamos comprar; do bar do Tano, onde tomava meus cafezinhos diários em meio aos seus comentários sobre os últimos fatos da política e do futebol; da família Fonti, que nos hospedou em sua Residence La irlletta - Mimmo, Rita, Ariana e Roberta foram testemunhas do meu trabalho e da minha alegria ao escrever este livro, quase tanto quanto a LAís e nossos filhos. A história deste livro inclui também o modo como foi escrito. No refúgio em que me abriguei, contei somente com meus próprios apontamentos de aula, com minha memória sobre os temas a desenvolver e com a obra de THEOTÔNIO NEGRÃO. As glosas adicionadas pelo grande advogado paulista a cada artigo do Código de Processo Civil valeram-me como indicação dos problemas que surgem perante os tribunais e informação sobre como eles estão sendo resolvidos. Orgulho-me em dizer que em alguma medida este livro é a condensação sistemática dos pontos suscitados no monumental Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. Elaborado desse modo, este livro não contém referências doutrinárias e não pretendo que ele seja uma fonte de pesquisa. Se o estudante, meu primeiro leitor, captar bem as mensagens que lhe transmito, sua iniciação estará consumada e ele poderá depois formar suas próprias convicções mediante outras leituras que fará. Ao segundo leitor, o operador do processo, estou convencido de que as colocações conceituais e os informes de jurisprudência fornecidos poderão trazer alguma ajuda útil ao exercício profissional. Ao terceiro leitor, que se preocupa com profundidades, espero que cada afirmação feita seja reveladora de uma tomada de posição em relação a temas atuais ou eternos da ciência processual. Como ato de respeito a esses três leitores, cuidei somente de identificar pensamentos de autores que me precederam, mediante simples indicação do nome de cada um e com o objetivo de afastar qualquer suspeita de indevidos apossamentos de idéias alheias. Espero que este livro tenha também ™o seu futuro. Deus me dê vida, forças e humildade suficientes pwá recolher as observações, sugestões e críticas que certamente virão e saber analisá-las ao aperfeiçoamento das idéias que as Instituições propõem. Esse é um imperativo do caminhar incessante dos conhecimentos científicos. As respostas de crítica sadia são tão animadoras quanto as manifestações de apoio, fazendo parte da glória de quem escreve. A miséria de quem escreve é a que vem do silêncio e da indiferença. ARCADAS DE São FRANCISCO, fevereiro de 2001 A sentença deve conter relatório, motivação e decisório, sendo nula se não motivada. Tal é o modo típico de realização desse ato, ou a sua forma exigida pelo direito (Const., art. 93, me. IX; CPC, arts. 131 e 458). Mas o conteúdo de cada uma dessas suas partes estruturais será o que cada caso concreto impuser, sendo que no decisório estará o julgamento da causa a ser ditado pelo juiz. Toda sentença deverá ser composta daquelas três partes, mas cada uma apresentará um conteúdo substancial correspondente ao caso e composto pelo juiz segundo seu livre convencimento. Uma das características do processo civil moderno é o repúdio ao formalismo, mediante a flexibilização das formas e interpretação racional das normas que as exigem, segundo os objetivos a atingir. É de grande importância a regra da ins4rumentalidade das formas, concebida para conduzir a essa interpretação e consistente na afirmação de que, realizado por algum modo o objetivo de determinado ato processual e não ocorrendo prejuízo a qualquer dos litigantes ou ao correto exercício da jurisdição, nada há a anular ainda quando omitido o próprio ato ou realizado com transgressão a exigências formais. Não há nulidade sem prejuízo (CPC, arts. 244 e 249, § 1- e 2-). As exigências formais estão na lei para assegurar a produção de determinados resultados, como meios preordenados a fins: o que substancialmente importa é o resultado obtido e não tanto a regularidade no emprego dos meios (infra, rln. 702, 714 etc.). A citação é um dos atos essenciais de maior importância no processo, pois é a primeira das providências destinadas à efetivação da garantia constitucional do contraditório (participação dos litigantes) (Const., art. 54, inc. LV, e CPC, art. 213). Mas se o demandado comparece e defende- se mesmo sem ter sido citado, a omissão em nada o prejudicou porque o objetivo do ato, que era a ciência da propositura da causa, foi inteiramente realizado por outro meio. Inexiste a nulidade do processo, em situações assim, embora não cumprida a exigência de citar o demandado (CPC, art. 214). 4. direito processual e direito material Conceitual e funcionalmente, direito processual opõe-se a direito material, ou substancial. Ele não cuida de ditar normas para a adequada atribuição de bens da vida aos indivíduos, nem de disciplinar o convívio em sociedade, mas de organizar a realização do processo em si mesmo. A técnica da solução de conflitos pelo Estado - ou seja, o processo - está definida nas normas integrantes de um específico ran}o jurídico, que é o direito processual civil. Ao estabelecer como o juiz deve exercer a jurisdição, como pode ser exercida a ação por aquele que pretende alguma providência do juiz e como poderá ser a defesa do sujeito trazido ao processo pela citação, o direito processual não estabelece norma alguma, destinada a determinar o teor dos julgamentos; nem fixa critérios capazes de definir qual dos litigantes tem direito ao bem da vida pretendido (direito à tutela jurisdicional) e qual deles há de suportar a derrota. Jurisdição, ação, defesa e processo são as quatro grandes categorias jurídicas que compõem o núcleo estrutural do direito processual (os seus institutos fundamentais) (infra, nn. 108 ss.). Em torno delas gira todo o conteúdo dogmático dessa ciência. Tutela jurisdicional é a proteção que, por meio do processo e pelo exercício da jurisdição, o Estado dá ao sujeito que tiver razão no litígio (infra, nn. 39 ss.). A instituição de normas contendo critérios para a solução de conflitos (critérios para seu julgamento) constitui tarefa do direito substancial, que é integrado pelo direito civil, comercial, agrário, administrativo, ambiental, tributário, financeiro, econômico, eleitoral etc., residindo principalmente nos respectivos Códigos e leis específicas (entre as quais, modernamente, as leis ambientais, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente etc. ). As normas substanciais dirigemse aos sujeitos viventes em sociedade e estabelecem critérios para a atribuição de bens a eles (v.g., as normas sobre propriedade ou posse, as que estabelecem a obrigação de reparar por danos contratuais ou extracontratuais, as que ditam sanção para violações aos deveres entre cônjuges ou transgressões à higidez do meio-ambiente etc.). Disciplinam também a cooperação de pessoas em atividades de interesse comum, como se dá nas leis sobre sociedades mercantis, partidos políticos etc. As normas processuais entram em operação quando algum sujeito, lamentando ao Estado juiz um estado de coisas que lhe desagrada e pedindo-lhe uma solução favorável mediante invocação do direito material, provoca a instauração do processo. A realização do processo, como atividade conjunta de ao menos três sujeitos (juiz, autor e réu), constitui objeto das normas de direito processual. Há normas de direito processual inseridas em corpos legislativos preponderantemente substanciais, como é o caso de tradicionais artigos do Código Civil sobre aprova (arts. 131, 135, 136 ss., 346 etc.). Do mesmo modo, em leis processuais encontramse algumas disposições de natureza substancial -- v.g., o Código de Processo Civil dispondo sobre a indenização devida pelo litigante de má-fé (arts. 16-18). Há também leis que num só corpo trazem disposições substanciais e processuais, como a Lei do Divórcio, a Lei de Locação de Imóveis Urbanos, o Código de Defesa do Consumidor etc.; isso assim acontece, com plena legitimidade sistemática, devido à integração do processo e direito material num só contexto global de tutela, sendo às vezes de toda conveniência disciplinar num só corpo algum instituto de direito substancial e os modos como há de ser tratado posto em litígio perante o Poder Judiciário. Cabe ao intérprete consciente a tarefa de separar as normas processuais das substanciais, principalmente para que possa tratar adequadamente umas e outras, a partir dos pressupostos metodológicos próprios a cada um desses campos do saber jurídico (sobre a norma processual: infra, nn. 6 e 17 ss.). 5. dois planos distintos (Infra, n. 5I) Precisamente porque as normas processuais não se destinam a disciplinar diretamente as relações interpessoais ou intergrupais na vida comum, nem a criar, modificar ou extinguir direitos subjetivos, assim também não tem essa função o seu destinatário principal - o juiz. Nascem as situações subjetivas substanciais, invariavelmente, do concreto acontecimento de algum ato ou fato previsto em norma jurídica geral - como o direito de propriedade é efeito da ocorrência de algum dos modos de aquisição, definidos no Código Civil (originários, derivados), como o crédito nasce do mútuo ou do dano causado, como o direito à separação judicial vem da prática de atos desonrosos ou grave violação aos deveres do matrimônio etc. O devedor não o é porque o juiz o haja constituído tal, mas porque já o era antes do processo e da sentença; o possuidor não se torna dono por obra da sentença que julga procedente a ação de usucapião mas porque, tendo exercido a posse adequada por tempo suficiente, a lei civil o considera assim; etc. As sentenças judiciais limitam-se a revelar essas situações criadas pela vida e regidas pelo direito material, eliminando dúvidas e valendo como palavra final a respeito (coisa julgada). Elas não criam situações jurídicas novas. Direitos e obrigações preexistem ao processo. Ex facto oritur jus. Visto desse modo, o trabalho do juiz consiste apenas (a) na busca da verdade dos fatos através da prova, (b) no enquadramento desses fatos no modelo genérico definido em lei (fattispecie) e (c) na explicitação e efetivação da norma concreta emergente da ocorrência do fato concreto. Mesmo nos casos em que o juiz constitui alguma situação jurídica nova, postulada pela parte (v.g., sentença que decreta a separação judicial ou o divórcio), o direito à modificação jurídica operada pelo juiz preexiste à sentença. O juiz institui entre as partes o status de divorciados mas o direito a essa modificação é precedente ao processo e à sentença. Assim composto, o ordenamento jurídico divide-se em dois planos distintos, interagentes mas autônomos e cada qual com sua função específica. Às normas substanciais compete definir modelos de fatos capazes de criar direitos, obrigações ou situações jurídicas novas (fattispecie), além de estabelecer as conseqüências específicas da ocorrência desses fatos (sanctiones juris). As normas processuais ditam critérios para a descoberta dos fatos relevantes e revelação da norma substancial concreta emergente deles, com vista à efetivação prática das soluções ditadas pelo direito material. Do juiz espera-se a fiel e correta revelação das normas substanciais concretas, partindo do texto das leis e valendo-se de critérios racionais e realistas para a interpretação legítima e socialmente adequada. Seu raciocínio parte de normas gerais, assim pesquisadas, e chega à norma do caso concreto, que ele próprio não cria mas é derivação daquelas. À corrente dualista do ordenamento jurídico, assim configurada, opõem-se as unitárias, que tendem a afirmar a participação do juiz na criação das normas concretas, pressupondo a insuficiência da lei material para a instituição de direitos, obrigações e demais situações jurídicas entre as pessoas (infra, n. 51). 6. o direito processual material A autonomia do direito processual e sua localização em plano distinto daquele ocupado pelo direito material não significam que um e outro se encontrem confinados em compartimentos estanques. Em primeiro lugar, porque o processo é uma das vias pelas quais o direito material transita rumo à realização da justiça em casos concretos; ele é um instrumento a serviço do direito material. Depois, porque existem significativas faixas de estrangulamento, ou momentos de intersecção, entre o plano substancial e o processual do ordenamento jurídico. A escalada de autonomia científica do direito processual, fruto dos estudos principiados em meados do século XIX, deixou fora de dúvida que o direito processual tem sua vida própria e cabe-lhe uma missão social e jurídica diferente, em relação ao direito substancial. Seus escopos, ou objetivos próprios (sociais, políticos e jurídicos), são bem definidos e não se confundem com os deste (infra, nn. 47-55); apóia-se em fundamentos metodológicos que não são os mesmos do direito substancial (é direito público, formal, não participa da criação de direitos); e tem seu próprio objeto material, que são as categorias jurídicas relacionadas com a atividade destinada a eliminar conflitos. As categorias jurídicas processuais, aglutinadas em torno de seus institutos básicos (jurisdição, ação, defesa e processo), são reconhecidas universalmente como realidades independentes do direito substancial e das situações regidas por ele. Essas conquistas metodológicas principiaram com o reconhecimento da autonomia da ação em face do direito subjetivo material (não é mais havida por inerência deste) e da relação jurídica processual em face da relação substancial controvertida entre os litigantes (ela difere desta em seus sujeitos, em seu objeto e em seus pressupostos: Oskar Von Bülow) (infra, nn. 98 e 500-501). Hoje não há margem para duvidar da autonomia do direito processual e de sua colocação em patamar distinto daquele em que se situam as normas e relações jurídico-materiais. Quando porém se passa das especulações abstratas para a observação das concretas situações de conflitos entre indivíduos ou grupos (crises jurídicas), percebe-se uma proximidade muito significativa entre certos institutos francamente processuais e a situação de direito substancial em relação à qual o processo atuou ou deve atuar. Esses institutos - ação, competência, fontes e ônus da prova, coisa julgada e responsabilidade patrimonial - são responsáveis por situações que se configuram fora do processo e dizem respeito diretamente à vida das pessoas em sociedade, nas suas relações com as outras ou com os bens que lhes são úteis ou desejados; e só num segundo momento eles são objeto das técnicas do processo, a saber, quando um processo se instaura e então se pensa nas atividades a serem desenvolvidas para sua atuação. A ação, a competência, a prova, a coisa julgada e a responsabilidade patrimonial, recebendo do direito processual parte de sua disciplina (na sua técnica), mas também dizendo respeito a situações dos sujeitos fora do processo (às vezes, até antes dele), compõem um setor a que a doutrina já denominou direito processual material (Chiovenda). Elas são, portanto, institutos bifrontes: só no processo aparecem de modo explícito em casos concretos, mas são integrados por um intenso coeficiente de elementos definidos pelo direito material e - o que é mais importante - de algum modo dizem respeito à própria vida dos sujeitos e suas relações entre e si e com os bens da vida. Constituem pontes de passagem entre o direito e o processo, ou seja, entre o plano substancial e o processual do ordenamento jurídico (Calamandrei). Aprova, por exemplo. É no processo que se desenvolve toda sua dinâmica e é nele que produzirá sua eficácia institucionalizada. Mas as fontes de prova, ou seja, as pessoas e coisas capazes de fornecer informações ao juiz que julgará, são elementos externos ao processo, fazem parte da vida comum e apenas em um segundo tempo serão trazidas a ele e utilizadas como meios instrumentais. Em seu aspecto estático, as fontes de prova residem no direito substancial (infra, n. 723). Daí sua configuração bifronte e a necessidade de a categoria jurídica prova ser encarada com a consciência de que as fontes de prova vêm para o processo carregadas de conotações relacionadas com o próprio conflito a que se referem. Daí, também, o direito a utilizar-se das fontes legítimas, que integram o amplo conceito do direito à prova (infra, n. 782). A proposta de distinção entre um direito processual formal e um direito processual material conta com o aval da mais prestigiosa voz doutrinária em processo civil. "É preciso evitar a crença de que lei processual seja sinônimo de lei formal " (Chiovenda). Esse pensamento teve o mérito de abrir caminho para a percepção de que existem normas de duas naturezas a influenciar de modo direto certos institutos processuais. São processuais substanciais as que outorgam ao sujeito certas situações exteriores ao processo e que nele repercutirão de algum modo se vier a ser instaurado. São processuais puras, ou processuais formais, as que operam exclusivamente pelo lado interno do processo e nele exaurem sua eficácia, disciplinando os atos e relações inerentes ao processo e não lançando efeitos diretos para o lado externo, ou seja, sobre a vida das pessoas (p.ex., normas sobre a forma dos atos processuais, prazos, procedimentos adequados, recursos etc. ). Já se sustentou no passado, em formosa doutrina, que o próprio direito material seria em si mesmo um direito justicial material (materielles Justizrecht, James Goldschmidt) - entendido este e tratado como mero apêndice do direito privado e chamado direito adjetivo porque não lhe atribuíam os juristas o predicado da autonomia: o adjetivo não tem vida própria e não passa de uma qualidade do substantivo, sempre dependente da existência deste para que possa existir. O processo, naquela visão sincrética, não passaria de mero modo de exercício dos direitos. Tem-se por ciência o conjunto de conhecimentos ordenados segundo método próprio, com adequação à realidade observada, certeza quanto aos resultados das investigações e coerência unitária dos juízos alcançados (Miguel Reale); além disso, toda ciência tem seu próprio objeto material, que a distingue das demais. O processo civil só se alçou à condição científica, assim delineada, a partir de quando absorveu como seus certos institutos e, construindo seu próprio método, pôde ganhar a coerência unitária dos conceitos afirmados. O objeto material da ciência do processo, que numa visão mais vaga e genérica é o conjunto de todas as normas processuais, consiste mais precisamente nos institutos, ou categorias jurídicas em que essas normas se conglomeram. Uma visão moderna aponta como categorias centrais do sistema processual a jurisdição (poder estatal endereçado à pacificação de pessoas e grupos em casos de conflito jurídico), a ação (poder de provocar o exercício da jurisdição e influir em seu direcionamento), a defesa (contraposto negativo da ação, como poder de influir em sentido oposto) e o processo (modo de exercício da jurisdição pelo juiz, da ação pelo autor e da defesa pelo réu: infra, n. 108 ss.).' Esses quatro institutos fundamentais são categorias jurídicas próprias ao direito processual como um todo. O seu estudo, acima das especificidades próprias a cada um dos ramos deste (direito processual civil, penal, trabalhista etc.), constitui objeto da teoria geral do processo. NOTA: 1. Só por razões de ordem didática e de clareza, no texto são empregados os vocábulos autor e réu, para designar, mais amplamente, o demandante e o demandado. Aqueles vocábulos são restritos ao processo de conhecimento; estes abrangem também as partes do processo de execução (exeqüente e executado). Também de um método próprio dispõe a ciência processual, o que é essencial ao reconhecimento da existência desse específico ramo científico (é o seu objeto formal). Método é o modo pelo qual determinada ciência encara e examina seu objeto material; o método próprio ao direito processual constitui-se dos princípios que lhe sobrepairam, do reconhecimento de sua inserção no direito público e, modernamente, da constante preocupação pela oferta de meios para o efetivo acesso à justiça mediante resultados efetivos e justos. Tal é o método do processo civil de resultados. O caráter instrumental do direito processual ao direito substancial e ao superior objetivo de pacificar pessoas constitui hoje um pólo metodológico de primeira grandeza na ciência do processo. Outra colocação metodológica a que o processualista moderno atribui enorme importância é a inserção do sistema processual na ordem constitucional, ao lado da perspectiva isonômica revelada no repúdio ao processo civil do autor (infra, n. 39). 11. a teoria geral do processo Nas últimas décadas do século XX desenvolveu-se extraordinariamente a visão sistemática do direito processual como um todo, superando e definindo melhor as tradicionais fronteiras existentes entre seus diversos ramos. Reconhece-se, em resumo, que existe muito em comum entre os diversos ramos processuais e que as peculiaridades de cada um não são suficientes a impedir ou a tornar menos frutífero o exame global dos grandes princípios, dos institutos fundamentais e do método comum - tudo num plano de plena aplicação a todos eles. Não se postula a unidade legislativa, mas a condensação científica de caráter metodológico. Conhecem-se tentativas de reunir num só corpo legislativo o processo civil e o penal, ou ao menos os preceitos mais amplos relativos a eles (Codex juris canonici de 1917, Códigos Processuais da Suécia, Panamá e Honduras); mas não é esse o objetivo da teoria geral do processo, como tal. Contenta-se em elaborar e coordenar ela própria, mediante esforços de síntese, os grandes conceitos, os grandes princípios, as grandes estruturas do sistema processual. Essa colocação metodológica principiou por postular a reunião do direito processual civil e do direito processual penal num só enfoque comum (sempre considerado o processo trabalhista como processo civil lato sensu e, portanto, incluído nesse contexto). Delineou-se desse modo uma teoria geral do processo jurisdicional. Mas apercebeu-se o estudioso de que existe algo mais elevado a considerar, acima dos quadrantes da jurisdição e associando-se ao exercício do poder em geral. Isso propiciou maior amplitude à teoria geral do processo, que hoje vai chegando de modo palpável ao processo administrativo (tributário inclusive) e pode atingir o legislativo. Essa é uma teoria geral do processo estatal. Sempre referida ao exercício do poder, também não se legitima excluir do âmbito dessa teoria geral o processo dos entes intermediários entre o indivíduo e o Estado, como os partidos políticos, associações de categoria, sociedades mercantis etc. Esse é o limite a que pode chegar a teoria geral do processo, a qual tem pertinência a todos os campos em que alguma medida o poder é exercido. Essa tendência expansiva legitima-se na sólida construção sistemática que ela propicia mediante a revelação de princípios superiores, inclusive em sede constitucional e com a transmigração de conceitos e raciocínios mais desenvolvidos com relação ao processo civil. A democratização do processo não Jurisdicional, com a oferta de garantias de ampla defesa, de participação (contraditório) e de observância dos modelos estabelecidos pelo direito (due process of law), é um proveitoso resultado desse trabalho fecundo de generalização (Const., art. 5-, incs. LIV e LV). Inversamente, legitima-se também a teoria geral do processo, de modo sensível, pelo enriquecimento do processo civil mediante a maior consciência da natureza pública das normas processuais, desenvolvida extraordinariamente no direito processual administrativo. cessuais, especialmente o devido processo legal (que é um sistema de delimitação do poder e contenção de seu exercício). 12. direito processual constitucional (Infra, n. 74) Também é dos tempos modernos a ênfase ao estudo da ordem processual a partir dos princípios, garantias e disposições de diversas naturezas que sobre ela projeta a Constituição. Tal método é o que se chama direito processual constitucional e leva em conta as recíprocas influências existentes entre a Constituição e a ordem processual. De um lado, o processo é profundamente influenciado pela Constituição e pelo generalizado reconhecimento da necessidade de tratar seus institutos e interpretar a sua lei em consonância com o que ela estabelece. De outro, a própria Constituição recebe influxos do processo em seu diuturno operar, no sentido de que ele constitui instrumento eficaz para a efetivação de princípios, direitos e garantias estabelecidos nela e muito amiúde transgredidos, ameaçados de transgressão ou simplesmente questionados. O direito processual constitucional exterioriza-se mediante (a) a tutela constitucional do processo, que é o conjunto de princípios e garantias vindos da Constituição (garantias de tutela jurisdicional, do devido processo legal, do contraditório, do juiz natural, exigência de motivação dos atos judiciais etc.) (infra, cap. VII, nn. 74-97); e (b) a chamada jurisdição constitucional das liberdades, composta pelo arsenal de meios predispostos pela Constituição para maior efetividade do processo e dos direitos individuais e grupais, como o mandado de segurança individual e o coletivo, a ação civil pública, a ação direta de inconstitucionalidade, a exigência dos juizados especiais etc. (infra, n. 74). 13. direito processual civil internacional Já chegou a ser proposto o reconhecimento da presença da teoria geral do processo nas regras referentes aos negócios jurídicos (Elio Fazzalari). Mas tais atos não têm fundamento no poder, senão na autonomia da vontade - o que põe a sua disciplina fora do campo de atuação das grandes regras e princípios pro A intensificação das relações econômicas e políticas entre os Estados modernos vem exigindo muito empenho de cada um deles na definição de normas e instituição de meios capazes de propiciar a correta e produtiva cooperação internacional pela via do processo civil. Particular influência tem sido exercida, nesse movimento, pela instituição de poderosos organismos internacionais, como as Comunidades Européias e, mais recentemente, o Mercosul. Não se busca necessariamente a unificação do poder, com instituição de entes supra-estatais dotados de poder normativo ou de jurisdição, como a Corte de Justiça das Comunidades Européias; nem de buscar a utopia de um direito processual uniforme em toda uma área do globo terrestre ou mesmo em espaços regionais significativos - intuito que se chocaria com a sólida barreira das tradições de cada país, fortemente plantadas no direito positivo de cada um e nas práticas vigentes entre os membros da população e em seus tribunais. O próprio Código de Processo Civil Modelo para a América Latina, que é um forte elemento de aproximação entre os países latino-americanos, propõe-se a ser somente um modelo portador de sugestões. Com razão, os processualistas modernos são céticos quanto às tentativas de delimitarfamílias de direito processual (René David), portadoras de traços comuns supostamente capazes de propiciar uma uniformidade de soluções (infra, n. 68). O que importa, hoje, é a compatibilização dos sistemas com vista a criar condições para a profícua cooperação internacional entre os países do globo e, particularmente, entre países de uma área predeterminada (p.ex., América Latina ou ao menos o chamado Cone Sul). Tal é o objeto do direito processual civil internacional, como conjunto de normas internas de dado Estado, indispensáveis em razão da existência de outros Estados e conseqüente necessidade de impor limites territoriais à eficácia das normas processuais e ao âmbito de exercício da jurisdição de cada um deles, bem como critérios para a admissibilidade da cooperação jurisdicional e modos de sua operacionalização. A regra fundamental do direito processual civil internacional é a territorialidade da norma processual e da jurisdição, não se exercendo a jurisdição fora dos limites do Estado nem mediante aplicação de normas processuais estrangeiras (CPC, art. 1-). Daí a necessidade de normas sobre cumprimento de cartas rogatórias (para comunicação processual ou realização de prova), sobre o valor da prova de fora da terra, sobre as conseqüências da litispendência em outro Estado, sobre a eficácia e exeqüibilidade de sentenças estrangeiras e, de modo geral, de mecanismos para a recepção de atos oriundos de outro Estado. Dentre as normas de direito processual civil internacional, assumem particular relevância as que estabelecem a competência do juiz nacional em face da existência de juizes de outros Estados soberanos (competência internacional: CPC, arts. 88-89) (infra, nn. 133 ss.). Nesse quadro e assim delimitados os objetivos da aproximação proveitosa entre os sistemas processuais de diversos países, assume importância de primeira grandeza o modo como cada um deles disciplina duas ordens de problemas relacionados com a cooperação :internacional: a) problemas da formação de provimentos jurisdicionais e (b) problemas da circulação e execução de ditos provimentos (Italo Andolina). Numa formulação mais explícita, o objeto do direito processual civil internacional é composto por normas disciplinadoras (a) da extensão territorial das próprias normas processuais do país, (b) dos limites internacionais da jurisdição do Estado, (c) do tratamento processual a ser dado às normas de direito de outros países, (d) da efetivação extraterritorial de atos processuais (citação, provas) e (e) do valor dos atos jurisdicionais estrangeiros, inclusive julgamentos arbitrais (Gaetano Morelli, Italo Andolina, Juan Carlos Hitters). 14. direito processual civil comparado Um método de interpretação da lei processual, de crescente valia em tempos modernos, consiste no lançamento de olhares além-fronteiras em busca do conhecimento do direito vigente nos demais países. Seja para o aprimoramento do próprio direito interno, seja para melhor adequação das regras internas de direito processual internacional, é indispensável conhecer a lei e as técnicas processuais de outros povos. A regra de ouro de toda comparação jurídica é a utilidade que ela deve ter para a melhor compreensão e operacionalização de pelo menos um dos sistemas jurídicos comparados. A partir daí, chega-se à percepção de que os estudos de direito comparado devem endereçar-se preferencialmente aos ordenamentos jurídicos em que as novas realidades de interesse atual já tenham sido mais vivenciadas e àqueles com cujos países o Brasil vai estreitando relações culturais e comerciais - com os quais é particularmente importante incrementar meios de cooperação jurisdicional. Daí o destacado interesse a) por certos institutos da common law, especialmente as suas class actions no contexto da ordem jurídico-processual norte-americana; b) pela estrutura e mecanismos judiciários e processuais dos países da América Latina, máxime daqueles integrantes do Mercosul; c) pela ordem processual dos países europeus dos quais nos vêm alguns institutos aqui assimilados ou cogitados em tempos mais recentes (processo monitório, medidas urgentes). Como método de investigação científica e não ramo do direito, o direito processual comparado tem por objeto "uma pluralidade de ordenamentos jurídicos atualmente em vigor" e por finalidade "não tanto os ordenamentos tomados para exame em todos os seus detalhes quanto o confronto entre eles e a conseqüente análise das diferenças e das analogias de estrutura e de disciplina perceptíveis" (Alessandro Pizzorusso). Comparam-se as leis e só num segundo momento passa- leis substanciais, não lhe competindo o juízo do bem ou do mal, do justo ou do injusto. Sentenças injustas seriam o fruto de leis injustas e a responsabilidade por essa injustiça seria do legislador, não do juiz. Mas o juiz moderno tem solene compromisso com a justiça. Não só deve participar adequadamente das atividades processuais, endereçando-as à descoberta de fatos relevantes e correta interpretação da lei, como ainda (e principalmente) buscando oferecer às partes a solução que realmente realize o escopo de fazer justiça. Eis por que a doutrina atual considera pobre e insuficiente a indicação do processo como mera técnica instrumentalmente conexa ao direito material. Ele é uma técnica, sim, mas técnica que deve ser informada pelos objetivos e ideologias revelados na ciência processual e levada a efeito com vista à efetivação do valor do justo. Conjuntamente com o próprio direito substancial, o processo é instrumentalmente conexo ao supremo objetivo de pacificar com justiça. Existem ainda outros compromissos do juiz moderno, entrelaçados com os demais objetivos de sua própria função. Ele deve ter consciência das destinações políticas e culturais do sistema que opera, para que o exercício da jurisdição possa dar efetividade a certos valores relevantes para a sociedade como um todo - valores que se expressam nos chamados escopos do processo. O escopo social de educação para o exercício de direitos próprios e respeito aos direitos alheios aconselha o juiz a dispensar a tutela jurisdicional com a possível celeridade; o escopo político de preservação da moralidade administrativa há de estar presente na condução das ações populares; de um modo geral, o escopo também político de dar efetividade aos valores acatados pelo direito objetivo recomenda plena participação do juiz nos processos sob sua direção, tomando razoáveis iniciativas probatórias, dialogando racionalmente com os litigantes, dispondo medidas urgentes que evitem a consumação de males irremediáveis e capazes de frustrar o exercício útil da jurisdição etc. (escopos do processo: infra, nn. 47-53); Assim ligado aos escopos a realizar e sobremodo ao de praticar a justiça ao pacificar os litigantes, tem-se o conceito de processo justo, hoje corrente na teoria processual. Justo será, em primeiro lugar e acima de tudo, o processo que ofereça resultados justos aos litigantes em sua vida comum. Mas, para ter-se razoável segurança de que o processo oferecerá resultados substancialmente justos, ele há de ser justo em si mesmo, mediante o tratamento isonômico dos litigantes, liberdade de atuar na efetiva defesa de seus interesses, participação efetiva do juiz, imparcialidade etc. Ao conjunto de garantias destinadas a conferir ao processo esse perfil de instrumento justo, a Constituição e a doutrina dão a qualificação de devido processo legal (Const., art. 54, inc. LIV) e o exercício do poder estatal no processo só será política e eticamente legítimo quando observada essa cláusula de aceitação geral no processo civil moderno. Existe hoje a legítima tendência a atribuir poder de "criação " ao juiz, mas isso não interfere na questão em exame. A invenção de soluções novas, compatíveis com a realidade sócio- econômica e política do caso em julgamento, é conseqüência da interpretação sociológica ou teleológica da lei e não erige o juiz em legislador ou criador do direito. O juiz que vai aos princípios gerais e constitucionais ou considera as grandes premissas éticas da sociedade ao julgar, cumpre apenas um tradicional mandamento da própria ordem jurídica (os fins sociais da lei, art. 5LICC) e comporta-se como autêntico canal de comunicação entre os valores da sociedade em que vive e os casos concretos que julga. Não fora assim, a jurisprudência jamais evoluiria segundo as tendências da sociedade e de acordo com os cambiantes problemas enfrentados por esta. Do ponto-de-vista jurídico, todavia, inexiste criação em casos assim, justamente porque o juiz não retira da sua vontade ou preferências pessoais a norma substancial que servirá de base para julgar o caso: simplesmente, dá efetividade aos princípios gerais do direito, à analogia etc., que são fontes formais do direito expressamente indicadas na própria ordem jurídica positiva (LICC, art. 44). Capitulo II -A LEI PROCESSUAL CIVIL 17. a norma processual civil e seu objeto - 18. normas processuais e normas procedimentais - 19. normas secundárias - 20. normas processuais civis cogentes ou dispositivas - 21. fontes formais da norma processual civil - 22. a Constituiçào Federal - 23. tratados internacionais - 24. a lei - 25. leis federais ordinárias - 26. leis complementares federais - 27. Constituições e leis estaduais - 28. regimentos internos dos tribunais - 29. a jurisprudência - usos-e-costumes judiciários - 30. conhecimento da lei processual - 31. interpretação e integração da lei processual civil - 32. as dimensões da lei processual civil: normas de superdireito - 33. dimensão espacial da lei processual civil: territorialidade - 34. dimensão temporal da lei processual civil: vigência e eficácia - 35. início e fim da vigência da lei processual civil - 36. eficácia da lei processual civil no tempo - 37. regras de direito processual civil intertemporal - 38. cont.: preservação da garantia de tutela jurisdicional (remissão ao direito processual material) 17. a norma processual civil e seu objeto Norma é preceito. É regra de conduta ou de atribuição de bens. Seja no direito material ou no processual, toda norma é composta de uma abstrata definição de fatos previstos (fattispecie) e da determinação da sua conseqüência (sanctio juris). Em seu conjunto, a norma expressa um juízo de valor do ente que a emite, sobre os fatos possíveis e selecionados no primeiro de seus elementos. Esse juízo, que transparece no segundo elemento (sanctio juris), será de aprovação ou de reprovação, conforme os fatos previstos sejam havidos por favoráveis ou desfavoráveis aos valores escolhidos pelo autor da norma (Carnelutti). A concreta ocorrência dos fatos tipificados desencadeia a conseqüência jurídica estabelecida, fazendo com que surja uma situação jurídica nova. É usual aludir-se ao preceito abstrato residente na sanctio legis como vontade abstrata da lei e ao preceito concreto decorrente da ocorrência dos fatos previstos, como vontade concreta (Chiovenda). Se o réu não apresenta resposta no prazo, essa omissão é um fato previsto na fattispecie do art. 319 do Código de Processo Civil. A sanctio juris consistente na dispensa de prova dos fatos alegados pelo autor é manifestação do juízo de valor que o legislador fez quanto àquela conduta omissiva. A vontade abstrata do art. 319 é que todo autor seja dispensado desse ônus, sempre que o réu não responda à inicial. Em cada caso em que aconteça tal omissão, haverá a vontade concreta do direito no sentido de dispensar a prova (v. ainda art. 334, me. 111). Toda norma tem sobre os destinatários a mesma capacidade de influência que tiver o ente que a emite e quer seu cumprimento. Tal é o significado das normas religiosas, éticas, esportivas etc. Feitos os descontos decorrentes da precariedade dos meios de exigência ou imposição do cumprimento da norma em certos casos, ela sempre revela um vínculo entre o ente produtor e o destinatário, sendo aquele, em alguma medida, capaz de ordenar certas condutas e repelir outras. Diz-se jurídica a norma que rege imperativamente as relações entre dois ou mais indivíduos ou grupos, atribuindo-lhes bens ou determinando-lhes condutas com a possibilidade de imposição de seus preceitos contra a vontade dos sujeitos. As normas jurídicas são ditadas pelo Estado ao positivar seu poder nas leis das mais variadas classificações hierárquicas (Constituição, leis ordinárias, regulamentos, regimentos etc. ); pelos grupos sociais, diretamente (usos-e-costumes); pelos entes intermediários entre o Estado e os indivíduos (estatutos, atos constitutivos de pessoas jurídicas em geral) ou pelos próprios indivíduos mediante atos reveladores da autonomia da vontade (negócios jurídicos). As normas instituídas pelos indivíduos ou pelos entes intermediários são vinculastes na medida de sua compatibilidade com o sistema normativo estatal (Constituição, leis), do qual recebem legitimidade e sua própria capacidade de impor condutas ou atribuir bens. As normas juridicas ditadas pelo Estado, além de condicionarem as demais e serem o suporte da obrigatoriedade de todas, recebem dele o predicado da inevitabilidade. Dizem-se inevitáveis as normas estatais, no sentido de que não tem o indivíduo a faculdade de descumpri-las ou furtar-se ao seu império afastando-se do convívio social como quem se afasta de uma entidade religiosa ou de um clube esportivo. A inevitabilidade das normas estatais é reflexo da inevitabilidade do próprio Estado. A inevitabilidade do Estado e dos atos de exercício do poder estatal transparece no repúdio do direito moderno à velha concepção privatística do processo como contrato (infra, n. 387). Deve servir de premissa para a solução de muitos problemas conceituais e práticos de direito processual, ligados à colocação do direito processual como ramo do direito público. As normas estatais são em si mesmas imperativas, porque ditadas no exercício do poder estatal, que se conceitua como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões soberanas; sua imperatividade constitui projeção do imperium de que é investido o ente que as emite - o Estado. Ao dispor em sede legislativa sobre os bens e condutas que constituem objeto das normas que edita, este positiva o seu poder, ou seja, ele o exerce concretamente e põe na ordem jurídica o resultado desse exercício. Algumas normas oriundas de outros entes produtores recebem do sistema estatal a sua força vinculaste, na medida em que o Estado, aceitando-as, dispõe-se a dar-lhes efetividade independentemente ou mesmo contra a vontade dos sujeitos obrigados a dar-lhes cumprimento (é o que sucede com os contratos ou estatutos etc. ). Quando a norma jurídica tem por objeto o exercício da função estatal pacificadora que é a jurisdição e refere-se portanto às condutas inerentes à realização do processo, dela se qualifica como norma processual. Sabendo-se que a jurisdição é exercida pelo Estado juiz com plena abertura à participação de um sujeito que veio pedir a tutela jurisdicional (autor, demandante) e de outro em relação ao qual a tutela é pedida (réu, demandado), todos operando segundo determinado método (o devido processo legal), segue-se que o objeto da norma processual abrange as situações de todos esses três sujeitos e de suas condutas coordenadas ao objetivo final de pacificação. Nisso as normas processuais diferem das de direito material, as quais regem diretamente a atribuição de bens e determinação de condutas das pessoas em suas relações na vida comum. Norma processual é, portanto, todo preceito jurídico regulador do exercício da jurisdição pelo Estado, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado - três atividades que se desenvolvem num só ambiente comum, que é o processo (infra, mi. 387-388). Os limites em que a jurisdição se exerce legitimamente e a definição dos casos em que está excepcionalmente excluída; as condições para seu exercício em cada caso concreto; quem a exerce, ou como se distribui o exercício da jurisdição entre os juizes do país; como se exerce e a conjugação do seu exercício com o exercício dos poderes e faculdades inerentes à ação e à defesa pelas partes; onde se exerce, quando se exerce, qual eficácia têm as decisões e qual grau de imunidade as protege contra ulteriores ataques (preclusões, coisa julgada) - eis algumas ilustrações da trama de atividades e situações dos sujeitos do processo, regidas pela norma processual. 18. normas processuais e normas procedimentais O processo, como realidade fenomenológica, é uma entidade complexa em que figuram dois elementos distintos e interligados: o procedimento, como série de atos coordenados a partir de uma iniciativa de parte (demanda) e direcionados a um provimento do juiz (no processo de conhecimento, sentença de mérito); e a relação jurídica processual, que é um vínculo dinâmico e complexo entre os sujeitos processuais (juiz, autor e réu) e se expressa nas inúmeras situações ocupadas por eles do princípio ao fim (deveres, poderes, faculdades, ônus, sujeição, autoridade). Em preciosa síntese, disse a doutrina que o processo se constitui, ao mesmo tempo, de uma relação entre seus sujeitos e de uma relação entre seus atos (Liebman) (infra, n. 387). Mas existem vozes na doutrina, a sustentar uma precisa distinção entre normas processuais stricto sensu e normas procedimentais, mas essa distinção só em modesta medida e sob ressalvas compatibiliza-se com a natureza complexa do processo, porque se apóia na premissa de que processo e procedimento fossem fenômenos independentes e autônomos. Superada essa visão inadequada dos fenômenos processo e procedimento, não há como distinguir, com nitidez e generalidade, normas alusivas a um e normas alusivas a outro. Toda norma sobre o procedimento em juízo é norma processual porque o procedimento integra o conceito de processo. É impossível distinguir normas que disciplinem o procedimento sem influir no modo-de- ser da relação jurídica processual que lhe está à base e, portanto, também impossível encontrar normas de direcionamento exclusivo ao procedimento e normas direcionadas só à relação processual (infra, n. 387). A Constituição Federal de 1988, todavia, veio a realimentar essa distinção ao estabelecer a competência concorrente da União e Estados para legislarem sobre procedimentos em matéria processual (art. 24, me. XI), em confronto com a competência federal exclusiva para ditar normas de direito processual (art. 22, me. 1). Essas disposições obrigam o intérprete a renunciar à precisão dos conceitos e admitir que, na ordem jurídica brasileira, podem existir normas puramente procedimentais ao lado de normas processuais stricto sensu. É preciso penetrar no pensamento do constituinte e, em consonância com o sistema processual como um todo, buscar o significado útil da distinção (interpretação sistemática). Dado que no processo entrelaçam-se o procedimento e a relação jurídica vinculativa de seus sujeitos, entende-se que as normas processuais stricto sensu seriam os preceitos destinados a definir os poderes, deveres, faculdades, ônus e sujeição dos sujeitos processuais (relação jurídica processual), sem interferir no desenho das atividades a realizar (procedimento). Normas procedimentais, nesse contexto, seriam aquelas que descrevem os modelos a seguir nas atividades processuais, ou seja, (a) o elenco de atos que compõem cada procedimento, (b) a ordem de sucessão a presidir a realização desses atos, (c) a forma que deve ser observada em 2. Jurisdição constitucional: conjunto de medidas jurisdicionais asseguradas pela Constituição Federal para a tutela a pessoas ou grupos em certas situações específicas (tutelas jurisdicionais diferenciadas): ação declaratória de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, ação popular, habeas corpus, mandado de segurança individual ou coletivo, habeas data, mandado de injunção, ação civil pública. Pela destinação desses meios processuais-constitucionais à preservação das pessoas, fala-se em jurisdição constitucional das liberdades (infra, n. 74). A exigência constitucional de motivação das decisões judiciárias, contida em seu art. 93, inc. IX, é reproduzida em mais de um dispositivo do Código de Processo Civil (arts. 131 e 458, inc. 11). O mandado de segurança, assegurado constitucionalmente (Const., art. 54, inc. LXIX), é disciplinado por lei específica (lei n. 1.533, de 31.12.51). Os juizados especiais e o processo especialíssimo que perante eles se celebra estão previstos constitucionalmente (art. 98, inc. I) e são regidos pela Lei dos Juizados Especiais (lei n. 9.099, de 26.9.95); etc. Além disso, garantias constitucionais mais amplas e menos precisas, como a do devido processo legal e a do contraditório (Const., art. 54, ines. LIV e LV), estão presentes em todo o complexo de normas contidas nas leis infraconstitucionais, especialmente no Código de Processo Civil, impondo-se também como guia interpretativo destas. Cumprir os procedimentos adequados, observar racionalmente as exigências formais do processo, assegurar o direito à prova etc., são meios de dar efetividade àqueles ditames constitucionais mediante atuação do que está no Código de Processo Civil e nas demais normas processuais infraconstitucionais; as leis processuais definem os modos pelos quais se realiza o controle jurisdicional inafastável, garantido pela Constituição Federal (art. 54, inc. XXXV). 23. Tratados internacionais A Constituição Federal considera também integrados às garantias que ela própria estabelece os preceitos dessa natureza, estabelecidos em tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil seja parte (art. 5-, § 2-°). Ocupa posição de destaque o Pacto de São José da Costa Rica, que é a Convenção Americana de Direitos Humanos, em vigor desde 1978, incorporada à ordem jurídica brasileira em 1992 (dec. n. 678, de 6.11.92) e portadora de uma série de garantias judiciais (muito importante é a da realização do processo em tempo razoável: art. 84). Vigem também tratados relacionados com o cumprimento de atos de cooperação jurisdicional internacional, seja em relação às cartas rogatórias, seja para o reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras. Todos eles são fontes formais de direito processual civil, na medida das normas que contenham sobre essa matéria. Discute-se se as normas contidas em tratados anteriores à Constituição Federal de 1988 consideram-se integradas ao sistema de garantias individuais contido no art. 54 desta, ou se simplesmente fazem parte do direito nacional, em nível infraconstitucional. Deve prevalecer a primeira dessas propostas, em virtude da redação do § 24 do art. 54 constitucional, bem como em razão do destacado espírito garantístico da Constituição. 24. a lei Leis, com a amplitude que ao vocábulo se empresta nesse contexto são os textos normativos elaborados segundo as competências e o processo legislativo definidos na Constituição e nas leis pertinentes, sempre com a participação do Poder Legislativo. São processuais as leis portadoras de normas gerais e abstratas alusivas ao processo, disciplinando o exercício da jurisdição, da ação e da defesa mediante os atos e formas processuais. Quando aludem ao exercício da jurisdição em matéria não-penal, essas leis são processuais civis (supra, n. 2). Em sentido muito amplo, a categoria lei abrangeria também a própria Constituição Federal, mas aqui esta é tratada separadamente, seja pela sua condição de diploma positivador do poder originário, condicionante de todas as demais fontes de direito, seja pela supremacia que exerce sobre elas. Existem leis processuais federais e leis processuais estaduais, apresentando-se as primeiras nas subespécies de leis complementares ou ordinárias.' As leis complementares são hierarquicamente superiores às ordinárias em relação à matéria que disciplinam, constituindo um patamar intermediário entre a Constituição e elas, as quais portanto nunca podem revogá-las (Coast., art. 69). Mas inexiste relação de hierarquia entre leis federais e leis estaduais: o que se dá, no sistema federativo, é uma distribuição de competências legislativas ditada pela Constituição Federal, de modo que cada ente da Federação (União, Estados) só legisla nas matérias que esta lhe atribui, sendo inconstitucional uma lei - federal ou estadual - que invada a competência normativa de outro. Não se legisla em matéria processual mediante decretos ou regulamentos, os quais são atos do Poder Executivo, não se confundem com as leis e não se lhes equiparam para esse fim. É inerente ao sistema de legalidade coessencial ao Estado-de-direito (Coast., art. 54, me. 11) que exclusivamente a lei possa, salvo nos casos que a própria Constituição Federal indique, dispor sobre atribuição de bens e determinação de condutas das pessoas ou grupos. Seria contrário ao substantive due process of law, nesse contexto democrático, admitir normas sobre processo emitidas pelo Poder Executivo, sem a participação do Legislativo. Por isso, mais de um vez a Constituição Federal refere-se à lei (estadual ou federal) ou emprega o verbo legislar, ao estabelecer as fontes pelas quais é legítimo gerar normas de direito processual (arts. 93, 98, incs. 1-I1, 107, par., 109, § 3-, 110, par., 112, 113, 114, 116, par., 125, § § 1- e 34 etc. ). No passado houve o conhecidíssimo Regulamento 737, que foi um ato do Imperador, elaborado sem a participação do Poder Legislativo. Foi editado no ano de 1850 "com a rubrica de Sua Majestade o Imperador" e, em seus setecentos e quarenta-e-três artigos, regia "a ordem no processo comercial". Em 1890 um decreto do Poder Executivo republicano mandou observar o Regulamento 737 nas causas cíveis em geral (dec. n. 763, de 19.9.90). Compreende-se que se admitissem normas processuais emanadas mediante decretos ou regulamentos, quando a doutrina não reconhecia autonomia à ação e à relação processual, encarando-se o processo como modo de exercício dos direitos (infra, n. 98). Daí a conseqüência de regulamentar o exercício dos direitos via processo, por mero regulamento. NOTA: 3. Também nos Estados há leis complementares, mas não é usual seu emprego em matéria processual (cfr., p.ex., Connt-SP, art. 174, § 92). Não são leis, embora tenham a eficácia destas por disposição constitucional (Coast., arts. 62 e 84, me. XXVI), as medidas provisórias com que nos últimos tempos o Poder Executivo vem chocando a consciência jurídica do país, sempre em beneficio da Fazenda Pública. Elas são ditadas com os falsos fundamentos de urgência e relevância (Coast., art. 62 e 84, me. XXVI), que nesse caso não passam de meros pretextos para o casuísmo. Entram em vigor imediatamente, sem observância do devido processo legal e sem qualquer participação do Poder Legislativo. São a feição moderna dos antigos decretos-leis, de origem fascista, igualmente supressivos do devido processo legal em tema legislativo. A medida provisória n. 1.570, convertida na lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, restringiu a possibilidade de concessão de tutela antecipada em face da Fazenda Pública. A medida provisória n. 1.632-7, de 12 de dezembro de 1997, ampliou de dois para cinco o anos o prazo para a propositura de ação rescisória por pessoas de direito público e institui novo fundamento, sempre em favor da Fazenda Pública, para a ação rescisória contra sentença em processo de desapropriação imobiliária (art. 4s, caput e par.). Depois, suspensa a eficácia dessa medida provisória por decisão do Supremo Tribunal Federal, a de n. 1.774-20, de 14 de dezembro de 1998, concedeu prazo em dobro à Fazenda também para a propositura de ação rescisória (red. art. 188 CPC); também essa medida provisória teve a eficácia suspensa e o Governo Federal acabou por não reeditá-la (o que significa que o art. 188 permanece em sua redação original). As medidas provisórias n. 1.632-10, de 13 de março de 1998, n. 1.774-20, de 14 de dezembro do mesmo ano e n. 1.984-12, de 10 de dezembro de 1999 institucionalizaram, exclusivamente em favor da Fazenda Pública, a concessão de medidas cautelares em ação rescisória; em relação aos litigantes mortais, continua vigente o disposto no art. 489, pelo qual a ação rescisória não impede a execução da sentença. Será puro acaso, ou as medidas provisórias são empregadas como expedientes conscientemente direcionados ao objetivo de alterar o equilíbrio democrático entre a liberdade do cidadão e a autoridade do Estado, criando situações de desigualdade em favor deste (infra, n. 83)? 25. leis federais ordinárias Lei federal ordinária é a lei aprovada pelos órgãos competentes de nível federal (Congresso Nacional) independentemente de quorum especial. Sempre que a Constituição não exija de modo específico que dada matéria seja regida por lei complementar, cabe à lei ordinária essa regência. Por outro lado, reserva-se em princípio à lei federal a disciplina do processo em todo o território nacional (Const., art. 22, inc. 1), ressalvada a competência concorrente entre União e Estados para legislar sobre o processo das pequenas causas (juizados especiais) e sobre procedimentos em matéria processual (art. 24, incs. X-XI) (supra, n. 18). Entre as leis federais ordinárias figura em primeiro lugar, como fonte formal de direito processual civil, o Código de Processo Civil (lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973), com inúmeras alterações sofridas a partir do próprio ano de 1973 quando ainda estava em estado de vacatio (lei n. 5.925, de 1.10.73). O art. is do Código de Processo Civil dispõe que por ele se regerá o exercício da jurisdição em todo o território nacional - o que significa que, ressalvadas as disposições em sentido contrário, contidas em leis processuais extravagantes, também ao processo regido por estas o Código de Processo Civil se aplicará. Das dezenas de leis modificadoras sobrevindas de então até ao presente, as mais significativas são as integrantes da chamada Reforma do Código de Processo Civil, editadas principalmente nos anos de 1994 e 1995. Todas essas leis modificadoras são fontes formais de direito processual civil, embora incorporadas ao Código. Elas são responsáveis pela atual configuração deste, muito diferente daquela com que fora aprovado originariamente. Igualmente significativa como fonte formal de direito processual civil é a lei que, também durante a vacatio do Código de Processo Civil de 1973, adaptou a ele as disposições de natureza processual contidas em diversas outras leis (lei n. 6.014, de 27.12.73). Há também leis ordinárias federais verdadeiramente extravagantes, alheias ao Código e portadoras de normas processuais em certos setores específicos, como a Lei do Mandado de Segurança, Lei da Ação Civil Pública, Lei dos Juizados Especiais, Lei da Ação Popular, Lei da Assistência Judiciária, Lei do Habeas Data (lei n. 9.507, de 12.11.97), Lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade (lei n. 9.868, de 10.22.99) etc. Alguns diplomas contêm numerosas e importantíssimas disposições de caráter processual ao lado da disciplina jurídico-substancial de certas matérias específicas - como a Lei de Falências, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Cambial, a Lei das Duplicatas, a Lei do Cheque, as sucessivas Leis do Inquilinato, a Lei dos Registros Públicos etc. O próprio Código Civil é portador de algumas normas tipicamente processuais, as quais não têm sua natureza alterada pela sede em que se encontram (normas processuais heterotópicas). São tipicamente processuais, p.ex., a que manda processar a demanda de nulidade do casamento por ação ordinária e com a intervenção de um curador que o defenda (art. 222)4; a que manda o autor requerer a separação de corpos como medida antecedente à separação judicial ou divórcio, devendo o juiz concedêla com a possível brevidade (art. 223); a que assegura ao possuidor medidas de urgência em caso de justo receio de ser molestado na posse (art. 501); a que estabelece a competência do juiz do lugar do pagamento, para o depósito com força de pagamento (pagamento por consignação) (art. 976); etc. Isso significa que também os diplomas legislativos situados preponderantemente no campo do direito material podem ser considerados, em alguma medida, fontes formais concretas do direito processual civil.5 NOTA: 4. O curador ao vínculo. 5. Sem falar nos institutos bifrontes, que comportam regência integrada por normas substanciais e normas processuais (supra, n. 6). As normas existentes no Código Civil sobre a prova, a hipoteca ou sobre a legitimidade para propor determinadas demandas integram esse contexto (arts. 249, 346, 365, 809 ss. etc.) e constituem o elemento substancial da regência conjunta desses institutos. Para os que negam a existência do direito processual material ou para os que simplesmente o ignoram, tais institutos devem ser havidos por puramente processuais e não, materiais; conseqüentemente, para quem pensa assim são processuais e heterotópicas as normas que os regem. Além disso, são também fontes formais de direito processual civil, na medida dos dispositivos processuais que contêm, as leis de organização da Justiça Federal, que são leis federais. A mais importante delas é a Lei Orgânica da Justiça Federal (lei n. 5.010, de 30.5.66), seguidamente 29. a jurisprudência - usos-e-costumes judiciários Jurisprudência não é fonte de direito, tanto quanto juiz não é legislador e jurisdição não é atividade criativa de direitos (supra, n. 5). Um dos mais prestigiosos critérios objetivos para a diferenciação entre a atividade jurisdicional e a legislativa consiste propriamente na referibilidade da primeira a casos concretos, sendo a legislação preordenada à criação de normas gerais e abstratas (Mauro Cappelletti). A essência da função jurisdicional reside na solução de conflitos concretos envolvendo indivíduos ou grupos, não no estabelecimento de normas gerais e abstratas a serem atuadas por outrem para a solução de conflitos concretos. A afirmação da jurisprudência como fonte do direito incorre, inicialmente, num desvio de perspectiva e mesmo de conceitos. Ela o seria se fosse portadora de normas gerais e abstratas com eficácia em relação a casos futuros, atribuindo bens ou determinando condutas e sendo vinculante em relação aos sujeitos atingidos e aos juízes que no futuro viessem a julgar a respeito das situações ali previstas. Isso não acontece. A repetição razoavelmente constante de julgados interpretando o direito positivo de determinado modo (jurisprudência) exerce algum grau de influência sobre os futuros julgadores mas não expressa o exercício do poder, com os predicados de generalidade e abstração inerentes à lei. A diferença entre poder e influência, que são temas de ciência política, reside justamente nisso - que enquanto o primeiro se impõe sem possibilidade de recusa, a segunda somente sugere condutas ou, como no caso da jurisprudência, linhas de interpretação jurídica. A influência que os precedentes jurisprudenciais exercem sobre os juízes é somente um fato e não vincula. O máximo a que se poderia chegar é a afirmação da jurisprudência como fonte informativa ou intelectual do direito (Caio Mário): rationis auctoritate e nunca auctoritatis ratione, ela pode influir sobre decisões futuras mas não as vincula. À própria coisa julgada material a lei nega expressamente qualquer efeito vinculante em relação aos fundamentos da sentença, entre os quais se incluem as interpretações jurídicas efetuadas pelo juiz ou pelo tribunal (CPC, art. 469): como todo fundamento de sentença, a interpretação da lei, feita pelo juiz, não vincula qualquer juiz para julgamentos (supra, n. 5). Num sistema de direito escrito como é o nosso, de origem romana, inexiste a força dos precedentes como portadores de preceitos para o futuro. Não há neles autênticas normas gerais e abstratas contendo previsões de fatos ou condutas (fattispecie) e imposição de conseqüências jurídicas a eles (sanctiones juris). Nisso, os ordenamentos jurídicos de marca romano-germânica afastam-se do sistema da common law, em que uma das partes do julgamento (holding) constitui verdadeira regra a prevalecer em julgamentos futuros. A influência exercida pelas linhas da jurisprudência dos tribunais considera-se suscetível de legítimas resistências pelos juizes inferiores, os quais não se reputam vinculados a ela. Caso bastante expressivo é o da Súmula n. 512 do Supremo Tribunal Federal, pela qual não são devidos honorários advocatícios em processos de mandado de segurança - a qual é às vezes contrariada por algum juiz ou tribunal descontente com a regra que ela contém. Outro exemplo é a fortíssima jurisprudência formada em prol da facultatividade dos juizados especiais (rectius: da sua competência concorrente e não exclusiva). Um juiz que condene impetrante ou impetrado a pagar honorários, ou que prive o sujeito de optar pelas vias ordinárias em vez do processo especialíssimo dos juizados, poderá estar decidindo mal ou bem, como poderá estar interpretando corretamente ou de modo errado o sistema jurídico; mas não comete infração alguma a uma suposta norma jurisprudencial nem estará sua decisão sujeita a ação rescisória por esse fundamento (CPC, art. 485, inc. V: rescindibilidade por violação à letra da lei e, não, da jurisprudência). É de duvidar da legitimidade do costume de dispensar a manifestação da parte contrária nos embargos de declaração - na pressuposição, nem sempre verdadeira, de que dito recurso não tenha o poder de conduzir à alteração da essência do julgamento, senão de sua mera expressão. Há casos em que o recebimento desses embargos altera significativamente o julgado, como se dá quando nessa sede o juízo ou tribunal acolhe um fundamento antes omitido (p.ex., uma preliminar desconsiderada). Além disso, não é de todo excluída a chamada eficácia infringente dos embargos declaratórios, nos quais se acentua a possibilidade de reverter o teor do julgamento (p.ex., não-conhecimento de recurso por erro na contagem do prazo). A oferta de oportunidade de responder aos recursos é inerente às garantias constitucionais do contraditório e do due process of law (Const., art. 5s, incs. LIV e LV). As polêmicas súmulas vinculantes, que se cogita de implantar no sistema brasileiro, constituiriam também fontes de direito precisamente porque, segundo a disciplina proposta, elas se imporiam como critérios de julgamento a serem observados pelos juizes. É todavia lícita a formação de certas linhas de condução do processo, caracterizadoras de verdadeiras praxes forenses capazes de produzir efeitos jurídicos - com a ressalva de que jamais poderão suprimir ou alterar faculdades, poderes ou ônus das partes no processo nem, de modo algum, transgredir o que dispõem as fontes formais escritas. Tais são os usos-e-costumes judiciários, integrados à ordem jurídica como técnica de heterointegração da lei (LICC, art. 4Q). Fazem parte desse chamado estilo do foro os termos de juntada, conclusão, data, vista, baixa, carga e outros atos de mera movimentação do processo. Também é do foro o uso consistente em indicar somente o nome do primeiro litisconsorte, seguido das palavras e outros (em vez de nomear todos os litisconsortes); isso se faz geralmente no curso do processo e não na petição inicial. Outro exemplo é o automatismo em atos de rotina (dispensa de despachos em relação a atos meramente ordinatórios, como ajuntada de petições ou documentos e a vista obrigatória às partes), que alguns juízes já vinham praticando em alguma medida, antes mesmo que assim dispusesse a lei (CPC, art. 162, § 4Q, red. lei n. 8.952, de 13.12.94 - uma das leis da Reforma do Código de Processo Civil). 30. conhecimento da lei processual Respeitadas suas dimensões espaciais e temporais, a lei processual impõe-se a todos independentemente do efetivo conhecimento. Como expressão positivada do poder estatal, nenhuma lei pode ter sua eficácia e imperatividade sujeitas aos azares do conhecimento pelos destinatários e incertezas decorrentes de alegações de desconhecimento. Tal é a (mal) chamada presunção de conhecimento da lei, que se resolve numa expressa disposição legal de superdireito contida no art. 34 da Lei de Introdução ao Código Civil. Essa regra sofre as exceções que forem ditadas na própria lei processual - a qual, ocupando o mesmo grau hierárquico das normas da Lei de Introdução, pode legitimamente ditá-las. Caso típico é a exigência de advertir o réu, quando citado, do prazo que tem para oferecer resposta e do efeito da revelia a que estará sujeito se não responder (CPC, art. 285). Não se presume, portanto, o conhecimento do disposto nos arts. 297 e 319 do Código de Processo Civil, sendo ineficaz a citação feita sem essa advertência e não se aplicando, nesse caso, o efeito da revelia. Não-obstante o silêncio da lei (art. 1.102-b), também não flui prazo para o réu oferecer embargos ao mandado, em processo monitório, quando não advertido previamente das conseqüências da omissão. 31. interpretação e integração da lei processual civil Os textos legais, como fontes do direito, são portadores da norma, mas não são a norma. As normas vivem no plano ideal do direito e integram um sistema harmônico do qual a lei constitui apenas uma forma de expressão. À corriqueira assertiva de que a lei não equivale ao direito nem o direito se exaure nela, acrescente-se que tampouco cada lei ou cada disposição legal seja em si mesma uma norma. Como toda lei se destina a atribuir bens e determinar condutas humanas para a prevalência de algum valor eleito pelo ente que a produz, só se pode chegar ao conhecimento da norma que ela contém mediante a consciência do valor que lhe está à base. Não há leis axiologicamente anódinas, ou seja, leis que não se vinculem a algum valor a preservar ou cultuar (teoria tridimensional do direito, Miguel Reale). Daí a necessidade de interpretar a lei, em busca do conhecimento da norma que ela contém. O trabalho do intérprete, portanto, estabelece uma conexão entre o passado e o futuro (Tullio Ascarelli), no sentido de que consiste em buscar nos textos já existentes os preceitos que hão de prevalecer no exame de casos regidos por eles. A regra de ouro em toda interpretação jurídica consiste na atenção ao bem-comum, ou seja, às projeções da lei sobre a vida das pessoas, dos grupos e da própria sociedade, com a responsabilidade de causar-lhes sensações felizes segundo critérios de justiça (os fins sociais da lei, art. 52 LICC). Assim, p.ex., quando a lei processual manda o juiz conceder a antecipação de tutela para evitar males irreparáveis ou de difícil reparação e em face de uma prova inequívoca (CPC, art. 273), essa locução é interpretada como exigência de prova suficiente a revelar razoável probabilidade dos fatos alegados. Não se pensa em exigir prova irrefutável, pois isso conduziria os juizes a negar o beneficio que aquela norma processual pretende propiciar. Variam os métodos de interpretação, que vão desde a mera análise das palavras (exegese) até à interpretação teleológica, na qual se levam em conta os objetivos queridos pelo direito como um todo, passando pelo método sistemático e pelo histórico-axiológico. É comodista e deve ser repudiada a máxima in claris cessat interpretatio, porque o mais claro dos textos legais sempre comporta exame à luz dos valores da sociedade e nem sempre as palavras revelam com segurança uma intenção: "sin interpretación no hai posibilidad de que exista ningún orden jurídico " (Luís Recaséns Siches). Além disso, a interpretação isolada de um texto legal oferece o risco de distorções, porque toda lei é parte de um contexto normativo e seu significado e dimensão consideram-se o resultado da interação entre todos os elementos da ordem jurídica positivada: daí a importância da interpretação sistemática, na qual avulta a relevância dos ditames superiormente ditados na Constituição Federal (a tutela constitucional do processo: infra, nn. 76 ss.). Como nenhuma ordem jurídica vive isolada no mundo, sendo cada vez mais intensas as interligações culturais e econômicas entre os povos, é grande a utilidade do método comparativo, consistente em buscar em outras ordens jurídicas critérios para o bom entendimento da ordem jurídica nacional (supra, n. 14). Assim, p.ex., quando a Constituição Federal assegura o controle jurisdicional de possíveis lesões ou ameaças a direito (art. 54, inc. XXXV), é preciso ter como incluída nesse dispositivo a tutela jurisdicional a direitos e também a meros interesses juridicamente protegidos. A doutrina européia continental costuma excluir tais situações jurídicas da tutela jurisdicional mediante o processo civil, em sistemas onde existe o contencioso administrativo, que no Brasil não existe. A pura e simples leitura daquele dispositivo constitucional brasileiro (interpretação exegética) conduziria a deixar desprovida de qualquer tutela aquela categoria de situações jurídicas (p.ex., o proprietário de um imóvel não teria como impedir que o vizinho construísse em transgressão a normas edilícias municipais, a dano de seu concreto interesse pela observância destas) (infra, n. 79: inafastabilidade do controle jurisdicional). A interpretação sistemática e teleológica tem levado também os tribunais e a doutrina a reduzir a dimensão do disposto no art. 806 do Código de Processo Civil, pelo qual toda medida cautelar preparatória perderia eficácia quando não proposta a demanda principal no prazo de trinta dias contados da efetivação (v. também art. 808, inc. 1): entende-se que essa sanção só se aplica quando a medida cautelar efetivada tiver eficácia constritiva. Não há por que, p.ex., limitar a trinta dias a eficácia de uma interpelação, notificação ou mesmo produção antecipada de prova (medidas cautelares como tais definidas em lei), porque sua permanência não atinge a esfera de direitos de quem quer que seja. Essa diversidade de métodos interpretativos apóia-se em variados critérios, que didaticamente assim se equacionam: a) método exegético, ou gramatical, consistente no exame das palavras e orações contidas no texto; b) método sistemático, consistente na busca do significado do texto no conjunto das disposições correlatas, contidas na ordem jurídico-positiva como um todo; c) método histórico, consistente no confronto do texto com outros que o antecederam na ordem jurídica e com seus precedentes na tramitação do processo legislativo; d) método axiológico, de profundo significado cultural, consistente na identificação dos valores a serem preservados pela norma (os princípios gerais do direito, os fins sociais da lei, o bem-comum: art. 5-°); e) método comparativo, consistente no confronto com ordenamentos jurídicos estrangeiros. Caso típico de interpretação histórica da lei processual: em sua redação original, o art. 38 do Código de Processo Civil estabelecia que a procuração geral para o foro, estando com afirma reconhecida, habilita o advogado a representar o constituinte em todos os atos do processo. Mas a Reforma, ao excluir aquela referência ao reconhecimento de firma, deixou claro que agora ele não é exigível nem constitui elemento essencial da outorga de poderes para realizar atos processuais. Não teria significado algum aquela exclusão de palavras, não fora para excluir a exigência. Exemplo de interpretação sistemática: embora a lei exija que o autor indique como causa de pedir os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido (CPC, art. 282, inc. 1II), sendo a demanda julgada nos estritos ternos em que proposta (art. 128), é pacífico no Brasil que o juiz pode fundamentar a sentença em razões jurídicas diferentes das invocadas pelo autor (desde que rigorosamente adstrito aos fatos alegados). Tal interpretação decorre em primeiro lugar da rigidez do procedimento brasileiro, que não permite audiências sucessivas para a investigação de fatos novos; é também efeito da convivência daqueles dispositivos do Código de Processo Civil com o art. 383 do Código de Processo Penal, que expressamente autoriza o juiz a tomar fundamentos jurídicos diferentes dos que constam da denúncia. juiz brasileiro levará em conta o que acerca do ônus de sua prova dispuser o direito do país de origem (art. 13 LICC). Embora praticamente uniforme a disciplina geral da distribuição do ônus da prova entre os ordenamentos ocidentais (a cada qual compete a prova dos fatos de seu interesse, sendo havidos por inexistentes os fatos não provados: art. 333 CPC), alguns tópicos específicos da legislação brasileira moderna podem gerar dissonância em relação à lei do país de ocorrência - e é nesses casos que o art. 13 da Lei de Introdução ao Código Civil mostrar-se-á praticamente relevante. Por exemplo, quanto aos fatos ocorridos em outro país o juiz brasileiro só poderá dar por boa a inversão convencional do ônus da prova (CPC, art. 333, par.) se também no país de origem ela for admitida; só poderá inverter ele próprio o ônus da prova em matéria de consumo se lá isso for admissível (CDC, art. 64, inc. VIII). Certas prcesumptiones legis relativas, que invertem o ônus da prova (CC, arts. 545, 943, 490, par. etc), não poderão ser impostas pelo juiz brasileiro se não constarem do direito positivo do país de ocorrência do fato. Também a uma interpretação sistemática deve ser submetida a parte final do art. 13 da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo a qual os juízes e tribunais nacionais não admitirão provas que a lei brasileira desconheça. O art. 332 do Código de Processo Civil, que lhe é posterior, dita o caráter meramente exemplificativo da enumeração dos meios de prova existentes no Brasil, donde resulta que se rejeitarão somente as provas obtidas por meios ilegítimos (meios de prova não especificados na lei brasileira prevalecerão, desde que moralmente legítimos e factíveis na prática). Quer se trate de valorar meios de prova produzidos no exterior (cooperação judiciária, rogatórias), quer pretenda a parte produzir aqui algum meio de prova existente no estrangeiro e não tipificado na lei brasileira, será sempre impositiva a regra do art. 332 do Código de Processo Civil: admissão de meios não tipificados na lei brasileira, mas rejeição de provas obtidas por meios que a ordem pública brasileira repute ilegítimos. Quanto ao modo de realização da prova no exterior, prevalece a lei local - porque esse é um tema de puro direito processual formal, não de direto processual material. A ordem procedimental estrangeira prevalece quanto aos atos processuais realizados fora do Brasil (lex fori). A validade desses atos deve ser reconhecida pelo juiz brasileiro, uma vez obedecida a lei do país em que hajam sido realizados e não transgredidos os valores inerentes à ordem pública brasileira. Sempre que se trate de atividades regidas por regras de puro direito processual, a territorialidade impõe-se em sua plenitude. A rígida territorialidade da lei processual não conflita com a possível extraterritorial idade da lei substancial, a qual em alguns casos rege relações vigentes ou constituídas em outros países e, no caso de litígio judicial, pode servir de critério de julgamento (o decisorium litis, do direito comum medieval). A aplicabilidade da lei substancial estrangeira é questão de direito internacional privado, regida pela Lei de Introdução ao Código Civil (arts.' 74 a 11), sendo expressamente admitida pelo Código de Processo Civil (art. 337). 34. dimensão temporal da lei processual civil. vigência e eficácia A lei processual civil passa a existir como tal, tornando-se portanto vigente, no momento que ela própria indicar (p.ex., no dia da publicação ou tantos dias após esta) ou, à falta dessa indicação, quarenta-e-cinco dias após publicada na imprensa oficial (LICC, art. 1Q). Até que chegue o dia assim estabelecido, a lei promulgada e publicada não produz efeito algum, seja quanto a fatos pretéritos, seja em relação aos que nesse período ocorrerem. Ela é, até então, uma lei vacante e não vigente. Finda a eventual vacatio legis (ou não existindo esta: casos de vigência à data da publicação), aplicam-se os preceitos nela contidos (sanctiones juris) aos fatos que sob seu império ocorrerem e que nela estejam previstos de modo geral e abstrato (hipóteses legais; fattispecie). Isso é vigência. Ela permanece vigente até que lhe sobrevenha outra que a revogue por um dos modos hábeis (LICC, art. 24, § 1º). Como toda lei, em principio a processual terá efeito imediato (art. 6º), o que significa que será eficaz a partir de quando vigente. Mesmo já vigente, porém, ela deixa de impor seus preceitos a certas situações já consumadas sob o império da lei anterior e que, por razões políticas inerentes ao devido processo legal substancial, o Estado-de-direito opta por preservar. Restringe-se a eficácia da lei processual, por isso, para deixar intactos o ato jurídico perfeito, os direitos adquiridos e a coisa julgada (Const., art. 54, inc. XXVI; LICC, art. 6º). O direito processual intertemporal tem por objeto, como se vê, a determinação dos momentos de início e fim da vigência da lei processual e também a regência da eficácia da lei velha ou da nova em relação aos processos pendentes e aos já extintos no momento de vigência desta. As normas de direito processual intertemporal têm sua sede na Lei de Introdução ao Código Civil e são normas de superdireito, ou de direito sobre direito (elas são, especificamente, normas de produção jurídica). 35. início e fim da vigência da lei processual civil Na maioria dos casos, o início da vigência das normas de direito processual civil tem sido definido pela própria lei, geralmente mediante o estabelecimento de uma vacatio prudentemente estabelecida para que haja suficiente divulgação da lei nova. É o que sucedeu, p.ex., com o Código de Processo Civil, que foi publicado em janeiro de 1973 (lei n. 5.869, de 11. 1.73) e ficou vacante até 14 de janeiro de 1974 por disposição de seu próprio art. 1.220. As leis integrantes da Reforma do Código de Processo Civil, promulgadas e publicadas principalmente nos anos de 1994 e 1995, trouxeram suas próprias disposições sobre início de vigência - fixando quase sempre o prazo de sessenta dias a partir da publicação. Mas as medidas provisórias que o Poder Executivo federal vem editando casuisticamente em matéria processual entram em vigor no dia da publicação (Const., arts. 62 e 84, inc. XXVI). Como sucede com as leis em geral, o fim da vigência da lei processual civil ocorre com a sua revogação, a qual decorrerá (a) de expressa disposição revocatória contida na lei nova, (b) da vigência de norma incompatível, ou (c) da regência integral da matéria pela lei nova (LICC, art. 2s, § 14). É usual o emprego da fórmula revogam-se as disposições em contrário, que remete o intérprete ao exame da incompatibilidade entre a lei velha e a nova. A revogação por incompatibilidade pode acontecer pela superveniência de lei do mesmo grau hierárquico, portadora de disposição diferente da contida na lei velha, ou pela não-recepção desta em Constituição posterior a ela. O atual Código de Processo Civil declarou revogadas as disposições em contrário (art. 1.220) mas ressalvou a vigência de uma série de capítulos do Código de 1939 (art. 1.218: supra, n. 25). Ressalvou também as normas recursais deste, em sua aplicação a certas leis especiais (art. 1.217). Isso significa que, descontadas as ressalvas, o velho Código ficou revogado. Exemplo de revogação por incompatibilidade: a exigência constitucional de motivação de todas as decisões judiciárias (Const., art. 93, inc. IX) revogou a permissão de decisão em forma concisa, trazida no art. 459 do Código de Processo Civil (revogação por incompatibilidade constitucional). Exemplo de revogação por regência integral da matéria: o capítulo das provas, do Código de Processo Civil de 1939, revogou as normas sobre prova contidas no Código Civil (arts. 131, 135, 136, 137, 138, 142, 143, 144).' Corre-se atualmente o risco de ficar revogada uma parte significativa do capítulo do Código de Processo Civil sobre as provas - o que acontecerá se o projeto de Código Civil vier a ser aprovado com a redação atual (arts. 212-232 NOTA: 7. Não são atingidos os dispositivos do Código Civil referentes à chamada prova ad substantiam, que dizem respeito à forma solene de certos atos jurídico-materiais e nada têm de processuais (infra, n. 781). 36. eficácia da lei processual civil no tempo Quanto à eficácia da lei processual em relação aos processos pendentes, aplica-se a regra tempus regit actum, segundo a qual fatos ocorridos e situações já consumadas no passado não se regem pela lei nova que entra em vigor, mas continuam valorados segundo a lei do seu tempo. As leis dispõem para o futuro e não para o passado. As previsões gerais e abstratas que contêm são realmente pré-visões e constituem tipificações de fatos e condutas possíveis de ocorrer no futuro e a serem regidos pelos preceitos nelas estabelecidos. Tal é, ao mesmo tempo, o fundamento e o significado da regra da aplicação imediata da lei processual, que não importa retroatividade e traz em si a preservação das situações jurídicas consumadas sob o império da lei revogada. Tais situações jurídicas consumadas são referidas na Lei de Introdução ao Código Civil (art. 64) e na Constituição Federal (art. 54, inc. XXXVI). Falam esses textos na preservação da coisa julgada, do ato jurídico perfeito e do direito adquirido, num trinômio de situações que, examinadas em pormenor e sem visão teleológica ou de conjunto, poderiam conduzir a superposições que dificultam o entendimento (de um ato jurídico perfeito muitas vezes emana um direito adquirido e quase sempre a coisa julgada refere-se ao direito preexistente). A síntese racional dessa tríplice garantia constitucional é o culto à segurança das relações jurídicas, a qual em si mesma constitui um bem constitucionalmente assegurado (José Afonso da Silva). Chega-se à visão sistemática de conjunto mediante a consciência de que o que importa é preservar os "efeitos já produzidos pelos fatos que a lei se destina a regular" (fórmula empregada no projeto de Código Civil pendente no Congresso Nacional). Nem à lei de direito privado, nem à de direito público substancial, nem à do processo é lícito transgredir situações já consumadas, a dano do titular. É generalizada na doutrina a exacerbação da regra de aplicação imediata da lei processual, como se no processo inexistissem ou fossem menos dignas de preservação as situações jurídicas consumadas que a Constituição e a lei querem preservar. Essas situações existem e o que há de peculiar em matéria processual consiste exclusivamente na identificação de casos onde elas ocorrem. Superadas as dificuldades para essa identificação, aplicam-se as restrições constitucionais e legais sempre que a lei processual nova encontre diante de si uma dessas situações - ou seja, a coisa julgada, o ato jurídico perfeito ou o direito adquirido. Essas regras de superdireito consistem em repelir a retroatividade da lei, que seria a imposição do seu império a fatos pretéritos ou a situações consumadas antes da vigência; elas chegam a repelir também a sua aplicação imediata, consistente em impô-la a fatos e situações pendentes quando entra em vigor - sempre que essa imposição seja incompatível com a preservação de alguma daquelas situações já consumadas. É clássica a distinção entre retroatividade da lei e sua aplicação imediata (Roubier). Já se sugeriu em doutrina, também, a distinção entre retroatividade legítima e ilegítima. É legítima, p.ex., a retroatividade da nova disposição que dispensou o reconhecimento de firma em procurações ad judicia (CPC, art. 38) ou da que suprimiu a audiência de conciliação e o juízo liminar de admissibilidade na ação de usucapião (novo art. 942, trazido pela Reforma). Essa retroatividade é legítima porque não fere qualquer posição jurídica conquistada por alguma das partes sob o império da lei anterior. 37. regras de direito processual civil intertemporal Na projeção dessas regras gerais de direito intertemporal sobre a vida dos processos, tem-se por certo que: a) a lei processual nova não se aplica aos processos já findos quando ela entrou em vigor, cujos atos se regeram pela lei anterior e cujas decisões têm a eficácia já conseguida antes da passagem da lei velha para a nova - rigorosa aplicação da máxima tempus regit actum; b) a lei processual nova aplica-se inteiramente aos processos instaurados na sua vigência, visto que as previsões contidas na velha já não existem e, obviamente, as conseqüências jurídicas dos atos futuros não são as que ela ditara no passado. Muito delicadas são situações relacionadas com os institutos pertinentes ao direito processual material (supra, n. 6). Se uma lei eliminar a legitimidade para propor determinada demanda ou alterar regras sobre o ônus da prova ou suprimir ou reduzir a possibilidade do emprego de uma fonte de prova (infra, n. 782), ou excluir a responsabilidade de algum bem pelas obrigações do. dono, sua imposição aos casos onde já houvesse um ato jurídico perfeito ou direito adquirido atentaria contra a estabilidade destes. Mas a jurisprudência vem afirmando a aplicação imediata da lei que instituiu o chamado bem de família (lei n. 8.009, de 29.3.90), ficando a casa residencial a salvo da expropriação executiva ainda em relação a obrigações anteriores a sua vigência. As maiores dificuldades, com relação ao direito processual civil temporal, são as que dizem respeito aos processos pendentes no momento de vigência da lei nova. Essas dificuldades ligam-se à natureza dinâmica e evolutiva do procedimento e da relação processual. Embora o processo seja um só e sempre o mesmo do início ao fim, o procedimento em que se exterioriza é composto de inúmeros atos e variadas fases que se sucedem no tempo (infra, nn. 629 e 632). Com a realização de atos e ocorrência de fatos ao longo do procedimento que vai da propositura da demanda inicial até à sentença que põe fim a ele, novas situações jurídicas vão se criando e outras se extingüindo. Essas situações caracterizam-se como direitos processuais adquiridos, tomada essa locução no amplíssimo sentido tradicional de situações jurídicas consumadas. Pensar, p.ex., no réu que não ofereceu resposta no prazo de quinze dias estabelecido pela lei vigente ao tempo (CPC, art. 297) - consumou-se a sua revelia e aplicou-se a regra de presunção de veracidade das alegações de fato contidas na demanda inicial (art. 319). Pensar também A outorga da tutela jurisdicional não depende exclusivamente do implemento dos requisitos puramente processuais ditados pela lei para que o juiz possa pronunciar-se sobre a pretensão que lhe foi apresentada pelo demandante. Se o sujeito formular um pedido em tese admissível na ordem jurídica (p.ex., condenação a pagar indenização); se for necessário o ingresso em juízo sob pena de não obter o que pretende; se ele for a pessoa indicada pela lei para postular em juízo o direito que alega e se sua pretensão for deduzida em face da pessoa qualificada para suportar os efeitos pretendidos; se se valer do tipo adequado de processo, se realizar todos os atos processuais que a lei descreve e exige etc. - enfim, se estiverem reunidos todos os requisitos processuais exigíveis - ele terá o poder de exigir do juiz uma sentença a propósito da sua pretensão. Mas, não-obstante estejam presentes esses e todos os outros requisitos processuais imagináveis, a sentença será desfavorável ao autor sempre que em face dos fatos provados e perante o direito material ele não tiver o direito que alega (p.ex., se foi sua e não do réu a culpa pelo dano lamentado). Nesse caso, não receberá tutela alguma. Em linguagem processual diz-se que não basta ao autor ter o direito de ação e exercê-lo adequadamente. Ter ação assegura-lhe somente a obtenção da sentença, sem que necessariamente esta lhe seja favorável - ação é somente direito ao meio e não aos resultados do processo (Liebman). Para obter sentença favorável é preciso que, além da ação, ele tenha o direito alegado (v.g., que seja realmente credor, como alega) (infra, nn. 539-540). Num processo em que litigam dois sujeitos em posições antagõnicas, só um deles receberá a tutela jurisdicional. Poderá ser o autor, mas também poderá ser o réu, conforme a convicção do juiz e, conseqüentemente, conforme o teor da sentença que pronunciar. A dialética do processo de conhecimento, pondo ordinariamente em choque a tese do autor e a antítese do réu, conduz à síntese representada pela sentença; e o julgamento contido nesta será no sentido ditado pelo contexto dos fatos confirmados ou não pelas provas, pela qualificação desses fatos em determinada categoria jurídico-substancial (v.g., mútuo, depósito, responsabilidade contratual ou extracontratual etc.) e pela correta interpretação dos textos jurídicos. Os dois sujeitos receberão tutela parcial, em caso de procedência parcial da demanda: pedi cem e obtive sessenta, o que significa que fui tutelado nessa medida e o réu o foi em relação aos outros quarenta. Assim conceituada, a tutela jurisdicional não é necessariamente tutela de direitos, mas tutela a pessoas ou a grupos de pessoas. Com muita freqüência ela é legitimamente dispensada a quem não tem direito algum, (a) ou porque o autor não tem o direito que afirmou, sendo improcedente a sua demanda e portanto recebendo o réu a tutela jurisdicional, (b) ou porque ele viera ajuízo precisamente para pedir a declaração de que entre ele e o réu inexiste determinada relação jurídica material (p.ex., ação declaratória negativa de obrigação cambial). A parte vitoriosa receberá uma tutela nesses casos, mas a tutela que receberá não é tutela a direito, simplesmente porque ela consistirá na negativa da existência de direitos entre os litigantes. A declaração judicial de inexistência de direitos ou relações jurídicas entre as partes é dotada da mesma imperatividade de que é portadora a sentença condenatória, a constitutiva ou a declaratória positiva. A tutela jurisdicional ministrada nesses casos consiste em aliviar o vencedor da pretensão do adversário (seja ele o autor ou o réu) e impedir que volte a ser formulada em processos futuros. Proteger a esfera jurídica da pessoa contra as incertezas decorrentes de futuras demandas é também ministrar-lhe tutela jurisdicional, na medida do imenso valor que tem a certeza jurídica na vida das pessoas. No processo executivo, no qual em vez do julgamento de uma pretensão busca-se a satisfação da pretensão do exeqüente (sem qualquer julgamento sobre a existência ou inexistência do direito), só a este pode ser oferecida uma tutela jurisdicional assim estável. Jamais ao executado, dado o desfecho único do processo executivo: se pelos meios adequados ficar reconhecida a inexistência do crédito (ou seja, nos embargos opostos pelo executado), simplesmente nenhuma das partes receberá coisa alguma da parte adversária. Não é como no processo de conhecimento, em que a um dos litigantes será favorável a sentença, sendo desfavorável ao outro - ora favorável ao autor, ora ao réu. Em qualquer espécie de processo pode haver um desfecho em que o juiz, sem afirmar ou negar o direito alegado pelo autor, trunca as suas atividades em virtude de algum acontecimento anômalo ou porque desde o início faltasse algum requisito para que pudesse chegar ao fim (pressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito: infra, nn. 830 ss.). É o caso, v.g., do abandono da causa pelo demandante (CPC, art. 267, inc. 111), ou do demandante que esteja em juízo em defesa de algum direito ou interesse alheio (CPC, art. 64: p.ex., pedido de sentença de divórcio feito por quem não é cônjuge da parte contrária). A extinção do processo em tais circunstâncias é uma tutela outorgada ao demandado, quer no processo de conhecimento ou de execução, mas tutela mais tênue e menos efetiva porque dotada de grau muito menor de imunidade. Expressamente a lei exclui a autoridade da coisa julgada sobre julgamentos assim (CPC, art. 468), o que significa que o réu não fica a salvo de nova demanda a ser proposta pelo adversário com o mesmo objetivo da primeira. Tal não é uma tutela jurisdicional plena, como aquela que definitivamente atribui o bem ao sujeito ou o imuniza a novas iniciativas do adversário. Resumidamente, a tutela jurisdicional é conferida ora ao autor e ora ao réu, não necessariamente àquele; ela é sempre conferida a pessoas e não a direitos, podendo ser dada a um dos litigantes precisamente para negar que existam direitos e obrigações entre ele e o adversário. Essa conceituação de tutela jurisdicional e definição de seus destinatários são de primordial importância na processualística moderna, sobretudo porque trazem em si a afirmação de que o processo civil não é algo que se faça necessariamente em beneficio do autor, mas sempre com vista à pacificação dos litigantes e dando tutela a quem tiver razão. A ciência moderna repudia a falsa idéia de um processo civil do autor. 40. processo civil de resultados Falar da tutela jurisdicional nos termos assim propostos tem ainda o valor de realçar a distinção entre ela própria, que é algo praticamente significativo na vida das pessoas, e a mera garantia da ação: esta é outorgada pela Constituição e pela lei aos titulares de pretensões insatisfeitas, independentemente de terem ou não terem razão - desde que presentes os requisitos para que o juiz possa dispor a respeito. Ter ação é somente ter direito ao provimento jurisdicional, ainda que esse provimento seja desfavorável ao autor, dando tutela jurisdicional ao seu adversário (demandas julgadas improcedentes). Bem vistas as coisas, portanto, o realce dado ao direito de ação pela doutrina tradicional era também reflexo de uma postura introspectiva em que o sistema processual parecia ser um objetivo em si mesmo, sem preocupações com os objetivos a realizar, ou seja, sem se preocupar com os resultados que dele esperam a sociedade, o Estado e os indivíduos. Diferente é o posicionamento moderno, agora girando em torno da idéia do processo civil de resultados. Consiste esse postulado na consciência de que o valor de todo sistema processual reside na capacidade, que tenha, de propiciar ao sujeito que tiver razão uma situação melhor do que aquela em que se encontrava antes do processo. Não basta o belo enunciado de uma sentença bem estruturada e portadora de afirmações inteiramente favoráveis ao sujeito, quando o que ela dispõe não se projetar utilmente na vida deste, eliminando a insatisfação que o levou a litigar e propiciando-lhe sensações felizes pela obtenção da coisa ou da situação postulada. Na medida do que for praticamente possível, o processo deve propiciar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de receber (Chiovenda), sob pena de carecer de utilidade e, portanto, de legitimidade social. O processo vale pelos resultados que produz na vida das pessoas ou grupos, em relação a outras ou aos bens da vida - e a exagerada valorização da ação não é capaz de explicar essa vocação institucional do sistema processual, nem de conduzir à efetividade das vantagens que dele se esperam. Daí a moderna preferência pelas considerações em torno da tutela jurisdicional, que é representativa das projeções metaprocessuais das atividades que no processo se realizam e, portanto, indica em que medida o processo será útil a quem tiver razão. Ao municiar o juiz de uma soma de poderes severíssimos, destinados a remover a inadimplência do sujeito condenado por obrigação de fazer ou de não-fazer (art. 461), a Reforma do Código de Processo Civil postou-se nessa linha metodológica do processo civil de resultados, sabido que essas são as obrigações mais propícias ao inadimplemento. Pelos meios tradicionais de execução específica são muito mais angustiosas as dificuldades e delongas enfrentadas pelo credor, sempre que o obrigado se obstine em não cumprir o comando emergente da sentença que o haja condenado a um fazer ou a um não-fazer. 41. sistema de promessas e limitações Conscientes da necessidade da tutela jurisdicional institucionalizada como fator de paz na sociedade, os povos obtêm do Estado solenes promessas de dispensá-la e pautar o exercício da jurisdição por certas linhas capazes de assegurar a boa qualidade dos resultados. Como em outros países, no Brasil figura em sede constitucional essa fundamental promessa, aqui formalizada na proibição de excluir da apreciação judiciária as queixas por lesão ou ameaça a direitos (art. 5-, inc. XXXV). Tal é a fórmula tradicionalmente apresentada como garantia constitucional da ação e, em tempos mais recentes, como garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional. Essa promessa assim ampla é complementada por outras, cada uma delas de menor espectro que a primeira mas todas dotadas de profundo significado social e político, pelas quais o Estadode-direito oferece meios específicos para o controle jurisdiçãonal de seus próprios atos - como o mandado de segurança individual e o coletivo, o mandado de injunção, o habeas-data, a ação popular, a ação direta de inconstitucionalidade (Const., art. 54, incs. LX1X a LXX111; art. 102, inc. 1, letra a) e outras ainda, para a ampliação da tutela jurisdicional referente a litígios que só nas duas últimas décadas passaram a ser admitidos na Justiça (ações civis públicas, pequenas causas: art. 129, inc.11 e art. 98, inc. 1). Tais são as promessas complementares que a Constituição faz, sempre com vista a vincular o Estado-de-direito à efetivação da tutela jurisdicional. Para satisfatório cumprimento dessas promessas, também na Constituição reside uma série de garantias, que ingressam no sistema como promessas instrumentais. Trata-se das garantias do contraditório, da ampla defesa, motivação das decisões judiciárias, juiz natural etc. - todas destinadas a dar efetividade à promessa-síntese, que é a de acesso à justiça (art. 54, inc. XXXV) e àquelas outras que lhe estão ao redor (promessas complementares). Toda a tutela constitucional do processo converge ao aprimoramento do sistema processual como meio capaz de oferecer decisões justas e efetivas a quem tenha necessidade delas. Falase em devido processo legal (due process of law) para designar o conjunto de garantias destinadas a produzir um processo équo, cujo resultado prático realize a justiça. Por outro lado, a ordem jurídica trata de delinear e delimitar racionalmente os poderes do juiz, inerentes à jurisdição, para que o exercício desta se dê sempre por meios socialmente convenientes e juridicamente idôneos, sem perder de vista a mais profunda razão de ser de todo o sistema, que é a existência de conflitos a dirimir. Trata-se de limitações legitimamente ditadas no próprio plano constitucional e também na lei, todas visando à adequação do sistema do processo à realidade de sua própria técnica e do contexto social e político no qual ele se destina a operar. A mais ampla de todas essas limitações consiste no veto sistemático ao exercício espontâneo da jurisdição, caracterizado pela máxima nemo judex sine actore (CPC, arts. 2- e 262), pelo qual a formação do processo civil depende sempre da iniciativa de parte (infra, n. 398); projeção dessa regra é a necessária correlação entre a sentença e a demanda, que se resolve na proibição de conceder ao autor algo a mais ou diferente do que foi pedido (julgamentos extra vel ultra petita), ou mesmo de lhe dar uma tutela jurisdiçional com base em fatos que não alegou (CPC, arts. 128 e 460) (supra, nn. 940 ss.). Também as próprias garantias constitucionais acima indicadas como promessas periféricas à promessa central comportam exame pelo seu próprio lado negativo, constituindo limitações ao exercício da jurisdição. Por exemplo, em clima de Estadode-direito impõe-se ao juiz a observância da liberdade de conduta dos litigantes no processo e da efetiva disponibilidade dos meios processuais instituídos no sistema, tudo em aplicação da garantia constitucional do due process of law. A observância das normas sobre procedimento é penhor de idoneidade no exercício da jurisdição e ao juiz não é lícito omitir atos essenciais ou praticá-los por forma diferente da ditada na lei, a dano dos litigantes; as regras de competência também limitam o exercício da jurisdição, porque o ato realizado por juiz diferente daquele indicado pela Constituição ou pela lei, com ultraje a uma das garantias do juiz natural (infra, n. 81), é ilegítimo e por isso fadado a possível nulidade; etc. Nos casos em que falte competência internacional à Justiça do país tem-se uma limitação ainda mais severa à promessa de ministrar tutela jurisdicional, porque ali falta ao Estado a própria jurisdição e nenhum de seus juízes processará ou julgará a causa. (infra, nn. 133 ss.). Outras limitações legítimas e muito significativas são aquelas que impedem a emissão de medidas jurisdicionais quando pedidas por quem não seja titular dos interesses em conflito (parte ilegítima) (art. 6- CPC: p.ex., cobrar crédito alheio), ou sem necessidade da tutela jurisdicional (p.ex., vir a juízo por mero capricho, quando o devedor está disposto a pagar: CPC, art. 34), ou por via processual inadequada (p.ex., propor execução civil sem ter título executivo), ou ainda sem que a providência pedida seja em tese admissível na ordem jurídica do país (p.ex., cobrar A Reforma do Código de Processo Civil, processada especialmente mediante leis aprovadas nos anos de 1994 e 1995, foi uma resposta a muitos dos reclamos da doutrina e da população por um sistema processual mais eficiente e capaz de atender ao trinômio qualidade-tempestividade- efetividade. Visando à melhoria da qualidade da tutela jurisdicional, trouxe uma inovação importantíssima na preparação do juiz para o julgamento da causa, que é a audiência preliminar instituída pelo novo art. 331 do Código de Processo Civil: é nesse momento que, se não obtiver a conciliação dos litigantes, o juiz se capacita dos pontos e questões relevantes, definindo então o objeto da prova a ser realizada e meios probatórios a produzir. Para a tempestividade da tutela jurisdicional, não só ditou muitas novidades simplificadoras dos atos processuais como ainda instituiu e disciplinou a chamada tutela jurisdicional antecipada (art. 273), além de implantar no sistema processual brasileiro uma tutela diferenciada e célere, representada pelo processo monitório (arts. 1102-a, 1102-b, 1102-c). Para a efetividade da tutela, particularmente no campo angustioso das obrigações de fazer ou de não-fazer, municiou o juiz com poderes eficientíssimos a serem exercidos ainda no processo de conhecimento e com dispensa da formal instauração de uma execução forçada (art. 461). 44. os conflitos (crises jurídicas: infra, n. 58) Todo o discurso sobre o acesso à justiça, seja mediante a tutela jurisdicional de que se encarrega o Estado ou por obra dos meios alternativos (arbitragem, mediação, conciliação), insere-se na temática dos conflitos e da busca de soluções. O processo civil, como técnica pacificadora, deita raízes na existência de conflitos a dirimir (ou crises jurídicas) e é daí que recebe legitimidade social e política como instituição destinada a preservar valores vivos da nação. Nem teria qualquer significado prático toda a preocupação pelo processo, seus institutos, sua ciência, seu método, se não houvesse aquilo que lhes dá razão de ser e exige sua presença na sociedade, ou seja, os conflitos entre pessoas ou grupos. O conceito de conflito não é muito claro em doutrina. A mais abalizada tentativa de defini-lo foi a que o envolveu na idéia de lide, apontada como conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida (Carnelutti). O conflito, elemento substancial da lide, seria representado pela incidência de interesses de dois ou mais sujeitos sobre o mesmo bem, sendo este insuficiente para satisfazer a ambos, ou a todos esses interesses. A exteriorização do conflito, ou seu elemento formal, seria a tensão entre a exigência externada por um sujeito (pretensão) e a resistência oposta pelo outro. Essa construção, além de exageradamente ligada a relações de direito privado, dá destaque a algo que socialmente é quase indiferente, ou seja, ao conflito conforme definido pelo seu autor. Na vida social o que incomoda e aflige não é a teórica incidência de interesses sobre o bem, mas justamente as exigências não satisfeitas. Aí estão os conflitos que o processo visa a dirimir. Interesse, nessa linguagem e nesse sistema, é uma relação de complementariedade entre a pessoa e o bem - aquela dependendo deste para satisfazer necessidades, este sendo potencialmente hábil a satisfazer necessidades das pessoas. Interesse, nesse sentido objetivo, não é idéia que guarde necessária relação com as aspirações dos sujeitos, ou seja, com a postura mental destes em relação ao bem. Conflito, assim entendido, é a situação existente entre duas ou mais pessoas ou grupos, caracterizada pela pretensão a um bem ou situação da vida e impossibilidade de obtê-lo - seja porque negada por quem poderia dá-lo, seja porque a lei impõe que só possa ser obtido por via judicial (supra, n. 1). Essa situação chama-se conflito, porque significa sempre o choque entre dois ou mais sujeitos, como causa da necessidade do uso do processo. A jurisdição só tem caráter secundário em relação a pretensões que poderiam ser satisfeitas pelo outro sujeito: quanto a elas, o primeiro instrumento preordenado à satisfação das pretensões é o próprio sistema de deveres e obrigações, que deve motivar o obrigado, levando-o a satisfazer. Não satisfazendo, eis o conflito. No tocante às pretensões que só por via processual podem ser atendidas, a jurisdição tem caráter primário e não secundário (infra, n. 120). Em ambas as hipóteses, há sempre algum conflito como causa determinante da necessidade da jurisdição. 45. meios alternativos de acesso à justiça (justiça parajurisdicional) A sólida herança cultural transmitida pela obra dos cientistas do direito, mais a prática diuturna dos problemas da Justiça institucionalizada e exercida pelo Estado com exclusividade mediante julgamentos e constrições sobre pessoas e bens, são responsáveis pelo grande zelo votado à jurisdição como objeto de hermético monopólio estatal. Mas a exagerada valorização da tutela jurisdicional estatal, a ponto de afastar ou menosprezar o valor de outros meios de pacificar, constitui um desvio de perspectiva a ser evitado. A absorção estatal do poder de solucionar conflitos interindividuais deu-se mediante a instauração das cognitiones extra ordinem, que ingressaram no sistema processual romano por volta do séc. III DC. Passou-se do sistema conhecido por ordo judiciorum privatorum, em que o julgamento era feito pelo judex, cidadão privado e verdadeiro árbitro, para um sistema em que o próprio proctor passou a instruir o processo e julgar a causa. Esse movimento, que correspondia à afirmação do poder estatal antes insuficiente para impor-se aos particulares com a marca da inevitabilidade (o processo era um contrato entre as partes), foi o grande responsável pelo mito da exclusividade do Estado e da sua jurisdição como meio de solução de conflitos. Na realidade, a tutela jurisdicional tradicional não é o único meio de conduzir as pessoas à ordem jurídica justa, eliminando conflitos e satisfazendo pretensões justas. Como função estatal, a jurisdição tem conotações próprias, de imperatividade e inevitabilidade, ausentes nos outros meios de solução dos conflitos - sendo legítimo aos agentes do poder estatal até mesmo o uso racional e equilibrado da força física para vencer resistências (CPC, art. 461, § 52). Por isso e graças à soberania de que seu poder é dotado, reserva-se o Estado a capacidade de ditar a última palavra sobre todo conflito, não reconhecendo final enforcingpower aos pronunciamentos de outros entes ou indivíduos e dando por ilegítimos os pactos ou imposições que visem a excluir o exame judicial (p.ex., a atitude corporativista de entidades desportivas que proíbem é punem as tentativas de solução jurisdicional de conflitos envolvendo atletas ou associações). Só nesse sentido, porém, é que se pode falar em monopólio ou exclusividade estatal quanto aos meios de solução de conflitos interindividuais ou transidindividuais. Melhor seria se não fosse necessária tutela alguma às pessoas, se todos cumprissem suas obrigações e ninguém causasse danos nem se aventurasse em pretensões contrárias ao direito. Como esse ideal é utópico, faz-se necessário pacificar as pessoas de alguma forma eficiente, eliminando os conflitos que as envolvem e fazendo justiça. O processo estatal é um caminho possível, mas outros existem que, se bem ativados, podem ser de muita utilidade. Sem razão, alegou-se a inconstitucionalidade da arbitragem, pelo fundamento de que suprimiria o controle jurisdicional (infra, n. 46). Ora, sempre que aspire a um bem, não o obtendo porque não lho dá quem podia dá-lo ou porque a lei exige que ele só seja obtido pelos caminhos da Justiça, cabe ao sujeito resignar-se e com isso sacrificar seu próprio interesse; ou tentar, de algum modo, impor seu interesse ao outro sujeito (Carnelutti). A resignação pode dar-se antes de exteriorizada a pretensão, não surgindo então conflito algum; ou depois de surgido o conflito, que por esse meio se extingue. A renúncia ao bem é uma forma de autocomposição. Variam os modos pelos quais o sujeito vai em busca do bem pretendido. Uma ordem de soluções apontadas como socialmente convenientes, além de juridicamente legítimas, é aquela integrada por atividades reunidas nos conceitos de autocomposição e no de heterocomposição (Niceto Acalá-Zamora y Castillo). Com uma série de ressalvas limitativas, emergentes da lei e da ordem pública, esses meios de solução de conflitos podem ser legitimamente ativados sem que qualquer processo haja sido instaurado, evitando-o, ou na pendência de um processo em curso, pondo-lhe fim. Os modos de autocomposição ou de heterocomposição comportam, pois, as modalidades extraprocessual e endoprocessual. Existe autocomposição quando os próprios sujeitos envolvidos no conflito, ou um deles unilateralmente, encontra caminho apto à pacificação. A autocomposição unilateral dá-se nas modalidades de renúncia ou submissão: a) unilateralmente, quem vinha externando alguma exigência (pretensão) renuncia a ela e com isso cessa o fator de intranqüilidade que envolvia ele próprio e o adversário. A renúncia ao direito, que é uma atitude de resignação, não só determina a extinção do processo como ainda a do próprio direito supostamente existente (CPC, art. 269, inc. V, e art. 794, inc. 1II); b) unilateralmente ainda, aquele que vinha resistindo à exigência do adversário decide submeter- se a ela. A submissão, no processo de conhecimento, aparece com o título de reconhecimento do pedido, o qual, quando homologado pelo juiz, determina a extinção do processo sem necessidade de ser julgada a causa pelo juiz (CPC, art. 269, inc. II); no processo de execução o demandado submete-se satisfazendo a pretensão do adversário (art. 794, inc. I). Não o diz a lei, mas se no curso do processo de conhecimento o réu satisfizer a pretensão do autor, isso é mais que mero reconhecimento do pedido e sem dúvida integra-se no conceito amplo de submissão, dando causa à extinção do processo. Essas são as autocomposições unilaterais legítimas, porque altruístas e resolvem-se em atos de disposição de direitos ou interesses. A autotutela, como espécie egoísta de autocomposição unilateral, é anti-social e incivilizada, razão por que em princípio a lei a proscreve e sanciona (CP, art. 345, crime de exercício arbitrário das próprias razões). Ao próprio Estado é vedada a autotutela em muitas situações (p.ex., efetuar descontos nos vencimentos de seus funcionários sob a alegação de danos causados ao patrimônio público), sem embargo da chamada autoexecutoriedade dos atos administrativos. Existem casos verdadeiramente extraordinários, em que a lei autoriza a autotutela - como o exercício do direito de retenção (CC, arts. 516, 772 etc.), o desforço imediato a uma moléstia possessória (CC, art. 502) e, em geral, os atos de preservação de direitos. A autocomposição bilateral transparece na transação, que se resolve em mútuas concessões (CC, art. 1.025) e, portanto, participa ao mesmo tempo da natureza da renúncia e da submissão, cada um dos sujeitos acedendo na parcial disposição de seus próprios interesses. É natural que todo ato de disposição só seja permitido em lei quando se referir a direitos e interesses que se confinem no patrimônio de seu próprio titular, sem projeções significativas sobre outras pessoas ou agrupamentos. Não se permite a disposição de direitos e interesses de pessoas incapazes ou que atinja o interesse público: p.ex., a integral e incondicionada renúncia a pretensão formulada em ação civil pública, relativa ao meio-ambiente etc. Tal é o significado da locução direitos disponíveis e tal a mens do art. 1.035 do Código Civil, permissivo da transação somente "quanto a direitos patrimoniais de caráter privado ". Esse dispositivo não tem contudo toda a extensão que parece, porque em certa medida e atendidas certas exigências substanciais e formais, também aos entes públicos é permitido transigir; de outro lado, a própria lei admite certas formas de transação em matéria não-patrimonial, como o acordo para a separação consensual ou para a conversão da litigiosa em consensual (CPC, art. 447, par.; art. 1.123). Em todas as suas modalidades, pode a autocomposição ser espontânea ou induzida. Autocomposição induzida é aquela a que se chega mediante a intercessão de uma terceira pessoa, dita conciliador ou mediador. Como meio alternativo de heterocomposição avulta o juízo arbitral, ou arbitragem, que consiste no julgamento do litígio por pessoa escolhida consensualmente pelas partes (o árbitro), mediante trâmites bastante simplificados e menor apego a parâmetros legais rígidos (o possível julgamento por eqüidade: lei n. 9.307, de 23.9.96, art. 22); exclui-se esse meio alternativo quanto a direitos não-disponíveis (art. 12 c/c art. 25), justamente porque o juízo arbitral resulta de uma convenção entre as partes (convenção de arbitragem, art. 32) e o julgamento não é feito por juiz, agente estatal, mas por árbitro, cidadão privado. O vocábulo composição, que aparece nos compostos autocomposição e heterocomposição, recebeu de conceituadíssima doutrina o significado de regramento, ou estabelecimento da norma que disciplina o conflito de interesses. Compor a lide significaria criar a norma que a resolve (Francesco Carnelutti). Mas o juiz não compõe a lide nesse sentido, ou seja, ele não cria a norma do litígio: reconhece sua existência e revela os direitos e obrigações eventualmente emergentes dela no caso concreto (supra: n. 5: os dois planos do ordenamento jurídico). A composição que ele realiza (heterocomposição) ou a que realizam os próprios litigantes (autocomposição), não consiste em estabelecer normas mas em produzir resultados práticos socialmente úteis, representados pela concreta atribuição de bens ou definição de condutas permitidas ou vedadas - ou seja, a eliminação do conflito e pacificação dos litigantes. Também as pessoas em conflito não criam normas para dirimir o conflito em que se encontram: simplesmente dirimem o conflito, põem-lhe fim, sem qualquer preocupação com norma alguma. 46. equivalência funcional - o valor social da conciliação, da mediação e da arbitragem A crescente valorização e emprego dos meios não-judiciais de pacificação e condução à ordem jurídica justa, ditos meios alternativos, reforça a idéia da equivalência entre eles e a atividade estatal chamada jurisdição. Do ponto-de-vista puramente jurídico as diferenças são notáveis e eliminariam a idéia de que se equivalham, porque somente a jurisdição tem entre seus objetivos o de dar efetividade ao ordenamento jurídico substancial, o que obviamente está fora de cogitação nos chamados meios alternativos. Mas o que há de substancialmente relevante no exercício da jurisdição, pelo aspecto 48. o fundamental escopo social. Pacificação Como o Estado tem funções essenciais perante sua população, constituindo síntese de seus objetivos o bem-comum, e como a paz social é inerente ao bem-estar a que este deve necessariamente conduzir (tais são as premissas do welfare State), é hoje reconhecida a existência de uma íntima ligação entre o sistema do processo e o modo de vida da sociedade. Constituem inevitáveis realidades as insatisfações que afligem as pessoas, as quais são estados psíquicos capazes de comprometer sua felicidade pessoal e trazem em si uma perigosa tendência expansiva (conflitos que progridem, multiplicam-se, degeneram em violência etc.). Ignorar as insatisfações pessoais importaria criar clima para possíveis explosões generalizadas de violência e de contaminação do grupo, cuja unidade acabaria por ficar comprometida. Como vem sendo dito, a litigiosidade contida é perigoso fator de infelicidade pessoal e desagregação social (Kazuo Watanabe) e por isso constitui missão e dever do Estado a eliminação desses estados de insatisfação. É manifestamente impossível satisfazer a todos - e a própria estrutura dialética dos conflitos mostra que a plena satisfação de um dos sujeitos implica contrariedade ao outro. Mas a experiência mostra também que, apesar de contrariado, o litigante vencido tende a aceitar a solução de seus conflitos com sofrimento menor que o decorrente das instabilidades inerentes à indefinição. De todo modo, das angústias de dois resta somente a possível decepção de um, satisfeito o seu adversário. Nesse quadro é que avulta a grande valia social do processo como elemento de pacificação. O escopo de pacificar pessoas mediante a eliminação de conflitos com justiça é, em última análise, a razão mais profunda pela qual o processo existe e se legitima na sociedade. Tal é o ponto de apoio e elemento de legitimação dos meios alternativos de solução de conflitos. Partes que transigem ou conciliador que encaminha litigantes a uma solução não têm solenes compromissos com a lei nem lhes toca dar-lhe efetividade ou promover-lhe a atuação (escopo jurídico da jurisdição). Mas a pacificação é o indisfarçável resultado dessas iniciativas, quando frutíferas - e tal é o ponto comum entre a jurisdição e os meios alternativos. A consciência do escopo social de pacificação mediante a eliminação de conflitos e insatisfações é um dos fatores que levam o Estado-de-direito a proibir o exercício espontâneo da jurisdição. A tutela jurisdicional que o juiz se disporia a dar sem a iniciativa de parte poderia ser desprovida de utilidade, na medida de sua incidência sobre situações que não estivessem sendo motivo de angústias e tristezas ao possível titular de direitos. Ou poderia até fomentar conflitos que, apesar de algum direito violado ou obrigação descumprida, ainda estivessem latentes e portanto não constituiriam um inconveniente social. A mais clara manifestação da existência de insatisfações socialmente inconvenientes é o comparecimento a juízo para propor uma demanda com o pedido de remoção do incômodo que elas significam para o sujeito (infra, n. 398). 49. outro escopo social. Educação Sempre no plano das relações sociais, o exercício continuado e correto da jurisdição constitui elemento de valia, no sentido de educar as pessoas para o respeito a direitos alheios e para o exercício dos seus. As demoras da justiça tradicional, seu custo, formalismo, a insensibilidade de alguns aos verdadeiros valores e ao compromisso com a justiça, a mística que leva os menos preparados e leigos em geral ao irracional temor reverencial perante as instituições judiciárias e os órgãos da Justiça - eis alguns dos fatores que ordinariamente inibem as pessoas de defender convenientemente seus direitos e interesses em juízo e conseqüentemente acabam por privá-las da tutela jurisdicional. Onde a Justiça funciona mal, transgressores não a temem e lesados pouco esperam dela. Esses maus vezos, de fundo cultural ou psicossocial, comportam combate pela via da educação, que pode vir da instrução escolar básica, de campanhas publicitárias de variada ordem e, como dito, do exemplo ofertado pelos bons resultados do processo. Embora não privativa das camadas sociais mais carentes e menos informadas, é a elas que mais prejudicam a atitude de descrença e o temor reverencial. A implantação dos juizados especiais e a divulgação de seus bons resultados constituem força positiva, no sentido de educar para a litigiosidade racional civilizada. Também a farta publicidade jornalística de acontecimentos judiciários ligados à política nacional e aos desmandos administrativos e financeiros do próprio Governo ajuda a crer na Justiça como última esperança e leva as pessoas a invocar de modo mais efetivo e freqüente a tutela que ela é apta a oferecer. Também o Poder Judiciário tem suas mazelas, que vêm sendo amplamente divulgadas em tempos recentes, mas a campanha de desmoralização dos juizes e tribunais, ferozmente lançada por conhecido político brasileiro, é um desserviço institucional. Tal é o segundo importante escopo social do processo: educar para a defesa de direitos próprios e respeito aos alheios. 50. escopos políticos Importa ainda, através do processo, concorrer para a estabilidade das instituições políticas e para a participação dos cidadãos na vida e nos destinos do Estado. Por esse aspecto, a própria atuação continuada dos preceitos residentes na ordem jurídica estatal constitui elemento político de grande valia. Quando se dizia, sem ressalvas, que o escopo do processo é a atuação da vontade concreta da lei, punha-se atenção nos resultados que o processo é apto a produzir em casos concretos, fazendo com que, caso por caso, a vontade da lei fosse realizada (Chiovenda). Mas, pensando-se agora no resultado das atividades somadas do Poder Judiciário, tem-se em mira a estabilidade do próprio ordenamento jurídico, que constitui projeção positivada do poder estatal. Generalizar o respeito à lei é propiciar a autoridade do próprio Estado, na mesma medida em que este se enfraquece quando se generalize a transgressão aos preceitos que estabeleceu ao legislar de modo genérico e abstrato. Eis um importantíssimo aspecto positivo do exercício da jurisdição, erigindo-se a estabilidade das instituições estatais em relevante escopo político do processo. Por outro lado, sendo a participação política um dos esteios do Estado democrático, as nações modernas têm consciência da importância de realçar os valores da cidadania - premissa essa que repercute no sistema processual mediante a implantação e estímulo a certos remédios destinados à participação política. A ação popular, como remédio processual-constitucional destinado ao zelo pelo patrimônio dos entes públicos e pela moralidade administrativa, mais a ação direta de inconstitucionalidade com que entidades representativas são admitidas ao controle da fidelidade da lei e atos normativos aos ditames da Constituição, constituem vias de legítima participação política integrantes do sistema processual (Const., art. 5-, inc. LVIII; art. 102, inc., letra a, c/c art. 103). Ganha também realce nos tempos presentes o valor do processo como meio de culto à liberdade mediante defesa dos indivíduos e das entidades em que se agrupam, contra os desmandos do Estado. Estamos no campo das chamadas liberdades públicas e notadamente das garantias de preservação do princípio liberal nas relações entre o indivíduo e o ente político. O Esta do democrático define-as e faz a solene promessa de observálas e limitar o exercício do poder, de modo a não invadir a esfera de liberdade reservada aos indivíduos, com dano à vida em grupo ou ao desenvolvimento dos objetivos comuns; mas a realidade mostra episódios de transgressão a esses propósitos do Estado-de-direito, que de tempos em tempos avulta de modo insuportável. Entre os modos disponíveis para a enérgica e equilibrada reação a esses abusos do poder pelo Estado situa-se a busca da tutela jurisdicional adequada (habeas corpus, mandado de segurança individual ou coletivo, mandado de injunção, habeas data etc.). NOTA: 1. Embora as liberdades públicas não se restrinjam a esse âmbito nem se limitem às relações dessa natureza. Daí por que se justifica a inclusão, entre os objetivos que norteiam o sistema processual, desses escopos políticos assim descritos e que são aptos a servir de parâmetro para aferir sua eficiência, a saber: a) a estabilidade das instituições políticas, (b) o exercício da cidadania como tal e (c) a preservação do valor liberdade. 51. o escopo jurídico do processo civil - as teorias unitária e dualista do ordenamento jurídico (supra, n. 5) O repúdio à confinação teleológica do sistema processual, formulada nos moldes tradicionais que lhe reconheciam somente algum objetivo perante a ordem jurídica, não significa que o processo não tenha responsabilidades nesse setor. Simplesmente afasta-se a exclusividade da sua visão jurídica, no reconhecimento de importantes escopos sociais e políticos do sistema. Ele é uma instituição jurídica e seria insensato excluir o seu exame no plano do direito e das demais instituições jurídicas da nação. Em um século de construção científica do processo civil andou a doutrina de tentativa em tentativa, na busca do verdadeiro objetivo da ordem processual (Zanzucchi), mas durante muito tempo sem se aperceber de que é absolutamente indispensável ampliar as investigações para fora do campo do direito. As especulações foram infecundas e insatisfatórias enquanto se limitaram a conduzir os estudiosos a conclusões falsas ou ao menos pobres, como ao indicar que o escopo do processo civil seria (a) a tutela de direitos, (b) a produção de decisões, (c) a coisa julgada etc. Desse período são as duas notáveis colocações que, mais do que proporem a definição do escopo do processo, foram além e se digladiaram na tentativa de estabelecer uma importantíssima base metodológica do sistema. Trata-se das teorias segundo as quais o escopo do processo seria ajusta composição da lide ou a atuação da vontade concreta do direito (supra, n. 47). A primeira delas identifica-se como teoria unitária do ordenamento jurídico (Carnelutti) e a segunda, dualista (Chiovenda, Liebman). O ordenamento jurídico seria unitário se processo e direito material se fundissem numa unidade só e a produção de direitos subjetivos, obrigações e concretas relações jurídicas entre sujeitos fosse obra da sentença e não da mera ocorrência de fatos previstos em normas gerais. A corrente dualista afirma que no universo do direito de origem romano-germânica (civil law) a ordem jurídica divide-se em dois planos muito bem definidos, o substancial e o processual, cada qual com funções distintas. O direito material é composto por normas gerais e abstratas, cada uma delas consistente numa tipificação de fatos (fattispecie: p. ex., causar dano a outrem) e fixação da conseqüência jurídica desses fatos (v.g., a obrigação de indenizar) (supra, n. 17): sempre que ocorre na vida concreta algum fato que se enquadre no modelo definido naquela previsão legal, automaticamente se desencadeia a sanctio juris estabelecida no segundo momento da norma abstrata. Direitos subjetivos, obrigações e relações jurídicas constituem criação imediata da concreta ocorrência dos fatos previstos nas normas: a sentença não os cria nem concorre para a sua criação. Para a consciente percepção da ordem processual e do sistema jurídico como um todo é absolutamente imprescindível tomar posição quanto a essas duas teses antagônicas, que definem de modos diferentes o ponto de inserção do processo no sistema do direito objetivo. Sem radicalismos e com a consciência de que soluções como essas jamais poderiam ser ditadas sub specie teternitatis, diante do direito vigente mostra-se frágil e inaceitável a teoria unitária. Seus sustentadores jamais conseguiram demonstrar o acerto da premissa fundamental da tese proposta, que seria a suposta inaptidão do sistema jurídico-substancial a gerar concretos direitos, obrigações e relações jurídicas. A realidade da vida mostra que direitos e obrigações nascem, desenvolvem-se, modificam-se e extinguem-se, na grande maioria, sem qualquer interferência judicial e sem a intercessão de qualquer outro meio de pacificação ou composição. Cumprir obrigações e respeitar direitos constituem, afinal, o que se chama vida fisiológica dos direitos. As transgressões são a patologia. A vida dos direitos é firmemente calcada na premissa da preexistência das situações jurídicas de direito material em torno das quais se desenvolvem os processos em juízo. Ilustrações da preexistência de direitos e obrigações ao processo e à sentença: a) a constituição do devedor em mora e fluência de juros a partir de momentos anteriores à sentença que declara a existência da obrigação principal; b) a extinção do direito subjetivo material por prescrição antes da sentença que o reconheça como potencialmente existente; c) a sentença de acolhimento da demanda de investigação de paternidade, colocando o autor como ocupante da situação familiar devida desde o momento em que nascera (se morto o pai antes da sentença, nem por isso o filho assim declarado fica privado de seu quinhão na herança); d) a aquisição do domínio por usucapião, que se consuma no momento em que implementado o requisito do tempus, sendo admissível sua dedução em defesa apesar de não amparado o possuidor por qualquer prévio reconhecimento judicial da prescrição aquisitiva que alega (Súmula 237 STF); e) a admissibilidade da reivindicação do bem sobre o qual exercera posse ad usucapionem por tempo suficiente, tendo-a perdido o possuidor sem ainda haver obtido sentença que declarasse o usucapião a seu favor. Não fora a preexistência do direito à sentença, nenhuma dessas retroprojeções dos efeitos desta seria possível. O único bem jurídico que invariavelmente todos os pronunciamentos judiciais de Os processos de conhecimento não diferenciados (vias ordinárias) incluem cognição plena, contraditório desde o início, instrução mais delongada ou menos conforme o caso e, por fim, sentença de mérito. As sentenças de mérito serão condenatórias, constitutivas ou meramente declaratórias, cada qual regida por técnicas e pressupostos diferentes. Constitui também um importantíssimo aspecto técnico do sistema a interligação funcional entre o processo condenatório e a execução forçada, que em princípio se condiciona à existência de uma sentença condenatória produzida naquele. Na técnica processual tradicional, a sentença condenatória é ao mesmo tempo o último ato de um processo de conhecimento e o pressuposto de uma futura execução. O processo executivo faz-se por diversas técnicas, conforme se refira a obrigações de fazer ou de não-fazer, ou a obrigação de entregar coisa ou pagar dinheiro, sendo que nesta última hipótese existem as técnicas da execução contra devedor solvente (execução singular, individual), em contraposição à execução universal e coletiva representada que são a falência e a insolvência civil - nas quais se arrecadam todos os bens do devedor e convocam-se todos os seus credores. Nos processos de execução de toda ordem o juiz dispõe de poderes e realiza atos inteiramente diversos dos que têm lugar no processo de conhecimento, atuando invariavelmente sobre os bens que direta ou indiretamente servirão à satisfação do credor; em todas as execuções por dinheiro ele os faz avaliar, aliena-os a quem mais der e entrega ao exeqüente o valor que lhe é devido. Nos processos destinados às tutelas diferenciadas variam também as técnicas e os poderes do juiz, como v.g., o poder de emitir o mandado de pagamento ou de entrega no processo monitório, sempre inaudita altera parte (sem prévio contraditório); o de conceder tutela liminar em mandado de segurança etc. No processo civil das causas de menor complexidade (pequenas causas) têm as partes o ônus de comparecer à sessão de conciliação e à audiência de instrução e julgamento, sofrendo as conseqüências do não-comparecimento. Na generalidade dos processos integrados no sistema das tutelas diferenciadas a cognição é sumária e não plena (infra, n. 63). É também muito importante o aspecto técnico residente na disciplina dos procedimentos a serem adotados nos processos em geral e nos diversos graus de jurisdição. Toda disciplina procedimental envolve o elenco de atos a serem praticados, a ordem seqüencial de sua realização e a forma com que cada ato se realizará. Pelo aspecto da forma, disciplinam-se o modo, o lugar e o tempo para a realização do ato. Além disso, a lei estabelece os casos em que cada modelo procedimental deve ser adotado e exige a observância desses preceitos, seja no tocante à escolha do procedimento adequado, seja na realização de todos os atos exigidos, na ordem e pela forma adequadas (infra, nn. 626 ss.). O Código de Processo Civil manda que o procedimento ordinário prevaleça no processo de conhecimento em primeiro grau de jurisdição sempre que para o caso não haja norma específica optando por outro procedimento; e manda também que ele principie com a apresentação de uma petição inicial, prosseguindo com a citação do réu, prazo para resposta, audiência preliminar, eventual prova pericial, audiência de instrução em julgamento - e terminando com a prolação de uma sentença. Esses são perceptíveis aspectos técnicos do sistema processual. As técnicas procedimentais constituem o resultado de experiências multisseculares, às quais o legislador aporta as inovações e aperfeiçoamentos que na prática lhe pareçam úteis. As significativas revisitações aos institutos processuais, que se vêm fazendo ultimamente, vão produzindo também alterações nos procedimentos em si mesmos, como modo de adequar a técnica do processo às novas conquistas da ciência. De todo modo, vigentes no sistema determinados modelos procedimentais, a eles deve necessariamente conformar-se o procedimento de todo processo que em concreto se realiza, sob pena de nulidade e possível ilegitimidade dos provimentos jurisdicionais a serem produzidos. O procedimento como técnica e a necessidade de sua observância constituem fatores de segurança dos litigantes, sem os quais se abriria caminho para abusos, arbitrariedades e conseqüente insegurança. Afastados os exageros de um passado extremamente apegado à rigidez formal, a definição dos procedimentos é um aspecto do princípio da legalidade vigente no Estado-de-direito (devido processo legal). Sobre a flexibilização das exigências formais do procedimento, v. supra, n. 3 e infra, n. 714 (a instrumentalidade das formas). Sobre a legitimação pelo procedimento e pelo devido processo legal, infra, n. 391. 54. equilíbrio entre exigências contrapostas O exame crítico a que os sistemas processuais do mundo ocidental e suas próprias raízes e dogmas vêm sendo submetidos constitui resultado da consciência teleológica desenvolvida nas investigações dos processualistas modernos e conduz a propostas de aprimoramento após a identificação dos pontos de maior deficiência e fragilidade. Sabe-se que certos defeitos são insuperáveis e tem-se a consciência de que o ideal possível é reduzi-los, não eliminá-los. O mais grave dos problemas é a duração dos processos, responsável pela eternização dos litígios e prolongamento das angústias dos litigantes. Mas jamais se conseguirá agilizar tanto os procedimentos a ponto de, em sua generalidade, eles serem capazes de oferecer solução bastante pronta aos litígios. Ao lado de certos fatores ditos perversos, como o espírito burocrático, desídias, retardamentos intencionais etc., militam em prol das longas demoras processuais certas legítimas razões de segurança recíproca das partes, garantias de defesa e contraditório, modos mais ou menos complexos na realização de atos, prazos etc. - tudo concorrendo para conter os ímpetos de celeridade e assim prolongar a angústia dos sujeitos envolvidos no litígio (supra, n. 42). Isso significa que todo movimento de agilização encontra limites legitimamente intransponíveis, que levam o construtor do sistema a conformar-se com o racional equilíbrio possível entre duas exigências antagônicas, a saber: de um lado a celeridade processual, que tem por objetivo proporcionar a pacificação tão logo quanto possível; de outro, a ponderação no trato da causa e das razões dos litigantes, endereçada à melhor qualidade dos julgamentos. São dois valores conhecidos o da segurança das relações jurídicas, responsável pela tranqüilidade que sempre contribui para pacificar (e isso aconselha a celeridade); e o da justiça nas decisões, que também é inerente ao próprio escopo fundamental do sistema processual (pacificar ~justiça). Como é muito difícil fazer sempre bem o que se consegue fazer logo, impõe-se como indispensável o equilíbrio entre as duas exigências, com renúncia a radicalismos (Calamandrei). Boa técnica processual será aquela que caminhar equilibradamente entre esses valores. A quem se ativesse de modo tradicional ao escopo jurídico do sistema, o valor da segurança teria menos valor - e talvez por isso é que o processo tradicional sempre foi mais formalista, estimulando delongas que adiavam sempre a definição do litígio a pretexto de desvendar com precisão os fatos e ser bastante fiel aos desígnios do direito substancial. Mesmo a visão teleológica do processo civil instrumentalmente comprometido com o escopo pacificador, contudo, jamais poderá postular o exagerado desapego às formas porque isso importaria criar situações perigosas para os litigantes, com riscos de injustiça. O Estado-de-direito opera invariavelmente sobre normas preestabelecidas e o exercício do poder legitima-se sempre pela observância de procedimentos adequados, como penhor das garantias do contraditório e do due process of law. O exame das linhas básicas do processo em sua programação operacional (procedimento, oportunidades de defesa, recursos etc.) mostra o convívio indispensável entre normas tendentes a agilizá-lo e normas que lhe impedem a excessiva aceleração, impondo maior ponderação no trato dos litígios. São exemplos de meios aceleratórios do procedimento: a) os prazos aceleratórios, impostos para que os atos das partes e do juiz não possam retardar-se além de um tempo razoavelmente dimensionado pelo legislador (p.ex., o prazo de quinze dias para responder à inicial); b) as preclusões em geral, definidas como perda da faculdade de realizar atos, entre as quais as que decorrem da inobservância de prazos (preclusão temporal); c) a coisa julgada formal (preclusão máxima), que impede a eternização de recursos contra a sentença; d) as medidas antecipatórias, entre as quais as cautelares, a tutela antecipada e a execução provisória - todas destinadas a evitar a corrosão da tutela jurisdicional pelos males decorrentes do tempo; e) a instituição de um elenco grande de títulos executivos extrajudiciais e do novo processo monitório brasileiro, tendentes a produzir a tutela jurisdicional efetiva independentemente da realização do processo de conhecimento; etc. São exemplos de normas que impedem a maior celeridade, propiciando meios para um julgamento melhor e, conseqüentemente, para a preservação dos direitos dos litigantes: a) todas as que, em nível legal ou constitucional, asseguram amplitude de defesa e exercício do contraditório; b) especialmente as que impedem a realização de atos antes de decorrido determinado tempo (prazos dilatórios, ou de desaceleração: vg., a audiência no procedimento sumário não pode realizar-se antes de decorridos dez dias da citação - art. 277 CPC); c) as que instituem os recursos, propiciando reexame da causa ou de incidentes a ela inerentes; d) as que oferecem a ação rescisória para a correção de possíveis erros graves no julgamento (arts. 485 ss.); etc. 55. certeza, probabilidade e risco em direito processual civil O risco de errar é inerente a qualquer processo e a obsessão pela verdade é utópica. Ainda quando se prescindisse por completo do valor celeridade e se exacerbassem as salvaguardas para a completa segurança contra o erro, ainda assim o acerto não seria uma certeza absoluta. Por isso, ao estabelecer o equilíbrio entre as exigências de acelerar e de ponderar, o legislador e o juiz devem estar conscientes da inevitável falibilidade do sistema (projeção da própria falibilidade humana), convivendo racionalmente com o risco e dando força aos meios de sua correção. Variam muito a natureza dos riscos ocorrentes no processo e a sede em que ameaçam a qualidade de seus resultados. Pode haver erro in procedendo ou in judicando. Pode haver erro na admissão ou inadmissão da prova, erro na sua produção, erro na sua avaliação, erro na interpretação do direito. O erro pode ser resultado de disposições legais mal formuladas ou de más colocações do juiz, ou de condutas imputadas às partes. Não há como reduzir o risco a zero. No contexto do desejado equilíbrio ganha realce o valor da probabilidade, como parâmetro a ser observado pelo legislador ao modelar os institutos processuais e pelo juiz em cada uma de suas manifestações no processo. Probabilidade é mais do que mera credibilidade ou mesmo que verossimilhança, mas é necessariamente menos que certeza. Não passa da preponderância dos elementos convergentes à aceitação uma proposição, sobre os elementos divergentes: quando há mais razões para acreditar numa afirmação, diz-se que o fato afirmado é provável e, havendo mais razões para rejeitá-la, ele é improvável (Nicoló Framarino dei Malatesta). E, como a certeza absoluta é sempre inatingível, precisa o operador do sistema conformar-se com a probabilidade, cabendo-lhe a criteriosa avaliação da probabilidade suficiente. São exemplos da aceitação da probabilidade pelo legislador: a) a instituição de presunções relativas, que com base naquilo que ordinariamente acontece autorizam o juiz a aceitar um fato não provado, desde que conhecido o fato ordinariamente capaz de produzi-lo (v.g., do pagamento de uma parcela da obrigação presume-se o das parcelas antecedentes: CC, art. 943); b) a negação de efeito suspensivo ao recurso especial e ao extraordinário, cuja interposição não impede a execução do acórdão recorrido, porque esses recursos têm admissibilidade reduzida e seu conhecimento e provimento não são fatos de ocorrência ordinária (CPC, art. 497); c) a vinculação da execução à existência de título executivo, que quando extrajudicial (CPC, art. 585) não constitui resultado de julgamento pelo juiz e mesmo assim autoriza atos constritivos como a penhora, transferindo ao demandado o ônus de oferecer embargos para sua defesa etc. A consciência da probabilidade suficiente, pelo juiz, revela-se em primeiro lugar no emprego das máximas de experiência (CPC, art. 335), cabendo-lhe aceitar ou rejeitar a ocorrência de determinado fato segundo sua própria observação do que ordinariamente acontece: isso dá azo às chamadas presumptíones hominis, como aquela segundo a qual a culpa do acidente automobilístico se atribui, salvo prova em contrário, ao condutor do veículo que abalroou outro por trás (ou porque transitava muito próximo a este - imprudência; ou porque calculou mal a distância - impericia; ou porque estava desatento ou seu veículo não tinha perfeitas condições para trafegar - negligência). Também sujeito ao critério da probabilidade é o sistema das medidas de urgência (cautelares ou antecipatórias de tutela: arts. 273 e 796 ss.) - que o juiz concederá ou negará conforme sua apreciação do fumus boni juris e não necessariamente apoiado na demonstração cabal da ocorrência dos fatos relevantes. Um campo de enorme relevância prática para o desenvolvimento da idéia da probabilidade suficiente é o da avaliação da prova, que o juiz realizará em face das regras sobre o ônus de provar (CPC, art. 333). Tem-se como inexistente o fato alegado e não provado, mas não é legítimo, diante da regra de equilíbrio aqui considerada, considerar não-provada uma alegação quando a ocorrência do fato for suficientemente provável. O juiz que pretenda chegar ao estado subjetivo de certeza absoluta fará muitas injustiças pelo temor de fazer algumas. Exemplo eloqüente é o da investigação de paternidade pelos métodos mais modernos conquistados pela ciência. Mesmo a análise do DNA nem sempre é capaz de produzir a certeza absoluta da paternidade. Mas o grau de probabilidade que oferece é enorme e basta para a aceitação do fato desde que amparada por alguma demonstração de um relacionamento entre os possíveis parceiros na geração do autor. Não seria compatível com o sistema equilibrado de obrigações ou à existência, inexistência ou modo-de-ser de relações jurídicas (p.ex.: o suposto devedor afirma em público que nada mais deve porque já pagou ou porque nunca foi devedor, enquanto o outro sujeito afirma que é credor e continua sendo porque nada recebeu). A tutela jurisdicional adequada para dirimir essa situação da vida das pessoas é a que a ordem processual outorga mediante as sentenças meramente declaratórias. Essas sentenças de mérito não alteram situações jurídicas nem mandam pagar, entregar, fazer ou não fazer - nem preparam alguma futura execução. Simplesmente afirmam ou negam a existência de direitos, obrigações etc., caracterizando pois a tutela meramente declaratória. Consiste essa tutela na oferta de um bem juridicamente relevante na vida das pessoas em sociedade, que é a certeza jurídica - certeza da existência ou certeza da inexistência da relação jurídica substancial, ou ainda certeza quanto ao modo-de-ser dessa relação (valor da obrigação, condições sua exigibilidade etc.) (supra, n. 39 e infra, n. 904). Onde havia a crise de certeza, como efeito da sentença meramente declaratória passa a haver certeza. Outra situação para a qual se busca solução em juízo é a crise de adimplemento, ou seja, a possível existência de algum direito insatisfeito porque o sujeito a quem cumpriria adimplir deixou de fazê-lo e o outro sujeito insiste em receber. Se realmente existir o direito afirmado pelo autor, será necessário que uma sentença declare essa existência e com isso chame o obrigado ao adimplemento sob pena de suportar futura execução. Tal é a função da sentença condenatória, que em si mesma não oferece tutela efetiva e plena porque a satisfação do direito irá depender de um ato do próprio obrigado (adimplemento) ou da realização da execução forçada. Persistindo o inadimplemento, a tutela efetiva e plena virá no processo de execução e mediante o ato de entrega, que a caracteriza. Essa é a tutela condenatório-executiva que, como se vê, o sistema processual ministra em dois tempos distintos (a sentença e depois a execução) (infra, n. 911). A tutela puramente executiva é juridicamente adequada nos casos em que o sujeito tem à sua disposição a execução forçada sem a necessidade de percorrer um prévio processo de conhecimento nem portanto obter sentença condenatória. Esses casos são aqueles em que o crédito é amparado por algum título executivo extrajudicial (nota promissória, contrato de hipoteca etc.: CPC, art. 585). Está claro que a tutela executiva se situa no campo das medidas debeladoras de crises de adimplemento. Tem-se tutela executiva, também, pela via do processo monitório. Não é tutela condenatório- executiva, como nos casos ordinários - em que a pessoa deve passar primeiro pelo processo de conhecimento, ali obtendo a sentença de condenação e só depois, com base nela, promover a execução forçada, num segundo processo; mas também não é tutela executiva pura, porque o sujeito não dispõe previamente de um título executivo, mas simplesmente de um documento não elencado como tal e sem os requisitos deste (CPC, art. 1.102-a). Num só processo ele obtém o título executivo (mandado de pagamento ou entrega) e ali mesmo prossegue, executando (art. 1.102-c). É portanto, uma tutela monitório-executiva. Mas o resultado final, tanto quanto na tutela condenatório-executiva ou na tutela executiva pura, é sempre a obtenção final do bem. Para a solução de situações da vida caracterizadas como crises das situações jurídicas a ordem processual oferece a tutela constitutiva, que consiste na criação, modificação ou extinção de alguma relação jurídica entre os litigantes (v.g., a sentença que concede a separação judicial, a que anula o contrato ou a que adjudica a propriedade de um imóvel ao autor). Essa categoria de tutela jurisdicional tem cabimento quando o direito material estabelece o direito do litigante a uma modificação jurídica dessa ordem. A tutela constitutiva é a mais perfeita das que têm lugar no processo de conhecimento, porque a sentença já traz em si mesma a sua própria efetivação e o resultado desejado é produzido por ela própria, sem necessidade nem cabimento de processo executivo e sem contar, em momento algum, com a disposição do obrigado a obedecer ou a cumprir (anulado o contrato, ele já não existe; passada em julgado a sentença de separação judicial, as partes já estão separadas). Pelo aspecto das técnicas processuais, em resumo, a tutela efetiva e plena, capaz de debelar por completo a crise jurídica lamentada pelo demandante, será (a) meramente declaratória, (b) constitutiva ou (c) executiva. A tutela executiva será executiva pura, quando concedida mediante o emprego exclusivo do processo de execução (títulos executivos extrajudiciais); ou condenatório-executiva, quando concedida em dois tempos, mediante a realização de dois processos (o condenatório e o executivo)'; ou ainda monitório-executiva, quando é o resultado de um processo em que se produz o título para a execução e se executa (processo monitório). A tutela constitutiva e as executivas de toda ordem são satisfativas, porque acrescem ao patrimônio do sujeito algo mais que a mera certeza .z A tutela condenatória não é satisfativa e não é tutela plena, porque nada- acresce ao patrimônio do destinatário. Examinando o sistema processual pelos resultados que é capaz de oferecer em face das diferentes situações da vida trazidas em busca de remédio, tem-se que resumidamente elas são três e três são os possíveis resultados da jurisdição, assim dispostos: a) crise de certeza, tutela declaratória, resultado certeza; b) crise de situações jurídicas, tutela constitutiva, resultado modificação jurídica; c) crise de adimplemento, tutela executiva, resultado atribuição do bem da vida. 59. tutela preventiva, reparatória ou sancionatória - tutela inibitória - tutela específica ou inespecífica (ressarcitória) Sempre pela óptica da natureza dos resultados jurídico-materiais oferecidos, a tutela jurisdicional será preventiva, reparatória ou sancionatória. Essa divisão tem como critério os modos como a tutela incide na vida das pessoas, em relação às violações já sofridas ou ainda iminentes - e sempre segundo critérios ditados pelo direito substancial. A tutela preventiva consiste em evitar a violação de direitos e criação ou agravamento de situações desfavoráveis. Se a situação lamentada na demanda é o perigo ou iminência de que essas situações venham a ocorrer e se consumem danos ou agravamentos, há hipóteses em que a lei material predispõe meios de evitá-los (p.ex., condicionando o sujeito que está instalando um parque industrial a fazê-lo com cautelas suficientes a evitar a dispersão de partículas nocivas ao meio-ambiente). Quando a prevenção do dano é feita mediante o veto a alguma conduta e condenação do sujeito a abster-se, tem-se a tutela inibitória (ação de nunciação de obra nova etc. ). NOTA: l. Ou três, no caso de ser necessária a liquidação de sentença (CPC, arts. 603 e 605-610). 2. O vocábulo património está empregado em seu significado mais amplo, equivalendo a acervo de direitos, ou esfera jurídica. Quando já consumados os atos comissivos ou as omissões lesivas, resta dar remédio à situação criada (repará-la), o que o direito material manda que se faça mediante recondução dos sujeitos, na medida do possível, ao estado precedente à transgressão. Tal é a tutela reparatória, que se distingue da preventiva justamente porque tem cabimento com o fito de restabelecer situações, não de prevenir transgressões. São exemplos dessa categoria a tutela possessória, consistente em devolver ao titular o bem apossado por outrem; o mandado de segurança, fazendo com que a autoridade administrativa reintegre no cargo o funcionário demitido sem defesa; ou o caso mais simples da sentença, seguida de execução, com que o credor obtém coisas ou dinheiro devidos etc. Sempre que jurídica ou materialmente a tutela específica não seja possível - e só mesmo quando não o for - tem lugar a tutela ressarcitória, que é modalidade da tutela reparatória. Ela consiste em propiciar dinheiro em lugar do bem ou da situação subtraída ao demandante, em casos como a perda ou destruição do bem devido, a alienação a terceiro do imóvel prometido à venda (sem que a promessa haja sido levada a registro) etc. O direito moderno vem progressivamente impondo a tutela específica, a partir da idéia de que na medida do que for possível na prática, o processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter. Essa sapientíssima lição (Giuseppe Chiovenda), lançada no início do século, figura hoje como verdadeiro slogan da moderna escola do processo civil de resultados, que pugna pela efetividade do processo como meio de acesso à justiça e proscreve toda imperfeição evitável. A Reforma do Código de Processo Civil deu especial ênfase à prioridade da satisfação específica dos direitos,.municiando o juiz de severíssimos poderes destinados a obter o cumprimento das obrigações de fazer ou de não-fazer ou, de todo modo, a oferecer ao credor um resultado prático equivalente ao cumprimento - sempre com a expressa advertência de que a solução pecuniária só se admitirá por opção do próprio credor ou quando impossível a satisfação in natura (art. 461, caput e §1 4). Já antes da Reforma, a jurisprudência brasileira corrigiu um erro e uma injustiça que vinham sendo perpetrados, consistentes em decidir que, não estando registrado o contrato de promessa de compra-e-venda, o adquirente não teria direito à adjudicação compulsória mas a mera indenização. Hoje é pacífica a solução tecnicamente correta e eticamente justa, com os tribunais concedendo a adjudicação compulsória independentemente de prévio registro e somente respeitando eventuais direitos de terceiros. Há situações, ainda, em que o direito material oferece à parte inocente o acesso a uma situação jurídica nova, em razão da conduta injurídica de outro sujeito. É o caso da resilição do contrato por inadimplemento (CC, art. 1.092, par.); ou da anulação de ato administrativo porque realizado de modo contrário à lei e danoso ao sujeito que vem ajuízo reclamar (Súmula 473 STF); ou da separação judicial por conduta desonrosa ou grave violação a deveres do matrimônio. Tal é a tutela sancionatória, caracterizada pela imposição de medidas de repressão, verdadeiros castigos a certas condutas indevidas.3 Em resumo, pelo modo como incide na vida ou patrimônio das pessoas segundo os preceitos do direito material, a tutela jurisdicional será (a) preventiva, (b) reparatória ou (c) sancionatória. A tutela preventiva consiste em meios destinados a resguardar direitos contra violações iminentes, o que se faz diretamente mediante a imposição de medidas processuais ou pela imposição de condutas ao obrigado - qualificando-se nesse caso como inibitória. A tutela reparatória será específica quando proporciona ao sujeito o próprio bem a que tinha direito; ou ressarcitória, consistente em propiciar dinheiro em substituição ao bem (tutela inespecífica, genérica, pecuniária). Num só processo podem cumular-se tutelas de duas ou mais naturezas: p.ex., a inibitória, consistente no impedimento a prosseguir em determinada conduta, em cúmulo com a ressarcitória pelo dano já causado. NOTA: 3. A tutela sancionatória aqui descrita não se confunde com aquela representada pela execução forçada (que também se qualifica como sancionatória), dado que a sanção existente nesta é categoria processual e não de direito substancial (sanção executiva é a invasão do patrimônio do devedor). 60. entre a tutela individual e a coletiva O direito moderno, por imposição da aglutinação de interesses supra-individuais na sociedade de massa, tende a ser um direito da coletividade e não mais apenas direito dos indivíduos, como nos moldes tradicionais. É das últimas décadas do século XX a intensa legislação de apoio aos valores do meio-ambiente, da cultura e da história, de proteção aos consumidores como grupo em que se concentram interesses homogêneos etc. - tudo se reconduzindo ao conceito amplo de direitos e interesses transindividuais. Da disciplina jurídico-substancial dessas relações supra-individuais nasceu a necessidade de um direito processual supraindividual. No Brasil o movimento teve início em 1985, com a edição da Lei da Ação Civil Pública, seguida da Constituição Federal de 1988 (que instituiu o mandado de segurança coletivo), do Código de Defesa do Consumidor, do Estatuto da Criança e do Adolescente etc. As ações coletivas, de que são titulares o Ministério Público e certos entes dotados de legitimação adequada segundo a lei (especialmente associações fundadas há mais de ano e tendo o objetivo estatutário de defesa de determinados direitos e interesses de massa: cfr, p.ex., CDC, art. 82; LACP, art. 54), visam à tutela de classes, categorias ou grupos de pessoas acima da proteção individual de cada um de seus componentes. Tal é o significado da locução transmigração do individual para o coletivo, em uso na doutrina brasileira moderna (Barbosa Moreira). Essa farta legislação é o reflexo brasileiro de uma das ondas renovatórias que nesta segunda metade de século atingiram o processo civil de origem romano-germânica, tradicionalmente apegado a certas premissas individualistas como a da legitimidade individual para demandar em juízo (ninguém pode defender em juízo direito alheio, a menos que seja seu representante: CPC, art. 62) e a da rigorosa limitação subjetiva da coisa julgada, que jamais poderia aproveitar nem prejudicar quem não houvesse sido parte no processo (art. 472) (supra, n. 42). Tendo por modelo as class actions do direito norte-americano, apercebeu-se o legislador brasileiro de que é socialmente útil afrouxar racionalmente essas limitações subjetivas, para que o exercício da jurisdição - e portanto a tutela jurisdicional - possa chegar a campos antes não cobertos por ela. Começou pela preocupação com valores ambientais, mediante a percepção de que o meio- ambiente e sua higidez são patrimônio comum dos habitantes de um bairro, de uma cidade, pormenorizada disciplina de certas tutelas jurisdicionais específicas a serem dispensadas mediante o emprego dos procedimentos que ali são descritos. 62. tutelas jurisdicionais de urgência Como facilmente se compreende, ordinariamente o juiz primeiro estabelece contato com a causa e seus fundamentos, entre os quais os de fato e a prova, para depois julgar. Assim é a linha geral dos processos de conhecimento (que devem terminar com um sentença de mérito), com óbvias razões para que o conhecimento seja o natural apoio do julgamento. Todo procedimento, no processo civil de conhecimento brasileiro, inclui certos elementos estruturais indispensáveis, que são a demanda, a citação, a resposta, a instrução e a sentença (infra, n. 972). Mas há situações urgentes em que, a esperar pela realização de todo o conhecimento judicial, com a efetividade do contraditório, defesa, prova e discussão da causa, os fatos podem evoluir para a consumação de situações indesejáveis, a dano de algum dos sujeitos. O tempo às vezes é inimigo dos direitos e o seu decurso pode lesá-los de modo irreparável ou ao menos comprometê-los insuportavelmente (Carnelutti). Há situações em que o direito perecerá por inteiro quando chegado o momento do mal definitivo, sem qualquer utilidade da tutela específica. Exemplos: a) o concurso público vem a realizar-se antes que o juiz conceda segurança para que seja aceita a inscrição do candidato excluído pela comissão de concurso; b) o protesto de uma cambial é realizado antes da medida judicial destinada a sustá-lo; c) testemunha importante para o esclarecimento dos fatos vem a falecer antes de chegado o momento procedimental adequado a tomar-lhe o depoimento. Em outras situações não se consuma uma lesão definitiva, mas as angústias e prejuízos da espera, somados ao estado de privação que se prolonga, constituem males a serem evitados. Isso acontece, por exemplo, com o retardo na tutela jurisdicional referente a alimentos devidos entre ascendentes e descendentes. Para remediar tais situações aflitivas, a técnica processual excogitou certas medidas de urgência, caracterizadoras da tutela jurisdicional antecipada e da chamada tutela cautelar Trata-se de técnicas teoricamente diferentes, endereçadas a situações diferentes, mas todas têm o comum objetivo de neutralizar os efeitos maléficos do decurso do tempo sobre os direitos. Existe uma diferença conceitual entre (a) as medidas que oferecem ao sujeito, desde logo, a fruição integral ou parcial do próprio bem ou situação pela qual litiga e (b) as medidas destinadas a proteger o processo em sua eficácia ou na qualidade de seu produto final. As primeiras, oferecendo situações favoráveis às pessoas na vida comum em relação com outras pessoas ou com os bens, integram o conceito de tutela jurisdicional antecipada. As segundas, qualificadas como medidas cautelares, resolvem-se em medidas de apoio ao processo - para que ele possa produzir resultados úteis e justos - e só indiretamente virão a favorecer o sujeito de direitos. As tutelas antecipadas foram instituídas no direito brasileiro, com foros de generalidade, pelo novo art. 273 que a Reforma trouxe ao Código de Processo Civil. Ao lado das antecipações atípicas ali disciplinadas há também clássicas hipóteses de antecipação, firmemente instaladas na ordem processual, como são as liminares em processos possessórios, em mandado de segurança, ação popular, ação civil pública etc. Uma sustação de protesto cambiário é medida antecipatória de tutela, embora costumeiramente tratada como medida cautelar. As medidas cautelares estão disciplinadas no Livro III do Código de Processo Civil (arts. 796 ss.). Existem as cautelares tipificadas; em lei (produção antecipada de prova, arresto, seqüestro, busca-e-apreensão etc), sem prejuízo de possibilidade de concessão de medidas atípicas ou inominadas, aderentes à realidade de cada caso (poder geral de cautela: art. 798). Apesar das diferenças conceituais relacionadas com a destinação de umas e outras, as antecipações de tutela e as medidas cautelares têm um fortíssimo elemento comum de agregação, que induz a integrá-las numa categoria só - a saber, na categoria das medidas de urgência. No estágio atual do pensamento processualístico, que se endereça a resultados sem se deter em desnecessários pormenores conceituais e puramente acadêmicos, o que importa é pensar nas medidas cautelares e nas antecipatórias de tutela jurisdicional como modos de combate a esse inimigo dos direitos, que é o tempo. Daí legitimar-se o destaque à categoria medidas de urgência, pondo em plano inferior as distinções entre suas espécies. As tutelas jurisdicionais de urgência têm em comum, ao lado dessa sua destinação, (a) a sumariedade na cognição com que o juiz prepara a decisão com que as concederá ou negará e (b) a revocabilidade das decisões, que podem ser revistas a qualquer tempo, não devendo criar situações irreversíveis. Quer se trate de antecipar a tutela ou de acautelar o processo, a lei não exige que o juiz se paute por critérios de certeza,? mas pela probabilidade razoável que ordinariamente vem definida como fumus boni juris (CPC, art. 273, art. 814 etc.). Entre fazer bem feito e fazer logo, em situações de urgência o juiz opta por fazer logo, deixando o juízo definitivo do bem ou do mal para as sossegadas investigações destinadas ao julgamento do mérito da causa (Calamandrei). E, por isso mesmo que as medidas de urgência se emitem com fundamento numa cognição incompleta e superficial, é natural que elas não sejam definitivas, não vinculem o juiz quando vier a julgar a própria causa (sentença de mérito), não sejam suscetíveis de obter a autoridade da coisa julgada e, portanto, comportem revisão sempre que ele se convença de que a parte não tinha o direito que num primeiro momento parecia ter. NOTA: 7. Sabendo-se que a certeza absoluta não é algo ao alcance do conhecimento humano. A própria "certeza " que se exigiria para os julgamentos definitivos de mérito não passa de um grau elevado de probabilidade (supra, n. 55). Assim contidas numa ampla categoria unitária, as medidas cautelares e as antecipações de tutela regem-se por uma disciplina também unitária, que só em pontos muito específicos se bifurca em regras privativas de cada uma das espécies. Quando inseriu no direito brasileiro a ampla possibilidade de antecipação de tutela em casos não tipificados (de visível analogia com o poder geral de cautela estabelecido no art. 798), a Reforma do Código de Processo Civil limitou- se a um só artigo de lei e seus parágrafos (art. 273). Pouco mais fez do que fixar os pressupostos genéricos da antecipação (urgência e probabilidade), exigir fundamentação da decisão concessiva e imprimir-lhe caráter de provisoriedade e reversibilidade. Mas a estreitíssima analogia com as providências cautelares - e tão estreita que ambas se colocam numa só categoria unitária e ainda grassa muita dificuldade em distingüi-las conceitualmente, nos tribunais e mesmo em escritos de pensadores muito autorizados - autoriza folgadamente a transposição, para as medidas antecipatórias, da disciplina geral da cautelaridade, contida no Livro 111 do Código de Processo Civil (arts. 796 ss.). Em conseqüência, (a) também as antecipações podem ser concedidas em caráter preparatório ou incidente (art. 796), (b) a competência para concedê-las em caráter preparatório é a do juiz competente para conhecer da ação principal" (art. 800), (c) elas poderão ser concedidas depois ou antes da contestação e mesmo inaudita altera parte (art. 804), (d) responsabiliza-se objetivamente o beneficiário da antecipação pelos prejuízos que ela causar (art. 811) etc. Uma regra inerente às medidas cautelares, que às antecipatórias não se aplica, é a da concessibilidade de-oficio - porque estas não se destinam a tutelar o processo, como aquelas, e conseqüentemente não se configura a fundamental razão de ordem pública que manda o juiz ditar cautelas incidentes mesmo sem que a parte lho requeira. NOTA: 8. Dispensando-se a urgência quando for o caso de reprimir expedientes protelatórios da parte contrária (art. 273, inc. II). A unificação sistemática das tutelas de urgência exclui a utilidade prática de indagações acerca da natureza de certas medidas a que alguns atribuem natureza cautelar e outros, antecipatória. Inseridas no contexto das medidas de urgência, sem a preocupação por investigar em qual espécie se contêm, dispensam-se os requintes da precisão conceitual. Também a execução provisória constitui tutela antecipada e cabe em casos excepcionais (CPC, arts. 520, incs. I-IV, c/c art. 588 etc.), apoiando-se o legislador (e não o juiz, como nos casos acima) na boa probabilidade militante a favor do exeqüente graças à sentença favorável que obteve e não-obstante o recurso interposto pela parte adversa. A admissibilidade de execução provisória é excepcional no sistema e somente se dá nos casos em que a lei nega efeito suspensivo ao recurso interposto (sempre, art. 520). 63. tutelas jurisdicionais diferenciadas - cognição sumária (infra, nn. 771, 774, 777 e 976) Ordinariamente, para decidir o juiz interpreta os fatos alegados pelas partes (causa de pedir e fundamentos da defesa), insere-os nas categorias jurídico-substanciais adequadas (responsabilidade civil contratual ou extracontratual, mútuo, locação, comodato etc.), interpreta também a lei pertinente e investiga por todos os meios oferecidos pela ordem processual a ocorrência ou inocorrência dos fatos alegados. Vale-se para tanto da prova, que constitui verdadeira mola do processo de conhecimento, ou meio processual destinado a perquirir a verdade (a prova, meio instrumental indispensável: infra, nn. 771-772). Isso é conhecer e essa atividade leva o nome de conhecimento, ou cognição. Todos os pontos sobre os quais o juiz busca inteirar-se suficientemente para julgar formam o objeto do conhecimento do juiz (infra, n. 774). Em certos litígios marcados pela necessidade de uma tutela jurisdicional particularmente tempestiva - e assim capitulados pela lei - o juiz é dispensado de realizar uma cognição plena, ou seja, ele é autorizado a decidir com fundamento em investigações menos cuidadosas. Tal é a cognição sumária, que se limita à investigação das alegações trazidas pelo autor, diferindo-se a momento futuro o eventual exame dos fundamentos de defesa (como no processo monitório); ou que se contenta com o exame menos profundo das alegações a serem consideradas no julgamento (como no processo dos juizados especiais). Na primeira hipótese tem-se uma cognição sumária porque incompleta; na segunda, sumária porque superficial (Chiovenda). Numa, falta a plenitude da extensão horizontal de uma investigação completa; noutra, a profundidade vertical de uma investigação exauriente (Watanabe) (infra, n. 777). Tem-se cognição sumária (a) no processo monitório, em que o mandado de pagamento ou entrega é emitido à vista das alegações do autor, sem sequer aguardar as do réu e limitando-se ao exame do documento trazido por aquele; b) na execução por título extrajudicial, em que o juiz se limita a controlar a presença de um título executivo sem fazer perquirições sobre a efetividade do crédito e, muito menos, das possíveis razões defensivas do demandado; c) no processo dos juizados especiais, em que não há perícia nem se admitem certas espécies de resposta do réu (particularmente, denunciação da lide e chamamento ao processo: WE, art. 10Q); d) no procedimento sumário, onde também se excluem as intervenções de terceiro e a ação declaratória incidental (CPC, art. 280, inc. 1: (infra, nn. 1.242-1.243) etc. 64. escolha da tutela jurisdicional adequada Da existência de provimentos jurisdicionais distintos, portadores de tutelas diferentes, bem como processos e procedimentos diferenciados segundo as necessidades da específica tutela a preparar, decorre a imperativa necessidade de fazer escolhas adequadas ao ingressar em juízo com pedido de tutela jurisdicional. Não basta verificar a necessidade da tutela jurisdicional em si mesma, a qual constitui conseqüência do estado de insatisfação de uma pretensão do demandante, sendo-lhe proibida a autotutela. Caso a caso, é também indispensável examinar a própria pretensão e seus fundamentos, à luz do direito material, para saber qual a solução oferecida por este. O pedido, para ser viável, deve ser feito segundo essa escolha adequada. O cônjuge que lamenta a prática de grave violação aos deveres do matrimônio pelo outro cônjuge poderá ter direito à tutela consistente na separação judicial mas nunca, com base nesse motivo, à anulação do casamento. É o direito material que assim estabelece, não o processual (CC, arts. 209-210; Lei do Divórcio, art. 54). Em princípio essas escolhas adequadas não comportam opções segundo a preferência do sujeito interessado, devendo ser fiéis aos preceitos de direito material. As margens deixadas à escolha pessoal são excepcionais e bem tipificadas na lei substancial. Alguma liberdade de escolha existe, em primeiro lugar, nas obrigações alternativas (CC, arts. 884-888) e nas obrigações de dar coisa incerta (CC, arts. 874-877): se a escolha couber ao credor o sujeito a fará ao propor a demanda, cabendo-lhe então essa relativa margem de opção para a determinação da tutela jurisdicional a ser-lhe concedida se tiver razão. Existe ainda possibilidade de escolha no caso dos chamados direitos concorrentes, que se resolvem em diferentes conseqüências jurídicas estabelecidas pela lei material para um fato só, com a possibilidade de escolha peremptória pela parte. Exemplo clássico é a venda ad mensuram, verificando-se depois que as medidas do imóvel não correspondem às indicadas no contrato. Optará o comprador, na medida do possível, por pedir (a) a complementação da área (actio ex empto), (b) a redução do preço (actio quanti minoris) ou (c) a resolução do contrato (actio redhibitoria) (CC, art. 1.136). É claro que, satisfeito o comprador em uma dessas pretensões, extintos estarão todos os possíveis direitos concorrentes. 9 diversos lugares do mundo e em tempos diferentes. Falar em modelo processual é considerar um dado sistema processual pelos elementos que concretamente o identificam e diferenciam de outros no tempo e no espaço. Com essas premissas, o modelo processual civil brasileiro é o resultado do que dispõem as normas constitucionais e infraconstitucionais deste país com relação às técnicas e categorias jurídicas predispostas à solução de conflitos e às pessoas e conjuntos de pessoas encarregadas de pôr em ação as técnicas processuais. O Uruguai renunciou a ter um modelo processual próprio, ao praticamente transcrever em seu Código General del Proceso o Código de Processo Civil Modelo para a América Latina. Na utópica hipótese de todos os países integrantes do bloco seguirem o exemplo uruguaio, não mais teríamos modelos nacionais neste continente, mas apenas um modelo continental. 68. o direito processual civil e o mito das famílias do direito Famosa doutrina propôs o enquadramento de todos os sistemas jurídicos do planeta em famílias, entendida cada uma destas como um bloco de ordenamentos jurídicos de países ocupantes de determinado espaço regional, ligadas a raízes e tradições comuns e portadoras de certas características mais ou menos constantes. Daí, entre outras, a família romano-gemânica, a da common law, a dos países socialistas etc. (Renê David). Nenhuma proposta de específico enquadramento familiar foi feita pelo autor com relação ao direito dos povos latino-americanos, cujos ordenamentos seriam destituídos de elementos que pudessem congregá-los em uma família. Pensou-se em associar esses sistemas jurídico-processuais aos da Europa continental, do qual recebem muita influência, sendo nitidamente romano-germânicas as raízes dos ordenamentos jurídicos da América de língua portuguesa e espanhola. Mas a própria idéia de agrupar o direito em famílias, conforme proposto naquela doutrina, já vem sendo posta em dúvida pelos juristas modernos, especialmente pelos processualistas. Esse ceticismo tem sido gerado pela observação das grandes e disseminadas diferenças existentes entre os sistemas processuais -mesmo no âmbito de regiões culturalmente mais ou menos homogêneas, como a América Latina. São facilmente perceptíveis as profundas discrepâncias existentes entre o processo civil de cada um dos países da área - os hispano-americanos cultivando intensos laços ibéricos que no Brasil já não existem e, mesmo entre eles, sentindo-se diferenças muito grandes que identificam cada um e os diferenciam entre si (cortes supremas com funções não-coincidentes, adoção ou rejeição do contencioso administrativo, opções políticas federativas ou unitárias, técnicas processuais diferenciadas etc.). Essas diferenças são facilitadas pela própria natureza do direito processual, cujas normas técnicas não têm origem necessariamente em sentimentos comuns do povo mas são criadas pelo legislador segundo critérios pragmáticos com vista ao melhor funcionamento dos mecanismos do processo (sem embargo de tenderem à universalidade os grandes princípios políticos do sistema, geralmente plantados em nível constitucional) (supra, n. 14). Mais realista, portanto, será sempre a apreciação do sistema processual de cada país pela soma de suas características próprias, destacando os pontos mais relevantes para a configuração de um modelo no plano político-constitucional e no plano técnico operacional do direito infraconstitucional. 69. elementos relevantes para a identificação do modelo processual civil É praticamente impossível enunciar por critérios puramente objetivos os pontos que qualificam um sistema processual como modelo, sem subjetivismos e sem a mínima carga das preferências culturais ou axiológicas do analista. Por mais que se disponha a postar-se como puro e fiel observador - e até acredite que assim se comporta - ele jamais se liberta por completo de suas próprias preferências culturais e dos pressupostos axiológicos de sua cultura e de sua formação jurídica. Para quem se coloca em perspectiva instrumentalista, inerente ao método que se vai chamando processo civil de resultados, obviamente os elementos relevantes para essa reconstrução sistemática estarão muito longe de coincidir por inteiro com aqueles levados em conta por estudiosos ligados ao método tradicional, para quem os fundamentos axiológicos, sociais e políticos do processo não ocupam lugar de tanto destaque. Mesmo se partindo de uma visão do processo pelo seu ângulo externo, porém - com a premissa de sua inserção no sistema político da nação e de seu compromisso com certos escopos sociais e políticos a realizar - para um exame equilibrado é sempre indispensável dar também muita importância a certos aspectos técnicos da vida das instituições processuais: a grande utilidade das ideologias processuais reside na aptidão que tiveram a influenciar as técnicas do processo e direcioná-las aos objetivos escolhidos (supra, mi. 52-53). Para a reconstrução do modelo processual civil brasileiro, tão objetiva quanto possível e conduzida a partir dessas premissas, levam-se em conta elementos relativos ao estado da doutrina, aos fundamentos constitucionais do sistema e aos institutos processuais em si mesmos. 70. o pensamento jurídico processual brasileiro A notória influência de Enrico Tullio Liebman na doutrina processual brasileira, como responsável pela instalação de um pensamento verdadeiramente científico antes inexistente, deixou certas marcas que até hoje, mais de meio século depois, ainda estão presentes e caracterizam o pensamento jurídico-processual nacional. Ele trouxe (a) o empenho no estudo da ação como instituto central do sistema, acompanhado da determinação dos pressupostos processuais como categoria autônoma e distinta na qual não se incluem as condições da ação, mais (b) a afirmação do processo como relação jurídica entre seus sujeitos principais, (c) a clara distinção entre sentenças de mérito e meramente terminativas, (d) a visão da coisa julgada como imutabilidade dos efeitos da sentença e não como efeito em si própria, (e) a nítida distinção entre os processos de conhecimento e de execução, (fl o conceito funcional de título executivo etc. Esses pontos e outros, até porque assimilados ao direito positivo pela edição do Código de Processo Civil de 1973, estão presentes na doutrina brasileira em geral. As divergências doutrinárias e conceituais existentes não são tantas, nem em tantos setores, que possam considerar-se capazes de comprometer a substancial unidade de pensamento reinante entre os processualistas brasileiros em geral. Discutem-se pontos periféricos ou de pormenor - como a configuração das condições da ação, o âmbito dos pressupostos processuais, a natureza do título executivo etc. - mas a estrutura do pensamento processual brasileiro é uma só e tem-se mantido constante. Nisso a doutrina brasileira diferencia-se das de outros países, até mesmo do que dizem os processualistas italianos modernos, que já não dão tanta importância à ação, às suas condições e seus elementos identificadores. Ela permanece distanciada dos alemães, que jamais se preocuparam em isolar as condições da ação dos pressupostos processuais, como requisitos de admissibilidade do julgamento do mérito. A doutrina brasileira tem por certa a existência de um trinômio de questões na composição do objeto do conhecimento do juiz, competindo-lhe decidir sobre o processo (pressupostos processuais e requisitos de regularidade processual), sobre a ação (suas condições) e sobre o mérito (os fatos, o valor da prova, o direito material) - enquanto que a tendência européia moderna é no sentido de expor somente os dados de um binômio (pressupostos processuais e mérito) (infra, rui. 727 e 775). Além disso e certamente por conta do modo como se estruturam os organismos judiciários brasileiros, a doutrina daqui trata todas as questões sobre distribuição das funções jurisdicionais no plano da competência, diferentemente do que se dá na Itália, p.ex., onde parte dessa problemática é tratada como questão de jurisdição. Também se acata com segura tranqüilidade a teoria da substanciação, com a generalizada convicção de que, da causa de pedir posta na demanda inicial, somente a narrativa dos fatos concorre para delimitar o âmbito da tutela jurisdicional possível, sendo autorizado o juiz a dar aos fatos narrados qualificação jurídica diferente da proposta pelo autor (infra, n. 946) - diferentemente do que se pensa em países europeus, em que prevalece o sistema da individualização (vinculação pelos fundamentos jurídico-materiais e não pelas circunstâncias de fato); dá-se muito valor aos deveres de impulso processual a cargo do juiz, em contraposição às tendências menos inquisitórias prevalentes lá onde o processo civil é encarado com menores pendores publicísticos (adversary system); criou-se um verdadeiro pensamento brasileiro em torno do litisconsórcio necessário e do unitário, distingüindo-se esses conceitos com precisão que em nenhum outro país se vê etc. Vista pelo aspecto global, a cultura processual brasileira apresenta um grande paradoxo metodológico decorrente da aceitação de conceitos e propostas técnico-processuais hauridas na obra de Mestres europeus, especialmente alemães e italianos, ao mesmo tempo em que nossa fórmula político-constitucional de separação dos Poderes do Estado tem muito mais do modelo norte-americano. Aqui, como nos países da common law, o controle dos atos da Administração é feito por juízes do Poder Judiciário, inexistente o contencioso administrativo que nos principais países europeus existe. Com esse feitio, o direito brasileiro deveria repelir certas idéias presentes na doutrina européia e ligadas à distinção entre justiça ordinária e justiça administrativa (o contencioso administrativo). A presença de litígios fundados em direito administrativo, público por excelência, deveria afastar-nos, por exemplo, da clássica definição do direito processual civil como "conjunto de normas e princípios disciplinadores do exercício da jurisdição, da ação e da defesa em matéria civil" (Liebman). Sabido que a instrumentalidade ao direito material é o canal pelo qual o processo recebe legítimas influências deste (Cappelletti), é natural que o processo civil nacional seja muito mais publicista e portanto caracterizado por graus de indisponibilidade que não estão presentes no processo civil ordinário (não administrativo) de países europeus. É conhecida a tendência dos europeus modernos a mitigar diferenças entre o processo civil ordinário e o administrativo, mas o exagerado apego da doutrina brasileira a certos conceitos arraigados na doutrina tradicional italiana, como o de lide,' caracteriza esse paradoxo entre um pensamento doutrinário ligado a pressupostos privatísticos, numa ordem jurídico-processual endereçada cumulativamente à solução de litígios fundados em direito privado e em direito público. NOTA: 1. Conceito que já não goza de tanto prestígio entre os italianos, como entre os brasileiros. Quando se passa às manifestações em sede de ideologias do processo vê-se que parte da doutrina brasileira assimilou em grande escala as colocações sugeridas pelos pioneiros da escola instrumentalista, com grande engajamento a esta e às chamadas ondas renovatórias (supra, n. 42). A bibliografia brasileira atual exibe um número significativo de obras voltadas aos grandes temas do instrumentalismo, como o acesso à justiça e a inafastabilidade do controle jurisdicional, o direito processual constitucional em suas variadas manifestações, os escopos sociais e políticos do processo e a efetividade deste, os poderes de iniciativa probatória do juiz, a tutela coletiva etc. - além da instrumentalidade do processo em si mesma, como núcleo central de todas essas preocupações. Ao lado de argentinos, uruguaios e italianos, os brasileiros situam-se entre os que mais vêm produzindo nesse campo, sem embargo de outros setores doutrinários perseverarem na opção, também legítima, pela visão preponderantemente técnica do sistema. Em síntese, prepondera no Brasil um modelo doutrinário (a) que privilegia o instituto da ação e sua garantia constitucional, em confronto com os demais institutos fundamentais do processo civil; b) que dá às condições da ação a dignidade de categoria autônoma, distinta dos pressupostos processuais; c) que enfatiza os elementos identificadores da ação, como ponto de apoio para uma série de desdobramentos (limites do provimento admissível, litispendência, coisa julgada); d) que separa nitidamente os processos cognitivo e executivo, embora seja crescente o número dos que propugnam pela mitigação dessa separação (sentenças mandamentais, ações executivas lato sensu); e) que não fala em distribuição de jurisdição, mas sempre de competência; fl que em parte muito significativa se empenha nos estudos de direito processual constitucional com ênfase aos pressupostos ideológicos do processo civil; g) que desenvolve temas ligados à tutela coletiva; etc. 71. elementos para a identificação do modelo processual civil brasileiro no plano constitucional e no técnico-processual É natural que em grande medida o pensamento da doutrina de um país constitua projeção dos modos como sua Constituição e sua lei definem pressupostos e estruturam os institutos pertinentes ao ramo jurídico de seu interesse. A tendência de certas idéias e conceitos à universalização não chega ao ponto de autorizar o pensador a prescindir do que o direito positivo de seu país dispõe. Eis por que, na busca dos contornos de um modelo processual, é indispensável tomar por ponto de partida a dogmática residente no direito posto - até porque, se não fosse assim, os sistemas processuais do mundo inteiro propenderiam a uma utópica homogeneização e sequer teria sentido falar em modelos (a doutrina é uma verdadeira multinacional: Liebman). Não-obstante, a seleção útil dos pontos caracterizadores de um modelo jurídico pressupõe o necessário conhecimento do passado das instituições nacionais e de elementos de outros ordenamentos. O emprego do método histórico e do comparativo é indispensável quando se quer identificar um sistema e procurar o traçado do perfil que o diferencia de outros no tempo e no espaço. A esses pressupostos associa-se o conhecimento do pensamento doutrinário vigente e concentrado para esse controle, (e) a opção pela chamada jurisdição una, portanto sem adoção do contencioso administrativo, (î) a existência de diversos organismos judiciários, denominados Justiças, sempre no âmbito do Poder Judiciário, (g) a competência de revisão outorgada ao Supremo Tribunal Federal, o qual não se limita à mera cassação como sucede com outras cortes supremas, (h) a garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional, (i) as garantias destinadas a estabelecer a imparcialidade do juiz (juiz natural), Ú) a própria garantia de igualdade das partes, (k) a do contraditório e ampla defesa, (1) o severíssimo veto à adoção de prova obtida por meios ilícitos, (m) a de publicidade dos atos processuais e (n) a exigência de motivação das sentenças e demais atos judiciais, que em substância é uma particularização da garantia do devido processo legal. A garantia do devido processo legal tem abrangência suficiente para assegurar a liberdade dos litigantes no processo, o direito à prova e aos recursos etc. Eis a definição do modelo constitucional do processo civil brasileiro, colhida da soma dos elementos essenciais contidos na exposição feita: um modelo particularmente garantístico, com severos ditames preordenados ao processo justo e à preservação das liberdades (inclusive pela proibição das provas obtidas por meios ilícitos), no qual ao Poder Judiciário compete todo o controle jurisdicional - inclusive em relação a todas as causas envolvendo a Administração pública e à constitucionalidade das leis -podendo o controle de constitucionalidade ser difuso ou coletivo, dispondo o Supremo Tribunal Federal de competência para rejulgar as causas em grau de recurso extraordinário sem se limitar à mera cassação e sendo públicos os julgamentos feitos pela própria corte suprema e por todos os órgãos jurisdicionais em todas as Justiças existentes no Brasil. 73. o modelo infraconstitucional do processo civil brasileiro (técnico-operacional) A par dos elementos identificadores que constituem resultado de inovações recentes (tutela coletiva, juizados especiais, efetividade do processo e aceleração da tutela jurisdicional - supra, n. 71), é natural que a ordem jurídico-processual brasileira mostre uma série grande de características capazes de lhe traçar o perfil de um modelo no plano infraconstitucional (técnico- operacional). Todo sistema jurídico caracteriza-se como modelo em face das opções feitas em relação a certos pontos de importância mais destacada. São as seguintes as opções mais importantes que caracterizam o modelo infraconstitucional do processo civil brasileiro: I - singularidade dos órgãos judiciários de primeiro grau de jurisdição (não há tribunais de primeira instância); II - existência de juizados especiais cíveis, competentes para causas de menor complexidade (pequenas causas); III - coexistência entre a tutela jurisdicional coletiva e a individual, com forte tendência ao incentivo daquela; IV - aptidão do processo civil à outorga de tutela relativa a direitos subjetivos e também aos chamados interesses juridicamente protegidos (inexistente o contencioso administrativo); V - severos poderes concedidos ao juiz, para a efetividade da tutela jurisdicional; VI - aceleração da tutela jurisdicional mediante (a) a possibilidade de julgamento antecipado do mérito em certos casos, (b) a antecipação provisória da tutela ou de seus efeitos, (c) a instituição do processo monitório, em que o título executivo judicial pode ser produzido com rapidez, (d) a instituição de numerosos títulos executivos extrajudiciais, (e) a generalização da admissibilidade da tutela jurisdicional, inclusive com a instituição do poder cautelar geral do juiz, (f) tentativas de reduzir exigências formais desnecessárias; VII - inclusão da conciliação entre os deveres fundamentais do juiz; VIII - oralidade bastante atenuada, (a) reduzindo-se sua prática às poucas audiências que o sistema inclui, (b) autorizado-se a plena recorribilidade das decisões interlocutórias em primeiro grau de jurisdição, mas (c) assegurando-se parcialmente a identidade física do juiz que houver dado início à instrução oral da causa (infra, n. 288); IX - procedimento rígido, sem possibilidade de retrocessos, desenvolvido em fases e permeado de preclusões (infra, nn. 632633); X - impulso processual a cargo do juiz; XI - saneamento do processo, destinado a eliminar questões que no futuro pudessem impedir o julgamento do mérito, assim como a preparar a instrução probatória mediante definição do objeto da prova e dos meios probatórios a serem produzidos; XII - audiência preliminar destinada à tentativa de conciliação e ao saneamento do processo (a disposição que a instituiu é fortemente inspirada no que dispõe o art. 301 do Código de Processo Civil Modelo para a América Latina); XIII -poderes de iniciativa probatória, racionalmente concedidos ao juiz em alguma medida (mitigação do princípio dispositivo); XIV - existência de grande quantidade de procedimentos especiais; XV -pluralidade de graus jurisdicionais (e mera duplicidade, para recursos em matéria de fato ou de direito local ou contratual); XVI - combate a sentenças de mérito pela via excepcional da ação rescisória, que se desenvolve em processo autônomo e não vem tratada como recurso; XVII - execuções por título executivo judicial ou extrajudicial, processadas pelo mesmo modo. Além dessas características outras existem, que de algum modo também podem concorrer para a definição dos contornos do modelo infraconstitucional do processo civil brasileiro, como: 14) incentivo à arbitragem, seja nos juizados especiais cíveis, seja mediante legislação independente; 22) expressa menção à jurisdição voluntária, com o enunciado de uma série de procedimentos alusivos a ela; 32) grande preocupação ética, com explícitas sanções à deslealdade processual; 44) distribuição da competência estruturada segundo o método da repartição tríplice; 5Q) inúmeros casos de legitimidade do Ministério Público, seja para agir ou para intervir; 62) ênfase à instrumentalidade das formas, dispondo-se que nada se anula se o escopo do ato nulo ou omitido houver sido alcançado ou se não tiver ocorrido prejuízo à parte; 79) acatamento da teoria da substanciação (a narrativa dos fatos, contida na demanda inicial, é que limita a tutela jurisdicional - e não a categoria jurídico-processual proposta); 8Q) formação do processo, sempre, mediante demanda endereçada ao juiz; 94) conseqüente poder deste, de indeferir a petição inicial ou recebê-la, determinando a citação do demandado; 104) citações e intimações feitas prioritariamente por via postal; 114) adoção de exceções rituais para a argüição da incompetência relativa, ou da suspeição ou impedimento do juiz; 124) admissibilidade da ação declaratória incidental, para a propositura de demanda prejudicial à inicial; 134) suspensão do processo, sem casos de sua interrupção; 14°-) explícita adoção do meio de prova consistente na inspeção judicial; 154) inexistência de juramento, como meio de prova; 16-) repúdio à prova plena; 174) expressa adoção do princípio do livre convencimento racional para a apreciação da prova, devendo as decisões ser motivadas (livre convencimento motivado); 184) expressa vedação a julgamentos extra vel ultra petita, devendo a demanda ser julgada nos limites em que tiver sido proposta (correlação entre a tutela jurisdicional e a demanda); 19-) condenação do vencido a reembolsar honorários advocatícios ao vencedor (salvo exclusões ditadas em leis especiais); 20-) inexistência de condenações com reserva, sendo plena a coisa julgada incidente sobre as sentenças mérito, mesmo nos casos de cognição sumária; 214) grande elenco de recursos, seja contra atos do juiz de primeiro grau de jurisdição, seja dos tribunais; 224) tipicidade dos recursos cabíveis contra atos jurisdicionais de primeiro grau de jurisdição (apelação e agravo de instrumento); 234) recursos aos órgãos de superposição (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça), exclusivamente em matéria jurídica federal (federal questions) de nível constitucional ou infraconstitucional; 244) veto à reformatio in pejus, excluído portanto o beneficio comum da apelação; 254) conseqüente adoção do recurso adesivo; 264) adoção dos embargos de declaração, legalmente qualificados como recurso e destinados à correção da sentença; 27-) exigência de duplo grau de jurisdição em causas nas quais for vencida a Administração pública ou sempre que julgada procedente a demanda de anulação de casamento (remessa oficial); 284) execução singular e individual contra o devedor solvente e execução universal e coletiva contra o insolvente; 294) devedor insolvente sujeito a processo de falência quando comerciante e à insolvência civil, quando não-comerciante (devedor civil); 304) execução singular realizada exclusivamente em beneficio do credor penhorante; 314) consagração da máxima prior tempore potior jure fora dos casos de insolvência do devedor; 324) responsabilidade patrimonial incidente sobre bens alienados ou gravados em fraude de execução (sanção mais severa que a imposta em caso de mera fraude a credores); 334) remição de bens por parentes do devedor (pelo valor da arrematação ou adjudicação) e remição da execução por ele próprio (pagando a dívida); 34-) disciplina explícita e minuciosa da tutela cautelar, em Livro específico do Código de Processo Civil. Tais são as opções responsáveis pela identificação do modelo processual civil brasileiro no plano infraconstitucional. Falar em opções significa dar destaque aos pontos em que o legislador tomou alguma posição quando poderia ter tomado outra diferente ou oposta, sabendo-se que outras posições foram tomadas pelo legislador nacional no passado ou são tomadas pela lei de outros países, no passado ou no presente. Diante de tantos pontos ao menos relativamente particulares, é praticamente impossível condensar numa precisa fórmula sintética o perfil desse modelo assim descrito analiticamente; mas, de uma perspectiva bastante ampla e captando apenas o que há de mais genérico e significativo, define-se o sistema processual civil brasileiro como um modelo de processo empenhado na universalização da tutela jurisdicional inclusive mediante a oferta de tutela coletiva e absorção de litigantes de pequeno poder econômico, com grandes poderes do juiz em matéria instrutória e para a efetividade do processo, com tendência à aceleração da outorga da tutela e sendo rígido e atenuadamente oral o procedimento. Capítulo VII -OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS: PRINCÍPIOS E GARANTIAS DO PROCESSO CIVIL 74. processo e Constituição - 75. valor sistemático dos princípios - o processo como direito público - 76. tutela constitucional do processo civil - princípios e garantias constitucionais - 77. princípios gerais e regras técnicas - os princípios formativos do processo - 78. os princípios constitucionais do processo civil (princípios gerais) - 79. princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional - 80. a imparcialidade do juiz e as garantias do juiz natural - 81. o juiz natural - 82. princípio da igualdade - 83. a garantia constitucional da igualdade e os privilégios do Estado no processo civil brasileiro - 84. o princípio do contraditório e sua dupla destinação - 85. contraditório e partes - 86. o contraditório no processo executivo - 87. contraditório e tutela coletiva - 88. contraditório e juiz - 89. princípio da liberdade das partes - 90. a liberdade, a disponibilidade da tutela jurisdicional e o valor do princípio inquisitivo - 91. princípio da publicidade dos atos processuais - 92. princípio do duplo grau de jurisdição - 93. exigência constitucional de motivação das sentenças e demais decisões judiciárias - 94. a convergência dos princípios e garantias constitucionais do processo civil: devido processo legal - 95. o acesso à justiça como princípio- síntese e objetivo final - 96. interpretação sistemática e evolutiva dos princípios e garantias constitucionais do processo civil - 97. tutela jurisdicional aos princípios e garantias constitucionais do processo civil 74. processo e Constituição Direito processual constitucional é o método consistente em examinar o sistema processual e os institutos do processo à luz da Constituição e das relações mantidas com ela. O método constitucionalista inclui em primeiro lugar o estudo das recíprocas influências existentes entre Constituição e processo - relações que se expressam na tutela constitucional do processo e, inversamente, na missão deste como fator de efetividade dos preceitos e garantias constitucionais de toda ordem; inclui também o exame do arsenal de medidas integrantes da chamada jurisdição constitucional das liberdades (mandado de segurança, ação popular, ação civil pública etc.) (supra, n. 12). Dá-se atualmente tanta importância ao direito processual constitucional - e às duas vertentes caracterizadas pela tutela constitucional do processo e pela jurisdição constitucional das liberdades - que a maneira como a Constituição se comporta nessa área é tomada como elemento identificador de cada modelo processual (os modelos constitucionais do processo civil - supra, n. 72). A tutela constitucional do processo é feita mediante os princípios e garantias que, vindos da Constituição, ditam padrões políticos para a vida daquele. Trata-se de imperativos cuja observância é penhor da fidelidade do sistema processual à ordem político-constitucional do país (infra, mi. 76-77). Em sentido vetorialmente inverso ao da tutela constitucional do processo, apresenta-se o sistema processual como fator de efetividade das normas ditadas no plano constitucional, que ele promove de modo direto e de modo indireto (infra, n. 97). A tutela da Constituição pelo processo acaba produzindo, em alguns casos, verdadeiras mudanças informais desta, o que se dá quando os julgados dos tribunais se encaminham no sentido de alterar substancialmente o significado antes atribuído a alguma norma ou garantia. Essas mudanças são legítimas porque, sendo o juiz um intérprete da ordem jurídica como um todo, cumpre-lhe decidir com atenção à lei posta e também aos princípios gerais do direito (supra, n. 51) - e a conseqüência é que o continuado exercício da jurisdição faz com que em algumas matérias os textos legais e mesmo os constitucionais recebam interpretação à luz de valores vigentes no presente e que no momento Realmente, o sistema processual é tutelado por uma série de preceitos constitucionais ditados como padrões a serem atendidos pelo legislador ao estabelecer normas ordinárias sobre o processo e pelo intérprete (notadamente o juiz) encarregado de captar o significado de tais normas, interpretando os textos legais. Essa tutela reside nos chamados princípios e garantias constitucionais, de índole acentuadamente política e que correspondem a importantíssimas opções do moderno Estado-de-direito. Em última análise, a tutela constitucional do processo consiste na projeção da índole e características do próprio Estado sobre o sistema processual. Falar em acesso à ordem jurídica justa, por exemplo (ou na garantia de inafastabilidade do controle jurisdicional), é invocar os próprios fins do Estado moderno, que se preocupa com o bem comum e, portanto, com a felicidade das pessoas; valorizar o princípio do contraditório equivale á trazer para o processo um dos componentes do próprio regime democrático, que é a participação dos indivíduos como elemento de legitimação do exercício do poder e imposição das decisões tomadas por quem o exerce; cuidar da garantia do devido processo legal no processo civil vale por traduzir em termos processuais os princípios da legalidade e da supremacia da Constituição, também inerentes à democracia moderna; garantir a imparcialidade nos julgamentos mediante o estabelecimento do juiz natural significa assegurar a impessoalidade no exercício do poder estatal pelos juízes, agentes públicos que não devem atuar segundo seus próprios interesses mas para a obtenção dos fins do próprio Estado; etc. Mas a tutela constitucional do processo não seria efetiva se as grandes linhas-mestras desenhadas pela Constituição (princípios) não ganhassem eficácia imperativa mediante as correspondentes garantias. Consistem as garantias constitucionais em preceitos dotados de sanção, isso significando que sua inobservância afetará de algum modo a validade ou eficácia do ato transgressor, o qual não pode prevalecer sobre os imperativos constitucionais. Por isso é que geralmente os dispositivos constitucionais reveladores dos grandes princípios são encarados como garantias, a ponto de ser usual o uso indiferente dos vocábulos princípio e garantia para designar a mesma idéia. Caso isolado de princípio constitucional endereçado ao processo e desprovido do caráter de imperatividade é o do chamado princípio do duplo grau de jurisdição. É um principio sim e, como tal, há de inspirar o legislador ao editar leis e o juiz ao interpretá-las e resolver os casos de dúvida sobre a concreta admissibilidade de algum recurso. Não é uma garantia, porém, dado que apropria Constituição apresenta hipóteses de grau único de jurisdição (p.ex., em certos casos de competência originária dos tribunais, em que é excepcional a recorribilidade dos julgados). 77. princípios gerais e regras técnicas - os princípios formativos do processo A técnica processual inclui também um número extenso de regras de grande importância, desenvolvidas ao longo dos séculos e da experiência acumulada, sendo responsáveis pela boa ordem do processo e correto encaminhamento de suas soluções. Rigorosamente, contudo, não se qualificam como princípios porque têm lugar no interior do sistema e não atuam como pilares sobre os quais este se apóia (estes, sim, são os verdadeiros principios, especialmente os de índole político-constitucional). Entre essas regras técnicas avultam quatro, que a doutrina tradicionalmente chama de princípios e especifica como princípios formativos do processo (ou princípios informativos, segundo alguns). São as seguintes: a) princípio econômico, voltado à produção do melhor resultado desejável com o menor dispêndio possível de recursos; b) princípio lógico, que aconselha a seleção de meios eficazes à descoberta da verdade e das soluções corretas, evitando erros; c) princípio jurídico, que postula a igualdade no processo e a fidelidade dos julgamentos ao direito substancial; d) princípio político, dirigido ao binômio representado pelo máximo possível de garantia social com o mínimo de sacrifício pessoal. Esses falsos princípios, enunciados em antiga doutrina italiana e acatados prestigiosamente na brasileira, são na realidade regras técnicas e não refletem opções políticas. Um processo realizado de modo econômico, lógico, juridicamente adequado e politicamente correto (para empregar aquela linguagem usual) é um processo tecnicamente bem feito, sem embargo de produzir ou não produzir resultados coerentes com as grandes premissas constitucionais - esses, sim, verdadeiros princípios. O máximo que se pode dizer em prol de tais regras técnicas como possíveis princípios é que elas refletem, pelo aspecto técnico, as idéias que os princípios representam. Existem inúmeras outras regras técnicas de grande importância e prestígio, também geralmente indicadas como princípios, mas que não o são. É o caso, p.ex., do chamado princípio da demanda, pelo qual a jurisdição só se exerce mediante provocação de parte (CPC, art. 22, art. 262); do princípio da correlação entre provimento e demanda, pelo qual o juiz não pode conceder ao autor senão o que foi pedido, sendo também obrigado a pronunciar-se sobre o pedido todo (arts. 128, 560); do princípio do livre convencimento, que dá ao juiz liberdade para examinar os resultados da prova segundo sua própria capacidade perceptiva e atento ao que consta dos autos, motivando sua decisão (art. 131 c/c art. 458, inc.11); do princípio da oralidade, que postula a preponderância do verbal sobre o escrito no procedimento; do princípio dispositivo, da lealdade, da instrumentalidade das formas etc. etc. É claro que, no fundo, a todas essas regras pode-se chegar, com algum esforço de raciocínio, a partir das idéias representadas pelos princípios gerais e políticos do processo, ou seja, a partir de suas premissas externas e fundamentais. Mas, em si mesmas, elas não são verdadeiros princípios do direito processual. Falar em princípios como pontos de partida ou colunas externas de apoio de uma ciência, exclui realmente que se tomem por princípios do direito processual essas regras que, sendo internas a ele, não têm a responsabilidade de atuar como elementos de sua ligação aos ramos maiores e ao tronco da grande árvore do conhecimento jurídico. Mesmo assim e com toda essa ressalva, podemos continuar falando em princípios nesses casos, para evitar inúteis discrepâncias verbais em face da doutrina em geral. Tenha-se sempre presente, contudo, que esses “princípios" não têm todo o caráter de generalidade de que são dotados os de origem político-constitucional, pois referem-se apenas a algum setor do direito e da ciência processuais e não ao processo civil como um todo (p.ex., o princípio" do livre convencimento tem pertinência exclusivamente à disciplina da prova; o da oralidade, à forma dos atos no procedimento etc.). Jamais poderão ser considerados princípios gerais, portanto. 78. os princípios constitucionais do processo civil (princípios gerais) A Constituição impõe expressamente alguns princípios que devem prevalecer em relação a processos de toda espécie (civil, penal, trabalhista; jurisdicional ou não), a saber: o do devido processo legal, o da inafastabilidade do controle jurisdicional, o da igualdade, da liberdade, do contraditório e ampla defesa, juiz natural e publicidade. Contém ainda as linhas das quais se infere o princípio do duplo grau de jurisdição (ao estruturar basicamente o Poder Judiciário e indicar a competência recursal dos tribunais), embora não lhe dê contornos de autêntica garantia. Além disso, formula a exigência de motivação das decisões judiciárias, que não se qualifica como princípio porque lhe falta o caráter de idéia mestra, ou ponto de partida: trata-se de exigência técnica das mais importantes e grande responsabilidade pelo perfil político-democrático do processo, sendo uma projeção especificada do princípio do due process of law - esse, sim, autêntico princípio. A Constituição formula princípios, oferece garantias e impõe exigências em relação ao sistema processual com um único objetivo final, que se pode qualificar como garantia-síntese e é o acesso à justiça.' Com esse conjunto de disposições, ela quer afeiçoar o processo a si mesma, de modo que ele reflita, em menor, o que em escala maior está à base do próprio Estado- dedireito. Ela quer um processo pluralista, de acesso universal, participativo, isonômico, liberal, transparente, conduzido com impessoalidade por agentes previamente definidos e observância das regras etc. - porque assim ela mesma exige que seja o próprio Estado e assim é o modelo político da democracia. A efetividade dessas disposições constitui penhor da (relativa) universalização da tutela jurisdicional, com a desejada redução dos resíduos não- jurisdicionalizáveis, bem como do aprimoramento do processo mesmo e de seus resultados, segundo os parâmetros do processo justo e équo. NOTA: 2. Essa é também a finalidade da oferta das tutelas diferenciadas que se reúnem no conceito de jurisdição constitucional das liberdades. Muitos desses princípios, garantias e exigências convergem a um núcleo central e comum, que é o devido processo legal, porque observar os padrões previamente estabelecidos na Constituição e na lei é oferecer o contraditório, a publicidade, possibilidade de defesa ampla etc. São perceptíveis e inegáveis as superposições entre os princípios constitucionais do processo, sendo impossível delimitar áreas de aplicação exclusiva de cada um deles - até mesmo em razão dessa convergência e porque nenhum deles se conceitua por padrões rigorosamente lógicos, mas políticos. Ao sentenciar em desfavor de uma das partes sem ter colhido as provas admissíveis que ela haja regularmente requerido, o juiz viola ao mesmo tempo as garantias do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. 79. princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional O inc. XXXV do art. 54 da Constituição, antes interpretado como portador somente da garantia da ação, tem o significado político de pôr sob controle dos órgãos da jurisdição todas as crises jurídicas capazes de gerar estados de insatisfação às pessoas e, portanto, o sentimento de infelicidade por pretenderem e não terem outro meio de obter determinado bem da vida. Esse dispositivo não se traduz em garantia do mero ingresso em juízo ou somente do julgamento das pretensões trazidas, mas da própria tutela jurisdicional a quem tiver razão. A garantia da ação, como tal, contenta-se em abrir caminho para que as pretensões sejam deduzidas em juízo e a seu respeito seja depois emitido um pronunciamento judicial, mas em si mesma nada diz quanto à efetividade da tutela jurisdicional. O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional manda que as pretensões sejam aceitas em juízo, sejam processadas e julgadas, que a tutela seja oferecida por ato do juiz àquele que tiver direito a ela - e, sobretudo, que ela seja efetiva como resultado prático do processo (supra, n. 42). Todo esse feixe de aberturas propiciado pelo princípio da inafastabilidade sujeita-se às restrições legitimamente postas pelas regras técnicas do processo e mesmo pelo convívio com outras normas viventes no próprio plano constitucional. Isso explica por que certas pretensões em face do Estado encontram a barreira representada pelas fórmulas de independência dos Poderes e equilíbrio entre eles; por que a propositura de uma demanda em juízo é sempre sujeita a uma série de requisitos técnico-processuais, inclusive de forma; por que as pretensões só poderão ser afinal julgadas se presentes os chamados pressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito etc. Tais são óbices legitimamente postos à plena universalização da tutela jurisdicional, de cuja presença no sistema se infere a legítima relatividade da garantia da inafastabilidade dessa tutela. Essa relatividade não significa debilidade da garantia e não pode conotar-se por um nefasto conformismo diante de situações não jurisdicionalizáveis, sob pena de inutilidade da garantia. Dos óbices legítimos e intransponíveis é indispensável distinguir os óbices perversos, residentes às vezes na própria lei, em sua interpretação apegada a valores do passado e principalmente em certas realidades sociais, econômicas ou culturais estranhas à ordem processual - como a pobreza, o temor reverencia) etc. Essas são verdadeiras barreiras internas e externas, que dificultam o acesso à justiça (Morello). O inc. XXXV do art. 5- da Constituição Federal, que é o suporte constitucional dessa tendência expansiva, comporta interpretação sistemática em coordenação com a garantia constitucional da igualdade, o que conduz à conseqüência de não ser lícita qualquer restrição que leve em conta a raça da pessoa, seu sexo, cor ou idade (art. 54, caput e art. 3-, inc. IV), ou mesmo sua nacionalidade. O art. 54 emprega a fórmula brasileiros ou estrangeiros residentes no país, mas do amplo conteúdo garantístico do art. 3s extrai-se que também aos estrangeiros não-residentes se oferecem iguais oportunidades e, portanto, igual possibilidade de acesso à justiça. Não-obstante a redação do art. 5-Q da Constituição Federal e art. 95 do Estatuto do Estrangeiro, seria contrária à índole do Estado-de-direito modelado por aquela a exclusão de pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras não radicadas no país, negando-se-lhes a tutela jurisdicional. Negar a esses sujeitos a possibilidade de acesso à justiça seria tão contrário à índole do Estado brasileiro quanto negá-la a nacionais ou a estrangeiros residentes (Const., art. 5% § 2Q). Seria aberrante, p.ex., permitir que ficasse sem a possibilidade de obter a proteção do mandado de segurança um estrangeiro em trânsito em algum aeroporto do país e vítima de violação a algum direito líqüido- e-certo (Celso Bastos); igualmente absurdo seria excluir da proteção jurisdicional os estrangeiros que, sem residir no país, investem em bolsas de valores nacionais. A ordem jurídica brasileira não exige sequer o requisito da reciprocidade, ou seja, não exige que em igualdade de situações complexidade e para proferir sentenças sujeitas a homologação pelo juiz togado (Const., art. 98, inc. 1; lei n. 9.099, de 26.9.95, arts. 7-, 22, 24, § 24, 37 e 40); eles não exercem jurisdição, mas mera atividade parajurisdicional (infra, nn. 364 e 519). Os juízes de paz, também definidos na Constituição Federal (art. 98, inc. 11), não exercerão jurisdição alguma e limitar-se-ão à conciliação e atividades relacionadas com a habilitação para o casamento e sua celebração. Em sua pureza abstrata, o princípio do juiz natural não exige que as causas sejam julgadas por membros da chamada ordem judiciária. Nos países da chamada jurisdição dúplice, certas causas envolvendo a Administração competem a juízes constitucionalmente legítimos, que integram o chamado contencioso administrativo e exercem autêntica jurisdição embora não sejam integrantes da Justiça. Isso não se dá no Brasil, em que a jurisdição se exerce exclusivamente por integrantes da Magistratura (jurisdição una: infra, mi. 70, 73, 150). O órgão judiciário competente deve preexistir aos fatos com base nos quais a causa será proposta - e essa é a segunda garantia relacionada com o juiz natural. Ao vedar a instituição de tribunais de exceção (art. 54, inc. XXXVII), quer a Constituição Federal impedir que, já delineada uma situação, venha o Estado a criar órgãos ou organismos endereçados a julgamentos segundo influências espúrias. Essa disposição aplica-se ao processo civil, tanto quanto ao penal. Os tribunais de exceção de que se tem notícia, notadamente o de Nuremberg no século XX, foram constituídos para julgamentos em matéria penal. Infelizmente a repulsa a eles só prepondera em tempos de normalidade institucional, sendo ignorada precisamente nos momentos de convulsão, quando mais necessário seria que se impusesse. Pelo aspecto técnico-processual, a condição de juiz preexistente constitui requisito sem o qual será juridicamente inexistente eventual julgamento emitido por outra pessoa ou órgão subjetivamente incapaz de ser juiz natural. Tal requisito qualifica-se como pressuposto processual, sendo absolutamente inviavel o processo conduzido por quem não seja juiz ou não o fosse antes (pressuposto da investidura) (infra, n. 833). A legislação do Sistema Financeiro da Habitação permite que um cidadão comum, não juiz e sequer integrante dos quadros estatais (o agente fiduciário), promova a alienação de imóvel do devedor inadimplente em leilão, ficando desfalcado o patrimônio deste por obra de alguém que não é o juiz natural (dec-lei n. 70, de 21.11.66, arts. 31-32). Mas a jurisprudência vem negando a inconstitucionalidade do dispositivo. A terceira das garantias constitucionais do juiz natural em processo civil é a da competência. Considera-se competente o juiz como tal definido pela Constituição ou pela lei mediante a indicação taxativa das causas que ele tem a atribuição de processar e julgar. É indispensável, em outras palavras, que entre o juiz e a causa exista uma relação de adequação legítima (Celso Neves), que só a Constituição e a lei definem e só elas podem alterar. Não é lícito impor a alguém um juiz cuja competência não resulte da Constituição ou da lei em vigor no momento da propositura da demanda (CPC, art. 87) - não sendo permitido sequer aos mais elevados órgãos do Poder Judiciário alterar as regras de competência estabelecidas no direito positivo. Tal é o significado do disposto no inc. LIII do art. 5- da Constituição, ao proclamar o direito a julgamento por juiz competente. Isso não significa que o sistema de competência seja absolutamente rígido. A própria lei indica os casos em que se prorroga a competência de algum juízo ou tribunal, tornando-se competente quando ordinariamente não o seria (casos de incompetência relativa). Mas também aqui é da lei que vêm as regras sobre essa flexibilização, seja mediante a determinação dos casos em que a competência se prorroga (competência territorial), seja estabelecendo taxativamente as causas das possíveis prorrogações (p.ex., eleição de foro nos casos previstos no art. 111 CPC) (infra, n. 210). O julgamento feito por juiz incompetente não traz vício tão grave quanto o que haja sido feito por não-juiz, ou por órgão judiciário que não fosse preexistente (tribunais de exceção). Por isso, se o juiz que comandou o processo e julgou a causa estiver regularmente investido no exercício da jurisdição e o órgão judiciário já existia desde antes dos fatos, seu ato será nulo mas juridicamente existente - embora para aquela causa não recebesse da lei a atribuição de exercer a jurisdição (ele seria um juiz incompetente, mas não deixa de ser juiz). Se não for interposto recurso pela parte vencida, essa sentença ficará imunizada pela coisa julgada e seus efeitos prevalecerão - o que não acontece com as sentenças juridicamente inexistentes (infra, n. 707). Será ineficaz a sentença se o juiz incompetente que a proferiu pertencer a outra Justiça, diferente daquela pela qual a causa deveria ter tramitado e sido julgada (figure-se o caso absurdo de um pedido de divórcio julgado pela Justiça do Trabalho). Não que falte jurisdição a esse juiz incompetente, porque a jurisdição é rigorosamente una e somente o seu exercício é que se distribui por juizes de diversos setores (infra, n. 117). Mas a grave inconstitucionalidade dessa exorbitância de competência não pode ser superada pelo decorrer de prazos ou acontecimentos processuais porque as regras sobre estes são de nível infraconstitucional e carecem de aptidão a validar aquilo que a Constituição não quer: só poderia haver prorrogação da competência constitucional, com alteração das normas da Constituição Federal sobre a competência das diversas Justiças, se a própria Constituição ditasse tais normas flexibilizadoras. Existem conseqüências práticas da distinção entre sentenças, nulas, inexistentes ou ineficazes (infra, mi. 1.231 ss.). 82. princípio da igualdade Destinado a ser um microcosmos em relação ao Estado democrático, o processo civil moderno rege-se pelos grandes pilares da democracia, entre os quais destaca-se a igualdade como valor de primeira grandeza. O princípio isonômico, ditado pela Constituição em termos de ampla generalidade (art. 54, caput, c/c art. 3s, inc. IV), quando penetra no mundo do processo assume a conotação de princípio da igualdade das partes. Da efetividade deste são encarregados o legislador e o juiz, aos quais cabe a dúplice responsabilidade de não criar desigualdades e de neutralizar as que porventura existam. Tal é o significado da fórmula tratar com igualdade os iguais e desigualmente os desiguais, na medida das desigualdades. A leitura adequada do art. 125, inc. I, do Código de Processo Civil, mostra que ele inclui entre os deveres primários do juiz a prática e preservação da igualdade entre as partes, ou seja: não basta agir com igualdade em relação a todas as partes, é também indispensável neutralizar desigualdades. Essas desigualdades que o juiz e o legislador do processo devem compensar com medidas adequadas são resultantes de fatores externos ao processo -fraquezas de toda ordem, como a pobreza, desinformação, carências culturais e psicossociais em geral. Neutralizar desigualdades significa promover a igualdade substancial, que nem sempre coincide com uma formal igualdade de tratamento porque esta pode ser, quando ocorrentes essas fraquezas, fonte de terríveis desigualdades. A tarefa de preservar a isonomia consiste, portanto, nesse tratamento formalmente desigual que substancialmente iguala. Exemplo vivo é a promessa constitucional e legal de assistência jurídica integral aos necessitados (Const., art. 5-, inc. LXX1V, art. 24, inc. XIII). Dos tempos em que a mulher casada aparecia perante a sociedade como pessoa extremamente dependente do marido é o dispositivo segundo o qual as ações de separação judicial e de divórcio têm por foro competente o da residência da mulher - figure ela na condição de autora ou de ré (CPC, art. 100, inc. I). Essa era uma fórmula de reequilíbrio, num trato desigual aos desiguais. Mas a emancipação da mulher, sua profissionalização etc., levaram o constituinte a proclamar a absoluta equivalência jurídica dos sexos, vedada qualquer discriminação (Const., art. 5Q, inc. 1, c/c art. 311, inc. IV). Continuaria em vigor aquele dispositivo do Código de Processo Civil ou estaria revogado pela Constituição de 1988? A jurisprudência vem optando firmemente pela primeira resposta. A igualdade de todos perante a lei repercute também na garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional, a qual deve ser outorgada a todos, "sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (Const., art. 311, inc. IV, de plena aplicação em tema de acesso à justiça). Essa disposição serve de corretivo à má redação do art. 511, caput, fonte da falsa impressão de que estrangeiros não residentes no país não desfrutariam das garantias oferecidas pela Constituição Federal. Não só nacionais, como pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras radicadas ou não no país são todos beneficiados por essas garantias (supra, n. 79). O tema da prática do princípio isonômico pelo juiz é muito próximo ao da imparcialidade e com ele bastante relacionado. 0 juiz imparcial atua de modo equilibrado, o parcial é propenso a buscar o favorecimento de uma das partes. Nem teria significado a preocupação pela imparcialidade do juiz, não fora com o fito de garantir aos sujeitos litigantes o tratamento isonômico indispensável para que, ao fim, o processo possa oferecer tutela jurisdicional a quem efetivamente tenha razão. Na outra ponta, o tema da isonomia confina com o das garantias da liberdade, do contraditório e da ampla defesa, porque a igualdade das partes inclui igualdade em oportunidades de participar com liberdade, defendendo-se adequadamente. Contraditório é participação e participar do processo significa, para as partes, empregar as armas lícitas disponíveis com o objetivo de convencer o juiz a dar julgamento favorável. Daí o destaque dado à parità nelle armi em estudos sobre o princípio isonômico, mas que bem poderia ser feito também no trato do contraditório. O contraditório não é aspecto da isonomia nem constitui projeção desta. O que os relaciona intimamente é essa convergência funcional, somada ao fato de que ambos são importantíssimas premissas democráticas e, portanto, manifestações do zelo do Estado contemporâneo pelas liberdades públicas. Isonomia e contraditório caminham politicamente juntos, embora cada qual tenha sua própria individualidade conceitual independente. Contraditório equilibrado é contraditório com igualdade. Ainda no tema da prática da isonomia pelo juiz, vê-se que esse dever inclui não só o de oferecer oportunidades iguais de participação aos litigantes, mas também o de pô-los sempre em situação equilibrada, mediante decisões coerentes. O juiz pratica a isonomia dando oportunidades iguais, v.g., quando concede prazos equivalentes a ambas as partes para apresentarem memoriais com alegações finais; ou quando, tendo diligenciado a obtenção de um meio de prova de interesse de uma das partes (p.ex., quebra do sigilo bancário do adversário), tem o dever isonômico de diligenciar análogo elemento probatório de interesse da outra parte etc. A prática da isonomia pelo juiz não se limita à sua conduta na direção do processo (disposições sobre prova etc.), mas deve estar presente também ao julgar a causa. O processo équo, ou processo justo, de que fala a doutrina, é aquele feito segundo legítimos parâmetros legais e constitucionais e que ao fim produza resultados exteriores justos. Se o juiz determina a correção monetária do crédito de uma das partes segundo determinado índice, pelo mesmo índice deve fazer atualizar as parcelas a deduzir. Ao condenar autor e réu por honorários da sucumbência em caso de procedência parcial da demanda inicial (CPC, arts. 20 e 21), deve fixar o mesmo percentual com relação à parte do litígio em que cada um ficou vencido. Se julga improcedente a demanda do autor, deve condenálo a reembolsar honorários ao réu pelo mesmo valor que teria sido imposto a este em caso de procedência (honorários não calculados sobre o valor formalmente atribuído à causa, mas pelo montante da condenação negada, pois sobre esse valor é que seriam calculados os honorários se o autor houvesse tivesse obtido ganho de causa: CPC, art. 20, § 34). 83. a garantia constitucional da igualdade e os privilégios do Estado no processo civil brasileiro Uma realidade preocupante, no direito infraconstitucional brasileiro e em várias linhas da orientação constante dos tribunais, são os privilégios de que gozam os entes estatais e seus agentes quando partes no processo civil. Às disposições legais que instituem situações de desequilibrada vantagem ao Estado e ao Ministério Público acrescem-se certas tendências dos juizes a privilegiá-los ainda mais, o que eles fazem ao conferir a essas entidades tratamentos incompatíveis com a garantia constitucional da isonomia processual. Compreende-se o zelo pelas coisas do Estado e do interesse público, sendo legítimas as medidas destinadas a evitar malversações ou omissões lesivas aos bens e interesses geridos pelos agentes do Estado; mas o que preocupa é o exagerado desequilíbrio antfsonômico instituído em nome desse zelo e desse interesse geral, que vem conduzindo o sistema processual a deixar os adversários da Fazenda ou do Ministério Público em situação inferiorizada no processo, a dano dos pilares do processo justo e équo.4 NOTA: 4. Em parte, o conjunto de disposições legais privilegiadoras dos entes estatais teve origem, na vida processual brasileira, na experiência fascista do Código de Processo Civil de 1939, promulgado pela ditadura do Estado-Novo getulista. Eis os mais destacados tratamentos diferenciados que o direito positivo e os tribunais vêm concedendo aos entes públicos: I - prazos privilegiados à Fazenda Pública e ao Ministério Público: em quádruplo para contestar, em dobro para recorrer (art. 188). O fundamento desse tratamento diferenciado seria a suposta diferença entre o Estado e os demais litigantes, caracterizando-se aquele como uma estrutura pesada e burocrática em que as providências e decisões costumam ser mais demoradas. Estar- se-ia, aparentemente, garantindo isonomia mediante a compensação dessa desigualdade de instituído o processo mediante o ajuizamento desta, o réu é admitido a pedir logo de início, podendo alegar fundamentos de defesa e postular a improcedência da demanda ou a extinção do processo; o autor pode pedir a antecipação da tutela, o que obterá se concorrerem os requisitos postos em lei (CPC, art. 273); ambas as partes são admitidas a produzir provas dos fatos alegados; a parte contrariada por uma decisão tem o caminho aberto para pedir ao Tribunal uma decisão favorável (recurso). Ao pedir, cada um dos litigantes alega, isto é, traz fundamentos destinados a convencer o juiz; e alega também, ao fim do procedimento e antes da sentença, analisando os fatos, as provas e as conseqüências jurídicas daqueles etc. No processo de conhecimento, todo procedimento apresenta momentos destinados à dedução de pedidos (fase postulatória) e outros à produção de provas e alegações (fase instrutória).5 Essa é a dinâmica do pedir-alegar-provar, em que se resolve o contraditório posto à disposição das partes. Essa participação torna-se criticamente necessária para a defesa dos direitos em juízo quando surge algum ato contrário ao interesse do sujeito. Diz-se então que o contraditório se exerce mediante reação aos atos desfavoráveis, quer eles venham da parte contrária ou do juiz: reage-se à demanda inicial contestando e à sentença adversa, recorrendo. Por outro lado, a efetividade das oportunidades para participar depende sempre do conhecimento que a parte tenha do ato a ser atacado. O sistema inclui, portanto, uma atividade, posta em ação pelo juiz e seus auxiliares, consistente na comunicação processual e destinada a oferecer às partes ciência de todos os atos que ocorrem no processo. O primeiro e mais importante deles é a citação, indicada como a alma do processo, que é o ato com que o demandado fica ciente da demanda proposta, em todos os seus termos (CPC, art. 213), tornando-se parte no processo a partir de então (infra, nn. 661 e 1.028). Para o conhecimento dos atos que se realizam ao longo do procedimento, com o eventual chamamento a ter alguma conduta ou abster-se dela, existem as intimações (art. 234): o autor é intimado da defesa processual deduzida pelo réu, este é intimado quando o autor pede a antecipação da tutela, 6 a parte que requereu uma perícia é intimada a adiantar os honorários do perito, ambos são intimados das decisões e sentenças proferidas etc. NOTA: 5 . O que não significa que só na fase postulatória se possam fazer pedidos, nem que toda prova e toda alegação sejam confinadas à fase instrutória (p.ex., documentos são trazidos já com a petição inicial ou com a contestação e estas devem conter alegações que a lei considera indispensáveis). 6. Embora as medidas mais urgentes possam ser concedidas inaudita altera parte. Nesses casos, o contraditório é efetivado a posteriori. Atenta a esse quadro de participação dos litigantes, a doutrina vem há algum tempo identificando o contraditório no binômio informação-reação, com a ressalva de que, embora a primeira seja absolutamente necessária sob pena de ilegitimidade do processo e nulidade de seus atos, a segunda é somente possível. Esse é, de certo modo, um culto ao valor da liberdade no processo, podendo a parte optar entre atuar ou omitir-se segundo sua escolha. No processo de conhecimento, o réu que não oferece contestação considera-se revel e a lei, legitimamente, endereça-lhe a pesada sanção consistente em mandar que em principio o juiz tome por verdadeiras todas as alegações verossímeis feitas pelo autor em matéria de fato (CPC, art. 319). Nem por isso, contudo, peca esse processo por falta de contraditório - dado que, com a citação regularmente feita, o demandado ficara ciente e isso significa que decorrem de sua própria omissão as conseqüências que ele suportará. Há casos em que a reação se impõe como absolutamente indispensável, falando a doutrina, com relação a eles, na necessidade de um contraditório efetivo. É o que se dá quando a citação tiver sido feita por meios precários, como a publicação de editais, vindo o réu a permanecer revel. A lei manda que o juiz dê curador a esse demandado (art. 94, inc. II), com o munus de oferecer obrigatoriamente a defesa, sob pena de nulidade de todos os atos processuais subseqüentes. Faz-se necessária uma reação que em casos normais seria somente possível, justamente porque a informação não foi feita de modo confiável. Não se sabe se o réu não respondeu à inicial porque não quis, ou porque não soube da sua propositura. 86. o contraditório no processo executivo No processo de execução, que não comporta discussões nem julgamento sobre a existência do crédito - mas comporta-os com referência a outras questões - o contraditório que se estabelece endereça-se somente aos julgamentos que nesse processo podem ter lugar. Não há processo sem decisão alguma, não há decisão sem prévio conhecimento e não há conhecimento sem contraditório. Por isso, também no processo executivo está presente o trinômio pedir-alegar-provar, ao cabo de cuja realização o juiz decide. A vigente Constituição Federal não permite duvidar da inclusão do processo executivo na garantia do contraditório (art. 54, inc. LU) e isso é democraticamente correto porque não só o processo de conhecimento produz resultados capazes de atingir o patrimônio das pessoas: o de execução o atinge sempre, sendo que a execução por dinheiro produz o gravíssimo resultado consistente na expropriação do bem penhorado. Sendo a participação indispensável fator legitimante da imposição dos resultados do exercício do poder (supra, n. 85), seria ilegítimo privar o executado de participar do processo executivo - simplesmente sujeitando-se aos atos do juiz e suportando inerte o exercício do poder sobre os bens de sua propriedade ou posse. Além disso, mandando a lei que a execução se faça pelo modo menos gravoso possível (CPC, art. 620), não haveria como dar efetividade a essa regra medular da execução forçada se não fosse mediante a dialética do contraditório. O devedor tem, por exemplo, oportunidade para escolher o bem que prefere para sofrer penhora (nomeação à penhora: art. 655), para pedir redução desta ou substituição do bem penhorado por outro (art. 685, inc. I), para remir a execução, pagando (art. 651) etc. O credor pedirá o reforço de penhora (art. 685, inc. II), a adjudicação do bem penhorado (art. 671) etc. A ambas as partes é lícito pedir nova avaliação do bem (art. 683) ou a sua alienação antecipada (art. 670) etc. Aquele que pede ampara seu pedido com os fundamentos que tiver (alegações) e trará a prova do que alegar. Isso é contraditório, integrado pelo trinômio pedir-alegar-provar e apoiado pelo sistema de informações consistente na citação e intimações. 87. contraditório e tutela coletiva A garantia do contraditório, que impõe a participação dos litigantes no processo, tem como corolários imediatos (a) a regra da legitimidade ad causam, não sendo uma pessoa admitida em juízo para defender em nome próprio interesses alheios (CPC, art. 64); b) a da eficácia da sentença restrita aos sujeitos que figuraram no processo como partes - não se podendo, p.ex., executar sobre o patrimônio do empregador a sentença proferida em face do preposto;7 c) a dos limites subjetivos da coisa julgada, não podendo um sujeito ficar vinculado ao teor de uma sentença proferida em processo no qual não haja sido parte (art. 472). Modernamente tais restrições vão sendo depuradas do significado individualista de que tradicionalmente se revestiam, entendendo-se que um processo conduzido por entidade dotada de legitimidade adequada segundo a lei possa produzir efeitos sobre pessoas integradas em determinado grupo ou comunidade. Tal é o fundamento da tutela coletiva preparada mediante o exercício das ações coletivas pelo Ministério Público, associações e outras entidades que a lei indica - e relacionadas com os valores do meio-ambiente, das relações de consumo etc. (LACP, art. 54; CDC, art. 82). A idoneidade dessas entidades qualificaas como legítimas substitutas processuais dos interessados e sua participação satisfaz às exigências do contraditório - agora visto da óptica do direito moderno e dos objetivos da tutela referente a direitos e interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Os efeitos da sentença e a autoridade da coisa julgada vão além dos próprios sujeitos que nesses casos figuram como autores, atingindo e vinculando os integrantes do grupo ou comunidade substituída no processo pelo autor (CDC, art. 103). Não reside nisso qualquer ultraje à garantia constitucional do contraditório, porque os entes qualificados para o exercício da ação pública atuam no interesse do grupo ou comunidade interessada, sendo tecnicamente qualificados como seus substitutos processuais (infra, nn. 440 e 548). NOTA: 7. O art. 1.521, inc. III, do Código Civil, estabelece a responsabilidade civil do preponente pelos atos do empregado, mas essa é uma regra que se exaure no campo do direito substancial e significa somente que o primeiro tem obrigações derivadas das condutas do segundo. Como qualquer pessoa que em tese seja obrigada, o patrão só poderá suportar execução legítima em caso de ter sido parte no processo de conhecimento (CPC, art. 568, inc. I): permitir que contra ele se executem sentenças proferidas em face do empregado seria sujeitá-lo aos efeitos de um processo do qual não participou em contraditório. No entanto, não falta quem sustente o contrário, confundindo regras de direito material com as do processo. 88. contraditório e juiz A garantia constitucional do contraditório endereça-se também ao juiz, como imperativo de sua função no processo e não mera faculdade (o juiz não tem faculdades no processo, senão deveres e poderes: infra, n. 497). A doutrina moderna reporta-se ao disposto no art. 16 do nouveau côde de procédure civile francês como a expressão da exigência de participar, endereçada ao juiz. Diz tal dispositivo: "o juiz deve, em todas as circunstâncias, fazer observar e observar ele próprio o princípio do contraditório". A globalização da ciência processual foi o canal de comunicação pelo qual uma regra de direito positivo de um país pôde ser guindada à dignidade de componente desse princípio universal, transpondo fronteiras. A participação que a garantia do contraditório impõe ao juiz consiste em atos de direção, de prova e de diálogo. A lei impõe ao juiz, entre seus deveres fundamentais no processo, o de participar efetivamente (infra, n. 509). Tal é a perspectiva do ativismo judicial, que vem sendo objeto de ardorosos alvitres nos congressos internacionais de direito processual, marcados pela tônica da efetividade do processo. Opõese aos postulados do adversary system prevalente no direito anglo-americano, onde o juiz participa muito menos (especialmente no tocante à colheita da prova) e desenvolve, como se diz, a relatively passive role. A direção do processo é exercida em primeiro lugar mediante o impulso do procedimento, do qual a lei expressamente encarrega o juiz (CPC, art. 262, parte final: o impulso oficial): nãoobstante seja das partes o interesse primário pela solução dos conflitos em que estão envolvidas, nem por isso se pode desconsiderar que o processo é o instrumento público de exercício de uma função pública - a jurisdição. Embora possam as partes ter a disponibilidade das situações de direito material pela qual litigam, não pode o Estado juiz permanecer inteiramente à disposição do que elas fizerem ou omitirem no processo, sem condições de cumprir adequadamente sua função. O processo não é um negócio, ou mesmo um jogo entre os litigantes, mas uma instituição estatal. Ao enunciar que "o processo civil começa por iniciativa da parte mas se desenvolve por impulso oficial-, o art. 262 do Código de Processo Civil deixa clara a distinção entre iniciativa e impulso - sendo aquela absolutamente privativa das partes, mas cabendo ao juiz endereçar ao destino final os processos que por iniciativa de parte tenham sido instaurados. Em princípio, por isso, as omissões dos litigantes não devem conduzir à paralisação do processo, sendo dever do juiz encaminhá-lo adiante segundo as regras do procedimento, para com isso poder realizar os objetivos da função jurisdicional mediante a prática do ato final desejável (sentença de mérito no processo de conhecimento, entrega do bem na execução forçada). A regra do impulso oficial, como desdobramento da participação que a garantia do contraditório impõe ao juiz, quer que ele determine ou realize os atos necessários independentemente de requerimento das partes. Só em casos extraordinários, que a lei indica, a omissão das partes conduz à paralisação ou mesmo à extinção do processo. O juiz não precisa aguardar a iniciativa das partes, muito menos consultá-las previamente, para designar a audiência preliminar exigida pelo art. 331 do Código de Processo Civil; idem, quanto à audiência de instrução e julgamento; se a parte que requereu perícia persistir em não depositar os honorários prévios, o juiz seguirá avante no procedimento sem essa prova, sendo indevida a extinção do feito por esse motivo. As hipóteses de abandono do processo, responsáveis pela extinção deste, são de aplicação excepcional e nos estritos termos das previsões contidas nos incs. 11-111 do art. 267 do Código de Processo Civil. O juiz exerce o poder-dever de direção do processo, também, mediante a atividade de saneamento, que é por definição inquisitiva e portanto independe de provocação das partes. Sanear significa depurar o processo de imperfeições, deixando-o em condições de prosseguir sem questões técnicas a resolver. Bem saneado o processo, resta somente produzir os meios de prova destinados ao julgamento das pretensões dos litigantes (mérito) e, naturalmente, julgar o mérito afinal. No procedimento ordinário brasileiro, é na audiência preliminar (art. 331 CPC) que em princípio o juiz declara saneado o processo, havendo antes determinado a realização de
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