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Analise Real - marco cabral, Manuais, Projetos, Pesquisas de Matemática

livro de analise marco cabral

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2013

Compartilhado em 08/09/2013

Angélica-Mattozinho
Angélica-Mattozinho 🇧🇷

4.6

(76)

66 documentos

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Analise Real - marco cabral e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Matemática, somente na Docsity! Instituto de Matemática Universidade Federal do Rio de Janeiro curso de análise real δε Cassio Neri e Marco Cabral 190 ÍNDICE REMISSIVO de Cauchy, 172 de Valor Inicial, 172 Produto cartesiano, 4 de cortes, 40 de sequências, 60 em um corpo, 23 escalar, 87 vetorial, 87 Progressão Aritmética, 53 Geométrica, 60 Projeção estereográfica, 28 Q, 23, 83 QED, 103 Qtp, 162, 164 Quatérnios, 84, 86 R, 45, 46, 84 Raiz de dois, 47 m-ésima, 75, 118 Razão áurea, 73 Regra da Cadeia, 123 de l’Hospital, 131, 132 Relação de equivalência, 82 Restrição, 7 Reta tangente, 122 Reticulados, 31 Reunião, 3 Riemann, 79, 139, 142 Rolle, 126 Rudin, 174 Série, 63 absolutamente convergente, 63 convergente, 63 de Fourier, 161 divergente, 63 Geométrica, 64 Harmônica, 31, 65, 78, 80 Schröder, 18 Seno, 176 Sequência, 9, 53 constante, 53 convergente, 54, 55 em C(K), 168 crescente, 53 das somas, 60 das somas parciais, 63 de Cauchy, 58 de variação limitada, 80 decrescente, 53 divergente, 55 dos inversos, 60 dos produtos, 60 por constante, 60 dos quocientes, 70 limitada, 53 monótona, 53 Sobolev, 161 Sol, 89 Soma de cortes, 38 de sequências, 60 em um corpo, 23 inferior, 140 superior, 140 Spdg, 162 Sse, 4 Stirling, 72 Subconjunto, 1 próprio, 2 Subsequência, 53 Supremo, 44, 45 Taylor, 127–129 Teorema da condensação de Cauchy, 80 da Contração, 114 de Arzelá-Ascoli, 169 de Bolzano-Weierstrass, 57, 59, 63 de Cantor-Bernstein-Schröder, 18 de Cauchy, 127 de Darboux, 136 de Dini, 165 de Heine-Borel, 93 Sai che ti avverrà, praticando il disegnare di penna? che ti farà sperto, pratico, e capace di molto disegno entro la testa tua. Sabe o que te acontecerá, praticando o desenho a pena? tornar-te-ás perito, prático, e capaz de muitos desenhos dentro de tua mente. - Cennino Cennini da Colle di Valdelsa Il Libro dell’arte (1437) - Cap. XIII. ÍNDICE REMISSIVO 189 de Euler, 172 de Newton, 130 de Picard, 114 Módulo de um corte, 40 de um número real, 50 Malha, 172 Matriz de Toeplitz, 74 Vandermonde, 11 Medida nula, 154 Membro, 3 de uma faḿılia, 9 Morgan, Lei de, 10 Multiplicação de cortes, 40 em um corpo, 23 Mutatis mutandis, 124 N, 15, 83 n-uplas ordenadas, 4 Número algébrico, 52 complexo, 84, 86 de elementos, 17 inteiro, 15, 83 irracional, 46 natural, 15, 83 octônio, 84 primo, 26 quatérnio, 84, 86 racional, 23, 83 real, 36, 45, 84 transcendente, 52 Newton, 26, 130 Niterói, 89 Norma, 168 C0, 168 da convergência uniforme, 168 do sup, 168 infinito, 168 L∞, 161, 168 Lp, 161, 164 Octônios, 84 Olhos, 19 Oposto, 23 de um corte, 39 Ordem, 25 Oscilação, 108, 156 Par ordenado, 4 Paradoxo de Russel, 5 Partição, 139 Peano axiomas de, 27, 83 resto de, 128 Teorema de, 173 Perdoar, 9 Perto, 89 π, 68, 78, 79, 152, 178 Picard, 114 Pitágoras, 35 Pitoresca, 137 Polinômio de Taylor, 127 Ponto de acumulação, 93 de aderência, 91 de extremo global, 110 local, 124 de ḿınimo global, 110 local, 124 de máximo global, 110 local, 124 fixo, 18, 112, 113 interior, 90 isolado, 93 Porta, vii Portas, 48, 92 Pré-imagem, 7 Primitiva, 151 Prinćıpio da Boa Ordem, 15, 16 da Indução (finita), 15, 16 da Indução transfinita, 29 Problema 188 ÍNDICE REMISSIVO sobrejetiva, 7 soma, 24 uniformemente cont́ınua, 111 Funções iguais quase todo ponto, 162 Gödel, 21 Galois, 152 γ, 73 Gauss, 49 Hölder, 118 Halmos, 4 Hamilton, 86 Hausdorff, 55 Heine, 93 Hermite, 152 Hilbert, 21 Hipótese do cont́ınuo, 21 Homomorfismo de corpos ordenados, 43 i, 67 Imagem, 6, 7 direta, 7 inversa, 7 Incomensurabilidade, 35 Índice, 9 Indução finita, 15, 16, 51, 58, 75, 83, 91, 113, 128, 136, 138, 159, 161 transfinita, 29 Ínfimo, 46 Infinitésimo de ordem n, 129 Infinito, 9 Injeção, 8 Integral, 142, 149 indefinida, 151 Interior, 90 Interseção, 3 distributividade, 10 Intervalo, 47, 90 (s) encaixantes, 48 aberto, 47 degenerado, 47 fechado, 47 não degenerado, 47 Inverso, 23 de um corte, 42 Ipanema, 89 Jensen, 135, 160 Lagrange, 129 Lattices, 31 Lebesgue, 94, 156 Lei de Morgan, 10 Leibniz, 78 Lema da Contração, 114 Limite da diferença, 70, 104 da soma, 60, 104 de função, 101 de uma série, 63 de uma sequência, 55 em C(K), 168 do produto, 60, 104 por constante, 60, 104 do quociente, 70, 104 inferior, 61–63 infinito de função, 104 de sequência, 59 lateral, 104 no infinito, 104 superior, 61–63 Lindelöf, 98 Liouville, 49 Lipschitz, 112 Logaritmo, 175 Longe, 89 Mı́nimo global, 110 local, 124 Máximo global, 110 local, 124 Método da Exaustão, 79, 139 das Aproximações Sucessivas, 114 Sobre os Autores Cassio Neri fez Bacharelado em Matemática na UFRJ, o Mestrado em Matemática Apli- cada na UFRJ e o doutorado em Matemática em Paris IX (França). Trabalha com equações diferenciais parciais e finanças. É professor licenciado do Instituto de Matemática na UFRJ. Marco Cabral fez o Bacharelado em Informática na UFRJ, o Mestrado em Matemática Aplicada na UFRJ e o doutorado em Matemática na Indiana University (EUA). Trabalha com equações diferenciais parciais e Análise Numérica. É professor no Instituto de Matemática na UFRJ. v viii PREFÁCIO (a) acrescentado caṕıtulo de classes de equivalência e construção dos números reais por sequências de Cauchy; (b) reescrito o caṕıtulo de integração, com utilização de imagem direta e inversa para simplificar as demonstrações; (c) acréscimo de 260 exerćıcios ao livro, com indicação de quais devem ser feitos. (d) reescrito o ińıcio do caṕıtulo de números reais, tornando-o auto contido e com de- finições mais claras; (e) introduzida, no caṕıtulo de topologia, a notação Bε(x) para intervalos; (f) reescrito parte do caṕıtulo de funções cont́ınuas para conectá-lo diretamente com conceitos do caṕıtulo de topologia: abertos, conexos e compactos; (g) modificado o nome e reduzido número de diversas seções; (h) introduzido nome para quase todo Teorema, Lema e Proposição. Na Versão 2.1 (julho de 2009), além de pequenas correções: (i) Adequamos o livro ao recente acordo ortográfico (sequências perderam parte do charme); (j) Acrescentamos cerca de 30 exerćıcios; (k) Inclúımos como Proposição (na página 20) o argumento diagonal de Cantor. (l) Colorimos todas as definições, teoremas, proposições, lemas e prinćıpios. (m) Reescrevemos várias frases do livro, introduzindo de forma expĺıcita algumas definições e observações novas. Agradecimentos Aos alunos do curso de Análise Real do IM - UFRJ que ajudarem a melhorar o texto e retirar erros dos exerćıcios, em especial aos alunos de 2008 Hugo Tremonte de Carvalho e Renata Stella Khouri. Agradeço também ao aluno Gabriel de Oliveira Martins de 2009. Índice Remissivo Abel, 152 Aberto, 90, 91 Abracadabra, 103 Absurdo, 2, 16, 38, 40, 47, 55, 67, 69, 92, 94, 96, 110, 111, 114, 153 Adição de cortes, 38 em um corpo, 23 Algébricos, 52 Alto-falante, 22 Antiderivada, 151 Aquecimento, 139, 144 Argumento diagonal de Cantor, 13, 20, 27, 49, 51 Armadilha, 8, 101 Arquimedes, 139 Arzelà, 169 Ascoli, 169 Associatividade, 23 Banach, 113 Bernoulli, 26 Bernstein, 18 Bijeção, 8 Binômio de Newton, 26 Bola, 90 Bolzano, 57, 59, 63 Boot strap, 172 Borel, 93 Brouwer, 112 C, 84, 86 Cantor, 18 argumento diagonal, 13, 20, 27, 49, 51 conjunto de, 99, 162 Cardinalidade, 17, 18 Cataldi, 76 Cauchy, 58, 68, 127, 172 Cesáro somável, 74 Classe, 3 de equivalência, 82 Cobertura aberta, 94 Cohen, 21 Coleção, 3 Comensuráveis, 35 Compacto, 93 Complementar, 4 Completeza, 44, 46 Comutatividade, 23 Conjunto, 1 aberto, 90, 91 compacto, 93 complementar, 4 conexo, 91, 97 das partes, 3 de ı́ndices, 9 de funções, 7 de medida nula, 154 denso, 95, 99 diâmetro, 108 diferença, 4 simétrica, 10 discreto, 93 dos números complexos, 84, 86 inteiros, 15, 83 naturais, 15, 83 racionais, 23, 83 reais, 45, 84 dos pontos de aderência, 91 interiores, 90 enumerável, 17 185 184 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [Ha] Halmos, P.R., Naive set theory, D. 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Sumário Sobre os Autores v Prefácio vii 1 Noções de Teoria dos Conjuntos 1 1.1 Conjuntos e operações. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1.2 ⋆ Teoria dos conjuntos é fácil? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 1.3 Funções. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 1.4 Faḿılias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 1.5 Exerćıcios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 1.5.1 Conjuntos e operações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 1.5.2 Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 1.5.3 Funções entre conjuntos de funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 2 Números naturais, inteiros e racionais 15 2.1 Naturais, inteiros e indução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 2.2 Cardinalidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 2.3 ⋆ O Hotel de Hilbert . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 2.4 Racionais: operações, enumerabilidade e ordem. . . . . . . . . . . . . . . . 23 2.5 ⋆ Corpos Arquimedianos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 2.6 Exerćıcios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 2.6.1 Naturais, inteiros e indução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 2.6.2 Cardinalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 2.6.3 Racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 3 Números reais 35 3.1 Descoberta dos irracionais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 3.2 ⋆ Cortes de Dedekind. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 3.3 Números reais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 3.4 Exerćıcios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 3.4.1 Irracionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 3.4.2 ⋆ Cortes de Dedekind . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 3.4.3 Números reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 ix x SUMÁRIO 4 Sequências e séries 53 4.1 Sequências convergentes e subsequências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 4.2 Sequências monótonas, limitadas e de Cauchy. . . . . . . . . . . . . . . . . 57 4.3 Limites infinitos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 4.4 Operações com limites. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 4.5 Limite superior e limite inferior. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 4.5.1 Definição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 4.5.2 ⋆ Quase Cota . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62 4.5.3 ⋆ Valor de Aderência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 4.6 Séries. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 4.7 ⋆ A série dos inversos dos primos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 4.8 Exerćıcios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 4.8.1 Sequências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 4.8.2 Séries . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 5 Construção dos conjuntos numéricos 81 5.1 Relação de equivalência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 5.2 Construção dos conjuntos numéricos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 5.2.1 Construção de N. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 5.2.2 Construção de Z. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 5.2.3 Construção de Q. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 5.2.4 Construção de R. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 5.2.5 Construção de C. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 5.2.6 Outros corpos (quatérnios e octônios). . . . . . . . . . . . . . . . . 84 5.3 Exerćıcios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 6 Topologia de R 89 6.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 6.2 Conjuntos abertos e conexos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90 6.3 Conjuntos fechados e discretos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 6.4 Conjuntos compactos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 6.5 Conjuntos densos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 6.6 Exerćıcios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 6.6.1 Conjuntos abertos, conexos, fechados e discretos . . . . . . . . . . . 96 6.6.2 Conjuntos compactos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 6.6.3 Conjuntos densos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99 7 Limite e continuidade 101 7.1 Limite de funções. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 7.2 Funções cont́ınuas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106 7.3 Funções cont́ınuas em conexos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109 7.4 Funções cont́ınuas em compactos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110 7.5 ⋆ Pontos fixos para funções cont́ınuas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112 7.6 Exerćıcios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114 Referências Bibliográficas [Ap] Apostol,T. M.; Chrestenson,H. E.; Ogilvy,C. S.; Richmond, D. E. and Schoonmaker, N. J. (eds); Selected papers on calculus. Reprinted from the American Mathematical Monthly (Volumes 1–75) and from the Mathematics Magazine (Volumes 1–40). The Mathematical Association of America, Buffalo, N.Y. 1969. [Bo] Boyer, C. B., História da Matemática, Editora Edigard Blücher ltda, 9a ed. 1991. [C] Courant, R. ; Differential and Integral Calculus Vol. I; Interscience; 1934. [Da] Darboux, J.-G., Mémoire sur les fonctions discontinues, Ann. l’École Normale, Ser. 2 4 (1875) 57–112. [Co] Cohen, P.J., The Independence of the Continuum Hypothesis, Proc. Nat. Acad. Sci. U. S. A. 50 (1963), 1143–1148. [De] Dedekind, R., Stetigkeit und irrationale Zahlen (1872). [Di] Dixmier, J., General Topology, Springer-Verlag Inc., New York, 1984. [Er] Erdös, P., Über die Reihe ∑ 1/p, Mathematica, Zutphen B 7 (1938), 1–2. 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(a) Prove que ∫ |fn − h| converge para zero quando n→ +∞; (b) Considere yn a solução de dyn/dx = fn(x). Determine o limite de yn quando n → +∞. Defina esta função limite y como a solução fraca de dy/dx = h. Note que y não é diferenciável e portanto a equação diferencial não faz sentido. 9. Seja f : [0, 1] → R uma função cont́ınua e defina a sequência (fn) por f0 = f e fn+1(x) = ∫ x 0 fn(s) ds para n ∈ N. Prove que (fn) converge para g ≡ 0 uniformemente ([Fi1] p.205 no.9). 10. Seja f : I → R uma função cont́ınua em todos os pontos de I menos um. Prove que existe sequência de funções cont́ınuas em I convergindo para f simplesmente ([L] p.334 no.12). 11. Suponha que fn → f e gn → g uniformemente em X ([L] p.333 no.7). (a) Prove que fn + gn converge uniformemente em X para f + g; (b) Suponha mais ainda que exista c > 0 tal que |fn(x)| + |gn(x)| ≤ c para todo n e x ∈ X . Prove que fn · gn → f · g uniformemente em X . 10.7.2 Equicontinuidade 12. Prove que a sequência fn(x) = sen(nx) não é equicont́ınua em [0, 1]. 13. Prove que se fn converge uniformemente para f então (fn) é equicont́ınua e limitada. 14. Prove que se fn é Lipschitz cont́ınua com a mesma constante K independente de n então (fn) é equicont́ınua. 15. O exerćıcio anterior implica uma condição suficiente (muito utilizada) para a equiconti- nuidade: |f ′n(x)| ≤ c para todo n ∈ N. É verdade que se fn é suave então (fn) é equicont́ınua se, e somente se, |f ′n(x)| ≤ c? 16. Sejam (fn)n∈N uma sequência de funções de A em R e f : A ⊂ R → R. Prove que (fn)n∈N não é uniformemente convergente para f se, e somente se, existe (xn)n∈N ∈ A e ε > 0 tais que |fn(xn)− f(xn)| ≥ ε ∀n ∈ N. 17. Prove que, na demonstração do Teorema de Arzelá-Ascoli, podemos supor, sem perda de generalidade, que (a) (fn)n∈N não tem subsequência constante; (b) se m 6= n, então fn 6= fm. Conclua que isto conserta a demonstração. 18. Prove que se fn é α-Hölder cont́ınua para todo n ∈ N e converge uniformemente para f então f é α-Hölder cont́ınua. Isto significa que este espaço é completo. Caṕıtulo 1 Noções de Teoria dos Conjuntos 1.1 Conjuntos e operações. A noção intuitiva que se tem da palavra conjunto nos é satisfatória e uma apresentação rigorosa da Teoria dos Conjuntos é dif́ıcil e além dos objetivos do curso. Para detalhes leia o clássico [Ha]. DEFINIÇÃO 1. Um conjunto é constitúıdo de objetos chamados elementos. Usamos a notação x ∈ A (lê-se x pertence a A) para dizer que x é um elemento do conjunto A. Se x não é um elemento de A, então escrevemos x /∈ A (lê-se x não pertence a A). Uma forma de caracterizar um conjunto é através da lista dos seus elementos, escrevendo- os separados por v́ırgulas “,” no interior de duas chaves “{” e “}”. Exemplo 1.1. Seja A o conjunto cujos elementos são os números 1, 2, 3, 4, 5 e 6. Escrevemos A = {1, 2, 3, 4, 5, 6}. Temos 1 ∈ A, 2 ∈ A e 7 /∈ A. Outra maneira de caracterizar um conjunto é através de uma propriedade P possúıda por todos os seus elementos e apenas por estes (na Seção 1.2 faremos mais considerações sobre isto). Escrevemos neste caso {x ; P (x)}, {x | P (x)} ou {x : P (x)} (lê-se o conjunto dos elementos x tais que P (x) é verdadeira, ou ainda, dos elementos x que possuem a propriedade P ). Salientamos que a letra x é arbitrária de modo que {x ; P (x)} = {y ; P (y)}. Exemplo 1.2. Seja P a propriedade “é um número presente na face de um dado” e seja A = { x ; P (x) } . Então A = {1, 2, 3, 4, 5, 6}, i.e.1, A é o mesmo conjunto do Exemplo 1.1. DEFINIÇÃO 2. Dizemos que A é um subconjunto de B ou que A é uma parte de B, ou ainda, que A está contido em B e escrevemos A ⊂ B se todo elemento de A pertence a B. Dizemos também que B contém A e escrevemos B ⊃ A. 1i.e., abreviação de “id est” que, em latim, significa “isto é”. 1 2 CAPÍTULO 1. NOÇÕES DE TEORIA DOS CONJUNTOS DEFINIÇÃO 3. Quando A ⊂ B e B ⊂ A, os conjuntos A e B são ditos iguais e escrevemos A = B. Caso contrário eles são diferentes e escrevemos A 6= B. A notação A ( B (ou B ) A) é uma abreviação para A ⊂ B com A 6= B, neste caso dizemos que A é um subconjunto próprio de B. Observação 1.1 Para provar que dois conjuntos A e B são iguais deve-se provar que A ⊂ B e depois que B ⊂ A. Exemplo 1.3. Sejam A = {2, 4, 6} e B = {1, 2, 3, 4, 5, 6}. Temos que A ( B. Exemplo 1.4. Sejam A o conjunto dos números inteiros múltiplos de 4 e B o conjunto dos números pares. É óbvio que A ⊂ B porém, vamos demonstrar esta afirmação. O primeiro passo consiste em interpretar a definição do conjunto A. Um número inteiro n é múltiplo de 4 se n/4 é inteiro, ou equivalentemente, se existe um inteiro m tal que n = 4m. Logo, A = {n ; existe um inteiro m tal que n = 4m}. Analogamente, B = {n ; existe um inteiro m tal que n = 2m}. Estamos preparados para a demonstração. Seja n ∈ A. Então existe um inteiro m tal que n = 4m = 2(2m). Como m é inteiro, 2m também é. Conclúımos que n ∈ B. Como n é um elemento arbitrário de A (além de n ∈ A não fizemos nenhuma hipótese sobre n) conclúımos que qualquer que seja n ∈ A temos n ∈ B, i.e, que todo elemento de A pertence a B, ou seja, que A ⊂ B. Isto termina a demonstração. Exemplo 1.5. Sejam A = {0, 1, 2} e B = {1, 2, 3, 4}. Pergunta: A ⊂ B? Por quê? Resposta: Não, pois 0 ∈ A e 0 /∈ B. De maneira geral, se A não é um subconjunto de B significa que existe pelo menos um elemento de A que não pertence a B. DEFINIÇÃO 4. O conjunto vazio, denotado por ∅, é um conjunto que não possui nenhum elemento, ou seja, não existe x tal que x ∈ ∅. Uma propriedade interessante do conjunto vazio é que ele é subconjunto de qualquer conjunto. Vejamos isto mais precisamente. Suponhamos que exista um conjunto A tal que ∅ não seja subconjunto de A. Pelo que vimos anteriormente, isto significa que existe algum elemento x ∈ ∅ tal que x /∈ A. Mas, por definição de vazio, não podemos ter x ∈ ∅. Esta contradição nos obriga a concluir que ∅ ⊂ A pois, senão, chegaŕıamos a uma conclusão absurda. Acabamos de mostrar que ∅ ⊂ A usando um argumento do tipo “demonstração por absurdo” ou “demonstração por contradição”. Neste tipo de argumento supomos inicial- mente que a conclusão desejada seja falsa e, a partir desta hipótese, chegamos a um absurdo. Desta forma, somos obrigados a admitir que a suposição é falsa e, portanto, que a conclusão desejada é verdadeira. Existem conjuntos cujos elementos são conjuntos como mostra o próximo exemplo. 10.7. EXERCÍCIOS 179 0 π 2 1 −1 cos sen (a) Em [ 0, π 2 ] . 0 π 2 π 3π 2 2π 1 −1 cos sen (b) Em [0, 2π]. Figura 10.1: Gráficos das funções seno e cosseno. 10.7 Exerćıcios 10.7.1 Convergência simples e uniforme =⇒ 1. Prove que fn converge uniformemente para g em [0, 1] se: (a) fn(x) = sen(x/n) e g ≡ 0; (b) fn(x) = nx2/(1 + nx) e g(x) = x; (c) fn(x) = sen(x)/n e g ≡ 0. =⇒ 2. Prove que fn converge simplesmente, mas não uniformemente, para g ≡ 0 em [0, 1] se: (a) fn(x) = nxe −nx; (b) fn(x) = nx(1 − x)n. Dica: Faça os gráficos no computador. =⇒ 3. Seja fn = n2 I[−1/n,1/n]. Prove que limn→+∞ (∫ fn(s) ds ) 6= ∫ ( lim n→+∞ fn(s) ) ds. → 4. Seja a ∈ (0, 1). Considere fn : [0, a] → R dada por f(x) = xn para n ∈ N e x ∈ [0, a]. Prove que (fn)n∈N converge uniformemente para a função nula usando: (a) diretamente a definição de convergência uniforme; (b) o Teorema de Dini; → 5. (teste M de Weierstrass) Seja (fn) uma sequência de funções cont́ınuas em [a, b] e suponha que exista uma sequência numérica (Mn) tal que: (a) |fn(x)| ≤ Mn para todo x ∈ [a, b] e n ∈ N e (b) ∞∑ n=1 Mn <∞. Prove que a série de funções ∞∑ n=1 fn converge uniformemente em [a, b]. → 6. Prove que uma sequência monótona de funções é uniformemente convergente caso possua uma subsequência com esta propriedade ([L] p.335 no.22). 7. Se lim n→+∞ an = a, lim n→+∞ bn = b e lim n→+∞ cn = c então a sequência de polinômios pn(x) = 178 CAPÍTULO 10. SEQUÊNCIAS DE FUNÇÕES TEOREMA 243. (definição de π) Existe uma constante c > 0 tal que sen é crescente e cos é decrescente em [0, c] com sen(c) = 1 e cos(c) = 0. Além disto, para todo x ∈ R temos, sen(c+ x) = cos(x) e cos(c+ x) = − sen(x). Demonstração. Como cos é cont́ınuo e cos(0) = 1, existe a > 0 tal que cos(x) > 1/2 para todo x ∈ [0, a]. Logo, neste intervalo, sen é estritamente crescente. Em particular, sen(x) > sen(0) = 0 para todo x ∈ [0, a]. Vejamos que existe x > a tal que cos(x) < 0. Suponhamos que não. Neste caso, sen é crescente em [0,+∞). Seja x > a, pelo Teorema do Valor Médio, existe x ∈ (a, x) tal que cos(x) − cos(a) = − sen(x)(x − a) ≤ − sen(a)(x − a). Segue que cos(x) → −∞ quando x → +∞, que é absurdo. Pelo que foi demonstrado, o conjunto {b ∈ (0,+∞) ; cos(x) ≥ 0 ∀x ∈ [0, b]} é não vazio (contém a) e limitado superiormente. Seja c > 0 o seu supremo. A função cos é positiva em [0, c] e, portanto, sen é crescente neste intervalo. Mas sen(0) = 0, logo, a função sen é positiva em [0, c] e, como cos′ = − sen, temos que cos é decrescente neste intervalo. Da definição de c e da continuidade da função sen obtemos cos(c) = 0. Do item (iii) do Teorema 241, obtemos | sen(c)| = 1. Porém, sen(c) ≥ sen(0) = 0, logo, sen(c) = 1. Considere as funções s, c : R → R dadas por s(x) = − cos(c + x) e c(x) = sen(c + x), para todo x ∈ R. Vemos facilmente que s′ = c, c′−s, s(0) = 0, e c(0) = 1. Pela Proposição 242, obtemos que s = sen e c = cos, completando a demonstração. DEFINIÇÃO 244. π = 2c, sendo c a constante dada pelo teorema anterior. Podemos definir π também através do exerćıcio 58, p.79 ou da Definição 112, p.68. COROLÁRIO 245. As funções sen e cos são periódicas de peŕıodo 2π. Demonstração. Seja x ∈ R. Pelo teorema temos sen(π/2 + x) = cos(x) e cos(π/2 + x) = − sen(x). Trocando x por π/2 + x, obtemos sen(π + x) = cos(π/2 + x) = − sen(x). Agora, trocando x por π + x, conclúımos sen(2π + x) = − sen(π + x) = sen(x). Finalmente, cos(2π + x) = sen(π/2 + 2π + x) = sen(π/2 + x) = cos(x). De acordo com o Teorema 243, no intervalo [0, π/2] as funções sen e cos têm gráficos semelhantes ao esboçados na Figura 10.1(a). Usando iteradamente as relações sen(π/2+x) = cos(x) e cos(π/2 + x) = − sen(x), como na demonstração do Corolário 245, estendemos o gráfico até o intervalo [0, 2π] obtendo a Figura 10.1(b). 1.1. CONJUNTOS E OPERAÇÕES. 3 Exemplo 1.6. Sejam A = {1, 2}, B = {3} e C = {A,B}. Tente se convencer de que todas as afirmativas abaixo são verdadeiras. A ∈ C, B ∈ C, {A} ⊂ C, {B} ⊂ C, 1 /∈ C, 2 /∈ C, 3 /∈ C. Perceba ainda que é errado dizer {2} ⊂ C, {3} ⊂ C ou { {2} } ⊂ C. Entretanto, é verdade que { {3} } ⊂ C (esta é simplesmente a quarta das afirmações acima). DEFINIÇÃO 5. Quando C é um conjunto de conjuntos (para simplificar a linguagem) dizemos que C é uma coleção, uma classe ou uma faḿılia de conjuntos. Elementos de C são comumente chamados de membros. Para faḿılias utiliza-se também notação especial (como veremos na Seção 1.4, p.9). Por falar em conjuntos de conjuntos... DEFINIÇÃO 6. Seja A um conjunto. A coleção de todos os subconjuntos de A é dita conjunto das partes de A e é denotada por P(A) ou por 2A. Em śımbolos, P(A) = {B ;B ⊂ A}. Portanto, B ∈ P(A) se, e somente se, B ⊂ A. Exemplo 1.7. Temos que P(∅) = {∅}. Note que ∅ 6= P(∅) (porque?). Se A = {1}, então P(A) = { ∅, {1} } . DEFINIÇÃO 7. Sejam A e B dois conjuntos. Existe um conjunto, chamado união ou reunião de A e B (denotado por A ∪B), cujos elementos pertencem a A ou a B. Também existe um conjunto chamado interseção de A e B (denotado por A ∩ B) cujos elementos pertencem a A e a B. Em outros termos A ∪ B = {x ; x ∈ A ou x ∈ B} e A ∩ B = {x ; x ∈ A e x ∈ B}. De maneira geral, fazemos a seguinte definição. DEFINIÇÃO 8. Se C é uma coleção não vazia de conjuntos, então a união ou reunião da coleção C é formado pelos elementos que pertencem a pelo menos um membro de C. Em śımbolos, ⋃ A∈C A = {x ; existe A ∈ C tal que x ∈ A}. A interseção da coleção C é constitúıda pelos elementos que pertencem a todos os membros de C. Em śımbolos, ⋂ A∈C A = {x ; x ∈ A para todo A ∈ C}. Por definição A∩B∩C = {x ; x ∈ A e x ∈ B e x ∈ C}. Neste caso podemos substituir o conectivo “e” por uma v́ırgula “,” escrevendo A∩B ∩C = {x ; x ∈ A, x ∈ B e x ∈ C}. Porém, o conectivo “ou” é sempre preservado. 6 CAPÍTULO 1. NOÇÕES DE TEORIA DOS CONJUNTOS do preço à vista. Neste caso, se x é o preço à vista, então o valor da prestação é x/12. A função “valor da prestação” a cada “valor à vista” x associa o “valor da prestação”, dado por x/12. De maneira geral, uma função associa, através de uma regra precisa, cada elemento de um conjunto a um único elemento de outro conjunto (os dois conjuntos em questão podem ser iguais). O exemplo anterior é de uma função numérica definida através de uma fórmula, mas nem toda função é deste tipo. Por exemplo, cada pessoa possui um único tipo sangúıneo, logo, podemos considerar a função que a cada elemento do conjunto das pessoas associa o seu tipo sangúıneo que é um elemento do conjunto {A,B,AB,O}. Mudando a regra a função muda. Assim, a função anterior é diferente da função que a cada pessoa associa o tipo sangúıneo do pai. DEFINIÇÃO 13. Sejam A e B dois conjuntos não vazios. Uma função f : A → B (lê-se função f de A em B) é definida por uma regra de associação, ou relação, entre elementos de A e B que a cada x ∈ A associa um único elemento f(x) (lê-se f de x) em B, dito imagem de x por f . O conjunto A é o doḿınio de f enquanto que B é o contradoḿınio de f . Note que não pode haver exceção à regra: todo x ∈ A possui uma imagem f(x) ∈ B. Por outro lado, pode existir y ∈ B que não seja imagem de nenhum x ∈ A. Note também que, dado x ∈ A, não pode haver ambiguidade com respeito a f(x). Entretanto, o mesmo elemento y ∈ B pode ser imagem de mais de um elemento de A, i.e., pode ocorrer f(x1) = f(x2) com x1 6= x2. Exemplo 1.9. Sejam A = {alunos da UFRJ}, B = {números inteiros}. Como exemplo de função, temos f : A → B que a cada x ∈ A associa seu ano de nascimento. Outro exemplo é a função g : A→ B que a cada x ∈ A associa seu ano de entrada na UFRJ. Exemplo 1.10. Seja A = {pessoas}. Se a cada x ∈ A fazemos corresponder f(x) ∈ A de maneira que f(x) seja irmão de x, então f não é uma função por duas razões. Primeiro por exceção pois nem toda pessoa tem irmão. Segundo por ambiguidade pois existem pessoas que têm mais de um irmão. DEFINIÇÃO 14. Sejam f, g : A → B duas funções. Dizemos que f e g são iguais se são dadas pela mesma regra de associação, ou seja, se f(x) = g(x) ∀x ∈ A. A condição acima só tem sentido (podendo ser falsa) se f e g tiverem o mesmo doḿınio (no caso A). No entanto, é dispensável que f e g tenham o mesmo contradoḿınio. Por esta razão, podemos considerar iguais duas funções de contradoḿınios diferentes. Desta forma, a função h : {alunos da UFRJ} → {números inteiros positivos}, que a cada x ∈ {alunos da UFRJ} associa seu ano de entrada na UFRJ é igual a função g do Exemplo 1.9. Mais delicado é considerar que funções de doḿınios diferentes sejam iguais. Entretanto, cometemos este abuso quando, por exemplo, o doḿınio de uma função contém o doḿınio da outra. Quando a prudência mandar, devemos lidar com os conceitos de restrição e extensão. 10.5. ⋆ LOGARITMO E EXPONENCIAL. 175 DEFINIÇÃO 234. A função logaritmo log : (0,+∞) → R é definida por log(x) = ∫ x 1 1 s ds ∀x ∈ (0,+∞). Vejamos algumas propriedades fundamentais da função logaritmo. No exerćıcio 13, p.135 deduzimos propriedades das funções logaŕıtmica e exponencial de outro modo. PROPOSIÇÃO 235. (propriedades do log) Temos: i. log(1) = 0; ii. log′(x) = 1/x para todo x ∈ (0,+∞); iii. log(xn) = n log(x) para x ∈ (0,+∞) e n ∈ N. Demonstração. (i) Trivial. (ii) Segue do Segundo Teorema Fundamental do Cálculo. (iii) Seja n ∈ N fixo e considere a função f : (0,+∞) → R dada por f(x) = log(xn)− n log(x) ∀x ∈ (0,+∞). Basta mostrar que f é identicamente nula. Derivando obtemos f ′(x) = nxn−1 xn − n x = 0 ∀x ∈ (0,+∞). Portanto f é constante, isto é, f(x) = f(1) = 0 para todo x ∈ (0,+∞). DEFINIÇÃO 236. A função exponencial exp : R → R é definida por exp(x) = +∞∑ n=0 xn n! ∀x ∈ (0,+∞). A série acima é (absolutamente) convergente graças ao Teste da Razão (veja Exemplo 4.17, p.67). Dentre as propriedades da função exponencial, a proposição seguinte tem importância especial para a Análise. PROPOSIÇÃO 237. (propriedades da exponencial) Temos: i. exp(0) = 1; ii. exp′(x) = exp(x) para todo x ∈ R; Demonstração. (i) Trivial. (ii) Para cada N ∈ N, definimos FN : R → R por FN(x) = N∑ n=0 xn n! ∀x ∈ R. Por definição, (FN)N∈N converge simplesmente para exp. Fixado M > 0, mostraremos que a convergência é uniforme em [−M,M ]. Seja ε > 0. Como (FN (M))N∈N converge para exp(M), existe N0 ∈ N tal que N ≥ N0 =⇒ |FN(M)− exp(M)| < ε. 174 CAPÍTULO 10. SEQUÊNCIAS DE FUNÇÕES Usando esta relação, (10.13) e supondo que n ∈ N seja suficientemente grande de modo que M(b− a)/n < δ e ‖fn − f‖ < δ, obtemos |fn(x)− f̃(x)| ≤ ∫ x a ∣∣f ′n(s)− g ( f(s) )∣∣ds ≤ n∑ i=1 ∫ xi xi−1 ∣∣f ′n(s)− g ( f(s) )∣∣ds = n∑ i=1 ∫ xi xi−1 ∣∣g ( fn(xi−1) ) − g ( f(s) )∣∣ds ≤ n∑ i=1 ∫ xi xi−1 [∣∣g ( fn(xi−1) ) − g ( fn(s) )∣∣+ ∣∣g ( fn(s) ) − g ( f(s) )∣∣ ] ds ≤ n∑ i=1 ∫ xi xi−1 2εds = 2(b− a)ε. O que conclui a demonstração. O Teorema de Peano não garante a unicidade da solução. Considere, por exemplo, [a, b] = [0, 1], y0 = 0 e g(y) = √ |y| para todo y ∈ R. Verifica-se facilmente que, dado qualquer c ∈ (0, 1), a função fc : [0, 1] → R dada por fc(x) = 0, se x ≤, c e fc(x) = (x − c)2/4, se x > c, é solução do PVI correspondente. Sob hipóteses adicionais sobre g (pertencer a C1(R), por exemplo) é posśıvel demonstrar a unicidade de solução (ver [He]). É posśıvel retirar a hipótese sobre a limitação de g mas paga-se um preço por isto. Neste caso, a solução f estará definida numa vizinhança de a que, possivelmente, não contém b. Considere, por exemplo, [a, b] = [0, 2], y0 = 1 e g(y) = √ |y|3 para todo y ∈ R. Neste caso, a única solução é dada por f(x) = 4/(2− x)2 que não está definida em b = 2 Perceba que na demonstração do Teorema de Peano usamos o Método de Euler de um modo muito particular supondo que as partições eram uniformes. Além disto, da sequência de aproximações dada pelo Método de Euler, mostramos apenas que uma subsequência converge para a solução. Isto inviabiliza o Cálculo Numérico aproximado da solução pois não sabemos qual é a sequência dos ı́ndices que deve ser usada. Felizmente, sob condições suplementares sobre g é posśıvel mostrar que a sequência converge (ver [He]). Este fato está intimamente ligado a questão da unicidade da solução. Reflita a respeito. Um último comentário: apresentamos o chamado método expĺıcito. Há também o Método de Euler Impĺıcito que tem vantagens sobre o expĺıcito. Na verdade existem outros métodos numéricos mais vantajosos que o de Euler. O leitor interessado poderá consultar [He]. 10.5 ⋆ Logaritmo e exponencial. No prólogo de [Ru2] Rudin1 afirma que “a função exponencial é a mais importante da Matemática”. Há várias maneiras de definir esta função. A mais popular, nos livros de Cálculo I e Análise Real, define a exponencial como inversa da função logaritmo. Apresentaremos outra abordagem e provaremos este fato. 1Walter Rudin: ⋆ 02/05/1921, Viena, Áustria. 1.3. FUNÇÕES. 7 DEFINIÇÃO 15. Sejam f : A → B e g : C → D. Dizemos que f é uma restrição de g ou que g é uma extensão de f se A ⊂ C e f(x) = g(x) para todo x ∈ A. Neste caso escrevemos f = g|A. DEFINIÇÃO 16. Dados dois conjuntos A e B, denotamos por F(A;B) o conjunto de todas as funções f : A→ B. DEFINIÇÃO 17. Dado A ⊂ C, definimos a função caracteŕıstica ou indicadora de A por IA : C → {0, 1} (também denotada por χA) por IA(x) = 1, se x ∈ A, e IA(x) = 0, se x /∈ A. A função indicadora (ou caracteŕıstica) é muito utilizada em teoria da integração e em pro- babilidade. Podemos escrever que I : P(C) → F(C; {0, 1}) ou I ∈ F(P(C);F(C; {0, 1})), pois I associa a cada subconjunto A ∈ P(C) a função IA. DEFINIÇÃO 18. Seja f : A→ B. Definimos f̃ : P(A) → P(B) para cada C ∈ P(A) (ou, o que é a mesma coisa, para cada C ⊂ A) por f̃(C) = { y ∈ B ; ∃x ∈ C tal que f(x) = y} = {f(x) ; x ∈ C } , a imagem ou imagem direta de C por f . Abusamos a notação e escrevemos simplesmente f(C) (sem o til). Em particular, o conjunto f(A) é chamado de imagem de f . DEFINIÇÃO 19. Seja f : A → B. Definimos f̃−1 : P(B) → P(A) para cada C ∈ P(B) (ou, o que é a mesma coisa, para cada C ⊂ B) por f̃−1(C) = { x ∈ A ; f(x) ∈ C } , a imagem inversa ou pré-imagem de C por f . Abusamos a notação e escrevemos simples- mente f−1(C) (sem o til). Outros abusos são: f−1(y) (em vez de f̃−1({y})) e x = f−1(C) (em vez de f̃−1(C) = {x}). Exemplo 1.11. Considere f : R → R definido por f(x) = |x|. Então f([−2, 2]) = [0, 2], f([−5, 1)) = [0, 5]. Além disso, f−1((1, 2)) = (1, 2) ∪ (−2,−1), f−1(3) = {3,−3}, f−1 ((−3,−1)) = ∅, f−1(0) = 0. DEFINIÇÃO 20. Uma função f : A → B é dita sobrejetiva se f(A) = B, ou seja, se qualquer que seja y ∈ B, existe x ∈ A tal que f(x) = y. Ao se verificar a sobrejetividade de uma função, deve estar claro qual conjunto está sendo considerado como contradoḿınio. Modificando-o, uma função que não é sobrejetiva pode passar a ser. Exemplo 1.12. Seja A = {a, b}. A função f , definida por f(x) = x para todo x ∈ A, não é sobrejetiva de A em {a, b, c} mas é sobrejetiva de A em {a, b}. De modo geral, toda função é sobrejetiva na sua imagem. 8 CAPÍTULO 1. NOÇÕES DE TEORIA DOS CONJUNTOS DEFINIÇÃO 21. Uma função f : A → B é dita injetiva ou injeção se para quaisquer x, y ∈ A tais que x 6= y temos f(x) 6= f(y), ou equivalentemente, se x, y ∈ A são tais que f(x) = f(y), então x = y; ou ainda, se para todo y ∈ f(A) existe um único x ∈ A tal que f(x) = y. DEFINIÇÃO 22. Dizemos que a função f tem a propriedade P em A se f|A tem a propri- edade P . Por exemplo, dizer que f é injetiva em A significa que f|A é injetiva. Isto é muito usual, sobretudo em conversas informais entre matemáticos. Entretanto, isto deve ser usado com cuidado para não cairmos em armadilhas (veja exerćıcio 10, p.115). DEFINIÇÃO 23. Uma função f : A → B é dita bijetiva ou bijeção se ela é injetiva e sobrejetiva. Exemplo 1.13. Sejam A = {1, 2, 3}, B = {2, 4, 6} e C = {1, 4, 9, 16}. Consideremos as funções f : A→ B, g : A→ C e h : A→ A definidas por f(x) = 2x, g(x) = x2, h(x) = 2 ∀x ∈ A. Temos que f é injetiva e sobrejetiva e, portanto, bijetiva. Temos ainda que g é injetiva mas não é sobrejetiva e h não é injetiva e nem sobrejetiva. DEFINIÇÃO 24. Sejam f : A→ B e g : C → D tais que f(A) ⊂ C. Definimos a função composta g ◦ f : A→ D que a cada x ∈ A associa g ( f(x) ) ∈ D. A definição anterior faz sentido pois dado x ∈ A temos que f(x) ∈ f(A) e como f(A) ⊂ C temos f(x) ∈ C. Neste caso podemos aplicar g e encontrar g(f(x)) ∈ D. Observamos ainda que a operação de composição de funções é associativa, i.e., se f : A→ B, g : C → D e h : E → F com f(A) ⊂ C e g(C) ⊂ E, então temos ( (h ◦ g) ◦ f ) (x) = (h ◦ (g ◦ f))(x) = h(g(f(x))) ∀x ∈ A. DEFINIÇÃO 25. Para f : A→ A definimos fn : A→ A por fn = f ◦ · · · ◦ f (n vezes). DEFINIÇÃO 26. Sejam f : A→ B e g : B → A tais que (g ◦ f)(x) = x para todo x ∈ A e (f ◦ g)(y) = y para todo y ∈ B. Dizemos que f é invert́ıvel, que g é a inversa de f e escrevemos g = f−1. Não devemos confundir f−1 da definição acima com f̃−1 da Definição 19. Sempre que aplicamos f−1 em conjuntos está subentendido que trata-se da imagem inversa. Quando se aplica f−1 num elemento y, pode-se entender como f−1(y), caso a inversa exista, ou f̃−1({y}), a imagem inversa de um conjunto unitário. Repare que intercambiando f com g, A com B e x com y as hipóteses da Definição 26 não mudam, porém a conclusão dirá que f é a inversa de g. Conclúımos que f é a inversa de g se, e somente se, g é a inversa de f . Se f : A → B é injetiva, então mesmo quando ela não for sobrejetiva, ainda poderemos considerar sua função inversa f−1 ficando subentendido que o doḿınio de f−1 é f(A) (e não B). Desta forma (f−1 ◦ f)(x) = x para todo x ∈ A e (f ◦ f−1)(y) = y para todo y ∈ f(A). 10.4. ⋆ EQUAÇÕES DIFERENCIAIS. 173 aproximado pela função φ que é afim em cada intervalo [xi−1, xi], i ∈ {1, . . . , n}, e que vale yi−1 e yi em xi−1 e xi, respectivamente. Mais precisamente, φ : [a, b] → R é dada por φ(x) =    y0 se x = a, ( yi − yi−1 xi − xi−1 ) · (x− xi−1) + yi−1 se xi−1 < x ≤ xi. (10.10) O Método de Euler está na base da demonstração do Teorema de Peano. TEOREMA 233. (Peano) Seja g ∈ C(R) limitada. Então, para todo y0 ∈ R, existe f ∈ C1 ( [a, b] ) satisfazendo (10.8). Demonstração. Seja M > 0 tal que |g| ≤ M . Dado n ∈ N, considere a partição uniforme P = {x0, . . . , xn} do intervalo [a, b]. Ou seja, |xi − xi−1| = b− a n , ∀i ∈ {1, . . . , n}. Definimos y1, . . . , yn por (10.9) e fn = φ dada em (10.10). Segue que se x ∈ (xi−1, xi), então fn é derivável em x e f ′ n(x) = g ( yi−1 ) = g ( fn(xi−1) ) . Logo, |f ′n(x)| ≤M . Usando o Primeiro Teorema Fundamental do Cálculo (Teorema 207, p.150) temos fn(x) = fn(a) + ∫ x a f ′n(s)ds = y0 + ∫ x a f ′n(s)ds ∀x ∈ [a, b]. (10.11) Da Proposição 202, p.146, obtemos |fn(x)| ≤ |y0|+ ∫ x a |f ′n(s)|ds ≤ |y0|+M(b − a) = L ∀x ∈ [a, b]. (10.12) Logo, (fn)n∈N é limitada. Com argumento análogo mostra-se que para a ≤ y ≤ x ≤ b temos |fn(x)− fn(y)| ≤ ∫ x y |f ′n(s)|ds ≤M(x− y). (10.13) Segue, imediatamente, que (fn)n∈N é equicont́ınua. Graças ao Teorema de Arzelà-Ascoli, (fn)n∈N tem subsequência (também denotada (fn)n∈N) convergente para f em C ( [a, b] ) . Vamos mostrar que f é solução de (10.8). De acordo com o Segundo Teorema Fundamental do Cálculo (Teorema 208, p.150), basta mostrar que f = f̃ , sendo f̃ : [a, b] → R definida por f̃(x) = y0 + ∫ x a g ( f(s) ) ds ∀x ∈ [a, b]. Faremos isto mostrando que (fn)n∈N converge para f̃ . Seja ε > 0. De (10.12) obtemos que |f | ≤ L. Como g é uniformemente cont́ınua no compacto [−L, L], existe δ > 0 tal que y, z ∈ [−L, L], |y − z| < δ =⇒ |g(y)− g(z)| < ε. 170 CAPÍTULO 10. SEQUÊNCIAS DE FUNÇÕES Demonstração. Para cada m ∈ N, da equicontinuidade de (fn)n∈N, obtemos δm > 0 tal que se x, y ∈ K e |x− y| < δm, então |fn(x)− fn(y)| < 1/m, para todo n ∈ N. Como K é compacto e K ⊂ ⋃ z∈K(z − δm, z + δm), existe Dm ⊂ K, finito, tal que K ⊂ ⋃ z∈Dm (z − δm, z + δm). (10.4) O conjunto D = ⋃+∞ m=1Dm é enumerável (pois é união enumerável de conjuntos finitos) e, portanto, podemos escrever D = {x1, x2, . . . }. Seja M > 0 tal que ‖fn‖ < M para todo n ∈ N. Para x ∈ K e n ∈ N temos |fn(x)| ≤ ‖fn‖ < M de modo que (fn(x))n∈N é limitada. Em particular, (fn(x1))n∈N é limitada, logo, pelo Teorema de Bolzano-Weierstrass (Teorema 89, p.57), ela tem subsequência (g1,k(x1))n∈N convergente. Agora, usando que (g1,n(x2))n∈N também é limitada obtemos subsequência (g2,n(x2))n∈N convergente. Pela limitação de (g2,n(x3))n∈N existe subsequência (g3,n(x3))n∈N convergente. Repetindo o processo, constrúımos uma sequência ( (gi,n)n∈N ) i∈N de sequências tais que, se i ≥ j, então (gi,n)n∈N é subsequência de (gj,n)n∈N e (gj,n(xj))n∈N converge. Definimos (fnk)k∈N por fnk = gk,k para todo k ∈ N. Afirmamos que, se y ∈ D, então (fnk(y))k∈N é convergente. De fato, seja j ∈ N tal que y = xj . Se k ≥ j, então fnk = gk,k é um termo de (gj,n)n∈N. Como (gj,n(xj))n∈N converge, conclúımos a afirmação. Mostremos que (fnk)k∈N converge simplesmente. Sejam x ∈ K, ε > 0 e m ∈ N tal que m > 3/ε. De (10.4), obtemos que existe y ∈ Dm tal que |x− y| < δm e, portanto, |fn(x)− fn(y)| < 1 m < ε 3 , ∀n ∈ N. Em particular, para k, l ∈ N, temos que |fnk(x)− fnl(x)| ≤ |fnk(x)− fnk(y)|+ |fnk(y)− fnl(y)|+ |fnl(y)− fnl(x)| ≤ |fnk(y)− fnl(y)|+ 2ε 3 . (10.5) Mas y ∈ D, logo, (fnk(y))k∈N é convergente e, portanto, de Cauchy. Segue de (10.5) que (fnk(x))k∈N também é de Cauchy e, portanto, convergente. Seja f(x) = lim k→+∞ fnk(x). Falta mostrar que a convergência é uniforme. Seja ε > 0 e m > 3/ε. Escrevemos Dm = {y1, . . . , yp}. Como Dm é finito, existe k0 ∈ N tal que se k ≥ k0, então k ≥ k0 =⇒ |fnk(y)− f(y)| ≤ ε 3 , ∀y ∈ Dm. Qualquer que seja x ∈ K, já vimos que existe y ∈ Dm para o qual vale (10.5). Fazendo l → +∞, obtemos |fnk(x)− f(x)| ≤ |fnk(y)− f(y)|+ 2ε 3 ≤ ε. O que conclui a demonstração. Há um pequeno erro na demonstração acima: não é posśıvel demonstrar que a sequência (nk)k∈N é estritamente crescente e, portanto, que (fnk)k∈N é uma subsequência de (fn)n∈N. 1.5. EXERCÍCIOS. 11 1.5.2 Funções =⇒ 9. Para cada um dos itens abaixo, defina (indicando doḿınio e contradoḿınio) e determine se é injetiva, sobrejetiva ou bijetiva uma função que a cada: =⇒(a) dois números naturais associa seu MDC; =⇒(b) matriz associa a sua matriz a sua matriz transposta; (c) matriz associa seu determinante; =⇒(d) polinômio p(x) de grau 0, 1 ou 2 associa (p(1), p(2), p(3)); (e) subconjunto de R associa seu complementar; (f) subconjunto não vazio de N associa seu menor elemento; (g) função derivável f : R → R associa sua derivada; =⇒(h) função integrável f : [0, 1] → R associa o valor de sua integral. → 10. Dado um polinômio p(x) de grau menor ou igual a n defina uma função que associa a p seu valor nos pontos 1, 2, . . . , m. Determine condições em n e m para que esta função seja: (a) injetiva; (b) sobrejetiva; (c) bijetiva. Dica: Faça o caso n = 1 (retas) e n = 2 (parábolas). Monte sistema linear. Para o caso geral utilize matriz de Vandermonde. =⇒ 11. Sejam A,B ⊂ C e funções indicadoras (ou caracteŕısticas) IA, IB. Prove que (a) A ⊂ B se, e somente se, IA ≤ IB; (b) IA∪B ≤ IA + IB, valendo a igualdade se, e somente se, A ∩B = ∅. 12. Determine as funções indicadoras IA∪B, IA∩B e IA∁ em termos de IA e IB. 13. Seja f : X → R. Prove que f = f 2 sse f = IA para algum A ⊂ X ([Sp] p.48 no.9). =⇒ 14. Considere f : R → R definida por f(x) = x2 − 9. Determine f(X) para: =⇒(a) X = (−4, 4); (b) X = [1, 9]; (c) X = [−2,−1] ∪ [2, 3]; (d) X = {5}. =⇒ 15. Considere f : R → R definida por f(x) = x2. Determine f−1(Y ) para: (a) Y = (−4, 4); (b) Y = [1, 9]; (c) Y = [−1, 0]; (d) Y = {5}. 16. Considere f : R → R definida por f(x) = sen(x). Determine f−1(Y ) para: (a) Y = {−1}; (b) Y = (0, 1); (c) Y = [1, 9]; (d) Y = (−4, 0). → 17. Considere f : N \ {1} → N. Determine f−1({3}), f−1({5, 6, 7}), f−1({2}) para: (a) f(n) igual ao maior fator primo de n; (b) f(n) igual a soma dos expoentes na decomposição em primos de n. =⇒ 18. Considere f : A→ B qualquer e b ∈ B. O que se pode afirmar sobre f−1({b}) (imagem inversa do conjunto unitário {b}) sabendo que: (a) f é injetiva? (b) f é sobrejetiva? 19. Considere f : R2 → R definida por f(x, y) = xy. Determine f−1(Y ) para: (a) Y = {1}; (b) Y = {0}; (c) Y = (−∞, 0); (d) Y = [0, 1]. → 20. Considere f : R2 → R definida por f(x, y) = x2 + y2. Determine f−1(Y ) e f(X) para: (a) X = {(x, y) ∈ R2; x2/9 + y2/4 = 1} e Y = [4, 9]; (b) X = {(x, y) ∈ R2; |x|+ |y| ≤ 1} e Y = [−4,−1]; (c) X = {(x, y) ∈ R2; x2 − 4x+ 7 + y2 + 4y = 0} e Y = [−1, 1]. 12 CAPÍTULO 1. NOÇÕES DE TEORIA DOS CONJUNTOS → 21. Considere f : A→ B qualquer. Prove que: (a) se Y ⊂ Ỹ ⊂ B então f−1(Y ) ⊂ f−1(Ỹ ); (b) se Y ⊂ B então f−1(Y ∁) = [f−1(Y )]∁; →(c) se Y ⊂ B então f(f−1(Y )) ⊂ Y ; →(d) se X ⊂ A então X ⊂ f−1(f(X)); (e) a igualdade ocorre em cada um dos 2 itens anteriores se, e somente se, f for injetiva ou sobrejetiva. Determine a condição exata para cada item; (f) se Ỹ , Y ⊂ B então f−1(Ỹ − Y ) = f−1(Ỹ )− f−1(Y ). Obs: f−1 tem o sentido da Definição 19, p.7 (imagem inversa) e f da Definição 18, p.7 (imagem direta). → 22. Seja f : R → R definida por f(x) = |x|, X = [−2, 3] e Y = [−5,−1]. Determine: (a) f(X ∪ Y ) e compare com f(X) ∪ f(Y ): qual conjunto é maior? (b) f(X ∩ Y ) e compare com f(X) ∩ f(Y ): qual conjunto é maior? (c) faça (a) e (b) utilizando g(x) = 3x+ 1 ao invés de f ; (d) faça (a) e (b) utilizando f−1 (imagem inversa) ao invés de f . =⇒ 23. Considere f : A→ B. Prove que: (a) f(X ∪ X̃) = f(X) ∪ f(X̃) para todo X, X̃ ⊂ A; (b) f(X ∩ X̃) ⊂ f(X) ∩ f(X̃) para todo X, X̃ ⊂ A; =⇒(c) f é injetiva se, e somente se, f(X ∩ X̃) = f(X) ∩ f(X̃) para todo X, X̃ ⊂ A; (d) f é injetiva se, e somente se, f(X∁) ⊂ [f(X)]∁ para todo X ⊂ A; (e) f é sobrejetiva se, e somente se, [f(X)]∁ ⊂ f(X∁) para todo X ⊂ A. Conclua que a igualdade ocorre se, e somente se, f for bijetiva; (f) f é injetiva se, e somente se, f(A−X) = f(A)− f(X) para todo X ⊂ A; Dica: Utilize os itens (c) e (d). (g) f é injetiva se, e somente se, f(X̃ −X) = f(X̃)− f(X) para todo X̃,X ⊂ A. =⇒ 24. Sejam f : A→ B, (Bi)i∈I uma faḿılia de subconjuntos de B e C,D ⊂ B. Prove que: =⇒(a) f−1(C ∪D) = f−1(C) ∪ f−1(D); =⇒(b) f−1(C ∩D) = f−1(C) ∩ f−1(D); (c) f−1 ( ⋃ i∈I Bi ) = ⋃ i∈I f −1(Bi); (d) f −1 ( ⋂ i∈I Bi ) = ⋂ i∈I f −1(Bi). Obs: f−1 tem o sentido da Definição 19, p.7 (imagem inversa). =⇒ 25. Seja f restrição da função g. Prove que: (a) se g é injetiva então f é injetiva; (b) a rećıproca é falsa. 26. Seja f : A→ B. Prove que f é invert́ıvel se e somente se f é bijetiva. =⇒ 27. Prove que existe f : A→ B injetiva se, e somente se, existe g : B → A sobrejetiva. 28. Prove que dados dois conjuntos A e B existem à e B̃ disjuntos tais que existe bijeção de A com à e bijeção de B com B̃. Dica: Tome x 6∈ A ∪B e considere o produto cartesiano de {x} com A e B. 1.5.3 Funções entre conjuntos de funções =⇒ 29. Determine se existe injeção, sobrejeção ou bijeção de F(X ; Y ) em F(X ;W ) se: 10.3. ESPAÇO C(K) E EQUICONTINUIDADE. 169 PROPOSIÇÃO 230. Sejam f ∈ C(K) e (fn)n∈N ⊂ C(K). Então fn → f se, e somente se, (fn)n∈N converge uniformemente para f . Demonstração. Suponhamos que fn → f . Dado ε > 0 existe N ∈ N tal que se n ≥ N , então ‖fn−f‖ < ε. Ora, para todo x ∈ K, temos |fn(x)−f(x)| ≤ ‖fn−f‖ < ε. Portanto, (fn)n∈N converge uniformemente para f . Suponhamos agora que (fn)n∈N seja uniformemente convergente para f . Dado ε > 0, existe N ∈ N tal que se n ≥ N , então |fn(x) − f(x)| < ε para todo x ∈ K. Por definição de supremo, ‖fn − f‖ = sup{|fn(x)− f(x)| ; x ∈ K} ≤ ε. Portanto, fn → f . Procuramos um resultado sobre sequência de funções que tenha papel semelhante ao do Teorema de Bolzano-Weierstrass (Teorema 89, p.57) para as sequências numéricas. Algo que diga que sequências limitadas em C(K) tem subsequências convergentes em C(K). A rigor, antes de poder enunciar tal teorema, será necessário definir: i. sequência limitada em C(K); ii. subsequência de (fn)n∈N ⊂ C(K). O item (ii) é imediato: na Definição 82, p.53, a condição que define subsequência de uma sequência de números reais, não considera a natureza dos elementos da sequência. Ou seja, ela ignora que são números reais e considera apenas os ı́ndices. Portanto, a mesma definição tem sentido para sequências em C(K). Para a limitação, lembremos que uma sequência (xn)n∈N de números reais é limitada quando existe M > 0 tal que |xn| ≤ M para todo n ∈ N. Inspirados no que já fizemos, trocamos valor absoluto por norma. DEFINIÇÃO 231. Uma sequência (fn)n∈N ⊂ C(K) é limitada se existe M > 0 tal que ‖fn‖ ≤ M para todo n ∈ N. Cabe agora perguntar se toda sequência limitada em C(K) tem subsequência convergente em C(K). Infelizmente a resposta é não. Consideremos novamente a sequência (fn)n∈N do Exemplo 10.2. É imediato que |f(x)| = |xn| ≤ 1 para todo x ∈ [0, 1] e para todo n ∈ N. Logo, ‖fn‖ ≤ 1 para todo n ∈ N e, portanto, (fn)n∈N é limitada. Se ela tivesse subsequência convergente para f em C(K), então esta seria uniformemente convergente para f e, portanto, simplesmente convergente para f . Concluiŕıamos que f(x) = 0, se x ∈ [0, 1), e f(x) = 1, se x = 1. Contrariando a continuidade de f . Precisamos de uma hipótese adicional para obter o resultado requerido. TEOREMA 232. (Arzelà1-Ascoli2) Se (fn)n∈N ⊂ C(K) é limitada e equicont́ınua, i.e., ∀ε > 0, ∃δ > 0 tal que x, y ∈ K, |x− y| < δ =⇒ |fn(x)− fn(y)| < ε, ∀n ∈ N, então (fn)n∈N tem subsequência convergente em C(K). 1Cesare Arzelà: ⋆ 06/03/1847, La Spezia, Itália - † 15/03/1912, La Spezia, Itália. 2Guido Ascoli: ⋆ 12/12/1887, Livorno, Itália - † 10/05/1957, Torino, Itália. 168 CAPÍTULO 10. SEQUÊNCIAS DE FUNÇÕES DEFINIÇÃO 227. Seja f ∈ C(K). Definimos a norma de f por ‖f‖ = sup{|f(x)| ; x ∈ K}. Pelo Teorema de Weierstrass (Corolário 159, p.110), toda f ∈ C(K) é limitada e, por- tanto, o supremo que define ‖f‖ é finito. As principais propriedades da norma são dadas na proposição a seguir. PROPOSIÇÃO 228. (norma) Sejam f, g ∈ C(K) e c ∈ R. Temos que i. ‖f‖ ≥ 0; ii. se ‖f‖ = 0, então f(x) = 0 para todo x ∈ K; iii. ‖cf‖ = |c|‖f‖; iv. ‖f + g‖ ≤ ‖f‖+ ‖g‖. Demonstração. As propriedades (i) e (ii) são óbvias. O item (iii) segue de ‖cf‖ = sup{|c||f(x)| ; x ∈ K} = |c| sup{|f(x) |; x ∈ K} = |c|‖f‖. Finalmente, ‖f + g‖ = sup{|f(x) + g(x)| ; x ∈ K} ≤ sup{|f(x)|+ |g(x)| ; x ∈ K} ≤ sup{|f(x)|; x ∈ K}+ sup{|g(x)|; x ∈ K} = ‖f‖+ ‖g‖ demonstra (iv). Repare na semelhança entre a propriedade (iv) e a desigualdade triangular. Não por acaso, ela também é chamada de Desigualdade triangular. Quando se deseja distinguir entre os vários tipos de norma, vários nomes são usados para a norma aqui definida: norma do sup, norma C0, norma infinito, norma L∞, etc. As razões para os dois primeiros nomes são óbvias (lembre-se que C(K) também é denotado C0(K)). As duas últimas nomenclaturas são explicadas no exerćıcio 18, p.161. Outro nome bastante usado é norma da convergência uniforme. A razão será explicada pela Proposição 230. DEFINIÇÃO 229. Uma sequência (fn)n∈N ⊂ C(K) é dita convergente em C(K) se existe f ∈ C(K) de modo que ∀ε > 0, ∃N ∈ N tal que n ≥ N =⇒ ‖fn − f‖ < ε. Neste caso, escrevemos fn → f e dizemos que f é o limite da sequência (fn)n∈N ou que fn converge para (ou tende a) f em C(K) quando n tende a mais infinito (n→ +∞). Repare na grande semelhança entre esta definição e a Definição 83, p.55. Excluindo as diferenças de notação (xn ou fn) e a natureza dos elementos das sequências (em R ou C(K)), a diferença notável é que, aqui, aparece a norma (em ‖fn − f‖) e lá aparece o valor absoluto (em |xn − x|). Apesar desta diferença, como a norma tem propriedades semelhantes a do valor absoluto (notadamente, vale a desigualdade triangular), muitos dos resultados sobre sequências em R têm correspondentes para sequências em C(K). Como exerćıcio, baseie-se na demonstração da Proposição 94, p.60 para mostrar que se fn → f e gn → g, então fn + gn → f + g. A próxima proposição esclarece a razão do nome norma da convergência uniforme. 1.5. EXERCÍCIOS. 13 =⇒(a) Y ⊂W ; (b) existe injeção de Y em W ; (c) existe sobrejeção de Y em W ; (d) existe bijeção de Y em W . =⇒ 30. Determine se existe injeção, sobrejeção ou bijeção de F(X ;W ) em F(Y ;W ) se: =⇒(a) X ⊂ Y ; (b) existe injeção de X em Y ; (c) existe sobrejeção de X em Y ; (d) existe bijeção de X em Y . =⇒ 31. Seja X um conjunto não vazio. Determine uma bijeção entre: =⇒(a) F({1, 2};X) e X ×X ; (b) F(A;X) e XN = ∏N n=1X = X×· · ·×X (N vezes), se A é finito com N elementos; =⇒(c) P(X) e F(X ; {0, 1}). Dica para (c): Associe a f o conjunto f−1({1}) ou a A ⊂ X a função caracteŕıstica IA. 32. Suponha que B∩C = ∅. Prove que existe uma bijeção entre F(B∪C;A) e F(B;A)× F(C;A) ([T] p.11 no.5.5). → 33. Estabeleça uma bijeção entre F(A× B;C) e F(A;F(B;C)) ([L] p.24 no.21). 34. (argumento diagonal de Cantor) (a) Prove que nenhuma função ϕ : N → F(N; {0, 1}) é sobrejetiva. Generalize este resultado: Seja X um conjunto não-vazio qualquer e Y um conjunto com pelo menos 2 elementos. Prove que nenhuma função: (b) ϕ : X → F(X ; Y ) é sobrejetiva; (c) ψ : X → P(X) é sobrejetiva. Dica: Argumento diagonal de Cantor da Proposição 38, p.20. Ver também Dica1 do exerćıcio 8, p.27. 16 CAPÍTULO 2. NÚMEROS NATURAIS, INTEIROS E RACIONAIS Pelo Prinćıpio da Indução, basta mostrar que A satisfaz (2.1) e (2.2) para concluir que A = N, ou seja, que fórmula acima é válida para todo n ∈ N. Evidentemente, 1 ∈ A pois 1 = 1(1 + 1)/2. Tomemos n ∈ A e mostremos que m = n+ 1 ∈ A. Como n ∈ A temos 1 + · · ·+ n = n(n+ 1)/2. Segue que 1 + · · ·+m = 1+ · · ·+ n+ (n+ 1) = n(n+ 1) 2 + (n+ 1) = (n+ 1)(n+ 2) 2 = m(m+ 1) 2 . TEOREMA 30. (Boa Ordem = Indução) Vale o Prinćıpio da Boa Ordem se, e somente se, vale o Prinćıpio da Indução. Demonstração. Suponha válido o Prinćıpio da Boa Ordem. Seja A ⊂ N satisfazendo (2.1) e (2.2). Suponhamos, por absurdo, que A 6= N. Isto significa que existe algum elemento de N que não pertence a A e, portanto, o conjunto B = A∁ é não vazio. Pelo Prinćıpio da Boa Ordem, B possui um elemento ḿınimo m ∈ B. Com certeza m > 1 pois como 1 ∈ A, 1 /∈ B = A∁. Assim, m− 1 é um natural menor que m. Pela minimalidade de m, temos que m− 1 /∈ B e portanto m− 1 ∈ A. De (2.2) conclúımos que m = (m− 1) + 1 ∈ A, o que é absurdo. Suponha válido o Prinćıpio da Indução. Seja B ⊂ N não vazio. Suponhamos por absurdo que B não possua elemento ḿınimo. Em particular, 1 /∈ B (senão 1 seria elemento ḿınimo de B). Seja A = {n ∈ N ; n < m ∀m ∈ B}. Observamos inicialmente que A∩B = ∅. De fato, se A∩B 6= ∅, então existe n ∈ A∩B. Tendo n ∈ A temos também n < m qualquer que seja m ∈ B, em particular, tomando m = n ∈ B obtemos n < n o que é absurdo. Conclúımos que A ∩B = ∅. Mostraremos a seguir que A = N. Vejamos agora que isto é suficiente para concluir a demonstração. Neste caso temos ∅ = A∩B = N∩B = B contradizendo a hipótese B 6= ∅. Mostremos, por indução, que A = N. Já sabemos que 1 /∈ B e portanto 1 < m qualquer que seja m ∈ B, ou seja, 1 ∈ A. Tomemos n ∈ A. Por definição de A temos n < m qualquer que seja m ∈ B, logo n+1 ≤ m para todo m ∈ B. Se n+1 ∈ B então n+1 é um elemento ḿınimo de B. Como, por hipótese, B não possui elemento ḿınimo, segue que n + 1 /∈ B e portanto n + 1 < m para qualquer m ∈ B. Conclúımos que n + 1 ∈ A. Pelo Prinćıpio da Indução A = N. 2.2 Cardinalidade. Como dissemos na Seção 2.1 o conjunto N é o conjunto usado para contagens. Quando queremos contar, por exemplo, o número de integrantes do grupo The Beatles procedemos da seguinte maneira. A cada músico associamos um elemento do conjunto N seguindo a sua ordem usual: Paul 1, John 2, George 3 e Ringo 4. Acabamos de definir uma função injetiva f do conjunto A = {Beatles} no conjunto N, de modo que f(Paul) = 1, f(John) = 2, f(George) = 3 e f(Ringo) = 4. Bastava tomar o conjunto B = {1, 2, 3, 4} como contradoḿınio que f ainda seria injetiva. Porém, isto não seria posśıvel se B fosse {1, 2, 3} pois, neste caso, pelo menos um elemento de B estaria 10.2. CONTINUIDADE, INTEGRAL E DERIVADA DE SEQUÊNCIAS DE FUNÇÕES. 165 10.2 Continuidade, integral e derivada de sequências de funções. No Exemplo 10.2 apresentamos uma sequência de funções cont́ınuas que converge sim- plesmente para uma função descont́ınua. A próxima proposição diz que este inconveniente não ocorre se a convergência for uniforme. PROPOSIÇÃO 223. Seja (fn)n∈N uma sequência de funções de A ⊂ R em R convergente uniformemente para f : A → R. Se fn é cont́ınua em x0 ∈ A para todo n ∈ N, então f é cont́ınua em x0. Demonstração. Seja x0 ∈ A. Dado ε > 0, existe n ∈ N tal que x ∈ A =⇒ |fn(x)− f(x)| < ε. Como fn é cont́ınua em x0, existe δ > 0 tal que x ∈ A, |x− x0| < δ =⇒ |fn(x)− fn(x0)| < ε. Destas duas relações obtemos que se x ∈ A e |x− x0| < δ, então |f(x)− f(x0)| ≤ |f(x)− fn(x)| + |fn(x)− fn(x0)|+ |fn(x0)− f(x0)| < 3ε. Segue que f é cont́ınua em x0. Exemplo 10.5. Da proposição anterior podemos concluir que a convergência do Exemplo 10.2 não é uniforme, pois, senão, o limite seria cont́ınuo em x0 = 1. Entretanto, se a ∈ (0, 1), então a sequência (fn|[0,a])n∈N é uniformemente convergente. Isto pode ser verificado diretamente ou usando o próximo teorema (ver exerćıcio 4, p.179). TEOREMA 224. (Dini1) Sejam K ⊂ R compacto e (fn)n∈N ⊂ C(K). Se (fn)n∈N é monótona e convergente simplesmente para f ∈ C(K), então a convergência é uniforme. Demonstração. Suponhamos que (fn)n∈N seja decrescente (se for crescente, procedemos de modo análogo), ou seja, f ≤ fn+1 ≤ fn para todo n ∈ N. Para cada n ∈ N, fn − f ∈ C(K) e, como K é compacto, existe xn ∈ K tal que Mn = fn(xn)− f(xn) é o valor máximo de fn − f . É fácil ver que (Mn)n∈N é decrescente e positiva e, portanto, convergente para c ≥ 0. Mostremos que c = 0. Da compacidade de K, obtemos subsequência (xnk)k∈N convergente para x0 ∈ K. Para k,m ∈ N com nk ≥ m, temos Mnk = fnk(xnk) − f(xnk) ≤ fm(xnk) − f(xnk). Fazendo k → +∞, obtemos c ≤ fm(x0) − f(x0). Tomando o limite quando m → +∞, conclúımos que c ≤ 0 e, portanto, c = 0. Dado ε > 0, tomemos N ∈ N tal que MN < ε. Assim, se n ≥ N e x ∈ K, então 0 ≤ fn(x)− f(x) ≤ fN (x)− f(x) ≤MN < ε. 1Ulisse Dini: ⋆ 14/11/1845, Pisa, Itália - † 28/10/1918, Pisa, Itália 164 CAPÍTULO 10. SEQUÊNCIAS DE FUNÇÕES Salientamos que, na Definição 219, o valor de N depende de x e ε. Quando N não depende de x, mas apenas de ε, temos outro sentido de convergência, assunto da próxima definição. DEFINIÇÃO 220. Seja (fn)n∈N uma sequência de funções de A em R. Dizemos que (fn)n∈N converge uniformemente para f : A→ R se ∀ε > 0, ∃N ∈ N tal que n ≥ N =⇒ |fn(x)− f(x)| < ε, ∀x ∈ A. (10.2) É imediato que a convergência uniforme implica na convergência simples. A rećıproca, entretanto, é falsa como veremos no Exemplo 10.5. Exemplo 10.3. Para cada n ∈ N, seja fn : [0, 1] → R dada por fn(x) = x/n para todo x ∈ [0, 1]. Dado ε > 0, tomemos N ∈ N tal que N > 1/ε. Assim, se n ≥ N e x ∈ [0, 1], então ∣∣∣x n − 0 ∣∣∣ = |x| n ≤ 1 N < ε. Portanto, (fn)n∈N converge uniformemente para a função nula. Salientamos novamente a diferença entre convergência simples e uniforme através da comparação dos exemplos 10.1 e 10.3. No primeiro exemplo o valor de N depende de x e de ε (N > |x|/ε), enquanto que no segundo ele só depende de ε (N > 1/ε). Terminamos esta Seção com duas definições de convergência muito utilizadas em Proba- bilidade. DEFINIÇÃO 221. Seja (fn)n∈N uma sequência de funções de A em R. Dizemos que (fn)n∈N converge quase todo ponto (qtp) para f : A→ R se lim n→+∞ fn(x) = f(x) ∀x ∈ A \K, onde K têm medida nula. Exemplo 10.4. A sequência fn(x) = I[0,1]x n não converge simplesmente para h ≡ 0 mas converge qtp para h (veja Exemplo 10.2). DEFINIÇÃO 222. Seja (fn)n∈N uma sequência de funções integráveis de A em R. Dizemos que (fn)n∈N converge na norma L p(A) (p ∈ R, p ≥ 1) para f : A→ R se ∫ A |fn(x)− f(x)|p dx→ 0 quando n→ ∞. (10.3) A relação entre convergência em norma e quase todo ponto é delicada. Deixamos para um curso de Teoria da Medida. 2.2. CARDINALIDADE. 17 associado a mais de um músico (e portanto f não seria injetiva). De fato, 4 é o menor número n tal que o conjunto {1, . . . , n} possa ser contradoḿınio sem que f deixe de ser injetiva. Estas considerações nos levam às seguintes definições: DEFINIÇÃO 31. Dizemos que um conjunto A é enumerável se ele é vazio ou se existe uma função injetiva f : A→ N. Caso contrário dizemos que A é não-enumerável. DEFINIÇÃO 32. Seja A um conjunto não vazio. Se existe n ∈ N e uma função injetiva g : A → {1, . . . , n} diremos que A é finito, caso contrário, A é infinito. O menor número n que verifica esta propriedade é dito número de elementos de A. Escrevemos #A = n. Diremos também que o conjunto vazio é finito e que seu número de elementos é 0. Observamos que o número de elementos de um conjunto finito A não vazio é bem definido graças ao Prinćıpio da Boa Ordem. De fato, o conjunto dos números n ∈ N que verificam a propriedade “existe função injetiva g : A→ {1, . . . , n}” é um subconjunto não vazio (pois A é finito) de N e portanto possui um elemento ḿınimo. Vejamos outro exemplo de contagem. Um professor vai aplicar uma prova e não tem certeza se a sala destinada a este efeito tem um número suficiente de cadeiras para acomodar os alunos. Ele pode contar as cadeiras e os alunos e comparar os resultados para obter a resposta. Uma alternativa óbvia a este método é pedir aos alunos que se acomodem e três coisas podem acontecer ao final do processo: i. existem alunos de pé e todas as cadeiras estão ocupadas; ii. existem cadeiras livres e todos os alunos estão sentados; iii. todos os alunos estão sentados e todas as cadeiras estão ocupadas. No primeiro caso temos que o número de alunos é maior que o de cadeiras, no segundo caso ocorre o contrário e, finalmente, no terceiro eles são iguais. Obtemos assim a resposta à pergunta “qual conjunto tem mais elementos?” sem necessariamente conhecer os números de elementos dos conjuntos envolvidos. Estas considerações motivam a seguinte definição. DEFINIÇÃO 33. Sejam A e B dois conjuntos não vazios. Dizemos que A e B têm a mesma cardinalidade ou que a cardinalidade de A é igual à de B e escrevemos #A = #B, se existe uma bijeção f : A→ B. Caso contrário dizemos que eles não têm a mesma cardinalidade ou que suas cardinalidades são diferentes e escrevemos #A 6= #B. A definição anterior faz sentido mesmo se os conjuntos A e B são infinitos. Nela o śımbolo #A isoladamente não tem nenhum sentido. Apenas as expressões #A = #B e #A 6= #B têm. Por outro lado, se A é finito então #A é um número natural e tendo eles a mesma cardinalidade temos que #A = #B e esta “igualdade” tem dois sentidos distintos: como igualdade de números naturais e como apresentado na Definição 33. Porém a “igualdade” ocorre num sentido se, e somente se, ocorre no outro. Por esta razão, podemos pensar no conceito de cardinalidade como generalização do conceito de número de elementos. 18 CAPÍTULO 2. NÚMEROS NATURAIS, INTEIROS E RACIONAIS DEFINIÇÃO 34. Sejam A e B conjuntos não vazios. Se existe função injetiva f : A→ B, então dizemos que a cardinalidade de A é menor ou igual à de B e escrevemos #A ≤ #B. Se existe uma função sobrejetiva g : A → B, então dizemos que a cardinalidade de A é maior ou igual a de B e escrevemos #A ≥ #B. Se #A ≤ #B e #A 6= #B, então escrevemos #A < #B (lê-se a cardinalidade de A é menor que a de B). Analogamente, se #A ≥ #B e #A 6= #B, então escrevemos #A > #B (lê-se a cardinalidade de A é maior que a de B). Feita esta definição, temos que A 6= ∅ é enumerável se, e somente se, #A ≤ #N. Exemplo 2.2. Seja A um conjunto não vazio. É evidente que #A = #A pois a função identidade Id : A→ A dada por Id(x) = x para todo x ∈ A é uma bijeção. Exemplo 2.3. Sejam A e B dois conjuntos não vazios com A ⊂ B. Obviamente #A ≤ #B pois a função Id : A→ B dada por Id(x) = x para todo x ∈ A é injetiva. PROPOSIÇÃO 35. Sejam A e B dois conjuntos não vazios. Então #A ≤ #B se, e somente se, #B ≥ #A. Demonstração. Consequência do exerćıcio 27, p.12: “Prove que existe f : A → B injetiva se, e somente se, existe g : B → A sobrejetiva.” Outra propriedade que se espera do śımbolo ≤ é dada pelo teorema seguinte. ⋆ TEOREMA 36. (De Cantor1-Bernstein2-Schröder3) Se #A ≤ #B e #B ≤ #A, então #A = #B. Antes de apresentar a demonstração, vamos comentar a ideia da prova. O objetivo é construir uma bijeção h de A em B. Estão à nossa disposição dois ingre- dientes: uma função f de A em B e uma função g de B em A, ambas injetivas. Existem, portanto, dois “caminhos” naturais que vão de A até B: f e g−1. Considerando isto na de- finição de h, o problema resume-se a decidir quais pontos de A seguirão o primeiro caminho e quais seguirão o segundo. Ou seja, dividimos A em duas partes complementares, X0 e X ∁ 0 , e fazemos h = f em X0 e h = g −1 em X∁0 . A função h será bijetiva se, e somente se, as imagens de X0 e X ∁ 0 forem complementares (em B). Ou seja, devemos escolher X0 de modo que f (X0) ∁ = g−1 ( X∁0 ) ou, de modo equivalente, g ( f(X0) ∁ ) = X∁0 . A última equação é reescrita como F (X0) = X0, sendo F definida por: F (X) = g ( f(X)∁ )∁ . Por verificar F (X0) = X0, X0 é dito ponto fixo de F . Argumentos de ponto fixo são bastante usuais em Análise. A ideia, intuitiva, é a seguinte. Considere uma função F : Y → Y para a qual queremos encontrar um ponto fixo. Tomamos y ∈ Y e iteramos F 1Georg Ferdinand Ludwig Philipp Cantor: ⋆ 03/03/1845, São Petersburgo, Rússia - † 06/01/1918 Halle, Alemanha. 2Felix Bernstein: ⋆ 24/02/1878, Halle, Alemanha - † 03/12/1956, Zurique, Súıça. 3Friedrich Wilhelm Karl Ernst Schröder: ⋆ 25/11/1841, Mannheim, Alemanha - † 16/07/1902, Karlsruhe, Alemanha. Caṕıtulo 10 Sequências de funções 10.1 Convergência simples e uniforme. Considere, para cada n ∈ N, uma função fn : A → R. Neste caṕıtulo estudaremos em que sentido a sequência (fn)n∈N converge para uma função f : A → R. Existem muitos modos de se definir convergência de funções: simples ou pontual, uniforme, em Lp, etc. DEFINIÇÃO 219. Seja (fn)n∈N uma sequência de funções de A em R. Dizemos que (fn)n∈N converge simplesmente ou converge pontualmente para f : A→ R se lim n→+∞ fn(x) = f(x) ∀x ∈ A. Em outras palavras, para todo x ∈ A, a sequência (numérica) (fn(x))n∈N converge para f(x). Segundo a definição de sequência convergente, temos ∀x ∈ A, ∀ε > 0, ∃N ∈ N tal que n ≥ N =⇒ |fn(x)− f(x)| < ε. (10.1) Exemplo 10.1. Seja fn : R → R dada por fn(x) = x/n para n ∈ N e x ∈ R. Dados ε > 0 e x ∈ R, tomemos N ∈ N tal que N > |x|/ε. Assim, se n ≥ N , então ∣∣∣x n − 0 ∣∣∣ = |x| n ≤ |x| N < ε. Portanto, (fn)n∈N converge simplesmente para a função nula. Exemplo 10.2. Seja fn : [0, 1] → R dada por fn(x) = xn para n ∈ N e x ∈ [0, 1]. Se x ∈ [0, 1), então xn → 0 e se x = 1, então xn → 1. Portanto, a sequência (fn)n∈N é simplesmente convergente para f : [0, 1] → R dada por f(x) =    0 se x 6= 1, 1 se x = 1. 163 160 CAPÍTULO 9. INTEGRAL DE RIEMANN =⇒(a) ∫ b a |f(x)| dx = 0; =⇒(b) (Lema de du Bois-Reymond1) ∫ y x f(s) ds = 0 para todo x, y ∈ [a, b]; (c) ∫ b a f(x)g(x) dx = 0 para toda g; (d) ∫ b a f(x)g(x) dx = 0 para toda g que satisfaz g(a) = g(b) = 0. ([Sp] p.237 no.23) Obs: resultado importante para o cálculo das variações. Dica (para todos itens): suponha por contradição que f(x0) 6= 0 para x0 ∈ [a, b] e use permanência de sinal de função cont́ınua. → 10. Uma função h é chamada de escada se existe uma partição tal que h é constante em cada intervalo da partição, i.e., h = n∑ i=1 ciI[xi−1,xi] ([Sp] p.235 no.17). (a) Prove que se f é integrável em [a, b] então para todo ε > 0 existe uma função escada h ≤ f tal que ∫ b a (f − h) < ε. De forma análoga existe uma função escada m ≥ f tal que∫ b a (m− f) < ε; Dizemos que as funções escada são densas no espaço das funções integráveis. (b) Suponha que para todo ε > 0 existam k1 e k2 funções escadas com k1 ≤ f ≤ k2 tais que ∫ b a (k2 − k1) < ε. Prove que f é integrável. ⋆ 11. (extra) Prove que se f é integrável em [a, b] então dado ε > 0 qualquer existe uma função cont́ınua g ≤ f com ∫ b a |f − g| < ε ([Sp] p.236 no.18). Dica: Primeiro determine uma função escada com esta propriedade depois ligue com retas para ficar cont́ınua. Dizemos que as funções escada e cont́ınuas são densas no espaço das funções integráveis. ♯ 12. (dif́ıcil) (desigualdade de Jensen, utilizada em probabilidade) Prove que se ϕ é convexa e g é integrável então ϕ (∫ 1 0 g(x) dx ) ≤ ∫ 1 0 ϕ(g(x)) dx. Dica: Prove para funções escada usando exerćıcio 15, p.135 e use densidade das funções escada nas integráveis (exerćıcio 10, p.160). 13. Suponha que f é cont́ınua e lim x→+∞ f(x) = a. Prove que lim x→+∞ 1 x ∫ x 0 f(t) dt = a ([Sp] p.239 no.34). 14. Seja f cont́ınua e periódica de peŕıodo T > 0, isto é, f(x+T ) = f(x) para todo x ∈ R. Prove que ∫ a+T a f(x) dx = ∫ T 0 f(s) ds para todo a ∈ R ([Fi1] p.179 no.3). =⇒ 15. Prove que se f é cont́ınua e limitada em [a, b] então F (x) = ∫ x a f(s) ds é Lipschitz cont́ınua. ⋆ 16. (extra) Prove que ∫ ∞ 0 e−x 2 dx = √ π/2. 1Paul David Gustav du Bois-Reymond: ⋆ 02/12/1831, Berlim, Alemanha – † 07/04/1889, Freiburg, Alemanha. 2.2. CARDINALIDADE. 21 Mais formalmente, defina A = { n ∈ N ; n /∈ g(n) } ∈ P(N). Como n ∈ A se, e somente se, n 6∈ g(n), conclúımos que g(n) 6= A para todo n ∈ N. Logo g não pode ser sobrejetiva. O argumento diagonal de Cantor usado na Proposição 38 lembra muito o Paradoxo de Russel. Georg Cantor foi o primeiro matemático a se interessar pelas questões de cardinalidade. A ele devemos este conceito. Ele procurou, sem sucesso, um conjunto A tal que #N < #A < #P(N). Finalmente ele conjeturou que não existia tal conjunto: a chamada “Hipótese do Cont́ınuo”. Demonstrá-la ou encontrar contraexemplo foi o primeiro da lista de 16 problemas não resolvidos no século XIX que, segundo Hilbert1, seriam os principais a serem estudados no século XX. A questão foi totalmente resolvida em 1963. Numa primeira etapa, em 1940, Gödel2 [Go] mostrou que ele era consistente com os axiomas de Teoria dos Conjuntos propostos por Zermelo3 e Fraenkel4, ou seja, Gödel mostrou que não era posśıvel demonstrar que a Hipótese do Cont́ınuo era falsa. Finalmente, em 1963, Cohen5 [Co] mostrou que, por outro lado, não era posśıvel mostrar que ela era verdadeira! Desta forma demonstrou-se que a Hipótese do Cont́ınuo é independente dos axiomas da Teoria dos Conjuntos. Um exemplo do uso desta hipótese é o exerćıcio 35, p.30. PROPOSIÇÃO 39. (união de enumeráveis é enumerável) Se A e B são enumeráveis, então A ∪B é enumerável. Demonstração. Se A = ∅ ou B = ∅, então a proposição é imediata. Suponhamos que ambos sejam não vazios. Então, existem funções injetivas f : A→ N e g : B → N. Definimos h : A ∪B → N da seguinte maneira: h(x) = { 2f(x) se x ∈ A, 2g(x) + 1 se x ∈ B \ A. Temos que h é bem definida e é, claramente, injetiva (observe que h(A)∩ h(B) = ∅ pois os elementos de h(A) são números pares enquanto que os de h(B \ A) são ı́mpares). Esta Proposição é generalizada pela próxima Proposição. PROPOSIÇÃO 40. (união enumerável de enumeráveis é enumerável) Se, para cada n ∈ N, An é enumerável, então ⋃+∞ n=1An é enumerável. Demonstração. Sem perda de generalidade, podemos supor que An 6= ∅ para todo n ∈ N. Seja A = ⋃+∞ n=1An. Por hipótese, para cada n ∈ N, temos que An é enumerável, logo, existe fn : N → An sobrejetiva. Vamos mostrar que a função f : N× N −→ A (n,m) 7−→ fn(m) 1David Hilbert: ⋆ 23/01/1862, Kaliningrad, Rússia - † 14/02/1943, Göttingen, Alemanha. 2Kurt Gödel: ⋆ 28/04/1906, Brno, República Tcheca - † 14/01/1978, Princeton, Estados Unidos. 3Ernst Friedrich Ferdinand Zermelo: ⋆ 27/07/1871, Berlim, Alemanha - † 21/05/1953, Freiburg, Alema- nha. 4Adolf Abraham Halevi Fraenkel: ⋆ 17/02/1891, Munique, Alemanha - † 15/10/1965, Jerusalém, Israel. 5Paul Joseph Cohen: ⋆ 02/04/1934, Long Branch, Estados Unidos. 22 CAPÍTULO 2. NÚMEROS NATURAIS, INTEIROS E RACIONAIS é sobrejetiva. De fato, se x ∈ A, então existe n ∈ N tal que x ∈ An. Como fn é sobrejetiva, existe m ∈ N tal que fn(m) = x. Segue que f(n,m) = fn(m) = x. Na Proposição 37 vimos que #N = #N2. Portanto, existe g : N → N2 sobrejetiva. Segue que f ◦ g : N → A é sobrejetiva. 2.3 ⋆ O Hotel de Hilbert David Hilbert foi grande entusiasta das descobertas de Cantor, chegando a afirmar que “ninguém nos expulsará do paráıso que Cantor criou para nós”. Para ilustrar o conceito de infinitude e enumerabilidade, Hilbert imaginou um hotel de infinitos quartos. Vamos explorar a ideia de Hilbert com uma dose (extra) de ficção. O Hotel de Hilbert fica ao bordo do Mar Mediterrâneo, em Saint Tropez, na badalada Cote d’Azur. Seu edif́ıcio, cinza e branco, constrúıdo em 1925 é um belo exemplo do estilo art-déco dos anos 20 e 30 do século XX. Grande e confortável, o hotel tem uma infinidade enumerável de quartos suficientes para hospedar clientes dos mais diversos gostos. Desde aqueles em busca de dias tranquilos e ensolarados aos que preferem noites em bôıtes agitadas. O gerente, o próprio David Hilbert, é um homem muito gentil, de barba bem tratada que nunca é visto sem seus óculos e chapéu branco. Como é alta temporada, o hotel está lotado. Porém, o painel localizado em sua entrada informa que há vagas dispońıveis! Chega um homem de camiseta florida, carregando uma pequena e elegante valise marrom. Ele pede um quarto a Hilbert que responde: – Apesar do hotel estar completamente lotado, providenciarei um quarto vazio para o senhor. Aguarde um minuto, por favor. Aproveitando que os hóspedes são muito soĺıcitos, pelo alto-falante, Hilbert se dirige a eles: – Perdoem-me por incomodá-los. Gostaria de pedir a cada um de vocês que troque de quarto. Quem está ocupando o quarto n passará ao quarto n + 1. Grato pela compreensão. E o cliente, satisfeito, se instala no quarto número 1. A época é de muita procura. Chega um ônibus de excursão com uma infinidade enumerável de cadeiras. Todas estão ocupadas mas, de acordo com as estritas normas de segurança do lugar, ninguém viaja em pé. O animador do grupo, facilmente reconhećıvel por sustentar uma pequena flâmula vermelha com a marca da agência, dirige-se a Hilbert solicitando os quartos que havia reservados para seus clientes. Confirmando a reserva, Hilbert solicita um minuto para providenciar os quartos. Nova- mente pelo alto-falante, dirige-se aos hóspedes: – Perdoem-me por incomodá-los outra vez. Peço novamente que troquem de quarto, desta vez, obedecendo a seguinte regra: quem estiver ocupando o quarto n mudará para o quarto 2n. Mais uma vez, agradeço a compreensão. Hilbert informa ao animador que ele seu grupo podem acomodar-se. Quem está na cadeira m ocupará o quarto 2m− 1. Fim do verão e o hotel se esvazia. Outra excursão chega. O animador, com bandeira amarela, é menos experiente que seu colega e não reservou os quartos antecipadamente pois acreditava em baixa ocupação no outono. O ônibus está cheio mas, novamente, não há 9.7. EXERCÍCIOS. 159 (a) se c ≥ 0, então S(cf ;P ) = cS(f ;P ) e I(cf ;P ) = cI(f ;P ); (b) se c ≤ 0, então S(cf ;P ) = cI(f ;P ) e I(cf ;P ) = cS(f ;P ). =⇒ 2. Sejam P,Q ∈ P[a, b] e f uma função limitada em [a, b]. Prove que se P ⊂ Q, então I(f ;P ) ≤ I(f ;Q) ≤ S(f ;Q) ≤ S(f ;P ). =⇒ 3. Este exerćıcio mostra que podemos alterar uma função integrável em um ponto sem perder a integrabilidade nem alterar a integral. Sejam c ∈ [a, b] e f uma função limitada e integrável em [a, b]. Suponhamos que g é uma função definida em [a, b] e tal que f(x) = g(x) para todo x ∈ [a, b] \ {c}. Prove que g é limitada e integrável em [a, b] e ∫ b a g(x)dx = ∫ b a f(x)dx. Sugestão: Para simplificar a demonstração, considere inicialmente os casos c = a e c = b. Depois use a Proposição 204 para concluir o caso geral. → 4. O objetivo deste exerćıcio é generalizar o resultado do exerćıcio anterior. Sejam c1, . . . , cn ∈ [a, b] e f uma função limitada e integrável em [a, b]. Suponhamos que g é uma função definida em [a, b] e tal que f(x) = g(x) para todo x ∈ [a, b] \ {c1, . . . , cn}. Prove que g é limitada e integrável em [a, b] e ∫ b a g(x)dx = ∫ b a f(x)dx. Sugestão: Proceda por indução e use o resultado do exerćıcio anterior. =⇒ 5. Sejam a, b, c, d ∈ R tais que c ≤ a ≤ b ≤ d. Prove que I(a,b) (função indicadora ou caracteŕıstica), e I[a,b] são integráveis em [c, d] e ∫ d c I(a,b)(x)dx = ∫ d c I[a,b](x)dx = b− a. ⋆ 6. (extra) Determine, utilizando a definição: (a) ∫ a 0 xn dx para n = 1 e 2; (b) ∫ a 0 sen(x) dx Dica: Para o item (b) ver [C]. =⇒ 7. Determine a integrabilidade a Riemann, utilizando S(f, P ) e I(f, P ), de: (a) f(x) = x/|x| para x 6= 0 e f(0) = 0; (b) f = IQ; (c) f(x) = sen(1/x) para x 6= 0 e f(0) = 0; (d) f : R → R definida por f(x) = 0 se x ∈ R − Q, f(p/q) = 1/q se p/q é fração irredut́ıvel com q > 0 e f(0) = 0. Dica: Para (d), veja exerćıcio 17(f), p.115. =⇒ 8. Prove que se modificarmos uma função integrável f num conjunto enumerável a integral pode deixar de existir. Dica: IQ. =⇒ 9. Sejam f, g : [a, b] → R cont́ınuas. Prove que f ≡ 0 em [a, b] se: 158 CAPÍTULO 9. INTEGRAL DE RIEMANN Aplicando (9.16) e (9.17) em (9.15), obtemos que S(f, P ) − I(f, P ) ≤ ε, concluindo a primeira parte. Suponha agora que f é integrável . Seja A = [a, b] e w(f ; a) a oscilação da função f em a, definida por w(f ; a) = inf{diam (f(Bδ(a) ∩ A)) ; δ > 0}. Defina Dm = {x ∈ [a, b]; w(f ; x) > 1/m}. Pelo Lema 152, p.108, se f é descont́ınua em x então w(f ; x) > 0. Logo D = ⋃ m∈N Dm. Pelo Lema 217, é suficiente mostrar que Dm tem medida nula para cada m. Fixado m, como f é integrável, dado ε > 0, existe P = {x0, . . . , xn} tal que S(f ;P )− I(f ;P ) < ε m . (9.18) Defina Ii = [xi−1, xi] e J = {k ∈ {1, . . . , n}; diam(f(Ik)) > 1/m}. (9.19) Vamos verificar queDm ⊂ ⋃ i∈J Ii (estes intervalos fechados cobremDm). De fato seja x ∈ Dm. Por definição w(f, x) > 1/m e, como x ∈ [a, b], cujo intervalo foi particionado, x ∈ Ii para algum i. Vamos mostrar que x ∈ Ii com i ∈ J . (a) se x ∈ I◦i (interior do intervalo), é claro que diam(f(Ii)) ≥ w(f, x) > 1/m pois w(f, x) é o ı́nfimo dos diâmetros de f aplicado em intervalos contendo x. Logo x ∈ Ii com i ∈ J . (b) se x = xi (extremo do intervalo) então das duas uma: diam(f(Ii)) ≥ w(f, x) > 1/m ou diam(f(Ii+1)) ≥ w(f, x) > 1/m pela mesma razão. Logo x ∈ Ii com i ∈ J ou x ∈ Ii+1 com i+ 1 ∈ J . Finalmente, usando (9.18) e (9.19), 1 m ∑ i∈J |Ii| < ∑ i∈J diam(f(Ii))|Ii| ≤ n∑ i=1 diam(f(Ii))|Ii| = S(f, P )− I(f, P ) < ε m . Conclúımos que Dm ⊂ ⋃ i∈J Ii (intervalos fechados) e ∑ i∈J |Ii| < ε. Segue do Lema 216 que Dm tem medida nula. 9.7 Exerćıcios. 9.7.1 Integral e propriedades =⇒ 1. Sejam c ∈ R, P ∈ P[a, b] e f uma função limitada em [a, b]. Prove que 2.4. RACIONAIS: OPERAÇÕES, ENUMERABILIDADE E ORDEM. 23 pessoas em pé. Além disto, para cada número real há uma cadeira no ônibus com aquele número! Surpreendentemente, Hilbert informa que, apesar do hotel estar completamente vazio, não há vagas suficientes para acomodar a todos. E, amavelmente, sugere o Hotel Real que é maior que o seu. No próximo caṕıtulo veremos porque Hilbert não podia receber o último grupo. 2.4 Racionais: operações, enumerabilidade e ordem. Lembramos que um número racional é aquele que pode ser expresso como razão entre dois inteiros m,n ∈ Z, com n 6= 0, i.e., ∀x ∈ Q, ∃m ∈ Z, n ∈ N tais que x = m n . Q é o conjunto dos números racionais. Como m/1 = m para todo m ∈ Z temos que Z ⊂ Q. Como fizemos com N e Z admitiremos neste curso que o leitor já está familiarizado com as propriedades básicas do conjunto Q. Para um esboço da construção de Q leia a Seção 5.2.3, p.83. Nesta e nas próximas duas seções revisaremos algumas destas propriedades e estudaremos outras menos familiares. PROPOSIÇÃO 41. Q é enumerável e #N = #Q. Demonstração. Como N ⊂ Z ⊂ Q, temos que #N ≤ #Q. Vamos mostrar que #N ≥ #Q. A definição de número racional diz que a função f : Z×N → Q dada por f(m,n) = m/n é sobrejetiva. Vimos no Exemplo 2.4 que Z é enumerável. Segue do exerćıcio 7, p.27 que Z×N também é enumerável. Logo existe g : N → Z×N sobrejetiva. Terminamos a demonstração observando que f ◦ g : N → Q é sobrejetiva. Para outra prova ver exerćıcio 13, p.28. As operações de adição e multiplicação de números racionais verificam certas propriedades algébricas que definem o conceito de corpo. DEFINIÇÃO 42. Seja K um conjunto munido de duas operações binárias chamadas adição e multiplicação da seguinte maneira: a cada par x, y ∈ K a adição e a multiplicação fazem corresponder, respectivamente, a sua soma x + y ∈ K e o seu produto x · y ∈ K (por simplicidade, às vezes omitimos o “·”). Dizemos que o terno (K,+, ·) é um corpo se valem as seguintes propriedades. i. x+ y = y + x e x · y = y · x ∀x, y ∈ K (comutatividade). ii. (x+ y) + z = x+ (y + z) e (x · y) · z = x · (y · z) ∀x, y, z ∈ K (associatividade). iii. ∃!x ∈ K tal que x + y = y ∀y ∈ K (existência do elemento neutro da adição). O elemento neutro x será denotado 0 e chamado de zero. iv. ∀x ∈ K, ∃!y ∈ K tal que x+ y = 0 (existência de oposto). O elemento y que é o oposto de x será denotado por −x. v. ∃!x ∈ K \ {0} tal que x · y = y ∀y ∈ K (existência do elemento neutro da multiplicação). O elemento neutro x será denotado 1 e chamado de um. vi. ∀x ∈ K \ {0}, ∃!y ∈ K tal que x · y = 1 (existência de inverso). O elemento y que é o inverso de x será denotado por x−1. vii. x · (y + z) = (x · y) + (x · z) ∀x, y, z ∈ K (distributividade). 26 CAPÍTULO 2. NÚMEROS NATURAIS, INTEIROS E RACIONAIS De fato, (Q,+, ·,≤) é arquimediano pois se x ∈ Q, com x > 0, então, existem m ∈ Z e n ∈ N tais que x = m/n. Como x > 0, temos m ∈ N. Conclúımos observando que x = m/n ≤ m < m+ 1 ∈ N. Um exemplo de corpo não-arquimediano é o corpo Zp com p primo (veja exerćıcio 52, p.33). 2.6 Exerćıcios. 2.6.1 Naturais, inteiros e indução =⇒ 1. Prove que o conjunto dos números primos é infinito. Dica1: Suponha, por absurdo, que N é o maior primo. Prove que N ! + 1 também será primo. Dica2: Suponha, por absurdo, que exista um número finito de primos. Tome m o MMC destes números. Agora m+ 1 também será primo. Prova apresentada por Euclides1 no livro IX, proposição 20. Em particular, isto mostra que nos Elementos de Euclides têm, além de Geometria, Álgebra. Obs: Seja π(n) o número de primos menores que n. Provamos que lim n→∞ π(n) = +∞. Um problema dif́ıcil (que pertence a teoria anaĺıtica dos números) é estimar π(n) para n grande. Foi provado em 1896 por Hadamard 2 e Vallée-Poussin 3 o teorema dos números primos: lim n→∞ π(n) n/ log(n) = 1. Isto mostra que π(n) ≈ n/ log(n) para n grande ([O] p.75). =⇒ 2. Prove por indução que n⋂ i=1 ( 0, 1 i ) é não-vazio. Podemos utilizar indução para concluir que ∞⋂ i=1 ( 0, 1 i ) é não-vazio? =⇒ 3. Prove por indução que, para todo n ∈ N: →(a) n! > 2n (para n ≥ 4); (b) 12 + · · ·+ n2 = n(n+ 1)(2n+ 1)/6; (c) (a− 1) n∑ i=1 ai = an+1 − 1; =⇒(d) 13 + 23 + · · ·+ n3 = (1 + 2 + · · ·+ n)2; (e) (a+ b)n = n∑ i=0 (ni )a ibn−i (binômio de Newton).=⇒(f) 1 n + 1 n+ 1 + · · ·+ 1 2n ≥ 1 2 ; =⇒(g) (1 + a)n ≥ 1 + na (desigualdade de Bernoulli),4 com a ≥ −1. (h) √ n < n∑ i=1 1√ i para n ≥ 2. 1Euclides da Alexandria: ⋆ 325 AC, Grécia – † 265 AC, Alexandria, Egito. 2Jacques Salomon Hadamard: ⋆ 08/12/1865, Versailles, França – † 17/10/1963, Paris, França. 3Charles Jean Gustave Nicolas Baron de la Vallée Poussin: ⋆ 14/08/1866, Louvain, Bélgica – † 02/03/1962, Louvain, Bélgica. 4Jacques Bernoulli: ⋆ 27/12/1654, Basileia, Súıça - † 16/08/1705, Basileia, Súıça. 9.6. MEDIDA NULA E TEOREMA DE LEBESGUE. 155 Exemplo 9.7. Seja A = {x1, . . . , xm}. Dado ε > 0, para cada n ∈ N, definimos In = ( xn − ε 2m , xn + ε 2m ) , se n ≤ m, ou In = ∅, se n > m. É imediato que A ⊂ ⋃+∞ n=1 In. Além disto, +∞∑ n=1 |In| = m∑ n=1 |In| = m∑ n=1 ε m = ε. Portanto, A tem medida nula. O argumento do próximo exemplo é uma pequena sofisticação do anterior. Exemplo 9.8. Seja A = {x1, x2, · · · }. Dado ε > 0, para cada n ∈ N, definimos In = ( xn − ε 2n+1 , xn + ε 2n+1 ) . É imediato que A ⊂ ⋃+∞ n=1 In. Além disto, +∞∑ n=1 |In| = +∞∑ n=1 ε 2n = ε. Portanto, A tem medida nula. Podemos adaptar este argumento para provar que na definição de medida nula podemos utilizar intervalos fechados. LEMA 216. (medida nula e intervalos fechados) O conjunto A ⊂ R tem medida nula se, e somente se, para todo ε > 0, existe uma sequência (In)n∈N de intervalos fechados e limitados tal que (9.11) é válido com |I| = b− a se I = [a, b]. Demonstração. Dado ε > 0 qualquer, podemos substituir cada intervalo fechado In = [an, bn] pelo intervalo aberto Jn = (an − ε2n+1 , bn + ε2n+1 ). É claro que +∞∑ n=1 |Jn| = +∞∑ n=1 |In|+ ε. Deixamos o leitor completar o resultado. É fácil perceber que o intervalo [a, b], com a < b, não tem medida nula (pense nisto). A demonstração mais natural deste fato, na opinião do autor, é tediosa, ou então, repleta de afirmações, sem prova, do tipo “é fácil ver que”. Outra demonstração menos natural, porém mais elegante, é indicada no exerćıcio 25, p.162. LEMA 217. (união enumerável de conjuntos de medida nula tem medida nula) Se (An)n∈N é uma sequência de conjuntos de medida nula, então +∞⋃ n=1 An tem medida nula. 154 CAPÍTULO 9. INTEGRAL DE RIEMANN F em [c, d]. Pela Regra da Cadeia, para todo x ∈ [a, b], temos (F ◦g)′(x) = F ′ ( g(x) ) g′(x) = f ( g(x) ) g′(x). Pelo Teorema Fundamental do Cálculo, temos F ( g(b) ) − F ( g(a) ) = ∫ g(b) g(a) F ′(x)dx = ∫ g(b) g(a) f(x)dx e F ( g(b) ) − F ( g(a) ) = (F ◦ g)(b)− (F ◦ g)(a) = ∫ b a f ( g(x) ) g′(x)dx. Dáı segue o resultado. PROPOSIÇÃO 214. (integração por partes) Sejam f e g funções deriváveis em [a, b] com f ′ e g′ integráveis. Então ∫ b a f(x)g′(x)dx = f(b)g(b)− f(a)g(a)− ∫ b a f ′(x)g(x)dx. Demonstração. Pelo Teorema Fundamental do Cálculo temos f(b)g(b)− f(a)g(a) = ∫ b a (fg)′(x)dx = ∫ b a ( f ′(x)g(x) + f(x)g′(x) ) dx. O resultado segue dáı, observando que f ′g e fg′ são integráveis (Proposição 203) e usando a Proposição 199 (i). 9.6 Medida nula e Teorema de Lebesgue. Já vimos que funções cont́ınuas são integráveis e comentamos que a integrabilidade está relacionada com a continuidade, ou melhor, com a descontinuidade. De fato, o Teorema de Lebesgue, que veremos nesta seção, nos diz que uma função f limitada em [a, b] é integrável neste intervalo se, e somente se, ela não é “muito” descont́ınua áı, ou, em outros termos, se o conjunto dos pontos de [a, b] onde f é descont́ınua é “pequeno”. Começamos por precisar o que queremos dizer por “pequeno” no parágrafo anterior. DEFINIÇÃO 215. Dizemos que A ⊂ R tem medida (de Lebesgue) nula se para todo ε > 0, existe uma sequência (In)n∈N de intervalos abertos e limitados tal que A ⊂ +∞⋃ n=1 In e +∞∑ n=1 |In| ≤ ε, (9.11) sendo que |I| representa o comprimento do intervalo I, ou seja, |I| = b− a se I = (a, b). Conjuntos finitos ou, mais geralmente, enumeráveis tem medida nula como veremos nos dois exemplos a seguir. 2.6. EXERCÍCIOS. 27 (i) n∑ i=1 i · i! = (n+ 1)!− 1 para n ≥ 1. 4. Seja f0(x) = x/(x+ 1) e fn definida de forma indutiva por fn(x) = f0(fn−1(x)). Prove que fn(x) = x/((n+ 1)x+ 1). ⋆ 5. (extra) Os axiomas de Peano que definem N podem ser apresentados da seguinte forma: Seja A um conjunto e s : A → A uma função injetiva (a função sucessor) com A− s(A) = {a} (conjunto unitário) e A = ∞⋃ n=0 s(n)(a). Então este A será o N. Prove que: (a) se eliminarmos a condição A− s(A) unitário então A pode ser um conjunto finito; (b) podemos substituir a condição A − s(A) unitário pela existência de um único a ∈ A tal que A = ∞⋃ n=0 s(n)(a); (c) se a não for único então A será finito; Defina a operação binária (soma) + : A×A→ A por m,n ∈ A: i. m+ a = m e ii. m+ s(n) = s(m+ n). (d) Prove que a soma está definida para todos elementos de A. Prove que a +m = m para todo m ∈ A. Pode-se provar que a soma é associativa e comutativa. 2.6.2 Cardinalidade 6. Seja X ⊂ N infinito. Prove que existe uma única bijeção crescente f : N → X . =⇒ 7. Prove que se A1 e A2 são enumeráveis, então A1×A2 é enumerável. Prove, por indução, que se A1, . . . , An são enumeráveis, então A1 × · · · × An é enumerável. =⇒ 8. Prove que F(N;N) é não-enumerável. Dica1: (argumento diagonal de Cantor da Proposição 38, p.20) Dada Φ : N → F(N;N), construa uma fΦ ∈ F(N;N) que não esteja na imagem de Φ (por exemplo com fΦ(i) 6= (Φ(i))(i) para todo i. Dica2: {0, 1} ⊂ N, exerćıcio 30, p.13 e exerćıcio 31(c), p.13. 9. Suponha que X 6= ∅ e #Y > 1. Prove que #X < #F(X ; Y ). Dica: ver Dica1 do exerćıcio anterior. → 10. Suponha que X 6= ∅. Prove que #X < #P(X). Dica: Argumento diagonal de Cantor da Proposição 38, p.20 e tricotomia da cardinali- dade (exerćıcio 36, p.30). Conclúımos que existem infinitas cardinalidades infinitas: #X < #P(X) < #P(P(X)) etc. → 11. Seja A um conjunto infinito enumerável. Prove que o conjunto {B ∈ P(A); #B < #N} é enumerável. Note que P(A) é não-enumerável! 12. Use a Proposição 39 para provar, de maneira diferente do Exemplo 2.4, que Z é enumerável. 28 CAPÍTULO 2. NÚMEROS NATURAIS, INTEIROS E RACIONAIS =⇒ 13. (Q é enumerável) Defina Aj = {m/n; m ∈ Z, n ∈ N com |m| + n = j} para cada j ∈ N. Prove que: (a) #Aj = 2j − 1; (b) Q = ⋃ j∈N Aj; (c) Q é enumerável. Obs: Definindo a norma de q = m/n por |m| + |n| (chamado de norma l1), Aj é um “ćırculo” de raio j. =⇒ 14. Baseado no exerćıcio anterior, escreva um programa de computador que imprima todos os números racionais. 15. Sejam X e Y conjuntos finitos. Prove que: (a) #(X ∪ Y ) = #X +#Y −#(X ∩ Y ); (b) #(X × Y ) = #X ·#Y ; (c) #P(X) = 2#X ; (d) #F(X ; Y ) = #Y #X ; (e) o conjunto das bijeções de X em X possui (#X)! elementos. → 16. Seja A ⊂ R2 tal que a distância d(x, y) ∈ Q para todo x, y ∈ A. Prove que A é enumerável (ou finito). O resultado continua válido para A ⊂ Rn? ([T] p.13 no.5.35) Dica: fixe 3 pontos não-colineares de A e escolha sistema de coordenadas. 17. Construa uma bijeção de N × N em N tomando d́ıgitos de forma intercalada: (por exemplo f(13, 24) = (1234), e de forma geral, f(ak · · · a0, bk · · · b0) = akbk · · · a1b1a0b0). =⇒ 18. Prove que se X é finito e Y é enumerável então F(X ; Y ) é enumerável ([L] p.45 no.20). Generalizado no exerćıcio 33, p.29 19. Considere X ⊂ F(N;N) o conjunto das funções que valem 1 em todos os pontos menos num conjunto finito. Portanto se f ∈ X então f(x) = 1 para todo x ∈ N a menos de um conjunto finito (ou ainda, gastando notação de teoria de conjuntos, f−1({1}∁) é finito). Prove que X é enumerável (adaptado de [L] p.45 no.20). ♯ 20. (dif́ıcil) Defina f : N → N tal que para todo n ∈ N, f−1(n) seja infinito ([L] p.44 no.15). Dica: Decomponha em fatores primos. =⇒ 21. Um conjunto X é infinito se, e somente se, existe uma bijeção dele com uma parte própria Y ⊂ X , Y 6= X . Obs: Esta foi a definição dada por Dedekind para conjunto infinito. 22. Considere o conjunto das sequências de inteiros não-negativos {(ni); ni ∈ Z, ni ≥ 0}. Determine se é enumerável o subconjunto das sequências: (a) que são zero a partir de um certo termo ([T] p.13 no.5.29); (b) que são decrescentes (n1 ≥ n2 ≥ n3 ≥ · · · ≥ 0); (c) que são estritamente crescentes (n1 < n2 < n3 < · · · ) ([L] p.45 no.26). 23. Construa uma bijeção entre (−1, 1) e R. Note que existe uma bijeção (simples) entre S1 − {N} (circunferência sem um ponto) e (−1, 1). → 24. Construa uma bijeção entre S2 − {N} (esfera sem o polo norte) e R2. Dica: projeção estereográfica. =⇒ 25. Considere os intervalos (0, 1] e (0, 1). 9.5. MUDANÇA DE VARIÁVEIS E INTEGRAÇÃO POR PARTES. 153 TEOREMA 212. O número π2 é irracional e, portanto, π também é. Demonstração. Suponhamos, por absurdo, que existem p, q ∈ N tais que π2 = p/q. No Exemplo 4.17, p.67, vimos que pn/n! → 0 quando n→ +∞. Assim, podemos escolher n ∈ N, suficientemente grande, para que pn/n! < 1/π. Seja f o polinômio de grau 2n do lema anterior e considere as funções F e G definidas, para cada x ∈ R, por F (x) = qn ( π2nf(x)− π2n−2f (2)(x) + · · ·+ (−1)n−1π4f (2n−2)(x) + (−1)nπ2f (2n)(x) ) G(x) = F ′(x) sen(πx)− πF (x) cos(πx). Para k ∈ {1, . . . , n}, temos que qnπ2k = qn−kpn ∈ N. Disto e do lema anterior, con- clúımos que F (0), F (1) ∈ Z. Também temos G(0) = −πF (0) e G(1) = πF (1). Derivando G uma vez e F duas vezes, obtemos G′(x) = F ′′(x) sen(πx) + πF ′(x) cos(πx)− πF ′(x) cos(πx) + πF (x) sen(πx), = ( F ′′(x) + π2F (x) ) sen(πx), F ′′(x) = qn ( π2nf (2)(x)− π2n−2f (4)(x) + · · ·+ (−1)n−1π4f (2n)(x) ) = −π2qn ( −π2n−2f (2)(x) + π2n−4f (4)(x) + · · ·+ (−1)nπ2f (2n)(x) ) = −π2 ( F (x)− qnπ2nf(x) ) = −π2F (x) + π2pnf(x). Portanto, G′(x) = π2pnf(x) sen(πx). Segue do Primeiro Teorema Fundamental do Cálculo que π ∫ 1 0 pnf(x) sen(x)dx = G(1)−G(0) π = F (1) + F (0) ∈ Z. Por outro lado, 0 < π ∫ 1 0 pnf(x) sen(x)dx ≤ πp n n! < 1. Ou seja, F (0) + F (1) ∈ Z ∩ (0, 1) = ∅. Absurdo! 9.5 Mudança de variáveis e integração por partes. PROPOSIÇÃO 213. (mudança de variável) Seja g derivável em [a, b] com g′ integrável neste intervalo. Se f é cont́ınua em g ( [a, b] ) , então ∫ g(b) g(a) f(x)dx = ∫ b a f ( g(x) ) g′(x)dx. Demonstração. A função f é cont́ınua e, portanto, integrável. Também é integrável o produto das funções integráveis f ◦ g e g′ (observe que f ◦ g é cont́ınua). Pelos Teoremas de Weierstrass (Corolário 159, p.110) e do Valor Intermediário (Teo- rema 154, p.109), temos que g ( [a, b] ) é o intervalo fechado [c, d], sendo c e d, respectiva- mente, os valores ḿınimo e máximo de g em [a, b]. Assim, a função cont́ınua f tem primitiva 150 CAPÍTULO 9. INTEGRAL DE RIEMANN 9.3 Teoremas Fundamentais do Cálculo. TEOREMA 207. (TFC: integral da derivada) Se F é derivável em [a, b], e f = F ′ é integrável em [a, b], então F (b)− F (a) = ∫ b a f(x)dx. Demonstração. Seja P = {x0, . . . , xn}, partição de [a, b], qualquer. Temos F (b)− F (a) = F (xn)− F (x0) = n∑ i=1 [ F (xi)− F (xi−1) ] . Para cada i ∈ {1, . . . , n}, aplicando o Teorema do Valor Médio a F em [xi−1, xi], obtemos a existência de yi ∈ (xi−1, xi) tal que F (xi) − F (xi−1) = F ′(yi)(xi − xi−1). Substituindo na relação acima obtemos F (b)− F (a) = n∑ i=1 F ′(yi)(xi − xi−1) = n∑ i=1 f(yi)∆xi. Como yi ∈ (xi−1, xi), temos inf(f(Ii)) ≤ f(yi) ≤ sup(f(Ii)). Portanto, I(f ;P ) ≤ F (b)− F (a) ≤ S(f ;P ). Tomando sup do lado esquerdo e inf do lado direito, sup I(f, P ) ≤ F (b)− F (a) ≤ inf S(f, P ). Como f é integrável, os extremos valem a mesma coisa: ∫ b a f(x)dx. Conclúımos o resultado pois ∫ b a f(x)dx ≤ F (b)− F (a) ≤ ∫ b a f(x)dx. Cuidado! O teorema anterior não diz que se F é derivável, então f = F ′ é integrável. De fato, Volterra1 [Vo] encontrou um exemplo de função derivável com derivada limitada, porém, não integrável. TEOREMA 208. (TFC: derivada da integral) Se f é integrável em [a, b], então F : [a, b] → R definida por F (x) = ∫ x a f(s)ds ∀x ∈ [a, b]. é Lipschitz cont́ınua. Além disto, se f é cont́ınua em x0 ∈ [a, b], então F é derivável em x0 e F ′(x0) = f(x0). 1Vito Volterra: ⋆ 03/05/1860, Ancona, Itália - † 11/10/1940, Roma, Itália. 2.6. EXERCÍCIOS. 31 g(BB) = AB e A ∁ B = AA ∪ A∞ = X0 (maior ponto fixo) é mais dif́ıcil de ser calculado pela fórmula original, podemos calcular mais facilmente por X0 = ( g ( +∞⋃ i=0 (f ◦ g)(i)[f(A)∁] ))∁ . OBS 3: Esta prova utilizando ponto fixo é caso particular do Teorema do ponto fixo para reticulados (em inglês lattices) de Tarski-Davis. OBS 4: Se A = B, f = g = Id, AA = AB = ∅ e A∞ = A: menor atrator é o ∅, maior é o A. 2.6.3 Racionais =⇒ 38. Seja (K,+, ·,≤) um corpo ordenado. (a) Prove que 0 ≤ x · x para todo x ∈ K e conclua que 0 < 1. (b) Prove que se 0 ≤ x, então −x ≤ 0 e conclua que −1 < 0. (Atenção: desigualdade estrita). =⇒(c) Diga porque é imposśıvel definir uma relação de ordem no conjunto dos complexos de modo que (C,+, ·,≤) seja um corpo ordenado. Sugestão: Em 38(a) considere separadamente os casos 0 ≤ x e x ≤ 0 e utilize a monotonia de ≤ para a multiplicação. Em 38(b) use a monotonia de ≤ para a adição. Em 38(c) use 38(a) e 38(b) e considere x = i. 39. Seja f : A → B uma função crescente e decrescente ao mesmo tempo. Prove que f é constante, i.e., f(x) = f(y) quaisquer que sejam x, y ∈ A. ⋆ 40. (extra) Prove que um número possui d́ızima com m > 0 termos na parte não-periódica se, e somente se, o denominador da fração irredut́ıvel possui fator 2m ou 5m mas não possui fator 2m+1 nem 5m+1. ⋆ 41. (extra) Seja α = m/n ∈ Q comm,n ∈ N uma fração positiva irredut́ıvel (MDC(m,n) = 1). Prove que são equivalentes: (a) α possui expansão decimal finita; (b) 10s é múltiplo de n para algum s ∈ N; (c) n = 2α5β. ⋆ 42. (extra) Formule (e resolva) um exerćıcio semelhante ao anterior porém para expansão de α na base 6. E na base k? ♯ 43. (dif́ıcil) Prove que qualquer racional positivo pode ser escrito como a soma finita de números distintos da forma 1/n com n ∈ N ([Sp] p.411 no.22). Um corolário é que a série harmônica (veja página 65) diverge. Dica: se p/q estiver estritamente entre 1/n e 1/(n + 1) então o numerador de p/q − 1/(n+ 1) é menor que p. ♯ 44. (dif́ıcil) (teoria da expansão decimal, vide [O] p.319 e [Hd]) Sejam/n ∈ Q comm,n ∈ N uma fração positiva irredut́ıvel, isto é, MDC(m,n) = 1. Sejam s, p ∈ N ḿınimos com p ≥ 1 32 CAPÍTULO 2. NÚMEROS NATURAIS, INTEIROS E RACIONAIS tais que 10s+p − 10s é múltiplo de n. Então a expansão decimal de m/n possui uma d́ızima periódica de peŕıodo p que começa após s d́ıgitos à direita da casa decimal. Mais ainda, se n = 2α5βQ com MDC(Q, 10) = 1 então s = max(α, β). Obs: Como consequência, a caracteŕıstica da d́ızima de m/n depende SOMENTE de n. Podemos calcular a tabela abaixo. Assim, por exemplo, se n = 3, toda fração m/3 irredut́ıvel possuirá d́ızima periódica começando imediatamente após a casa decimal (s = 0) com peŕıodo 1 (p = 1). Se n = 18 toda fração m/18 irredut́ıvel possuirá d́ızima periódica começando após uma (s = 1) casa decimal com peŕıodo 1 (p = 1). Quando a expansão decimal é finita (1/2 por exemplo) podemos interpretar como uma d́ızima com o algarismo 0 se repetindo (p = 1). n 2 3 4 5 6 7 8 9 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 s 1 0 2 1 1 0 3 0 0 2 0 1 1 4 0 1 0 2 p 1 1 1 1 1 6 1 1 2 1 6 6 1 1 16 1 18 1 Obs: Esta teoria pode ser facilmente generalizada para outras bases. Basta modificar o 10 que aparece acima pela outra base. Obs: Podemos determinar s e p do seguinte modo. Calcule 10i mod n (resto da divisão por n) para i = 0, 1, 2, . . . , n. Como são no máximo n restos distintos (0 até n − 1), eles se repetirão. Isto é, existem 0 ≤ s < j ≤ n tais que 10j mod n = 10s mod n. Portanto, tomando p = j − s, teremos que 10s+p − 10s mod n = 0. ⋆ 45. (extra) Dado um corpo K qualquer existe um conjunto M ⊂ K homeomorfo a Z, isto é, existe f : M → Z tal que f preserva as operações de soma e produto. Dica: Identifique o elemento neutro da soma com o 0, o neutro do produto com 1 e obtenha os outros elementos de M através da soma (ou subtração) do elemento identidade do produto. ⋆ 46. (extra) Prove a unicidade de 1 a partir de sua existência e da comutatividade da multiplicação, ou seja, prove que se a operação · é comutativa em K e existe x ∈ K tal que x · y = y qualquer que seja y ∈ K, então ele é único. ⋆ 47. (extra) Prove a unicidade do inverso de x ∈ K − {0} a partir de sua existência e da comutatividade da operação de multiplicação. ⋆ 48. (extra) Sejam (K,+, ·) um corpo e x, y ∈ K. Prove que (a) x · 0 = 0; (b) (−x) · y = −(x · y); (c) (−x) · (−y) = x · y. Dica: (a) use 0 = 0 + 0; (b) use (a); (c) use (b) duas vezes. ⋆ 49. (extra) Seja (K,+, ·,≤) um corpo ordenado. Sejam x, y ∈ K. Prove que (a) se x < 0, então x−1 < 0; (b) se 0 < x < y, então 0 < y−1 < x−1. (c) se x ≥ 0 e y ≤ 0, então x · y ≤ 0; (d) se x < 0 e y < 0, então x · y > 0. ⋆ 50. (extra) Sejam (K,+, ·,≤) um corpo ordenado e x, y, z ∈ K. Prove que (a) se x < y, então x+ z < y + z; (b) se x < y, então x · z < y · z quando 0 < z e y · z < x · z quando z < 0. ⋆ 51. (extra) Para cada K definido abaixo, determine se é corpo e, neste caso, determine a fórmula do inverso aditivo e do inverso multiplicativo: (a) K = {a+ b √ 2; a, b ∈ Q}; (b) K = {a+ b√n; a, b ∈ Q}, com n ∈ N; 9.2. INTEGRAL E PROPRIEDADES. 149 Somando, obtemos ∫ c a f(x)dx+ ∫ b c f(x)dx− 2ε ≤ I(f ;P1) + I(f ;P2) ≤ S(f ;P1) + S(f ;P2) ≤ ∫ c a f(x)dx+ ∫ b c f(x)dx+ 2ε. Portanto, para P = P1 ∪ P2, temos ∫ c a f(x)dx+ ∫ b c f(x)dx− 2ε ≤ I(f ;P ) ≤ S(f ;P ) ≤ ∫ c a f(x)dx+ ∫ b c f(x)dx+ 2ε. Segue dáı que S(f ;P )− I(f ;P ) ≤ 4ε. Conclúımos que f é integrável em [a, b]. Além disto, da relação acima obtemos, ∫ c a f(x)dx+ ∫ b c f(x)dx− 2ε ≤ ∫ b a f(x)dx ≤ ∫ c a f(x)dx+ ∫ b c f(x)dx+ 2ε. Terminamos a demonstração tomando o limite ε→ 0. Seja f uma função limitada e integrável em [0, b]. Se 0 < a < b, então, pela proposição anterior, ∫ b 0 f(x)dx = ∫ a 0 f(x)dx+ ∫ b a f(x)dx. (9.10) Do resultado obtido no Exemplo 9.3 obtemos que (9.10) também vale para a = 0 ou a = b. Suponhamos agora que 0 < b < a. Neste caso, (9.10) perde o sentido pois o segundo termo do lado direito não está definido. Entretanto, se f é limitada e integrável em [0, a], então, novamente pela proposição anterior, podemos dizer que ∫ b 0 f(x)dx = ∫ a 0 f(x)dx− ∫ a b f(x)dx. Comparando a igualdade acima com (9.10) conclúımos que só existe uma forma de definir a integral de a até b, com b < a, para que (9.10) faça sentido. Esta é a motivação para a próxima definição. DEFINIÇÃO 205. Seja f integrável em [a, b]. A integral de f de b até a é definida por ∫ a b f(x)dx = − ∫ b a f(x)dx. Feita esta definição, temos a seguinte generalização para (9.9). PROPOSIÇÃO 206. Seja f integrável em [A,B]. Então ∫ b a f(x)dx = ∫ c a f(x)dx+ ∫ b c f(x)dx, quaisquer que sejam a, b, c ∈ [A,B]. Demonstração. É consequência da Proposição 204 e da Definição 205 (verifique). 148 CAPÍTULO 9. INTEGRAL DE RIEMANN O leitor deve perceber que é errado afirmar que a integral do produto é o produto das integrais (procure um contraexemplo). PROPOSIÇÃO 204. Seja c ∈ (a, b). Uma função f é integrável em [a, b] se, e somente se, ela é integrável em [a, c] e em [c, b]. Neste caso, ∫ b a f(x)dx = ∫ c a f(x)dx+ ∫ b c f(x)dx. (9.9) Demonstração. Fica (mais uma vez) para o leitor a tarefa de provar que f é limitada em [a, b] se, e somente se, f é limitada em [a, c] e em [c, b]. Sejam P ∈ P[a, b], P1 ∈ P[a, c] e P2 ∈ P[c, b] tais que P = P1 ∪P2. Mais precisamente, podemos escrever P1 = {x0, . . . , xn}, P2 = {xn, . . . , xm} e P = {x0, . . . , xn, . . . , xm}. Para cada i ∈ {1, . . . , m} temos que S(f ;P ) = m∑ i=1 sup(f(Ii))∆xi = n∑ i=1 sup(f(Ii))∆xi + m∑ i=n+1 sup(f(Ii))∆xi = S(f ;P1) + S(f ;P2). Do mesmo modo, mostra-se que I(f ;P ) = I(f ;P1) + I(f ;P2). Se f é integrável em [a, b], então, dado ε > 0, existe P ∈ P[a, b] tal que S(f ;P ) − I(f ;P ) ≤ ε. Graças à Proposição 194 podemos supor que c ∈ P . Tomando P1 e P2 como antes, obtemos [ S(f ;P1)− I(f ;P1) ] + [ S(f ;P2)− I(f ;P2) ] = S(f ;P )− I(f ;P ) ≤ ε. As quantidades entre colchetes são positivas e têm soma inferior ou igual a ε, logo, cada uma delas é inferior ou igual a ε. Portanto, f é integrável em [a, c] e em [c, b]. Reciprocamente, se f é integrável em [a, c] e em [c, b], então, dado ε > 0, existem P1 ∈ P[a, c] e P2 ∈ P[c, b] tais que ∫ c a f(x)dx− ε ≤ I(f ;P1) ≤ S(f ;P1) ≤ ∫ c a f(x)dx+ ε e ∫ b c f(x)dx− ε ≤ I(f ;P2) ≤ S(f ;P2) ≤ ∫ b c f(x)dx+ ε. 2.6. EXERCÍCIOS. 33 (c) K = {a+ b 3 √ 2; a, b ∈ Q}; (d) K = {a+ b 4 √ 3+ c 4 √ 9+d 4 √ 27; a, b, c, d ∈ Q}. ⋆ 52. (extra) Zn é o conjunto formado por {0, 1, . . . , n−1} cujas operações são feitas módulo n. Por exemplo, em Z3 temos que 2 · 2 = 1; 2 + 1 = 0; −2 = 1. Prove que todos elementos de Zn possuem inverso multiplicativo se, e somente se, n é primo. Conclua que, neste caso, Zn é corpo não-arquimediano. Um contraexemplo é Z4, pois 2·2 = 0, o que implica (porque?) que 2 não tem inverso multiplicativo em Z4. ⋆ 53. (extra) Sejam (K,+, ·,≤) um corpo ordenado arquimediano, e a ∈ K com a > 0. Prove que se b ∈ K e b > 1, então existe n ∈ N tal que a < bn. ⋆ 54. (extra) Prove que um corpo ordenado K é arquimediano (i.e. N ⊂ K é ilimitado superiormente) se, e somente se ([L] p.59 e p.72 no.25), dados a, b ∈ K com a > 0 existe n ∈ N tal que: (a) n · a > b; (b) 0 < 1 n < a; (c) 0 < 1 2n < a. 36 CAPÍTULO 3. NÚMEROS REAIS número é racional! A incomensurabilidade entre 1 e d significa que d = √ 2 não é racio- nal. Isto mostrou aos Pitagóricos que, ao contrário do que eles preconizavam, os números (inteiros) e suas razões não eram capazes de explicar tudo. Acredita-se este resultado foi descoberto e revelado por Hippasus de Metapontum1 que, por este motivo, foi expulso da confraria (pior, segundo a lenda, ele foi jogado ao mar). Foi Eudoxo2 quem resolveu a crise surgida com a descoberta dos incomensuráveis intro- duzindo uma nova definição de proporção de segmentos tal como ela aparece no livro V de “Os Elementos” de Euclides3. Como os números racionais são insuficientes para representar todos os segmentos devemos completá-los. Isto é feito introduzindo o corpo ordenado (R,+, ·,≤) dos números reais, que contém o conjunto dos números racionais. Com certeza o leitor está habituado a trabalhar com números reais. Porém, se este é seu primeiro Curso de Análise, é muito provável que ele nunca tenha visto a construção do conjunto dos números reais. Existem várias maneiras de construir este corpo ordenado. Neste texto, apresentamos: (a) na Seção 3.2 deste Caṕıtulo, a construção através de cortes de Dedekind4 [De] (ver também [Hd]) que pode ser vista como uma modernização da ideia de Eudoxo; (b) na Seção 5.2.4, a construção como classes de equivalência de sequências de Cauchy de números racionais; (c) no exerćıcio 17, p.87, a construção como decimais infinitas, como costuma ser ensinado no ensino fundamental e médio. 3.2 ⋆ Cortes de Dedekind. Os gregos da época pitagórica conheciam e manipulavam números racionais e apenas eles. Suas demonstrações eram baseadas nas propriedades dos racionais e somente nelas. Por outro lado, eles sabiam que existiam outros “números” (por exemplo √ 2) e, pelo fato de não saberem como eles eram, os gregos eram incapazes de manipulá-los. Este foi o motivo da crise descrita na seção precedente. Peço ao leitor que se comporte, simultaneamente, com duas posturas diferentes. Deve esquecer tudo o que conhece sobre números reais - até mesmo a existência. Deve admitir, neste momento, que conhece, além de Teoria dos Conjuntos, apenas funções, números racionais e suas propriedades (operatórias, ordem, etc). Por outro lado, o leitor deve manter em mente o conjunto dos números reais pois a experiência adquirida com ele nos guiará para a sua construção. Sabendo onde se deve chegar fica mais fácil percorrer o caminho ate lá. A mesma tipografia usada para as definições, exemplos, teoremas, etc será usada, e iden- tificada pela palavra IDEIA, para explicar a ideia intuitiva sobre os números reais que estará por trás das demonstrações e definições que a seguirão. Porém, elas servem apenas para isto e não podem ser usadas como fato constatado. Começamos por uma destas ideias. 1Hippasus de Metapontum: ⋆ ≈ 500 A.C., Metapontum, Itália - † ? 2Eudoxo de Cnido: ⋆ 408 A.C., Cnido, Turquia - † 355 A.C., Cnido, Turquia. 3Euclides de Alexandria: ⋆ ≈ 325 A.C., ? - † ≈ 265 A.C., Alexandria, Egito. 4Julius Wihelm Richard Dedekind: ⋆ 06/10/1831, Braunschweig, Alemanha - † Braunschweig, Alemanha. 9.2. INTEGRAL E PROPRIEDADES. 145 Demonstração. Deixo a cargo do leitor a prova (se ele ainda não a fez) de que f + g, cf e f − g são limitadas em [a, b]. Dado ε > 0, como f e g são integráveis, existe P = {x0, . . . , xn} partição de [a, b] tal que ∫ b a f(x)dx− ε < I(f ;P ) ≤ S(f ;P ) < ∫ b a f(x)dx+ ε. (9.7) e ∫ b a g(x)dx− ε < I(g;P ) ≤ S(g;P ) < ∫ b a g(x)dx+ ε. (9.8) Mostremos que f + g é integrável sobre [a, b] e que vale (i). Para cada i ∈ {1, . . . , n}, temos sup((f + g)(Ii)) ≤ sup(f(Ii)) + sup(g(Ii)). Multiplicando por ∆xi e somando de i = 1 até i = n obtemos S(f + g;P ) ≤ S(f ;P ) + S(g;P ). Desta desigualdade, de (9.7) e de (9.8) segue que S(f + g;P ) < ∫ b a f(x)dx+ ∫ b a g(x)dx+ 2ε. Analogamente, mostra-se que ∫ b a f(x)dx+ ∫ b a g(x)dx− 2ε < I(f + g;P ). Das duas últimas desigualdades conclúımos que S(f +g;P )−I(f +g;P ) < 4ε. Como ε > 0 é arbitrário, segue do Lema 197 que f + g é integrável. Além disto, ∫ b a f(x)dx+ ∫ b a g(x)dx− 2ε < ∫ b a ( f(x) + g(x) ) dx < ∫ b a f(x)dx+ ∫ b a g(x)dx+ 2ε. Finalmente, fazendo ε → 0, conclúımos (i). Mostremos agora que cf é integrável sobre [a, b] e que vale (ii). Suponhamos c ≥ 0 (o caso c < 0 é tratado de modo análogo). Multiplicando (9.7) por c e usando o resultado do exerćıcio 1, p.158, obtemos c ∫ b a f(x)dx− cε ≤ I(cf ;P ) ≤ ∫ b a cf(x)dx ≤ S(cf ;P ) ≤ c ∫ b a f(x)dx+ cε. Segue que S(cf ;P )− I(cf ;P ) ≤ 2cε. Novamente, como ε > 0 é arbitrário, do Lema 197, obtemos que cf é integrável. Tomando o limite quando ε→ 0 conclúımos (ii). Obtemos que f − g é integrável em [a, b] e que vale (iii) como consequência imediata dos resultados já demonstrados. No esṕırito da proposição anterior, o leitor pode perguntar sobre o produto e o quociente de funções integráveis. Observamos, desde já, que o quociente de funções limitadas pode não ser limitado (quando o denominador tende a zero em algum ponto). Sobre o produto, será prefeŕıvel adiar um pouco esta questão. Antes disto demonstraremos duas proposições. 144 CAPÍTULO 9. INTEGRAL DE RIEMANN Portanto, tomando ε = inf { S(f ;Q) ; Q ∈ P[a, b] } − sup { I(f ;Q) ; Q ∈ P[a, b] } 2 > 0, obtemos que S(f ;P )− I(f ;P ) > ε, contrariando (9.5). Reportamo-nos mais uma vez à Figura 9.1. Veja que a quantidade S(f ;P ) − I(f ;P ) corresponde à área pintada de cinza e que não está riscada. O lema anterior nos diz que esta quantidade será arbitrariamente pequena (bastando tomar uma partição adequada) se, e somente se, f for integrável. TEOREMA 198. (funções cont́ınuas são integráveis) Se f é cont́ınua em [a, b], então f é integrável em [a, b]. Demonstração. Sabemos que f é limitada em [a, b], graças ao Teorema de Weierstrass (Corolário 159, p.110). Mostremos que f é integrável. Dado ε > 0, usando que f é uniformemente cont́ınua em [a, b], existe δ > 0 tal que x, y ∈ [a, b] e |x− y| < δ =⇒ |f(x)− f(y)| < ε. (9.6) Seja P = {x0, . . . , xn} uma partição de [a, b] tal que ∆xi = xi − xi−1 < δ, para todo i ∈ {1, . . . , n}. Definindo, mi = inf(f(Ii)) e Mi = sup(f(Ii)), de (9.6), obtemos Mi −mi ≤ ε. Portanto, S(f ;P )− I(f ;P ) = n∑ i=1 (Mi −mi)∆xi ≤ ε n∑ i=1 ∆xi = ε(b− a). O Teorema 198 e o Exemplo 9.6 são duas faces da mesma moeda (perceba que a função vista naquele exemplo é descont́ınua em todo ponto). De fato, existe uma relação estreita entre a integrabilidade e continuidade dada pelo Teorema de Lebesgue (a seguir) do qual o Teorema 198 é um simples corolário. Outros resultados sobre integrabilidade a serem vistos nesta seção também o são. Preferimos, no entanto, dar demonstrações particulares para cada um deles como forma de aquecimento à intuição. PROPOSIÇÃO 199. (funções integráveis formam espaço vetorial) Seja c ∈ R. Se f e g são integráveis em [a, b], então f + g, cf e f − g são integráveis em [a, b] e i. ∫ b a ( f(x) + g(x) ) dx = ∫ b a f(x)dx+ ∫ b a g(x)dx; ii. ∫ b a cf(x)dx = c ∫ b a f(x)dx; iii. ∫ b a ( f(x)− g(x) ) dx = ∫ b a f(x)dx− ∫ b a f(x)dx. 3.2. ⋆ CORTES DE DEDEKIND. 37 IDEIA. Seja A um intervalo (de números reais) aberto, ilimitado inferiormente e limitado superiormente. Claramente, existe a ∈ R tal que A = (−∞, a). Reciprocamente, dado um número real a o intervalo (−∞, a) é aberto, ilimitado inferiormente e limitado superiormente. Desta forma, existe uma correspondência biuńıvoca entre números reais e intervalos abertos, ilimitados inferiormente e limitados superiormente. A nossa construção será baseada nesta correspondência: consideraremos intervalos do tipo (−∞, a) e no conjunto de tais intervalos definiremos uma relação de ordem assim como operações de soma e multiplicação. Ao final diremos que cada intervalo destes é um número real. O nosso trabalho consiste então em definir um intervalo aberto, ilimitado inferiormente e limitado superiormente, i.e., um intervalo do tipo (−∞, a) sem considerar o número a que, rigorosamente falando, não existe! A definição seguinte cumpre este objetivo. DEFINIÇÃO 50. Dizemos que A ⊂ Q é um corte se valem as seguintes propriedades. i. A 6= ∅ e A 6= Q. ii. Se p ∈ A e q < p então q ∈ A. iii. Para todo p ∈ A existe q ∈ A tal que p < q. Denotamos o conjunto de todos os cortes por Ω. IDEIA. As duas primeiras condições da Definição 50 implicam que A é um conjunto da forma (−∞, a) ∩ Q ou (−∞, a] ∩ Q. A terceira condição exclui a segunda possibilidade (quando a ∈ Q) dizendo que A não tem máximo. Exemplo 3.1. Seja r ∈ Q. O conjunto Z(r) = {p ∈ Q ; p < r} é um corte. De fato, é fácil ver que Z(r) satisfaz as duas primeiras propriedades da definição de corte. Falta mostrar que ele satisfaz a terceira. Seja p ∈ Z(r) e tomemos q = (p + r)/2. Claramente temos p < q e q < r (logo q ∈ Z(r)). Definimos desta maneira uma função Z : Q → Ω que é claramente injetiva. Veremos, posteriormente, outras de suas importantes propriedades. O exemplo anterior é fundamental. Para destacá-lo, fazemos a seguinte definição. DEFINIÇÃO 51. O cortes da forma Z(r) = {p ∈ Q ; p < r}, com r ∈ Q, são ditos cortes racionais. IDEIA. Sejam a e b dois números reais. Temos que a ≤ b se, e somente se, (−∞, a) ⊂ (−∞, b). Isto nos indica que a relação de inclusão entre cortes é a maneira natural de definir uma relação de ordem no conjunto Ω. Já sabemos que a relação de inclusão é transitiva e antissimétrica. Porém, ela não é completa pois existem A ⊂ Q e B ⊂ Q que não são comparáveis, i.e., nem A ⊂ B nem B ⊂ A. Entretanto se A e B são cortes uma destas inclusões deve ser verdadeira. Este é o assunto do próximo teorema. TEOREMA 52. Sejam A,B ∈ Ω. Temos A ⊂ B ou B ⊂ A. Demonstração. Se A = B, então não há nada a ser demonstrado. Suponhamos que A 6= B. Então, existe p ∈ B tal que p /∈ A ou existe q ∈ A tal que q /∈ B. No primeiro caso devemos ter A ⊂ B. De fato, qualquer que seja r ∈ A temos r < p (pois senão, se fosse p ≤ r, então, como A é corte, teŕıamos p ∈ A) e, como B é corte, r ∈ B. De maneira análoga, conclúımos que no segundo caso temos B ⊂ A. 38 CAPÍTULO 3. NÚMEROS REAIS PROPOSIÇÃO 53. Seja A,B ∈ Ω. O conjunto C = {r ∈ Q ; r = p+ q com p ∈ A e q ∈ B} é corte. Demonstração. Claramente C 6= ∅. Sejam p0 ∈ A∁ e q0 ∈ B∁. Vamos mostrar que p0 + q0 /∈ C (e portanto que C∁ 6= ∅). Suponhamos, por absurdo, que p0 + q0 ∈ C. Então, existem p ∈ A e q ∈ B tais que p0 + q0 = p + q. Não podemos ter p0 ≤ p (senão teŕıamos p0 ∈ A) nem q0 ≤ q (senão teŕıamos q0 ∈ B). Logo p < p0 e q < q0. Pela monotonia da adição p+ q < p+ q0 < p0 + q0, que é absurdo. Sejam r ∈ C e s < r. Existem p ∈ A e q ∈ B tais que r = p + q. Seja t = s − p. Mostremos que t ∈ B. De fato, devemos ter t < q pois senão, se q ≤ t, então p+ q ≤ p+ t, i.e., r ≤ s. Portanto t < q e, como B é corte, segue que t ∈ B. Conclúımos que s = p + t com p ∈ A e t ∈ B e, portanto, s ∈ C. Finalmente, seja r ∈ C e mostremos que existe s ∈ C tal que r < s. Ora, r ∈ C significa que r = p+ q com p ∈ A e q ∈ B. Existe t ∈ A tal que p < t, logo, r = p+ q < t+ q. Para concluir, basta tomarmos s = t+ q. DEFINIÇÃO 54. Sejam A,B ∈ Ω. O corte C dado na Proposição 53 é denotado A⊕B é chamado de soma ou adição de A e B. Observação 3.1 É fácil ver que se A,B ∈ Ω são tais que Z(0) ⊂ A ∩ B, então Z(0) ⊂ A⊕ B. Fica assim definida uma operação de adição entre cortes. Mostraremos que esta operação satisfaz algumas das propriedades da adição em um corpo. TEOREMA 55. Sejam A,B,C ∈ Ω. Temos que: i. A⊕ B = B ⊕ A; ii. (A⊕B)⊕ C = A⊕ (B ⊕ C); iii. A⊕ Z(0) = A. Demonstração. (i) Seja r ∈ A ⊕ B. Podemos escrever r = p + q com p ∈ A e q ∈ B. Pela comutatividade da soma de números racionais, temos r = q + p com q ∈ B e p ∈ A. Conclúımos que r ∈ B ⊕ A e, portanto, A ⊕ B ⊂ B ⊕ A. Da mesma maneira mostra-se a inclusão contrária. (ii) Esta propriedade é consequência imediata da associatividade da soma de números racionais (assim como (i) é da comutatividade). (iii) Seja r ∈ A ⊕ Z(0). Escrevemos r = p + q com p ∈ A e q ∈ Z(0). Ora q ∈ Z(0) significa q < 0, logo, p+q < p+0, i.e., r < p. Como A é corte, segue que r ∈ A. Mostramos assim que A ⊕ Z(0) ⊂ A. Reciprocamente, seja r ∈ A. Tomemos p ∈ A tal que r < p. Se q = r − p, então q < 0 e, portanto, q ∈ Z(0). Conclúımos que r = p+ q ∈ A⊕ Z(0). IDEIA. Para cada a ∈ R está associado o intervalo A = (−∞, a) e ao seu oposto −a está associado o intervalo B = (−∞,−a). Devemos ser capazes de definir B em termos de A sem considerar o número a. Inicialmente observamos que p ∈ B se, e somente se, −p ∈ (a,+∞). Mas A∁ = [a,+∞), logo, p ∈ B se, e somente se, −p ∈ A∁ e −p 6= a. Para dizer que −p 6= a, evitando usar o número a, basta dizer que −p não é ḿınimo de A∁. 9.2. INTEGRAL E PROPRIEDADES. 143 Exemplo 9.6. Considere a função f dada por f(x) = 1, se x ∈ Q, e f(x) = −1, se x /∈ Q. Vejamos que f não é integrável em nenhum intervalo [a, b] não degenerado. Como Q e Q∁ são densos em R, qualquer intervalo aberto intercepta estes conjuntos. Portanto, para qualquer P = {x0, . . . , xn} partição de [a, b] com x0 < · · · < xn, temos inf(f(Ii)) = −1 e sup(f(Ii)) = 1 ∀i ∈ {1, . . . , n}. Logo, I(f ;P ) = a− b e S(f ;P ) = b− a para toda P ∈ P[a, b]. Segue que sup{I(f ;P ) ; P ∈ P[a, b]} = a− b < 0 < b− a = inf{S(f ;P ) ; P ∈ P[a, b]}. Conclúımos que f não é integrável em [a, b]. No contexto da Integral de Lebesgue, a função do exemplo anterior é integrável e sua integral em [a, b] é a mesma da função constante igual a −1. Isto ocorre porque o conjunto onde f difere da função constante −1 (no caso, Q) é, em certo sentido, “pequeno”. Em outras palavras, estas duas funções são iguais “em quase todo ponto”, logo, é razoável que tenham a mesma integral. Observação 9.1 O sentido de “pequeno” e “quase todo ponto” não é o de cardinalidade mas estes estão relacionados, conforme Lema 217, p.155. Vejamos algumas propriedades importantes das funções integráveis. Começamos por um lema útil que será usado muitas vezes sem ser explicitamente mencionado. Portanto, é muito importante que o leitor memorize-o. LEMA 197. (caracterizacao de funções integráveis) Seja f uma função limitada em [a, b]. Então, f é integrável em [a, b] se, e somente se, ∀ε > 0, ∃P ∈ P[a, b] tal que S(f ;P )− I(f ;P ) ≤ ε. (9.5) Demonstração. Suponhamos que f seja integrável e seja s a sua integral, i.e., sup { I(f ;P ) ; P ∈ P[a, b] } = s = inf { S(f ;P ) ; P ∈ P[a, b] } . Dado ε > 0, da definição de s segue que existem P1, P2 ∈ P[a, b] tais que s− ε 2 < I(f ;P1) ≤ s ≤ S(f ;P2) < s+ ε 2 . Tomando P = P1 ∪ P2, pela Proposição 194, temos s− ε 2 < I(f ;P1) ≤ I(f ;P ) ≤ S(f ;P ) ≤ S(f ;P2) < s+ ε 2 . e, portanto, S(f ;P )− I(f ;P ) < ε. Reciprocamente, suponhamos que f não seja integrável. Para toda P ∈ P[a, b] temos I(f ;P ) ≤ sup { I(f ;Q) ; Q ∈ P[a, b] } < inf { S(f ;Q) ; Q ∈ P[a, b] } ≤ S(f ;P ) 140 CAPÍTULO 9. INTEGRAL DE RIEMANN DEFINIÇÃO 193. Definimos a soma inferior e a soma superior de f com relação a P , respectivamente, por I(f ;P ) = n∑ i=1 mi∆xi = n∑ i=1 inf(f(Ii))∆xi e S(f ;P ) = n∑ i=1 Mi∆xi = n∑ i=1 sup(f(Ii))∆xi. A interpretação geométrica de I(f ;P ) e S(f ;P ) para uma função f cont́ınua e positiva é dada na Figura 9.1. A área pintada de cinza (riscada ou não) corresponde a S(f ;P ) enquanto que a área riscada corresponde a I(f ;P ). Vemos então que S(f ;P ) e I(f ;P ) são aproximações por excesso e por falta, respectivamente, para a área1 da região delimitada pelo gráfico de f , o eixo x, a reta x = a e a reta x = b. Observamos ainda que a área riscada está contida na área cinza, refletindo o fato que I(f ;P ) ≤ S(f ;P ). x0= a x1 · · · xi−1 xi xi+1 · · · xn−1 xn = b Figura 9.1: Interpretação geométrica soma superior e inferior para uma função cont́ınua e positiva. Exemplo 9.1. Se a é um elemento do doḿınio de f , então f é limitada em {a} e I ( f ; {a} ) = S ( f ; {a} ) = 0. Exemplo 9.2. Consideremos uma função f constante, igual a c, em um intervalo [a, b]. Seja P = {x0, . . . , xn} uma partição de [a, b]. Temos mi = inf(f(Ii)) = c. Portanto, I(f ;P ) = n∑ i=1 mi∆xi = c n∑ i=1 ∆xi = c(b− a). Analogamente obtemos S(f ;P ) = c(b− a). É fácil ver que I(f ;P ) ≤ S(f ;P ). A proposição a seguir é uma generalização deste resultado. 1O que é área de uma região delimitada por linhas tortas? 3.2. ⋆ CORTES DE DEDEKIND. 41 DEFINIÇÃO 62. Sejam A,B ∈ Ω. Definimos A⊙B por A⊙B =    |A| ⊙ |B| se Z(0) ⊂ A e Z(0) ⊂ B, ⊖(|A| ⊙ |B|) se Z(0) ⊂ A e B ( Z(0), ⊖(|A| ⊙ |B|) se A ( Z(0) e Z(0) ⊂ B, |A| ⊙ |B| se A ( Z(0) e B ( Z(0). (3.1) TEOREMA 63. Sejam A,B,C ∈ Ω. Temos que: i. A⊙ B = B ⊙ A; ii. (A⊙B)⊙ C = A⊙ (B ⊙ C); iii. A⊙ Z(1) = A. Onde Z(1) = {p ∈ Q ; p < 1} (conforme a Definição 51). Demonstração. Suponhamos, inicialmente, que Z(0) ⊂ A ∩ B ∩ C. (i) Seja r ∈ A ⊙ B. Se r < 0, então é imediato que r ∈ B ⊙ A. Suponhamos r ≥ 0. Podemos escrever r = p · q com p ∈ A, q ∈ B, p ≥ 0 e q ≥ 0. Pela comutatividade do produto de números racionais, temos r = q · p com q ∈ B, p ∈ A, q ≥ 0 e p ≥ 0. Conclúımos que r ∈ B ⊙ A e, portanto, A ⊙ B ⊂ B ⊙ A. Da mesma maneira mostra-se a inclusão contrária. (ii) Esta propriedade é consequência imediata da associatividade do produto de números racionais (assim como (i) é da comutatividade). (iii) Observamos inicialmente que Z(0) ⊂ Z(1). Seja r ∈ A ⊙ Z(1). Novamente, se r < 0, então é imediato que r ∈ Z(0) ⊂ A. Suponhamos r ≥ 0. Escrevemos r = p · q com p ∈ A, q ∈ Z(1) e p ≥ 0. Ora q ∈ Z(1) significa q < 1, logo, p · q ≤ p · 1, i.e., r ≤ p. Como A é corte, segue que r ∈ A. Mostramos assim que A ⊙ Z(1) ⊂ A. Reciprocamente, seja r ∈ A. Se r < 0, então r ∈ A ⊙ Z(1). Suponhamos r ≥ 0. Tomemos p ∈ A tal que 0 ≤ r < p. Se q = r/p, então 0 ≤ q < 1 e, portanto, q ∈ Z(1). Conclúımos que r = p · q ∈ A⊙ Z(1). O caso geral é consequência da parte já demonstrada. Por exemplo, vamos mostrar (i) para A ( Z(0) ⊂ B. Neste caso, A⊙B = ⊖(|A|⊙|B|) = ⊖(|B|⊙|A|) = B⊙A. A primeira igualdade segue da terceira linha de (3.1), a segunda igualdade é a parte já demonstrada do teorema e a terceira igualdade segue da segunda linha de (3.1). Deixo para o leitor a tarefa de terminar a prova do teorema. PROPOSIÇÃO 64. Seja A ∈ Ω tal que Z(0) ( A. O conjunto B = {p ∈ Q ; p ≤ 0 ou p−1 ∈ A∁ e ∃q ∈ A∁ tal que q < p−1} é corte. Demonstração. Claramente temos −1 ∈ B. Seja p ∈ A tal que p > 0. Temos que p−1 ∈ B∁. De fato, se fosse p−1 ∈ B, então teŕıamos p = (p−1)−1 ∈ A∁, que é absurdo. Sejam p ∈ B e q < p. Se q ≤ 0, então trivialmente temos q ∈ B. Suponhamos q > 0 e, portanto, p > q > 0. Temos p−1 < q−1. Como p−1 ∈ A∁, segue que q−1 ∈ A∁ e que q−1 não é ḿınimo de A∁. Conclúımos que q ∈ B. 42 CAPÍTULO 3. NÚMEROS REAIS Seja p ∈ B. Vamos mostrar que existe q ∈ B tal que p < q. Claramente existe q ∈ B com q > 0, logo, se p ≤ 0, então não há nada a ser demonstrado. Suponhamos p > 0. Por definição de B, existe r ∈ A∁ tal que r < p−1. Tomando s = (r+ p−1)/2 temos r < s < p−1 e, portanto, s ∈ A∁. Tomando q = s−1 temos p < q e também q ∈ B pois q−1 ∈ A∁ e r < q−1. DEFINIÇÃO 65. Seja A ∈ Ω tal que A 6= Z(0). Se Z(0) ( A então o corte B da Proposição 64 é denotado A⊖1 e chamado inverso de A. Se A ( Z(0), então definimos A⊖1 = ⊖(|A|⊖1). O teorema a seguir justifica porque chamamos o corte A⊖1 de inverso de A. TEOREMA 66. Seja A ∈ Ω tal que A 6= Z(0). Temos A⊙ (A⊖1) = Z(1). Demonstração. Suponhamos inicialmente que Z(0) ( A. Seja r ∈ A ⊙ (A⊖1). Se r ≤ 0, então r ∈ Z(1). Suponhamos r > 0. Então existem s ∈ A, p ∈ A⊖1 e q ∈ A∁ tais que r = s · p, s > 0, p > 0 e q < p−1. Como s ∈ A e q ∈ A∁, temos s < q. De q < p−1 segue que p < q−1 e, pela monotonia da multiplicação, s · p < s/q. Portanto, r = s · p < s/q < 1. Conclúımos que r ∈ Z(1). Reciprocamente, seja r ∈ Z(1). Como antes, se r < 0, então é imediato que r ∈ A ⊙ (A⊖1). Por outro lado, se r = 0, então, como 0 ∈ A e 0 ∈ A⊖1, temos r = 0 ·0 ∈ A⊙ (A⊖1). Suponhamos r > 0. Seja s ∈ A com s > 0 e n o menor natural tal que s · (r−1)n ∈ A∁ (tal n existe pois r < 1 e, portanto, r−1 > 1). Tomemos p1 = s · (r−1)n−1 e t = s · (r−1)n. Pela escolha de n, temos p1 ∈ A e t ∈ A∁. Seja p ∈ A tal que p1 < p e tomemos q = t−1 · p−1 · p1. De p1 < p segue que t < t · p · p−11 = q−1. Obtemos assim que q ∈ A∁ e dáı que q ∈ A⊖1. Temos ainda p · q = p · t−1 · p−1 · p1 = s−1 · rn · s · (r−1)n−1 = r. Conclúımos que r ∈ A⊙ A⊖1. Consideremos o caso A ( Z(0). Temos trivialmente que A⊖1 ( Z(0). Da definição de produto de cortes e da parte já demonstrada do teorema obtemos A⊙ (A⊖1) = |A| ⊙ |A⊖1| = |A| ⊙ | ⊖ (|A|⊖1)| = |A| ⊙ (|A|⊖1) = Z(1). TEOREMA 67. Sejam A,B,C ∈ Ω. Temos que (A⊕B)⊙ C = (A⊙ C)⊕ (B ⊙ C). Demonstração. Suponhamos inicialmente Z(0) ⊂ A ∩B ∩ C. Seja r ∈ (A ⊕ B) ⊙ C. Vamos mostrar que r ∈ (A ⊙ C) ⊕ (B ⊙ C). Em vista das observações 3.1 e 3.3 temos Z(0) ⊂ (A ⊙ C) ⊕ (B ⊙ C) e, portanto, basta considerar o caso r ≥ 0. Podemos supor ainda que r > 0 pois, neste caso, se r é elemento do corte (A ⊙ C) ⊕ (B ⊙ C), então 0 também é. Neste caso, existem p ∈ A ⊕ B e q ∈ C tais que Caṕıtulo 9 Integral de Riemann 9.1 Somas superiores e inferiores. O conceito de integral tem suas origens no Método da Exaustão devido, provavelmente, a Eudoxo e que teve Arquimedes1 como um dos seus grandes desenvolvedores. A motivação deste método foi o cálculo de áreas e volumes de figuras com fronteiras curvas. Apresentaremos aqui a integral de Riemann2 usando a definição devida a Darboux3 [Da]. Para o autor, a importância da integral de Riemann é, sobretudo, histórica. A integral de Lebesgue generaliza este conceito com muitas vantagens anaĺıticas. Porém, a sua definição exige ferramental muito mais complicado e abstrato. Portanto, a integral de Riemann também tem importância didática. Ela serve de aquecimento à intuição para o estudo posterior da integral de Lebesgue. O leitor interessado no assunto poderá consultar [Ru1]. DEFINIÇÃO 191. Chamamos partição de [a, b] qualquer P ⊂ [a, b] finito tal que a, b ∈ P . O conjunto das partições de [a, b] é denotado P[a, b]. A definição anterior não exclui a possibilidade a = b. Neste caso, a única partição do intervalo (degenerado) {a} é P = {a}. É imediato que se P,Q ∈ P[a, b], então P ∪ Q ∈ P[a, b]. Se P ∈ P[a, b], então ao escrever P = {x0, . . . , xn}, deixaremos subentendido que a = x0 ≤ · · · ≤ xn = b. DEFINIÇÃO 192. Seja f uma função limitada em [a, b] e P = {x0, . . . , xn} uma partição de [a, b]. Para cada i ∈ {1, . . . , n}, definimos Ii = [xi−1, xi], ∆xi = xi − xi−1, mi = inf (f(Ii)) e Mi = sup(f(Ii)). Note que n∑ i=1 ∆xi = b− a. 1Arquimedes: ⋆ 287 A.C., Siracusa, Itália - † 212 A.C., Siracusa, Itália. 2Georg Friedrich Bernhard Riemann: ⋆ 17/09/1826, Breselenz, Alemanha - † 20/07/1866, Selasca, Itália. 3Jean Gaston Darboux: ⋆ 14/08/1842, Nimes, França - † 23/02/1917, Paris, França. 139 138 CAPÍTULO 8. DERIVADA Dica: para (b) use (a) ou se o ḿınimo ocorre em x0 considere o conjunto {x ∈ [x0, b]; f(y) = f(x0) para todo y ∈ [x0, x]}. 8.6.3 ⋆ Newton e l’Hospital ⋆ 32. (extra) Sejamm ∈ N e a ≥ 0. Escreva a definição da sequência (xn)n∈N de aproximações dada pelo Método de Newton para a raiz da função f : [0,+∞) → R definida por f(x) = xm − a para todo x ≥ 0 (compare com a sequência do Exerćıcio 39 do Caṕıtulo 4). ⋆ 33. (extra) Prove que para a convergência do Método de Newton (Teorema 186) a hipótese de continuidade de f ′′ em a pode ser substitúıda pela limitação de f ′′ em (a− ε, a+ ε). ⋆ 34. (extra) Suponha que f é suave e que |f ′(c)| < 1. (a) Prove que existe ε > 0 tal que o método xn+1 = f(xn) converge para todo x0 ∈ (c− ε, c+ ε); Dica: xn+1 − xn = f(xn)− f(xn−1) (b) Seja a = lim n→+∞ xn. Prove que f(a) = a; (c) Prove que |xn+1 − a| < ρn para algum ρ ∈ (0, 1). → 35. Seja p um polinômio não constante. Prove que (a) lim x→+∞ ex |p(x)| = +∞; (b) limx→+∞ ln x |p(x)| = 0. → 36. Prove que 1+ x+ x2/2!+ x3/3!+ · · ·+ xn/n! ≤ ex para x ≥ 0. Utilize isto para provar que lim x→+∞ ex xn = +∞ ([Sp] p.298 no.21). Dica: Use indução e compare derivadas. ⋆ 37. (extra) Indeterminações: Porque ∞0 6= 1? (Ver [Ap] p.209–210) De forma geral os problemas envolvendo limites do tipo ∞0 dão 1. (a) Prove que lim x→∞ (ex + x)1/x = e; (b) Determine lim x→0 xα/ log x; Suponha que f(x) satisfaz f(0) = 0 e possui derivada numa vizinhança da origem. (c) Prove que se o limite lim x→0 f(x)/f ′(x) existe então vale 0; (d) Conclua que neste caso lim x→0 xf(x) = 1; (e) Porque (a) e (b) não satisfazem (d)? ⋆ 38. (extra) Defina f(y) = ∫ b a ty dt. para 0 < a < b fixos. Prove que f é cont́ınua em −1. Dica: Use l’Hospital para determinar lim y→−1 f(y) = ln(b)− ln(a) ([Ap] p.309). 3.2. ⋆ CORTES DE DEDEKIND. 43 r = p · q, p > 0 e q > 0. Ora p ∈ A ⊕ B, logo, podemos escrever p = s + t com s ∈ A e t ∈ B. Vamos mostrar que s ·q ∈ A⊙C (da mesma maneira mostra-se que t ·q ∈ B⊙C). Se s ·q < 0, então, novamente graças às observações 3.1 e 3.3, é imediato que s ·q ∈ A⊙C. Por outro lado, se 0 ≤ s · q, então, como q > 0, temos que s ≥ 0 e dáı segue que s · q ∈ A⊙ C. Tendo r = s·q+t·q com s·q ∈ A⊙C e t·q ∈ B⊙C, conclúımos que r ∈ (A⊙C)⊕(B⊙C). Seja r ∈ (A ⊙ C) ⊕ (B ⊙ C) e mostremos que r ∈ (A ⊕ B) ⊙ C. Como antes, basta considerar o caso r > 0. Existem p ∈ A⊙ C e q ∈ B ⊙ C tais que r = p + q. Como 0 < r, temos p > 0 ou q > 0. Para fixar as ideias, suponhamos p > 0. Neste caso, existem s ∈ A e t ∈ C tais que p = s · t, s > 0 e t > 0. Vamos considerar separadamente os casos q > 0, q = 0 e q < 0. q > 0 . Existem u ∈ B e v ∈ C tais que q = u · v, u > 0 e v > 0. Suponhamos v ≤ t (o caso v > t se trata analogamente). Temos r = s · t+ u · v = (s+ u · v/t) · t. Como v/t ≤ 1 temos que u · v/t ∈ B. Segue que r ∈ (A⊕B)⊙ C. q = 0 . Tomemos q′ ∈ B ⊙ C tal que q < q′. Como r = p + q < p + q′ e, pelo caso anterior, p+ q′ ∈ (A⊕ B)⊙ C, conclúımos que r ∈ (A⊕ B)⊙ C. q < 0 . Escrevemos r = (s + q · t−1) · t. Como q · t−1 < 0, segue que q · t−1 ∈ B. Conclúımos que r ∈ (A⊕B)⊙ C (observe que s+ q · t−1 > 0). Cada um dos outros casos (para os quais não vale Z(0) ⊂ A, Z(0) ⊂ B e Z(0) ⊂ C) é tratado de maneira análoga ou é consequência deste que acabamos de demonstrar. Os teoremas 55, 58, 63, 66 e 67 nos dizem que (Ω,⊕,⊙) é um corpo. Além disto, a relação de inclusão ⊂ é uma relação transitiva, antissimétrica e completa em Ω. Para concluirmos que (Ω,⊕,⊙,⊂) é um corpo ordenado falta estabelecer a monotonia das operações. Este é o assunto do próximo teorema. TEOREMA 68. Sejam A,B,C ∈ Ω. Temos: i. se A ⊂ B, então A⊕ C ⊂ B ⊕ C; ii. se A ⊂ B e Z(0) ⊂ C, então A⊙ C ⊂ B ⊙ C; iii. se A ⊂ B e C ⊂ Z(0), então B ⊙ C ⊂ A⊙ C. Demonstração. Seja r ∈ A ⊕ C. Então existem p ∈ A e q ∈ C tais que r = p + q. Ora, A ⊂ B e, portanto, p ∈ B. Segue que A⊕ C ⊂ B ⊕ C. Do item (i), tomando C = ⊖A, obtemos Z(0) ⊂ B ⊕ (⊖A). Graças à Observação 3.3, p.40 temos Z(0) ⊂ (B ⊕ (⊖A))⊙C = (B ⊙C)⊕ (⊖A)⊙C. Somando A⊙C, novamente do item (i), obtemos (ii). O último item se demonstra de maneira análoga a (ii). Terminaremos esta seção com uma importante proposição sobre a função Z. PROPOSIÇÃO 69. A função Z é injetiva. Além disto Z é um homomorfismo de corpos ordenados, i.e., para todo p, q ∈ Q temos: i. p ≤ q se, e somente se, Z(p) ⊂ Z(q); ii. Z(p+ q) = Z(p)⊕ Z(q); iii. Z(p · q) = Z(p)⊙ Z(q). Demonstração. A injetividade de Z e a Propriedade (i) são triviais. 46 CAPÍTULO 3. NÚMEROS REAIS DEFINIÇÃO 74. Seja A ⊂ R, não vazio. Se existir i ∈ R que seja a maior cota inferior de A, isto e, i. i ≤ a para todo a ∈ A (s é cota inferior); ii. se r é cota inferior de A, então r ≤ i (s é a maior cota inferior); então dizemos que i é ı́nfimo (finito) de A, e escrevemos inf A = i. Quando A é ilimitado inferiormente (não existe cota inferior para A), dizemos que o ı́nfimo de A é menos infinito e escrevemos inf A = −∞. Agora introduzimos a propriedade que distingue Q de R. DEFINIÇÃO 75. Dizemos que um corpo ordenado (K,+, ·,≤) é completo se todo sub- conjunto de K não-vazio limitado superiormente tem supremo (finito). É parte fundamental nas construções dos números reais apresentadas na página 36 que R é completo e contém Q. TEOREMA 76. (R é completo) Seja A ⊂ R, não vazio. Se A é limitado superiormente, então A tem supremo finito. Se A é limitado inferiormente, então A tem ı́nfimo finito. Demonstração. Para a construção feita na Seção 3.2, observamos que as definições 73 e 70 são equivalentes, diferindo apenas na notação. Da mesma forma, a primeira afirmação do Teorema 76 é uma nova versão do Teorema 71. A segunda afirmação do Teorema 76 é consequência da primeira (independente da cons- trução dos reais que foi feita). De fato, verifica-se facilmente que se A é limitado inferiormente, então B = {−x ; x ∈ A} é limitado superiormente e inf A = − supB. Daqui por diante não precisaremos saber da construção do conjunto de números reais. Tudo que precisamos saber é que (R,+, ·,≤) é um corpo ordenado completo, isto é: i. (R,+, ·) satisfaz as propriedades da Definição 42, p.23 (é corpo); ii. a relação ≤ em R satisfaz as condições da Definição 44, p.25 (ordenado); iii. R é completo conforme Definição 75, p.46. Num certo sentido R é o único corpo ordenado completo (veja exerćıcio 31, p.52 para detalhes). Outros exemplos de corpos são: • C, que não pode ser ordenado pelo exerćıcio 38(c), p.31; • o conjunto dos números algébricos, introduzido no exerćıcio 30, p.52, que está contido em R e contém Q mas não é completo, e é corpo pelo exerćıcio 32, p.52; • quatérnios e octônios, generalizações dos complexos, apresentados na Seção 5.2.6; • outras extensões de Q, apresentadas no exerćıcio 51, p.32; • corpos finitos (Zp) apresentados no exerćıcio 52, p.33. Um número real que não é racional é dito número irracional. Além disso, no exerćıcio 30, p.52, definimos números algébricos e transcendentes. 8.6. EXERCÍCIOS. 135 11. Seja f : R → R derivável, com derivada limitada. Prove que existe c > 0 tal que a função g : R → R, dada por g(x) = x+ cf(x) para todo x ∈ R, é uma bijeção com inversa derivável. 12. Seja p(x) = x3 + ax2 + bx + c. Prove que p : R → R é uma bijeção com inversa cont́ınua se, e somente se, a2 ≤ 3b ([L] p.231 no.6). ⋆ 13. (extra) Vamos deduzir a derivada de log e exp utilizando somente propriedades básicas destas funções e supondo que elas são diferenciáveis. (a) Partindo da propriedade log(bx) = log(x) + log(b) e derivando obtemos log′(bx) = b log′(bx) = log′(x). Tome x = 1 e conclua que log′(b) = log′(1)/b. (b) Partindo da propriedade exp(x+b) = exp(x) exp(b) e derivando obtemos exp′(x+b) = exp′(x) exp(b). Tome x = 0 e conclua que exp′(b) = exp′(0) exp(b). Obs: Para provar que log′(1) = exp′(0) = 1 precisamos do limite fundamental. Note que para provar (a) e (b) não utilizamos a base e, cuja definição é motivada por simplificar o cálculo de derivada. ⋆ 14. (extra) Sejam f, g ∈ C1 ( R ) tais que f ′ = f , g′ = g e f(0) = g(0) = 1. Prove que: (a) f(x)f(−x) = 1 para todo x ∈ R; (b) g(x)f(−x) = 1 para todo x ∈ R; (c) f = g. → 15. Dizemos que f é convexa em (a, b) se f(λx+ (1− λ)y) ≤ λf(x) + (1− λ)f(y) ∀λ ∈ [0, 1], ∀x, y ∈ (a, b). Suponha que f é convexa. Prove que: (a) (desigualdade de Jensen1) se λi > 0 com n∑ i=1 λi = 1 então f ( n∑ i=1 λixi ) ≤ n∑ i=1 λif(xi). (b) se a < b < c, f(b)− f(a) b− a ≤ f(c)− f(b) c− b . Qual interpretação geométrica? (c) se f é crescente em (x, y) então é crescente em (y,+∞). Vale formulação análoga se f for decrescente em (x, y). Qual? (d) f é cont́ınua. Dica: Dado α < c < x < β, aplique (b) em torno de c e de x. Depois passe ao limite com x→ c+ para provar que f(c)− f(x) e f(x)− f(c) vão para zero. (e) se f é derivável em (a, b) então f é convexa se, e somente se, f ′′(x) ≥ 0 para todo x ∈ (a, b). Dica: Prove que f ′ é monótona não-decrescente. (f) ex é convexa. Conclua que dados α, β, a, b ≥ 0, com α + β = 1, aαbβ ≤ αa+ βb. ⋆ 16. (extra) O objetivo deste exerćıcio é demonstrar a versão real do (Teorema Fundamental da Álgebra): todo polinômio de grau n tem no máximo n ráızes. 1Johan Ludwig William Valdemar Jensen: ⋆ 08/05/1859, Nakskov, Dinamarca – † 05/03/1925, Copenha- gen, Dinamarca. 134 CAPÍTULO 8. DERIVADA ⋆ (c) Considere h(x) = βx + x2 sen(1/x) (generalização de (a)), com β > 0. Prove que h′(0) > 0 mas que h não é crescente numa vizinhança de 0. Dica: para β < 1 é fácil, para β ≥ 1 ver [Sp] p.188 no.48. =⇒ 3. Dizemos que f é estritamente crescente em a se existe δ > 0 tal que f(x) < f(a) < f(y) para todo x, y ∈ Bδ(a) com x < a < y. Suponha que f é estritamente crescente em a ([Sp] p.189 no.49). (a) Isto implica que f é crescente em Bδ(a)? Dica: veja exerćıcio anterior. (b) Prove que se f é diferenciável em a então f ′(a) ≥ 0. (c) Suponha g′(a) > 0. Prove que g é estritamente crescente em a. ♯ 4. (dif́ıcil) Suponha que f é estritamente crescente em a para todo a ∈ [0, 1] ([Sp] p.189 no.49). (a) Supondo que f é cont́ınua, prove que f é estritamente crescente em [0, 1]. Dica: para 0 < b < 1, prove que o ḿınimo de f em [b, 1] tem que estar em b. (b) Prove (sem supor que f é cont́ınua) que f é estritamente crescente em [0, 1]. Dica: considere, para cada b ∈ [0, 1] o conjunto Sb = {x; f(y) ≥ f(b) para todo y ∈ [b, x]}. Prove que Sb = [b, 1] tomando o supSb. (c) Prove, sem usar o teorema do valor médio, que se a derivada é estritamente positiva em todos os pontos de um intervalo a função é estritamente crescente neste intervalo. Dica: item (a) deste exerćıcio e item (a) do exerćıcio anterior. (c) Prove, sem usar o teorema do valor médio, que se a derivada é zero em todos os pontos de um intervalo a função é constante neste intervalo. Dica: ver [Sp] p.190. =⇒ 5. Seja f : R → R cont́ınua e derivável em x0 ∈ R. Determine o valor de a ∈ R de modo que seja cont́ınua em R a função F (x) =    f(x)− f(x0) x− x0 se x 6= x0, a se x = x0. =⇒ 6. Seja f : I → R derivável em I◦, sendo I um intervalo. Prove que f é Lipschitz cont́ınua em I se, e somente se, f ′ é limitada em I◦. =⇒ 7. Seja f : R → R derivável. Prove que f ′(a) = lim h→0 f(a+ h)− f(a− h) 2h . Este é método da diferença centrada utilizado em análise numérica. =⇒ 8. Prove que o limite do exerćıcio anterior existe para f(x) = |x| embora f não seja derivável. → 9. Seja f : A→ R duas vezes derivável no ponto a ∈ A◦. Prove que f ′′(a) = lim h→0 f(a+ h) + f(a− h)− 2f(a) h2 . Dê um exemplo em que o limite acima existe mas f não é derivável em a. 10. Seja f : (0,+∞) → R uma função derivável tal que f ′(x) → β quando x → +∞. Prove que: (b) se f(x) → α quando x→ +∞, então β = 0 ([Fi1] p.89 no.14); (a) f(x)/x→ β ([Fi1] p.89 no.15). 3.3. NÚMEROS REAIS. 47 Exemplo 3.3. Sejam A = {p ∈ R ; p < 0 ou p2 < 2} e B = {q ∈ R ; q > 0 e q2 > 2}. Claramente, A e B são não vazios. Segue facilmente das definições que A é limitado superiormente e que B é limitado in- feriormente. Mais precisamente, qualquer elemento de A é menor que qualquer elemento de B. Pelo Teorema 76 existem r, s ∈ R com r = supA e s = inf B. É imediato que r, s ≥ 0. Como p ≤ q para todo p ∈ A e q ∈ B, temos que r ≤ s e, portanto, r2 ≤ s2. Vamos mostrar que B não possui elemento ḿınimo. Seja q ∈ B. Temos q > 0 e q2 − 2 > 0, de modo que podemos tomar h ∈ R tal que h < q e 0 < h < q2 − 2 2q . Temos 2qh− h2 < 2qh < q2 − 2 e, portanto, (q−h)2 > 2. Logo, q− h é um elemento de B estritamente menor que q. Em particular, q não é elemento ḿınimo de B. De modo análogo, mostra-se que A não possui elemento máximo. Temos que s2 ≤ 2 pois, senão, s seria elemento ḿınimo de B. Analogamente, mostra-se que r2 ≥ 2. Conclúımos que r2 = s2 = 2. Este exemplo mostra que, graças à completeza, existe r ∈ R tal que r > 0 e r2 = 2. Veremos posteriormente, que existe um único número com esta propriedade (chamado raiz de 2 e denotado por √ 2). Porém, como não existe nenhum racional com esta propriedade ( √ 2 é irracional) conclúımos que (Q,+, ·,≤) não é completo. PROPOSIÇÃO 77. (R,+, ·,≤) é arquimediano. Demonstração. Suponhamos, por absurdo, que N seja limitado superiormente e seja s = supN. Temos que n ≤ s para todo n ∈ N. Segue que n + 1 ≤ s para todo n ∈ N. Logo, n ≤ s−1 para todo n ∈ N, ou seja, s−1 é cota superior para N que é menor que s = supN. Absurdo. DEFINIÇÃO 78. Sejam a, b ∈ R com a ≤ b. Um intervalo é um subconjunto de R de qualquer uma das formas abaixo: i. [a, b] = {x ∈ R ; a ≤ x ≤ b}; ii. [a, b) = {x ∈ R ; a ≤ x < b}; iii. (a, b) = {x ∈ R ; a < x < b}; iv. (a, b] = {x ∈ R ; a < x ≤ b}; v. [a,+∞) = {x ∈ R ; a ≤ x}; vi. (a,+∞) = {x ∈ R ; a < x}; vii. (−∞, b] = {x ∈ R ; x ≤ b}; viii. (−∞, b) = {x ∈ R ; x < b}; ix. (−∞,+∞) = R. Quando a = b, temos [a, a] = {a} e [a, a) = (a, a) = (a, a] = ∅. Logo, o conjunto vazio e conjuntos unitários são intervalos. Estes dois tipos de intervalo são ditos degenerados enquanto que os outros são ditos não degenerados. O intervalo ∅ e os intervalos dos tipos (iii), (vi), (viii) e (ix) são ditos abertos. O intervalo ∅ e os intervalos dos tipos (i), (v), (vii), (ix) são ditos fechados. Sejam a, b ∈ R com a ≤ b. O śımbolo (a, b) é amb́ıguo pois representa ao mesmo tempo um intervalo e um par ordenado. Isto poderia ser fonte de confusão (por isto alguns 48 CAPÍTULO 3. NÚMEROS REAIS autores usam a notação ]a, b[ para intervalos). Porém, fazendo as coisas como elas devem ser feitas, isto é, sendo preciso nas argumentações, de acordo com o contexto entende-se imediatamente qual das duas possibilidades é a correta. Por exemplo, na afirmação 1 ∈ (0, 1) fica claro que (0, 1) representa um intervalo, mesmo sendo falsa a afirmação. Por outro lado, ao considerarmos (0, 1) como um par ordenado, ambas as afirmações 1 ∈ (0, 1) e 1 /∈ (0, 1) não têm sentido e, portando, não cabe a questão de saber qual delas é correta. Observação 3.4 De acordo com a Definição 78, os conjunto R e ∅ são intervalos abertos e fechados ao mesmo tempo. Isto não deve causar nenhuma confusão já que R e ∅ não são portas. Acabamos de ver as definições matemáticas de intervalo aberto e de intervalo fechado. Mesmo se as palavras “aberto” e “fechado” têm outros sentidos na vida comum, são os sentidos da Definição 78 que serão usados ao longo de todo o texto. Observe que, por definição, R e ∅ são os únicos intervalos que possuem esta propriedade. Perceba também que existem intervalos que não são abertos nem fechados. O próximo teorema é outra consequência da completeza. TEOREMA 79. (dos intervalos encaixantes) Se ( [an, bn] ) n∈N é uma sequência de inter- valos encaixantes, i.e., [an, bn] ⊃ [an+1, bn+1] para todo n ∈ N, então +∞⋂ n=1 [an, bn] 6= ∅. Demonstração. Seja A = {am ; m ∈ N}. De [an, bn] ⊃ [an+1, bn+1] obtemos que an ≤ an+1 ≤ bn+1 ≤ bn. Dáı, segue facilmente que am ≤ bn quaisquer que sejam m,n ∈ N. Em outras palavras, qualquer bn é cota superior de A. Pelo Teorema 76 existe s = supA. Mostremos que s ∈ +∞⋂ n=1 [an, bn]. Seja n ∈ N. Temos que s é cota superior de A, logo, s ≥ an. Além disto, s é a menor cota superior de A, portanto, s ≤ bn. Conclúımos que an ≤ s ≤ bn, ou seja, s ∈ [an, bn]. Já vimos que √ 2 é um número irracional. Vamos mostrar agora que na verdade “exis- tem mais números irracionais do que racionais”. Mais precisamente, na próxima proposição mostraremos que #N < #R. Como consequência, obtemos #Q < #(R \ Q). De fato, se fosse #(R \Q) ≤ #Q = #N, então, como R = Q ∪ (R \ Q), teŕıamos #R ≤ #N (veja a Proposição 39). PROPOSIÇÃO 80. O conjunto R é não-enumerável, ou seja, #N < #R. Demonstração. Devemos mostrar que não existe função sobrejetiva de N em R ou, de maneira equivalente, que qualquer função f : N → R não é sobrejetiva. Seja f : N → R e seja I1 = [a1, d1] um intervalo fechado tal que f(1) /∈ I1. Dividimos este intervalo em três partes da seguinte maneira: tomamos b1, c1 ∈ I1 tais que a1 < b1 < c1 < d1 e assim obtemos I1 = [a1, b1] ∪ [b1, c1] ∪ [c1, d1]. Certamente f(2) não pertence a algum destes três intervalos que denotaremos I2. Repetimos o processo com o intervalo I2: o dividimos em três partes e definimos I3 como sendo uma destas partes tal que f(3) /∈ I3. Continuando indefinidamente este processo, constrúımos uma faḿılia (In)n∈N de intervalos fechados e limitados tais que In ⊃ In+1 e f(n) /∈ In qualquer que seja n ∈ N. Pelo Teorema 8.6. EXERCÍCIOS. 133 Como lim x→a+ f(x) = lim x→a+ g(x) = +∞, existe δ > 0 (que podemos supor menor que y − a) tal que a < x < a + δ =⇒ 1− ε < 1− g(y)/g(x) 1− f(y)/f(x) < 1 + ε. (8.5) Seja x ∈ (a, a+ δ) ⊂ (a, y). Graças ao Teorema 179, existe z ∈ (x, y) ⊂ (a, y) tal que f(x) ( 1− f(y)/f(x) ) g(x) ( 1− g(y)/g(x) ) = f(x)− f(y) g(x)− g(y) = f ′(z) g′(z) . Dáı segue que f(x) g(x) = f ′(z) g′(z) · 1− g(y)/g(x) 1− f(y)/f(x) . Dáı e das relações (8.4) e (8.5) obtemos (k − ε)(1− ε) < f(x) g(x) < (k + ε)(1 + ε), se f ′(z)/g′(z) ≥ 0 (caso contrário, basta inverter as desigualdades acima). A conclusão segue imediatamente. Pequenas adaptações na demonstração anterior mostram que a proposição também é válida nos casos x → b− e x→ a. O próximo corolário trata do caso x→ +∞ (analogamente, trata-se o caso x→ −∞). A demonstração é uma adaptação da ideia usada na demonstração do Corolário 188 que, por esta razão, é deixada a cargo do leitor. COROLÁRIO 190. Sejam f e g funções deriváveis em (a,+∞). Se lim x→+∞ f(x) = lim x→+∞ g(x) = +∞, g′ não se anula em (a,+∞) e existe lim x→+∞ f ′(x)/g′(x), então existe lim x→+∞ f(x)/g(x) e lim x→+∞ f(x) g(x) = lim x→+∞ f ′(x) g′(x) . Demonstração. Deixada para o leitor. 8.6 Exerćıcios. 8.6.1 Derivada e propriedades =⇒ 1. Determine f ′(x) para: (a) f(x) = ⌈x⌉; (b) f(x) = 1/⌈1/x⌉; (c) f(x) = x2IQ(x). =⇒ 2. Considere f(x) = x/2 + x2 sen(1/x) para x 6= 0 e f(0) = 0 (veja [Sp] p.188 no.47 e [L] p.209). (a) Prove que f ′(0) > 0 mas que f não é crescente numa vizinhança de 0. Confronte com o exerćıcio 23, p.137. Dica: se g(x) = x2 sen(1/x), existem números próximos 0 com g′(x) = 1 e g′(x) = −1. (b) Visualize a função f com aux́ılio de um software. 130 CAPÍTULO 8. DERIVADA Como exemplo de aplicação da Fórmula de Taylor temos a seguinte proposição sobre extremos locais. PROPOSIÇÃO 185. Seja f uma função definida num intervalo I e n vezes derivável em x0 ∈ I com f ′(x0) = · · · = f (n−1)(x0) = 0 e f (n)(x0) 6= 0. Temos: i. se n é par e f (n)(x0) > 0, então x0 é ḿınimo local de f ; ii. se n é par e f (n)(x0) < 0, então x0 é máximo local de f ; iii. se n é ı́mpar, então x0 não é extremo local de f . Demonstração. Seja x ∈ I. Como as derivadas de f se anulam até a ordem n−1, tomando h = x− x0 na Fórmula de Taylor com resto de Peano obtemos f(x)− f(x0) = pn(x)− f(x0) + r(h) = f (n)(x0) n! hn + r(h) com lim h→0 r(h) hn = 0. (8.2) Deste modo, existe δ > 0 tal que se x ∈ I com 0 < |x− x0| < δ, então |r(h)| < ∣∣∣∣ f (n)(x0) n! hn ∣∣∣∣ . (8.3) De (8.2) e (8.3), obtemos que o sinal de f(x)− f(x0) é o mesmo de f (n)(x0) n! hn = f (n)(x0) n! (x− x0)n. Dáı seguem imediatamente as três afirmações da proposição. 8.4 ⋆ Método de Newton. No exerćıcio 39, p.75 mostramos que, dados m ∈ N e a ≥ 0, existe x ≥ 0 tal que xm = a, ou de modo equivalente, que existe raiz para a função f : [0,+∞) → R dada por f(x) = xm − a para todo x ≥ 0. Nosso método consistiu em definir recursivamente uma sequência (xn)n∈N que era convergente para a raiz da função f acima. O método empregado é um caso particular do chamado Método de Newton1, muito usado para calcular aproximações (tão boa quanto quisermos) de ráızes de funções. A Figura 8.2 dá uma ideia geométrica do método. O próximo teorema garante o seu funcionamento. TEOREMA 186. (método de Newton) Seja f : A ⊂ R → R e a ∈ A com f(a) = 0. Suponhamos que exista ε > 0 tal que i. f é duas vezes diferenciável em (a− ε, a+ ε) e f ′′ é cont́ınua em a; ii. f ′ não se anula em (a− ε, a+ ε). Então, existe δ > 0 tal que para qualquer x0 ∈ [a− δ, a + δ], a sequência definida recursiva- mente por xn = xn−1 − f(xn−1) f ′(xn−1) ∀n ∈ N. é convergente para a. 1Sir Isaac Newton: ⋆ 04/05/1643, Woolsthorpe, Inglaterra - † 31/03/1727, Londres, Inglaterra. 3.4. EXERCÍCIOS. 51 Obs: Trata-se, portanto, de outra definição para o supremo. → 17. Seja a ∈ R. (a) Defina ⌊a⌋ = sup{x ∈ Z; x ≤ a}, chamada de floor (chão) em inglês ou função parte inteira (Definição 86). Porque? (b) Defina ⌈a⌉ = inf{x ∈ Z; x ≥ a}, chamada de ceiling (teto) em inglês. Porque? (c) Para quais a ∈ R, ⌊a⌋ = ⌈a⌉? 18. Suponha que β > 0. Prove que todo número x ∈ R pode ser escrito de forma única na forma x = kβ + y onde k ∈ Z e 0 ≤ y < β ([Sp] p.119 no.10). Dica: k = ⌊x/β⌋. =⇒ 19. Sejam A ⊂ B ⊂ R não vazios. Prove que inf B ≤ inf A ≤ supA ≤ supB. 20. Seja −A := {−x; x ∈ A}. Prove que sup(−A) = − inf(A). =⇒ 21. Dados A,B ⊂ R, investigue a relação entre: (a) sup(A+B) e supA + supB; (b) λ supA e sup(λA) para λ ∈ R. Dica: (a) Tente alguns intervalos; (b) vale igualdade dependendo de sinal de λ. Veja exerćıcio 20. =⇒ 22. Sejam ([an, bn])n∈N intervalos encaixantes comA = {am ; m ∈ N} eB = {bm ; m ∈ N}. Prove que ⋂ n∈N [an, bn] = [supA, inf B]. Obs: O intervalo pode degenerar em um único ponto. =⇒ 23. Sejam f, g : A ⊂ R → R limitadas e tais que f(x) ≤ g(x) para todo x ∈ A. Prove: (a) sup{f(x) ; x ∈ A} ≤ sup{g(x) ; x ∈ A}; (b) inf{f(x) ; x ∈ A} ≤ inf{g(x) ; x ∈ A}; =⇒(c) sup{−f(x) ; x ∈ A} = − inf{f(x) ; x ∈ A}; (d) inf{−f(x) ; x ∈ A} = − sup{f(x) ; x ∈ A}. =⇒ 24. Prove que R é não-enumerável pelo argumento diagonal de Cantor (veja Proposição 38, p.20): suponha que exista uma lista com todos números reais no intervalo (0, 1). Construa um novo número em (0, 1) que não está nesta lista (outra prova da Proposição 80). Dica: Veja, por exemplo [Sp] p.370 no.6 ou [L] p.42. =⇒ 25. Prove que o conjunto dos números irracionais é não-enumerável. → 26. SeX ⊂ R é enumerável entãoX∁ é não-enumerável (generalização do exerćıcio anterior). =⇒ 27. Prove que #R = #F(Z; {0, 1}) (sequências de 0’s e 1’s). Conclua que #R = P(Z). Dica: base 2 e exerćıcio 31(c), p.13. =⇒ 28. Prove que #(R× R) = #R. Prove (por indução) que #Rn = #R. Dica: Dados a, b ∈ R construa c ∈ R intercalando os d́ıgitos da representação decimal de a e b. Com isto defina função injetiva. Este é um caso particular do exerćıcio 32, p.29. 29. Prove que #R < #F(R;R). Dica: exerćıcio 31(c), p.13, exerćıcio 29, p.12, exerćıcio 10, p.27. 52 CAPÍTULO 3. NÚMEROS REAIS → 30. (Números algébricos e transcendentes) Um número real é algébrico quando é raiz de um polinômio não-trivial p 6≡ 0 com coeficientes inteiros. Denotamos o conjunto dos algébricos por A. Alguns exemplos são: √ 2, 7 √ 3 + 3 √ 2/3 + √ 2 (porque?). (a) Prove que Q ⊂ A. Conclua que os algébricos generalizam o conceito de racional. (b) Prove que o conjunto dos polinômios com coeficientes inteiros é enumerável. (c) Dada uma enumeração destes polinômios, o conjunto An de ráızes de pn é finito. Como A = ⋃ n∈N An, conclua que A é enumerável. (d) Prove que T = R−A (chamados de transcendentes) é não-enumerável. Obs: Isto mostra a existência de números transcendentes. O Teorema 111 mostra que e é irracional e o Teorema 212 que π é irracional. É dif́ıcil provar que π e e são números transcendentes. ♯ 31. (dif́ıcil) Seja K um corpo ordenado completo. Prove que existe f : R → K bijeção que preserva as operações de soma e produto. Isto prova que todo corpo ordenado completo pode ser identificado a R ([L] p.75 no.55, [Sp] p.509). Dica: Através do neutro da soma e produto de K podemos identificar Z com Z′ ⊂ K (ver exerćıcio 45, p.32). Denotamos por p′ o inteiro correspondente a p ∈ Z, isto é, f(p) = p′. Definimos f em Q por f(p/q) = f(p)/f(q) = p′/q′. Finalmente para x ∈ R qualquer nós definimos f(x) = sup{p′/q′ ∈ K, p/q < x}. ♯ 32. (dif́ıcil) (precisa de Álgebra; Veja [Fi2]) Sejam x, y ∈ A, o conjunto dos algébricos. Prove que: (a) x+ y ∈ A (fechado para soma); (b) x · y ∈ A (fechado para produto); (c) Existe z ∈ A tal que x+ z = 0 (inverso aditivo); (d) Existe z ∈ A tal que x · z = 1 (inverso multiplicativo). Obs: Isto prova que os algébricos formam um corpo (subcorpo de R). 8.3. FÓRMULAS DE TAYLOR. 129 O teorema anterior diz que, numa vizinhança de x0, podemos aproximar uma função f pelo seu Polinômio de Taylor de grau n. Ao fazê-lo, no ponto x0 + h, cometemos um erro r(h) = f(x0 + h) − pn(x0 + h) que é um infinitésimo de ordem n, i.e., que tende a zero mais rápido que hn quando h tende a 0. Este fato é, muitas vezes expresso, com a seguinte frase: “r é o(hn) quando h→ 0”. Ou ainda, é usado o abuso de notação “r = o(hn)”. O teorema seguinte fornece uma forma mais explicita para o erro da aproximação. Ele também pode ser visto como uma generalização do Teorema do Valor Médio. TEOREMA 184. (fórmula de Taylor com resto de Lagrange1) Se f ∈ Cn ( [a, b] ) (com a < b, o caso b < a é análogo) e f é n + 1 vezes derivável em (a, b), então existe c ∈ (a, b) tal que f(b) = pn(b) + f (n+1)(c) (n + 1)! (b− a)n+1, sendo pn o polinômio de Taylor de ordem n de f em torno de a. Demonstração. Seja g definida sobre [a, b] dada por g(x) = f(x) + f ′(x)(b− x) + f ′′(x) 2! (b− x)2 + · · ·+ f (n)(x) n! (b− x)n + A (n+ 1)! (b− x)n+1 = n∑ i=0 f (i)(x) i! (b− x)i + A (n+ 1)! (b− x)n+1, sendo A uma constante escolhida de modo que g(a) = f(b) e, portanto, f(b) = pn(b) + A (n + 1)! (b− x)n+1. Devemos mostrar que existe c ∈ (a, b) tal que f (n+1)(c) = A. Temos que g ∈ C ( [a, b] ) e é derivável em (a, b). Além disto, g(b) = f(b) = g(a). Graças ao Teorema de Rolle, existe c ∈ (a, b) tal que g′(c) = 0. Por outro lado, g′(c) = n∑ i=0 f (i+1)(c) i! (b−c)i− n∑ i=1 f (i)(c) (i− 1)!(b−c) i−1− A n! (b−c)n = ( f (n+1)(c)− A ) n! (b−c)n. Segue que f (n+1)(c) = A. Observação 8.3 Tomando a = x0 e b = x0 + h no Teorema 184 (para compará-lo com o Teorema 183) obtemos de forma expĺıcita o erro: f(x0 + h) = pn(x0 + h) + r(h) com r(h) = f (n+1)(c) (n + 1)! hn+1, onde c ∈ Bh(x0). Desta forma, c depende de h mas se f (n+1) for limitada nesta bola por C então |r(h)| |h|n ≤ C (n+ 1)! |h|, e portanto, lim h→0 r(h) hn = 0. 1Joseph-Louis Lagrange: ⋆ 25/01/1736, Turim, Itália - † 10/04/1813, Paris, França. 128 CAPÍTULO 8. DERIVADA Tomando h = x − x0, o polinômio de Taylor de ordem n de f em torno de x0 pode ser escrito como pn(x0 + h) = f(x0) + f ′(x0)h + f ′′(x0) 2! h2 + f ′′′(x0) 3! h3 + · · ·+ f (n)(x0) n! hn. Observe ainda que no ponto x0 as derivadas até a ordem n de f e de p coincidem. ⋆ TEOREMA 183. (fórmula de Taylor com resto de Peano1) Seja f uma função n−1 vezes derivável no intervalo I (se n = 1 esta hipótese é eliminada), e n vezes derivável em x0 ∈ I. Se x0 + h ∈ I, então escrevendo f(x0 + h) = pn(x0 + h) + r(h), sendo pn o polinômio de Taylor de grau n de f em torno de x0, temos que lim h→0 r(h) hn = 0. Demonstração. Observamos inicialmente que a relação f(x0+h) = pn(x0+h)− r(h) deve ser vista como a definição de r(h), i.e., r(h) = f(x0 + h)− pn(x0 + h). Procedemos por indução em n. Para n = 1 temos p1(x0 + h) = f(x0) + f ′(x0)h. Segue que r(h) h = f(x0 + h)− f(x0)− f ′(x0)h h . O resultado segue imediatamente da Definição 168 e da Proposição 169. Suponhamos n > 1. Observamos que f ′ é n − 2 vezes derivável em I e n − 1 vezes derivável em x0. Um cálculo simples mostra que o polinômio de Taylor de grau n − 1 de f ′ em torno de x0 é dado por p ′ n. Dáı e da hipótese de indução, obtemos lim h→0 f ′(x0 + h)− p′n(x0 + h) hn−1 = 0. Seja ε > 0. Da igualdade acima, conclúımos que existe δ > 0 tal que x0 + h ∈ I, 0 < |h| < δ =⇒ ∣∣∣∣ f ′(x0 + h)− p′n(x0 + h) hn−1 ∣∣∣∣ < ε. Seja h ∈ (0, δ) tal que x0 + h ∈ I (o caso h ∈ (−δ, 0) é análogo). As funções dadas por r(t) = f(x0 + t) − pn(x0 + t) e g(t) = tn são deriváveis em [0, h] e se anulam em 0. Além disto, g′ não se anula em (0, h). Pelo Teorema de Cauchy (Teorema 179), obtemos que existe t ∈ (0, h) tal que ∣∣∣∣ r(h) hn ∣∣∣∣ = ∣∣∣∣ r(h)− r(0) g(h)− g(0) ∣∣∣∣ = ∣∣∣∣ r′(t) g′(t) ∣∣∣∣ = 1 n ∣∣∣∣ f ′(x0 + t)− p′(x0 + t) tn−1 ∣∣∣∣ < ε n < ε. 1Giuseppe Peano: ⋆ 27/08/1858, Piemonte, Itália - † 20/04/1932, Turim, Itália. Caṕıtulo 4 Sequências e séries 4.1 Sequências convergentes e subsequências. A Definição 27, p.9 tratou do conceito de sequências, em geral, e de sequências de números reais, em particular. A próxima definição é apenas uma revisão. DEFINIÇÃO 81. Uma sequência de números reais é uma função x : N → R para a qual denotamos o valor de x em n por xn em vez de x(n). Geralmente usamos a notação (xn)n∈N para representar uma sequência x : N → R. Às vezes a denotamos também por (x1, x2, . . . , xn, . . . ). Dizemos que xn é o termo de ordem n ou que xn é o n-ésimo termo da sequência. Quando quisermos explicitar que a imagem da sequência (xn)n∈N está contida em A ⊂ R escreveremos (xn)n∈N ⊂ A. Como sequências são funções, as definições de função limitada, crescente, decrescente, monótona, etc, também fazem sentido para sequências. Exemplo 4.1. Seja a ∈ R e tomemos xn = a para todo n ∈ N. A sequência (xn)n∈N é constante. É imediato que (xn)n∈N é limitada. Exemplo 4.2. A sequência (1, 0, 1, 0, 1, 0, . . . ) é limitada mas não é monótona. Exemplo 4.3. Sejam a, r ∈ N. Considere x1 = a, x2 = a + r, x3 = a + 2r, de maneira geral, xn = a + (n− 1)r. A sequência (xn)n∈N é uma Progressão Aritmética de primeiro termo a e razão r. Se r = 0, então (xn)n∈N é constante e, portanto, limitada. Se r > 0, então (xn)n∈N é estritamente crescente e, portanto, limitada inferiormente. Finalmente, se r < 0, então (xn)n∈N é estritamente decrescente e, portanto, limitada superiormente. DEFINIÇÃO 82. Dizemos que (yk)k∈N é uma subsequência de (xn)n∈N se existe uma sequência (nk)k∈N ⊂ N estritamente crescente tal que yk = xnk para todo k ∈ N. 53 56 CAPÍTULO 4. SEQUÊNCIAS E SÉRIES Também temos xn → y. Logo, existe N ′ ∈ N tal que n ≥ N ′ =⇒ |xn − y| < ε. Seja n o maior dos números N e N ′. Para tal n as duas conclusões anteriores são válidas. Temos então |x− y| ≤ |x− xn|+ |xn − y| < ε+ ε = 2ε = |x− y|. Conclúımos que |x− y| < |x− y|, o que é absurdo. PROPOSIÇÃO 85. Uma sequência (xn)n∈N tende a x se, e somente se, toda subsequência de (xn)n∈N tende a x. Demonstração. Suponhamos que exista x ∈ R tal que xn → x. Seja (yk)k∈N uma sub- sequência de (xn)n∈N, i.e., yk = xnk (∀k ∈ N) para alguma sequência (nk)k∈N ⊂ N estrita- mente crescente. Mostremos que yk → x. Seja ε > 0. Como xn → x, existe N ∈ N tal que se n ≥ N , então |xn − x| < ε. Como (nk)k∈N ⊂ N é estritamente crescente, existe K ∈ N tal que se k ≥ K, então nk ≥ N . Segue que k ≥ K =⇒ |yk − x| < ε. Portanto (yk)k∈N converge para x. A rećıproca é imediata (basta observar que (xn)n∈N é subsequência de si mesma). Exemplo 4.7. A sequência (1, 0, 1, 0, 1, 0, . . . ) é divergente. De fato, se ela fosse conver- gente, então pela proposição anterior todas as suas subsequências seriam convergentes para o mesmo limite. Porém, (1, 1, 1, . . . ) e (0, 0, 0, . . . ) são duas de suas subsequências sendo que a primeira converge para 1 enquanto que a segunda converge para 0. Como corolário da proposição anterior, obtemos que se xn tende a x, então xn+2006 tende a x. Não há nada de especial com o número 2006. Mais geralmente, fixado p ∈ N, temos que se xn tende a x, então xn+p tende a x. É fácil perceber que a rećıproca também é verdadeira, ou seja, se para algum p ∈ N temos que xn+p tende a x, então é porque xn tende a x. Verifique! A importância deste fato é a seguinte. Se conhecermos alguma propriedade que garanta a convergência de uma sequência e soubermos que tal propriedade só é valida a partir do seu p-ésimo termo então, ainda sim, podemos concluir que a sequência é convergente. Vejamos um exemplo esclarecedor, mas antes de apresentá-lo façamos uma definição. DEFINIÇÃO 86. A função Parte Inteira é definida, para todo x ∈ R, por ⌊x⌋ = n se n ∈ Z e n ≤ x < n+ 1. Veja exerćıcio 17, p.51 para outra definição. Exemplo 4.8. Temos ⌊1⌋ = 1, ⌊1.4⌋ = 1 e ⌊−1.5⌋ = −2. 8.2. EXTREMOS LOCAIS E O TEOREMA DO VALOR MÉDIO. 125 TEOREMA 175. (dos extremos locais) Seja f : A ⊂ R → R. Se x0 ∈ A é um extremo local de f tal que x0 ∈ A◦ e f é derivável em x0, então f ′(x0) = 0. Demonstração. Suponhamos que x0 é um ponto de máximo local de f (a demonstração é análoga para ponto de ḿınimo local). Como x0 é ponto de máximo local no interior de A, existe δ > 0 tal que se |x − x0| < δ, então x ∈ A e f(x) ≤ f(x0). Portanto para x0 < x < x0 + δ temos ( f(x)− f(x0) ) /(x− x0) ≤ 0. Segue que lim x→x+ 0 f(x)− f(x0) x− x0 ≤ 0. Por outro lado, para x0 − δ < x < x0 temos ( f(x)− f(x0) ) /(x− x0) ≥ 0. Portanto lim x→x− 0 f(x)− f(x0) x− x0 ≥ 0. Como dissemos anteriormente, o Teorema dos Extremos Locais é útil na determinação dos extremos globais de uma função f : A ⊂ R → R. De fato, temos as seguintes implicações: x0 é extremo global =⇒ x0 é extremo local x0 ∈ A◦ e f é derivável em x0    =⇒ f ′(x0) = 0. Observação 8.1 Conclúımos que se x0 é extremo global, então x0 pertence a algum dos três conjuntos abaixo: {x ∈ A◦; f é derivável em x e f ′(x) = 0}, A \ A◦ ou {x ∈ A◦; f não é derivável em x}. Exemplo 8.5. Seja f : [0, 4] → R dada por f(x) = |x − 1|(5 − x) para todo x ∈ [0, 4]. Como f é cont́ınua e A = [0, 4] é compacto, f tem extremos globais. Vamos determiná-los. É imediato que f(x) =    (1− x)(5− x) se 0 ≤ x ≤ 1, (x− 1)(5− x) se 1 < x ≤ 4. Segue facilmente (verifique) que f é derivável em todo ponto x ∈ A \ {1}. Além disto, f ′(x) =    2x− 6 se 0 ≤ x < 1, 6− 2x se 1 < x ≤ 4. Assim, todo extremo global pertence a algum dos três conjuntos abaixo: {x ∈ A◦ ; f é derivável em x e f ′(x) = 0} = {3}, A \ A◦ = {0, 4}, {x ∈ A◦ ; f não é derivável em x} = {1}. Uma simples verificação nos dá f(0) = 5, f(1) = 0, f(3) = 4 e f(4) = 3. Portanto, 0 é o ponto de máximo global e 1 é o ponto de ḿınimo global de f . 124 CAPÍTULO 8. DERIVADA temos que ( f(xn) ) n∈N ⊂ B \ {y0}. Além disto, da continuidade de f segue que f(xn) → y0 e, portanto, y0 ∈ B \ {y0}. Seja (yn)n∈N ⊂ B \ {y0} convergente para y0. Vamos mostrar que lim n→+∞ f−1(yn)− f−1(y0) yn − y0 = 1 f ′(x0) . O resultado seguirá da Proposição 140, p.103. Definindo xn = f −1(yn) para todo n ∈ N, temos que (xn)n∈N ⊂ A \ {x0} e, como f−1 é cont́ınua em y0, (xn)n∈N converge para x0. Segue que f−1(yn)− f−1(y0) yn − y0 = xn − x0 f(xn)− f(x0) → 1 f ′(x0) quando n→ +∞. Exemplo 8.3. No exerćıcio 41, p.118 vimos que a função f : [0,+∞) → [0,+∞) dada por f(x) = x2 para todo x ≥ 0 tem inversa cont́ınua. Como a derivada de f só se anula em 0, a Proposição 173 implica que f−1 é derivável em f(x) se x > 0, ou seja, f−1 é derivável em (0,+∞). Além disto, em y = f(x) > 0, a derivada de f−1 é dada por ( f−1 )′ (y) = 1 f ′(x) = 1 2x = 1 2 √ y . A hipótese de continuidade de f−1 é essencial como mostra o próximo exemplo. Exemplo 8.4. Seja f : [0, 1] ∪ (2, 3] → [0, 2] definida por f(x) = x se x ∈ [0, 1] e f(x) = x − 1, se x ∈ (2, 3]. Temos que f é derivável com f ′(x) = 1 para todo x no doḿınio de f . Vimos no exerćıcio 8, p.114 que f é uma bijeção com inversa descont́ınua em 1. Portanto, f−1 não é derivável em 1. 8.2 Extremos locais e o Teorema do Valor Médio. Em paralelo ao conceito de extremo (máximo ou ḿınimo) global (veja Definição 158, p.110) existe o conceito de extremo local. DEFINIÇÃO 174. Seja f : A ⊂ R → R. Dizemos que x0 ∈ A é um ponto de máximo local de f se x0 é ponto de máximo de f na interseção de A com uma vizinhança de x0. Mutatis mutandis1define-se ponto de ḿınimo local e ponto de extremo local. É imediato que todo extremo global é extremo local. Veremos a seguir como a derivada pode ser útil na determinação de extremos locais (e a posteriori de extremos globais). O resultado importante neste sentido é o Teorema dos Extremos Locais. Além de ser um resultado de uso bastante prático ele também tem importância teórica. Por exemplo, usaremos o Teorema dos Extremos Locais para demonstrar o Teorema do Valor Médio. Este último é um dos teoremas mais fundamentais da Análise Real. 1Expressão latina que significa “modificando onde tiver que ser modificado” 4.2. SEQUÊNCIAS MONÓTONAS, LIMITADAS E DE CAUCHY. 57 Exemplo 4.9. Sabemos que sequências constantes são convergentes. Considere a sequência (não constante) dada por xn = ⌊1000/n⌋, sendo ⌊x⌋ a função Parte Inteira de x, definida abaixo: ⌊x⌋ = m se m ∈ Z e m ≤ x < m+ 1. É fácil ver que xn = 0 para todo n > 1000. Ou seja, (xn)n∈N é constante a partir do seu milésimo-primeiro termo. Conclúımos que ela é convergente. TEOREMA 87. Toda sequência convergente é limitada. Demonstração. Seja (xn)n∈N uma sequência convergente para x ∈ R. Tomando ε = 1 na definição de sequência convergente, conclúımos que existe N ∈ N tal que se n ≥ N , então |xn − x| < 1, i.e., xn ∈ (x− 1, x+ 1). Tomando a = min{x1, . . . , xN , x− 1} e b = max{x1, . . . , xN , x+ 1} temos imediatamente que xn ∈ [a, b] para todo n ∈ N. Portanto (xn)n∈N é limitada. 4.2 Sequências monótonas, limitadas e de Cauchy. A rećıproca do Teorema 87 é falsa como mostra o Exemplo 4.7. Porém, existem algumas rećıprocas parciais que veremos nesta seção. Muitos dos resultados aqui apresentados utilizam, em sua demonstração, a caracterização do supremo vista no exerćıcio 16, p.50. PROPOSIÇÃO 88. (sequência monótona limitada converge) Se (xn)n∈N é crescente e limitada superiormente, então xn → sup{xn ; n ∈ N}. Da mesma forma, se (xn)n∈N é decrescente e limitada inferiormente, então xn → inf{xn ; n ∈ N}. Demonstração. Vamos provar apenas a primeira parte da proposição já que a segunda se demonstra de modo análogo. Seja s = sup{xn ; n ∈ N}. Dado ε > 0, tome N ∈ N tal que s − ε < xN ≤ s. Logo, para n ≥ N , temos s − ε < xN ≤ xn ≤ s. Conclúımos dáı que |xn − s| < ε. TEOREMA 89. (Bolzano1-Weierstrass2) Toda sequência limitada possui subsequência convergente. Demonstração. Sejam (xn)n∈N uma sequência limitada. Considere o seguinte conjunto: M = {n ∈ N ; xn > xm, ∀m > n}. Existem duas possibilidades: M é infinito ou M é finito. 1Bernard Placidus Johann Nepomuk Bolzano: ⋆ 05/10/1781, Praga, República Tcheca - † 18/12/1848, Praga, República Tcheca. 2Karl Theodor Wilhelm Weierstrass: ⋆ 31/10/1815, Ostenfelde, Alemanha - † 19/02/1897, Berlim, Ale- manha. 58 CAPÍTULO 4. SEQUÊNCIAS E SÉRIES M é infinito. Escrevamos M = {n1, n2, n3, . . . } com n1 < n2 < n3 < . . . Assim, se i < j então ni < nj e, como ni ∈M , obtemos que xni > xnj . Conclúımos que a subsequência (xnk)k∈N é decrescente. Sendo ela limitada obtemos, finalmente, que ela é convergente. M é finito. ComoM é finito, existe n1 ∈ N\M cota superior deM . Ora, n1 /∈M logo, existe n2 > n1 (e portanto n2 /∈ M) tal que xn1 ≤ xn2 . Mas de n2 /∈ M segue que existe n3 > n2 (e portanto n3 /∈ M) tal que xn2 ≤ xn3 . Por indução, definimos uma subsequência (xnk)k∈N que é crescente e, portanto, convergente (pois ela é limitada). Para uma demonstração geométrica, utilizando a ideia de bisseção, veja exerćıcio 26, p.73. Vale a pena ver outra demonstração pois ideia semelhante surge na demonstração do Teorema de 136. DEFINIÇÃO 90. Uma sequência (xn)n∈N é dita de Cauchy 1 se ∀ε > 0, ∃N ∈ N tal que n,m ≥ N implica que |xn − xm| < ε. Uma sequência é de Cauchy se seus termos se aproximam uns dos outros. Repare que não apenas termos consecutivos mas sim todos eles. É natural acreditar que qualquer sequência convergente é de Cauchy e vice-versa. Vamos admitir, por hora, que sequências convergentes são de Cauchy (este fato será demonstrado a seguir). Façamos alguns comentários sobre a rećıproca. Considere uma sequência (xn)n∈N de números racionais convergente para, por exemplo, √ 2 (existe tal sequência?). Sendo convergente ela é de Cauchy. Como a definição de sequência de Cauchy não faz menção ao limite, mesmo se só conhecêssemos números racionais ainda estaŕıamos de acordo que (xn)n∈N é de Cauchy. Porém, neste caso, não seŕıamos capazes de mostrar a existência do limite. Ou seja, se considerássemos apenas números racionais, não seria posśıvel mostrar que toda sequência de Cauchy é convergente. Já que sequências de Cauchy são convergentes em R mas não em Q, isto deve estar rela- cionado à completeza. De fato, podemos usar (ver construção de R na página 84) sequências de Cauchy de números racionais para construir R. A vantagem desta construção é que ela pode ser empregada para “completar” outros conjuntos (ou melhor, espaços métricos) que não sejam corpos ordenados. TEOREMA 91. (sequências de Cauchy) Uma sequência é convergente se, e somente se, ela é de Cauchy. Demonstração. Seja (xn)n∈N uma sequência convergente para o limite x. Dado ε > 0, existe N ∈ N tal que se n ≥ N , então |xn − x| < ε/2. Portanto, se m,n ≥ N temos |xn − xm| ≤ |xn − x|+ |x− xm| < ε 2 + ε 2 = ε. Conclúımos que (xn)n∈N é uma sequência de Cauchy. Reciprocamente, suponhamos que (xn)n∈N é de Cauchy. Um argumento análogo ao da demonstração do Teorema 87 mostra que (xn)n∈N é limitada (verifique). Pelo Teorema 1Augustin Louis Cauchy: ⋆ 21/08/1789, Paris, França - † 23/05/1857, Sceaux, França. 8.1. DERIVADA E PROPRIEDADES. 123 Demonstração. Deixamos como exerćıcio (i), (ii) e (iii). Da Proposição 141, p.104 e das identidades (fg)(x)− (fg)(x0) x− x0 = f(x)− f(x0) x− x0 g(x0) + f(x) g(x)− g(x0) x− x0 e (f/g)(x)− (f/g)(x0) x− x0 = 1 g(x)g(x0) ( f(x)− f(x0) x− x0 g(x0)− f(x0) g(x)− g(x0) x− x0 ) , obtemos (iv) e (v). PROPOSIÇÃO 172. (regra da cadeia) Sejam f : A ⊂ R → R e g : B ⊂ R → R com f(A) ⊂ B (segue que g ◦ f está bem definida). Se f é derivável em x0 ∈ A e g é derivável em f(x0) ∈ B, então g ◦ f é derivável em x0 e, além disto, (g ◦ f)′(x0) = g′ ( f(x0) ) f ′(x0). Demonstração. Seja r : B → R dada por r(y) =    g ( y ) − g ( f(x0) ) y − f(x0) − g′ ( f(x0) ) se y 6= f(x0), 0 se y = f(x0). É imediato que lim y→f(x0) r(y) = 0 = r ( f(x0) ) . Se y ∈ B e y 6= f(x0), então g ( y ) − g ( f(x0) ) = g′ ( f(x0) )( y − f(x0) ) + r(y) ( y − f(x0) ) . Como a equação acima é, trivialmente, verdadeira para y = f(x0) temos que ela é válida para todo y ∈ B. Fazendo y = f(x) com x ∈ A, x 6= x0, na equação acima e dividindo-a por x− x0, obtemos g ( f(x) ) − g ( f(x0) ) x− x0 = g′ ( f(x0) )f(x)− f(x0) x− x0 + r ( f(x) )f(x)− f(x0) x− x0 . Como f é cont́ınua em x0 e r é cont́ınua em f(x0), da Proposição 148, p.108 obtemos que lim x→x0 r ( f(x) ) = 0. Conclúımos a demonstração, fazendo x→ x0 na equação acima e usando a Proposição 141, p.104. PROPOSIÇÃO 173. (derivada da inversa) Sejam A,B ⊂ R e f : A→ B invert́ıvel. Se f é derivável em x0 ∈ A com f ′(x0) 6= 0 e f−1 é cont́ınua em f(x0), então f−1 é derivável em f(x0) e, além disto, ( f−1 )′( f(x0) ) = ( f ′(x0) )−1 . Demonstração. Seja y0 = f(x0). Como f é derivável em x0 temos que x0 ∈ A \ {x0} e, portanto, existe uma sequência (xn)n∈N ⊂ A \ {x0} convergente para x0. Como f é injetiva 120 CAPÍTULO 8. DERIVADA escrever a função g na forma g(x) = a(x− x0) + b (convença-se que toda função afim pode ser escrita desta forma). Como proceder? A resposta depende, é claro, do que se entende por “aproximar uma função”. Devemos precisar o que significa g ser a função afim que mais se parece com f na vizinhança de um ponto. É natural exigir que a função g satisfaça as seguintes condições: i. g(x0) = f(x0); ii. lim x→x0 ( f(x)− g(x) ) = 0. É fácil ver que a condição (i) é equivalente a b = f(x0). A condição (ii) significa que o erro r(x) = f(x)− g(x) cometido ao aproximar f por g no ponto x fica tão pequeno quanto quisermos bastando para isto tomar x suficientemente próximo de x0. Substituindo g por sua expressão em (ii) obtemos lim x→x0 [ f(x)− ( a(x−x0)+f(x0) )] = 0 ⇐⇒ lim x→x0 f(x) = lim x→x0 ( f(x0)+a(x−x0) ) = f(x0). Ou seja, (ii) é equivalente à continuidade de f em x0. Veja que este resultado (in)felizmente não implica nada sobre a constante a. Será que existe algum valor para a que dê a melhor aproximação? Consideremos um exemplo que será esclarecedor. Veja a figura 8.1(a). Ela mostra duas aproximações afins para a função f(x) = x2 em três vizinhanças de x0 = 1, cada vez menores. 0 1 2 0 1 2 3 4 f g1 g2 h r1 r2 (a) h = 1. 0.5 1.0 1.5 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 f g1 g2 h r1 r2 (b) h = 0, 5. 0.9 1.0 1.1 0.9 1.0 1.1 1.2 1.3 f g1 g2 h r1 r2 (c) h = 0, 1. Figura 8.1: Aproximações afins para f(x) = x2 no intervalo [1− h, 1 + h]. Observe que o gráfico da função f é mais parecido com o gráfico de g2(x) = 2(x−1)+1, do que com o de g1(x) = (x− 1) + 1. Fazendo um zoom (tomando valores menores de h), percebemos que quanto mais perto do ponto (1, 1) olharmos, maior será a semelhança entre os gráficos de f e g2. Podemos ter uma ideia dos valores dos erros r2(x) = f(x) − g2(x) e 4.5. LIMITE SUPERIOR E LIMITE INFERIOR. 61 PROPOSIÇÃO 95. (propriedades do limite) Sejam (xn)n∈N e (yn)n∈N duas sequências e c > 0. Suponhamos que xn → +∞. Temos: i. se (yn)n∈N é limitada inferiormente, então xn + yn → +∞; ii. se yn ≥ c para todo n ∈ N, então xn · yn → +∞; iii. c · xn → +∞; iv. x−1n → 0. Demonstração. (i) Seja a ∈ R tal que a ≤ yn para todo n ∈ N. Dado M ∈ R, como xn → +∞, existe N ∈ N tal que se n ≥ N , então xn > M − a. Segue que se n ≥ N , então xn + yn ≥ xn + a > M . Conclúımos que xn + yn → +∞. (ii) Dado M ∈ R, podemos tomar N ∈ N tal que se n ≥ N , então xn > |M |/c. Desta forma, se n ≥ N , então xn · yn ≥ xn · c > |M | ≥M . Portanto xn · yn → +∞. (iii) É consequência do item anterior, tomando yn = c para todo n ∈ N. (iv) Dado ε > 0, tomemos N ∈ N tal que se n ≥ N , então xn > ε−1. Segue que se n ≥ N , então |x−1n − 0| = x−1n < ε. Conclúımos que x−1n → 0. 4.5 Limite superior e limite inferior. 4.5.1 Definição Nem toda sequência possui limite. Podemos, no entanto, introduzir uma extensão do con- ceito de limite que fará com que toda sequência possua limite. Existem outras possibilidades de extensão (ver exerćıcio 34, p.74). DEFINIÇÃO 96. Dada uma sequência (xn)n∈N, se ela for limitada superiormente, definimos a sequência Xn = sup{xn, xn+1, xn+2, . . .}, que é monótona decrescente (porque?) e portanto possui limite (pode ser −∞). O limite superior de (xn)n∈N é definido por lim sup n→+∞ xn = { +∞, se (xn)n∈N é ilimitada superiormente; lim n→+∞ Xn, se (xn)n∈N é limitada superiormente. DEFINIÇÃO 97. Dada uma sequência (xn)n∈N, se ela for limitada inferiormente, definimos a sequência Xn = inf{xn, xn+1, xn+2, . . .}, que é monótona crescente (porque?) e portanto possui limite (pode ser +∞). O limite inferior de (xn)n∈N é definido por lim inf n→+∞ xn = { −∞, se (xn)n∈N é ilimitada inferiormente; lim n→+∞ Xn, se (xn)n∈N é limitada inferiormente. Exemplo 4.11. Considere a sequência (1, 1, 2, 1/2, 3, 1/3, . . . , n, 1/n, . . .). Seu lim inf é 0 e seu lim sup é +∞. Exemplo 4.12. Considere a sequência (0, 1, −1, 0, 1, −2, 0, 1, −3, . . . , 0, 1, −n, . . .). Seu lim inf é −∞ e seu lim sup é 1. 62 CAPÍTULO 4. SEQUÊNCIAS E SÉRIES Exemplo 4.13. Considere a sequência (−1, −2, −3, . . . , −n, . . .). Seu lim inf = lim sup = −∞. LEMA 98. Considere (xn)n∈N uma sequência de números reais. i. lim inf n→+∞ xn ≤ lim sup n→+∞ xn; ii. o limite lim n→+∞ xn existe se, e somente se, lim inf n→+∞ xn = lim sup n→+∞ xn. Demonstração. Vamos provar somente quando (xn)n∈N for limitada (superiormente e infe- riormente). Deixamos para o leitor completar a prova para o caso geral. Tomando o limite nos dois lados da desigualdade Xn ≤ Xn obtemos (i). Suponha que lim sup = lim inf. É claro que Xn ≤ xn ≤ Xn. Portanto, se os limites dos extremos são iguais, o limite do meio vai existir e será igual ao dos extremos (conhecido como Teorema do Sandúıche, ver exerćıcio 7, p.70). Agora suponha que lim existe. Logo (xn)n∈N é Cauchy e, portanto, para todo ε > 0 existe N > 0 tal que |xn+k−xn| < ε se n > N , para todo k > 0. Como xn ≤ Xn, 0 ≤ Xn−xn = sup{0, xn+1−xn, xn+2−xn, . . . , xn+k−xn, . . .} < ε se n > N . Logo a sequência Xn − xn → 0. Portanto lim = lim sup. Argumento similar vale para o lim inf. Veja no exerćıcio 28, p.73 como definir lim inf e lim sup de sequências de conjuntos. 4.5.2 ⋆ Quase Cota Vamos definir lim inf e lim sup de outra forma. DEFINIÇÃO 99. Denotamos por R̃ = {−∞} ∪ R ∪ {+∞}, o conjunto R mais os pontos no infinito. Em R̃ estendemos a relação de ordem usual em R convencionando que −∞ < x < +∞ para todo x ∈ R. Pode-se estender a Definição 73, p.45 para se definir sup e inf de subconjuntos de R̃: menor das cotas superiores ou maior das cotas inferiores, onde maior e menor é dada pela relação de ordem acima. Assim, se +∞ ∈ A, supA = +∞ e se −∞ ∈ A, inf A = −∞. DEFINIÇÃO 100. Dizemos que r ∈ R̃ é quase cota superior de uma sequência (xn)n∈N se existe somente um número finito de termos xn com xn ≥ r e quase cota inferior se existe somente um número finito de termos xn com xn ≤ r. Note que +∞ é sempre quase cota superior e −∞ é sempre quase cota inferior. Logo os conjuntos de quase cotas superiores e inferiores são sempre não-vazios. DEFINIÇÃO 101. Dada uma sequência (xn)n∈N, seja A o conjunto de quase cota superiores e B o conjunto de quase cota inferiores. O limite superior de (xn)n∈N é definido por lim sup n→+∞ xn = inf A. O limite inferior de (xn)n∈N é definido por lim inf n→+∞ xn = supB. Caṕıtulo 8 Derivada 8.1 Derivada e propriedades. O autor gostaria muito de ver a discussão que segue nos livros de Cálculo I. Como não a encontrou, ele a fará aqui1. Partimos da seguinte observação. As funções afins (funções g : R → R da forma g(x) = ax+ b, sendo a e b constantes, i.e., funções cujos gráficos são retas) são mais simples de serem manipuladas do que outras funções (cujos gráficos são curvas). Por isto, pode ser útil saber se é posśıvel (e em caso afirmativo, de que modo) aproximar uma função qualquer por outra que seja afim. Intuitivamente, dada a função f , queremos encontrar uma função afim g que mais se pareça com f . Vejamos um exemplo que foge um pouco do contexto mas que é suficientemente familiar para auxiliar nossa intuição. Consideremos a Terra. Durante muitos milhares de anos, pensou-se que a superf́ıcie terrestre era plana. A razão é que o planeta era visto de muito perto. Só quando nos afastamos dele, vemos que na realidade a sua superf́ıcie é mais parecida com uma esfera do que com um plano. Diz-se que que Aristóteles2 reparou isto vendo a sombra da Terra sobre a Lua durante um eclipse. De certa forma, Aristóteles precisou recorrer à imagem da Terra vista da Lua para poder perceber que a Terra não era plana. Ora, se a Terra parece (ou parecia) plana significa que existe um plano que se parece muito com a Terra, certo? Na verdade, sabemos que não é um plano, mas sim vários planos. Para um habitante de Tóquio, o plano que mais parece com a Terra não é o mesmo que para nós. Isto nos indica que esta noção de aproximação é local, isto é, dependendo do ponto onde nos colocamos percebemos de modo diferente o objeto simples (reta, plano, etc) que mais parece com o objeto original (curva, esfera, etc). Voltando ao caso de uma função real. Dada a função f definida numa vizinhança de x0 queremos determinar a função afim g, dada por g(x) = ax + b, que mais se pareça com f na vizinhança de x0 (lembre-se que esta semelhança é local, i.e., perto de x0). Determinar g significa determinar as constantes a e b. Será mais conveniente, modificando a constante b, 1Agradeço ao colega Prof. Victor Giraldo pelas proveitosas discussões sobre o assunto e indico ao leitor interessado a referência [Gi]. Victor Giraldo: ⋆ 05/01/1969, Rio de Janeiro, Brasil. 2Aristóteles: ⋆ 384 A.C., Stagirus, Grécia - † 322 A.C., Chalcis, Grécia. 119 118 CAPÍTULO 7. LIMITE E CONTINUIDADE (e) se f é monótona então (a), (b) e (d) são verdadeiros. Dica: (c) #Aε ≤ (f(1)− f(0))/ε; (d) Este conjunto pode ser escrito como ⋃ n∈N A1/n. ♯ 40. (dif́ıcil) Prove que se f satisfaz a conclusão do TVI, e assume cada valor uma única vez, então f é cont́ınua. Generalize para o caso em que f assume cada valor um número finito de vezes ([Sp] p.109 no.13). Dica: Por contradição: suponha f descont́ınua. ⋆ 41. (extra) O objetivo deste exerćıcio é mais ambicioso do que o do Exerćıcio 39 do Caṕıtulo 4. Sejam m ∈ N e f : [0,+∞) → [0,+∞) dada por f(x) = xm para todo x ≥ 0. Prove que (a) f é cont́ınua e injetiva; (b) lim x→+∞ f(x) = +∞; (c) existe e é cont́ınua a função f−1 : [0,+∞) → [0,+∞). A função f−1 é chamada de raiz m-ésima e é denotada por f−1(y) = m √ y para todo y ∈ [0,+∞) (ou, simplesmente,√ y quando m = 2). 7.6.4 Funções cont́ınuas em compactos =⇒ 42. Seja p uma função polinomial qualquer. Prove que existe x0 ∈ R tal que |p(x0)| ≤ |p(x)| para todo x ∈ R ([Sp] p.109 no.16). =⇒ 43. Suponha que f é cont́ınua com f(x) > 0 para todo x e lim x→+∞ f(x) = 0 = lim x→−∞ f(x). Prove que existe x0 ∈ R tal que f(x0) ≥ f(x) para todo x ∈ R ([Sp] p.109 no.17). Dica: Desenhe uma figura. → 44. Prove que: (a) se f é Lipschitz cont́ınua, então f é uniformemente cont́ınua. Em particular, toda contração é uniformemente cont́ınua. (b) f(x) = √ x não é Lipschitz cont́ınua (perto do zero) mas é uniformemente cont́ınua em [0, 1]. 45. Prove que f(x) = xn é Lipschitz cont́ınua num intervalo limitado mas não é uniforme- mente cont́ınua em R ([L] p.197 no.37). =⇒ 46. Seja f : R → R cont́ınua e suponha que lim x→−∞ f(x) e lim x→+∞ f(x) existem e são finitos. Prove que (a) f é limitada; (b) f é uniformemente cont́ınua. ⋆ 47. (extra) Prove que se f(X) é limitado para toda f cont́ınua então X é compacto ([L] p.196 no.27). ⋆ 48. (extra) Dizemos que f : X → R é α-Hölder1 cont́ınua se existem α,M > 0 tais que |f(x)− f(y)| ≤ M |x − y|α para todo x, y ∈ X . Isto generaliza o conceito de Lipschitz cont́ınua (α = 1). Veja no exerćıcio 29, p.137 porque supomos que α ≤ 1. Prove que: (a) se f é α-Hölder cont́ınua então f é uniformemente cont́ınua; (b) f(x) = √ |x| é 1 2 -Hölder cont́ınua mas não é Lipschitz cont́ınua (perto do zero). 1Otto Ludwig Hölder: ⋆ 22/12/1859, Stuttgart, Alemanha – † 29/08/1937, Leipzig, Alemanha. 4.6. SÉRIES. 63 4.5.3 ⋆ Valor de Aderência Vamos definir lim inf e lim sup de uma terceira forma. DEFINIÇÃO 102. Dizemos que x ∈ R é valor de aderência de (xn)n∈N se existe sub- sequência de (xn)n∈N convergente para x. Dizemos que y ∈ R̃ é valor de aderência generalizado de (xn)n∈N se existe subsequência de (xn)n∈N convergente para y. Utilizando estas definições, o Teorema de Bolzano-Weierstrass garante que toda sequência limitada possui valor de aderência em R. Por outro lado, se a sequência for ilimitada ela possuirá +∞ ou −∞ como valor de aderência. Desta forma, o conjunto de valores de aderência generalizados de uma sequência será sempre não-vazio. DEFINIÇÃO 103. Seja A o conjunto dos valores de aderência generalizados de (xn)n∈N. O limite superior de (xn)n∈N é definido por lim sup n→+∞ xn = supA. O limite inferior de (xn)n∈N é definido por lim inf n→+∞ xn = inf A. Essencialmente, o limite superior de uma sequência é o seu maior valor de aderência generalizado, enquanto que o limite inferior é seu menor valor de aderência generalizado. 4.6 Séries. DEFINIÇÃO 104. Considere uma sequência (xn)n∈N. Para cada n ∈ N definimos Sn = n∑ i=1 xi = x1 + · · ·+ xn. A sequência (Sn)n∈N é dita das somas parciais da série ∑ xn e xn é o n-ésimo termo ou termo geral da série. Escrevemos +∞∑ n=1 xn = lim n→+∞ Sn quando o limite acima existe e, neste caso, ele é dito limite da série. Dizemos que ∑ xn é convergente ou divergente se (Sn)n∈N é convergente ou divergente, respectivamente. Finalmente, dizemos que ∑ xn é absolutamente convergente se a série ∑ |xn| é conver- gente. 66 CAPÍTULO 4. SEQUÊNCIAS E SÉRIES Demonstração. Por definição, ∑ xn é convergente se, e somente se, a sequência de suas somas parciais (Sn)n∈N é convergente. Como xn ≥ 0, temos imediatamente que (Sn)n∈N é crescente. Logo, (Sn)n∈N é convergente se, e somente se, ela é limitada superiormente (ver proposições 87 e 88) TEOREMA 108. (Critério da Comparação) Sejam (xn)n∈N e (yn)n∈N tais que 0 ≤ xn ≤ yn para todo n ∈ N. i. Se ∑ yn converge, então ∑ xn converge. ii. Se ∑ xn diverge, então ∑ yn diverge. Demonstração. Sejam (Sn)n∈N e (Tn)n∈N as sequências de somas parciais de ∑ xn e ∑ yn, respectivamente. De xn ≤ yn segue imediatamente que Sn ≤ Tn para todo n ∈ N. Assim, se (Sn)n∈N é ilimitada superiormente, então (Tn)n∈N também é. Por outro lado, se (Tn)n∈N é limitada superiormente, então (Sn)n∈N também é. Conclúımos graças à Proposição 107. Exemplo 4.16. Vamos estudar a natureza da série ∑ 1/np segundo os valores de p. É claro que se p ≤ 0, então ela diverge pois neste caso lim n→+∞ xn 6= 0. Suponhamos 0 ≤ p ≤ 1. Temos 1/n ≤ 1/np para todo n ∈ N. Portanto, por comparação com a Série Harmônica, conclúımos que a série diverge. Finalmente, consideremos o caso p > 1. Vamos utilizar técnica similar a utilizada no estudo da série harmônica para mostrar que a série converge. Seja (Sn)n∈N a sequência das somas parciais. Agrupando de 1 em 1, 2 em 2, 4 em 4, . . . , 2k em 2k termos e estimando por cima obtemos que Sn = 1 + 1 2p + 1 3p + · · ·+ 1 np ≤ 1 + 1 2p + 1 3p + · · ·+ 1 np + · · ·+ 1 (2n − 1)p = 1 + ( 1 2p + 1 3p ) + ( 1 4p + 1 5p + 1 6p + 1 7p ) + · · ·+ ( 1 (2n−1)p + · · ·+ 1 (2n − 1)p ) ≤ 1 + 2 2p + 4 4p + · · ·+ 2 n−1 (2n−1)p = n∑ i=1 (21−p)(i−1). Como p > 1 temos 21−p < 1 e, portanto, a Série Geométrica de razão 21−p converge. Segue que (Sn)n∈N é limitada superiormente e portanto ∑ 1/np é convergente. TEOREMA 109. (Teste da Razão, ou de d’Alembert1) Seja (xn)n∈N uma sequência de números estritamente positivos. i. Se lim n→+∞ xn+1/xn < 1, então ∑ xn é convergente. ii. Se lim n→+∞ xn+1/xn > 1, então ∑ xn é divergente. 1Jean Le Rond d’Alembert: ⋆ 17/11/1717, Paris, França - † 29/10/1783, Paris, França. 7.6. EXERCÍCIOS. 115 → 9. Prove que se f : A→ R é cont́ınua, então |f | é cont́ınua. A rećıproca é verdadeira? Ou seja, podemos afirmar que se |f | é cont́ınua, então f é cont́ınua? ⋆ 10. (extra) Sejam f : R → R e A ⊂ R. Considere a seguinte definição: f é cont́ınua em A se f é cont́ınua em todos os elementos de A. (a) Prove que se f é cont́ınua em A, então f|A é cont́ınua. (b) Encontre um exemplo onde f|A é cont́ınua mas f é não é cont́ınua em A. Dica: A = Q, f = IQ. =⇒ 11. Prove que se f e g são cont́ınuas então: (a) h = max(f, g) é cont́ınua; (b) l = max(f1, . . . , fn) é cont́ınua. Dica: max(a, b) = (a+ b+ |a− b|)/2. → 12. (colando funções cont́ınuas) Suponha que f é cont́ınua em [a, b] e g é continua em [b, c] com f(b) = g(b). Defina h em [a, c] por h(x) = f(x) para x ∈ [a, b] e h(x) = g(x) para x ∈ (b, c]. Prove que h é cont́ınua em [a, c] ([Sp] p.98 no.14). =⇒ 13. Seja A um conjunto discreto (i.e., todos seus pontos são isolados). Prove que F(A;R) = C(A;R), i.e., que toda função de A em R é cont́ınua. 14. Seja f : R → R cont́ınua e A um conjunto aberto. Dê um exemplo onde f(A) não é um conjunto aberto. Conclua que função cont́ınua não leva, necessariamente, aberto em aberto. 15. Encontre uma função f que seja descont́ınua nos seguintes pontos, mas cont́ınua em todos os outros ([Sp] p.98 no.6): (a) 1, 1 2 , 1 3 , 1 4 , . . .; (b) 0, 1, 1 2 , 1 3 , 1 4 , . . . =⇒ 16. Prove que f : A→ R é cont́ınua sse ∀ε > 0, ∃δ > 0 tal que f(Bδ(x0)∩A) ⊂ Bε(f(x0)). =⇒ 17. Determine w(f ; x) (oscilação de f) e os pontos de descontinuidade, de: (a) f(x) = x/|x| para x 6= 0 e f(0) = 0; (b) f = IQ; (c) f(x) = xIQ(x); (d) f(x) = sen(1/x) para x 6= 0 e f(0) = 0; (e) f(x) = sen(x)/| sen(x)| para sen(x) 6= 0, f(x) = 0 caso contrário; (f) f : R → R definida por f(x) = 0 se x ∈ R − Q, f(p/q) = 1/q se p/q é fração irredut́ıvel com q > 0 e f(0) = 0; Dica: esboce o gráfico para q = 2, 3, . . . (g) f(x) igual ao primeiro algarismo da expansão decimal de x ([Sp] p.70 no.17); (h) f(x) = 0 se 1 não aparece na expansão decimal de x e f(x) = n se 1 aparece na n-ésima posição([Sp] p.70 no.17). 18. Esboce o gráfico e determine os pontos de descontinuidade de ([Sp] p.70 no.17): (a) f(x) igual ao segundo algarismo da expansão decimal de x; (b) f(x) igual ao número de 7’s da expansão decimal de x se este número é finito e zero caso contrário. 19. Prove que: (a) se X ⊂ Y então diam(X) ≤ diam(Y ); (b) diam(X) = sup(X)− inf(X); (c) diam(X) = diam(X); (d) diam(|X|) ≤ diam(X) onde |X| = {|x|; x ∈ X}. (e) Determine diam(Q∁ ∩ [0, 1]) e diam(Bε(x)). → 20. Prove que: 114 CAPÍTULO 7. LIMITE E CONTINUIDADE Mostremos agora a unicidade. Suponhamos por absurdo, que existe b ∈ X ponto fixo de f diferente de a. Temos |b− a| = |f(b)− f(a)| ≤ α|b− a| < |b− a|. Absurdo. Observação 7.1 O Teorema 167 do Ponto fixo de Banach também é conhecido como Método das Aproximações Sucessivas de Picard1ou Lema da Contração. 7.6 Exerćıcios. 7.6.1 Limite de funções 1. Prove (por contradição) que lim x→0 1 x não existe. → 2. Para f : A→ R, dê as definições rigorosas de lim x→+∞ f(x) = k e lim x→−∞ f(x) = +∞. =⇒ 3. (Teorema do Sandúıche) Sejam f, g, h : A → R. Prove que se f(x) ≤ g(x) ≤ h(x) para todo x ∈ A e lim x→x0 f(x) = lim x→x0 h(x) = k, então lim x→x0 g(x) = k. → 4. Nos exerćıcios abaixo, ⌊x⌋ denota a parte inteira de x ∈ R (veja a Definição 86). Determine: (a) lim x→+∞ x⌊1/x⌋; (b) lim x→0 x⌊1/x⌋. 7.6.2 Funções cont́ınuas =⇒ 5. Seja f cont́ınua definida em [a, b]. Prove que existe h cont́ınua com doḿınio igual a R que seja uma extensão de f (caso particular do (Teorema de extensão de Tietze). Dê um exemplo que prove que isto é falso se substituirmos [a, b] por (a, b). =⇒ 6. Sejam f, g, h : R → R cont́ınua. Prove que Z = {x ∈ R ; f(x) = 0} (zeros de f) é fechado. Conclua que C = {x ∈ R ; f(x) = g(x)} é fechado. =⇒ 7. Sejam T − os transcendentes negativos e A+ os algébricos positivos. Defina f : T − ∪A+ → [0,+∞) por f(x) = x2. (a) Prove que f é uma bijeção cont́ınua cuja a inversa é descont́ınua em todos os pontos menos no zero ([L] p.195 no.21). (b) Determine a oscilação w(f−1; π2). (c) Determine a oscilação w(f−1; y0) para cada y0 ∈ [0,+∞). → 8. Seja f : [0, 1) ∪ [2, 3] → [0, 2] dada por f(x) = x se x ∈ [0, 1) ou f(x) = x − 1 se x ∈ [2, 3]. Prove que f é uma bijeção cont́ınua com inversa dada por f−1(y) = y se y ∈ [0, 1) ou f−1(y) = y + 1 se y ∈ [1, 2]. Conclua que f−1 é descont́ınua em 1. 1Charles Emile Picard: ⋆ 24/07/1856, Paris, França - † 11/12/1941, Paris, França. 4.6. SÉRIES. 67 Demonstração. (i) Tomemos r ∈ R tal que lim n→+∞ xn+1/xn < r < 1. O resultado do exerćıcio 6(a), p.70 garante que existe N ∈ N tal que xn+1/xn < r para todo n ≥ N . Temos então xN+1 < rxN ; xN+2 < rxN+1 < r 2xN ; xN+3 < rxN+2 < r 3xN ; ... De maneira geral, xn < r n−NxN , para todo n ≥ N . Tomando yn = rn−NxN (para todo n ∈ N) temos que xn ≤ yn para todo n ≥ N . Como ∑ yn é uma Série Geométrica de razão r ∈ (0, 1), ela é convergente. O resultado segue do Critério de Comparação. (ii) Usando o resultado do exerćıcio 6(b), p.70 conclúımos que existe N ∈ N tal que xn+1/xn ≥ 1 para todo n ≥ N. Portanto, xn+1 ≥ xn para todo n ≥ N . Segue que a sequência dos termos gerais da série é crescente a partir do N -ésimo termo e, portanto, não converge para zero. Logo, a série é divergente. Exemplo 4.17. A série ∑ 1/n! é convergente pois lim n→+∞ 1/(n+ 1)! 1/n! = lim n→+∞ n! (n+ 1)! = lim n→+∞ 1 n + 1 = 0. Analogamente, dado x ∈ R, mostra-se que ∑ xn/n! é (absolutamente) convergente e, em particular, xn/n! → 0. Para outra prova ver exerćıcio 19, p.72. Esta série será revista na Seção 10.5. Definiremos a seguir as constantes e e π, que estão entre as cinco principais da Análise. As outras três são 0, 1, e i (a última aparece na Análise Complexa). Bem menos conhecida é a constante γ (gamma) de Euler (ver exerćıcio 23, p.73) e a razão áurea Φ (ver exerćıcio 24, p.73). DEFINIÇÃO 110. e = ∞∑ n=0 1 n! . Podemos definir e também através do exerćıcio 19, p.72. TEOREMA 111. O número e é irracional. Demonstração. Suponhamos por absurdo que e ∈ Q. Então, existem p, q ∈ N tais que e = p/q, ou seja, p q = +∞∑ n=0 1 n! . Multiplicando por q! e rearranjando obtemos p(q − 1)!− q∑ n=0 q! n! = +∞∑ n=q+1 q! n! . 68 CAPÍTULO 4. SEQUÊNCIAS E SÉRIES Claramente o termo do lado esquerdo da igualdade é inteiro. Concluiremos a prova mostrando que o termo do lado direito não é inteiro. De fato, 0 < +∞∑ n=q+1 q! n! = 1 q + 1 + 1 (q + 2)(q + 1) + 1 (q + 3)(q + 2)(q + 1) + . . . < 1 2 + 1 4 + 1 8 + · · · = 1. Observação 4.2 A prova que e é transcendente pode ser vista em [Sp] caṕıtulo 20. DEFINIÇÃO 112. π = 4 ( 1− 13 + 1 5 − 1 7 + 1 9 · · · ) . Para justificar a definição, faça exerćıcio 57, p.78. Podemos definir π também através do exerćıcio 58, p.79 ou da Definição 244, p.178. A irracionalidade de π é provada na Seção 9.4, p.152. Quando lim n→+∞ xn+1/xn = 1, o Teste da Razão nada permite concluir (nem convergência nem divergência). Há outras versões do Teste da Razão. A aqui apresentada não é a mais geral delas. Por exemplo, no Teorema 109 (i), podemos substituir o śımbolo de limite pelo śımbolo de limite superior que a afirmação continua válida. Analogamente, a conclusão do Teorema 109 (ii), permanece válida ao substituirmos o śımbolo de limite pelo de limite inferior. Exemplo 4.18. Vejamos exemplos para os quais o Teste da Razão não é conclusivo. Consi- dere as séries ∑ 1/n e ∑ 1/n2. Já vimos que a primeira é divergente enquanto que a segunda é convergente. Porém, para ambas temos que lim n→+∞ xn+1/xn = 1. De fato, lim n→+∞ 1/(n+ 1) 1/n = lim n→+∞ n n+ 1 = 1 e lim n→+∞ 1/(n+ 1)2 1/n2 = lim n→+∞ n2 (n+ 1)2 = 1. TEOREMA 113. (Teste da Raiz, ou de Cauchy) Seja (xn)n∈N uma sequência de números positivos. i. Se lim n→+∞ n √ xn < 1, então ∑ xn é convergente. ii. Se lim n→+∞ n √ xn > 1, então ∑ xn é divergente. Demonstração. (i) Seja r ∈ R tal que lim n→+∞ n √ xn < r < 1. Do resultado do exerćıcio 6(a), p.70 obtemos que existe N ∈ N tal que n√xn < r, ou seja, xn < rn para todo n ≥ N . O resultado segue por comparação com a Série Geométrica ∑ rn. (ii) Análogo ao item anterior. Quando lim n→+∞ n √ xn = 1, o Teste da Raiz nada permite concluir (nem convergência nem divergência). Também há outras versões do Teste da Raiz. A apresentada acima não é a mais geral de todas. Por exemplo, (i) se generaliza ao substituirmos o śımbolo de limite pelo śımbolo de limite superior. Analogamente, em (ii), podemos substituirmos o śımbolo de limite pelo de limite inferior. 7.5. ⋆ PONTOS FIXOS PARA FUNÇÕES CONTÍNUAS. 113 Demonstração. Seja g : [0, 1] → [0, 1] dada por g(x) = f(x) − x para todo x ∈ [0, 1]. Observamos que x é ponto fixo de f se, e somente se, x é raiz de g. Vamos então mostrar que g tem raiz. Ora, g(0) = f(0)− 0 ≥ 0 e g(1) = f(1)− 1 ≤ 0. Se g(0) = 0 ou g(1) = 0, então não há nada mais a ser demonstrado. Suponhamos agora que g(0) > 0 e g(1) < 0. Neste caso, como g é cont́ınua, o Teorema do Valor Intermediário garante a existência de uma raiz de g no intervalo (0, 1). Vejamos outro teorema de ponto fixo que é útil mesmo nesta sua versão mais simples. Como preliminar, definimos contração. DEFINIÇÃO 166. Seja f : A ⊂ R → R. Dizemos que f é uma contração se existe α ∈ (0, 1) tal que |f(x)− f(y)| ≤ α|x− y| ∀x, y ∈ A. É fácil ver que se f é uma contração, então f é uniformemente cont́ınua (veja Lema 163). TEOREMA 167. (Do Ponto Fixo de Banach1) Sejam f : A ⊂ R → R contração e X ⊂ A fechado, não vazio e tal que f(X) ⊂ X . Então existe um único a ∈ X que é ponto fixo de f . Mais precisamente, dado x0 ∈ X a sequência (xn)n∈N definida recursivamente por xn = f(xn−1) ∀n ∈ N. (7.6) converge para a. Demonstração. Vamos mostrar que a sequência (xn)n∈N é de Cauchy. Seja ε > 0. Por definição de contração, existe α ∈ (0, 1) tal que |f(x)− f(y)| ≤ α|x− y| ∀x, y ∈ A. Como α ∈ (0, 1), existe N ∈ N tal que n ≥ N =⇒ |x1 − x0|α n 1− α < ε. Por indução, mostra-se facilmente que |xn+1 − xn| ≤ αn|x1 − x0| para todo n ∈ N. Usando este fato, obtemos que se m > n ≥ N , então |xm − xn| = ∣∣∣∣∣ m−1∑ i=n (xi+1 − xi) ∣∣∣∣∣ ≤ m−1∑ i=n |xi+1 − xi| ≤ m−1∑ i=n αi|x1 − x0| ≤ |x1 − x0| +∞∑ i=n αi = |x1 − x0|αn 1− α < ε. Conclúımos que a sequência (xn)n∈N é de Cauchy e, portanto, convergente para algum a ∈ R. Como X é fechado obtemos que a ∈ X . Tomando o limite quando n → +∞ em (7.6), da continuidade de f segue que a = f(a), ou seja, que a é ponto fixo de f . 1Stefan Banach: ⋆ 30/03/1892, Kraków, Polônia - † 31/08/1945, Lvov, Ucrânia. 110 CAPÍTULO 7. LIMITE E CONTINUIDADE Demonstração. (i) Suponhamos, por absurdo, que f não seja monótona. Então existem x1 < x2 < x3 ∈ I tais que f(x1) < f(x2) > f(x3) ou f(x1) > f(x2) < f(x3). Consideremos o primeiro caso (o segundo é análogo). Seja k ∈ ( f(x1), f(x2) ) ∩ (f(x3), f(x2) ) . Pelo Teorema 154 (do Valor Intermediário) existem s ∈ (x1, x2) e t ∈ (x2, x3) tais que f(s) = f(t) = k, contrariando a injetividade de f . (ii) Já sabemos que f é monótona. Para fixar as ideias, suponhamos que f é crescente. Seja y ∈ J e (yn)n∈N ⊂ J tal que yn → y. Vamos mostrar que f−1(yn) → f−1(y). Dado ε > 0, se r, t ∈ I são tais que f−1(y) − ε < s < f−1(y) < t < f−1(y) + ε, então f(s) < y < f(t). Como yn → y, existe n0 ∈ N tal que f(s) < yn < f(t) se n ≥ n0. Neste caso, f−1(y) − ε < s < f−1(yn) < t < f−1(y) + ε. Portanto ∣∣f−1(yn) − f−1(y) ∣∣ < ε se n ≥ n0. 7.4 Funções cont́ınuas em compactos. Vamos apresentar o terceiro Teorema que faz a conexão entre topologia e funções cont́ınuas: função cont́ınua leva compacto (compactos em R são limitados e fechados, conforme Teo- rema 133, p.93) em compacto. É um exemplo de como a compacidade pode ser bem explo- rada. A sua demonstração é bastante simples, porém, as ideias nela presentes são usuais (e poderosas) no Cálculo de Variações e em Equações Diferenciais Parciais. TEOREMA 157. (imagem de compacto é compacto) Seja K ⊂ R um compacto e f : K → R cont́ınua. Então f(K) é um compacto. Demonstração. Seja yn ∈ f(K) qualquer. Queremos provar que existe subsequência con- vergente para algum elemento de f(K). Por definição, yn ∈ f(K) implica que existe xn ∈ K com yn = f(xn). Como K é compacto, existe subsequência, xnk → x0 ∈ K. Definindo ynk = f(xnk), pela continuidade da f , ynk → f(x0) ∈ f(K). Vamos apresentar um corolário muito utilizado (em Cálculo por exemplo) mas precisamos antes algumas definições. DEFINIÇÃO 158. Sejam f : A ⊂ R → R e B ⊂ A. Se f(x0) ≥ f(x) para todo x ∈ B, então dizemos que x0 é um ponto de máximo de f em B. Neste caso, f(x0) é o valor máximo de f em B. Se f(x0) ≤ f(x) para todo x ∈ B, então x0 é dito ponto de ḿınimo de f em B e f(x0) é o valor ḿınimo de f em B. Se x0 é ponto de máximo ou de ḿınimo em B, então x0 é chamado de extremo em B. Em particular, quando B = A trata-se de máximo global ou ḿınimo global ou extremo global de f . COROLÁRIO 159. (Weierstrass) Se f : [a, b] → R é cont́ınua, então f tem pontos de máximo e de ḿınimo em [a, b]. Demonstração. O conjunto [a, b] é conexo e compacto. Como f é cont́ınua, pelos Teore- mas 155 e 157, f([a, b]) é conexo e compacto, ou seja, é um intervalo fechado e limitado. Logo (veja as opções para intervalos na Definição 78, p.47) f([a, b]) = [c, d]. Logo o ḿınimo de f é c e o máximo é d. 4.8. EXERCÍCIOS. 71 10. Seja (nk)k∈N ⊂ N uma sequência crescente. Prove que (a) se (nk)k∈N é limitada superiormente, então ela é constante a partir de um certo termo; (b) se (nk)k∈N é estritamente crescente, então nk ≥ k para todo k ∈ N. Conclua que (nk)k∈N não é limitada superiormente. 11. Seja (xn)n∈N a sequência definida indutivamente por x1 = 0 e xn+1 = √ 2 + xn ∀n ∈ N. Prove que (a) (xn)n∈N é crescente; (b) xn ≤ 2 ∀n ∈ N; (c) (xn)n∈N é convergente. Determine lim n→+∞ xn. =⇒ 12. Considere an = n √ a com a > 0. Prove que: (a) é decrescente se a > 1 e crescente caso contrário; (b) é limitada e portanto convergente; (c) o limite é um. Dica: ([C] cap.I, parag.5, p.31) Forma direta de provar que o limite é 1 é escrever n √ a = 1 + hn (p/ a > 1) com hn > 0 e utilizar a desigualdade de Bernoulli (1 + hn) n ≥ 1 + nhn. Se a < 1 escrever n √ a = 1/(1 + hn). → 13. Considere an = n √ n. Prove que: (a) é monótona decrescente limitada inferiormente e portanto converge; Dica: Para provar que é decrescente precisamos provar que nn+1 > (n+ 1)n ou seja, que n > (1+ 1/n)n o que é verdade pois (1+ 1/n)n < 3. Desta forma a sequência é decrescente para n ≥ 3. (b) converge para 1. Dica1: Tome n = 2k e prove que a subsequência bk := a2k converge para 1. Dica2: ([C] cap.I, parag.7, p.35) Forma direta de provar que o limite é 1 é escrever n √ n = 1 + hn e usar a desigualdade (1 + hn) n ≥ n(n− 1)h2/2. 14. Prove que a sequência an = n √ n2 + n converge para 1. Dica: Veja dica2 do exerćıcio anterior. =⇒ 15. Dado v = (a, b) ∈ R2 definimos ‖v‖p = p √ |a|p + |b|p. Prove que lim p→∞ ‖v‖p = max(|a|, |b|). Isto justifica a definição ‖v‖∞ = max(|a|, |b|). 16. Prove que ([Sp] p.380 no.1): (a) lim n→∞ 8 √ n2 + 1− 4 √ n+ 1 = 0; (b) lim n→∞ n∑ k=1 kp np+1 = 1 p+ 1 ; (c) lim n→∞ n! nn = 0; (d) lim n→∞ α(n) n = 0, onde α(n) é o número de primos que dividem n. Dica: (a) Prove que o limite de 8 √ n2 + 1− 8 √ n2 é 0. (c) n! = n(n−1) · · · k! para k < n/2. =⇒ 17. Seja c = supX . Prove que: (a) existe (xn)n∈N ⊂ X tal que xn → c; 72 CAPÍTULO 4. SEQUÊNCIAS E SÉRIES (b) podemos tomar uma sequência monótona no item (a). Dica: exerćıcio 16, p.50. =⇒ 18. Uma definição posśıvel para o número “e” pode ser feita através do limite da sequência an = n∑ i=0 1 i! quando n vai para o infinito. Prove que esta sequência é monótona crescente e limitada e portanto converge pela Proposição 88. Dica: Para provar que é limitada use o fato que i! > 2i para todo i ≥ 4. =⇒ 19. Uma definição posśıvel para o número “e” pode ser feita através do limite da sequência bn = (1+1/n) n quando n vai para o infinito. Prove que esta sequência é monótona crescente e limitada e portanto converge pela Proposição 88. Dica: ([C]) Utilize o binômio de Newton e fatore adequadamente para obter que: bn = 1+1+ 1 2! (1−1/n)+ 1 3! (1−1/n)(1−2/n)+· · ·+ 1 n! (1−1/n)(1−2/n) · · · (1−(n−1)/n). ⋆ 20. (extra) Prove que as duas definições acima para “e” determinam o mesmo número real. Dica: É claro que bn ≤ an. Portanto lim bn ≤ lim an. Para p ∈ N fixo, bn ≥ 1+1+ 1 2! (1−1/n)+ 1 3! (1−1/n)(1−2/n)+· · ·+ 1 p! (1−1/n)(1−2/n) · · · (1−(p−1)/n). Fazendo n → ∞ (e mantendo p fixo) o segundo membro tende a ap. Logo lim bn ≥ ap. Passando o limite em p conclúımos a desigualdade contrária. ⋆ 21. (extra) Prove que o número “e” definido nos exerćıcios acima é o único numero real cuja área entre [1, e] e o gráfico da função 1/x é igual a 1. Dica: Isto implica que log(e) = 1. Da definição de derivada, 1/x = lim h→0 1/h log(1+h/x). Tomando z = 1/x e exponenciando, ez = lim h→0 (1 + zh)1/h. Para z = 1 obtemos o resultado ([C]). ⋆ 22. (extra) Objetivo desta atividade é aproximar a função fatorial. É fácil ver que (:-)) n! = (1/2)(2/3)2(3/4)3 · · · ((n− 1)/n)n−1nn. Logo n! = nn n−1∏ j=1 ( j j + 1 )j = nn/ n−1∏ j=1 (1 + 1/j)j. Já sabemos que o termo (1 + 1/j)j tende para “e” quando j tende para infinito. Portanto n! ≈ nn/en−1 = e(n/e)n (vide [Fe]). Utilizando esta aproximação, determine os limites, quando n vai para infinito, de: (a) n/n!; (b) n5/n!; (c) en/n!; (d) nn/2/n!; (e) n3n/n!; (f) nn/n!. Obs: Podemos definir “fatorial” de não-inteiros (e até mesmo de complexos) com a função gama de Euler definida no exerćıcio 24, p.161. Obs: Utilizando outro caminho (vide [C] p.361–364 ou [Sp] p.483) obtemos a fórmula de Stirling1: n! = √ 2πn(n/e)neθn com |θ| ≤ 1/12. 1James Stirling: ⋆ 05/1692, Garden, Escócia – † 05/12/1770, Edinburgh, Escócia. 7.3. FUNÇÕES CONTÍNUAS EM CONEXOS. 109 lados, que x0 ∈ Bδ(x0) ∩ A ⊂ f−1(B). Como A é aberto, Bδ(x0) ∩ A é aberto (interseção de abertos) que contém x0. Logo f −1(B) é aberto. Suponha agora que f−1(B) é aberto para todo aberto B. Tome x0 ∈ A (se A for vazio não há nada para ser provado) e y0 = f(x0). Isto implica que para todo ε > 0, f −1(Bε(y0)) é aberto. Logo existe δ > 0 tal que Bδ(x0) ⊂ f−1(Bε(y0)). Aplicando f dos dois lados, f(Bδ(x0)) ⊂ Bε(y0). Logo f(Bδ(x0) ∩ A) ⊂ f(Bδ(x0)) ⊂ Bε(y0), isto é, f é cont́ınua em x0. Este resultado é utilizado em cursos de Topologia para definir função cont́ınua utilizando somente abertos, sem utilizar épsilons e deltas! 7.3 Funções cont́ınuas em conexos. Conforme vimos na Definição 125, p.91, A ⊂ R é um conjunto conexo se A é um dos intervalos da Definição 78, p.47. Vamos apresentar o segundo Teorema que faz a conexão entre topologia e funções cont́ınuas: função cont́ınua leva conexo em conexo. Precisamos antes de famoso resultado do Cálculo. TEOREMA 154. (do valor intermediário) Se f ∈ C ( [a, b] ) e f(a) < k < f(b), então existe c ∈ (a, b) tal que f(c) = k. A mesma conclusão vale quando f(a) > k > f(b). Demonstração. Seja S = {x ∈ [a, b] ; f(x) ≤ k}. É imediato que S é não vazio (a ∈ S) e limitado superiormente (b é cota superior de S). Sejam c = supS e (xn)n∈N ⊂ S tal que x→ c. Temos que f(xn) ≤ k para todo n ∈ N e como f é cont́ınua em c temos lim n→+∞ f(xn) = f(c). Portanto, f(c) ≤ k e, logo, c < b. Suponhamos que f(c) < k. Graças à Proposição 149 existe δ > 0 tal que se x ∈ [a, b] e |x− c| < δ, então f(x) < k. Como c < b podemos tomar x ∈ [a, b] com c < x < c+ δ para obter que f(x) < k. Isto implica que x ∈ S e x > c = supS, o que é absurdo. TEOREMA 155. (imagem de conexo é conexo) Seja I ⊂ R um conexo e f : I → R cont́ınua. Então f(I) é um conexo. Demonstração. Seja J = f(I). Para mostrar que J é um intervalo vamos mostrar que dados y1, y2 ∈ J , com y1 < y2, [y1, y2] ⊂ J . Para isto tome y ∈ (y1, y2) qualquer. Como J = f(I), existem x1, x2 ∈ I tais que f(x1) = y1 < y2 = f(x2). Como f(x1) 6= f(x2), obtemos que x1 6= x2. Suponhamos, por simplicidade, que x1 < x2. Aplicando o Teorema 154 (do Valor Intermediário) à função f no intervalo [x1, x2] conclúımos que existe x ∈ (x1, x2) tal que f(x) = y. Segue que y ∈ J . O próximo Teorema é leitura opcional. ⋆ TEOREMA 156. Seja I um intervalo não degenerado e f : I → R cont́ınua. Temos: i. Se f é injetiva, então f é monótona; ii. Se f é injetiva, então a função f−1 : J → I é cont́ınua. 108 CAPÍTULO 7. LIMITE E CONTINUIDADE PROPOSIÇÃO 147. (conjunto de funções cont́ınuas forma espaço vetorial e álgebra) Sejam f, g : A ⊂ R → R cont́ınuas e c ∈ R, então cf , f + g, f − g e fg são cont́ınuas. Além disto, a função f/g está definida e é cont́ınua nos pontos de A onde g não se anula. PROPOSIÇÃO 148. (compostas de funções cont́ınuas) Sejam f : A ⊂ R → R e g : B ⊂ R → A tais que f(A) ⊂ B. Se f é cont́ınua em x0 e g é cont́ınua em y0 = f(x0), então g ◦ f é cont́ınua em x0. Segue que se f e g são cont́ınuas, então g ◦ f é cont́ınua. Demonstração. Seja (xn)n∈N ⊂ A convergente para x0. Como f é cont́ınua temos que f(xn) → f(x0) = y0, e como g é cont́ınua em y0 temos que g(f(xn)) → g(y0) = g ( f(x0) ) . Segue que g ◦ f é cont́ınua em x0. PROPOSIÇÃO 149. (permanência de sinal) Seja f : A ⊂ R → R cont́ınua em x0 ∈ A. Se f(x0) < k ∈ R, então existe δ > 0 tal que f(x) < k para todo x ∈ A tal que |x−x0| < δ. Temos uma conclusão análoga se f(x0) > k. Vamos ver o conceito de continuidade utilizando a ideia de oscilação de uma função. DEFINIÇÃO 150. Dado um conjunto limitado X definimos seu diâmetro diam(X) = sup{|x− y|, x, y ∈ X}. Note que este conceito está bem definido em Rn, bastando trocar |x − y| por ‖x − y‖. De forma ainda mais geral, se tivermos uma distância d(x, y) bem definida, podemos trocar |x− y| por d(x, y). DEFINIÇÃO 151. Considere f uma função limitada. Definimos a oscilação de f : A→ R em x ∈ A por w(f ; x) = inf{diam (f(Bδ(x) ∩A)) ; δ > 0}. LEMA 152. (função cont́ınua e oscilação) Considere f : A→ R. A função f é cont́ınua em A se, e somente se, w(f ; x) = 0 para todo x ∈ A. Demonstração. Ver exerćıcio 20, p.115. Vamos apresentar o primeiro de três Teoremas que fazem a conexão entre topologia e funções cont́ınuas. Essencialmente diz que a imagem inversa de aberto é um aberto se a função é cont́ınua. TEOREMA 153. (imagem inversa de aberto é aberto) Seja A ⊂ R aberto. Então f : A→ R é cont́ınua se, e somente se, para todo aberto B, f−1(B) é aberto. Demonstração. Nesta demonstração vamos utilizar a Definição 145 de continuidade. Suponha f cont́ınua. Se f−1(B) = ∅ então é aberto. Caso contrário temos que provar que f−1(B) é aberto. Considere x0 ∈ f−1(B), que implica que f(x0) ∈ B, com B aberto por hipótese. Logo existe ε > 0 tal que Bε(f(x0)) ⊂ B. Pela continuidade da f em A, existe δ > 0 tal que f(Bδ(x0) ∩ A) ⊂ Bε(f(x0)) ⊂ B. Isto implica, aplicando f−1 dos dois 4.8. EXERCÍCIOS. 73 → 23. Considere a sequência an = n∑ i=1 1 i − ln(n). Prove que ela é monótona, decrescente e limitada inferiormente. Seu limite é chamado de constante gama de Euler, que vale aproximadamente 0.5772156649. É um problema aberto se γ é racional ou irracional. Dica: Use a definição de log através da integral ln(x) = ∫ x 1 dx/x e prove que 1n+ 1 < ln(n + 1)− ln(n) < 1n . Obs: A constante gama de Euler está relacionada com a função gama de Euler, conforme exerćıcio 24, p.161. ⋆ 24. (extra) A sequência de Fibonacci1 an+2 = an+1 + an modela o crescimento no número de casais de coelhos (sem mortes). Cada casal, após 1 ano de maturação, dá origem a um novo casal. A população que nasce num instante de tempo é igual a população que havia 2 anos antes devido ao tempo de maturação. Dividindo tudo por an+1 chegamos a relação entre as razões das populações em anos sucessivos rk = 1 + 1/rk−1. Normalmente assumimos que a0 = a1 = 1 mas, de todo modo, como trate-se de população podemos supor somente que a0, a1 > 0 (a) Prove que (rk) converge; Dica: Prove que 1 < rk < 2. Além disso, para k par (ou ı́mpar), rk é monótona. Expresse rk+2 − rk em função de rk+1 e rk−1. Defina ck = |rk+1 − rk|, prove que ck ≤ ck−1/(1 + ε). (b) Determine, analiticamente (isto é, de forma exata), o limite desta sequência. Dica: Passe ao limite dos dois lados e resolva a equação resultante. Encontraremos a famosa razão áurea Φ = (1 + √ 5)/2 ≈ 1, 618, que aparece em Artes e em Biologia. Conclúımos que an ≈ a0Φn. → 25. Aplicação de exponencial: Juros compostos cont́ınuos. Suponha um capital c investido com juros anuais de k por cento ao ano. Colocando α = k/100, após m anos, o valor total será c(1 + α)m (porque?). Agora se os juros forem computados mensalmente, a taxa mensal será de α/12 e o total será, após um ano, c(1 + α/12)12. E se quisermos computar por dia: c(1+α/365)365. Finalmente podemos computar por hora, minuto, segundo, etc. Qual será o total após um ano se computarmos juros compostos cont́ınuos? =⇒ 26. Demonstre o Teorema 89, p.57 (Bolzano-Weierstrass) de outra forma. Como an é limitada, existe M ∈ R tal que |an| ≤ M . Divida o intervalo [−M,M ] ao meio. Existirá uma infinidade de elementos da sequência em uma das metades. Proceda desta maneira para construir uma sequência de intervalos encaixantes cujo diâmetro vai para zero. ⋆ 27. (extra) Prove a versão 2D do Teorema de Bolzano: Toda sequência limitada no plano possui uma subsequência convergente. Dica: Assuma, sem perda de generalidade, que a região é um quadrado. Divida a região em quatro e prove que em pelo menos uma delas existe um número infinito de termos. ⋆ 28. (extra) Definimos o limsup e o liminf de uma sequência de conjuntos por: Asup = lim sup n→∞ An = ∞⋂ n=1 ( ∞⋃ i=n Ai ) e Ainf = lim infn→∞ An = ∞⋃ n=1 ( ∞⋂ i=n Ai ) . 1Leonardo Pisano Fibonacci: ⋆ 1170, Pisa, Itália – † 1250, Pisa, Itália 76 CAPÍTULO 4. SEQUÊNCIAS E SÉRIES Sugestão: Em 39(b) use 39(a) e considere separadamente os casos x < y, x > y e x = y. Use ainda a seguinte igualdade: ym − xm y − x = y m−1 + ym−2x+ · · ·+ yxm−2 + xm−1. Em 39(c) proceda por indução. Em 39(d) use 39(b) e em 39(e) use 39(d). Finalmente use a Proposição 88 em 39(f). ⋆ 40. (extra) (Frações continuadas1 Parte I: vide [St]) Considere uma sequência (ai) tal que ai ≥ 1 para i > 0 (a0 pode ser zero). Denotamos por 〈a0, . . . , ak〉 a expressão 〈a0, . . . , ak〉 := a0 + 1 a1 + 1 a2+ 1 a3+ 1 ... 1 ak . Seja bk = 〈a0, . . . , ak〉, definimos α = 〈a0, a1, . . . , 〉 através do limite α = lim k→+∞ bk = lim k→+∞ 〈a0, . . . , ak〉. Prove que: (a) 〈1, 1, 1, . . . , 〉 = (1 + √ 5)/2 ≈ 1, 618 (a chamada razão áurea); Dica: Defina f(x) = 1 + 1/x e prove que se α é a fração continuada, f(α) = α. (b) √ 2 = 〈1, 2, 2, 2, . . . , 〉; (c) √ 3 = 〈1, 1, 2, 1, 2, 1, 2, . . . , 〉. Obs1: Obtemos a sequência de d́ıgitos da fração continuada de a > 0 através do algoritmo: 0. Inicialize a com o número que queremos expandir em frações continuadas; 1. Prove ⌊a⌋ (parte inteira do número a); 2. Se a ∈ Z então vá para o passo 3. Senão a := 1/(a− ⌊a⌋) e vá para o passo 1; 3. Prove a e pare. Neste caso a fração NÃO é continuada, e sim finita, pois a ∈ Q. Fazendo isto obtemos que π = 〈3, 7, 15, 1, 292, 1, 1, 1, 2, 1, 3, 1, 14, . . . , 〉 γ = 〈0, 1, 1, 2, 1, 2, 1, 4, 3, 13, 5, 1, 1, . . . , 〉 e = 〈2, 1, 2, 1, 1, 4, 1, 1, 6, 1, 1, 8, . . . , 〉. Observe que destes, somente e possui um padrão. Obs2: Truncamentos da fração continuadas fornecem a melhor aproximação racional com o menor denominador posśıvel. Assim, como π = 〈3, 7, 15, 1, . . . , 〉, obtemos que π ≈ 3+1/7 = 22/7 ou 3+1/(7+1/15) = 333/106 ou 3+1/(7+1/(15+1/1)) = 355/113 (erro de 10−6!). Obs3: A fração obtida satisfaz |α−p/q| < 1/q2, isto é, o erro cometido pela aproximação é menor que 1/q2. Assim, com erro menor que 10−2, √ 2 ≈ 17/12, √ 3 ≈ 19/11, e ≈ 19/7, γ ≈ 4/7. Obs4: A expansão em frações continuadas é periódica se, e somente se, o número é raiz de uma equação do segundo grau com coeficientes inteiros. ⋆ 41. (extra) (Frações continuadas Parte II) Seja bk = 〈a0, . . . , ak〉 (fração continuada) com ai ≥ 1 para i > 0 (a0 pode ser zero). Nosso objetivo nesta sequência de exerćıcios é provar que a sequência bk é convergente. Para isto é conveniente definir bk e α k m de forma indutiva por: bk = α k 0 e { αkm = am + 1 αkm+1 ; m < k αkk = ak. 1Introduzidas em 1613 por Pietro Antonio Cataldi: ⋆ 15/04/1548, Bologna, Itália – † 11/02/1626, Bo- logna, Itália. 7.1. LIMITE DE FUNÇÕES. 105 lim x→x0 f(x) = k lim x→x0 f(x) = +∞ lim x→x0 f(x) = −∞ lim x→x+ 0 f(x) = k lim x→x+ 0 f(x) = +∞ lim x→x+ 0 f(x) = −∞ lim x→x− 0 f(x) = k lim x→x− 0 f(x) = +∞ lim x→x− 0 f(x) = −∞ lim x→+∞ f(x) = k lim x→+∞ f(x) = +∞ lim x→+∞ f(x) = −∞ lim x→−∞ f(x) = k lim x→−∞ f(x) = +∞ lim x→−∞ f(x) = −∞ Tabela 7.1: Os quinze tipos de limite. O limite que aparece na primeira linha e primeira coluna já foi definido. Os outros são definidos com pequenas adaptações. O importante é entender o que significam limites iguais a k, +∞ ou −∞ (cada um destes corresponde a um coluna da tabela), bem como o que representam os śımbolos x→ x0, x → x+0 , x→ x−0 , x→ +∞ e x→ +∞ (que correspondem às linhas). Façamos alguns comentários a este respeito. lim f(x) = k Como já vimos, isto significa que, por menor que seja ε > 0, podemos concluir que |f(x)− l| < ε desde que x que verifique certa condição. lim f(x) = +∞ Significa que, por maior que sejaM > 0, podemos concluir que f(x) > M desde que x que verifique certa condição. lim f(x) = −∞ Significa que, por maior que seja M > 0, podemos concluir que f(x) < −M desde que x que verifique certa condição. x→ x0 Como já vimos, isto significa que a condição sobre x é 0 < |x − x0| < δ para δ suficientemente pequeno. É necessário que x0 ∈ A \ {x0}. x→ x+0 Lê-se x tende a x0 pela direita. Significa que que a condição sobre x é 0 < x − x0 < δ para δ suficientemente pequeno. É necessário que x0 ∈ A ∩ (x0,+∞). x→ x−0 Lê-se x tende a x0 pela esquerda. Significa que que a condição sobre x é 0 < x0 − x < δ para δ suficientemente pequeno. É necessário que x0 ∈ A ∩ (−∞, x0). 104 CAPÍTULO 7. LIMITE E CONTINUIDADE Exemplo 7.5. Sejam f : R → R, dada por f(x) = x2 para todo x ∈ R, a ∈ R e (xn)n∈N ⊂ R \ {a} convergente para a. Temos então que f(xn) = x2n → a2. Como a sequência (xn)n∈N é arbitrária, conclúımos que lim x→a f(x) = a2. Aplicando a Proposição 140 e a Proposição 94, p.60 bem como o resultado do exerćıcio 5, p.70 demonstra-se facilmente a próxima proposição. PROPOSIÇÃO 141. (propriedades do limite) Sejam f, g : A ⊂ R → R e c ∈ R. Se lim x→x0 f(x) = k ∈ R e lim x→x0 g(x) = m ∈ R, então: i. lim x→x0 ( f(x) + g(x) ) = k +m; ii. lim x→x0 ( cf(x) ) = ck; iii. lim x→x0 ( f(x)− g(x) ) = k −m; iv. lim x→x0 ( f(x)g(x) ) = km; v. se m 6= 0, então lim x→x0 f(x)/g(x) = k/m. Demonstração. Deixamos para o leitor. Terminamos esta seção com uma propriedade útil sobre limites. PROPOSIÇÃO 142. (permanência do sinal) Seja f : A ⊂ R → R. Se lim x→a f(x) = k < m, então existe δ > 0 tal que f(x) < m para todo x ∈ A tal que 0 < |x − a| < δ. Uma conclusão análoga vale quando k > m. Demonstração. Tomando ε = m − k > 0 na definição de limite, obtemos δ > 0 tal que |f(x)− k| < m− k se x ∈ A e 0 < |x− x0| < δ. Ora f(x)− k ≤ |f(x)− k| < m− k =⇒ f(x) < m. Já vimos um tipo de limite (a saber, lim x→x0 f(x) = k). Veremos os outros quatorze. Todos eles estão presentes na Tabela 7.1 (onde x0 e k denotam números reais e f é uma função real de doḿınio A ⊂ R). 4.8. EXERCÍCIOS. 77 Prove que: (a) Para todo k, j > m, αjm − αkm = αkm+1 − αjm+1 αjm+1α k m+1 ; (b) bk+2 − bk = (−1)k α k+2 k − αkk αk+21 α k 1α k+2 2 α k 2 · · ·αk+2k αkk ; (c) |bk+1 − bk| = (ak+1) −1 αk+21 α k 1α k+2 2 α k 2 · · ·αk+1k αkk ; Dica: Para (a) utilize a definição de αkm. Para (b) e (c) utilize o item (a). (d) 0 < bk < a0 + 1, isto é, (bk) é limitada; (e) A sequência b2k é crescente e b2k+1 é decrescente; (f) Quando k vai para infinito, bk+1 − bk → 0; Dica: Considere o conjunto A = {m ∈ N; am > 2}. Este conjunto pode ser finito ou infinito. (g) Conclua que bk é convergente. Obs: Para provar a convergência não é necessário supor que ai ∈ N, embora isto ocorra na expansão em frações continuadas. 4.8.2 Séries =⇒ 42. Determine se converge ou diverge cada uma das séries abaixo: (a) ∑ 1 nn ; (b) ∑ n! nn ; (c) ∑ 1√ n(n + 1) ; (d) ∑ 1 1 + n2 ; (e) ∑ n 2n ; (f) ∑ n+ 2 n(n+ 1) ; (g) ∑ 1 (log(n))α para α ∈ R; (h) ∑ 1 log n ; (i) ∑ 1 n2 log n ; (j) ∑ 1 (logn)n ; (k) ∑ sen2(π(1 + 1/n)); (l) ∑ 1 (logn)logn ; (m) ∑ logn n . Dica: (b) ≤ 2/n2; (k) use teorema do valor médio; (l) (log n)logn = nlog(log n) que é maior que 2 para n grande. 43. (representação decimal) Seja an sequência de inteiros entre 0 e 9. Prove que ∞∑ n=1 an10 −n existe (e está entre 0 e 1) ([Sp] p.407 no.4(a)). ♯ 44. (dif́ıcil) Determine se converge ou diverge cada uma das séries abaixo ([Sp] p.406 no.2): (a) ∞∑ n=1 2nn! nn ; (b) ∞∑ n=1 3nn! nn ; (c) ∞∑ n=1 ann! nn . Dica: (c) converge se a < e, diverge se a > e. 45. Determine, segundo o valor do parâmetro a > 0, a natureza da série ∑ (n!)2 (2n)! an. 78 CAPÍTULO 4. SEQUÊNCIAS E SÉRIES =⇒ 46. Seja ∑ xn uma série convergente de termos positivos. Prove que =⇒(a) ∑ (x2n) é convergente; (b) se lim inf n→+∞ yn > 0, então ∑ xn yn é convergente. → 47. Use o resultado do exerćıcio 3(f), p.26 para provar que a série harmônica diverge. → 48. Prove que o teste da razão e o teste da raiz não servem para decidir a convergência/divergência da série ∑ 1/np para qualquer p. → 49. Suponha que xn = p(n)nr q(n) com p e q polinômios e r ∈ R. (a) Prove que o critério da razão e da raiz não decidem convergência de ∑ xn; (b) Enuncie e prove um teorema que garanta a convergência ou divergência de ∑ xn em função dos graus dos polinômios e de r. Dica: use critério da comparação. → 50. Prove que se∑ xn é absolutamente convergente e (yn)n∈N é limitada, então ∑ (xn · yn) é absolutamente convergente. 51. Prove que se ∑ an é absolutamente convergente ([Sp] p.409 no.10 e 11): (a) e bn é subsequência de an então ∑ bn é absolutamente convergente; (b) | ∑ an| ≤ ∑ |an|. =⇒ 52. Prove que ∑ senn n2 é convergente. Você consegue generalizar este resultado para séries do tipo ∑ f(n) n2 , sob que hipótese sobre f : R → R? =⇒ 53. Sejam (xn)n∈N e (yn)n∈N duas sequências positivas tais que lim n→+∞ xn yn = c ∈ R \ {0}. Prove que ∑ xn converge se, e somente se, ∑ yn converge. =⇒ 54. O objetivo deste exerćıcio é provar o Critério de Leibniz1 que diz: se (xn)n∈N é uma sequência decrescente de números positivos convergente para 0, então a série ∑ (−1)n+1xn é convergente. Considere a sequência de somas parciais (Sn)n∈N da série ∑ (−1)n+1xn. Prove que (a) (Sn)n∈N é limitada; (b) (S2n−1)n∈N e (S2n)n∈N são monótonas. Conclua que estas sequências são convergentes para o mesmo limite s; (c) ∑ (−1)n+1xn é convergente. =⇒ 55. Use o Critério de Leibniz para dar um exemplo de uma série que é convergente mas não é absolutamente convergente. 56. Prove que a série 1− 12 + 1 3 − 1 4 + 1 5 · · · é convergente. Obs: Está série converge para ln(2). Expanda ln(x+ 1) utilizando série de Taylor. =⇒ 57. Considere a série 1− 13 + 1 5 − 1 7 + 1 9 · · · . Prove que: 1Gottfried Wilhelm von Leibniz: ⋆ 01/07/1646, Leipzig, Alemanha - † 14/11/1716, Hannover, Alemanha. 7.1. LIMITE DE FUNÇÕES. 103 QED1. Exemplo 7.4. Sejam f : R → R, dada por f(x) = x2 para todo x ∈ R, e x0 ∈ R. Mostremos que lim x→x0 f(x) = x20. Fixado ε > 0, tomamos δ = min{1, ε/(2|x0| + 1)}. Desta forma, se 0 < |x− x0| < δ, então |x| < |x0|+ δ ≤ |x0|+ 1. Além disto, |f(x)− x20| = |x2 − x20| = |x− x0| · |x+ x0| < δ(|x|+ |x0|) < δ(2|x0|+ 1) ≤ ε. O exemplo anterior pode induzir o leitor a pensar que achar δ em função de ε e de x0 é uma tarefa sobrenatural. Normalmente, rascunha-se a demonstração de trás para frente: sabendo que devemos obter |f(x)− k| < ε, procuramos saber quão grande pode ser |x− x0| (i.e., qual deve ser o valor de δ) para que cheguemos a esta conclusão. Em seguida, passamos a limpo a demonstração e, já sabendo qual é o valor de δ, simplesmente dizemos: “seja δ =Abracadabra. . . ” Porém, dependendo da função, mesmo que achar o valor de δ não seja mágica, tal tarefa pode ser bastante enfadonha. Uma alternativa é fazer uso das proposições a seguir. Elas facilitam as demonstrações de existência e os cálculos dos limites, sem necessidade de manipular ε’s e δ’s. PROPOSIÇÃO 140. (limites por sequências) Sejam f : A ⊂ R → R e x0 ∈ A \ {x0}. Então, lim x→x0 f(x) = k se, e somente se, lim n→+∞ f(xn) = k para toda sequência (xn)n∈N ⊂ A \ {x0} convergente para x0. Demonstração. Suponhamos que lim x→x0 f(x) = k e mostremos que se (xn)n∈N ⊂ A \ {x0} e xn → x0, então f(xn) → k. Seja ε > 0. Por hipótese, existe δ > 0 tal que x ∈ A, 0 < |x− x0| < δ =⇒ |f(x)− k| < ε. (7.1) Ora, xn → x0, logo, existe N ∈ N tal que se n ≥ N , então |xn − x0| < δ. Assim, para n ≥ N , ao tomar x = xn em (7.1) obtemos |f(xn)− k| < ε. Conclúımos que f(xn) → k. Reciprocamente, suponhamos que seja falso que lim x→x0 f(x) = k. Isto significa que existe ε > 0 tal que ∀δ > 0, ∃x ∈ A tal que 0 < |x− x0| < δ e |f(x)− k| ≥ ε. (7.2) Para cada n ∈ N, ao tomar δ = 1/n em (7.2) obtemos xn ∈ A tal que 0 < |xn − x0| < 1 n e |f(xn)− k| ≥ ε. Constrói-se desta maneira uma sequência (xn)n∈N ⊂ A \ {x0} convergente para x0 sem que f(xn) → k. Absurdo! Vejamos como esta proposição facilita o cálculo de limites. Retomemos o Exemplo 7.4, mostrando o mesmo resultado sem manipular ε’s e δ’s. 1QED, abreviação de “quod erat demonstrandum” que, em latim, significa “como queŕıamos demonstrar”. 100 CAPÍTULO 6. TOPOLOGIA DE R Caṕıtulo 5 Construção dos conjuntos numéricos 5.1 Relação de equivalência. Antes da definição formal vamos explorar o conceito de forma intuitiva. A metáfora que utilizaremos será a de uma prato, representando um conjunto, onde seus elementos são os átomos que o constituem. Joguemos este prato no chão para quebrá-lo! Ele se partirá e teremos cacos de diversos tamanhos no chão. Pensemos agora neste novo conjunto, onde cada elemento é um caco (ao invés de um átomo). Denotaremos por C este conjunto dos cacos do prato, e por P o conjunto de átomos do prato. A ideia importante é ver que o conjunto P foi partido, formando um novo conjunto C, onde os elementos são cacos. P C Agora temos que para quaisquer átomos a, b e c pertencentes ao prato P : i. Cada átomo pertence a um caco. ii. Se a pertence a um mesmo caco que b então b pertence ao mesmo caco que a. iii. Se a pertence ao mesmo caco que b, b pertence ao mesmo caco que c, então a pertence ao mesmo caco que c. Agora começaremos a definir os termos técnicos associados a estas ideias intuitivas. Uma relação é uma propriedade que dois elementos de um conjunto podem ter entre si. No caso em estudo a propriedade é pertencer ao mesmo caco. Denotaremos a ∼ b para dizer que o átomo a pertence ao mesmo caco que o átomo b. DEFINIÇÃO 115. Uma relação (binária) num conjunto A é um subconjunto R ⊂ A×A. Dados a, b ∈ A, dizemos que a e b estão relacionados se (a, b) ∈ R, denotado por a ∼ b. Exemplo 5.1. Alguns exemplos de relações (verifique!). Defina (a, b) ∈ R se: • a ≤ b para a, b ∈ R; 0Retirado de ÁLGEBRA: Um Guia de Estudo. Marco Cabral, 1991. Versão completa na internet. 81 82 CAPÍTULO 5. CONSTRUÇÃO DOS CONJUNTOS NUMÉRICOS • b = f(a) para a, b ∈ R e alguma f ; • a divide b para a, b ∈ N. DEFINIÇÃO 116. Uma relação “∼” num conjunto A será dita relação de equivalência quando respeitar as seguintes propriedades para todo a, b, c ∈ A: i. a ∼ a (reflexiva); ii. a ∼ b implica que b ∼ a (simétrica); iii. a ∼ b e b ∼ c implica que a ∼ c (transitiva). Leia novamente os itens (i), (ii) e (iii) relativos a átomo e caco dados acima e compare com a definição de relação de equivalência. Exemplo 5.2. A relação definida no conjunto das retas em R2, r ∼ s se, e somente se r e s são retas paralelas, é relação de equivalência (verifique!). Vamos denotar para cada átomo a ∈ P , o caco a que o átomo pertence por ā ∈ C. Este caco será chamado classe de equivalência de a. DEFINIÇÃO 117. Seja a ∈ A, ā = {b ∈ A; a ∼ b} ⊂ A será a classe de equivalência de a ∈ A. DEFINIÇÃO 118. O conjunto quociente é o conjunto das classes de equivalência de um conjunto, denotado por A/∼= {ā; a ∈ A} (lê-se A dividido pela relação de equivalência). Na nossa analogia, cada classe de equivalência de P (o prato) é um caco e o conjunto quociente é o conjunto dos cacos C, ou seja, P/∼= C. Note a mudança de ponto de vista: cada elemento de P é um átomo e cada elemento de C é um caco. Embora cada caco seja composto de átomos, os elementos de P e de C são distintos. Assim não é verdade que C ⊂ P ou P ⊂ C. Deste modo, o conjunto A e A/∼ não está contido um no outro, nem vice-versa pois seus elementos são distintos, conforme indicado na figura abaixo. A A/∼ Exemplo 5.3. (frações e Q) Seja F = {a/b; a, b ∈ Z, b 6= 0}, o conjunto das frações. São elementos de F : 2/3, 7/4, 10/5, 3/2, . . . Elementos distintos de F podem representar o mesmo elemento de Q. Por exemplo, 10/5 6= 2/1 (em F ) mas 10/5 = 2/1 (em Q). Dado um elemento de F podemos corresponder um único elemento de Q de maneira óbvia, no entanto um elemento de Q possui infinitas representações em F. Exemplo: 0.5 ∈ Q: 1/2, 2/4, 3/6, . . . Queremos que estes elementos de F sejam considerados equivalentes. Definimos a seguinte relação de equivalência (verifique!) em F : a/b ∼ c/d se, e somente se ad = bc (em Z). Desta forma definimos Q por F/∼. Ver detalhes na Seção 5.2.3. Exemplos de elementos de F/∼: {7/3, 14/6, 21/9, . . .}, {2/3, 4/6, 6/9, . . .}. 6.6. EXERCÍCIOS. 99 ♯ 28. (dif́ıcil) Consulte na internet (ou em algum livro) a definição do conjunto de Cantor. Prove que: (a) é não-enumerável; (b) tem interior vazio; (c) é compacto; (d) na base 3 os pontos não possuem o d́ıgito 1 exceto quando ele se repete infinitamente ao final, pois por exemplo 0, 202022222 . . . = 0, 20210000 . . . 6.6.3 Conjuntos densos =⇒ 29. Prove que se A ⊂ R é enumerável, então A∁ é denso em R. Conclua que irracionais e transcendentes são densos em R. → 30. Seja A o conjunto dos números reais da forma m/2n com m ∈ Z e n ∈ N. Prove que A é denso em R. 31. Prove que A é denso sse A∁ tem interior vazio ([L] p.149 no.25). ♯ 32. (dif́ıcil) Prove que se α ∈ R − Q então A = {m + nα; m,n ∈ Z} (em Álgebra denotamos A por Z[α]) é denso em R ([L] p.76 no.58). Dica: Ver exerćıcio 31, p.74. 98 CAPÍTULO 6. TOPOLOGIA DE R (a) são desconexos: Z, Q, R− Z e R−Q; (b) se J é conexo então J é um intervalo; (c) se J e K são conexos então J ∩K é conexo; (d) se J é conexo então J é conexo; (e) Dê exemplo em que A é conexo mas A não é conexo. Dica: (a) obtenha cisões não-triviais; (b) a = inf J e b = sup J . 6.6.2 Conjuntos compactos =⇒ 20. Sejam Ki ⊂ R compactos para i ∈ N e F fechado. Prove que: (a) ⋂ i∈N Ki é compacto; (b) n⋃ i=1 Ki é compacto; (c) F ∩K1 é compacto. 21. Sejam Fn ⊂ R uma sequência de conjuntos não-vazios satisfazendo Fn ⊂ Fn−1. Dê exemplos mostrando que ⋂ i∈N Fi pode ser vazia se ([L] p.148 no.22): (a) os Fi’s são apenas fechados; (b) os Fi’s são apenas limitados. =⇒ 22. Para cada um dos conjuntos abaixo, dê um exemplo de uma cobertura aberta que não possua subcobertura finita: (a) (0, 1]; (b) [0,+∞); (c) Z; (d) Q ∩ [0, 1]. → 23. Seja qi enumeração de Q. Prove que as bolas B 1 2i (qi) cobrem Q mas não cobrem R. → 24. Seja C uma coleção de abertos de R disjuntos dois a dois, i.e., se A,B ∈ C então A e B são abertos e A ∩ B = ∅. Prove que C é enumerável. Dica: Para cada A ∈ C existe um racional q ∈ A. Veja exerćıcio 31, p.29. 25. Sejam A ⊂ R e f : A → R. Dizemos que f é localmente limitada em x se existe ε > 0 tal que f restrita a Bε(x) ∩A é limitada. (a) para A = (0, 1) dê exemplo de f localmente limitada que não seja limitada em A; (b) prove que se A é aberto, o conjunto dos pontos x ∈ A tais que f é localmente limitada em x é aberto; (c) prove que se A é compacto e f localmente limitada para todo x ∈ A então f é limitada em A → 26. Seja f : R → R definida por f(x) = x se x ∈ R − Q, f(p/q) = q se p/q é fração irredut́ıvel com p > 0 e f(0) = 0. Prove que f é ilimitada em qualquer intervalo não-degenerado ([L] p.172 no.17). Dica: Veja exerćıcio 17(f), p.115. ♯ 27. (dif́ıcil) Seja A ⊂ R qualquer. Prove que toda cobertura de A por abertos possui uma subcobertura enumerável (Teorema de Lindelöf1) ([L] p.150 no.44). Dica: Considere C a coleção de bolas com centro em qi ∈ Q e raio racional contida em algum elemento da cobertura. Prove que se x ∈ A ∩ Q∁, x ∈ B ∈ C e portanto existe δ (podemos assumir δ ∈ Q) tal que Bδ(x) ⊂ B. Por densidade, x ∈ Bδ/2(qi) para algum qi. 1Ernst Leonard Lindelöf: ⋆ 07/03/1870, Helsingfors, Império Russo (agora Helsinki, Finlândia) – † 04/06/1946, Helsinki, Finlândia. 5.2. CONSTRUÇÃO DOS CONJUNTOS NUMÉRICOS. 83 5.2 Construção dos conjuntos numéricos. 5.2.1 Construção de N. Não procederemos a esta construção básica, que consiste em axiomatizar os inteiros N com os axiomas de Peano. Para detalhes veja exerćıcio 5, p.27. Destes decorrem todas as propriedades de N. Para isto consulte [Ha] p.. 46. O mais importante na construção de Peano é a função sucessor, que a cada elemento de N associa o próximo. Seria como somar “mais um”. Define-se a soma por indução com a função sucessor, e o produto através da soma. Define-se também uma relação de ordem. 5.2.2 Construção de Z. Dada a existência de N podemos construir Z do seguinte modo: 1. Defina o conjunto Z ′ = N× N. 2. Defina em Z ′ a relação (a, b) ∼ (c, d) se, e somente se a + d = b + c. Prove que é relação de equivalência. 3. Defina Z = Z ′/∼. 4. Defina soma e produto em Z utilizando soma e produto em N: (a, b) +′ (c, d) = (a+ c, b+ d) e (a, b) ∗′ (c, d) = (a ∗ c+ b ∗ d, b ∗ c+ a ∗ d) Verifique que as operações estão bem definidas e que o elemento neutro da soma é (0, 0). 5. Verifique que, ao contrário de N, todo elemento terá inverso aditivo: dado (a, b) o inverso aditivo é (b, a). 6. Verifique, utilizando propriedades correspondentes em N, que valem as propriedades: Comutatividade, associatividade, distributividade etc. 5.2.3 Construção de Q. Dada a existência de Z podemos construir Q do seguinte modo: 1. Defina o conjunto Q′ = Z×Z∗, onde Z∗ = Z\{0}. Q′ é formado por pares ordenados (a, b) que serão denotados por a/b. 2. Defina em Q′ a relação (a/b) ∼ (c/d) se, e somente se a ∗ d = b ∗ c Prove que é relação de equivalência. 3. Defina Q = Q′/∼. 4. Defina soma e produto em Q utilizando soma e produto em Z: a/b∗′c/d = (a∗c)/(b∗d) e a/b+′ c/d = (a ∗ d+ b ∗ c)/(b ∗ d). 5. Verifique se as operações estão bem definidas, isto é, tomando x1, x2, y1, y2 ∈ Q′, com x̄1 = x̄2 e ȳ1 = ȳ2, verificar se x̄1+ ′ ȳ1 = x̄2+ ′ ȳ2 (mesmo para o produto). Não procederemos com esta verificação, mas o leitor poderá recorrer a [Ga], p.38. Observação 5.1 Quando falamos que x̄1 = x̄2 queremos dizer que tomamos dois repre- sentantes da mesma classe de equivalência, ou seja, x1 = a/b, x2 = c/d, com a∗ d = b∗ c. Por exemplo x1 = 9/6 e x2 = 18/12.
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