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Nunes - E-de - O-A - gramatica - politica - do - Brasil - clientelismo - e-insulamento - burocratico, Notas de estudo de Ciências Sociais

unes - E-de - O-A - gramatica - politica - do - Brasil - clientelismo - e-insulamento - burocratico

Tipologia: Notas de estudo

2015

Compartilhado em 27/10/2015

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Baixe Nunes - E-de - O-A - gramatica - politica - do - Brasil - clientelismo - e-insulamento - burocratico e outras Notas de estudo em PDF para Ciências Sociais, somente na Docsity! •M B H B B H H H H B i Edson Nunes A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL Clientelismo e Insulamento Burocratico Prefacio de Luiz CARLOS BRESSER PEREIRA Prefacio a terceira edi9ao de RENATO LESSA terceira edifao Jorge Zahar Editor Rio de Janeiro State building: intervencao na economia 55 State building: o longo impacto dos obstaculos internationals 60 Capitulo 4: CAPITALISMO, PARTIDOS POLfriCOS E INSULAMENTO) BUROCRATICO NO REGIME POS-45 " 67 Partidos mobilizados internamente 68 Implicates da mobiliza9ao de dentro: a institucionalizasao do clientelismo 77 Em busca da racionalidade: politicos versus tecnicos 80 Capitulo 5: MUDANgA DENTRO DA CONTINUIDADE: VELHAS E NOVAS ARENAS POLITICAS NO PERIODO POS-GUERRA 95 Velhas e novas arenas: preparando o cenario para a moderniza$ao liderada pelo Estado 95 Insulamento burocratico: a combinacao de velhos e novos atores para a modernizacao liderada pelo Estado 98 Uma ideologia instrumental: o nacional-desenvolvimentismo 702 Decisoes instrumentais e recursos economicos crescentes 106 Sincretismo politico no governo JK 108 Conclusao: a combina§ao das gramaticas como um ato de malabarismo 772 CONCLUSAO: O SlSTEMAEM QUESTAO: CONTINUIDADE, MUDANQAE PERSPECTIVAS 779 Intera§ao entre as gramaticas 720 Uma visao da abertura politica 725 ANEXO 131 BlBLIOGRAFIA 735 LlSTADE QUADROS & TABELAS QUADRO 1 — Propriedade vs. Controle dos Meios de Produc,ao no Socialismo, Corporativismo, Sindicalismo e Capitalismo . . 39 FIGURA 1 — Tipos de Gramaticas para Relagoes Estado vs. Sociedade 42 QUADRO 2 — Industrias e Services Pertencentes ao Estado e Administrados pela Burocracia Estatal, 1942 58 QUADRO 3 — Industrias e Services Pertencentes ao Estado e Nao-Administrados pela Burocracia Estatal, 1942 59 GRAFICO 1 — Brasil: 1900-1943, Taxa de Importac.ao como Porcentagem dos Rendimentos do Estado 60 TABELA 1 — Filiac.ao Partidaria de Ministros, 1945-1963 72 TABELA 2 — Coalizoes nas Eleic.5es para Governadores 73-4 TABELA 3 — UDN, PSD, PTB: Tipos de Participate nas Elei<j5es para Governadores, 1947-1965 75 TABELA 4 — Filiagao Partidaria de Governadores Eleitos em 1978 76 QUADRO 4 — Partidos Politicos Comparados Segundo a Base Social e os Tipos de Incentives Partidarios 78 QUADRO 5 — Partidos Politicos no Brasil: Tipos de Mobilizaqao e Orientac.ao 79 GRAFICO 2 E TABELA 5 — Brasil: Origem dos Governadores por Eleiqao, 1946-1978 83-84 GRAFICO 3 E TABELA 6 — Origem Politica dos Ministros por Perfodo Presidencial, 1945-1982 84-85 QUADROS 6 E 7 — Ministerios Poh'ticos vs. Ministerios Tecnocratico-Militares Classificados Segundo a Origem dos Ministros Antes e Depois de 1964 87 TABELA 7 — Origem dos Ministros "da Casa", 1964-1982 88 TABELA 8 — Estabilidade Ministerial, 1946-1980 89 TABELA 9 — Tecnoburocratas com Experiencia Legislativa 91 FIGURA 2 — Mudanga na Continuidade: Clientelismo e Insulamento Burocratico no Brasil Contemporaneo 114 QUADRO 8 — Brasil: Compatibilidade das Relagoes entre Gramaticas na Interagao Estado vs. Sociedade 126 NOTA DO AUTOR Desejo agradecer aos amigos, colegas e instituicoes que, de muitas manei- ras, ajudaram a concretizar o presente livro. Sua versao original constituiu tese de doutoramento em ciencia politica na Universidade da California, Berkeley. Meu comite de tese foi de inestimavel importancia. Giuseppe Di Palma representou um exemplo intelectual a ser emulado. Linda Lewin produziu comentarios detalhados e impediu-me de cometer varies erros. David Collier, orientador, merece uma referenda especial. E lei tor impie- doso. Pagina apos pagina, sentenga por sentenga, ofereceu comentarios generosos e abundantes. A estrutura deste trabalho foi aperfeigoada pelo seu competente entendimento do que eu estava fazendo e queria fazer. Sua insistencia com a precisao, elegancia e parcimonia foi de extrema valia. Este texto beneficiou-se, em varies estagios, dos comentarios de Albert Fishlow, Barbara Geddes, Ben Schneider, Emanuel Adler, Guillermo O'Donell, Jose Brakarz, Jose Lavareda, Leslie Armijo, Luiz Roninger, Maria Hermfnia Tavares de Almeida, Renato Boschi, Roberto Da Malta, Ruth Cardoso, Simon Schwartzman. Marcia Bandeira contribuiu de ma- neira unica para a realiza$ao deste trabalho. A estes colegas, o meu agradecimento. Publico este livro na mtegra, anos apos sua conclusao. O convite para publica-lo veio de Luiz Carlos Bresser Pereira, a quern sou grato. Contra- ditdrio, o ministro Bresser Pereira. Convida-me a publicar o trabalho e, em seguida, torna-o desnecessario. Escreveu prefacio tao concise e com- petente que bem poderia dispensar a leitura do livro. Nao fosse o talento de Lucia Hippolito, esta tradugao ainda manteria o jeitao de tese. Lucia, alem de brilhante tradutora, e atenta leitora e feroz critica. Monica Grin foi de inestimavel ajuda na produgao do texto final. 2 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL Quando sai do Brasil em 1979 para o doutoramento, provisoes adminis- trativas e politicas vigentes impediam a concessao de bolsa e a viagem daqueles estudiosos suspeitos de infidelidade ideologica ao regime militar. Ja naquele momento — e isto agravou-se com o passar dos anos —, nao dispunha de apreciavel taxa de fidelidade ideologica nenhuma, muito menos ao governo militar. Nao fosse a decidida atuacao de um conjunto de colegas, alem da bolsa da Fundacao Ford, eu nao teria saido do Brasil. Devo esta oportunidade a Wanderley Guilherme dos Santos, Mario Ma- chado, Edmundo Campos, Cesar Guimaraes, Gilberto Velho, Roberto Da Matta e Shepard Forman. Meu ingresso em Berkeley, apos deixar a Universidade de Chicago, dependeu do apoio de Alexandre Barros, Ho- ward Becker e David Collier. O retorno a minha instituicao de origem, Conjunto Universitario Can- dido Mendes, apos valioso interregno no exterior e em postos governa- mentais, devo ao decidido e cordial apoio, a renovada confian§a e ao acicate profissional e intelectual de Candido Antonio Mendes de Almeida. Precisei registrar o passado nessa nota (Wanderley, Edson Luiz e Laura sao 13905 atemporais). Quero encerra-la, contudo, com uma visao otimista, esperancosa. Dedico este livro a Eduardo e Rafael. O futuro. PREEACIO A TERCEIRA EDICAO A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL, OU UMA BIOGRAFIA DO BRASIL REPUBLICANO Coube a Luiz Carlos Bresser Pereira, no prefacio a primeira edigao deste livro, a cunhagem de concise e luminoso jufzo a respeito do texto de Edson Nunes: "E uma das mais instigantes e originais analises da politica brasileira." O comentario de Bresser, ja idoso de seis anos, segue absolu- tamente pertinente. Suspeito que seja definitivo. Com efeito, o texto que deu origem ao livro, produzido como tese de doutoramento em ciencia politica, em Berkeley, no im'cio da decada de oitenta, mantem sua origina- lidade e sua capacidade incomum para interpretar a experiencia ins- titucional e civilizatoria brasileira, a partir dos anos trinta. Mas, antes de qualquer incursao textual mais detalhada, cabe a pergun- ta: de que genera, afinal, se trata? Em outros termos, a que tradicao analftica o exercicio de Edson Nunes esta, de algum modo, vinculado? A pergunta por certo nao e tecnica ou muito menos inocente. Olho ao meu redor e constato o impressionante progresso obtido, nas decadas recentes, no campo das ciencias sociais brasileiras. Mas esse reconhecimento e como que travado pela percep£ao de que os avan£os registrados dizem mais respeito a investiga96es sobre processes, institui§oes e, em uma palavra, fenomenos "locais" e especificos do que tentativas de smtese, de visao de conjunto ou de exercicios "epicos", para usar a expressao de Sheldon Wolin, capazes de instaurar novos conjuntos de fenomenos e novas etiologias. As visoes de conjunto, motivadas por grandes perguntas — quern somos, de onde viemos, para onde vamos, que futuro nos espera, entre tantas outras —, parecem ter sido relegadas as antigas artes do ensaismo, um exercicio intelectual movido por apostas, idiossincrasias e, com fre- qiiencia, desespero. O texto de Edson Nunes, a meu jufzo, pertence a um A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL dade estrategica, que o Estado brasileiro manteve ate o fim dos anos oitenta. As principals agendas publicas que sustentaram a modernidade no pais decorreram de arranjos pelos quais se pretendeu evitar a captura politica, corporativista e clientelistica. A analise de Edson Nunes e fundamental para o entendimento da dinamica do primeiro experimento democratico brasileiro, o da Republica de 1946. O desempenho eleitoral e politico dos dois principals partidos daquele regime — o PSD e o PTB — nao pode ser adequadamente avaliado sem o jogo contraditorio e complementar das gramaticas do clientelismo, do corporativismo e do universalismo. Quanto a UDN, vale a percep§ao do trajeto que vai da defesa asseptica do universalismo a aberta escolha da subversao da ordem, sem que a auto-imagem de vestal tenha impedido, em muitos aquis e alis, o uso de gramaticas abjetas. For fim, a indagagao de Bresser Pereira, em seu belo prefacio, e incontornavel: "Qual e a relevancia dessa analise para o tempo presente?" Concordo com Bresser em sua avalia?ao do estado atual do corporativis- mo: nos tempos que correm ele assume fisionomia marcadamente social. Trata-se de organizar e definir interesses corporativos basicos, a partir da dinamica propria das diferentes identidades sociais. O modelo e distinto daquilo que os analistas designam como "corporativismo estatal", no qual o poder piiblico define e autoriza a expressao corporativa daquelas identi- dades. Esse, digamos assim, novo corporativismo e perene e decorre da propria energia associativa de sociedades nas quais nao vigoram restri9oes a liberdade de organiza§ao. Nesse sentido, a retorica oficial brasileira "anticorporativista", em tempos recentes, manifesta certa dificuldade em reconhecer as implica§6es plenas do direito a organiza§ao de interesses. O clientelismo segue sendo uma gramatica basica na sociedade brasi- leira, sobretudo se for compreendido, tal como o faz Edson Nunes, como um padrao especifico de troca social. E mais, as dimensoes do mercado politico brasileiro — megaeleitorado cum alta competitividade politica — permitem supor a perenidade dessa gramatica. Mesmo as eleigoes de 2002 que, na avaliacao de Fernando Henrique Cardoso, significaram uma opc.ao pela modernidade politica e social, acabaram abrigando escolhas eleitorais de evidente conteudo clientelistico, em unidades importantes da federa^ao, tais como Rio de Janeiro e Distrito Federal. Quanto ao insulamento burocratico, a chamada "reforma do estado" — proposta doutrinaria que acabou ganhando foros de subarea da ciencia politica —, empreendida desde o governo Collor e durante os dois man- dates de Fernando Henrique Cardoso, dissolveu varias de suas agendas e instituigoes centrais. O processo de privatizagao de importantes empresas PREFACIO A TERCEIRA EDigAO 9 publicas reduziu a capacidade estrategica do Estado. Uma agenda estatal decisiva para a defmic.ao e implementa9ao de estrategias de desenvolvi- mento, o BNDES, teve sua agenda alterada, passando a operar como organizador do processo acima mencionado. As agendas reguladoras, que seriam marcas do novo modelo gerencial de administra9§o, parecem constituir novos modos de insulamento, na medida em que nao possuem formas claras de responsabilizafao e controle social. A "reforma do estado" que teria alterado para melhor o mapa gramatical brasileiro acabou por exibir uma face prioritariamente negativa: sua agen- da destrutiva foi mais nftida. O novo modelo nao chegou a ser exibido, a despeito da notavel produ9ao doutrinaria a respeito. De qualquer forma, o novo Estado foi decisivo para permitir a integra§ao brasileira no sistema economico e financeiro internacional. Nesse aspecto, com certeza, houve funcionalidade. Todo o problema parece residir no fato de que esse novo modelo, alterando a configura9§o tradicional do Estado brasileiro, nao foi capaz de proporcionar crescimento. A pergunta para o futuro, entao, deve ser a seguinte: mantidas, com os devidos aggiornamenti, as gramaticas basicas do clientelismo, do corpo- rativismo e do universalismo de procedimentos — este ultimo potenciali- zado pelo processo de consolida9ao da democracia —, como definir um formato para o Estado brasileiro que permita que este retome sua capaci- dade decisiva de indu9§o do crescimento? Se aceitamos o desafio da pergunta, o texto de Edson Nunes nao e apenas atual. Ele e de considera9ao compulsoria. Quer como exercicio academico sofisticado, quer como interpreta9ao do Brasil — ou como ambos, por que nao? —, o leitor tern diante de si, a partir das proximas paginas, um brilhante convite para pensar o futuro do pai's. RENATO LESSA Visconde de Maud, fevereiro de 2003 PREFACIO POLITICA E INSULAMENTO BUROCRATICO NO BRASIL Muitas sao as teses de doutorado apresentadas por estudantes brasileiros no exterior. A grande maioria, embora revele esfor9o importante de pesquisa ou de formalizafao, morre nas bibliotecas das respectivas uni- versidades dado o carater pontual e freqiientemente irrelevante do tema que tratam. A tese de doutorado de Edson Nunes, apresentada em 1984 na Universidade da California, Berkeley, estava amea9ada de ter tambem esse destino. Um destine, entretanto, que neste caso seria injusto para o autor e para o Brasil, ja que este trabalho e uma das mais instigantes e originais analises da politica brasileira. Em boa hora, Jorge Zahar Editor e a Escola Nacional de Administra9ao Publica resolveram o problema publicando-a 13 anos depois. I O autor parte de um modelo basico: existem quatro padroes ins- titucionalizados de relafoes ou "quatro gramaticas" que estruturam os 13908 entre sociedade e Estado no Brasil. Sao elas: o clientelismo, o corporativismo, o insulamento burocratico e o universalismo de procedi- mentos. O clientelismo faz parte da tradi9§o secular brasileira e seus outros dois nomes sao patrimonialismo e fisiologismo; ja as outras tres institui- 9oes emergem nos anos 30, sob o governo de Getulio Vargas. A partir desse momento as quatro gramaticas passam a conviver e a se inter-relacionar. Sera esse compromisso, do qual Getulio Vargas e Juscelino Kubitschek serao os mestres, que ira viabilizar a constru9ao de um Estado nacional e a ocorrencia de um poderoso processo de industrializa9ao no Brasil. '; Essas quatro institui9oes politicas dividem o trabalho: o clientelismo e o corporativismo sao instrumentos de legitimidade politica; o insulamento burocratico, a forma atraves da qual as elites modernizantes tecnoburocra- ticas e empresariais promovem o desenvolvimento; o universalismo de 12 A GRAMATICA POLfTICA DO BRASIL procedimentos, a afirma9§o lenta de um regime burocratico rational-legal e eventualmente democratico. Digo eventualmente democratico porque o autor nao identifica o universalismo de procedimentos com a democracia. A instauragao do universalismo de procedimentos ocorreu no Brasil, no periodo analisado (1930-60), principalmente atraves de tentativas de re- forma do service publico e da implantac.ao de um sistema de merito. Embora as elites se julgassem portadoras legftimas de valores modernos e universalistas, nao estavam entao particularmente interessadas na demo- cracia. Ate os anos 60, elas estavam muito mais preocupadas com o desenvolvimento que entao se identificava com a industrializa9ao. A combinac, ao das quatro gramaticas ocorre de maneira variada, depen- dendo do momento. Vargas faz uso principalmente do corporativismo, atraves do qual organiza as relates do Estado com a sociedade, e do clien- telismo, que Ihe permite manter as velhas oligarquias polfticas sob contro- le. O insulamento burocratico e o universalismo de procedimentos, entre- tanto, ja estao presentes em seu primeiro governo. Em seu segundo governo e no governo Kubitschek, sera o insulamento burocratico que dara a tonica. O clientelismo sera dominante no governo Goulart. Nos governos militares, o insulamento burocratico volta a ser dominante, acompanhado pelo cor- porativismo, enquanto o clientelismo e colocado em segundo piano. O clientelismo existira em todos os momentos como uma forma de lidar com os pollticos, que no Brasil da epoca estudada sao intrinsecamente populistas, tendo seu comportamento reforcado pelo fato de que e um comportamento esperado e desejado por parte dos eleitores. O insulamento burocratico e a estrategia por excelencia das elites para driblar a arena controlada pelos partidos pollticos. A competencia tecnica da burocracia e o universalismo de procedimentos eram os meios para center a ir- racionalidade populista considerada entao inerente aos pollticos. O corpo- rativismo, atraves do qual o Estado intermediava os interesses de empre- sarios e trabalhadores, completava a estrategia de moderniza§ao. Nesse quadro, o clientelismo era ao mesmo tempo o instruments politico por excelencia para garantir a implementa§ao de polfticas modernas, o seu maior adversario. A polftica de moderniza§ao e desenvolvimento ficava a cargo da institui§ao do insulamento burocratico. Atraves dela os tecnoburocratas estatais se protegiam da influencia politica em agendas de governo como o DASP, onde pontificou a burocracia classica, como a SUMOC, dominada por uma tecnoburocracia nacionalista (Cleanto de Paiva Leite, Glycon de Paiva, Romulo de Almeida, Jesus Scares Pereira, Ignacio Rangel). Nao se imagine, entretanto, que estes homens eram apenas tecnicos. Eram teeni- PREFACIO 13 cos pollticos, que se envolviam permanentemente em estrategias polfticas para garantir sua autonomia sempre precaria. Embora concentrando sua analise no periodo de 1930 a 19_6£L_Edson Nunes prossegue pelo regime militar, mostrando, com dados muito claros, como foi enorme o aumento do insulamento burocratico nesse periodo. Deixa, entretanto, de dar a importancia necessaria ao Decreto-lei 200, de 1967, atraves do qual os militares tentam realizar uma reforma adminis- trativa pioneira, de cardter gerencial. A pergunta que cabe agora e: qual a relevancia dessa analise para o tempo presente? Tres mudan5as fundamentais ocorreram depois da analise contida neste livro: a sociedade civil ampliou-se, modernizou-se e tornou- se mais democratica. A democracia foi restabelecida em 1985 e, dez anos depois, em 1995, o governo Fernando Henrique Cardoso propos uma reforma administrativa centrada na ideia da transi?ao de uma adminis- tracao piiblica burocratica para uma administrafao publica gerencial. Com o retorno da democracia, reforca-se o universalismo de procedi- mentos, agora entendido de forma plena. Com sua contrapartida, o clien- telismo patrimonialista reaparece como pratica, embora cada vez mais condenado em termos de valor. O corporativismo, por sua vez, perde forga, deixando de ser uma forma de organizacao da sociedade intermediada pelo Estado, para se transformar em mera estrategia de defesa de interesses por determinados grupos sociais. E o insulamento burocratico e colocado em cheque como antidemocratico. Nesse quadro, a tecnoburocracia estatal perde poder na medida em que nao consegue mais legitimidade para se insular na polftica. Perde poder, alem disso, porque a queda do regime militar esta relacionada a uma profunda crise do Estado nacional-desen- volvimentista, que fora sua principal obra. Sua reacao diante da crise e da perda de poder e perversa: ela, que se propunha ser o princfpio de racionalidade na arena polftica brasileira, parte para a defesa irrational e logra, na Constituigao de 1988, eliminar todos os avan§os que haviam sido alcan9ados desde o Decreto-lei 200 na dire?ao de uma administragao polftica gerencial mais moderna e voltada para controle de resultados, ao inves do controle rigido dos processos. O retro- cesso burocratico, entao ocorrido, cria privilegios para a burocracia na forma de estabilidade plena e aposentadoria integral, engessa toda a administraQao publica tornando-a dramaticamente centralizada e inefi- ciente, e corroi a imagem da alta burocracia publica que tantos servifos prestara ao pafs. No piano polftico, por sua vez, ocorre um grande avanco democratico. O clientelismo continua presente nos partidos polfticos, mas a critica da 18 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL Meu argumento e o de que a institucionalizacao das quatro gramaticas progrediu de maneira desigual atraves do tempo, tomando-se como ponto de partida o primeiro governo Vargas (1930-45). Na decada de 30, a legislacao corporativista surgiu como um esforcjo para se criar uma soli- dariedade social e relacpes pacificas entre grupos e classes, onde nao teriam lugar a tradicional divisao entre partidos politicos nem os erros da ordem economica liberal. Em 1933 o Brasil elegeu uma Assembleia Constituinte permeada pela representacao corporativista. 0 regime de 1934 foi substituido por uma ditadura, em 1937, mas os dispositivos corporativistas estao em vigor ate hoje: nao criaram a solidariedade social entao desejada, mas fimgjpjnataai .corno poderoso instrumento de controle e atrelamento do trabalho _ap Estado. j No periodo pos-30, um processo de centralizagao politica desenvolveu- se paralelamente a instauracao dos regulamentos corporativistas, retirando dos estados e municipios quase todos os meios para o exercicio da politica clientelista e transformando o governo federal no mais poderoso ator politico do periodo. x De 1937 emjdiante, quando_s£ .consoliHmi a._difadiira.,_as_nQtm.as corporativistas intensificaram-se. e fortalece_UrSe_a_cejitraIizacaQj^Q-en=-- , tanto, centralizagao e corporativismonaQ_cQnsgguiram destruir o cliente- Ijsmo. Ao contrario. geraram novos recursos^para_sua_pEatica^£e.cursos- agora administradospelo governo federaL, TTEstado Novo (1937-45) procurou tambem alterar as bases tradicio- nais do Estado brasileiro atraves de uma reforma do servi$o piiblico baseada no universalismo de procedimentos. O novo regime criou, ainda, um corpo tecnico, isolado das disputas politicas, para assessora-lo na formulacao de politicas. Um de meus objetivos nesse livro e examinar o legado da decada de 30, no qual o corporativismo constitui, sem duvida, uma de suas parcelas mais importantes. As tentativas de implantacjao tanto do universalismo de procedimentos quanto do insulamento burocratico nao foram tao bem-sucedidas nem tiveram tanto apoio quanto os regula- mentos corporativistas. O regime democratico de 1946 emergiu quando uma das novas grama- ticas, o corporativismo, ja se encontrava em pleno funcionamento ao lado da antiga, o clientelismo. Os novos partidos politicos, criados com a redemocratizagao, fizeram largo uso do clientelismo em seu processo de constituigao, renovando e reforgando, portanto, esta antiga gramatica. O universalismo de procedimentos foi menosprezado, mas o corporativismo foi mantido. INSTITUigOES, POLITICA E ECONOMIA Os anos que se seguiram a instalagao do regime democratico foram anos de construcao partidaria, em que os recursos do Estado desempe- nharam um papel crucial. Dos tres mais importantes partidos que emergi- ram no periodo, apenas um nao teve acesso a esses recursos desde o infcio. O PSD e o PTB, partidos criados no interior do aparelho de Estado, formaram uma "coalrzao de fato" para a patrtihagem, enquanto a UDN jamais encon- trou sua verdadeira identidade e oscilou entre tentativas de participagao na politica clientelista e posturas em def esa do universalismo de procedimen- tos, da moralidade publica e das regras do mercado. As elites modernizantes encaravam esta coalizao de fato para a patro- nagem como um obstaculo ao progresso. Ja que o universalismo de proce- dimentos ainda nao era suficientemente forte para desalojar a ordem tra- dicional controlada pelos partidos politicos, a solucao pareceu ser acriacao de uma burocracia insulada^jij'imjde perse_guir_a realizacao de politicas que nao ̂ fosse^Timltadas. _ _ciL_As agendas protegidas pelo insulamento burocraticq rnostraram-se _disrjostas a manter procedimentos _tecnicos e uma certa dose de universa- de seus funcionarios._ No inicio da decada de 50 foram criadas varias agendas insuladas, em meio a um intense debate entre nacionalistas e internacionalistas. As novas agendas, embora tecnicamente competentes, eram profundamente politi- zadas e pautaram suas atividades por opcoes politicas claras, atitude que tambem influenciou o recrutamento de seu pessoal. Na formulagaq e implementa5ao das politicas economicas que conduziram a consolidacao do processo de industrializacao, algumas agencias tinham um forte traco nacionalista, enquanto outras apresentavam uma tendencia mais "cosmo- polita". Dois presidentes da decada de 50, Geailio Vargas e Juscelino Kubits- chek, beneficiaram-se da operacao competente dos dois tipos de agencias, utilizando, ao mesmo tempo, o corporativismo e o clientelismo entre outras arenas politicas. Gragas a habilidade na manipulacao de instituigoes fundadas em logicas diferentes, os dois presidentes coonestaram e incen- tivaram a institucionalizagao de um sistema politico multifacetado no Brasil. A partir dos anos 50, clientelismo, corporativismo, insulamento burocratico e universalismo de procedimentos desempenharam, atraves de diferentes formas institucionais, um papel fundamental na vida politica do pafs. Sintetizando, meu objetivo e mostrar como a introdu$ao do capitalismo moderno no Brasil interagiu com a cria$ao de um sistema institucional sincretico, agora nacional e multifacetado, e nao mais regional e dualista. 20 A GRAMATICA POL1TICA DO BRASIL Neste sentido, analiso o problema da articulagao desta sociedade que se industrializa, do ponto de vista de suas estruturas politicas em interagao com a sua transformagao economica. NOTAS 1. Max Weber, The Protestant Ethic and Spirit of Capitalism; ver tambem Karl Polanyi, The Great Transformation; e George Dalton, "Primitive, Archaic and Modern Economies: Karl Polanyi's Contribution to Economic Anthropology and Comparative Economics", Essays in Economic Anthropology, Dedicated to the Memory of Karl Polanyi. 2. Arthur Stinchcombe, Economic Sociology, p.247. CAPITULO 2 TIPOS DE CAPITALISMO, iNSirruigoES E AgAo SOCIAL npBrasil: clientelismo, corporativismo, insulamento burocratico e univeiv salismo de procedimentos. As instituicoes formais podem operar numa variedade de modos, segundo uma ou mais gramaticas. Grupos socials podem, igualmente, basear suas agoes em consonancia com uma ou mais gramaticas. Para colocar a discussao na perspectiva apropriada, este capitulo desen- volve-se em tres etapas. Primeiro, reve conceitos que tern sido utilizados na discussao das diferengas e similaridades entre as instituiqoes formais e os padroes de intermediaqao de interesses nas modernas formagoes capi- talistas industrializadas e numa periferica e semi-industrializada como o Brasil. Tambem salienta o papel crucial desempenhado pelortiming em que elementos universais similares podem combinar-se para cTgeragao de diferentes resultados socials e politicos na periferia nao-industrializada, em compara^ao com o centre industrial. Apesar de as categorias de centra e periferia serem altamente agregadas e conterem, obviamente, enormes variances no seu interior, elas sao uteis como um ponto de referenda inicial para introduzir os conceitos utilizados neste capitulo. Em segundo lugar, introduz o tema do clientelismo como um compo- nente distintivo de certas sociedades capitalistas. O clientelismo e contras- tado com o universalismo de procedimentos das sociedades capitalistas industrializadas, atraves de uma distingao entre "troca especifica" e "troca generalizada" nas sociedades de mercado. Finalmente, estabelece um contraste entre o corporativismo — como uma das principals caracteristicas da forma de governo brasileira — e o clientelismo. A conclusao e a de que a no§ao do clientelismo pode 21 22 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL complementar com sucesso os esforgos dos estudiosos do corporativismo, preenchendo varias lacunas ainda nao cobertas pelos analistas. VARIANTES DE CAPITALISMO E INSTITUTES O capitalismo e geralmente entendido como um modo de producao em que a propriedade e o controle dos meios de produgao estao na mao da burguesia. Este modo de producao requer a existencia de um mercado de trabalho livre. Os proprietaries dos meios de produgao compram no mercado a quantidade de trabalho necessario a produgao de bens. Esta e a base de um conjunto de relagoes de classe em que capital e trabalho constituem dois polos necessaries.1 J^ojapjitajjsjmojn^ Nao existe o conflito armado da colheita nem a taxagao direta do que e produzido pelos trabalhadores. O capitalismo moderno nao faz uso de meios extra-economicos para a extragao da parcela jiestinada _as_fragoes dominanteg. embora possa utiliza-los para reforga-la. Dada a complexidade da sociedade capitalista moderna, a dinamica da estratificacao da estrutura de classes deixa espaco para a existencia de uma multiplicidade de grupos de interesses.2 No capitalismo moderno a agao "concertada" de grupos de individuos depende de varies f atores, tais como posigao do grupo na matriz da estratificagao social, acesso ao uso de recursos politicos, grau de satisfagao das necessidades economicas, ar- ranjos dominantes para a agrega§ao e intermediagao de interesses, e assim por diante. A situacao de classe nao constitui base suficiente para a acao I »-.^n~i..ii. m i . ..A-^P ..... .1- ......in 11111.1 .. ] mini. .. 111 - mm Jr • .11.11 inn in ' .......... BsaaM-aaaaBmi^aaeang- £°lgtiyjLgJ'-il[a Do pontg de_vista politico, algiins_Automs,p.arle_mjLa_hlp^Je3_e_djLq.ue. o moderno_ 4jorq.ue. classe e_ cjdadania sao entidades antagojuras^u'e'oTiSeralSm'o , procura reconciliar atraves do "ckmunio publico". Sufragio e ciHaHania'sTQ os.e^ivajentes-gg|itirosjo_mgr^doecCTigrmcQ.jJa foi dito que a cidada- nia constitui a principal revolucao de nossa era. O "dominio publico", onde individuos funcionam como eleitores, como checks and balances do poder do Estado, como cidadaos, tern sido visto como uma conseqiiencia do funcionamento do mercado economico livre. O dominio publico^e o espago .abjstratg onde as contradicoes entre a 16gica_da_producao capitalista e as demandas dasociedade sao reconciliadas.^ ©"EstaSomoderno se transformou no primeiro detentor da for§a como um atributo de sua autoridade. Aconstru§ao de uma autoridade racional e territorialmente universal foi um fator-chave no desenvolvimento dos TIPOS DE CAPITALISMO, INSTITUTES E AQAO SOCIAL 23 Estados capitalistas contemporaneos.4 Esta autoridade foi desenvolvida atraves de varios tipos de dominagao que marcaram progressivamente a separagao entre Estado e sociedade. Historicamente houve concentracao de autoridade nas maos do Estado, mas parcela razoavel de autoridade permaneceu nas maos das elites locais. A industrial izacao e a mobilizacao social erodiram a autoridadejocal e geraram um dominio publico nacional, "" onde-o.sJndividuos se_rehjicj£nar^nsolrri5s^utros e cortro'E's"taclo"ae' . 0 dominio publico e regulado por normas e instituigoes baseadas no umversaUsrnp^e^rocedimentoSj isto e, normas que podem ser formal- mente utilizadas por todos os individuos da polity, ou a eles aplicadas, ao elegerem representantes, protegerem-se contra abuses de poder pelo Es- tado, testarem o poder das instituicoes formais e fazerem demandas ao Estado. ^"Liberdade de expressao, liberdade de reuniao e liberdade de imprensa sao aspectos basicos da representagao 'procedural'. Quando essas garantias de procedimento sao suprimidas, e extraordinariamente dificil para o povo formular e exprimir seus interesses." O universaljsmo de procedimentospor si so nao garante a existencia da democracia, mas_e_ um de seus componeiites^cruciaisj 0 longo processo historico do desenvolvimento da moderna sociedade capitalista nao somente representou uma revolugao economica mas tam- bem marcou a redefinigao dos padroes de relagoes sociais e politicas no interior dos Estados-nagao. Significou a reformula^ao das relacoes entre individuos, redefiniu instituigoes basicas como a Igreja, a famflia e a propriedade, reformulou o conceito de liberdade.6 Esta "grande transformacjio", nao obstante, teve lugar apenas numa parte muito pequena do globo, aquela constitufda pelas nacpes do noroeste da JEuropa e~Bos~Estagos~UrTigo^7 Os termos "capitalismo moderno", ^SQciedadesjiernpcraticas" e "civilizagao ocidental" estao estreitamente re].acigj]adk)S_a_effiasria;goe£. As sociedades capitalistas do Atlantico Norte sao o produto de uma combinagao de multiples fatores historicos e circunstancias conjunturais que, digamos assim, ajudaram a "congelar" um conjunto de elementos cruciais para a criagao das sociedades demo- craticas ocidentais. Asjnodernas sociedades capitalistas industriais sao constituidas por: a) um_p.adr.a.o__distinto de autoridade racional baseada no universalismo i_de prpcedimentos; b) um padrao dominante de agaojocial baseada no indi- ^idjiaiisjng_ejio^irnpersonalisrno de procedimentos que repousa enruma multiplicidade de fra_coes de clas_sez^rupps de status, partidos politicos e ecgnornia de mercado baseada na transferencia impes- 28 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL ,O sistema de "troca generalizada" do clientelismo e diferente do sistema _de. ."tro_Ga_esp.ecifjca_"que caracteriza o capitalismg modern^. Neste. o, .-p£O.cesso_deJrocae i aquisicjio de qualqu^r_b^rn^riap incjui a expectativa de relagoes jesjmis futuras jiejr^djrjendea^existencia de relagoes anteriores entre as partes envolvidas. O trabalho, por exemplo, e comprado e vendido no mercado de trabalho livre; os bens desejados sao adquiridos em lojas especificamente designadas para expor e vender tais bens. Lagos de seguranga, se e que existem, sao parte do ambito do domfnio publico. As trocas ocorrem sem preocupagao com as caracteristicas pessoais dos individuos envolvidos; elas sao caracterizadas pelo impersonalismo. O impersonalismo constitui urn dos fatores basicos do mercado livre e tambem a base da noqao de cidadania.20 ,-__Entte,tantQ.^encQntram-seJrocas generalizadas tambem no capjtalismp moderjin. -Esie sistema nao-capitalista de troca foi observado em socie- dades rurais ligadas ao mercado,21 centros urbanos .-sociedades capitalistas e SQcialistas.25 A coexistencia de padroes de capi- talismo e de nao-capitalismo se tern demonstrado verdadeira em muitos casos.26 Embora constituam duas gramaticas distintas para o estabeleci- mento de relagSes significativas e apesar de serem constituidas por prin- ciples logicamente antagonicos e incompativeis, a gramatica da troca generalizada e a da troca especifica sao empiricamente compativeis.27 Estudos realizados em sociedades capitalistas indicam uma curiosa relagao entre as gramaticas da troca generalizada e da troca especifica.28 Embora coexistam em permanente tensao na mesma formagao capitalista, elas freqiientemente se combinam em formas que sao positivas para a acumulagao capitalista.29 Capitalismo e relagoes de mercado sao duas diferentes formas de controle do fluxo e da transferencia de recursos materiais numa determinada sociedade. O clientelismo e um sistema caracterizado por situagoes paradoxais, porque envolve: (...) primeiro, uma combinagao peculiar de desigualdade e assimetria de poder com uma aparente solidariedade mutua, em termos de identidade pessoal e sentimentos e obrigatjoes interpessoais; segundo, uma combinagao de explorac,ao e coenjao potencial com relagoes voluntarias e obrigagoes mutuas imperiosas; terceiro, uma combinagao de enfase nestas obrigagSes e solidariedade com o aspecto ligeiramente (legal ou semilegal destas relacpes (...) O ponto critico das relacpespofrow-cliente e, de fato, a organizagao ou regulagao da troca ou fluxo de recursos entre atores sociais.3" As diades, caracteristicas das describes convencionais do clientelismo, tendem a transformar-se em redes extensivas nas sociedades capitalistas TIPOS DE CAPITALISMO, TNSTITUigOES E AgAO SOCIAL 29 modernas onde elas existem. Como mostraram Kaufman e Powell, a analise da diade clientelistica pode ser entendida para abranger grupos de £>afro«-clientes — estruturas nas quais muitos clientes ligam-se ao mesmo patron — e piramides j>a£ro«-clientes — estruturas que emergem quando lideres de varios grupos de pafron-clientes estabelecem vinculos com atores situados mais acima—tornando possfvel, portanto, "a conceitua$ao de uma rede de relagoes potencialmente de larga escala e multivinculada, 'baseada' na troca patron-diente."31 Em sociedades sincreticas como a brasileira ou a italiana, a logica da troca generalizada e transferida para associates, institui^Ses politicas, agendas piiblicas, partidos politicos, cliques, facgoes. O papel do clientelismo foi importante tambem nos paises socialistas. Ja foi dito que o clientelismo funciona como uma forc_a que se contrapoe ao poderoso e centralizado Estado burocratico dos paises leninistas. Redes pessoais e hierarquicas desempenham a fungao de canais simulados para participagao, competigao e aloca^ao de recursos de acordo com as deman- das oriundas de baixo.32 ACUMULAQAO DE CAPITAL, iNSTITUigOES E CLIENTELISMO NO BRASIL No Brasil contemporaneo,j3 sistema clientelista desempenha fungoes de certa forma similares as desempenhadas em sociedades leninistas, isto e, Assume o lugar de canais de comunicaQao e representagao entre a sociedade . e o Estado onipotente e fornece, aos estratos mais baixos da populagao, yoz e mecanismos para demandas especificas. Entretanto, ele tambem esta inserido em circunstancias que o tomam diferente dos Estados leninistas, porque no Brasil o clientelismo pertence a um quadro capitalista onde as classes sociais operam. Nesse contexto particular, o clientelismo constitui, ao mesmo tempo, uma alternativa a presenga difusa das estruturas do Estado e uma gramatica para as rela§6es sociais de nao-mercado entre classes e grupos sociais. A acumulagao capitalista de capital repousa em principles que contra- dizem os principios clientelistas. A acumulagao de capital gera novos investimentos para a expansao do sistema e, quando isso acontece, os la§os pessoais entre forga de trabalho e capitalistas sao eliminados. A logica da expansao capitalista esta associada a logica do impersona- lismo. Nao obstante, ha casos em que o modo capitalista de produgao se torna dominante numa formagao social especifica, sem se tornar universal para a mesma formagao social particular. Ha tambem exemplos — em que 30 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL o modo de produgao capitalista e universal, mas combinado, misturado com traqos nao-capitalistas nao eliminados pela expansao do capitalismo. Estes fatores foram, no entanto, combinados sob o dommio de uma logica capitalista. No processo de sua maturagao historica, este sistema sincretico desenvolveu instituicoes formais, padroes de relaqoes sociais, padroes de relates entre individuos e instituicjoes e padroes de dominagao politica inteiramente impregnados pela logica das gramaticas das trocas generali- zadas e especfficas. Tais elementos sao essenciais ao capitalismo no Brasil. Os efeitos dessa combinac_ao nao deveriam ser encarados como uma passagem, ou como uma etapa da modernizagao, mas como uma combi- nac,ao particular.33 O que caracteriza uma sociedade como a do Brasil sao exatamente as descontinuidades apresentadas em varias areas da vida social, economica e politica. O processo de subordinate de muitas outras esferas da vida social ao comando da ordem economica, tal como descrito por Polanyi para os paises capitalistas centrais, nao aconteceu no Brasil. A vida familiar tern grande importancia no pais. A industrializac_ao acelerada dos ultimos 30 anos nao afetou a estrutura familiar na direcjao que se poderia esperar, caso as sociedades capitalistas centrais fossem tomadas como paradigma. Industrializa^ao e urbanizagao foram clara- mente acompanhadas por uma forte enfase, em ambito familiar, na reali- zagao individual. Esta "individuaqao" foi, entretanto, acompanhada por um reforqo da estrutura familiar extensa, exatamente nos centres urbanos e industrials. Baseado em extensa pesquisa comparada (Brasil versus Estados Unidos), Rosen relata que e precisamente o "empreendedor" das areas industrials aquele que procura reforcjar a estrutura familiar e a rede de parentesco. Mas o grupo de parentesco que se torna revigorado na cidade nao e a classica familia extensa, pois aquele sistema raramente existe em outro lugar, mas um sistema menor e menos hierarquizado, semelhante a "parentela brasileira. Para a parentela o empre- endedor se volta em busca de apoio emocional em momentos de tensao, de ajuda na procura de trabalho e na promogao da carreira, da aprovagao que confirma seu sucesso. Conseqiientemente, essa pessoa e fortemente motivada a manter vivos os lagos com os parentes. Mas nao e facil fazer isso; exige cuidadosa atengao aos interesses do parentesco, a manutencjio da proximidade ffsica em rela§ao aos pa- rentes, visitando-os regularmente e comparecendo as cerimonias familiares, dando e recebendo ajuda.34 Empreendimento e realizagao individuais sao necessaries ao reforgo da parentela. Atraves desta "individuagao" com reforgo dos lagos da paren- tela, o grupo primario se torna mais coeso e democratico, ao mesmo tempo que a industrializa§ao avancja. Este processo gira em torno de uma sepa- TIPOS DE CAPITALISMO, INSTITUigOES E ACAO SOCIAL 31 ragao clara entre unidade familiar, unidade produtiva e instituicoes for- mais. O fortalecimento desta separagao depende da realizacjao individual fora do ambito da familia, no mundo da economia. Esta individuagao com reforgo da parentela separa a sociedade brasi- leira dos modos de produc_ao domesticos. E tambem a torna distinta do modelo norte-americano, em que a enfase mais forte na familia nuclear e no individualismo, somada a uma mobilidade geografica extremamente alta, redefiniu a familia como o grupo nuclear composto apenas de pais e filhos, enfraquecendo, portanto, a intersegao entre parentesco e ordem social. Rosen destaca que o termo familia tern significados distintos no Brasil e nos Estados Unidos. Quando os brasileiros dizem "minha fami- lia", referem-se a familia extensa, a parentela. Quando querem referir-se a familia nuclear, os brasileiros em geral dizem "minha mulher (ou marido) e filhos". A importancia da estrutura familiar no Brasil ja foi comparada ao papel desempenhado pela familia na sociedade industrial japonesa. Numa pes- quisa em que apresenta resultados similares aos apresentados por Rosen, Takashi Mayeama afirma que: O homem nasce numa "famflia" e cresce cercado por uma calorosa afeigao (...) Entretanto, para "ganhar a vida", isto e, garantir o emprego e o "pao de cada dia", ele precisa sair pelo mundo (...) Portanto, a formula que ele emprega, tendo que se aventurar pelo mundo, e a da "familiarizagao" deste mundo "nao-familiar", atraves do "neofamilismo". Isto se assemelha de certa forma a chamada estrutura familiar da sociedade japonesa."35 Mayeama afirma que o Brasil tern uma estrutura social com tendencias ao entrelagamento, onde e muito alta a intolerancia a divisoes nitidas de grupo baseadas em criterios etnicos ou culturais. A sociedade brasileira procura "universalizar" as relates no seu interior e manifesta pouca tolerancia a grupos separados. A esta universalizatjao soma-se uma forte hierarquizagao, que e atenuada por redes de relagoes pessoais. Ao inves de se colocar dentro dos limites de um grupo particular e encontrar sua propria identidade atraves do grupo, um brasileiro prefere conduzir sua propria vida manipulando relagoes pessoais de acordo com as exigencias de cada situagao especffica. Ao inves de (...) dividir as pessoas em grupos, como branco vs. negros, japoneses vs. nao-japoneses, membros dos grupos vs. nao-membros (...) os brasi- leiros tendem a encaraf o mundo que os cerca e as relacpes humanas em que estao envolvidos, em termos de relacionamentos essencialmente entre um indivfduo e outro e, como um todo, em termos de acumulagao e desdobramentos desses vfnculos diadicos.3'' O personalismo impregnou e "enquadrou" muitas instituigoes. No Brasil, o universalismo de procedimentos esta permanentemjerite-SQb 32 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL tensao. Relagoes pessoais e hierarquicas sao cruciais para tudo, desde obter um emprego ate um pedido aprovado por um orgao publico; desde encon- trar uma empregada domestica ate fechar um contrato com o governo; desde licenciar o automdvel ate obter assistencia medica apropriada. Os brasileiros enaltecem ojeitinho (isto e, uma acomodagao privada e pessoal de suas demandas) e a autoridade pessoal como mecanismos cotidianos para regular relacoes sociais e relacoes com instituigoes formais. A propensao ao personalismo e bem ilustrada pela instituigao dojeiti- nho e pelo uso da autoridade pessoal, tao bem representada pela expressao "voce sabe com quern esta falando?", brilhante e extensivamente analisada por Roberto Da Malta.37 Clientelismo e personalismo, entretanto, seriam enfrentados e tentativamente corrigidos, desde a decada de 30, por de- cis5es politicas que buscavam o universalismo de procedimentos, por leis que regulavam os empregos no servigo publico, e pela criacao de burocra- cias insuladas que nao seriam receptivas a demandas fisiologicas e clien- telistas oriundas dos partidos polfticos. INSULAMENTO BUROCRATICO E UNIVERSALISMO DE PROCEDIMENTOS COMO ALTERNATIVAS AO CLIENTELISMO Como opera o clientelismo numa sociedade complexa como a brasileira? O clientelismo repousa num conjunto de redes personalistas que se esten- dem aos partidos polfticos, burocracias e cliques. Estas redes envolvem uma piramide de relagoes que atravessam a sociedade de alto a baixo. As elites politicas nacionais contam com uma complexa rede de corretagem polftica que vai dos altos escaloes ate as localidades. Os recursos materiais do Estado desempenham um papel crucial na operagao do sistema; os partidos polfticos — isto e, aqueles que apoiam o governo — tern acesso a inumeros privilegios atraves do.aparelho de Estado. Esses privilegios vao desde a criagao de empregos ate a distribuicao de outros favores como pavimentagao de estradas, construgao de escolas, nomeagao de chefes e servigos de agendas, tais como o distrito escolar e o service local de saude. Os privilegios incluem, ainda, a criagao de sfmbolos de prestfgio para os principals "corretores" dessa rede, favorecendo-os com acesso privilegia- do aos centres de poder. Alem desses meios tradicionais de patronagem, outros meios "in- diretos" sao criados, como linhas de credito a serem utilizadas por fazen- deiros ou homens de negocio locais, atraves do Banco do Brasil ou outros bancos estatais e agendas de desenvolvimento. Empreiteiros e cons- trutores que trabalham para o Estado por contrato freqiientemente se TIPOS DE CAPITALISMO, INSTITUTES E AQAO SOCIAL 33 beneficiam das redes de relacoes a fim de receber pagamento imediato pelos servigos prestados. As instituicoes formais do Estado ficaram altamente impregnadas pnr este processo de tmcas .j , burocraticos acontecem Jigm _u_ma_ 'Imaozinha". JBo£tan.ta._a_biitQcrac.i q apoia a operac.ao do clientelismo e suplementa o sistema partidario. Este sistema de troca nao apenas caracteriza uma forma de controle do fluxo de recursos materiais na sociedade, mas tambem garante a sobrevivencia polftica do "corretor" local.! Tbdo o conjunto de relagoes caracterfstico de uma rede esta baseado em contato pessoal e amizade leal. Quase todos os autores que escrevem sobre os partidos polfticos brasi- leiros concordam que o clientelismo e uma de suas caracterfsticas mais marcantes. O clientelismo tern sido visto, entretanto, como uma caracterfs- tica da Republica Velha, da polftica do "cafe-com-leite", do coronelismo, em suma, como uma caracterfstica do Brasil arcaico. O clientelismo politico, no entanto, permanece bastante vivo, por exemplo, nos dois mais modernos centres urbanos do pafs, Rio de Janeiro e Sao Paulo. Aqueles que examinaram o clientelismo no pos- guerra viram-no freqiientemente como uma sobrevivencia do passado, que se vinha deteriorando no polarizado cenario anterior a 1964. Aqueles que analisaram as mais obvias manifestagoes de clientelismo — o malufismo em Sao Paulo e o chaguismo no Rio de Janeiro — consideram o clientelismo um produto do autoritarismo. A ditadura militar e responsabilizada pela supressao dos mecanismos que permi- tiam o confronto de interesses, a tal ponto que a unica linguagem polftica disponfvel passou a ser a gramatica do clientelismo, evitando o aparecimento de antagonismos que refletiriam as verdadeiras cliva- gens na sociedade brasileira. Os dois argumentos acima contem elementos de verdade. Nao obstante, nenhum dos dois 6 capaz de deslindar as razoes da existencia do cliente- lismo polftico em areas modernas do Brasil antes, durante e — como tudo esta indicando — depois do autoritarismo. O clientelismo se manteve forte £0-decoLrer.de perfodos democraticos, nao definhpu duranle^pjQliEnSr^ ^autorjtarisjno, nao fpj exti^ de&agueza no decorrer da abertura polftica. O universalismo de procedimentos e o insulamento burocratico sao muitas vezes percebidos como formas apropriadas de contrabalangar o clientelismo. O universalismo de procedimentos, baseado nas normas de_.. impersonalismo, direitos iguais peranle a lei, e checks and balances, podena're'frear e desafiaros favores pessoais. De outro lado, o insulamento^- 38 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL TIPOS DE CAPITALISMO, INSTITUIC.OES E AQAO SOCIAL 39 De fato, Schmitter indica que a existencia de corporativismo aponta para a ocorrencia de variantes de capitalismo que nao sao baseadas em mercados, impersonalismo e arenas publicas, mas em rela<j5es corporati- vas. No entanto, esta tese esta apenas latente no argumento corporativista e nao e detalhadamente desenvolvida. Os principais conceitos existentes na literatura sobre corporativismo sao interesse (e interesses organizados), representagao e Estado, mas estes conceitos nao sao completamente de- senvolvidos nem se relacionam com qualquer padrao de mudanga historica fora da esfera do Estado.42 De acordo com a argumentagao corporativista, no pluralismo a estrutura de interesses organizados aparece sob a forma de pressoes, enquanto que no corporativismo ela aparece como concertacion. Para o pluralismo, a politica e um processo em que interesses de grupo sao trocados e canali- zados atraves de agendas, e o Estado e um reflexo desse processo; o Estado e um processo de transformagao permanente de pressoes. Para os corpo- rativistas, o Estado e uma organizagao com interesses estabelecidos, um ator principal, lado a lado com os grupos. Uma vez que o Estado tern de competir com grupos sociais e, ao mesmo tempo, manter seu monopolio sobre a autoridade, muitas vezes ele fornece incentives e limitagoes a ac_ao de grupo. Por isso, como afirmou Durkheim, indivfduos e grupos tenderao a ver o Estado como um inimigo potencial, e as corporagoes sociais emergem como uma resposta ao poder do Estado e comegam a operar como estruturas para a intermediagao de interesses. Uma outra versao do corporativismo e mais direta, no que diz respeito a encara-lo como um modo de produgao. Em contraste com a ja classica definigao formulada por Schmitter, Winkler define o corpo- rativismo como "um sistema economico no qual o Estado dirige e controla predominantemente a iniciativa privada, de acordo com quatro principios: unidade, ordem, nacionalismo e sucesso".43 Aqui o foco se situa na economia politica: o corporativismo e visto como um tipo de modo de produgao, alem do capitalismo e do socialismo. Vale a pena reproduzir aqui o Quadro de Winkler (Quadro 1) que visa a obter uma representagao grafica da relagao entre propriedade e form as de controle dos meios de produgao. Winkler considera a emergencia do corporativismo uma das principais respostas as complexidades e ineficiencias do capitalismo avangado. O corporativismo surge sempre que uma sociedade industrial esta enfrentan- do crises, agitagao interna e ineficiencia. Aqui a principal previsao e a de que a Inglaterra se tornaria uma sociedade corporativista na decada de 80, devido as razoes acima descritas. QUADRO1 Propriedade vs. Controle dos Meios de Produgao no Socialismo, Corporativismo, Sindicalismo e Capitalismo Propriedade Publica Privada Controle dos Meios de Produgao Publico Privado Socialismo Sindicalismo Corporativismo Capitalismo Fonte: J.T. Winkler, "Corporatism", Archives Europeenes de Sociologie, Tomo xvn, 1976 #1, p.113. As duas versoes polares do corporativismo apresentadas acima permi- tem que se formule a hipotese de que, embora lentamente e a despeito da necessidade de estudos mais definidos sobre as sociedades industriais, esta surgindo um nucleo central na argumentagao corporativista. O corporati- vismo, ou capitalismo organizado, e uma resposta a constatagao de que "a mao invisivel sofre de artrite", para utilizar as palavras de George Dal ton.44 As atuais formas corporativas de articulagao de interesses em sociedades industriais constituem uma forma de concertacion entre grupos de produ- tores — tais como trabalhadores, companhias, firmas, empresas organiza- das, grupos financeiros e associates comerciais — vis-a-vis o Estado e entre os proprios grupos de produtores. O corporativismo e uma maneira de lidar com as incertezas geradas no mercado. CORPORATIVISMO E CLIENTELISMO COMO QUADROS ANALITICOS O timing da introdugao do corporativismo em paises industrializados e em paises perifericos como o Brasil, o Peru e o Mexico e responsavel pela pro- funda diferenga entre os tipos de corporativismo encontrados em paises industrializados e em paises semi-industrializados. Como afirma Schmit- ter, "alteragoes no modo de representa^ao de interesses sao originariamen- te o produto ou o reflexo de alteragoes anteriores e independentes na es- trutura economica e social". Variacoes de corporativismo, e de seu impac- to, podem ser devidas a "diferengas de intersegao historica e de ponto de partida",45 de que sao exemplos os niveis de formagao de classe, modos preexistentes de intermediagao de interesses, cultura, e assim por diante. No Brasil, no Peru e no Mexico, o corporativismo foi utilizado como uma tentativa de controlar e organizar as classes inferiores atraves de sua 40 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL TIPOS DE CAPITALISMO, INSTITUigOES E AQAO SOCIAL 41 m I incorporagao ao sistema. No Brasil o corporativismo destinava-se tambem a disciplinar a burguesia. Mas algo diferente aconteceu nos anos iniciais da implantagao dos regulamentos corporativos: atraves da legislacao corporativa as elites no poder seduziram as classes inferiores com as vantagens da integragao. Esta integragao abrangeu largas parcelas da populacao de uma forma semi-universalista muito peculiar: as regras para a integragao — e os meios para tal — sao formuladas em termos legais e universais, aplicaveis a todas as relagoes na esfera da producao. Nas sociedades industrials, por contraste, os arranjos corporativos que procuram influenciar o Estado emergem fora de seu dominio e associam os grupos produtores dispostos a diminuir a incerteza nos negocios. Para a analise de paises como o Brasil, na ausencia de uma especif icacao detalhada das caracteristicas das "intersegoes historicas" e dos "pontos de partida", ha uma dissonancia na argumentagao corporativista. Como afir- ma Kaufman, "tal como desenvolvida por autores como Schmitter e Collier, a 'literatura corporativista' serviu de ponto de partida para inter- pretagoes mais refinadas de, digamos, organizacao do trabalho no Brasil e variacSes regionais nas relagoes Estado-partido-trabalho". De outro lado, estudos que "fetichizaram" o corporativismo como uma explicagao total da realidade politica dos paises latinos e como guias gerais para a pesquisa em Ciencia Polltica foram considerados menos uteis.46 Do ponto de vista desta analise, so faz sentido focalizar o corporativismo em associagao com as outras gramaticas. Quando se contrastam corporativismo e clientelismo, fica facil compre- ender como os dois fenomenos coexistem. De acordo com a definicao classica de Schmitter, o corporativismo e: (...) urn sistema de intermediacjio de interesses em que as unidades constitutivas estao organizadas em um numero limitado de categorias singulares, compulsorias, nao-competitivas, hierarquicamente ordenadas e funcionalmente diferenciadas, reconhecidas ou permitidas (senao cfiadas) pelo Estado e que tern a garantia de um deliberado monopolio de representacao dentro de suas categorias respectivas, em troca da observancia de certos controles na selejao de lideres e na articula§ao de demandas e apoios.47 Proponho a seguinte definigao de clientelismo que serve para realgar os contrastes: o clientelismo e um sistema de controle do fluxo de recursos materials e de intermediagao de interesses, no qual nao ha numero fixo ou organizado de unidades constitutivas. As unidades constitutivas do clientelismo sao agrupamentos, pira- mides ou redes baseados em relacpes pessoais que repousam em troca generalizada. As unidades clientelistas disputam freqiientemente o controle do fluxo de recursos dentro de um determinado territorio. A participate em redes clientelistas nao esta codificada em nenhum tipo de regulamento formal; os arranjos hierarquicos no interior das redes estao baseados em consentimento individual e nao gozam de respaldo jurfdico. Ao contrario do corporativismo, que e baseado em codigos formais legalizados e semi-universais, o clientelismo se baseia numa gramatica de relagoes entre individuos, que e informal, nao legalmente compulsoria e nao-legalizada. Tanto o corporativismo como o clientelismo podem ser entendidos c^m£mecajiismos crucia[s [um formal, o outro informal) para o_esvazia^_ jn^to_de_conflitos_sociais. Q corporativismo organiza camadas horizon- tals de categorias profissionais arrumadas em estruturas formais e hierar- quicas. O clientelismo atravessa fronteiras de classes, de grupo e categorias profissionais. Em muitos aspectos os trabalhos sobre corporativismo nao se ocupam da dinamica da sociedade brasileira. Esta literatura se caracteriza, com a excecao dos autores que trabalham com a Europa e de exemplos esparsos no campo dos estudos latino-americanos, pela atencao excessiva dada as instituigoes politicas formais e aos processes formais de formulagao de politicas, sem uma preocupacao maior com as relagoes entre grupos socials e instituicoes, ou entao centra seu foco nas caracteristicas particulares da cultura iberica, sem especificar as formas atraves das quais traces culturais se transformam em instituigoes. Como mostrou Roberto Da Malta em seus trabalhos, a sociedade brasileira e extremamente forte e bem organizada fora da esfera das instituigoes politicas formais. Afirma que os cientistas sociais, em suas analises sobre o Brasil, freqiientemente descuraram o estudo das verda- deiras instituigSes sociais como o "jeitinho", a amizade, as redes de relagoes sociais e assim por diante, porque esses elementos sao aparente- mente "informais" e fluidos. Em conseqiiencia, a tendencia e ignora-los ou considera-los inconseqiientes para o estudo de outros eventos polfticos e sociais. De outro lado, o corporativismo, o autoritarismo burocratico, a formulagao autoritaria de politicas etc., tendem a ser formalizados em codigos e procedimentos legais, pelo que sao analisados com mais fre- qiiencia e encarados com seriedade. Em conseqiiencia, se alguem tomasse a literatura sobre corporativismo como unico guia, o Brasil apareceria como um quebra-cabega insoluvel, em que as instituigoes formais pareceriam estar separadas da verdadeira sociedade, como se o pais fosse uma formagao social esquizofrenica, composta por realidades paralelas e horizontalmente separadas: a vida social e as instituigoes formais. 42 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL CONCLUSAO No contexto de uma ampla perspectiva historica da evolugao do capitalis- mo moderno, destaquei a existencia de quatro gramaticas para as relagoes Estado-sociedade no Brasil. As gramaticas foram estabelecidas tendo como base o personalismo e o impersonalismo. O clientelismo tipifica uma gramatica personalista em oposigao ao universalismo de procedimentos, que e a epitome do impersonalismo. O corporativismo e o insulamento bu- rocratico sao penetrados tanto pelo personalismo como pelo impersonalis- mo.48 Enquanto gramaticas semipessoais e semi-impessoais, estes ultimos estabelecem parametros formais sob os quais os individuos podem ser considerados iguais ou desiguais. Nao obstante, sao tambem profunda- mente penetrados pela logica personalista do clientelismo: o corporativis- mo auxiliou na criacjao de milhares de empregos publicos, que foram pre- enchidos na base de principios clientelistas. Alem disso, muitos lideres sin- dicais beneficiaram-se de dispositivos corporativistas para manter longos mandatos em sindicatos e federa£oes e se tornarem prestadores de favores, muitas vezes de forma clientelista. De outro lado, o insulamento burocra- tico, como Fernando Henrique Cardoso mostrou, permitiu a existencia de "aneis burocraticos" tipicamente baseados em trocas personalistas. Os partidos politicos desempenharam um papel crucial na ligagao entre a gramatica do clientelismo e as normas universalistas da democracia representativa instaurada no Brasil em 1945. AFigura 1 apresenta uma FIGURAl Tipos de Gramaticas para Relacdes Estado vs. Sociedade Pessoal Impessoal Todos os individuos nao sao, em principle, iguais participantes Todos os individuos sao, em principio, iguais participantes Universalismo de pro- cedimentos Clientelismo Corporativismo Insulamento Economia burocratico de mercado Governo representa- tive baseado na cida- dania e no sufragio universal TIPOS DE CAPITALISMO, INSTITUTES E AQAO SOCIAL 43 esquematizagao das quatro gramaticas discutida neste capitulo, aplicadas ao contexto brasileiro, e indica o processo de "fertilizac.ao cru'zada" que ocorre na opera§ao real das gramaticas. NOTAS 1. R. Stephen Warner, "The Methology of Marx's Comparative Analysis of Modes of Production", in Ivan Vallier (org.), Comparative Methods in Sociology p 58 2. Pierre Bourdieu, "Condicao de classe e posicao de classe", in Neuma Aguiar (org.), Hierarquias em classes; Anthony Giddens, The Class Structure of Advanced Societies; Youssef Cohen, "Popular Support for Authoritarian Governments- Brazil under Medic,", Tese de Doutorado, p.56 e seg.; Neuma Aguiar, "Hierarquias em classes: uma mtroducao do estudo da estratificacao social", in Hierarquias em classes 3. Max Weber, "Class, Status, and Party", in Gerth e Mills, From Max Weber Arthur Stinchcombe, Economic Sociology, p.240 e seg. ' 4. Reinhard Bendix, Nation-Building and Citizenship, p. 127 e seg Ver tambem R Bendix, Max Weber: An Intellectual Portrait, p.417 e seg.; Charles Tilly (org) The Formation of National States in Europe, p. 17. 5. Ira Katznelson, City Trenches: Urban Politics and Patterning of Class in the United States, p.28; Ira Katznelson e Mark Kesselman, The Politics of Power p 22 e seg rf. r^fE^t'E*0^ ^sterns and Society: Capitalism, Communism and the Third World, p.29 e seg.; K. Polanyi, The Great Transformation I. C. Tilly (org.), The Formation..., op. cit., p.81 8. Nicos Mouzelis, "Regime Instability and the State in Peripheral Capitalism- A General Theory and a Case Study of Greece", Latin American Program Working Papers, p.3; Joao Manuel Cardoso de Mello, O capitalismo tardio. 9. William Langer, Political and Social Upheaval: 1832-1852, p 45 10. Reinhard Bendix, Force, Fate and Freedom, p.115. II. Para uma discussao, ver J.E.T. Eldridge, Max Weber: The Interpretation of Social Reality;*Gerthe Mills, From Max Weber, p.65 e seg., sobre "Social Structures and Types of Capitalism ; Cesar Guimaraes, "Empresariado, tipos de capitalismo e ordem pohtica", Dados; Florestan Fernandes, Sociedade de classes e subdesenvolvi- mento. 12. Esse tipo de argumento foi levantado por muitos autores. Como ilustracao ver Daniel Chirot, "Neo-Liberal and Social Democratic Theories of Development- The Zeletm-Vomea Debate Concerning Romania's Prospects in the 1920'sand its Contem- porary Importance", in Kenneth Jowitt (org.), Social Change in Romania 1860-1940- Arthur Stinchcombe, Theoretical Methods in Social History; Reinhard Bendix, Na- tion-Building and Citizenship; Alexander Gerschenkron, Economic Backwardness in Historical Perspective; James Caporaso, "Industrialization in the Periphery", Interna- tional Studies Quarterly. 13. Ver A. Stinchcombe, Theoretical Methods in Social History, e ainda Ralph Dahrendorf, Life Chances. 14. Terry Karl, "Petroleum and Political Pacts: The Transition to Democracy in Venezuela", The Wilson Center Occasional Papers, p.2. I ' it i 48 A GRAMATICA POLITICADO BRASIL PANO DE FUNDO: 0 DESAFIO A MODERNIZAgAO DO ESTADO BRASILEIRO A Republica Velha (1889-1930) caracterizou-se como altamente conser- vadora, oligarquica e regionalista. Como bem ilustra esta afirmagao de E.S. Pang, "uma eleicao nao terminava enquanto a Assembleia Legislativa ou a Camara dos Deputados nao analisasse e completasse o processo de reconhecimento dos resultados eleitorais".1 Este processo de reconhecimento exigia que os "coroneis" locais entras- sem em acordo com os governadores e com o presidente da Republica, para garantir resultados que agradassem ao sistema dominante. Favores pessoais e empreguismo de um lado, e repressao de outro, caracterizaram fortemente as relacoes poh'ticas neste periodo de laissez-faire repressive.2 Forcas urbanas como as classes medias, os militares e os intelectuais comegaram, a partir da decada de 20, a erguer suas vozes contra o sistema oligarquico. Nesse periodo, varias crises politicas coexistiram com debates que refletiam as tensoes entre o sistema oligarquico, personalista e clien- telista, e demandas por uma ordem piiblica universalista. O final da decada de 20 e o inicio da seguinte sao marcados por elevagao no torn das discussoes sobre a necessidade da criagao de uma ordem burguesa moder- na, em oposicao a ordem privatista tradicional.3 Estes debates e crises desembocaram finalmente na Revolugao de 30, cuja emergencia — assim esperavam muitos de seus partidarios — deveria provocar a criagao da ordem burguesa moderna. Mas isto jamais aconte- ceu. Em muitos aspectos, o movimento de 1930 pode ser considerado uma revolucao que nunca existiu. Na ausencia de uma facgao burguesa hege- monica, o pos-30 deu lugar no Brasil a um "Estado de compromisso",4 caracterizado pela tentativa, da parte do governo, de agradar a muitos interesses diferentes — e mesmo ̂ antagonicos. O novo regime implementou a centralizacao mas teve de contentar, ao mesmo tempo, os grupos rurais, os grupos industrials emergentes, os militares, os profissionais de classe media e os operarios. Isto significou a desagregagao das politicas estatais em muitas direcSes diferentes, a fim de tomar medidas para proteger a industria, incorporar e domesticar os trabalhadores, proteger a burguesia cafeeira e modemizar o aparelho de Estado, na busca do universalismo de procedimentos.5 -^> Longe de destruir as bases locais e personalistas da Republica Velha, o regime do pos-30 sustentou-se nelas para conseguir apoio. Este movimen- ^ to ficou ainda mais claro apos 1937, quando a ditadura se instalou, e o ditador teve de se apoiar ainda mais fortemente em medidas nao-univer- A CONSTRUQAO DO 1NSULAMENTO BUROCRATICO 49 salistas para center as pressoes regionais e locais. O resultado foi a criagao de mecanismos para substituir os legislatives locais e a nomeacao de interventores para desempenhar a funcao de governador de estado e prefeito em todo pais. No ambito do governo federal, a nova ordem pos-30 contribuiu para institucionalizar a gramatica djjroca_generalizada^ que caracterizou a Republica Velha JUma v^z_gue_o_Estadg de compromissg_significaya_a s cgntraditorias.p,ata agradar a grupo^opjDStos, o primeiro governo Vargas conferiu expressao institucional as pressSes contra o clientelismo, criando no interior do aparelho de Estado tensoes entre seus partidarios e os defensores do universalismo de procedimentos. Com a Revolugao de 30, Genilio assumiu o poder enfrentando uma serie de enormes desafios: na politica interna, uma coalizao de apoio fragmentada; na economia interna, uma grave depressao que ameacava a poderosa oligarquia cafeeira e a arrecada§ao do Estado; no ambito das relacoes economicas internacionais, um dramatico estrangulamento das exportagoes e a necessidade imediata de renegociar a divida, associada a fortes pressoes de bancos estrangeiros, que queriam impor condicpes para emprestar dinheiro ao Brasil. Este conjunto multifacetado de desafios exigia pronta acjao por parte do governo. Vargas respondeu a esta sobrecarga de desafios com um conjunto de medidas, que se iniciaram em 1930 e estenderam-se ate 1945, mudando para sempre a face do Brasil. O processo de mudanga entao desencadeado incluia: a) intervengao estatal na economia, atraves da cria$ao de agendas e programas, politicas de protegao ao cafe e transferencia de todas as de- cisoes economicas relevantes para a esfera do governo federal; b) centra- lizacao politica, reforma administrativa, racionalizagao e modernizagao do aparelho de Estado; c) redefini^ao dos padroes de relacionamento entre oligarquias locais e estaduais, intensificagao das trocas entre o governo federal e os grupos estaduais, com a simultanea centralizagao dos ins- trumentos para o exercicio do clientelismo; d) incorporate do trabalho em moldes corporativos. O conjunto de medidas postas em pratica por Getiilio deu expressao institucional a um labirinto de tendencias aparentemente contraditorias. Primeiro, o universalismo de procedimentos foi perseguido pela reforma do servigo piiblico e pelo estabelecimento do sistema de merito, sob a supervisao do Departamento de Administrate do Servico Publico (DASP). Segundo, o insulamento burocratico foi conseguido com as recem-criadas autarquias, com as atividades do mesmo DASP — em seu papel de orgao consultivo da Presidencia e de agenda de formulagao de politicas — e 50 A GRAMATICA POLITICA DO BRAS1L A CONSTRUgAO DO INSULAMENTO BUROCRATICO 51 !*, 5 mais tarde com a criagao de empresas estatais. Terceiro, o clientelismo foi exercido atraves de um intricado conjunto de relagoes com grupos muni- cipals e estaduais, baseado numa hierarquia de vinculos e favores que incluiam emprego no governo, participac_ao em conselhos consultivos especiais, alem de redes estabelecidas pelos interventores nomeados para substituir todos os governadores — com exceqao do de Minas Gerais. Finalmente, as praticas corporativistas foram garantidas pelas novas pro- visoes legais, pelo recem-criado Ministerio do Trabalho, pela Justiga do Trabalho, pelos institutos de previdencia social e mais tarde pela Consoli- dac.ao das Leis do Trabalho (CUT). Em 10 de outubro de 1940, data do decimo aniversario da Revoluc_ao, Getulio expressou, em discurso, a carga de desafios que seu governo teve de enfrentar. Afirmava ele que ate 1929, no que se referia a organizaqao politica, o Brasil era dominado por uma ficcjao eleitoral. Quanto a vida economica, o laissez-faire e o nao-intervencionismo estatal estavam em franco desacordo com a atmosfera mundial de planejamento e controle. Nas finanQas publicas, a desordem e a dissipaqao haviam se transformado em principios fundamentals, com excessive e abusive recurso a creditos internacionais por parte dos estados da federaqao. No terreno da educagao, imperava a rotina; no servigo publico reinava a patronagem. Os estados e municipios, com raras excec,5es, nao eram mais do que organiza^Ses feudais nas quais a sucessao politica permanecia como privilegio privado. Os negocios publicos e os negocios privados, domesticos, eram tratados da mesma forma e, muitas vezes, acontecia que os ultimos determinavam a solugao dos primeiros.6 Um breve resumo das respostas a esse conjunto de desafios demonstrara como o governo Vargas alterou profundamente a face do pais e as razoes por que o presidente se sentiu justificado para pronunciar um discurso tao critico. STATE BUILDING: CENTRALIZAQAO POLITICA E ADMINISTRATE Getulio tomou atitudes imediatas contra a estrutura federativa da Republi- ca Velha: cassou o mandate de todos os governadores — com exceqao do de Minas Gerais, ja mencionado — e nomeou interventores para governar os estados. Muitos deles, agentes pessoais do presidente, foram escolhidos nas fileiras dos antigos "tenentes", isto e, jovens e modernizantes oficiais do Exercito que tinham participado da Revoluc,ao de 30. Assim, esses jovens oficiais substituiram os politicos "carcomidos" da Repiiblica Velha. A posic.ao do interventor enfeixava enorme prestigio e volumosos recursos proprios a patronagem.7 De fato, muitos interventores tornaram- se importantes lideres politicos dos partidos conservadores do periodo pos-45. Para substituir os "carcomidos" e governar os estados, os inter- ventores tiveram de firmar coalizoes com facgoes das oligarquias es- taduais, o que certamente enfraqueceu o impeto revolucionario das novas administrac.oes. Esse processo de coalizao com facc.5es das oligarquias assumiu contor- nos diferentes em diferentes estados, sendo que alguns passaram por um periodo de conflito aberto com os "tenentes" e com o governo federal, antes de entrar em acordo com este ultimo. Em Minas Gerais, onde a politica era muito fragmentada, ficou claro desde o imcio que a adminis- trac,ao federal "modernizante" viria a se desentender com as importantes e resistentes oligarquias locais.8 Em Sao Paulo a coalizao entre os "te- nentes" e a oligarquia local passou por varios estagios, desde o comec.0 da nova administragao, e foi gravemente ameagada pela Revolugao Cons- titucionalista de 1932. Somente depois de derrotar a insurreigao o governo federal pode reiniciar suas tentativas de se aproximar da oligarquia paulis- ta.9 Ja em Pernambuco, Getulio estabeleceu uma coalizao com as facqoes mais perifericas da oligarquia do interior, e ao mesmo tempo promoveu aberturas populistas em direcjao aos pobres urbanos. Esta estrategia abriu mais espago para a autonomia federal em relaqao a oligarquia dominante ate entao. Para neutralizar uma oligarquia, Vargas firmava coalizSes com facc.6es oligarquicas perifericas.10 Entretanto, no piano federal o regime prosseguiu na diregao da centra- lizagao e da racionalizagao. As agoes iniciais de Vargas foram precedidas por uma lei de poderes especiais decretadas em 11 de novembro de 1930, que Ihe conferia poderes legislatives e executives. Antes do final de 1930 Getulio ja tinha criado dois novos ministerios: Educacjao e Saude e Trabalho, Industria e Comercio. Em 1931, alem de criar uma comissao para analisar as finances dos varios niveis de governo, Getulio nomeou uma comissao legislativa para proceder a reforma dos codigos legais; reformas legais, entretanto, so ganharam impulse apos a instauraqao da ditadura em 1937. Tambem em 1931 foi criada uma comissao para centralizar a aquisic,ao de materials para o governo (Comissao Central de Compras). Antes do final desse mesmo ano, Getulio lanc,ou o Codigo dos Interventores, que proibia os estados de contrair emprestimos externos sem previa aprovac,ao do gover- no federal, vetava o uso de mais de 10% do orcjamento dos estados para 52 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL as policias estaduais e proibia os estados de adquirir para suas policias artilharia pesada e aviagao militar em proporgao que excedesse a forga do Exercito nacional. O governo Vargas e marcado pela forte preocupagao com coisas nacio- nais, em oposigao aos aspectos regionais ou locals. Depois da Revolugao de 30 foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), para difundir em todo o territorio nacional informagoes fornecidas pelo governo — este departamento foi reformado em 1934 e em 1939. Outro indicador importante da preocupagao de Getulio com relagao a criagao de algo nacional foi o langamento de A Voz do Brasil, programa radiofonico de cunho propagandistico que tratava de temas nacionais e que todas as estagoes de radio do pais eram obrigadas a transmitir diariamente.11 Em oposigao a suposta irracionalidade da Republica Velha, o primeiro governo Vargas e tambem marcado pela forte preocupagao com coisas racionals. Apos a instauragao da ditadura em 1937, um dos primeiros atos de Getulio foi a extingao de todos os partidos politicos, atraves do decre- to-lei nQ 37, de 2 de dezembro de 1937. Nas palavras de Gustavo Capane- ma, um dos ideologos do Estado Novo, "uma vez extintos os partidos, as aspiragoes do povo foram canalizadas diretamente para o governo federal, atraves da voz dos organismos representatives das varias classes sociais."12 A interpretagao de Capanema sobre a necessidade de estruturas corpo- rativas reflete bem a mentalidade das elites dirigentes e estabelece as bases para a institucionalizagao do corporativismo como mais um aspecto da busca da racionalidade, que caracteriza a nova administrate. Em 1931 foi assinada uma nova lei trabalhista, que "definia quern podia ser sin- dicalizado. Alem disso, o funcionamento do sindicato passou a depender de seu registro no recem-criado Ministerio do Trabalho."13 Um novo decreto-lei de 1932 determinou que apenas os trabalhadores sindicalizados poderiam apresentar _suas reclamagdes a Justiga do Traba- lho. A Constituigao de 1934 revogou essas disposigSes, mas impediuque trabalhadores nao-sindicalizados se beneficiassem de contratos coletivos de trabalho. Finalmente, em 1932 foi institufda a carteira de trabalho, que garantia ao trabalhador beneficios da lei trabalhista.14 Segundo Wanderley Guilherme dos Santos, a regulamentagao das profissoes, a carteira de trabalho e os sindicatos regulados pelo Estado constituent os tres parame- tros basicos para a definigao da cidadania no Brasil.15 A estrutura corporativa criada depois de 1930 contribuiu ainda para a centralizagao e a estatizagao dos instrumentos para o clientelismo. A criagao do "Ministerio do Trabalho, com seus departamentos regionais, a Justiga do Trabalho, os sindicatos, as federagoes e as confederacies (...) A CONSTRUgAO DO INSULAMENTO BUROCRATICO 53 gerou milhares de novos empregos."16 A criagao de varios outros minis- terios e de dezenas de agendas produziu milhares de empregos para individuos de classe media, advogados, burocratas e intelectuais, contri- buindo para ampliar a presenga do Estado na vida nacional.17 A ditadura de 1937 aprofundou o processo de centralizagao e raciona- lizagao. O Poder Legislative deixou de funcionar, o DIP foi encarregado da censura de filmes, programas de radio e da imprensa, e greves e locautes foram considerados "comportamento anti-social". A Constituigao de 1937 foi um documento engenhosamente concebido para cassar abruptamente direitos e garantias de todos os cidadaos, exceto do governo federal. Este documento foi exemplarmente complementado pelo decreto-lei ns 1022 (08.04.1939), conhecido como Lei dos Estados e Municipios. O artigo 2° da Constituigao de 37 acabava com os sfmbolos, bandeiras e hinos de todos os estados; apenas os simbolos nacionais seriam aceitos como politicamente legais. Os estados deveriam ser governados pelo interventor e pelo Departamento de Administragao. Entretanto, a maioria das polfticas e das legislagoes implementadas pelos estados depen- dia de aprovagao presidencial. Para suspender todos os direitos civis foi constitucionalmente declarado o "estado de emergencia", que permaneceu em vigor ate 1945, quando extinto pelo regime democratico que sucedeu ao Estado Novo. O primeiro governo Vargas deu inicio, igualmente, a um processo de insulamento burocratico. O DASP, criado pela ditadura em 1937, constitui talvez o mais importante exemplo de insulamento burocratico daqueles anos e simboliza a busca da racionalidade que caracteriza o periodo. Como um correlato para "racionalizagao", a centralizagao, a padronizagao e a coordenagao constituiram os objetivos maximos do DASP. O sistema coordenador, para empregar um jargao daspiano, teve inicio com a criagao da Comissao Central de Compras em 1931 e prosseguiu com a Constituigao do Conselho Federal do Servigo Piiblico e das Comissoes de Eficiencia, em 1936.18 Em 1938, a criagao do DASP coroou a Constituigao do sistema organizador, O DASP era um organismo paradoxal, porque combinava insulamento burocratico com tentativas de institucionalizagao do universalismo de procedimentos. Criado para racionalizar a administragao publica e o servigo publico, o departamento preocupava-se com o universalismo de procedimentos em assuntos relacionados com a contratagao e a promogao dos funcionarios publicos. Nesse aspecto o DASP representava a fragao moderna dos administradores profissionais, das classes medias e dos militares, tornando-se um agente crucial para a modernizagao da adminis- Q U A D R O 2 In du st ri as e S er vi ce s P er te nc en te s ao E st ad o e A dm in is tr ad os p el a B ur oc ra ci a E st at al , 1 94 2 (t am be m c ha m ad o em ja rg ao d as pi an o, " A dm in is tr ag ao D ir et a ) C h/ is C as ad a M oe da Fa br ic a N ac io na l de M ot or es M ili ta r E xe rc ito M ar in ha A er on au tic a A rs en al d e G ue rr a A rs en al d e M ar in ha Fa br ic a do G al ea o G en er al C am ar a da Il ha d as C ob ra s A rs en al d e G ue rr a do A rs en al d e M ar in ha R io d e Ja ne ir o do R io 'd e Ja ne ir o Fa br ic a de A nd ar ai Fa br ic a de B on su ce ss o Fa br ic a de C ur iti ba Fa br ic a de I ta ju ba F ab ri ca de Ju iz de F or a Fa br ic a de M at er ia l d e T ra ns m is so es Fa br ic a G eh ili o V ar ga s Fa br ic a do R ea le ng o C jr c u la a 0 i m p re n s C om un ic ac ao T ra ns po rt e C iv il M ili ta r D ep ar ta m en to E st ra da d e Fe rr o B ah ia I m pr en sa Im pr en sa do sC or re io s M in as N ac io na l M il it ar e T el eg ra fo s E st ra da d e Fe rr o C en tr al d o R io G ra nd e do N or te E st ra da d e Fe rr o B ra ga ng a E st ra da d e Fe rr o G oi as E st ra da d e Fe rr o M ad ei ra -M am or e E st ra da d e Fe rr o E st ra da d e Fe rr o S. L ui z — T er es in a E st ra da d e Fe rr o T oc an tin s R ed e de V ia ca o F6 rr ea F ed er al L es te B ra si le ir o E st ra da d e Fe rr o D . T er es a C ri st in a Po rto d e N at al Pe sq ui sa A ni m al — I B A In st itu to d e Q ui m ic a A gr ic ol a — I Q A L ab or at or io d a Pr od uc ao M in er al — L PM In st itu to O sw al do C ru z— I O C L ab or at or io N ac io na l de A na lis es — L N A G ab in et e de F is io te ra pi a e R ad io lo gi a da Po lic ia — G FR PM In st itu to N ac io na l d e T ec no lo gi a — I N T In st itu to N ac io na l d e6 le o s — I N O Fo nt e: D A SP , R el at or io 1 94 2, P re si de nc ia d a R ep ub lic a, I m pr en sa N ac io na l, R io d e Ja ne ir o, 1 94 3, p . 6 0. Q U A D R O 3 In du st ri as e S er vi go s P er te nc en te s ao E st ad o e N ao -A dm in is tr ad os pe la B ur oc ra ci a E st at al , 1 94 2 (t am be m c ha m ad a em ja rg ao d as pi an o, " A d m in is tr at e In di re ta ") a) A ut ar qu ia s R E G U L A gA O E C O N O M IC A B E M -E ST A R PR O D U gA O IN P — I ns ti tu to N ac io na l do P in ho IN M — I ns tit ut o N ac io na l do M at e IN S — I ns tit ut o N ac io na l do S al 1A A — I ns tit ut o do A gu ca r e do A lc oo l D N C — D ep ar ta m en to N ac io na l d o C af e T R A N SP O R T E S B E M -E ST A R C M M — IP A SE — I ns ti tu to d e Pr ev id en ci a e C om is sa o de A ss is te nc ia d os S er vi do re s do E st ad o M ar in ha IA PI — I ns tit ut o de A po se nt ad or ia e M er ca nt e Pe ns Se s do s In du st ri ar io s IA PB — I ns ti tu to d e A po se nt ad or ia e Pe ns oe s do s B an ca ri os IA PC — I ns tit ut o de A po se nt ad or ia e Pe ns oe s do s C om er ci aY io s IA PE T E C — I ns tit ut o de A po se nt ad or ia e Pe ns oe s do s E m pr eg ad os e m T ra ns po rt es e C ar ga s IA PM — I ns ti tu to d e A po se nt ad or ia e Pe ns oe s do s M ar iti m os IA PE — I ns tit ut o de A po se nt ad or ia e Pe ns oe s da E st iv a C A P — C ai xa d e A po se nt ad or ia e Pe ns oe s SA PS — S er vi cp d e A lim en ta ca o da Pr ev id en ci a So ci al b) C or po ra ;o es E st at ai s: FI N A N C E IR O C O R PO R A gO E S C R E D IT O PR O FI SS IO N A IS C ai xa s O A B — O rd em d os E co no m ic as A dv og ad os d o B ra si l Fe de ra ls C F E A — C on se lh o Fe de ra l de E ng en ha ri a e A rq ui te tu ra IN D U ST R IA SE R V ig O S IN D U S T R IA L E st ra da d e Fe rr o C en tr al d o B ra si l E st ra da d e Fe rr o N or oe st e do B ra si l R ed e de V ia ca o Pa na m a — Sa nt a C at ar in a L lo yd B ra si le ir o Se rv ic p de N av eg ac ao d a A m az on ia e A dm in is tr ac ao do P or to d o R io d e Ja ne ir o In st itu te d e R es se gu ro s do B ra si l B an co d o B ra si l S .A . B an co d e C re di to d a B or ra ch a C om pa nh ia d o V al e do R io D oc e C om pa nh ia S id er ur gi ca N ac io na l Fo nt e: D A SP , R el at or io 1 94 2, P re si de nc ia d a R ep ub lic a, I m pr en sa N ac io na l, R io d e Ja ne ir o, 1 94 3, p .6 9. 60 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL STATE BUILDING: O LONGO IMPACTO DOS OBSTACULOS INTERNACIONAIS Aconstrugao de modernas estruturas estatais no Brasil foi controlada, a partir do seculo xix, por elites estatais bem capacitadas.28 Durante os primeiros 30 anos do seculo xx, o papel do governo federal manteve-se limitado pelas disposicpes federativas da Constituiqao de 1891. Os estados e as oligarquias agrarias que os dominavam controlavam todas as cartas do jogo politico nacional, pois nao havia partidos politicos nacionais naquele periodo. Refletindo a forte reac.ao contra a centralizac.ao do tempo do Imperio, a Constituiqao de 91 transferiu aos estados grande liberdade de a^ao em materia politica e fiscal. O governo federal tinha jurisdiqao exclusiva para taxar importances, enquanto os estados tinham jurisdi^ao exclusiva para taxar a exportanao de bens produzidos dentro de seu territorio, as proprie- dades imobiliarias, as industrias e as profissoes, podendo, ainda, manter suas proprias policias e contrair emprestimos externos. Desde o Imperio as receitas do setor publico dependiam quase total- mente das tarifas de importaqao (ver Grafico 1). A taxa§ao sobre o GRAFICOl BrasU: 1900-1943 Taxa de Importagao como Porcentagem dos Rendimentos do Estado 60 T 504 40 4 0 4 1900 8 12 16 20 24 ' 28" 32" 36 40 Ano 1943 A CONSTRUgAO DO INSULAMENTO BUROCRATICO 61 consume fornecia a segunda maior fonte de receita do Estado: 21% do total da receita em 1930, 20% em 1935, e cerca de 29% em 1942. O imposto sobre a renda das pessoas ffsicas, cuja arrecadagao teve infcio em 1924, permaneceu por um longo periodo como uma fonte irrelevante de receita: era responsavel por apenas 2,17% do total da arrecadagao em 1924, 4,47% em 1929,7,75% em 1933,11,82% em 1938, e cerca de 20,52% em 1942.29 A estrutura da arrecadac_ao mostra uma mudanga marcante apenas a partir da decada de 50. Os impostos sobre importagao representavam 11%, 11% e 7% do total da arrecadagao em 1950,1960 e 1970, respectivamente. Os impostos sobre consumo atingiram os nfveis de 63%, 57% e 67% em 1950,1960 e 1970, nessa ordem. Nesses mesmos anos, o imposto sobre a renda das pessoas fisicas cresceu para 26%, 32% e 28% do total.30 A grande depressao do final da decada de 20 revelou a fragilidade de um Estado cuja principal fonte de renda depende do comercio exterior. O prec_o do cafe caiu de 22,5 centavos de dolar, em setembro de 1928, para 8 centavos de dolar, em setembro de 1931. O comercio exterior do Brasil restringiu-se de forma dramatica: as exportagoes despencaram de 446 milhoes de dolares, em 1929, para 181 milhoes, em 1932, e as importances cairam de 417 milhSes de dolares, em 1929, para 108 milhSes, em 1932. Sem moeda forte e com reduzidas receitas de exporta^ao, o pafs nao podia pagar sua divida externa; a remessa de ouro foi uma soluc.ao apenas temporaria, que levou a dissipaqao das reservas no final de 1931. "A relacjao entre o servic.0 da divida publica e as exportagoes cresceu de (...) 15% para (...) 43% no periodo mais serio da depressao (1932-33)."31 0 Brasil parou de pagar em setembro de 1931, quando o servi§o da divida chegou a 30% das exportagoes. Os banqueiros internacionais ja estavam descontentes com a estrutura oligarquica e federal do Brasil ha muito tempo. Ao negociar emprestimos para o pafs, os banqueiros ingleses freqiientemente solicitavam o es- tabelecimento de um sistema de governo mais centralizado. Os banqueiros pediam a centralizagao do processo de contabilidade, a criaqao de alguma especie de banco central e o controle federal sobre os emprestimos contraidos pelos estados. Os banqueiros pretendiam ainda exigir que o governo brasileiro aceitasse a presenga de especialistas estrangeiros para a realizagao de uma auditoria na economia e nas contas nacionais, com o objetivo de recomendar medidas que deveriam ser aceitas pelo Brasil. Em 1924 os Rothschild fixaram uma politica que condicionava a concessao de novos emprestimos ao pafs a cpncordancia brasileira em receber um especialista britanico. A missao Montagu, como passou a ser fflk 62 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL ACONSTRUgAO DO INSULAMENTO BUROCRATICO 63 111 I Ik l{ ill I 8! conhecida, recomendou que o governo federal controlasse os estados a fim de proteger a credibilidade brasileira no exterior e de garantir os recursos ingleses, ja comprometidos em emprestimos nao pagos por alguns es- tados.32 Anos depots, em 1931, seguindo a mesma politica, outro representante dos Rothschild, a Missao Niemeyer, foi enviado ao Brasil apos o enten- dimento previo de que o governo enviaria um convite aos tecnicos esco- Ihidos. Este "convite" era, na verdade, uma exigencia do governo britanico, que desejava que o trabalho da missao aparecesse publicamente como um generoso favor prestado pelos tecnicos ingleses. Os termos britanicos exigiam tambem que o Brasil concordasse com as recomendagoes feitas pela missao convidada.33 A insistencia na centralizacao refletia, de um lado, a preocupagao dos bancos com a seguranga de seu proprio dinheiro. De outro, refletia uma realidade que teria de ser alterada cedo ou tarde, seja por pressao externa ou pela opgao brasileira pela modernizagao: o sistema contabil brasileiro praticamente nao existia, nao havia boas estatisticas nem qualquer inf or- magao confiavel a respeito da divida. "Ate 1916, nunca tinha sido publi- cado um boletim estatfstico. Uma comissao instalada em 1931, para o estudo da divida externa, encontrou uma situagao de 'desordem, des- perdicio e irresponsabilidade' em termos de informagao; era virtualmente impossivel obter dados confiaveis sobre comercio interestadual, produgao agricola e balango de pagamentos, como infelizmente vieram a constatar o ministro da Fazenda Oswaldo Aranha e Valentim Boucas."34 Getulio e seus colaboradores nao puderam encontrar no Tesouro nacio- nal uma documentagao suficiente para calcular o valor da divida, o valor dos titulos em circulagao, os pagamentos j a efetuados e a efetuar, alem dos juros a serem pagos. Na verdade, concluiram que as remessas de recursos para Londres, Paris e Nova York'eram feitas a partir de faturas apresentadas pelos proprios banqueiros. Em 1931 Vargas criou uma comissao especial para analisar a situagao economico-financeira dos estados e municipios (Decreto-lei ne 20.631 de 09.11.1931). Em 1932 (Decreto-lei nQ 22.089, de 16.11.1932) as funcpes dessa comissao foram ampliadas para permitir a inspegao nas finances dos estados e municipios. A comissao tambem inspecionava a contabilidade financeira do governo federal, promovia a classificacao e organizacao dos contratos existentes, elaborava a contabilidade das transferencias de recur- sos e dos juros pagos. Em 31 de dezembro de 1934, gragas ao trabalho da comissao, a administracao ja era capaz de saber o total da divida externa de todos os niveis do governo.35 Tanto a Missao Montagu, de 1924, como a Missao Niemeyer, de 1931, recomendaram a adocao de medidas para aumentar a capacidade de controle sobre as finangas e sobre a arrecadacao, orgamento e avaliagao, alem da fiscalizagao. Ambas missSes insistiram, ainda, na necessidade de criagao de um banco central. Se de um lado as pressoes extemas exigiam respostas do Estado no sentido de melhorar seu proprio poder de barganha junto aos bancos, de outro essas mesmas pressoes vinham ao encontro de pressoes internas similares, oriundas de jovens militares e de administradores profissionais. Acrise de 1929 tornou inevitaveis as respostas do Estado. NOTAS 1. Eul-Soo Pang, "Coronelismo in Northeast Brazil", in Robert Kern (org.), The Caciques, p.71. 2. Wanderley Guilherme dos Santos, Cidadania ejustiga, p.71; Roberto Schwartz, Ao vencedor as batatas; Vitor Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto, p.13. 3. Otavio lanni, O Estado e oplanejamento no Brasil; Wanderley Guilherme dos Santos, Ordem burguesa e liberalismo politico. 4. Boris Fausto,j4 Revolugao de 1930: historiografia e historia, p.]04. 5. Mario Wagner Vieira Cunha, O sistema administrativo brasileiro, p.90-4. 6. Citado em Morris L. Cooke, Brazil on the March, p.278. 7. Houve mesmo casos de ministros que deixaram suas pastas por uma interventoria, como Fernando Costa (ministro da Agricultura nomeado interventorem Sao Paulo em 1941) e Agamenon Magalhaes (ministro do Trabalho nomeado interventor em Pernam- buco em 1937). 8. Helena Maria B. Bomeny, "Aestrategia de conciliagao: Minas Gerais e a abertura politica dos anos 30", in Angela de Castro Gomes (org.), Regionalismo e centralizagao politica: partidos e coristituintes nos anos 30. 9. Angela de Castro Gomes, Regionalismo e centralizagao..., op. cit., p.237. 10. Aspasia Camargo, "Authoritarianism and Populism: Bipolarity in the Brazilian Political System", in Neuma Aguiar (org.), The Structure of Brazilian Development. 11. Angela de Castro Gomes, "A construgao do homem novo: o trabalhador brasileiro", in Lucia Lippi de Oliveira, Monica Pimenta Velloso e Angela de Castro Gomes (orgs.), Estado Novo, ideologia e poder. 12. Simon Schwartzman (org.), O Estado Novo: um auto-retrato. Ver tambem, do mesmo autor, Tempos Capanema. 13. Wanderley Guilherme dos Santos, Cidadania e justiqa, op. cit., p.76. 14. Idem. 15. Idem. 16. Helofsa H.T. de Souza Martins, O Estado e a burocratizagao do sindicato no Brasil. 17. Sergio Miceli, Intelectuais e classe dirigente no Brasil, 1920-1945, p.132. 68 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL CAPITALISMO, PARTIDOS POLITICOS E INSULAMENTO 69 I'' MI' *I II'" M entranhas da ditadura que ele ousou substituir, e as elites que adminis- traram a transiqao e que, em ultima analise, controlaram o periodo cons- titucional e democratico pos-45 eram compostas pelas mesmas pessoas que apoiaram o regime anterior ou que dele se beneficiaram. A rede de interventores e prefeitos nomeados constituiu a base para a funda§ao do partido conservador, o PSD, que foi criado com os recursos para patronagem a disposiqao da ditadura e controlou o Congresso na eleigoes de 1945. Assim, o clientelismo que cresceu a sombra da estrutura social brasileira tornou-se um instrumento de engenharia politica astuciosamente manipu- lado por aqueles que se encontravam no poder. No meu entendimento, tanto a institucionalizaqao do clientelismo quan- to muitas das tensoes e dilemas que marcaram o Brasil nos ultimos anos tern sua origem e explicable nas caracteristicas da transi^ao para a demo- cracia, ocorrida apos 1945. As transicjoes sao importantes porque e durante os anos iniciais de um regime que se forja a redefiniqao do instrumental institucional. Sua confi- guragao e formato dependerao do tipo de transigao que venha a ocorrer: que forgas o sustentam e que forqas o manipulam.1 Em tal contexto, muitos aspectos sao cruciais: como foram organizados os partidos politicos e quais eram suas metas? Ate que ponto a nova Constituiqao refletiu e influenciou a redefinic_ao institucional, e ate que ponto ela refletiu o legado do regime anterior? As proximas se§6es irao explorar estas questoes. PARTIDOS MOBILIZADOS INTERNAMENTE Apersistencia e o fortalecimento do clientelismo originaram-se no proces- so de democratizaqao que sucedeu o Estado Novo e nas caracteristicas dos partidos e das liderangas politicas que emergiram na epoca. Tomo emprestado a Martin Shefter um modelo para se compreender como funciona o clientelismo nos partidos politicos. Segundo o autor, uma combinaqao de fatores forja a "experiencia critica" que define o estilo de acjao politica de organizagoes partidarias: a) os valores e as preferencias dos eleitores; b) os recursos a disposic_ao do partido; c) os interesses dos lideres e dos militantes partidarios. Ja as transigoes para a democracia, de acordo com Giuseppe Di Palma, variam de acordo com: a) a natureza do regime anterior (se autoritario ou totalitario); b) a maneira como ocorreu o colapso do regime (como resultado de revoluc.ao, evolugao ou forga externa); c) o tipo de atores politicos que fundam a democracia (se sao nacionais, e de que tipo, ou for<ja de ocupac.ao). Apesar de fatores externos terem influido na queda do Estado Novo, em virtude do clima internacional de democratizagao que sucedeu a Segunda Guerra Mundial, o novo regime inaugurado no Brasil evoluiu de uma situacjao autoritaria, cuja falencia resultou de fatores endogenos. A democracia instalada em 1945 foi controlada pelo mesmo aparelho poli- tico e pelos mesmos atores que estiveram no poder durante a ditadura. O Partido Social Democratico (PSD) foi constituido em torno de prefei- tos e interventores e se beneficiou dos recursos para patronagem a dis- posigao das administrates estaduais e municipais. Alem dos interven- tores, todas as figuras mais importantes da administraqao do Estado Novo participaram de sua criac,ao.2 Mais ainda, o candidate do PSD, general Eurico Dutra, venceu a primeira eleigao presidencial do novo regime, tendo recebido forte apoio politico de Getulio. E importante notar que Dutra foi ministro da Guerra durante todo o periodo do Estado Novo. O PSD constituiu o prototipo do que Shefter denomina de "partido mobilizado internamente" ou "partido de dentro" para utilizar a expressao de Thomas Skidmore.3 Ele permaneceu como o partido mais forte no Brasil desde sua criagao ate 1964. Partidos que se originam dentro do regime cujo lugar vao ocupar — uma vez que a mudanga nao e resultado da criagao revolucionaria de uma nova ordem — nascem com um estoque de recursos para patronagem que podem ser manipulados por elites identificadas com o status quo, que precisam de apoio popular para permanecer no poder apos a mudanga de regime. Partidos mobilizados internamente sao organizacjoes politicas nascidas no interior doAncien Regime, com o controle sobre seus recursos. A estrategia inicial de conseguir apoio em troca de patronagem fomecida pelo tesouro, acrescida a logica de coalizoes politicas entre elites partida- rias, constitui a "experiencia critica" desses partidos, uma experiencia de que os partidos tern tido muitas dificuldades para se libertar, pelo menos no curto intervalo de uma unica geragao.4 O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) foi outro partido gestado dentro do Estado. Criado apartir do Queremismo—movimento orquestrado para eleger Getulio como o primeiro presidente democratico —, o partido absorveu a face do getulismo que nao estava representada no PSD. O PTB foi organizado por aliados de Vargas como Marcondes Filho (ministro do Trabalho de 1941 a 1945) e Alberto Pasqualini, com o estimulo do proprio Vargas. Apesar de a base de sua estrutura formal ser menor que a do PSD, o PTB contava com o carisma de Getulio e com a "base organizacional industrial urbana" da estrutura sindical criada por ele.5 Se em 1945 o PTB apresentou candidates em apenas 14 estados, ja em 1947 estava repre- 70 A OR AM ATICA POLITICA DO BR ASIL CAPITALISMO, PARTIDOS POLITICOS E INSULAMENTO 71 1 li sentado em todas as 21 unidades da federaqao. Cedo o partido pode dispensar recursos oriundos do governo; os recursos para patronagem concedidos ao PTB foram utilizados para fortalecer a mobilizac,ao operaria.6 No inicio da decada de 50, o partido cresceu como resultado da elei§ao de Getulio a presidencia da Republica. Mais tarde, Joao Goulart, como ministro do Trabalho e depois vice-presidente da Republica, passou a manipular recursos estatais para fortalecer ainda mais o partido. A epoca de sua formacao, o PSD e o PTB dispunham de recursos para patronagem que as elites partidarias decidiram utilizar para obter apoio via clientelismo. Os seguidores e os membros dos partidos reconheciam e aceitavam essa troca como legitima e desejavel para os partidos. A Uniao Democratica Nacional (UDN), ao contrario, foi criada a partir de uma base politica diferente, com pelo menos um potencial para ser um partido "mobilizado externamente". Aqueles que nao tinham aderido a estrategia de Getulio, os que esposavam valores diferentes, ou mesmo os esquerdistas, juntaram-se para formar a UDN. Segundo Maria Vitoria Benevides, a UDN reuniu cinco tipos de autores: a) oligarcas desalojados pela Revoluqao de 30; b) antigos aliados de Vargas que tinham sido marginalizados depois de 1930 ou 1937; c) aqueles que participaram do Estado Novo mas se afastaram antes de 1945; d) grupos liberais com forte identificagao regional; e) esquerdistas.7 Originalmente, o discurso universalista era uma caracteristica de fra- 5oes da elite nacional da UDN. Sua retorica publica era marcada pelo combate a corrupQao administrativa, pelo cultivo do individualismo uni- versalista e pelo horror ao paternalismo de Getulio. No Congresso, a UDN apoiou todos os projetos que defendiam a moralizaqao administrativa.8 Entretanto, o discurso universalista da elite nacional do partido nao refletia a mentalidade de toda a UDN e seus eleitores. Como aponta Maria Vitoria Benevides, havia varias UDNS dentro da mesma estrutura partidaria: em geral, os autenticos e ospragmdticos constituem os polos mais relevantes. Os primeiros propunham permanecer fieis a gramatica do universalismo de procedimentos, enquanto os pragmaticos (ou adesistas) desejavam juntar-se ao fisiologismo. Isto gerou um distanciamento entre as duas faccjoes: "a eterna vigildncia e o eterno compromisso, sendo que a ultima participou do governo de uniao nacional de Dutra e ate do segundo governo Vargas".1' Em seu estudo classico sobre o lacerdismo no estado da Guanabara, Glaucio Ary Dillon Scares mostra que Carlos Lacerda e suas ideias eram apoiadas basicamente (73%) por profissionais liberais, gerentes, supervi- sores e funcionarios em cargos administrativos, concluindo que o "lacer- dismo e predominantemente liberal, nao-intervencionista e favoravel ao capital estrangeiro". Entretanto, o autor enfatiza que a Guanabara era um estado moderno e politizado, e nao representava o pais como todo.10 Lacerda, por sua vez, opunha-se ferozmente a coalizoes com o PSD ou o PTB. Em 1958, por exemplo, na conven^ao da UDN no antigo estado do Rio de Janeiro, que iria aprovar a coalizao com o PTB para enfrentar o PSD nas elei§5es para governador, Lacerda deslocou-se para Niteroi para lutar pessoalmente contra a coalizao. O que aconteceu naquela convengao e ilustrativo das contradiQoes que coexistem dentro do partido. Embora os velhos udenistas fossem contraries a alianga, a decisao de formar uma coliga$ao com o PTB foi tomada a partir de consideracoes pragmaticas.11 Na realidade, alguns dos quadros da elite udenista procuravam seguir os principles universalistas defendidos pelo partido. Na poderosa Comis- sao de Orgamento da Camara dos Deputados, por exemplo, os seis membros conhecidos como defensores do conservantismo fiscal e das restricoes or^amentarias eram Adauto Lucio Cardoso, Pedro Aleixo, Alio- mar Baleeiro, Hebert Levy (todos udenistas), Gustavo Capanema e Wag- ner Estelita (estes do PSD). Mas o discurso e o comportamento moralista da lideranga nacional conviviam com uma estrategia local e estadual de coalizoes com o PTB e/ou o PSD. Sufocada pela logica "realista", a UDN perdeu a chance de se tornar um bastiao do universalismo. Mesmo no perfodo que se seguiu imediatamente a restauracjao da democracia, ela ja havia comegado a colaborar com o governo Dutra e com o PSD. Como a UDN foi fundada em abril de 1945 e Dutra foi eleito em dezembro do mesmo ano, isto significa que ela so foi um partido de oposigao durante oito mesesl12 A participate da UDN nos ministerios esteve fortemente circunscrita a pastas com menores recursos para patronagem e provavelmente menos interesse para o PSD, que geralmente dividia com o PTB as pastas mais importantes. ATabela 1 mostra fortes relagoes entre partidos e ministerios: os ministros do Trabalho do perfodo 1945-63 eram em geral do PTB; a UDN tinha maior acesso ao Ministerio das Relacoes Exteriores, que obviamente tinha pouco ou nada a oferecer em termos de patronagem conversivel em votos. No piano estadual a ala pragmatica firmou coalizoes com partidos clientelistas, objetivando participar do governo, e afastou-se do universa- lismo de procedimentos e da "eterna vigilancia" das elites nacionais do partido, estas mais intelectualizadas. Ja em 1947 a UDN se aliava com os mesmos partidos combatidos em sua retorica nacional. ATabela 2 revela a UDN, de fato, aliou-se ao PSD, ao PTB, ao PRP, ao PDC, ao PL, ao PTN e 72 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL TABELA1 Filiacao Partidaria de Ministros 1945-1963 Ministerios Justiga Transportes Agricultura Financ.a Relagoes Exteriores Saude Educatjao Trabalho PSD 13 8 6 6 6 6 6 0 UDN 1 2 1 1 5 — 1 0 PTB 0 3 4 2 1 2 1 10 Outros 9 4 6 10 4 6 6 11 Total 21 17 17 19 16 14 14 21 Fonte: Lucia Lippi, "O Partido Social Democratico", p.60. Segundo Lucia Lippi, os dados, embora incompletos, sao suficientes para mostrar uma afinidade eletiva entre certos partidos e certos ministerios. ao PR em diferentes estados. Asitua5ao nao se modificou com o tempo; ao contrario, a Tabela 3 mostra que, a partir de 1947, as coalizoes para a disputa dos governos estaduais so fizeram aumentar. No Congresso, o padrao de votaqao da UDN como um todo era erratico: votava a favor de medidas que propunham a diminuiqao da participac.ao do Estado na economia e, igualmente, a favor de projetos que propunham a criacjao de empresas estatais. Sua coesao interna so era particularmente alta quando a questao era fortemente ideologizada em termos de esquerda versus direita, ocasi5es em que o partido votava com a direita.13 Em 1966 foi extinto o sistema partidario. O regime militar pos-1964, contudo, beneficiou-se daqueles formalmente filiados a UDN: a analise da origem partidaria dos govemadotes nomeados pelo o executive central em 1978 (Tabela 4) mostra que, durante o regime autoritario pos-1964, a UDN conseguiu ganhar, nas elei5oes indiretas, sem coalizao e sob controle militar, um substancial numero de posicjoes governamentais. Ainterpreta- O.ao da Tabela 4 requer cautela por ausencia de conjunto similar de dados para as eleicoes entre 1966 e 1978. Nao obstante, analistas do periodo tern freqiientemente salientado que a UDN e mais proxima dos militares do que os outros partidos, e que os udenistas autenticos foram os vencedores em 1964.14 A UDN nao conseguiu transformar-se em porta-voz da modernizacao universalista da vida brasileira por muitas razoes que podem ser derivadas da abordagem de Shefter, ja enunciada neste trabalho: a) algumas fraqoes 78 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL QUADRO 4 Partidos Politicos Comparados Segundo a Base Social e os Tipos de Incentives Partidarios Migrantes, Camponeses Desenraizados Classe Media e Operariado Particularistas (patronagem) Universalistas (polfticas publicas, ideologia) Filipinas: Nacionalistas Gana: Partido de Convengao Popular Chicago, Filadelfia: Maquina Democratica Indiana, Ohio: Partido Democratico Bolonha: Partido Comunista (PCI) Espanha Republicana: Partido Socialista (PSOE), Anarco-Sindicalista (CNT) Michigan, Wisconsin: Partido Democratico Franga: Partido Radical Nova York, Pensilvania: Partido Republicano Nassau Country: Maquina Republicana Italia: Democracia Crista EUA: Progressistas e Reformadores Inglaterra: Trabalhistas e Conservadores Alemanha: Social Democratas (SPD), Democratas Cristaos (CDU/CSU) Extraido de Martin Shefter, "Patronage and Its Opponents: A Theory and some European Cases". Uma outra possibilidade logica para um partido mobilizado externamente e a tentativa de conseguir acesso a alguns segmentos de recurso para a patronagem, atraves de coalizoes. Este foi o caminho seguido pela UDN no passado. Teoricamente, o problema crucial envolve a tomada de decisoes a respeito do uso do clientelismo e da patronagem, quando o partido de oposigao que advogava o universalismo chega ao poder. A utilizaeao do clientelismo para manter apoio politico torna-se um ato sujeito a um calculo racional. Varies fatores podem restringir os limites dentro dos quais um partido de oposiqao que esta ocupando o poder pode recorrer a patronagem como um instrumento politico racional. Martin Shefter ressalta que as proprias lideranqas podem atuar como checks and balances do clientelismo. Alem disso, os simpatizantes do partido, leais aos ideais da organizagao e marcados pela luta na oposi^ao, nao esperam que o partido recorra a patronagem para manter sua base de apoio. Finalmente, o partido tera vencido uma elei$ao baseado em seu programa, e por conseguinte ja tera uma solida base de apoio. Evidentemente, apoio para limitar o uso do clientelismo nao se desenvolve em partidos que chegam rapidamente ao poder sem tempo para consolidar uma solida base de sustentaqao. Portanto, chegando ao poder, podem transformar-se em partidos de mobilizagao CAPITALISMO, PARTIDOS POLl'TICOS E INSULAMENTO 79 interna e decidir utilizar a patronagem como uma forma de consolidar sua base politica que ainda nao parece estar assegurada.16 Em paises de grandes dimensoes, como o Brasil, a aplicacao deste modelo torna-se complexa, em grande parte por causa das disparidades regionais. Diferentes setores dopartido terao experiencias diferentes como resultado de diferen^as regionais do eleitorado, das lideran§as partidarias e da disponibilidade de recursos. Ha um outro fator complicador: a dicotomia clientelismo versus uni- versalismo de procedimentos nao e igual a dicotomia, esta mais discutivel, entre partidos pragmaticos versus partidos ideologicos. As praticas clien- telistas sao perfeitamente compativeis com partidos ideologicos, como ja concluiram varios pesquisadores.17 A realidade e sempre menos "preta e branca" do que os argumentos academicos. As posturas clientelistas nao constituiram as unicas justificativas para a atividade politica durante o periodo 1945-64 no Brasil. Facgoes do PTB estavam genuinamente voltadas para objetivos mais a esquerda e engaja- das em campanhas ideologicas e reformistas. A UDN tambem possuia facgoes com genufnos compromissos ideologicos liberals e direitistas. Politica ideologica e politica clientelista e fisiologica nao sao mutuamente excludentes. Tanto os partidos ideologicos como os fisiologicos utilizaram o clientelismo como instrumento de consolida^ao partidaria. QUADRO 5 Partidos Politicos no Brasil: Tipos de Mobilizacao e Orientagao Mobilizagao Interna Mobilizagao Externa Clientelistas Nao-Clientelistas PSD PTB (periodo populista) MDB (Chagas Freitas) PDS UDN (Fluminense, perfodo populista) UDN (Minas Gerais, periodo populista) PTB (nos anos 1980) UDN (Rio, perfodo populista) UDN (Sao Paulo, periodo populista) PCB (1945-1947) PT (nos anos 1980) PMDB (Montoro) Nome dos Partidos: PSD - Partido Social Democratico; MDB - Movimento Democratico Brasileiro; PDS - Partido Democratico Social; UDN - Uniao Democratica Nacional; PTB - Partido Trabalhista Brasileiro; PDT-Partido Democratico Trabalhista; PCB-Partido Comu- nista Brasileiro; PT — Partido dos Trabalhadores; PMDB — Partido do Movimento Democratico Brasileiro. 80 A GRAMAT1CA POLITICA DO BRASIL ,-i II AUDN, por exemplo, produziu diferentes perfis em diferentes estados.18 A adogao de mais ou menos universalismo de procedimentos nao e fungao exclusiva da base social do partido ou mesmo das tendencias ideologicas de seus quadros, mas depende de uma combinagao de fatores, sendo as mais cruciais as decisoes racionais tomadas pelas elites partidarias. Ao menos no Brasil, enquanto os partidos mobilizados externamente sucum- bem a tentagao de utilizar a patronagem, os partidos mobilizados interna- mente quase invariavelmente o fazem. Em sintese, a adogao de estrategias universalistas ou clientelistas de- pende da combinagao de tres fatores: decisoes da lideranga, orientagoes do eleitorado e existencia de recursos. Estes fatores diferem, dependendo se o partido se mobilizou inicialmente de dentro ou de fora do regime. Finalmente, a cristalizagao de uma "experiencia crftica" capaz de conso- lidar a orientagao de um partido depende da rapidez com que o partido chega ao poder. Os tres maiores partidos pollticos brasileiros entre 1945 e 1964 podem ser assim caracterizados: o PTB e o PSD cristalizaram-se como clientelistas e se distanciaram tanto do universalismo de procedimentos quanta do universalismo instrumental. A UDN, apesar da possibilidade inicial de se institucionalizar como um porta-voz do universalismo, foi afetada pelas peculiaridades regionais que a levaram ao poder em coalizao com partidos clientelistas e que pressionaram a logica partidaria na diregao do cliente- lismo. Os tres maiores partidos acabaram constituindo uma coalizao de fato para patronagem. EM BUSCADA RACIONALIDADE: POLITICOS VERSUS TECNICOS No regime democratico instalado em 1945 a politica partidaria e eleitoral estava acima de todas as questoes importantes. Primeiro houve eleigoes presidenciais e parlamentares, e em 1947 as eleigoes estaduais e munici- pals. Este periodo inicial e controlado pelo PSD. Aimportancia das velhas elites neste periodo pode ser avaliada pela centralidade do PSD no Congres- so: o partido conquistou 52,3% das cadeiras em 1945 e tinha cerca de 35% em 1963. Aproveitando-se de disposigoes legais que permitiam que um candidate concorresse a mais de um cargo em mais de um estado, o proprio Getulio Vargas, o simbolo mais forte da velha ordem, foi eleito senador em dois estados (Sao Paulo e Rio Grande do Sul) e deputado federal em sete (Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro, Parana, Distrito Federal e tambem em Sao Paulo e Rio Grande do Sul). Escolheu assumir a cadeira de senador pelo PSD do Rio Grande do Sul. CAPITALISMO, PARTIDOS POLITICOS E1NSULAMENTO 81 Os constituintes, preocupados com a centralizagao executiva do regime autoritario, prescreveram um papel importante para o Congresso no novo regime. Primeiro, "a Constituigao de 1946 garantia ao Congresso brasilei- ro o poder da bolsa", atraves do controle do orcamento da Uniao.19 O texto constitucional era liberal e nao deixava muito espago para o Estado, isto e, o Executive, intervir na economia.211 Segundo, deixava "pouca margem de manobra para o Executive". Na medida em que as agoes do Executive dependiam das leis escritas, estariam sujeitas a contmua inspegao pelo Legislative. Mesmo politicas de curto prazo tinham de ser autorizadas pelo Legislative antes de entrar em vigor, e a execugao de politicas era seguida de perto por atentas comissoes do Legislative."21 Como mostrou a perspicaz analise de Maria do Carmo Campello de Souza, as provisoes constitucionais remontavam a construcao partidaria tradicional. Primeiro, estados menos populosos receberam uma super-re- presentagao no Congresso, enquanto os mais populosos eram subrepre- sentados22, o que beneficiava uma estrutura partidaria conservadora e dificultava a penetragao dos conflitos industrials nos partidos. Este arranjo era instrumental para que as elites tradicionais, tanto dos estados mais atrasados como dos mais modernos, pudessem manter controle sobre o sistema partidario, mas tambem subtraia representatividade aos partidos pollticos. Segundo, o controle sobre o processo orgamentario permitiu a produgao de politicas distributivas desagregadas, que foram cruciais para a politica eleitoral, como mostram as variagoes nos itens do orgamento analisados por Barry Ames.23 A forqa dos partidos politicos e do Congresso era mais aparente que verdadeira. O Executivo era freqiientemente mais progressista que o Legis- lative — o governo Dutra constitui uma excec_ao conspicua—e mais voltado para a industrializacjio e a intervengao do Estado na economia. Isto resultou na necessidade de driblar os partidos durante o segundo governo Vargas (1951-54), e mais claramente durante o governo Kubitschek (1956-61). Em smtese, o processo constituinte reforgou o poder dos partidos, reins- talou valores e provisoes liberals e moldou os anos seguintes de uma maneira que conduziu a morte involuntaria dos principios constitucionais liberals. Isto aconteceu porque o desenvolvimento economico e a industrializagao, que estavam na agenda do Executivo, dos tecnoburocratas e dos empresarios foram implementados por outros canais que nao os dos partidos. Desde a decada de 40 existia uma aparente divisao de trabalho no interior do sistema politico brasileiro. Os partidos pollticos controlavam governos estaduais, ministerios e o orgamento federal. Apatronagem era responsavel por milhares de nomeagoes na burocracia estatal tradicional :« * 1 ifl 1$ !u"l 82 A GRAMATICA POLITICA DO BRAS1L e tornou impossivel qualquer reforma administrativa no ambito do funcio- nalismo, o que levou a caracterizacao do Estado brasileiro como urn "Estado cartorial".24 Entretanto, os partidos politicos nao tinham controle sobre o nucleo tecnico do Estado, representado por organismos como a SUMOC, o BNDE e os Grupos Executives e composto por tecnoburocratas politizados. Politi- zados mas sem filia§ao partidaria, estes tecnoburocratas desprezavam os politicos e o Congresso e promoveram um serio processo de insulamento burocratico, com o objetivo de driblar a arena controlada pelos partidos. No Brasil os politicos eram frequentemente vistos pelas elites moder- nizantes como um empecilho ao progresso. Na decada de 30 Vargas extinguiu os partidos e promoveu a centralizacao administrativa, sob a supervisao tecnica do DASP. Nos anos 60 o governo militar extinguiu os partidos, criou novos, cassou mandates e produziu uma legislaqao "revo- lucionaria". No perfodo decorrido entre estes dois momentos de ataque radical aos partidos e aos representantes eleitos, outras tentativas foram feitas para neutralizar sua influencia no processo de formula§ao politica, atraves do insulamento burocratico. Os politicos nao eram censurados apenas porque eram considerados responsaveis pelo atraso do pais nos anos que precederam a Revolugao de 30, ja que representavam as oligarquias. Eram tambem vistos como aqueles que promoviam a redistribuicao irresponsavel e a corrupcjao na decada de 50 e inicio dos anos 60, por causa de sua politica eleitoral populista e demagogica. Especializagao e universalismo de procedimentos eram entendidos como os meios para conter o spoils system promovido pelos politicos. Nos anos 30 esta busca da racionalidade levou a adocao do corporativismo da politica tradicional. Depois da redemocratiza^ao em 1945 politicos, partidos e Congresso moveram-se para o primeiro piano da cena politica. Os dados a respeito das origens politicas de governadores e ministros, apresentados a seguir, mostrarao ate que ponto os politicos ocuparam as principals posicoes na tomada de decisoes durante o periodo democratico. Uma comparaqao com o periodo militar pos-64 vai demonstrar ate que ponto os politicos foram removidos das posicpes que tinham ocupado no periodo democratico.25 Entre 1947 e 1962 a grande maioria (70%) dos governadores eleitos era composta por homens com experiencia legislativa, como se pode ver na Tabela 6. Ja durante o governo militar pos-64, percebe-se claramente uma inversao nesse perfil. Em 1970, no governo Medici e, em 1974, no governo Geisel, inumeros tecnoburocratas foram escolhidos para governar os es- CAPITALISMO, PARTIDOS POLITICOS E INSULAMENTO 83 GRAFICO 2 Brasil: Origem dos Governadores por Eleicao 1946-1978 Anos tados. O metodo de eleicao indireta imposto naquela epoca permitiu de fato que o presidente controlasse o processo de escolha. As eleicoes de 1965 e 1966 ainda nao refletiam nitidamente a busca da racionalidade observada no pos-64, por duas razoes: primeira, em 1965 as eleicoes ainda foram diretas; segunda, embora o sistema de eleicoes indiretas ja estivesse em vigor em 1966, o processo de barganha politica ainda era muito forte, mais forte que no pos-68, quando o regime militar consolidou o seu controle sobre o sistema politico e adquiriu uma inspiracao mais claramente ditatorial. Neste sentido, importantes aspec- tos do periodo "burocratico-autoritario" tern seu marco inicial em 1968, e nao em 1964. As alteragoes nas origens dos ministros refletem mais adequadamente a tendencia a racionalizacao, atraves da exclusao dos politicos profis- sionais dos postos cruciais. Ate 1964, quase 60% dos ministros civis tinham experiencia legislativa anterior, enquanto 26% tinham origens mais tecnicas. Este padrao inverteu-se claramente depois de 1964: apenas 21% das pastas civis foram ocupadas por homens com experiencia parlamentar, enquanto a especializagao tecnoburocratica passou a ser responsavel pela ocupagao de 55% das pastas. Alem disso, individuos com origem militar m . ~ S T - ic 'r tS S .p k o a ,K - < i> ^ o fi > a i - " I ! . s4 l f l i * Estado Maior das F< ** Service Nacional c **** Chefe do staff. **** Negocios milita 3 8- S y — '•8 5, % 3 > £ 1 B1 g - cn 3 £> 0 1 S 2 § | f . B ; 5 g z 2 o O * •»• e g r « < • a d h— i 1̂ C T > ? ° S * 3. O 1 : ° # * * K > tô 1 oo _ i w 00 # O Is ) O O O ~ J tO O N f j ° O — » O O -J O i- " O O O -J C7 \ O \ f2 ~J H 5 r t d C d O O " 2 S o C* l m i 2 ^3 O W ?C J ° § 3 i S S- S B ,_, w =• » 2. in £ "• o ° n o a Ig lS S 'l |i s - 6 l 0 | 2 g cfa ' §~ re H K > W -J 0 0 *-> u> 00 0 0 0 ^ ^ 0 0 g U > U ) W IO i-> K ) tO i- i >-» o o o o ^ ^ U i O \ t-n r 3 9 3 0 - ^ «• S o l i > W M 1 s & ° 3 5 S lS ^ 8 — • S 2 03 " R r 5 s & ^ % 65 <, p 03 O c & "1 W 5 O •» 3 v. 3 2 . H * » ^ £ o ^ & \o o oo w tO g w 1 T A B E L A 8 E st ab ili da de M in is te ri al , 1 94 6- 19 80 Pr es id en te Eu ric o D ut ra G et ul io V ar ga s C af eF il ho Ju sc el in o K ub its ch ek Ja ni o Q ua dr os Jo ao G ou la rt C as te lo B ra nc o C os ta e S ilv a E m ili o M ed ic i Er ne st o G ei se l Jo ao F ig ue ir ed o (a te 3 1 de ju lh o de 19 80 ) (1 ) D ur ag ao (m es es ) 60 43 17 60 7 30 35 31 52 60 16 (2 ) N ur ne ro d e M in is tr os 10 11 11 11 13 16 15 16 16 21 23 (3 ) N iim er o de M in is tr os 30 27 28 33 15 65 40 21 20 31 30 (4 ) (5 ) M ad ia s de M ed ia d e E st ab ili da de c om o Pe rm an en ci a Pr op or ca o da D ur ac ao T ot al no C ar go (T ax a re al ) 20 .0 17 .5 6. 7 20 .0 6. 1 7. 4 13 .1 23 .6 41 .6 40 .6 12 .3 33 .3 40 .7 39 .3 33 .3 86 .7 24 .6 37 .5 76 .2 80 .0 67 .7 76 .7 (6 ) M ed ia d e E st ab ili da de c om o Pr op or ga o do M an da to C on st itu ci on al (T ax a po ss iv el ) 33 .3 29 .2 11 .1 33 .3 10 .1 12 .3 21 .9 39 .4 69 .3 67 .7 20 .4 N ot a: a ) M ed ia d e pe rm an en ci a no c ar go = 1 x 2 /3 b) E st ab ili da de a tu al = 4 /1 x 1 00 c) E st ab ili da de p os sf ve l = 4/ 60 x 1 0 90 A GRAMATICA POLITICADO BRASIL 1i £ ' na administra^ao indireta, isto e, nas empresas estatais e autarquias encar- regadas de politicas economicas importantes. Tomando-se a carreira anterior de 1.976 tecnoburocratas de um conjunto de 98 empresas estatais estudadas por Wanderley Guilherme dos Santos, e cruzando-se seus dados com as listas de deputados federais, senadores e deputados estaduais publicadas pelo tri- bunal Superior Eleitoral (TSE) em apenas 168 casos os ocupantes de postos na tecnoburocracia possuem experiencia legislativa anterior.28 Uma leitura mais detida das biografias destas 61 pessoas reforcja a conclusao de que uma divisao de trabalho estava acontecendo no interior das instituigoes politicas. No periodo anterior a 1964, 40 individuos no conjunto ocuparam postos na tecnoburocracia, e o maior contingente estava no Banco do Brasil, mais precisamente na Carteira de Credito Agricola e Industrial (Creai). Adistribui£ao e a seguinte: Banco do Brasil, 13; IPASE, seis; Institute do Acucar e do Alcool (IAA), cinco; Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), tres; Banco Nacional de Credito Educativo (BNCC) dois; Banco nacional da Borracha (BNB), dois; Companhia Side- rurgica Nacional (CSN), dois; Petrobras, Institute Brasileiro do Cafe (IBC), Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS), Institute Bra- sileiro de Geografia e Estatistica (IBGE), Secretaria de Assuntos Culturais do Ministerio da Educagao e Cultura, Carbonifera Prospera, um. Com exceQao da Vale do Rio Doce, da Petrobras e da Companhia Siderurgica Nacional — agendas fundamentals para o esforqo de indus- trializagao —, todos os outros cargos localizavam-se em agendas envol- vidas com a promocjao do desenvolvimento regional, rural e credito em geral. Um traqo peculiar revelado pelos dados e o de que aqueles que ocuparam cargos em agendas cruciais como a Vale do Rio Doce e a Petrobras tendiam a ser da UDN (na Vale do Rio Doce, dois em tres eram udenistas). No periodo pos-64 os dados dfsponiveis alcangam 21 individuos: tres no Banco do Brasil, dois no IPASE, dois no BNB, dois no IBC, dois no Banco da Amazonia, um em Itaipu, Eletrobras, Usiminas, Companhia Hidreletri- ca do Vale de Sao Francisco, CAEEB, Secretaria de Assuntos Culturais do MEC, Institute de Resseguros do Brasil (IRB), Vale do Rio Doce, Cobal, Cibrazem, Carbonifera Prospera, IBC. Mais uma vez, aqueles que ocupa- ram importantes cargos como as presidencias de Itaipu, Eletrobras e Usiminas eram ex-udenistas, um deles oriundo da carreira militar. Na verdade, a Tabela 9 subestima a diminuigao da importancia dos politicos no aparelho tecnoburocratico, porque nao e possivel controlar os dados a partir do numero de agendas que existiram em cada periodo; um certo numero delas e de criaqao recente. CAPITALISMO, PARTIDOS POLITICOS E INSULAMENTO TABELA9 Tecnoburocratas com Experiencia Legislativa Numero com Experiencia Legislativa* 91 PRESIDENTS Eurico Dutra Getulio Vargas Cafe Filho Juscelino Kubitschek Janio Quadras Joao Goulart Castelo Branco Costa e Silva Emflio Medici Ernesto Geisel Joao Figueiredo rr/~\T\ T1U1AL 36 20 17 24 17 20 1.3 10 g 1 2 168 *Amostragem de 98 agendas de Bstado; 1.976 posigoes. Wanderley Guilherme documenta dois outros fatos que podem ser acrescentados a este quadro.29 Primeiro, as taxas de estabilidade anteriores a 1964, para os cargos mais altos de 15 importantes agendas estatais, atingem seu nivel mais baixo durante o governo Goulart e o seu nivel mais alto durante o segundo governo Vargas. Segundo, no conjunto de 98 agendas e 1.976 cargos na tecnoburocracia, mencionado acima, os mais altos niveis de estabilidade foram alcangados nos governos Kubitschek e Medici, e os mais baixos ocorreram no governo Goulart. Alem disso, o estudo do autor mostra que a estabilidade tecnoburocratica nao estava associada a mandatos parlamentares, o que indica que a logica clientelista dos partidos politicos nao invadiu os escaloes tecnicos de muitas agendas importantes. Apatronagem parece ser mais influente na burocracia tradicional e no ambito de governos estaduais e prefeituras. No periodo entre 1950- e 1973 a burocracia federal cresceu a uma taxa anual de 1%, enquanto a taxa de crescimento nos estados foi de 5,4% e nos municipios, de 5%.30 Esta discussao aponta para uma divisao do trabalho entre o clientelismo e o insulamento burocratico. Alem disso, reconcilia o argumento sobre a existencia de um Estado cartorial com o argumento que a nega. O Estado cartorial realimentou a construgao partidaria, enquanto o insulamento burocratico serviu como um importante meio de agio rumo ao desenvol- vimento economico. Os dados apresentados nesta sec.ao mostram que o papel dos politicos profissionais diminuiu com o tempo. Primeiro, em razao da busca da 92 A GRAMATICA POLITICA DO BRAS1L CAPITALISMO, PARTIDOS POLITICOS EINSULAMENTO 93 1 fe I I! racionalidade patrocinada pela tecnoburocracia, e segundo, em razao do golpe militar de 1964. Entretanto, os dados tambem indicam que os politicos nao ocuparam cargos cruciais alem dos cargos de governo e de um numero decrescente de ministerios. A maioria dos postos tecnoburo- craticos ocupados por politicos profissionais possuia largo potencial para patronagem politica, como certos cargos no Banco do Brasil (a Creai, por exemplo) e institutos de previdencia social; o nucleo mais tecnico do Estado foi insulado contra a patronagem. Mais uma vez esse processo de insulamento foi mais dramatico durante o regime militar. Nao obstante, foi astuciosamente utilizado por Getulio e Juscelino, com o objetivo de implementar politicas desenvolvimentistas. O governo Goulart, segundo os dados de Wanderley Guilherme dos Santos, violou esta regra, utilizou o nucleo tecnoburocratico como moeda politica e patrocinou as mais alias taxas de instabilidade para o nucleo tecnico em todo periodo pos-45. Se o clientelismo era influente em muitos niveis, o insulamento buro- cratico era central em muitos outros. Afusao destas tendencias frequente- mente contraditorias num conjunto de instituicpes politicas hibridas foi orquestrada por dois magistrais politicos profissionais eleitos para a Pre- sidencia da Republica: Getulio Vargas e Juscelino Kubitschek. Este e o assunto do proximo capitulo. NOTAS 1. Giuseppe Di Palma, "Italy: Is There a Legacy and Is It Facist?", in John Herz (org.), From Dictatorship to Democracy: Copying with Legacies of Authoritarianism and Totalitarism. 2. Lucia Lippi de Oliveira, "Partidos politicos brasileiros: o Partido Social Demo- cratico", Disserta^ao de Mestrado. 3. Thomas Skidmore, Brasil: De Getulio a Castelo. 4. A noc,ao de "experiencia critica" e usada aqui no mesmo sentido aplicado por Shefter, em conformidade com Selznick e Ira Katznelson. Experiencia critica, neste caso, refere-se a fatos que formam estruturas organizacionais desde sua origem. Ct". Martin Shefter, "Patronage and Its Opponents: ATheory and Some European Cases", Conferencia The Scope of Social Sciences History; Selznick, "Institutional Vulnerabi- lity in Mass Society", American Journal of Sociology; e Ira Katznelson e Mark Kesselman, The Politics of Power. 5. Glaucio Ary Dillon Soares, Sociedade e politica no Brasil: desenvolvimento, classe e politica durante a Segunda Republica. 6. "One of the Principal activities of Labor leaders in the relatively free years before 1964 (...) was to seek favors or services from government agencies for themselves and their constituencies (...) Labor leaders applied their leverage through connections with deputies, ministers, and administrators. In some cases they campaigned for office and became deputies themselves, enhancing their own ability to provide for their constituents." Ver Kenneth P. Erickson, The Brazilian Corporate State and Working Class Politics. 7. Maria Vitoria Benevides,/! UDN e o udenismo, p.29. 8. Ibid., p.267. 9. Robert Wesson e David Fleischer, Brazil in Transition, p.99. 10. Glaucio Ary Dillon Soares, "As bases ideologicas do lacerdismo", Revista Civilizagao Brasileira. 11. Prado Kelly foi contra o acordo (...) e eles trouxeram Lacerda para criar problemas (...) Lacerda e um politico da Guanabara que nao conhece o Estado do Rio de Janeiro; ele veio aqui trazido por outros (...) Eu era a favor do acordo e eu estava pleno de razoes (mais cedo) quando fui a Petropolis com Paulo Araujo, no apartamento de Prado Kelly. Prado Kelly ao inves de encorajar a UDN a langar um candidate - ele que havia sido derrotado por Amaral Peixoto -, disse: "Nos precisamos fazer um acordo a fim de entrar no governo e atender as necessidades de nossas campanhas no interior." Nesta epoca, no Rio de Janeiro, ser um membro da UDN significava nao ter a filha escolhida como professora, significava nao possuir uma estrada que mantivesse sua fazenda. Era realmente uma tremenda perseguicjao ser um membro da UDN (entrevista com Lacerda por Marcia Silveira, em 11/11/1979). 12. Carlos Lacerda, Depoimento, p.65. 13. Wanderley Guilherme dos Santos, "The Calculus of Conflict: Impass in Brazilian Politics and the Crisis of 1964", Tese de Doutorado, p.5; Maria Izabel Valadao de Carvalho, "Conflito e consenso no Legislative", in Candido Mendes (org.), O Legislativo e a tecnocracia. 14. Maria Vitoria Benevides, A UDN e o udenismo..., op. cit., p.136; Thomas Skidmore, De Getulio a Castelo, p.368 e seg. 15. Martin Shefter, "Patronage and Its Opponents...", op. cit., p.21. 16. Idem. 17. Judith Chubb, "Naples under the Left: The Limits of Local Change" e "The Social Bases of an Urban Political Machine: the DC in Palermo"; Jacek Tarkowski, "Patrons and Clients in a Planned Economy", in S.N. Eisenstadt e R. Lemarchand (orgs.), Political Clientelism, Patronage and Development. 18. Maria Vitoria Benevides, A UDN e o udenismo. 19. Barry Ames, "What a Difference Does a Congress Make: The Structure of Politics and the Distribution of Public Expeditures in Brazil's Competitive Period", p.12. 20. Alberto Venancio Filho,/4 intervenqdo do Estado no dominio economico, p.55. 21. W.G. dos Santos, "The Calculus of Conflict...", op. cit., p.55. 22. Miguel Reale calculou, baseado nas estimativas do IBGE relativas a populagao brasileira em 1959, que varios estados estavam sub-representados. Sao Paulo possufa 22 .congressistas a menos do que deveria possuir; Minas Gerais tinha menos 15 congressistas; Bahia menos 7; Rio Grande do Sul menos 5; Pernambuco menos 3; Parana menos 1; e Ceara menos 1. Cf. Miguel Reale, "O sistema de representa$ao proporcional e o regime presidencial brasileiro", RBEP. 23. Barry Ames, "What Difference Does a Congress...". 24. A expressao "Estado cartorial" foi cunhada por Helio Jaguaribe e refere-se a uma situagao em que as agendas e funcoes publicas nao tern como missao principal a execucao de tarefas orientadas para o publico. No estado cartorial, a burocracia publica 98 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL n IB Si it i !i r MS; pudessem funcionar a distancia do sistema politico tradicional) e na manutengao da estrutura corporativa.3 O uso extensive de agendas estatais insuladas foi uma resposta ao dilema criado pelo imperative da lideranga estatal no desenvolvimento economico, associado a incapacidade de reformar o aparelho de Estado tradicional, para que ele pudesse desempenhar a funqao desenvolvimen- tista. Dadas as circunstancias concretas do periodo pos-45, o clientelis- mo gerou um espacjo para o insulamento burocratico, solugao que as mo- dernas forgas capitalistas encontraram para fugir a dominagao politica do clientelismo. A administrate das pollticas economicas, assim como as decisoes estrategicas, acabou sendo feita fora dos orgaos represen- tatives do sistema partidario. Paulo Roberto Motta denominou esta prati- ca de "estrategia escapista", atraves da qual setores dinamicos da burgue- sia nacional, associados a tecnoburocracia e aos interesses internacio- nais, viabilizaram um programa de alargamento da base industrial no Brasil.4 As elites desenvolvimentistas, incluindo aquelas que haviam trabalhado no DASP, acreditavam que a modernizagao economica seria impossivel, a menos que as agendas burocraticas de planejamento e implementagao das pollticas economicas fossem equipadas com pessoal recrutado a base de competencia e nao de conexoes pollticas. Sua solugao para este dilema foi a tentativa de criar agendas de formulagao de politica economica estavel, nao sujeita as freqiientes mudangas pollticas, e protegao da competencia e da especializagao. Alem disso, entendiam que as nomeagoes para estas agendas tinham de ser isentas de fisiologismo. INSULAMENTO BUROCRATICO: A COMBINAQAO DE VELHOS E Novos ATORES PARA A MODERNIZAC, Ao LIDERADA PELO ESTADO Tal como ocorrera anteriormente com o DASP, a Superintendencia da Moeda e do Credito (SUMOC) — autoridade monetaria brasileira e embriao do Banco Central, a ser criado depois de 1964, — era uma agenda idealizada conscientemente por seus criadores como uma instituigao auto- noma e com amplo poder de arbitrio. Pedro Correa do Lago realizou um trabalho notavel ao demonstrar o processo de insulamento perseguido pela SUMOC e as lutas pollticas e burocraticas associadas a tentativa da agenda de conquistar maior autonomia.5 ASUMOC foi criada pelo Decreto-lei ns 7.293, de 2 de fevereiro de 1945, quando ja se tornava claro que a ditadura terminaria em breve e seria MUDANCA DENTRO DA CONTINUIDADE 99 necessario criar instituigoes capazes de operar mini contexto democratico. Otavio Gouveia de Bulhoes, entao assessor do ministro da Fazenda, propos a criagao da agenda no final de 1946, tendo em mente a futura criagao de um banco central. Os tecnicos associados a criagao da SUMOC relataram que Bulhoes tinha consciencia de que o clima de uma democracia bem-sucedida traria dificuldades para a criagao de uma agenda insulada, tendo em vista as prerrogativas do Congresso e a capacidade do Banco do Brasil de evitar o surgimento de agendas que pudessem diminuir seu duplo papel de banco comercial e de autoridade monetaria central. BulhSes considerava o Banco do Brasil invencivel no Congresso, dado o vasto numero de agendas que possuia em todo pafs e os financiamentos que concedia. Os criadores da SUMOC ja esperavam que o Congresso rejeitasse qual- quer projeto que parecesse prejudicial ao banco e a sua capacidade de implementar programas de credito considerados cruciais para o poder economico e politico das liderangas locals. Uma nova autoridade moneta- ria poderia, talvez, diminuir o poder dos varies escritorios especiais do Banco do Brasil e poderia dar ainda uma dimensao de centralizagao, que seria politicamente indesejavel pelo banco e pelos partidos politicos. Alem disso, o Banco do Brasil possuia um grande trunfo politico: muitos congressistas tinham sido seus funcionarios. Bulhoes e o economista Eugenic Gudin, os principals arquitetos da SUMOC, acreditavam que a futura existencia de um banco central depen- deria de um longo processo de construgao institucional e geragao de apoio. Em alguns aspectos, a SUMOC teve como modelo o Federal Reserve Bank dos Estados Unidos, cuja autonomia em relagao as pressoes da politica americana tinha a admiragao de Bulhoes e de Gudin. O grupo de economis- tas que circulava em torno dos dois defendia uma "orientagao cientifica" para as pollticas economicas, que conferisse uma dimensao de estabilidade a logica instavel dos interesses politicos.6 O denominado "grupo da SUMOC" estava mais afinado com as ins- tituigoes financeiras internacionais, particularmente o Fundo Monetario Internacional (FMI). Bulhoes e Gudin tinham participado da delegagao brasileira a Conferencia de Breton Woods e apoiaram as propostas ameri- canas de liberalizagao do comercio internacional. De acordo com Pedro Malan e Pedro Correa do Lago, o FMI considerava a SUMOC uma "ilha de racionalidade" dentro das instituigSes pollticas brasileiras.7 A SUMOC foi finalmente transformada em banco central pelo governo militar em 1964, quando o grupo passou a ter mais poder. Tanto dentro do aparelho de Estado como a partir de sua base na Fundagao Getulio Vargas, 100 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL MUDANCA DENTRO DA CONTINUIDADE 101 IW. o grupo da SUMOC desempenhou um papel crucial na formulagao de politicas e na criagao de instituigoes economicas fundamentals no Brasil. Alias, a FGV era entao presidida por Luis Simoes Lopes, antigo diretor do DASP nos anos 30.8 A autonomia e o poder da SUMOC aumentaram e diminuiram durante os anos subseqiientes a sua criagao, dependendo basicamente do apoio do presidente da Republica. Atendencia geral, entretanto, era a conquista de um poder de arbitrio sempre crescente sobre areas cada vez mais vastas, a medida que a SUMOC se tornava mais especializada e progressivamente independente do Banco do Brasil. Aideologia economica da SUMOC e dos economistas que compunham o cfrculo restrito de Bulhoes e Gudin era ortodoxa e com fortes lagos com o FMI e com a comunidade economica international.9 O segundo governo Vargas (1951-54) trouxe para o primeiro piano a preocupagao com o desenvolvimento e a industrializagao. 0 DASP foi reativado, embora com muito menos poder do que antes.10 Os primeiros passos para o fortalecimento da industrializagao comegaram a tomar forma a medida que o Estado adotava determinadas politicas. Quando assumiu o poder em 1951, ao contrario do que acontecera em 1930, Getulio tinha a sua disposigao inumeros diagnosticos dos problemas economicos brasileiros, assim como inumeras recomendagoes de como superar os gargalos ja detectados. Uma quantidade consideravel de docu- mentos havia sido produzida pelas missoes Cooke e Abbink (1942 e 1948), e seria produzida pela Comissao Mista Brasil-Estados Unidos (1951-53); em 1954 a Comissao Economica para a America Latina (CEPAL) comegou um processo de colaboragao com o Banco Nacional de Desenvolvimento Economico (BNDE).U A criagao e a evolugao do BNDE seguiram um modelo em muitos aspectos similar ao da SUMOC: uma agenda separada da burocracia tradi- donal. Durante os primeiros anos, suas atividades ficaram limitadas por falta de apoio adequado do Executivo e por uma incapacidade de controlar na pratica os recursos financeiros que Ihes foram legalmente alocados. Ao longo deste periodo de frustragao, o banco concentrou suas energias na coleta de dados economicos e no desenvolvimento de sua propria es- pecializagao.12 Mais tarde, durante o governo Kubitschek, o BNDE desem- penhou um papel central no piano de desenvolvimento que consolidou o avango da industrializagao brasileira. Tentativas de insulamento burocratico foram renovadas apos o inicio do segundo governo Vargas, em 1951. Se na arena politica o presidente era conciliador e tentou apaziguar a UDN com convites para participar de seu ministerio, em termos de planejamento economico Getulio instalou um grupo de assessoramento, a Assessoria Economica, que participou da formulagao de politicas cruciais. Tal como o da SUMOC, o grupo da Assessoria Economica tinha especializagao tecnica e defendia o insula- mento burocratico como forma de conf erir maior competencia ao processo de formulagao de politicas. Nesta epoca os economistas da SUMOC nao mantinham contatos muito estreitos com os da Assessoria Economica, conservando vinculos mais fortes com o grupo da Fundagao Getulio Vargas, composto por Eugenic Gudin, Bulhoes, Alexandre Kafka, entre outros. Ao contrario do grupo da SUMOC, a Assessoria Economica (Cleanto de Paiva Leite, Glycon de Paiva, Romulo de Almeida, Jesus Soares Pereira e outros) concentrava suas atengoes na estrutura economica e nos impactos sociais do crescimento economico. Se o grupo da SUMOC era mais ortodoxo, monetarista e preo- cupado com temas financeiros, a Assessoria pensava em industrializagao planejada, politicas de investimento e desenvolvimento economico.13 A Assessoria influiu na formulagao de politicas fundamentals e na criagao de agendas cruciais como a Petrobras, durante o segundo governo Vargas. Alem disso, formulou varios outros programas e projetos impor- tantes, tais como a reforma administrativa, a CAPES (Coordenagao para Aperfeigoamento de Pessoal do Ensino Superior), o Conselho de Desen- volvimento Industrial (CDI), o Banco do Nordeste, o Fundo Nacional de Eletrificagao etc. Mas ainda, a Assessoria encarregou-se de dar os primeiros passos para a criagao da industria automobilistica no Brasil, participando da implan- tagao, dentro do GDI, de um subcomite encarregado da preparagao de projetos para a produgao de jipes, caminhoes e automoveis no pai's.14 Vargas iniciou dessa forma um processo de insulamento burocratico que alterou definitivamente a face do sistema politico brasileiro. A Assessoria Economica, por seu turno, constituiu o embriao da "administragao para- lela" do governo Kubitschek. Ao final da decada de 40 e inicio dos anos 50, estas e outras agendas, mais ou menos insuladas, permaneceram como enclaves de especializagao e bastioes de valores que as distinguiam do restante do sistema politico e administrative. Elas partilhavam um compromisso com a eficiencia e com o desenvolvimento economico nacional, alem de uma certa hostilidade a atividade politica. Nao obstante, diferiam entre si com relagao a ideologia economica especifica, algumas com visoes mais ortodoxas e internacionalistas, outras com posigoes mais nacionalistas. Essas agendas interferiam nas decisoes sobre politicas em graus diferentes, conforme a epoca. Sua eficacia podia 102 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL ser minada por f alta de apoio do Executive, pela utilizagao pelo presidente da Republica das posi^oes de chefia nas agendas, como recompensa politica, ou ainda pelo corte de verbas pelo Congresso ou por um ministerio determinado. Entretanto, as agendas insuladas desempenharam um papel crucial no processo de desenvolvimento: sua experiencia critica foi forjada defendendo-se contra a interferencia politica. Se o inicio de uma utiliza§ao intencional do insulamento burocratico, como forma de deslanchar projetos industrials, remonta ao segundo go- verno Vargas, foi o governo Kubitschek (1956-61) que fez uso do insula- mento burocratico em larga escala, combinando-o com a patronagem, para consolidar o avancjo da industrializaqao brasileira. O sucesso de Juscelino foi possivel em razao da combinacjao de: estabilidade politica na alianga PSD/PTB — fortemente baseada na patrona- gem — eventualmente suplementada pela UDN; existencia de um amplo consenso sobre a necessidade do desenvolvimento nacional; disposicjao governamental de investir pesadamente em infra-estrutura; decisoes ins- trumentais que tiraram vantagem da situagao economica favoravel, tanto interna quanta externamente. Sincretismo politico, uma ideologia instrumental, decisoes instrumentais e recursos economicos adequados foram os quatro fatores principals que tornaram possivel a existencia de um sistema hibrido no Brasil. Nele, o corporativismo nao desapareceu, o insulamento burocratico progrediu, e o universalismo de procedimentos foi enfatizado em certas areas e agendas. E importante ressaltar que nenhum dos fatores mencionados era desco- nhecido da sociedade ou da politica brasileira. Investimentos estrangeiros estavam presentes no Brasil desde 1500; decisoes instrumentais voltadas para a modernizagao do pais tambem tinham sido tomadas durante o primeiro governo Vargas; estabilidade politica existira antes, e finalmente o nacionalismo era uma realidade desde a decada de 20. Se nenhum desses fatores era totalmente novo para a sociedade brasileira, sua maturagao e sua combinacjao em um sistema sincretico e integrado sofreu um lento processo de maturagao e transformacjio. E essa combinaqao, e nao este ou aquele fator isolado, que constituiu a singularidade do periodo. E para discutir esse processo, o cenario historico ideal e o governo JK. UMA IDEOLOGIA INSTRUMENTAL: o NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO Acriagao de uma arena de insulamento burocratico deve ser compreendida no contexto da emergencia da ideologia do nacional-desenvolvimentismo. MUDANCA DENTRO DA CONTINUIDADE 103 A consciencia do atraso economico brasileiro ja existia ha longo tempo. Nas decadas de 20 e 30 varios autores afirmavam a necessidade de se modernizar o pais, de se criar uma ordem burguesa nao-particularista ao lado de um sistema politico nao-oligarquico baseado no "dominio publi- co".15 O movimento em prol da modernizagao do pais ganhou um grande alento a partir da Revolugao de 30. Adespeito das freqiientes diividas sobre o processo — os mecanismos que deveriam ter sido utilizados —, e sobre os agentes da modernizacjao, ha um razoavel consenso de que a oligarquia rural e a ordem particularista por ela mantida impediam a moderniza$ao. Ao mesmo tempo, a ausencia de uma burguesia ascendente tornava especialmente diffcil a proposta de criagao de uma nova ordem publica baseada em valores burgueses. Freqiientemente, era sugerido que o Estado deveria ser o "substitute funcional" da burguesia na cria§ao do Brasil moderno. Com alguma freqiiencia, um "autoritarismo instrumental", para tomar emprestado a expressao de Wanderley Guilherme dos Santos, era prescrito como o meip mais apropriado para se criar a nova ordem.16 O dilema vivido pelos intelectuais era intense, uma vez que eles advogavam a cria§ao de uma ordem burguesa mesmo na ausencia de uma burguesia solida. A Segunda Guerra Mundial acentuou a consciencia da vulnerabilidade do pais. Adependencia da exportagao de produtos primaries gerou enorme incerteza sobre o futuro e novas discussoes sobre a necessidade de se industrializar o pais. Alguns anos mais tarde, a Guerra da Coreia, que muitos temiam se transformasse em uma nova guerra mundial, aumentou a ansiedade sobre o futuro do pais. A consciencia do atraso economico e da necessidade de se alterarem os rumos economicos do Brasil atingiram uma massa critica.17 Getiilio e sua Assessoria Economica constituiram um foco central inicial de preocupacjoes nacionalistas e desenvolvimentistas. Vera Alice C. Silva, por exemplo, estabelece uma distincao entre o nacionalismo como ideologia e como estrategia para sustentar op$6es desenvolvimentistas. A utilizagao de uma estrategia nacionalista por Getulio e por Juscelino garantiu amplo apoio politico para o processo de mudanga economica e industrializagao intensiva, desencadeado nos anos 50. Vargas e seus conse- Iheiros economicos adotaram um programa de nacionalismo pragmatico como estrategia basica para o desenvolvimento economico.18 O desenvolvimentismo tornou-se uma questao central, tanto para a esquerda como para a direita. Mesmo economistas liberals como Roberto Campos (um dos "desenvolvimentistas cosmopolitas" discutidos adiante), 108 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL MUDANQA DENTRO DA CONTINUIDADE 109 1 I'5 Segundo Carlos Lessa, a pergunta crucial a ser feita e por que o Brasil decidiu perseguir o desenvolvimento ao inves da estabilidade, distancian- do-se de outros paises latino-americanos neste particular.30 Lessa aponta razoes subjetivas e objetivas: a) a consciencia do atraso; b) as politicas fiscais adotadas para financiar programas nao sofreram a oposkjao da burguesia, e o interesse dos capitalistas nacionais ( a burguesia industrial ainda nao era bastante forte para impor o seu proprio projeto, mas ja podia representar um aliado poderoso); c) a industrializagao e desenvolvimento anteriores tornaram possfvel optar pelo planejamento economico e pela expansao, em lugar da retracjao. Durante os vinte anos anteriores ao Programa de Metas, e ate 1973, o suprimento de produtos industrializados (importagao mais produqao na- cional) cresceu a uma taxa anual de 8% (quando alguns "anos ruins" sao excluidos, a taxa sobe para 10,5% no periodo 1937-39 a 1954-56, e para 11,2% no periodo 1954-56 a 1971-73).31 O crescimento industrial foi especialmente rapido durante a decada de 40, periodo em que o Brasil atingiu o apice da denominada easy phase da substituigao de importances; o PIB cresceu a uma taxa anual de 7,1% no periodo 1947-61.32 Nos anos 50, "e particularmente entre 1956 e 1961, foi completada uma parte substancial da 'fase dificu" da industrializac.ao por substituiqao de impor- tagoes". SlNCRETISMO POLITICO NO GOVERNO JK O impressionante processo de desenvolvimento deslanchado no governo JK deve ser entendido no contexto de uma situa^ao politica na qual as varias gramaticas que caracterizaram o sistema politico brasileiro foram habil- mente combinadas. A coalizao entre o PSD oligarquico e o PTB populista resultou na elekjao de Juscelino Kubitschek para a presidencia da Republica em 1955. A despeito de pertencer ao PSD, conhecido por seus vinculos rurais, Juscelino iniciou um ambicioso programa, sob a egide do Programa de Metas que enf atizava a energia eletrica, a constru<jao de rodovias, o desenvolvimento da industria automobilfstica, a construgao naval, a criaqao de uma nova capital e a auto-suficiencia em petroleo. O piano concentrava-se em propostas que tinham como objetivo aumentar o crescimento economico e garantir o controle nacional sobre a exploraqao dos recursos naturals. Medidas de bem-estar social vinham em segundo piano. O PTB estava representado na coalizao pelo vice-presidente Joao Gou- lart. Embora originalmente organizado pelo Estado, basicamente como um u mecanismo para controlar e cooptar a classe operaria, o PTB criou uma serie de conflitos com o PSD, em razao de seu apoio constante e promo§ao da mobilizagao operaria como forma de veicular demandas populares. Atraves do vice-presidente e do controle sobre o Ministerio do Trabalho, o partido pode enriquecer a agenda de vantagens sociais para os traba- Ihadores, por meio da mobilizagao e da pressao politica, mas tambem de uma continua troca de favores politicos com a elite nacional. Joao Goulart controlava a politica trabalhista, como parte do acordo entre PSD e PTB, atraves do Ministerio do Trabalho e de uma rede corpora- tivista que unia sindicatos, institutes de previdencia social e dispositivos legais.33 O PSD controlava outras redes clientelistas na administragao, atraves de ministerios como Viagao e Obras Publicas, Justiga, Agriculture, Fazenda. Ja a UDN, embora apoiasse o programa de Juscelino no Congres- so, nao ocupou uma unica pasta. Este foi o governo em que o PSD ocupou o maior numero de ministerios.34 Uma vez obtida a aprovagao do Piano de Metas no Congresso, o presidente conseguiu criar um espac,o de manobra para sua implementa- c;ao, precisamente em razao do bom funcionamento da coalizao partidaria. Sua estrategia consistiu em evitar negociacoes sobre varies detalhes para a execugao do programa; nao obstante, inumeras questoes especificas iriam requerer aprovacjao do Congresso, uma vez que nem todos os recur- sos estavam reservados e dependiam do or$amento anual. "Alem disso, um certo numero de outras importantes medidas tinham de ser votado pelo legislative em areas como creditos especiais, taxagao e outras."35 O apoio do Congresso foi obtido atraves de coalizoes entre os quatro maiores partidos: PSD, PTB, UDN e PSP. Wanderley Guilherme dos Santos verificou que em 42% de todas as votagoes os quatro maiores partidos votaram juntos; quando se coloca o PSD no centro da coalizao de apoio, em 84% dos casos ele contou com a adesao de pelo menos dois dos maiores partidos; e "para decisoes que concediam creditos especiais ao Executive, indispensaveis para a implementacao do Programa de Metas, 72% foram apoiadas pelos quatro partidos."36 Em contexto de intensa mobilizagao economica, o clientelismo era a principal forga e a principal fraqueza do sistema partidario. O clientelismo fortalecia o sistema na medida em que, dada a interpenetragao das agendas burocraticas tradicionais e os partidos, estes sempre tinham acesso a recursos para trocar por apoio. Mas o clientelismo era tambem uma fraqueza porque, dada a insistencia na manutencao da politica clientelista e sua gramatica estabilizadora da troca generalizada, os partidos nao chegaram a lidar efetivamente com a area crucial da politica economica "II 110 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL basica, criando assim urn espago no qual o Executive pode manobrar autonomamente e promover o insulamento burocratico para atingir suas metas de desenvolvimento. As agendas encarregadas do desenvolvimento economico precisavam de dois recursos para levar seus pianos efetivamente adiante: pessoal competente e capital suficiente. JK imaginou maneiras de providenciar ambos e utilizou o privilegio do Executive para preencher os cargos na burocracia insulada sem adotar qualquer procedimento formal. Os Grupos Executives foram compostos com pessoal requisitado a SUMOC, a CACEX, ao BNDE, ao DASP, aos ministerios etc. O BNDE participou da preparagao do Programa de Metas sob a diregao de Roberto Campos, seu superintendente a epoca, e de Lucas Lopes.37 Em parte, ao requisitar os funcionarios mais competentes dos varios orgaos, Juscelino contornou nao so a burocracia tradicional, mas tambem qualquer tipo de universalismo de procedimentos porventura existente.38 Do ponto de vista economico, o piano altamente vitorioso de Juscelino repousa em quatro pontos fundamentals: a) um tratamento favoravel ao capital estrangeiro; b) a participate da administrate publica direta no processo de formagao de capital interno; c) a canalizacjao de investimentos privados para areas pouco atraentes, mas consideradas estrategicas pelo Programa, atraves de incentives fiscais e emprestimos sob condigoes especiais; d) uma forma nao-ortodoxa de tratar a estabilizagao economica, pela manipulagao de alias taxas de inflagao (20%), o que levou o Programa a absorver a poupanc,a.3y O governo JK criou instrumentos altamente flexiveis para gerir o Pro- grama de Metas. Recursos financeiros nao sujeitos a cortes orgamentarios foram alocados a agendas governamentais semi-autarquicas, para facilitar a realizagao das metas propostas.40 Aquelas que dependiam dos esforgos do setor privado foram sustentadas por uma combinagao de varios es- timulos e subsidies, sob a coordenagao dos Grupos Executives,, que analisavam projetos, tomavam decisoes e providenciavam financiamento rapido. Esses grapes eram compostos por representantes de varias agen- das governamentais e dos interesses privados. Antes da criagao dos Grupos Executives, um projeto industrial era interminavelmente retido, enquanto tramitava pelos canais burocraticos. Segundo Paulo Roberto Motta, o projeto de uma nova fabrica tinha de ser analisado pela CACEX para se verificar a existencia ou nao de similar nacional; ern seguida, o Ministerio da Guerra avaliava suas implicagoes para a seguranga nacional e, finalmente, a Carteira de Cambio do Banco do Brasil verificava a disponibilidade de moeda estrangeira e o que mais MUDANgA DENTRO DA CONTINUIDADE 111 fosse necessario, dada a natureza do projeto.41 Alem do longo tempo perdido no atoleiro burocratico, os projetos nao eram examinados como um todo pelas agendas interessadas em sua execugao. Mais ainda, a selecao dos projetos a serem apoiados era muito dificil, porque cada agencia utilizava diferentes criterios para avalia-los. A ausencia de uma perspectiva unica e global entre as agendas tornava extremamente com- plicada a implementagao de um projeto nacional de desenvolvimento industrial. As mais importantes decisoes instrumentais do governo JK, do ponto de vista da administrate economica, envolveram a criagao dos Grupos Executives e do Conselho de Desenvolvimento, este instalado por Jusce- lino no dia seguinte a posse, com a tarefa de coordenar os esforgos de planejamento; na verdade, a criagao deste conselho visava contornar as ineficiencias da burocracia tradicional. Uma das mais serias insuficiencias da maquina administrativa era a inexistencia de um orgao nao-burocratico capaz de coordenar as medidas economicas exigidas pelo Programa de Metas. As atividades de rolina podiam ser realizadas pela administrate, mas um piano inovador como aquele requeria estruturas mais dinamicas, e este papel foi destinado ao Conselho de Desenvolvimento. Era composto por ministros de Estado, os chefes dos Gabinetes Civil e Militar, os presidentes do Banco do Brasil e do BNDE, e era assessorado por uma Secretaria-Executiva, "nao-burocra- tica", que tinha a sua disposigao especialistas do setor publico e do setor privado.42 "Um fator crucial para o sucesso dos Grupos Executives foi o de que o planejamento era feito pelas mesmas pessoas que teriam de implementa- lo."43 Para qualquer projeto, se houvesse necessidade de concessoes tarifarias, de construgao de estradas ou de facilidades de qualquer especie, todas as agendas relevantes estavam a mao para uma decisao rapida. As empresas participantes negociavam diretamente com aqueles que deti- nham o real poder de decidir e implementar. Um ponto que deve ser enfatizado e o de que os Grupos Executives foram criados por decreto, "o que alijava a intervengao do Congresso."44 O Grupo Executive para a Industria de Construgao Naval (GEICON) ilustra bem a eficiencia e a rapidez com que se moviam estas novas buro- cracias insuladas. O GEICON foi criado por decreto em 13 de junho de 1958, depois que o Congresso aprovou a criacjao do Fundo de Marinha Mercante (Lei ne 3.381, de 24.04.1958); um segundo decreto, de 9 de julho, estabe- lecia as diretrizes basicas para a implementagao de uma industria de construgao naval. Dois dias depois, o GEICON comegou a expedir resolugoes, 112 A GRAM ATICA POLITICA DO BRASIL fixando normas para a nacionalizagao da construgao naval, para a elabo- ragao de projetos de estaleiros, para estimular a constmgao naval e para a concessao de subsidies cambiais para a importagao de equipamentos. Em 30 de agosto, a Resolugao 4/58 do GEICON estabelecia um crono- grama para a apresentagao de projetos especificos. Em 25 de novembro o grupo ja tinha aprovado o projeto de expansao do estaleiro da Companhia Comercio e Navegagao (Estaleiro Maua), de Niteroi (RJ), e o projeto de constituigao do Estaleiro Ishikawajima, no Rio de Janeiro, entao Distrito Federal. Em 27 de Janeiro de 1959 foi aprovada a instalagao do Estaleiro Verolme, em Angra dos Reis (RJ); nos seis meses seguintes foram aprova- dos sete novos projetos. Esta velocidade na aprovagao e implementagao de projetos de desenvolvimento nao tinha precedentes no Brasil.45 Ao mesmo tempo que se apoiava nas agendas insuladas para realizar as taref as do desenvolvimento, Juscelino utilizava a politica tradicional de empreguismo para consolidar apoio politico: protegia as agendas insula- das e Ihes garantia acesso aos recursos, enquanto geria o resto do sistema politico de modo a reduzir potenciais contestagoes as metas desenvolvi- mentistas e as suas formas de alcanga-las. Juscelino impediu que o DASP realizasse concursos para o service publico, com a justificativa de que era um processo muito caro, mas ele proprio e acusado de ter feito perto de sete mil nomeagoes politicas, apenas no primeiro ano de governo. Entretanto, a maior parte delas foi feita por Joao Goulart nos ministerios do Trabalho e da Agricultura e em suas autarquias, principalmente os institutes de previdencia, beneficiando prin- cipalmente o PTB. No final de seu mandato, JK tentou assegurar a presenca de seus aliados na administracao, garantindo assim sua lealdade politica, atraves de um grande numero de nomeagoes apressadas. A imprensa estimou em 15 mil essas nomeagoes, enquanto o governo, atraves do Ministerio do Trabalho, afirmou que nao passaram de 4.436, sendo 1.657 por concurso; as restantes 2.779 eram nomeagoes clientelistas.46 CONCLUSAO: A COMBINAQAO DAS GRAMATICAS COMO UM ATO DE MALABARISMO Acombinagao de fatores analisada nas segoes anteriores explica a criagao de uma "janela" historica para o processo de construgao institucional e acumulagao de capital no Brasil. A definigao de uma trajetoria para o capitalismo moderno, baseada no avango da industrializagao, teve lugar num contexto governado pela logica da troca generalizada. As tentativas MUDANCA DENTRO DA CONT1NUIDADE 113 de substituigao desta logica pelos canones da troca especifica, que carac- terizam as modernas economias de mercado, dependeram da intervencao do Estado e do insulamento burocratico. O insulamento burocratico forneceu ao pais uma administragao econo- mica racional, gerida por elites profissionais modernizantes associadas a grupos empresariais internacionalizados. Embora essas elites se percebes- sem como portadoras legftimas de valores modernos e universalistas, o resultado de sua agao nao foi absolutamente a criagao de um "dominio publico". Suas atividades nao tinham por objetivo a expansao das bases para uma cidadania universalista no pais; ao inves disso, contribuiram para manter inalteradas as bases da "cidadania regulada" da Republica Velha. Ao ocupar o espago deixado pelo sistema clientelista, as burocracias insuladas provaram sua eficiencia em gerir a economia, mas nao se preocuparam em criar formas de controle do aparelho burocratico pelo Congresso ou por outras agendas. Os "aneis burocraticos" que ligam a burocracia tecnica a burguesia internacional foram intensificados, e a burocracia insulada se distanciou da respublica, tal como as instituicoes politicas clientelistas tinham feito no passado. Amanutengao de um sistema como aquele era um ato de malabarismo. Primeiro, o sistema era complexo e caro. Complexo, porque requeria capacidade organizacional para se comunicar de maneira igualmente eficaz em gramaticas politicas conflitantes. Isto e, diferentes organizagoes publicas tinham de ser capazes de se comunicar com grupos e forgas sociais com interesses muito distintos e que se comportavam de acordo com logicas diferentes e freqiientemente contraditorias. Ao mesmo tempo em que o PTB, o Ministerio do Trabalho e o vice-presidente Joao Goulart controlavam a politica trabalhista e a mobilizagao operaria, tornando-se mais nacionalistas, esquerdistas, pressionando pela adogao de politicas redistributivas, os Grupos Executives fortaleciam seus lagos com capita- listas nacionais e estrangeiros e davam passes concretes para a internacio- nalizagao da economia brasileira e a acumulagao de capital. Mas o sistema de patronagem era caro. Sua manutengao envolvia freqiientemente a alocagao de recursos piiblicos em investimentos com baixa taxa economica de retorno, mesmo que pudessem gerar beneficios sociais e certamente beneficios eleitorais. Era ainda caro, porque o inves- timento rapido e concentrado em gigantescos projetos de infra-estrutura demandavam maiores gastos publicos. Segundo, tratava-se de um ato de malabarismo porque os atores cruciais envolvidos no planejamento e na implementagao do piano de desenvolvi- 118 A GRAM ATICA POLITICA DO BRASIL 37. Rogerio Feital Pinto, "The Political Ecology of the Brazilian National Bank for Development (BNDE)"; Celso Lafer, "The Planning Process and the Political System in Brazil: A Study of Kubitschek's Target Plan, 1956-1961". 38. "Se se examinar o governo Kubitschek, que e o ponto alto do processo de substitute de importances e, por esta razao, pode ser visto como paradigmatico das potencialidades da Republica Populista, chega-se a conclusao de que o Programa de Metas pode ser implementado, do ponto de vista administrativo, gragas ao uso que o governo fez de orgaos como o BNDE, o Banco do Brasil, a SUMOC—onde a diluiqao do sistema de merito nao tinha ocorrido - ou entao de novos orgaos, como por exemplo os Grupos Executivos, para os quais se drenou, atraves da requisite, a competencia disponivel no servic.o publico. Estes orgaos, que em conjunto se transformaram numa 'administragao paralela', tiveram sucesso, conforme tentei demonstrarcom algum rigor analitico em outras oportunidades, dada a sua situacjio e'strategica na manipulate dos incentives e instrumentos instituidos ou empregados pelo Programa de Metas, que ampliou a racionalidade das experiencias anteriores do Estado no controle da econo- mia." Cf. Celso Lafer, O sistema politico brasileiro, p.67. 39. Ver Carlos Lessa, "Quinze anos...", passim, para o papel da infla§ao como recurso economico. Ver tambem Albert Hirschman, Journeys Toward Progress, para um argumento mais geral sobre o papel da inflacjio no piano de desenvolvimento. 40. Celso Lafer, "The Planning...", op. cit., p.117. 41. Paulo Roberto Motta, "O grupo executivo como instrumento administrativo de implementac.ao economica". 42. Resenha do Governo do Presidents Juscelino Kubitschek..., tomo II, p.19. 43. Bergsman, p.82. 44. Maria Vitoria Benevides, O governo Kubitschek, p.229. 45. As fontes usadas para as atividades do Geicom sao do arquivo do "Sindicato da Industrie Naval" e do "Servic,o de Documentac.ao, Comissao da Marinha Mercante". Ver "Analises e perspectivas da industria naval" e "Grupo executivo da industria da construgao naval, um piano em marcha"; e "Sfntese cronologica do Governo Kubit- schek", Servigo de Documentac.ao da Presidencia da Republica. 46. Carlos Verfssimo Amaral, "As controvertidas nomeagoes para a Previdencia Social em 1963: um estudo de caso", in Carlos V. Amaral e Kleber Nascimento, "Polftica de administraqao pessoal: estudos de dois casos", CadernosdeAdministragao Publica; Lawrence Graham, "Civil Service Reform in Brazil: Principles versus Prac- tice", Latin American Monographs, p.284. Adespeito das tentativas, durante anos, de reforma do servicp publico e da retorica moralizadora de muitos governantes, somente 12% dos empregados de todo o service publico tinham sido admitidos sob as bases do merito no final da decada de 50. Segundo o Censo dos Servidores Publicos de 1966, somente 12,93% dos servidores tinham sido admitidos, ate 1966, sob as bases do merito. Cf. Alexandre Barros, "O Estado car- torial...", Tese de Mestrado; Celso Lafer, O sistema politico brasileiro, p.39; Gilbert Siegel, "The Vicissitudes of Governmental Reform in Brazil: A Study of the DASP", Tese de Doutorado; Lawrence Graham, "Civil Service Reform in Brazil...", Latin American Monographs. CONCLUSAO O SISTEMA EM QUESTAO: CONTINUIDADE, E PERSPECTIVAS A agenda de problemas a serem enfrentados pelos paises de indus- trializacao tardia e, em muitos pontos, conhecida por eles atraves do exemplo dos paises mais desenvolvidos. Entretanto, os caminhos que levam ao cumprimento da agenda sao tortuosos e precariamente mapea- dos: sao largamente desconhecidos e dependem da capacidade de produzir, ao mesmo tempo, coalizoes polftica's congruentes com os objetivos desen- volvimentistas, criar mecanismos para a incorporacao da popula$ao a comunidade politica e construir instituigoes adequadas. Por oposigao aos paises que se industrializaram mais cedo, as ins- tituigoes formais dos recem-chegados estao sob pressao permanente, num mundo em que as conquistas dos paises mais avangados tendem a ser percebidas como o exemplo a ser seguido: "Uma vez iniciada a indus- trializa$ao, outras economias tornaram-se atrasadas. Uma vezproclamada a ideia de igualdade perante um publico cada vez mais ample, a desigual- dade transformou-se numa carga pesada demais".1 Sob tais circunstancias, as instituigoes sao forgadas a participar da esfera produtiva e, ao mesmo tempo, expandir seu papel regulador na economia e nas relacjoes sindicais, e a definir direitos a participagao polftica, supervisionar e criar organismo de bem-estar social, saude, edu- cagao e outras fung5es similares. No contexto brasileiro, a percepgao desses desafios tem estado presente nos ultimos 50 anos. Nas palavras do Capitao Frederico Cristiano Buys, um dos participantes da Revolu§ao de 30, a construgao de uma nova ordem no Brasil iria requerer a canibalizagao de governantes e instituigoes ante- riores: "Vamos come-los. Devemos ser rudes como verdadeiros cani- bais."2 Como vimos nos capitulos anteriores, a canibalizagao da ordem 119 120 A GRAMATICA POIJT1CA DO BRASIL tradicional nao foi completa, ela jamais foi totalmente digerida. As novas instituiqoes misturaram-se com as antigas, ao inves de substitui-las. A despeito da progressiva institucionalizacjao das quatro gramaticas aqui analisadas, e ao mesmo tempo que muitos cientistas socials argumen- tavam que padroes diferentes de relaqoes socials sao elaboradamente entrelacjados, politicos, tecnocratas e elites reformistas tern operado fre- quentemente com um modelo dicotomico, quando tentam modernizar o pais. A mentalidade dualista dos reformadores desempenhou um impor- tante papel no estimulo a evolucjao das gramaticas. Os criadores das burocracias insuladas, igualmente escravizados pela percepgao da dualidade, trabalharam para criar no Brasil uma sociedade moderna que pudesse fugir precisamente dos constrangimentos criados pela ordem tradicional. O Brasil moderno teria de ser um pals industrial. Mas teria tambem de ser um pais onde reinasse a justiga publica, conforme o sonho dos tenentes de 30, da UDN por um curto periodo e dos militares e tecnocratas desenvolvimentistas da decada de 50. As elites modernizantes freqiientemente encaravam o Congresso, os politicos e os partidos como obstaculos ao progresso. Esta perseguicjao foi forte na decada de 30, no inicio dos anos 50 e novamente apos o golpe militar de 1964. 0 objetivo de superar a fragmentagao da politica tradicio- nal justificou a cria5ao de instituigoes corporativas nos anos 30. As tentativas de escapar a natureza clientelista do Congresso e dos partidos polfticos levou a institucionalizagao das burocracias insuladas na decada de 50. O objetivo de escapar a natureza esquerdista, populista, clientelista e corrupta dos partidos polfticos conduziu ao aprofundamento do insula- mento burocratico e ao banimento e a cassagao de direitos civis dos politicos profissionais depois de 1964. Se e impossfvel dizer que o clientelismo foi desalojado, e igualmente impossfvel afirmar que ele constitui a gramatica dominante a ligar o Estado a sociedade no Brasil contemporaneo. O quadro e mais complexo, as quatro gramaticas possuem uma logica contextual. INTERACAO ENTRE AS GRAMATICAS As separatees que entrecruzam a formagao social brasileira sao verticals e horizontais. A integrate e conseguida atraves de uma combinacjio sincretica de tracjos aparentemente contraditorios, pertencentes as grama- ticas do clientelismo, do insulamento burocratico, do corporativismo e do universalismo de procedimentos. Estes elementos permeiam a sociedade de alto a baixo, e estao simultaneamente presentes nas instituigoes formais. CONCLUSAO 121 Representam gramaticas possfveis que podem ser colocadas em uso ate pelo mesmo ator em diferentes contextos. Os politicos, por exemplo, usam tanto a linguagem do clientelismo quanto a do universalismo, mas jamais endossam, mesmo retoricamente, a logica do insulamento burocratico. Tecnocratas e militares empregam igualmente a linguagem do universalismo e a da "competencia tecnica", mas nunca a do clientelismo. Grupos de interesse das classes medias tendem a utilizar apenas a linguagem do universalismo, rejeitando tanto o clientelismo como o insu- lamento burocratico, por considera-los nao-democraticos. Nao obstante, dependendo do contexto todos os atores podem utilizar estrategias que contradizem sua retorica publica. Polfticos podem manter- se fieis a logica do clientelismo e podem estabelecer coalizoes com a burocracia insulada, com o objetivo de obter lucres para si proprios ou para seus eleitores. Tecnocratas e militares podem utilizar o clientelismo e as redes pessoais, quando se trata de ampliar seus poderes e de criar mais espagos para seus acolitos. Grupos de pressao das classes medias farao uso da autoridade pessoal, da hierarquia, do "jeitinho" e do clientelismo para atingir seus objetivos. Isto e possfvel apenas porque as quatro gramaticas estao sempre disponfveis, possuem expressao institucional em todas as instancias e sao bastante conhecidas pelos atores sociais que podem transitar de uma gramatica para outra, dependendo do contexto. O novo -sindicalismo, por exemplo, tal como se desenvolveu em Sao Paulo, tentou expandir sua forga e seus ganhos politicos dissociando suas demandas das estruturas corporativas do Estado e buscando espagos mais solidos para negociar diretamente com o capital. Fazendo isto, o novo sindicalismo tentou fugir a "cidadania regulada" das leis trabalhistas e redefinir esta cidadania no ambito da logica universalista do mercado. Entretanto, este novo sindicalismo e apenas uma fragao do sindicalismo no Brasil (ainda que a mais significativa), e muitos sindicatos ainda buscam protecjao sob o guarda-chuva conservador das disposigoes corpo- rativas, o que contradiz a tendencia universalista do movimento. Na tentativa de escapar ao corporativismo, o sindicalismo moderno, num desenvolvimento paralelo, tambem tentou criar um partido politico, o Partido dos Trabalhadores (PT), que tinha como objetivo construir uma oposigao verdadeira e sem compromissos com a cidadania regulada estatal em todos os nfveis. Mas, a medida em que o partido passava a existir, um novo conjunto de obstaculos emergiu: o sistema partidario absolutamente nao opera na base do universalismo de procedimentos. Este fato compeliu o PT a assumir certos compromissos para poder sobreviver e competir por escasso sucesso eleitoral. 122 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL Apesar de estarem aparentemente abertas a negociagao fora da esfera do corporativismo, muitas empresas enfrentaram a oposigao de outras, de politicos e de governo. Os politicos argumentavam que sem as normas corporativas que garantiam os direitos basicos dos trabalhadores, muitas empresas iriam dominar e superexplorar os trabalhadores mais fracos e tradicionais. Em linha com este argumento, ja se disse que os traba- lhadores, assim como outros habitantes das periferias pobres de Sao Paulo, realmente acreditam que esses direitos Ihes foram dados por Getulio Vargas antes de seu suicidio, em 1954. Uma outra versao mitica da genese dos direitos civis dos trabalhadores diz que Getulio "deixou" todos esses direitos na gaveta de sua mesa de trabalho, e estes direitos foram encon- trados e publicados apos sua morte.3 Atualmente o corporativismo emprega comandos universais e organiza horizontalmente varias instancias de unidades socials; o clientelismo permeia muitas instituigoes, fornece uma gramatica compreensivel para o sistema de relagoes sociais e politicas, atravessa distingoes de classe e organiza verticalmente a sociedade. O universalismo de procedimentos confere uma aura de modernidade e de legalidade publica ao sistema politico e as instituigoes formais; representa a retorica dos intelectuais e jornalistas; e ainda confere legiti- midade a varies movimentos sociais de classe media. O insulamento burocratico e uma forma de evitar o controle e o escrutmio publicos sobre as atividades do Estado; uma forma de perseguir a eficiencia economica, o desenvolvimento e a privatizagao seletiva das benesses que provem do controle de parcelas substanciais do aparelho produtivo do Estado. Agora ja epossivel retornar a ilustragao de como atores sociais relacio- nam-se com as varias gramaticas. O estudo de Teresa Caldeira sobre a periferia industrial de Sao Paulo mostra que, apesar de entender o corpo- rativismo como crucial para a definigao de seus direitos civis, os traba- lhadores valorizam os politicos clientelistas principalmente porque estes encaram os trabalhadores como "povo real".4 Assim, dao seus votos a estes politicos. Dentre os partidos de oposigao, preferem votar num candidate com quern tenham lagos pessoais e que Ihes tenha feito um favor no passado. Sao situagoes nas quais a gramatica clientelista e utilizada para manter os dispositivos corporativistas, isto e, os direitos de cidadania, os direitos de serem percebidos como "populagao real". Quando um conflito cai num espago regulado por regras corporativas, mas os atores diretamente envolvidos desejam resolver a base de livre negociagao no mercado — como durante as greves salariais em Sao Paulo, CONCLUSAO 123 no final dos anos 70, quando o trabalho e o capital iniciaram um processo direto de negociagao salarial — o Estado pode intervir para regular o assunto e garantir a validade das instituigoes corporativas. Neste caso especifico, utilizando dispositivos trabalhistas perfeitamente legais, o governo declarou a ilegalidade da greve liderada pelo novo sindicalismo e afastou seus principals h'deres da direcao do sindicato, a fim de enfra- quecer o movimento. Em situagoes como estas, ate mesmo empresarios que pretendam guiar-se pelas leis do mercado podem apoiar o controle estatal sobre a forga de trabalho. A tentativa do novo sindicalismo de criar um partido politico indepen- dente e inovador e que fosse largamente baseado no universalismo de procedimentos e na busca de uma "cidadania desregulada" abandonou este procedimento, porque o corporativismo e ainda considerado crucial por muitos trabalhadores e por causa da necessidade de se adaptar a natureza personalista e clientelista do sistema politico."Em resume, o anti-es- tatismo e a desconfianga no sistema politico, a busca de autonomia, de afirmagao de classe e de uma democracia participativa contribuiram para a estrategia politica que, nao obstante, entrou freqiientemente em conflito com estes mesmos objetivos."5 Os acordos nucleares assinados entre o Brasil e a Alemanha, na epoca Ocidental, e eventos relacionados com politicas de ciencia e tecnologia apontam para um conjunto diferente de interse§5es. Nestes casos, politicas iniciadas no dominio do insulamento burocratico foram contestadas por grupos que lutavam pelo universalismo; as tensoes aumentaram e as solugoes dependeram da forga relativa dos lados envolvidos. O acordo nuclear pretendia dar ao Brasil controle sobre o ciclo nuclear complete. A comunidade cientifica protestou contra o segredo no qual foi decidido o acordo e contra a falta de consulta a especialistas ou ao Congresso. O Executive e o Ministerio das Relagoes Exteriores contra-ar- gumentaram que o sigilo era crucial para evitar a intervengao americana no processo. Os cientistas, por seu lado, revidaram, afirmando que o sigilo levou ao investimento de bilhoes de dolares numa tecnologia que nao estava totalmente controlada pelos alemaes. Cidadaos e politicos preocu- pados declararam ainda que um programa daquela magnitude e de amplas implicates nao podia ter sido decidido em segredo. 0 insulamento burocratico prevaleceu, o programa foi deslanchado e fracassou por muitas das razoes citadas acima. Numa reivindicagao separada, os cientistas protestaram tambem contra a interferencia do SNI no processo de concessao de bolsas de estudo por agendas como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e 128 A GRAMATICA POLITICA DO BRASIL Nessa perspectiva, o retorno parcial da combinac,ao das quatro grama- ticas na atual experiencia de transic,ao democratica desde 1984 e es- pecialmente intrigante. Embora este livro fac.a referencias a acontecimen- tos mais recentes, sua pesquisa basica cobre o perfodo entre 1930 e o fim do governo Kubitschek, em 1960. Entretanto, estou convencido de que o modelo aqui proposto pode ser aplicado ao periodo mais recente do autoritarismo militar. Pode contribuir tambem para a compreensao das complicates envolvidas na transic,ao para a democracia que ocorreu na primeira metade da decada de 80, fornecendo uma base para a comparagao historica entre 1945 e 1984. Tendo em vista que muitas regras e agendas criadas no passado permanecem vigorando, incluindo as criadas pelo regime pos-64 — sendo as varias agendas estatais autonomas com seu potencial para o insulamen- to burocratico as mais dignas de registro —, a transigao politica levantou muitas questoes, algumas delas similares as levantadas pelas mudanc.as de regime ocorridas em 1930,1937 e 1945, outras sendo mais comparaveis a 1945, porque se trata da unica outra transi$ao para a democracia. Tal como em 1930, o Brasil de 1984 teve de enfrentar severos obs- taculos internacionais. Tal como em 1945, o Brasil da decada de 80 teve que enfrentar o desafio de criar um sistema partidario forte e representative e um Congresso forte. Tal como em 1964, o Brasil teve de enfrentar uma profunda crise economica e uma insatisfagao popular. Num certo sentido, a transiqao dos anos 80, contem, em si propria — magnificada pela escala do pais —, um pouco de todas as crises e transigoes passadas. Do ponto de vista do modelo interpretative proposto neste livro, varias questoes poderiam ser respondidas em futures trabalhos. As centrais se referem a como as gramaticas serao utilizadas em futures governos. Os grandes malabaristas do passado, Getulio e Juscelino, mantiveram o sistema em certo equilibrio. Entretanto, nos dias de hoje, ele adquiriu novas e variadas formas: embora enfraquecido pelos varios cases de corrupcjao, o potencial para o insulamento burocratico continua forte como sempre; como nunca anteriormente, ha uma parte substantiva e visivel do movi- mento sindical buscando alternativas fora do dommio do corporativismo; e um potencial "constituency for universalism" pode estar baseado nos varios movimentos socials, tanto quanto nas associates profissionais e cientfficas. Tal como vimos no capitulo 3, transic,6es sao cruciais para definir as caracteristicas dos partidos polfticos. Os tipos de partidos que emergiram com a transigao, e sua interagao com as quatro gramaticas, vem sendo cruciais para determinar a taxa de clientelismo e de universalismo de CONCLUSAO 129 procedimentos existentes. A forma pela qual os partidos utilizam a mobi- lizagao de apoio, interna ou externa, determina largamente as escolhas disponiveis. Em 1945 a transigao terminou sendo fortemente controlada pelos "de dentro": quanto disto acontecera, ou ja esta acontecendo? Agora chegou a hora de as elites reformistas preocupadas com a governabilidade e a lisura reconhecerem que quatro importantes gramati- cas — lagos para as relaqoes entre Estado e sociedade — estao elaborada- mente interligadas no Brasil e que uma abordagem dualista tradicional nao sera suficiente e nao respondera a todas as questoes importantes. Espero que o modelo esbogado neste livro seja util para a exploraqao destas questoes. NOTAS 1. Reinhard Bendix, Nation-Building and Citizenship, p. 115. 2. Citado em Helena M.B. Bomeny, "A estrategia de conciliajao: Minas Gerais e a abertura polftica dos anos 30", in Angela M.C. Gomes (org.), Regionalismo e centralizagao politica: partidos e Constituinte nos anos 30, p.145. 3. Lygia Sigaud, citada em Teresa Caldeira, A politica dos outros: o cotldiano dos moradores da periferia e o que pensam dos outros e dos poderosos, p.226. 4. Tereza Caldeira, op. cit. 5. Maria Hermmia Tavares de Almeida e Bernardo Sorj, Sociedade e politica no Brasil pos-64. 6. New York Times. 10.08.1984. 7. Rene Armand Dreifuss,/\ conquista do Estado: agao, poder, politica e golpe de classe. 8. Cesar Guimaraes et al., "Expansao do Estado e intermediaijao de interesses no Brasil", Relatorio de Pesquisa, p.112 e seg. 9. Edson O. Nunes e Barbara Geddes, "Dilemas of State-Led Modernization", Berkeley-Stanford Joint Center for Latin American Studies; Cadastro das empresas estatais-19S2, Presidencia da Repiiblica. 10. Teresa Caldeira, A politico dos outros... ANEXO* 1930 • Lei ns 19398 que institui o governo provisorio dos Estados Unidos do Brasil, em 11 de novembro de 1930, permite ao executive legislar. • Monopolio do Cambio de Moedas Estrangeiras pelo Banco do Brasil. • Criagao do Ministerio do Trabalho, Industria e Comercio. • Criacao do Ministerio da Educagao e Saiide. • Criagao do Departamento de Propaganda: Reformado em 1934 e 1939 (Decreto-lei de 1915), quando foi transformado no Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). 1931 • Conselho Nacional do Cafe. • Comissao de Estudo da Economia e Finances dos Estados e Municipios. • Comissao para Centralizacao de Compras: criada para centralizar e racionalizar a compra de materiais e suprimentos pelas agendas estatais. • Comissao Legislativa: criada para o estudo e proposigao de modifi- cagoes nos codigos legais. • Departamento Nacional de Estatistica, transformado no Instituto Brasi- leiro de Geografia e Estatistica em 1936 (Decreto-lei n9 1200). • Codigo dos Interventores (Decreto-lei ne 20348). *As fontes que originaram esta lista sao variadas e incluem os relatorios do DASP para varios anos, o Didrio Oficial e diversas obras citadas na bibliografia. 131 132 A GRAMATICA POLITICADO BRASIL 1932 • Caixa de Mobilizagao Bancaria (CAMOB). • Institute de Prote$ao ao Cacau. 1933 • Departamento de Produgao Mineral. • Departamento de Cacja e Pesca. • Institute de Aposentadoria e Pensao dos Maritimos. • Institute do Agucar e do Alcool. • Lei do Reajuste Economico (Decreto-lei nQ 25533), que reduziu em 50% os debitos dos agricultores com os bancos e emitiu bonus federais como garantia de pagamento aos devedores inadimplentes. 1934 • Institute de Aposentadoria e Pensao dos Bancarios. • Comissao dos Similares. • Codigos de Minas. • Conselho Federal de Comercio Exterior. • Conselho Tecnico de Economia e Finances. 1935 • Lei de Seguranga Nacional (de 38 de abril de 1935). • Institute de Aposentadoria e Pensao dos Comerciarios. • Carteira de Redescontos do Banco do Brasil: para revisar as operacoes de teto da carteira de credito, e facilitar o acesso ao redesconto para a industria e o comercio. 1936 Comissao de Eficiencia. Conselho Federal de Services Publicos. Lei de Reajuste (Servi§o Civil). Estabelecimento de exames publicos e testes de competencia para emprego no servigo publico (Lei ns 284); a Lei ns 183 de 1936, havia previamente estabelecido parametros para classificac,ao e promo^ao no servigo publico. Institute Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE). ANEXO 133 1937 • Carteira de Credito Industrial e Agricola, Banco do Brasil (CREAI), Lei n2 454. • Conselho Tecnico de Economia e Finan9as. • Lei abolindo todos os partidos pollticos, Decreto-lei ns 37, Decreto nB 2, 1937. 1938 • Conselho Nacional de Colonizacao e Imigra9ao. • Conselho Nacional do Petroleo. • DASP. • Institute de Aposentadoria e Pensionistas do Setor Publico (IPASE). • Institute dos Aposentados e Pensionistas do Transporte de Carga (IAPTEC). • Reforma da Imprensa Nacional. • Reorganizafao do Instituto Nacional de Tecnologia. 1939 Comissao para a Defesa da Economia Nacional (esforgo de guerra). Comissao Nacional do "Gasogenio". Conselho Nacional de Aguas e Energia Eletrica. Instituto Brasileiro de Resseguro. Piano para os Funcionarios Publicos e Defesa Nacional. Departamento de Imprensa e Propaganda (Decreto-lei ns 1915). 1940 • Instituto para a Defesa do Sal. • Comissao de Siderurgia. • Departamento Nacional de Obras Publicas e Saneamento (DNOS). 1941 • Carteira de Importagao e Exportagao do Banco do Brasil (CEXIM). • Companhia Siderurgica Nacional. • Comissao de Combustfvel e Oleos Lubrificantes. 138 A GRAMATICA POLITICA DO BRAS1L Dalton, George. "Primitive, Archaic, and Modern Economies: Karl Polanyi's Contri- bution to Economic Anthropology and Comparative Economics", Essays in Eco- nomic Anthropology, Dedicated to the Memory of Karl Polanyi, Atas do Encontro Anual de 1965 da American Ethnological Society, Washington, University of Washington Press, 1965. . Economic Systems and Society: Capitalism, Communism and the Third World, Middlesex, Penguin, 1974. Da Malta, Roberto. 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