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As Seis Lições - Ludwig Von Mises, Notas de estudo de Bioquímica

As Seis Lições - Ludwig Von Mises

Tipologia: Notas de estudo

2015

Compartilhado em 08/05/2015

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danilo-dalla-vecchia-rocha-4 🇧🇷

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Baixe As Seis Lições - Ludwig Von Mises e outras Notas de estudo em PDF para Bioquímica, somente na Docsity! LUDWIG VON MISES INVE POLITI N SEIS LIÇÕES LUDWIG VON MISES INFLA INVESTIME POLÍTICA E IDÉ AS SEIS LIÇÕES Copyright © Margit von Mises, 1979 Título do original em inglês ECONOMIC POLICY: THOUGHTS FOR TODAY AND TOMORROW Esta obra foi editada por Instituto Luwig von Mises Brasil Rua Iguatemi, 448, conj. 405 – Itaim Bibi São Paulo – SP Tel: (11) 3704-3782 Impresso no Brasil / Printed in Brazil ISBN: 978-85-62816-01-7 7ª. Edição Traduzido por Maria Luiza Borges para o Instituto Liberal Revisão para nova ortografia Núbia Tavares Imagens da capa Dim Dimich/Shutterstock Capa Neuen Design / Toledo Propaganda Projeto Gráfico André Martins Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Ludwig von Mises do Instituto Liberal – RJ Bibliotecário Responsável: Otávio Alexandre J. De Oliveira G994q Mises, Ludwig von 1881-1973 As seis lições/Ludwig von Mises: tradução de Maria Luiza Borges – 7ª .edição – São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2009 Tradução de: Economic policy: thoughts for today and tomorrow Política econômica 2. Economia de Mercado 3. Intervenção do estado . 1 4. Sistemas econômicos I. Borges, Maria Luiza II. Instituto Liberal III. Título CDD – 330.157 Sumário Capa Prefácio Segunda Lição 1. O Socialismo Terceira Lição 1. O Intervencionismo Quarta Lição 1. A Inflação Quinta Lição 1. Investimento Externo Sexta Lição 1. Política e Ideias Prefácio “O presente livro reflete plenamente a posição fundamental do autor, que lhe valeu – e ainda lhe vale – a admiração dos discípulos e os insultos dos adversários. Ao mesmo tempo que cada uma das seis lições pode figurar separadamente como um ensaio independente, a harmonia da série proporciona um prazer estético similar ao que se origina da contemplação da arquitetura de um edifício bem concebido”. – Fritz Machlup, Princeton, 1979 Em fins de 1958, meu marido foi convidado pelo Dr. Alberto Benegas Lynch para pronunciar uma série de conferências na Argentina, e eu o acompanhei. Este livro contém a transcrição das palavras dirigidas por ele nessas conferências a centenas de estudantes argentinos. Chegamos a Argentina alguns meses depois. Perón fora forçado a deixar o país. Ele governara desastrosamente e destruíra por completo as bases econômicas da Argentina. Seu sucessor, Eduardo Leonardi, não foi muito melhor. A nação estava pronta para novas ideias, e meu marido, igualmente, pronto a fornecê-las. Suas conferências foram proferidas em inglês, no enorme auditório da Universidade de Buenos Aires. Em duas salas contíguas, estudantes ouviam com fones de ouvido suas palavras que eram traduzidas simultaneamente para o espanhol. Ludwig von Mises falou sem nenhuma restrição sobre capitalismo, socialismo, intervencionismo, comunismo, fascismo, política econômica e sobre os perigos da ditadura. Aquela gente jovem que o ouvia não sabia muito acerca de liberdade de mercado ou de liberdade individual. Em meu livro My Years with Ludwig von Mises, escrevi, a propósito dessa ocasião: “Se alguém naquela época tivesse ousado atacar o comunismo e o fascismo como fez meu marido, a polícia teria interferido, prendendo-o imediatamente e a reunião teria sido suspensa.” O auditório reagiu como se uma janela tivesse sido aberta e o ar fresco tivesse podido circular pelas salas. Ele falou sem se valer de quaisquer apontamentos. Como sempre, seus pensamentos foram guiados por umas poucas palavras escritas num pedaço de papel. Sabia exatamente o que CAPÍTULO I PRIMEIRA LIÇÃO 1. O Capitalismo Certas expressões usadas pelo povo são, muitas vezes, inteiramente equivocadas. Assim, atribuem-se a capitães de indústria e a grandes empresários de nossos dias epítetos como “o rei do chocolate”, “o rei do algodão” ou “o rei do automóvel”. Ao usar essas expressões, o povo demonstra não ver praticamente nenhuma diferença entre os industriais de hoje e os reis, duques ou lordes de outrora. Mas, na realidade, a diferença é enorme, pois um rei do chocolate absolutamente não rege, ele serve. Não reina sobre um território conquistado, independente do mercado, independente de seus compradores. O rei do chocolate – ou do aço, ou do automóvel, ou qualquer outro rei da indústria contemporânea – depende da indústria que administra e dos clientes a quem presta serviços. Esse “rei” precisa se conservar nas boas graças dos seus súditos, os consumidores: perderá seu “reino” assim que já não tiver condições de prestar aos seus clientes um serviço melhor e de mais baixo custo que o oferecido por seus concorrentes. Duzentos anos atrás, antes do advento do capitalismo, o status social de um homem permanecia inalterado do princípio ao fim de sua existência: era herdado dos seus ancestrais e nunca mudava. Se nascesse pobre, pobre seria para sempre; se rico – lorde ou duque –, manteria seu ducado, e a propriedade que o acompanhava, pelo resto dos seus dias. No tocante à manufatura, as primitivas indústrias de beneficiamento da época existiam quase exclusivamente em proveito dos ricos. A grande maioria do povo (90% ou mais da população europeia) trabalhava na terra e não tinha contato com as indústrias de beneficiamento, voltadas para a cidade. Esse rígido sistema da sociedade feudal imperou, por muitos séculos, nas mais desenvolvidas regiões da Europa. Contudo, a população rural se expandiu e passou a haver um excesso de gente no campo. Os membros dessa população excedente, sem terras herdadas ou bens, careciam de ocupação. Também não lhes era possível trabalhar nas indústrias de beneficiamento, cujo acesso lhes era vedado pelos reis das cidades. O número desses “párias” crescia incessantemente, sem que todavia ninguém soubesse o que fazer com eles. Eram, no pleno sentido da palavra, “proletários”, e ao governo só restava interná-los em asilos ou casas de correção. Em algumas regiões da Europa, sobretudo nos Países Baixos e na Inglaterra, essa população tornou-se tão numerosa que, no século XVIII, constituía uma verdadeira ameaça à preservação do sistema social vigente. Hoje, ao discutir questões análogas em lugares como a Índia ou outros países em desenvolvimento, não devemos esquecer que, na Inglaterra do século XVIII, as condições eram muito piores. Naquele tempo, a Inglaterra tinha uma população de seis ou sete milhões de habitantes, dos quais mais de um milhão – provavelmente dois – não passavam de indigentes a quem o sistema social em vigor nada proporcionava. As medidas a tomar com relação a esses deserdados constituíam um dos maiores problemas da Inglaterra. Outro sério problema era a falta de matérias-primas. Os ingleses eram obrigados a enfrentar a seguinte questão: que faremos, no futuro, quando nossas florestas já não nos derem a madeira de que necessitamos para nossas indústrias e para aquecer nossas casas? Para as classes governantes, era uma situação desesperadora. Os estadistas não sabiam o que fazer e as autoridades em geral não tinham qualquer ideia sobre como melhorar as condições. Foi dessa grave situação social que emergiram os começos do capitalismo moderno. Dentre aqueles párias, aqueles miseráveis, surgiram pessoas que tentaram organizar grupos para estabelecer pequenos negócios, capazes de produzir alguma coisa. Foi uma inovação. Esses inovadores não produziam artigos caros, acessíveis apenas às classes mais altas: produziam bens mais baratos, que pudessem satisfazer as necessidades de todos. E foi essa a origem do capitalismo tal como hoje funciona. Foi o começo da produção em massa – princípio básico da indústria capitalista. Enquanto as antigas indústrias de beneficiamento funcionavam a serviço da gente abastada das cidades, existindo quase que exclusivamente para corresponder às demandas dessas classes privilegiadas, as novas indústrias capitalistas começaram a produzir artigos acessíveis a toda a população. Era a produção em massa, para satisfazer às necessidades das massas. Este é o princípio fundamental do capitalismo tal como existe hoje em todos os países onde há um sistema de produção em massa extremamente desenvolvido: as empresas de grande porte, alvo dos mais fanáticos ataques desfechados pelos pretensos esquerdistas, produzem quase exclusivamente para suprir a carência das massas. As empresas dedicadas à fabricação de artigos de luxo, para uso apenas dos abastados, jamais têm condições de alcançar a magnitude das grandes empresas. E, hoje, os empregados das grandes fábricas são, eles próprios, os maiores consumidores dos produtos que nelas se fabricam. Esta é a diferença básica entre os princípios capitalistas de produção e os princípios feudalistas de épocas anteriores. Quando se pressupõe ou se afirma a existência de uma diferença entre os produtores e os consumidores dos produtos da grande empresa, incorre- se em grave erro. Nas grandes lojas dos Estados Unidos, ouvimos o slogan: “O cliente tem sempre razão.” E esse cliente é o mesmo homem que produz, na fábrica, os artigos à venda naqueles estabelecimentos. Os que pensam que a grande empresa detém um enorme poder também se equivocam, uma vez que a empresa de grande porte é inteiramente dependente da preferência dos que lhes compram os produtos; a mais poderosa empresa perderia seu poder e sua influência se perdesse seus clientes. Há cinquenta ou sessenta anos, era voz corrente em quase todos os países capitalistas que as companhias de estradas de ferro eram por demais grandes e poderosas: sendo monopolistas, tornavam impossível a concorrência. Alegava-se que, na área dos transportes, o capitalismo já havia atingido um estágio no qual se destruira a si mesmo, pois que eliminara a concorrência. O que se descurava era o fato de que o poder das ferrovias dependia de sua capacidade de oferecer à população um meio de transporte melhor que qualquer outro. Evidentemente teria sido absurdo concorrer com uma dessas grandes estradas de ferro, através da implantação de uma nova ferrovia paralela à anterior, porquanto a primeira era suficiente para atender às necessidades do momento. Mas outros concorrentes não tardaram a aparecer. A livre concorrência não significa que se possa prosperar pela simples imitação ou cópia exata do que já foi feito por alguém. A liberdade de imprensa não significa o direito de copiar o que outra pessoa escreveu, e assim alcançar o sucesso a que o verdadeiro autor fez jus por suas obras. Significa o direito de escrever outra coisa. A liberdade de concorrência no tocante às ferrovias, por exemplo, significa liberdade para inventar alguma coisa, para fazer alguma coisa que desafie as ferrovias já existentes e as coloque em situação muito precária de competitividade. Nos Estados Unidos, a concorrência que se estabeleceu através dos ônibus, automóveis, caminhões e aviões impôs às estradas de ferro grandes perdas e uma derrota quase absoluta no que diz respeito ao transporte de passageiros. O desenvolvimento do capitalismo consiste em que cada homem tem o direito de servir melhor e/ou mais barato o seu cliente. E, num tempo relativamente curto, esse método, esse princípio, transformou a face do mundo, possibilitando um crescimento sem precedentes da população mundial. Na Inglaterra do século XVIII, o território só podia dar sustento a seis milhões de pessoas, num baixíssimo padrão de vida. Hoje, mais de cinquenta milhões de pessoas aí desfrutam de um padrão de vida que chega a ser superior ao que desfrutavam os ricos no século XVIII. E o padrão de especial para designar o problema: “fuga do campo” – Landflucht. Discutiu- se, então, no parlamento alemão, que tipo de medida se poderia tomar contra aquele mal – e tratava-se indiscutivelmente de um mal, do ponto de vista da aristocracia rural. O príncipe Bismarck, o famoso chanceler do Reich alemão, disse um dia num discurso: “Encontrei em Berlim um homem que havia trabalhado em minhas terras. Perguntei-lhe: ‘Por que deixou minhas terras? Por que deixou o campo? Por que vive agora em Berlim?’” E, segundo Bismarck, o homem respondeu: “Na aldeia não se tem, como aqui em Berlim, um Biergarten tão lindo, onde nos podemos sentar; tomar cerveja e ouvir música.” Esta é, sem dúvida, uma estória contada do ponto de vista do príncipe Bismarck, o empregador. Não seria o ponto de vista de todos os seus empregados. Estes acorriam à indústria porque ela lhes pagava salários mais altos e elevava seu padrão de vida a níveis sem precedentes. Hoje, nos países capitalistas, há relativamente pouca diferença entre a vida básica das chamadas classes mais altas e a das mais baixas: ambas têm alimento, roupas e abrigo. Mas no século XVIII, e nos que o precederam, o que distinguia o homem da classe média do da classe baixa era o fato de o primeiro ter sapatos, e o segundo, não. Hoje, nos Estados Unidos, a diferença entre um rico e um pobre reduz-se muitas vezes à diferença entre um Cadillac e um Chevrolet. O Chevrolet pode ser de segunda mão, mas presta a seu dono basicamente os mesmos serviços que o Cadillac poderia prestar, uma vez que também está apto a se deslocar de um local a outro. Mais de 50% da população dos Estados Unidos vivem em casas e apartamentos próprios. As investidas contra o capitalismo – especialmente no que se refere aos padrões salariais mais altos – tiveram por origem a falsa suposição de que os salários são, em última análise, pagos por pessoas diferentes daquelas que trabalham nas fábricas. Certamente, nada impede que economistas e estudantes de teorias econômicas tracem uma distinção entre trabalhador e consumidor. Mas o fato é que todo consumidor tem de ganhar, de uma maneira ou de outra, o dinheiro que gasta, e a imensa maioria dos consumidores é constituída precisamente por aquelas mesmas pessoas que trabalham como empregados nas empresas produtoras dos bens que consomem. No capitalismo, os padrões salariais não são estipulados por pessoas diferentes das que ganham os salários: são essas mesmas pessoas que os manipulam. Não é a companhia cinematográfica de Hollywood que paga os salários de um astro das telas, quem os paga é o público que compra ingresso nas bilheterias dos cinemas. E não é o empresário de uma luta de boxe que cobre as enormes exigências de lutadores laureados, mas sim a plateia, que compra entradas para a luta. A partir da distinção entre empregado e empregador, traça-se, no plano da teoria econômica, uma distinção que não existe na vida real. Nesta, empregador e empregado são, em última análise, uma só e a mesma pessoa. Em muitos países há quem considere injusto que um homem obrigado a sustentar uma família numerosa receba o mesmo salário que outro, responsável apenas pela própria manutenção. No entanto, o problema é não questionar se é ao empresário ou não que cabe assumir a responsabilidade pelo tamanho da família de um trabalhador. A pergunta que deve ser feita neste caso é: você, como indivíduo, se disporia a pagar mais por alguma coisa, digamos, um pão, se for informado de que o homem que o fabricou tem seis filhos? Uma pessoa honesta por certo responderia negativamente, dizendo: “Em princípio, sim. Mas na prática tenderia a comprar o pão feito por um homem sem filho nenhum.” O fato é que o empregador a quem os compradores não pagam o suficiente para que ele possa pagar seus empregados se vê na impossibilidade de levar adiante seus negócios. O “capitalismo” foi assim batizado não por um simpatizante do sistema, mas por alguém que o tinha na conta do pior de todos os sistemas históricos, da mais grave calamidade que jamais se abatera sobre a humanidade. Esse homem foi Karl Marx. Não há razão, contudo, para rejeitar a designação proposta por Marx, uma vez que ela indica claramente a origem dos grandes progressos sociais ocasionados pelo capitalismo. Esses progressos são fruto da acumulação do capital; baseiam-se no fato de que as pessoas, por via de regra, não consomem tudo o que produzem e no fato de que elas poupam – e investem – parte desse montante. Reina um grande equívoco em torno desse problema. Ao longo destas seis palestras, terei oportunidade de abordar os principais mal-entendidos em voga, relacionados com a acumulação do capital, com o uso do capital e com os benefícios universais auferidos a partir desse uso. Tratarei do capitalismo particularmente em minhas palestras dedicadas ao investimento externo e a esse problema extremamente crítico da política atual que é a inflação. Todos sabem, é claro, que a inflação não existe só neste país. Constitui hoje um problema em todas as partes do mundo. O que muitas vezes não se compreende a respeito do capitalismo é o seguinte: poupança significa benefícios para todos os que desejam produzir ou receber salários. Quando alguém acumula certa quantidade de dinheiro – mil dólares, digamos – e confia esses dólares, em vez de gastá-los, a uma empresa de poupança ou a uma companhia de seguros, transfere esse dinheiro para um empresário, um homem de negócios, o que vai permitir que esse empresário possa expandir suas atividades e investir num projeto, que na véspera ainda era inviável, por falta do capital necessário. Que fará então o empresário com o capital recém-obtido? Certamente a primeira coisa que fará, o primeiro uso que dará a esse capital suplementar será a contratação de trabalhadores e a compra de matérias-primas – o que promoverá, por sua vez, o surgimento de uma demanda adicional de trabalhadores e matérias-primas, bem como uma tendência à elevação dos salários e dos preços dessas matérias-primas. Muito antes que o poupador ou o empresário tenham obtido algum lucro em tudo isso, o trabalhador desempregado, o produtor de matérias-primas, o agricultor e o assalariado já estarão participando dos benefícios das poupanças adicionais. O que o empresário virá ou não a ganhar com o projeto depende das condições futuras do mercado e de seu talento para prevê-las corretamente. Mas os trabalhadores, assim como os produtores de matéria- prima, auferem as vantagens de imediato. Muito se falou, trinta ou quarenta anos atrás, sobre a “política salarial” – como a denominavam – de Henry Ford. Uma das maiores façanhas do Sr. Ford consistia em pagar salários mais altos que os oferecidos pelas demais indústrias ou fábricas. Sua política salarial foi descrita como uma “invenção”. Não se pode, no entanto, dizer que essa nova política “inventada” seja simplesmente um fruto da liberalidade do Sr. Ford. Um novo ramo industrial – ou uma nova fábrica num ramo já existente – precisa atrair trabalhadores de outros empregos, de outras regiões do país e até de outros países. E não há outra maneira de fazê-lo senão através do pagamento de salários mais altos aos trabalhadores. Foi o que ocorreu nos primórdios do capitalismo, e é o que ocorre até hoje. Na Grã-Bretanha, quando os fabricantes começaram a produzir artigos de algodão, eles passaram a pagar aos seus trabalhadores mais do que estes ganhavam antes. É verdade que grande porcentagem desses novos trabalhadores jamais ganhara coisa alguma antes. Estavam, então, dispostos a aceitar qualquer quantia que lhes fosse oferecida. Mas, pouco tempo depois, com a crescente acumulação do capital e a implantação de um número cada vez maior de novas empresas, os salários se elevaram, e como consequência houve aquele aumento sem precedentes da população inglesa, ao qual já me referi. A reiterada caracterização depreciativa do capitalismo como um sistema destinado a tornar os ricos mais ricos e os pobres mais pobres é equivocada do começo ao fim. A tese de Marx concernente ao advento do capitalismo baseou-se no pressuposto de que os trabalhadores estavam ficando mais pobres, de que o povo estava ficando mais miserável, o que finalmente redundaria na concentração de toda a riqueza de um país em umas poucas mãos, ou mesmo nas de um homem CAPÍTULO II Segunda Lição 1. O Socialismo Estou em Buenos Aires a convite do Centro de Difusión de la Economia Libre. Que vem a ser economia livre? Que significa esse sistema de liberdade econômica? A resposta é simples: é a economia de mercado, é o sistema em que a cooperação dos indivíduos na divisão social do trabalho se realiza pelo mercado. E esse mercado não é um lugar: é um processo, é a forma pela qual, ao vender e comprar, ao produzir e consumir, as pessoas estão contribuindo para o funcionamento global da sociedade. Quando falamos desse sistema de organização econômica – a economia de mercado – empregamos a expressão “liberdade econômica”. Frequentemente as pessoas se equivocam quanto ao seu significado, supondo que liberdade econômica seja algo inteiramente dissociado de outras liberdades, e que estas outras liberdades – que reputam mais importantes – possam ser preservadas mesmo na ausência de liberdade econômica. Mas liberdade econômica significa, na verdade, que é dado às pessoas que a possuem o poder de escolher o próprio modo de se integrar ao conjunto da sociedade. A pessoa tem o direito de escolher sua carreira, tem liberdade para fazer o que quer. É óbvio que não compreendemos liberdade no sentido que hoje tantos atribuem à palavra. O que queremos dizer é antes que, através da liberdade econômica, o homem é libertado das condições naturais. Nada há, na natureza, que possa ser chamado de liberdade; há apenas a regularidade das leis naturais, a que o homem é obrigado a obedecer para alcançar qualquer coisa. Quando se trata de seres humanos, atribuímos à palavra liberdade o significado exclusivo de liberdade na sociedade. Não obstante, muitos consideram que as liberdades sociais são independentes umas das outras. Os que hoje se intitulam “liberais” têm reivindicado programas que são exatamente o oposto das políticas que os liberais do século XIX defendiam em seus programas liberais. Os pretensos liberais de nossos dias sustentam a ideia muito difundida de que as liberdades de expressão, de pensamento, de imprensa, de culto, de encarceramento sem julgamento podem, todas elas, ser preservadas mesmo na ausência do que se conhece como liberdade econômica. Não se dão conta de que, num sistema desprovido de mercado, em que o governo determina tudo, todas essas outras liberdades são ilusórias, ainda que postas em forma de lei e inscritas na constituição. Tomemos como exemplo a liberdade de imprensa. Se for dono de todas as máquinas impressoras, o governo determinará o que deve e o que não deve ser impresso. Nesse caso, a possibilidade de se publicar qualquer tipo de crítica às ideias oficiais torna-se praticamente nula. A liberdade de imprensa desaparece. E o mesmo se aplica a todas as demais liberdades. Quando há economia de mercado, o indivíduo tem a liberdade de escolher qualquer carreira que deseje seguir, de escolher seu próprio modo de inserção na sociedade. Num sistema socialista é diferente: as carreiras são decididas por decreto do governo. Este pode ordenar às pessoas que não lhe sejam gratas, àquelas cuja presença não lhe pareça conveniente em determinadas regiões, que se mudem para outras regiões e outros lugares. E sempre há como justificar e explicar semelhante procedimento: declara- se que o plano governamental exige a presença desse eminente cidadão a cinco mil milhas de distância do local onde ele estava sendo ou poderia ser incômodo aos detentores do poder. É verdade que a liberdade possível numa economia de mercado não é uma liberdade perfeita no sentido metafísico. Mas a liberdade perfeita não existe. É só no âmbito da sociedade que a liberdade tem algum significado. Os pensadores que desenvolveram, no século XVIII, a ideia da “lei natural” – sobretudo Jean-Jacques Rousseau – acreditavam que um dia, num passado remoto, os homens haviam desfrutado de algo chamado liberdade “natural”. Mas nesses tempos remotos os homens não eram livres – estavam à mercê de todos os que fossem mais fortes que eles mesmos. As famosas palavras de Rousseau: “O homem nasceu livre e se encontra acorrentado em toda parte”, talvez soem bem, mas na verdade o homem não nasceu livre. Nasceu como uma frágil criança de peito. Sem a proteção dos pais, sem a proteção proporcionada a esses pais pela sociedade, não teria podido sobreviver. Liberdade na sociedade significa que um homem depende tanto dos demais como estes dependem dele. A sociedade, quando regida pela economia de mercado, pelas condições da economia livre, apresenta uma situação em que todos prestam serviços aos seus concidadãos e são, em contrapartida, por eles servidos. Acredita-se, que existem na economia de mercado chefões que não dependem da boa vontade e do apoio dos demais cidadãos. Os capitães de indústria, os homens de negócios, os empresários seriam os verdadeiros chefões do sistema econômico. Mas isso é uma ilusão. Quem manda no sistema econômico são os consumidores. Se estes deixam de prestigiar um ramo de atividades, os empresários deste ramo são compelidos ou a abandonar sua eminente posição no sistema econômico, ou a ajustar suas ações aos desejos e às ordens dos consumidores. Uma das mais notórias divulgadoras do comunismo foi Beatrice Potter, nome de solteira de Lady Passfield (tambem muito conhecida por conta de seu marido Sidney Webb). Essa senhora, filha de um rico empresário, trabalhou quando jovem como secretária do pai. Em suas memórias, ela escreve: “Nos negócios de meu pai, todos tinham de obedecer às ordens dadas por ele, o chefe. Só a ele competia dar ordens, e a ele ninguém dava ordem alguma.” Esta é uma visão muito acanhada. Seu pai recebia ordens: dos consumidores, dos compradores. Lamentavelmente, ela não foi capaz de perceber essas ordens; não foi capaz de perceber o que ocorre numa economia de mercado, exclusivamente voltada que estava para as ordens expedidas dentro dos escritórios ou da fábrica do pai. Diante de todos os problemas econômicos, devemos ter em mente as palavras que o grande economista francês Frédéric Bastiat usou como título de um de seus brilhantes ensaios: “Ce quon voit et ce qu’on ne voit pas” (“O que se vê e o que não se vê”). Para compreender como funciona um sistema econômico, temos de levar em conta não só o que pode ser visto, mas também o que não pode ser diretamente percebido. Por exemplo, uma ordem dada por um chefe a um contínuo pode ser ouvida por aqueles que estejam na mesma sala. O que não se pode ouvir são as ordens dadas ao chefe por seus clientes. O fato é que, no sistema capitalista, os chefes, em última instância, são os consumidores. Não é o estado, é o povo que é soberano. Prova disto é o fato de que lhe assiste o direito de ser tolo. Este é o privilégio do soberano. Assiste-lhe o direito de cometer erros: ninguém o pode impedir de cometê-los, embora, obviamente, deva pagar por eles. Quando afirmamos que o consumidor é supremo ou soberano, não estamos afirmando que está livre de erros, que sempre sabe o que melhor lhe conviria. Muitas vezes os consumidores compram ou consomem artigos que não deviam comprar ou consumir. Mas a ideia de que uma forma capitalista de governo pode impedir, através de um controle sobre o que as pessoas consomem, que elas se prejudiquem, é falsa. A visão do governo como uma autoridade paternal, um guardião de todos, é própria dos adeptos do socialismo. Nos Estados Unidos, o governo empreendeu certa feita, há alguns anos, uma experiência que foi qualificada de “nobre”. Essa “nobre experiência” consistiu numa lei que declarava ilegal o consumo de bebidas tóxicas. Não há dúvida de que muita gente se prejudica ao beber conhaque e whisky em excesso. Algumas autoridades nos Estados Unidos são contrárias até mesmo ao fumo. Certamente há muitas pessoas que fumam demais, não obstante o fato de que não fumar seria melhor para elas. Isso suscita um problema que transcende em muito a discussão econômica: põe a nu o verdadeiro significado da liberdade. Se admitirmos que é bom impedir que O efeito mais visível desse estado de coisas era o fato de os aristocratas de toda a Europa falarem a mesma língua, o francês, idioma não compreendido, fora da França, pelos demais grupos da população. As classes médias – a burguesia – tinham sua própria língua, enquanto as classes baixas – o campesinato – usavam dialetos locais, muitas vezes não compreendidos por outros grupos da população. O mesmo se passava com relação aos trajes. Quem viajasse de um país para outro em 1750 constataria que as classes mais elevadas, os aristocratas, se vestiam em geral de maneira idêntica em toda a Europa; e que as classes baixas usavam roupas diferentes. Vendo alguém na rua, era possível perceber de imediato – pelo modo como se vestia – a sua classe, o seu status. É difícil avaliar o quanto essa situação era diversa da atual. Se venho dos Estados Unidos para a Argentina e vejo um homem na rua, não posso dizer qual é seu status. Concluo apenas que é um cidadão argentino, não pertencente a nenhum grupo sujeito a restrições legais. Isto é algo que o capitalismo nos trouxe. Sem dúvida há também diferenças entre as pessoas no capitalismo. Há diferenças em relação à riqueza; diferenças estas que os marxistas, equivocadamente, consideram equivalentes àquelas antigas que separavam os homens na sociedade de status. Numa sociedade capitalista, as diferenças entre os cidadãos não são como as que se verificam numa sociedade de status. Na Idade Média – e mesmo bem depois, em muitos países – uma família podia ser aristocrata e possuidora de grande fortuna, podia ser uma família de duques, ao longo de séculos e séculos, fossem quais fossem suas qualidades, talentos, caráter ou moralidade. Já nas modernas condições capitalistas, verifica-se o que foi tecnicamente denominado pelos sociólogos de “mobilidade social”. O princípio segundo o qual a mobilidade social opera, nas palavras do sociólogo e economista italiano Vilfredo Pareto, é o da “circulation des élites” (“circulação das elites”). Isso significa que haverá sempre no topo da escada social pessoas ricas, politicamente importantes, mas essas pessoas – essas elites – estão em contínua mudança. Isto se aplica perfeitamente a uma sociedade capitalista. Não se aplicaria a uma sociedade pré-capitalista de status. As famílias consideradas as grandes famílias aristocráticas da Europa permanecem as mesmas até hoje, ou melhor, são formadas hoje pelos descendentes de famílias que constituíam a nata na Europa, há oito, dez ou mais séculos. Os Capetos de Bourbon – que por um longo período dominaram a Argentina – já eram uma casa real desde o século X. Reinavam sobre o território hoje chamado Ile-de-France, ampliando seu reino a cada geração. Mas numa sociedade capitalista há uma continua mobilidade – pobres que enriquecem e descendentes de gente rica que perdem a fortuna e se tornam pobres. Vi hoje, numa livraria de uma rua do centro de Buenos Aires, a biografia de um homem que viveu na Europa do século XIX, e que foi tão eminente, tão importante, tão representativo dos altos negócios europeus naquela época, que até hoje, aqui neste país tão distante da Europa, encontram-se à venda exemplares da história de sua vida. Tive a oportunidade de conhecer o neto desse homem. Tem o mesmo nome do avô e conserva o direito de usar o título nobiliário que este – que começou a vida como ferreiro – recebeu oitenta anos atrás. Hoje esse seu neto é um fotógrafo pobre na cidade de Nova York. Outras pessoas, pobres à época em que o avô desse fotógrafo se tornou um dos maiores industriais da Europa, são hoje capitães de indústria. Todos são livres para mudar seu status, é isso que distingue o sistema de status do sistema capitalista de liberdade econômica, em que as pessoas só podem culpar a si mesmas se não chegam a alcançar a posição que almejam. O mais famoso industrial do século XX continua sendo Henry Ford. Ele começou com umas poucas centenas de dólares emprestados por amigos e, em muito pouco tempo, implantou um dos mais importantes empreendimentos de grande vulto do mundo. E podemos encontrar centenas de casos semelhantes todos os dias. Diariamente o New York Times publica longas notas sobre pessoas que faleceram. Lendo essas biografias, podemos deparar, por exemplo, com o nome de um eminente empresário que tenha iniciado a vida como vendedor de jornais nas esquinas de Nova York. Ou com outro que tenha iniciado como contínuo e, por ocasião de sua morte, era o presidente da mesma instituição bancária onde começara no mais baixo degrau da hierarquia. Evidentemente, nem todos conseguem alcançar tais posições. Nem todos querem alcançá-las. Há pessoas mais interessadas em outras coisas: para elas, no entanto, há hoje certos caminhos que não estavam abertos nos tempos da sociedade feudal, na época da sociedade de status. O sistema socialista, contudo, proíbe essa liberdade fundamental que é a escolha da própria carreira. Nas condições socialistas há uma única autoridade econômica, e esta detém o poder de determinar todas as questões atinentes à produção. Um dos traços característicos de nossos dias é o uso de muitos nomes para designar uma mesma coisa. Um sinônimo de socialismo e comunismo é “planejamento”. Quando falam de “planejamento”, as pessoas se referem, evidentemente, a um planejamento central, o que significa um plano único, feito pelo governo – um plano que impede todo planejamento feito por outra pessoa. Uma senhora inglesa – que é também membro da Câmara Alta – escreveu um livro intitulado Plan or no Plan, obra muito bem recebida no mundo inteiro. Que significa o título desse livro? Ao falar de “plano” a autora se refere unicamente ao tipo de planejamento concebido por Lenin, Stálin e seus sucessores, o tipo que determina todas as atividades de todo o povo de uma nação. Por conseguinte, essa senhora só leva em conta o planejamento central, que exclui todos os planos pessoais que os indivíduos possam ter. Assim sendo, seu título, Plan or no Plan, revela-se um logro, uma burla: a alternativa não está em plano central versus nenhum plano. Na verdade, a escolha está entre o planejamento total feito por uma autoridade governamental central e a liberdade de cada indivíduo para traçar os próprios planos, fazer o próprio planejamento. O indivíduo planeja sua vida todos os dias, alterando seus planos diários sempre que queira. O homem livre planeja diariamente, segundo suas necessidades. Dizia, ontem, por exemplo: “Planejo trabalhar pelo resto dos meus dias em Córdoba.” Agora, informado de que as condições em Buenos Aires estão melhores, muda seus planos e diz: “Em vez de trabalhar em Córdoba, quero ir para Buenos Aires.” É isso que significa liberdade. Pode ser que ele esteja enganado, pode ser que essa ida para Buenos Aires se revele um erro. Talvez as condições lhe tivessem sido mais propicias em Córdoba, mas ele foi o autor dos próprios planos. Submetido ao planejamento governamental, o homem é como um soldado num exército. Não cabe a um soldado o direito de escolher sua guarnição, a praça onde servirá. Cabe-lhe cumprir ordens. E o sistema socialista – como o sabiam e admitiam Karl Marx, Lenin e todos os líderes socialistas – consiste na transposição do regime militar a todo o sistema de produção. Marx falou de “exércitos industriais” e Lenin impôs “a organização de tudo – o correio, as manufaturas e os demais ramos industriais – segundo o modelo do exército”. Portanto, no sistema socialista, tudo depende da sabedoria, dos talentos e dos dons daqueles que constituem a autoridade suprema. O que o ditador supremo – ou seu comitê – não sabe, não é levado em conta. Mas o conhecimento acumulado pela humanidade em sua longa história não é algo que uma só pessoa possa deter. Acumulamos, ao longo dos séculos, um volume tão incomensurável de conhecimentos científicos e tecnológicos, que se torna humanamente impossível a um indivíduo o domínio de todo esse cabedal, por extremamente bem-dotado que ele seja. Acresce que os homens são diferentes, desiguais. E sempre o serão. Alguns são mais dotados em determinado aspecto, menos em outro. E há os que têm o dom de descobrir novos caminhos, de mudar os rumos do conhecimento. Nas sociedades capitalistas, o progresso tecnológico e econômico é promovido por esses homens. Quando alguém tem uma ideia, procura encontrar algumas outras pessoas argutas o suficiente para perceberem o valor de seu achado. Alguns capitalistas que ousam perscrutar o futuro, que se dão conta das possíveis consequências dessa ideia, começarão a pô-la em prática. Outros, a princípio, poderão dizer: “são máquinas, os instrumentos – e o fator humano de produção, ou seja, os salários pagos à mão-de-obra. Esse tipo de cálculo que o empresário realiza não pode ser feito se ele não tem os preços fornecidos pelo mercado. No instante mesmo em que se abolir o mercado – e é o que os socialistas gostariam de fazer – ficariam inutilizados todos os cômputos e cálculos feitos pelos engenheiros e tecnólogos. Os tecnólogos podem continuar fornecendo grande número de projetos que, do ponto de vista das ciências naturais, podem ser todos igualmente exequíveis, mas são os cálculos baseados no mercado – realizados pelo homem de negócios – que são indispensáveis para se determinar qual desses projetos é o mais vantajoso do ponto de vista econômico. O problema de que estou tratando é a questão fundamental do cálculo econômico capitalista em contraposição ao que se passa no socialismo. O fato é que o cálculo econômico – e por conseguinte todo planejamento tecnológico – só é possível quando existem preços em dinheiro, não só para bens de consumo, como para os fatores de produção. Isso significa que é preciso haver um mercado para todas as matérias-primas, todos os artigos semi-acabados, todos os instrumentos e máquinas, e todos os tipos de trabalho e de serviço humanos. Quando se descobriu esse fato, os socialistas não souberam reagir adequadamente. Por 150 anos tinham afirmado: “Todos os males do mundo advêm da existência de mercados e de preços de mercado. Queremos abolir o mercado e, com ele, é claro, a economia de mercado, substituindo-a por um sistema sem preços e sem mercados”. Queriam abolir o que Marx chamou de “caráter de mercadoria” das mercadorias e do trabalho. Confrontados com esse novo problema, os teóricos do socialismo, sem resposta, acabaram por concluir: “não aboliremos o mercado por completo; faremos de conta que existe um mercado, como as crianças, quando brincam de escolinha.” A questão é que, todos sabem, as crianças quando brincam de escolinha não aprendem coisa alguma. É só uma brincadeira, uma simulação, e se pode “simular” muitas coisas. Este é um problema muito difícil e complexo, e para analisá-lo em toda a sua amplitude seria necessário um pouco mais de tempo do que o que tenho aqui. Explanei-o em detalhes em meus escritos. Em seis palestras, não posso empreender uma análise de todos os seus aspectos. Assim sendo, quero sugerir-lhes, caso estejam interessados no problema básico de impossibilidade do cálculo e do planejamento no socialismo, a leitura de meu livro Ação Humana, encontrável em espanhol em excelente tradução. Mas leiam também outros livros, como o do economista norueguês Trygue Hoff, que escreveu sobre o cálculo econômico. E, se não quiserem ser unilaterais, recomendo a leitura do livro socialista mais respeitado sobre o assunto, da autoria do eminente economista polonês Oscar Lange, que foi por algum tempo professor numa universidade americana, tornou-se depois embaixador da Polônia, voltando, posteriormente, para o seu país. Provavelmente me perguntarão: “E a Rússia? Como enfrentam os russos esse problema?” Nesse caso, a questão muda de figura. Os russos gerem seu sistema socialista no âmbito de um mundo em que existem preços para todos os fatores de produção, para todas as matérias-primas, para tudo. Por conseguinte, podem utilizar, em seu planejamento, os preços do mercado mundial. E, visto que há certas diferenças entre as condições reinantes na Rússia e as reinantes nos Estados Unidos, frequentemente o resultado é que, para os russos, parece justificável e aconselhável – de seu ponto de vista econômico – algo que, para os americanos, absolutamente não se justificaria economicamente. A “experiência soviética” – ou “experimento”, como foi chamada – não prova coisa alguma. Nada revela sobre o problema fundamental do socialismo, o problema do cálculo. Mas teríamos razões para caracterizá-la como “experiência”? Não creio que, no campo da ação humana e da economia, possamos ter algo que se assemelhe a um experimento científico. Não se pode fazer experimentos de laboratório no campo da ação humana, porque um experimento científico requer a réplica de um mesmo procedimento sob diversas condições, ou a manutenção das mesmas condições acompanhada da criação de talvez um único fator. Por exemplo, se injetarmos num animal canceroso um medicamento experimental, o resultado pode ser o desaparecimento do câncer. Poderemos testar isso com vários animais da mesma raça, portadores da mesma doença. Se tratarmos parte deles com o novo método e não tratarmos outros, poderemos comparar os resultados. Ora, nada disso é viável no campo da ação humana. Não há experimentos de laboratório nesse plano. A chamada “experiência” soviética mostra tão somente que o padrão de vida na Rússia Soviética é incomparavelmente inferior ao padrão alcançado pelo país mundialmente reputado o paradigma do capitalismo: os Estados Unidos. Se dissermos isto a um socialista, ele certamente contestará: “As coisas na Rússia estão correndo maravilhosamente bem.” E nós responderemos: “Podem estar maravilhosas, mas o padrão de vida é, em média, muito baixo.” Então ele retrucará: “Sim, mas lembre o quanto os russos sofreram com os czares, e a terrível guerra que tivemos de enfrentar.” Não quero discutir se esta é ou não uma explicação correta, mas quando se nega que as condições tenham sido as mesmas, nega-se ao mesmo tempo que tenha havido uma experiência. O que se deveria afirmar – e seria muito mais correto – é: “O socialismo na Rússia não ocasionou, em média, uma melhoria das condições do homem comparável à melhoria de condições verificada, no mesmo período, nos Estados Unidos.” Nos Estados Unidos, quase toda semana tem-se notícia de um novo invento, de um aperfeiçoamento. Muitos aperfeiçoamentos foram gerados no mundo empresarial, porque milhares e milhares de industriais estão empenhados, noite e dia, em descobrir algum novo produto que satisfaça o consumidor, ou seja de produção menos dispendiosa, ou seja melhor e menos oneroso que os produtos já existentes. Não é o altruísmo que os move; é seu desejo de ganhar dinheiro. E o efeito foi que o padrão de vida se elevou, nos Estados Unidos, a níveis quase miraculosos quando confrontados às condições reinantes há cinquenta ou cem anos atrás. Mas na Rússia Soviética, onde esse sistema não vigora, não se verifica um desenvolvimento comparável. Assim, os que nos recomendam a adoção do sistema soviético estão inteiramente equivocados. Há mais uma coisa a ser mencionada. O consumidor americano, o indivíduo, é tanto um comprador como um patrão. Ao sair de uma loja nos Estados Unidos, é comum vermos um cartaz com os seguintes dizeres: “Gratos pela preferência. Volte sempre”. Mas ao entrarmos numa loja de um país totalitário – seja a Rússia de hoje, seja a Alemanha de Hitler –, o gerente nos dirá: “Agradeça ao grande líder, que lhe está proporcionando isso.” Nos países socialistas, ao invés de ser o vendedor, é o comprador que deve ficar agradecido. Não é o cidadão quem manda; quem manda é o Comitê Central, o Gabinete Central. Estes comitês, os líderes, os ditadores, são supremos; ao povo cabe simplesmente obedecer-lhes. proteger os cidadãos, e entre eles os homens de negócio e, evidentemente, seus empregados, contra ataques de bandidos nacionais ou do exterior, é efetivamente uma expectativa normal e necessária, algo a se esperar de qualquer governo. Essa proteção não constitui uma intervenção, pois a única função legítima do governo é, precisamente, produzir segurança.) Quando falamos de intervencionismo, referimo-nos ao desejo que experimenta o governo de fazer mais que impedir assaltos e fraudes. O intervencionismo significa que o governo não somente fracassa em proteger o funcionamento harmonioso da economia de mercado, como também interfere em vários fenômenos de mercado: interfere nos preços, nos padrões salariais, nas taxas de juro e de lucro. O governo quer interferir com a finalidade de obrigar os homens de negócio a conduzir suas atividades de maneira diversa da que escolheriam caso tivessem de obedecer apenas aos consumidores. Assim, todas as medidas de intervencionismo governamental têm por objetivo restringir a supremacia do consumidor. O governo quer arrogar a si mesmo o poder – ou pelo menos parte do poder – que, na economia de mercado livre, pertence aos consumidores. Consideremos um exemplo de intervencionismo bastante conhecido em muitos países e experimentado, vezes sem conta, por inúmeros governos, especialmente em tempos de inflação. Refiro-me ao controle de preços. Em geral, os governos recorrem ao controle de preços depois de terem inflacionado a oferta de moeda e de a população ter começado a se queixar do decorrente aumento dos preços. Há muitos e famosos exemplos históricos do fracasso de métodos de controle dos preços, mas mencionarei apenas dois, porque em ambos os governos foram, de fato, extremamente enérgicos ao impor, ou tentar impor, seus controles de preço. O primeiro exemplo famoso é o caso do imperador romano Diocleciano, notório como o último imperador romano a perseguir os cristãos. Na segunda metade do século III, os imperadores romanos dispunham de um único método financeiro: desvalorizar a moeda corrente por meio de sua adulteração. Nessa época primitiva, anterior à invenção da máquina impressora, até a inflação era, por assim dizer, primitiva. Envolvia o enfraquecimento do teor da liga metálica com que se cunhavam as moedas, especialmente as de prata. O governo misturava à prata quantidades cada vez maiores de cobre, até que a cor das moedas se alterou e o peso se reduziu consideravelmente. A consequência dessa adulteração das moedas e do aumento associado da quantidade de dinheiro em circulação foi uma alta dos preços, seguida de um decreto destinado a controlá-los. E os imperadores romanos não primavam pela moderação no fazer cumprir suas leis: a morte não lhes parecia uma punição demasiado severa para quem ousasse cobrar preços mais elevados que os estipulados. Conseguiram impor o controle de preços, mas foram incapazes de preservar a sociedade. A consequência foi a desintegração do Império Romano e do sistema da divisão do trabalho. Quinze séculos mais tarde, a mesma adulteração do dinheiro teve lugar durante a Revolução Francesa. Mas desta vez utilizou-se um método diferente. A tecnologia para a produção de dinheiro fora consideravelmente aperfeiçoada. Os franceses já não precisavam recorrer à adulteração da liga metálica empregada na cunhagem das moedas: tinham a máquina impressora. E esta era extremamente eficiente. Mais uma vez, o resultado foi uma elevação dos preços sem precedentes. Mas na Revolução Francesa os preços máximos não foram garantidos através do mesmo método de aplicação da pena capital de que lançara mão o imperador Diocleciano. Produzira-se um aperfeiçoamento também na técnica de matar cidadãos. Todos se lembram do famoso doutor J. I. Guillotin (1738-1814), o inventor da guilhotina. No entanto, apesar da guilhotina, os franceses também fracassaram com suas leis de preço máximo. Quando chegou a vez de Robespierre ser conduzido numa carroça rumo à guilhotina, o povo gritava: “Lá vai o bandido-mor!”. Se menciono este fato é porque é comum ouvir: “O que é preciso para dar eficácia e eficiência ao controle de preços é apenas maior implacabilidade e maior energia”. Ora, Diocleciano foi indubitavelmente implacável, como também o foi a Revolução Francesa. Não obstante, as medidas de controle de preço fracassaram por completo em ambos os casos. Analisemos agora as razões desse fracasso. O governo ouve as queixas do povo de que o preço do leite subiu. E o leite é, sem dúvida, muito importante, sobretudo para a geração em crescimento, para as crianças. Por conseguinte, estabelece um preço máximo para esse produto, preço máximo que é inferior ao que seria o preço potencial de mercado. Então o governo diz: “Estamos certos de que fizemos tudo o que era preciso para permitir aos pobres a compra de todo o leite de que necessitam para alimentar os filhos”. Mas que acontece? Por um lado, o menor preço do leite provoca o aumento da demanda do produto; pessoas que não tinham meios de comprá-lo a um preço mais alto, podem agora fazê-lo ao preço reduzido por decreto oficial. Por outro lado, parte dos produtores de leite, aqueles que estão produzindo a custos mais elevados – isto é, os produtores marginais – começam a sofrer prejuízos, visto que o preço decretado pelo governo é inferior aos custos do produto. Este é o ponto crucial na economia de mercado. O empresário privado, o produtor privado, não pode sofrer prejuízo no cômputo final de suas atividades. E como não pode ter prejuízos com o leite, restringe a venda deste produto para o mercado. Pode vender algumas de suas vacas para o matadouro; pode também, em vez de leite, fabricar e vender derivados do produto, como coalhada, manteiga ou queijo. A interferência do governo no preço do leite redunda, pois, em menor quantidade do produto do que a que havia antes, redução que é concomitante a uma ampliação da demanda. Algumas pessoas dispostas a pagar o preço decretado pelo governo não conseguirão comprar leite. Outro efeito é a precipitação de pessoas ansiosas por chegarem em primeiro lugar às lojas. São obrigadas a esperar do lado de fora. As longas filas diante das lojas parecem sempre um fenômeno corriqueiro numa cidade em que o governo tenha decretado preços máximos para as mercadorias que lhe pareciam importantes. Foi o que se passou em todos os lugares onde o preço do leite foi controlado. Por outro lado, isso foi sempre prognosticado pelos economistas – obviamente apenas pelos economistas sensatos, que, aliás, não são muito numerosos. Mas qual é a consequência do controle governamental de preços? O governo se frustra. Pretendia aumentar a satisfação dos consumidores de leite, mas na verdade, descontentou-os. Antes de sua interferência, o leite era caro, mas era possível comprá-lo. Agora a quantidade disponível é insuficiente. Com isso, o consumo total se reduz. As crianças passam a tomar menos leite, e chegam a não mais tomá-lo. A medida a que o governo recorre em seguida é o racionamento. Mas racionamento significa tão somente que algumas pessoas são privilegiadas e conseguem obter leite, enquanto outras ficam sem nenhum. Quem obtém e quem não obtém é obviamente algo sempre determinado de forma muito arbitrária. Pode ser estipulado, por exemplo, que crianças com menos de quatro anos de idade devem tomar leite, e aquelas com mais de quatro, ou entre quatro e seis, devem receber apenas a metade da ração a que as menores fazem jus. Faça o governo o que fizer, permanece o fato de que só há disponível uma menor quantidade de leite. Consequentemente, a população está ainda mais insatisfeita que antes. O governo pergunta, então, aos produtores de leite (porque não tem imaginação suficiente para descobrir por si mesmo): “Por que não produzem a mesma quantidade que antes?”. Obtém a resposta: “É impossível, uma vez que os custos de produção são superiores ao preço máximo fixado pelo governo”. As autoridades se põem em seguida a estudar os custos dos vários fatores de produção, vindo a descobrir que um deles é a ração. “Pois bem”, diz o governo, “o mesmo controle que impusemos ao leite, vamos aplicar agora à ração. Determinaremos um preço máximo para ela e os produtores de leite poderão alimentar seu gado a preços mais baixos, com menor dispêndio. Com isto, tudo se resolverá: os produtores de leite terão condições de produzir em maior quantidade e venderão mais.” Que acontece nesse caso? Repete-se, com a ração, a mesma história acontecida com o leite, e, como é fácil depreender, pelas mesmíssimas razões. A produção de ração diminui e as autoridades se veem novamente diante de um dilema. pelo governo. O Betriebsführer não tinha o direito de se apossar dos lucros; recebia o equivalente a um salário e, se quisesse receber uma soma maior, diria, por exemplo: “Estou muito doente, preciso me submeter a uma operação imediatamente, e isso custará quinhentos marcos”. Nesse caso, era obrigado a consultar o führers do distrito (o Gauführer ou Gauleiter), que o autorizaria – ou não – a fazer uma retirada superior ao salário que lhe era destinado. Os preços já não eram preços, os salários já não eram salários – não passavam de expressões quantitativas num sistema de socialismo. Permitam-me agora contar-lhes como esse sistema entrou em colapso. Um dia, após anos de combate, os exércitos estrangeiros chegaram à Alemanha. Procuraram conservar esse sistema econômico de direção governamental; mas para isso teria sido necessária a brutalidade de Hitler. Sem ela, o sistema não funcionou. Enquanto isso acontecia na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial, a Grã-Bretanha fazia exatamente a mesma coisa: a partir do controle do preço de algumas mercadorias, o governo britânico começou, passo a passo (assim como Hitler procedera em tempo de paz, antes mesmo de deflagrada a guerra), a controlar cada vez mais a economia, até que, por ocasião do término da guerra, tinham chegado a algo muito próximo do puro socialismo. A Grã-Bretanha não foi conduzida ao socialismo pelo governo do Partido Trabalhista, estabelecido em 1945. Ela se tornou socialista durante a guerra, ao longo do governo que tinha à frente, como primeiro-ministro, Sir Winston Churchill. O governo trabalhista simplesmente manteve o sistema de socialismo já introduzido pelo governo de Sir Winston Churchill. E isso a despeito da grande resistência do povo. As estatizações efetuadas na Grã- Bretanha não tiveram grande significado. A estatização do Banco da Inglaterra foi inócua visto que essa instituição financeira já estava sob completo controle governamental. E o mesmo se deu com a estatização das estradas de ferro e da indústria do aço. O “socialismo de guerra”, como era chamado – denotando o sistema de intervencionismo implantando passo a passo – já estatizara praticamente todo o sistema. A diferença entre o sistema alemão e o britânico não foi significativa, porquanto seus gestores tinham sido designados pelo governo e, em ambos os casos, eram obrigados a cumprir as ordens do governo em todos os detalhes. Como eu disse antes, o sistema dos nazistas alemães conservou os rótulos e termos da economia capitalista de livre mercado. Mas essas expressões adquiriram um significado muito diverso: já não passavam agora de decretos governamentais. Isto também se aplica ao sistema britânico. Quando o Partido Conservador foi reconduzido ao poder, alguns desses controles foram suprimidos. Temos hoje na Grã-Bretanha tentativas, por um lado, de conservar os controles e, por outro, de aboli-los (mas não se deve esquecer que as condições existentes na Inglaterra são muito diferentes das que prevalecem na Rússia). O mesmo se passou em outros países que, por dependerem da importação de alimentos e de matérias-primas, foram obrigados a exportar bens manufaturados. Em países profundamente dependente do comércio de exportações, um sistema de controle governamental simplesmente não funciona. Asim, a subsistência de alguma liberdade econômica (e ainda existe uma substancial liberdade em países como a Noruega, a Inglaterra, a Suécia) é fruto da necessidade de preservar o comércio de exportação. Aliás, se escolhi anteriormente o exemplo do leite, não foi por ter alguma predileção especial pelo produto, mas porque praticamente todos os governos – ou sua grande maioria – regulamentaram, nas últimas décadas, os preços do leite, dos ovos ou da manteiga. Quero lembrar, em poucas palavras, um outro exemplo, o do controle do aluguel. Uma das consequências do controle dos aluguéis por parte do governo é que pessoas que teriam – por causa de alterações na situação familiar – de mudar de apartamentos maiores para outros menores, já não o fazem. Considere-se, por exemplo, um casal cujos filhos saíram de casa em outras cidades. Casais como este tendiam a se mudar, passando a habitar apartamentos menores e mais baratos. Com a imposição do controle sobre os aluguéis, essa necessidade desaparece. Em Viena, no começo da década de 20, o controle do aluguel estava firmemente estabelecido. Assim, a quantia que um locador recebia por um apartamento de dimensões médias, submetido a controle de aluguel, não excedia o dobro do preço de uma passagem de bonde – sistema de transporte pertencente à municipalidade. Pode-se imaginar que não se tinha incentivo algum para mudar de apartamento. E, por outro lado, não se construíam novas casas. Condições semelhantes prevaleceram nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial e perduram até hoje em muitas cidades americanas. Uma das principais razões por que muitas cidades nos Estados Unidos se encontram em enorme dificuldade financeira reside na adoção do controle sobre os aluguéis, com a decorrente escassez de moradias. Ela se produziu pelas mesmas razões que acarretaram a escassez do leite quando seu preço foi controlado. Isto significa: sempre que se interfere no mercado, o governo é progressivamente impelido ao socialismo. E esta é a resposta aos que dizem: “Não somos socialistas, não queremos que o governo controle tudo. Mas por que não poderia ele interferir um pouco no mercado? Por que não poderia abolir determinadas coisas que nos desagradam?” Essas pessoas falam de uma política de “meio-termo”. O que não se percebe é que a interferência isolada, isto é, a interferência num único pequeno detalhe do sistema econômico, produz uma situação que ao próprio governo – e àqueles que estão reivindicando a sua interferência – parecerá pior que aquelas condições que se pretendia abolir: os que propunham o controle dos aluguéis ficam irritados ao se darem conta da escassez de apartamentos e moradias em geral. Mas essa escassez de moradias foi gerada precisamente pela interferência do governo, pela fixação dos aluguéis num padrão inferior ao que se iria pagar num sistema de livre mercado. A ideia de que existe, entre o socialismo e o capitalismo, um terceiro sistema – como o chamam seus defensores –, o qual, sendo equidistante do socialismo e do capitalismo, conservaria as vantagens e evitaria as desvantagens de um e de outro, é puro contra-senso. Os que acreditam na existência possível desse sistema mítico podem chegar a ser realmente líricos quando tecem loas ao intervencionismo. Só o que se pode dizer é que estão equivocados. A interferência governamental que exaltam dá lugar a situações que desagradariam a eles mesmos. Uma das questões que abordarei mais tarde é a do protecionismo: o governo procura isolar o mercado interno do mercado mundial. Introduz tarifas que elevam o preço interno da mercadoria acima do preço em que é cotada no mercado mundial, o que possibilita aos produtores nacionais a formação de cartéis. Logo em seguida, o mesmo governo investe contra os cartéis, declarando: “Nestas condições, impõe-se uma legislação anticartel.” Foi precisamente esse o procedimento da maioria dos governos europeus. Nos Estados Unidos, somam-se a isso razões adicionais para a legislação antitruste e para a campanha governamental contra o fantasma do monopólio. É absurdo ver o governo – que gera, por meio do próprio intervencionismo, as condições que possibilitam a emergência de cartéis nacionais – voltar-se contra o meio empresarial, dizendo: “Há cartéis, portanto é necessária a interferência do governo nos negócios”. Seria muito mais simples evitar a formação de cartéis sustando a interferência governamental no mercado – interferência esta que vem a gerar as possibilidades de formação desses cartéis. A ideia da interferência governamental como “solução” para problemas econômicos dá margem, em todos os países, a circunstâncias no mínimo extremamente insatisfatórias e, com frequência, caóticas. Se não for detida a tempo, o governo acabará por implantar o socialismo. Não obstante, a interferência do governo nos negócios continua a gozar de grande aceitação. Mal acontece no mundo algo que desagrada às pessoas CAPÍLULO IV Quarta Lição 1. A Inflação Se a oferta de caviar fosse tão abundante quanto a de batatas, o preço do caviar – isto é, a relação de troca entre caviar e dinheiro, ou entre caviar e outras mercadorias – se alteraria consideravelmente. Nesse caso, seria possível adquiri-lo a um preço muito menor que o exigido hoje. Da mesma maneira, se a quantidade de dinheiro aumenta, o poder de compra da unidade monetária diminui, e a quantidade de bens que pode ser adquirida com uma unidade desse dinheiro também se reduz. Quando, no século XVI, as reservas de ouro e prata da América foram descobertas e exploradas, enormes quantidades desses metais preciosos foram transportadas para a Europa. A consequência desse aumento da quantidade de moeda foi uma tendência geral à elevação dos preços. Do mesmo modo, quando, em nossos dias, um governo aumenta a quantidade de papel-moeda, a consequência é a queda progressiva do poder de compra da unidade monetária e a correspondente elevação dos preços. A isso se chama de inflação. Infelizmente, nos Estados Unidos, bem como em outros países, alguns preferem ver a causa da inflação não no aumento da quantidade de dinheiro, mas na elevação dos preços. Entretanto, nunca se apresentou qualquer contestação séria à interpretação econômica da relação entre os preços e a quantidade de dinheiro, ou da relação de troca entre a moeda e outros bens, mercadorias e serviços. Nas condições tecnológicas atuais, nada é mais fácil que fabricar pedaços de papel e imprimir sobre eles determinados valores monetários. Nos Estados Unidos, onde todas as notas têm o mesmo tamanho, imprimir uma nota de mil dólares não custa mais ao governo que imprimir uma de um dólar. Trata-s e exclusivamente de um processo de impressão, a exigir, nos dois casos, idênticas quantidades de papel e de tinta. No século XVIII, quando se fizeram as primeiras tentativas de emitir cédulas bancárias e atribuir-lhes a qualidade de moeda corrente – isto é, o direito de serem honradas em transações de troca do mesmo modo que as moedas de ouro e prata –, os governos e as nações acreditavam que os banqueiros detinham algum conhecimento secreto que lhes permitia produzir riqueza a partir do nada. Quando os governos do século XVIII se viam em dificuldades financeiras, julgavam ser suficiente, para delas se livrarem, entregar a um banqueiro engenhoso a condução de sua administração financeira. Alguns anos antes da Revolução Francesa, quando a realeza da França atravessava problemas financeiros, o rei da França procurou um desses banqueiros engenhosos e nomeou-o para uma função importante. Esse homem era, sob todos os aspectos, o oposto das pessoas que vinham regendo a nação até aquele momento. Para começar, não era francês, era um estrangeiro – um genovês. Em segundo lugar, não pertencia à aristocracia, era um simples plebeu. E, o que contava mais ainda na França do século XVIII, não era católico, e sim protestante. E assim Monsieur Necker, pai da famosa Madame de Staël, tornou-se o ministro das finanças, e todos esperavam que resolvesse os problemas financeiros do país. Mas, a despeito do elevado grau de confiança desfrutado por Monsieur Necker, os cofres reais permaneceram vazios. O grande erro de Decker consistiu na tentativa de prestar auxílio financeiro aos colonos da América em sua guerra de independência contra a Inglaterra sem elevar os impostos. Aquela era certamente uma maneira errada de procurar resolver os problemas financeiros da França. Não há nenhuma maneira secreta para a solução dos problemas financeiros de um governo: Se deseja fazer algo benéfico – construir um hospital, por exemplo –, o meio de que o governo dispõe para arrecadar o dinheiro necessário é cobrar tributos dos cidadãos e construir o hospital com a receita assim constituída. Nesse caso, não ocorrerá nenhuma “revolução dos preços”, porque, quando o governo arrecada dinheiro para a construção do hospital, os cidadãos – onerados por esse tributo adicional – são obrigados a reduzir seus gastos. O contribuinte individual é forçado a reduzir ou o seu consumo, ou os seus investimentos, ou a sua poupança. Quando se apresenta no mercado como um comprador, o governo substitui o cidadão: este passa a comprar menos. Mas isto se dá porque o governo está comprando mais. Evidentemente, o governo não compra exatamente os mesmos bens que os cidadãos comprariam; em média, no entanto, não se verifica nenhuma elevação de preços em decorrência da construção do hospital pelo governo. Escolho o exemplo de um hospital precisamente porque é comum ouvir dizer: “Faz diferença se o governo usa seu dinheiro para bons ou maus propósitos”. Proponho fazermos de conta que o governo sempre usa o dinheiro que emitiu para os melhores fins – fins com que todos concordamos. Acontece que não é o modo como o dinheiro é gasto, é antes o modo como é obtido pelo governo que dá lugar a essa consequência que chamamos de inflação, e que hoje quase ninguém, no mundo todo, considera benéfica. Por exemplo, o governo poderia, sem fomentar a inflação, usar o dinheiro arrecadado através de impostos para contratar novos funcionários, ou para elevar os salários dos que já estão a seu serviço. Esses funcionários, tendo tido um aumento em seus salários, passam, então, a poder comprar mais. Quando o governo cobra impostos dos cidadãos e aplica essa soma no aumento do salário de seu pessoal, os contribuintes passam a ter menos o que gastar, mas os funcionários públicos passam a ter mais: os preços em geral não subirão. Mas, se o governo não busca, para esse fim, receita proveniente de impostos, se, ao contrário, recorre a dinheiro recém-impresso, consequentemente, algumas pessoas começam a ter mais dinheiro, enquanto todas as demais continuam a ter o mesmo que antes. Assim, as que receberam o dinheiro recém-impresso vão competir com aquelas que eram compradoras anteriormente. E uma vez que não há maior número de mercadorias que antes, mas há mais dinheiro no mercado – e uma vez que há pessoas que podem agora comprar mais do que ontem – haverá uma demanda adicional para uma quantidade inalterada de bens. Consequentemente, os preços tenderão a subir. Isso não pode ser evitado, seja qual for o uso que se faça do dinheiro recém emitido. Mas há algo ainda mais importante. Essa tendência de elevação dos preços se estabelecerá passo a passo, uma vez que não se trata de um movimento ascendente geral desse tão falado “nível dos preços”. Esta expressão metafórica nunca deveria ser usada. Quando se fala de “nível dos preços”, a imagem que as pessoas formam mentalmente é a de um líquido que sobe ou desce, segundo o aumento ou a redução de sua quantidade, mas que, como um líquido num reservatório, eleva-se sempre por igual. Mas, no caso dos preços, nada há que se assemelhe a “nível”. Os preços não se alteram na mesma medida e ao mesmo tempo. Há sempre preços que mudam mais rapidamente, caem ou sobem mais depressa que outros. E há uma razão para isso. Considerem o caso do funcionário público que recebeu parte do novo dinheiro acrescentado à oferta de dinheiro. As pessoas não compram num mesmo dia precisamente as mesmas mercadorias e nas mesmas quantidades. O dinheiro suplementar que o governo imprimiu e introduziu no mercado não é usado na compra de todas as mercadorias e serviços. É usado na aquisição de certas mercadorias, cujos preços subirão, ao passo que outras continuarão ainda com os preços de antes da introdução do novo dinheiro no mercado. De sorte que, quando a inflação começa, diferentes grupos da população são por ela afetados de diferentes maneiras. Os grupos que recebem o novo dinheiro em primeiro lugar ganham uma vantagem temporal. O governo, quando emite dinheiro para custear uma guerra, tem de comprar munições. Os primeiros a receber o dinheiro adicional são, então, as indústrias de munição e os que nelas trabalham. Esses grupos passam a ocupar uma posição privilegiada. Auferem maiores lucros e ganham maiores salários: seus negócios prosperam. Por quê? Porque foram os primeiros a receber o dinheiro adicional. E, tendo agora mais dinheiro à sua disposição, estão comprando mais. E compram de outras pessoas, que fabricam e a ordem, e lá está o dinheiro sem lastro. O governo não se aflige diante do fato de que algumas pessoas sofrerão perdas; a iminente elevação dos preços não o perturba. Os legisladores proclamam: “Esse sistema é magnífico!”. Mas esse magnífico sistema tem um defeito básico: dura pouco. Se a inflação pudesse perdurar indefinidamente, não haveria por que criticar os governos por promoverem-na, mas o único fato bem estabelecido acerca desse fenômeno é que, mais cedo ou mais tarde, ele chega inevitavelmente ao fim. Em última instância, a inflação se encerra com o colapso do meio circulante – dando lugar a uma catástrofe, a uma situação como a ocorrida na Alemanha em 1923. Em 1° de agosto de 1914, o dólar correspondia a quatro marcos e vinte pfennigs. Nove anos e três meses depois, em novembro de 1923, a mesma moeda estava cotada em 4,2 trilhões de marcos. Em outras palavras, o marco já não valia coisa alguma. Já não tinha nenhum valor. Alguns anos atrás, um famoso autor escreveu: “No final das contas, estaremos todos mortos”. Lamento confirmar que é a pura verdade. Mas a questão é: quanto durará o momento presente? No século XVIII, houve uma famosa senhora, Madame de Pompadour, a quem se atribuí o seguinte dito: “Après nous, le déluge” (“Depois de nós, o dilúvio”). Madame de Pompadour teve a felicidade de morrer pouco tempo depois. Mas sua “sucessora”, Madame du Barry, sobreviveu um pouco mais, para, no final das contas, ser decapitada. Para muitos o “final das contas” logo se converte no presente – e quanto mais a inflação avança, mais se antecipa o “final das contas”. Quanto pode durar o pouco mais? Por quanto tempo pode um banco central levar à frente um processo inflacionário? Provavelmente poderá fazê-lo enquanto o povo estiver convencido de que o governo, mais cedo ou mais tarde – mas certamente não demasiado tarde – sustará a impressão de dinheiro, detendo, assim, o decréscimo do valor de cada unidade monetária. O povo, quando deixa de acreditar que o governo será capaz de deter a inflação, ou mesmo que ele tenha qualquer intenção de detê-la, começa a se dar conta de que os preços amanhã serão mais altos que hoje. As pessoas põem-se, então, a comprar a quaisquer preços, provocando uma alta em níveis tais que o sistema monetário entra em colapso. Tomemos o caso da Alemanha, que o mundo inteiro testemunhou. Muitos livros descreveram os acontecimentos daquele período. (Embora sendo austríaco, e não alemão, vi tudo de dentro: a situação da Áustria não diferia muito da alemã, e tampouco eram diferentes as condições de muitos outros países europeus.) Durante muitos anos, o povo alemão acreditou que sua inflação não passava de uma situação provisória, que logo chegaria ao fim. Acreditou nisso por nove anos, até o verão de 1923. Então, finalmente, as pessoas começaram a duvidar. Como a inflação continuava, a população julgou mais sensato comprar tudo que estivesse à venda, em vez de guardar o dinheiro no bolso. Ademais, as pessoas raciocinavam que não era conveniente emprestar dinheiro, ser credor. Em contrapartida, era excelente negócio tomar dinheiro emprestado, ser devedor. Assim, a inflação continuou a se alimentar de si mesma. A inflação prosseguiu na Alemanha até, precisamente, o dia 28 de agosto de 1923. O povo acreditara que o dinheiro inflacionário era dinheiro verdadeiro, mas descobriu, então, que as condições tinham mudado. No outono de 1923, as fábricas do país pagavam aos seus trabalhadores, cada manhã, uma diária antecipada. E o trabalhador, que se fazia acompanhar pela mulher até a fábrica, passava-lhe imediatamente seu ganho, todos os milhões que acabara de receber. A mulher, então, dirigia-se prontamente a uma loja, para comprar fosse o que fosse. Ela constatava o que, na época, a maioria da população sabia: o marco perdia, da noite para o dia, 50% de seu poder de compra. O dinheiro derretia-se nos bolsos do povo, como uma barra de chocolate sobre um forno quente. Essa fase final da inflação alemã não durou muito; depois de alguns dias, todo o pesadelo se encerrara: o marco perdera todo valor e foi preciso estabelecer uma nova moeda. Lord Keynes, o mesmo homem que disse que no final das contas estaremos todos mortos, foi um representante do extenso rol de autores inflacionistas do século XX. Todos combateram o padrão-ouro. Ao atacá-lo, Keynes chamou-o de “relíquia bárbara”. Mesmo hoje, a grande maioria das pessoas considera ridículo falar de um retorno ao padrão-ouro. Nos Estados Unidos, por exemplo, poderemos ser considerados como visionários se dissermos: “Mais cedo ou mais tarde, os Estados Unidos terão de retornar ao padrão-ouro.” No entanto, o padrão-ouro tem uma extraordinária virtude: na sua vigência, a quantidade de dinheiro disponível é independente das políticas governamentais e dos partidos políticos. Essa é a sua vantagem. Constitui uma forma de proteção contra governos esbanjadores. Sob o padrão-ouro, se um governo resolve fazer gastos em um novo empreendimento, o ministro das finanças pode perguntar: “E onde vou conseguir o dinheiro? Diga-me, primeiro, onde encontrarei dinheiro para esse gasto adicional”. Num sistema inflacionário, nada é mais simples para os políticos que ordenar ao órgão governamental encarregado da impressão do papel-moeda a emissão de quanto dinheiro lhes seja necessário para seus projetos. O padrão-ouro é muito mais propício a um governo financeiramente seguro: seus titulares podem dizer ao povo e aos políticos: “não podemos fazer tal coisa, salvo se aumentarmos os impostos”. Sob condições inflacionárias, o povo se habitua a considerar o governo uma instituição que tem recursos ilimitados à sua disposição: o estado, o governo podem tudo. Se, por exemplo, a nação deseja um novo sistema de rodovias, espera-se do governo sua implantação. Mas onde poderá o governo obter o dinheiro? Pode-se dizer que hoje, nos Estados Unidos – e mesmo no passado, no governo McKinley –, o Partido Republicano é relativamente favorável ao dinheiro lastreado e ao padrão-ouro, enquanto o Partido Democrático é favorável à inflação. Obviamente, a uma inflação não de papel, e sim de prata. Contudo, foi um presidente democrata dos Estados Unidos, o presidente Cleveland que, em fins da década de 1880, vetou uma decisão do Congresso de conceder uma pequena soma de auxílio – cerca de dez mil dólares – a uma comunidade que sofrera uma catástrofe. Esse presidente justificou seu veto escrevendo as seguintes palavras: “É dever do cidadão manter o governo, mas não é dever do governo manter os cidadãos”. Estas são palavras que todo estadista deveria escrever numa parede de seu gabinete, para mostrar aos que viessem pedir dinheiro. Sinto-me bastante embaraçado diante da necessidade de simplificar esses problemas. São tantos e tão complexos os problemas envolvidos no sistema monetário! E eu certamente não teria escrito volumes inteiros a respeito deles se eles fossem tão simples quanto parecem sê-lo aqui. Mas os fundamentos são precisamente estes: aumentando-se a quantidade de dinheiro, provoca-se o rebaixamento do poder de compra da unidade monetária. É isso que desagrada àqueles cujos negócios privados são desfavoravelmente afetados por essa situação. São os que não se beneficiam da inflação que dela se queixam. Se a inflação é má, e se todos sabem disso, por que se teria convertido numa espécie de estilo de vida em quase todos os países? Mesmo alguns dos países mais ricos sofrem da doença. Os Estados Unidos são hoje seguramente a mais rica nação do mundo, com o mais alto padrão de vida. Mas, quando se viaja pelo país, constata-se uma incessante referência à inflação e à necessidade de detê- la. Mas apenas se fala; não se age. Cabe, aqui, a apresentação de alguns fatos: após a Primeira Guerra Mundial, a Grã-Bretanha restabeleceu a equivalência entre o ouro e a libra, numa correspondência que vigorava antes da guerra. Isto é, elevou o valor da libra. Com isso, elevou-se o poder de compra dos salários de todos os trabalhadores. Num mercado desobstruído, tal alteração teria acarretado uma queda do salário nominal em dinheiro. Esta queda, por sua vez, teria compensado a alteração. Como resultado final, o salário real dos trabalhadores teria permanecido inalterado. Não temos tempo para discutir agora as razões disso. O fato é que os sindicatos da Grã-Bretanha não admitiram um ajustamento dos padrões salariais ao poder de compra mais elevado da unidade monetária; assim sendo, os salários reais foram consideravelmente acrescidos em decorrência daquela medida monetária. Isso representou uma verdadeira catástrofe para a Inglaterra, uma vez que a Grã-Bretanha é um país predominantemente industrial, obrigado, por um devem ser ajustados às condições do mercado – porque, se não for assim, parte da população economicamente ativa ficará inevitavelmente desempregada –, afirmou, na verdade: “O pleno emprego só pode ser alcançado se houver inflação. Ludibriem os trabalhadores”. O fato mais interessante, contudo, é que, quando sua General Theory foi publicada, a burla já não era possível, uma vez que as pessoas passaram a ter consciência da inflação. Mas a meta do pleno emprego permaneceu. Que vem a ser “pleno emprego”? Esta expressão relaciona-se com o mercado desobstruído, não manipulado pelos sindicatos ou pelo governo. Nesse mercado, os padrões salariais para cada tipo de trabalho tendem a atingir um nível tal que é possível, a todos os que desejam emprego, obtê- lo. Por outro lado, todo empregador terá, então, condições de contratar tantos trabalhadores quantos lhe forem necessários. Se ocorrer um aumento da demanda de mão-de-obra, o padrão salarial tenderá a ser maior, se houver necessidade de menor número de trabalhadores, esse padrão tenderá a cair. O único método que permite a instauração de uma situação de “pleno emprego” é a preservação de um mercado de trabalho livre de empecilhos. Isto se aplica a todo gênero de trabalho e a todo gênero de mercadoria. Que faz um negociante, se deseja vender determinada mercadoria por cinco dólares a unidade? A expressão técnica que é aplicada no mundo dos negócios dos Estados Unidos para o fato de não se conseguir vender uma mercadoria pelo preço estipulado é “o estoque mantém-se inalterado”. Mas é preciso que se altere. O negociante não pode conservar aqueles artigos, porque tem necessidade de adquirir novas mercadorias; as modas mudam. Assim, ele os vende por um preço mais baixo. Se não conseguir vender a mercadoria por cinco dólares, certamente a venderá por quatro. Se for impossível vendê-la por quatro, será obrigado a vendê-la por três. Não há outra alternativa, desde que esteja empenhado em manter seu negócio. Pode sofrer prejuízos, mas estes decorrem do fato de que fez uma previsão errada do mercado existente para seu produto. O mesmo acontece com os milhares e milhares de jovens que, dia após dia, estão vindo dos distritos agrícolas para a cidade, na expectativa de ganhar dinheiro. É o fenômeno de migração interna, que tem lugar em todas as nações industrializadas. Nos Estados Unidos, eles vêm para a cidade com a certeza de que poderão ganhar, digamos, cem dólares por semana. Suas expectativas podem se frustrar. Então, aquele que não conseguiu um emprego que pagasse cem dólares por semana, ver-se-á obrigado a tentar conseguir algum que pague noventa, oitenta dólares, talvez até menos. Por outro lado, se essa pessoa declarasse, como fazem os sindicatos: “cem dólares por semana, ou nada”, talvez só lhe restasse permanecer desempregada. Diga-se de passagem, muita gente não se incomoda com a situação de desemprego, uma vez que o governo paga auxílios-desemprego – com fundos arrecadados através de taxas especiais impostas aos empregadores – que por vezes são quase tão altos quanto os salários que receberiam caso estivessem trabalhando. Nos Estados Unidos, só se aceita a inflação porque determinado grupo de pessoas acredita que é só através dela que o pleno emprego pode ser alcançado. No entanto, ainda a este respeito, uma questão tem sido amplamente debatida: O que é preferível, um dinheiro lastreado com desemprego ou a inflação com pleno emprego? Trata-se, na verdade, de um círculo vicioso. Tentemos analisar o problema. Logo de início, deve-se colocar a seguinte questão: como podemos melhorar a situação dos trabalhadores e de todos os demais grupos da população? A resposta é: mantendo o mercado de trabalho livre de empecilhos e assim alcançando o pleno emprego. Nosso dilema é: os padrões salariais devem ser determinados pelo mercado, ou devem ser definidos por pressão e compulsão sindical? Portanto, o cerne da questão não reside na alternativa “inflação ou desemprego”. Aliás essa análise distorcida do problema vem sendo proposta na Inglaterra, nos países industrializados da Europa e até nos Estados Unidos. Há mesmo quem diga: “Vejam só: até os Estados Unidos estão recorrendo à inflação. Por que não deveríamos fazer o mesmo?”. A estes deveríamos responder em primeiro lugar: “Um dos privilégios do homem rico é poder se dar ao luxo de ser insensato por muito mais tempo que o pobre”. E é esta a situação dos Estados Unidos. A política financeira desse país é muito ruim, e está piorando. Mas certamente trata-se de um país capaz de arcar com os custos de sua insensatez por um prazo um pouco mais longo que o que seria tolerado por alguns outros países. O mais importante a lembrar é que a inflação não é um ato de Deus, que a inflação não é uma catástrofe da natureza ou uma doença que se alastra como a peste. A inflação é uma política, – uma política premeditada, adotada por pessoas que a ela recorrem por considerá-la um mal menor que o desemprego. Mas o fato é que, a não ser em curtíssimo prazo, a inflação não cura o desemprego. A inflação é uma política. E uma política pode ser alterada. Assim sendo, não há razão para nos deixarmos vencer por ela. Se a temos na conta de um mal, então é preciso estancá-la. É preciso equilibrar o orçamento do governo. Evidentemente, o apoio da opinião pública é necessário para isso. E cabe aos intelectuais ajudar o povo a compreender. Uma vez assegurado o apoio da opinião pública, os representantes eleitos do povo certamente terão condições de abandonar a política da inflação. Devemos lembrar que, no final das contas, poderemos estar todos mortos. Aliás, não restam dúvidas de que estaremos mesmo mortos. Mas deveríamos cuidar de nossos assuntos terrenos – neste breve intervalo em que nos é dado viver – da melhor maneira possível. E uma das medidas necessárias para esse propósito é abandonar as políticas inflacionárias. cem homens que trabalhem numa fábrica de calçados nos Estados Unidos produzam muito mais, no mesmo prazo, que cem sapateiros na Índia, obrigados a utilizar ferramentas antiquadas, num processo menos sofisticado. Os empregadores de todas essas nações em desenvolvimento estão perfeitamente cônscios de que melhores instrumentos tornariam suas empresas mais lucrativas. Certamente gostariam de poder não só aumentar o número de suas fábricas como também adquirir instrumentos mais modernos e sofisticados. O único empecilho é a escassez de capital. A diferença entre as nações mais desenvolvidas e as menos desenvolvidas se estabelece em função do tempo. Os ingleses começaram a poupar antes de todas as outras nações. Consequentemente, também começaram antes a acumular capital e a investi-lo em negócios. Este foi o fator primordial para que se alcançasse, na Grã-Bretanha, um padrão de vida bastante elevado numa época em que, em todos os outros países europeus, prevalecia ainda um padrão consideravelmente baixo. Gradualmente, todas as demais nações começaram a analisar o que ocorria na Grã-Bretanha e não lhes foi difícil descobrir a razão da riqueza desse país. Assim, puseram-se a imitar os métodos dos negociantes ingleses. De qualquer modo, o fato de outras nações só terem começado mais tarde seus investimentos e de os britânicos não terem parado de investir capital fez permanecer uma grande diferença entre as condições econômicas da Inglaterra e as desses outros países. Mas ocorreu algo que veio anular a superioridade da Grã-Bretanha. Aconteceu, então, o fato mais importante da história do século XIX – e não me refiro apenas à história de um só país. Trata-se da expansão, no século XIX, do investimento externo. Em 1817, o grande economista inglês Ricardo ainda considerava ponto pacífico que só se poderia investir capital nos limites de um país. Não considerava a hipótese de os capitalistas virem a investir no estrangeiro. Mas, algumas décadas mais tarde, o investimento de capital no estrangeiro começou a desempenhar um papel de importância primordial no mundo dos negócios. Sem esse investimento de capital, as nações menos desenvolvidas que a Grã-Bretanha teriam sido obrigadas a iniciar seu desenvolvimento utilizando-se dos mesmos métodos e tecnologia usados pelo britânicos em princípio e meados do século XVIII. Seria preciso procurar imitá-los lentamente, passo a passo. E sempre se estaria muito aquém do nível tecnológico da economia britânica, de tudo o que os britânicos já tinham realizado. Teriam sido necessárias muitas e muitas décadas para que esses países atingissem o padrão de desenvolvimento tecnológico alcançado, mais de um século antes, pela Grã-Bretanha. Assim, o investimento externo constituiu-se num fator preponderante de auxílio para que esses países iniciassem seu desenvolvimento. O investimento externo significava que capitalistas investiam capital britânico em outras partes do mundo. Primeiro, investiram-no naqueles países europeus que, do ponto de vista da Grã-Bretanha, se apresentavam como os mais carentes de capital e os mais atrasados em seu desenvolvimento. É do conhecimento de todos que as estradas de ferro da maioria dos países da Europa – e também as dos Estados Unidos – foram construídas com a ajuda do capital britânico. Aliás, o mesmo se passou aqui na Argentina. As companhias de gás, em todas as cidades da Europa, eram também britânicas. Em meados da década de 1870, um escritor e poeta inglês criticou seus compatriotas dizendo: “Os britânicos perderam o antigo vigor e já não têm uma só ideia nova. Deixaram de ser uma nação importante ou de vanguarda”. A isto, Herbert Spencer, o eminente sociólogo, respondeu: “Olhe para a Europa continental. Todas as capitais europeias têm iluminação porque uma companhia britânica lhes fornece gás”. Isso se passou, é claro, numa época que hoje se nos afigura como a época “remota” da iluminação a gás. Spencer disse ainda mais a esse crítico: “Você afirma que os alemães estão muito à frente da Grã-Bretanha. Olhe para a Alemanha: até mesmo Berlim, a capital do Reich alemão, a capital do Qeist, ficaria às escuras se uma companhia britânica de gás não tivesse entrado no país e iluminado as ruas”. Foi também o capital britânico que, nos Estados Unidos, implantou as estradas de ferro e deu início a diversos ramos industriais. É evidente que, ao importar capital, o país passa a ter uma balança comercial que os economistas qualificam de “desfavorável”. Isso significa que suas importações excedem as exportações. A “balança comercial favorável” da Grã-Bretanha devia-se ao fato de que suas fábricas enviavam muitos tipos de equipamento para os Estados Unidos e tinham como pagamento simplesmente ações de companhias norte-americanas. Esse período da história dos Estados Unidos durou, aproximadamente, até a década de 1890. Mas quando este país, com a ajuda do capital britânico – e mais tarde com a ajuda das próprias políticas pró-capitalistas –, expandiu seu sistema econômico de uma maneira inédita, os norte-americanos começaram a comprar de volta o capital acionário que haviam vendido a estrangeiros. Os Estados Unidos passaram a ter, então, um excesso de exportações em relação às importações. A diferença a seu favor era paga pela importação – a repatriação, como a chamavam – das ações ordinárias norte-americanas. Essa fase durou até a Primeira Guerra Mundial. O que aconteceu depois é uma outra história. É a história dos auxílios norte-americanos aos países beligerantes durante a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, bem como nas entre guerras e após elas: os empréstimos, os investimentos feitos na Europa, além do lend-lease, da ajuda externa, do Plano Marshall, dos alimentos enviados para outros países e de todos os demais subsídios. Friso isto porque não são poucos os que acreditam ser vergonhoso ou degradante ter capital estrangeiro operando em seu país. Devemos nos dar conta de que em todos os países, exceto a Inglaterra, o investimento de capital de origem estrangeira sempre desempenhou um papel da mais considerável importância para a implantação de indústrias modernas. Se afirmo que o investimento externo foi o maior acontecimento histórico do século XIX, faço-o no desejo de lembrar tudo aquilo que nem sequer existiria se não tivesse havido qualquer investimento externo. Todas as estradas de ferro, inúmeros portos, fábricas e minas da Ásia, o canal de Suez e muitas outras coisas no hemisfério ocidental não teriam sido construídos, não fosse o investimento externo. O investimento externo é feito na expectativa de que não será expropriado. Ninguém investiria coisa alguma se soubesse de antemão que seus investimentos seriam objeto de expropriação. No século XIX e no início do século XX, não se cogitava disso ao se aplicar no estrangeiro. Desde o princípio havia, por parte de alguns países, certa hostilidade em relação ao capital estrangeiro. No entanto, apesar da hostilidade, estes países, em sua maior parte, compreendiam muito bem que os investimentos externos lhes propiciavam imensas vantagens. Em alguns casos, os investimentos externos não eram destinados diretamente a capitalistas de outros países: realizavam-se indiretamente, através de empréstimos concedidos ao governo do país estrangeiro. Neste caso, era o governo que aplicava o dinheiro em investimentos. Foi este, por exemplo, o caso da Rússia. Por razões puramente políticas, os franceses investiram nesse país – nas duas décadas que precederam a Primeira Guerra Mundial – cerca de vinte bilhões de francos de ouro, sobretudo na forma de empréstimos ao governo. Todos os grandes empreendimentos desse governo – como, por exemplo, a ferrovia que liga a Rússia, indo dos montes do Ural, através do gelo e da neve da Sibéria, até o Pacífico – foram realizados basicamente com capital estrangeiro emprestado ao governo russo. Como é fácil presumir, os franceses nem sequer imaginavam que, de um momento para outro, se implantaria um governo russo comunista que simplesmente declararia não pretender pagar os débitos contraídos por seus predecessores do governo czarista. A partir da Primeira Guerra Mundial, teve inicio um período de guerra declarada aos investimentos estrangeiros. Uma vez que não há qualquer medida capaz de impedir um governo de expropriar capital investido, praticamente inexiste proteção legal para os investimentos externos no mundo de hoje. Os capitalistas dos países exportadores de capital não previram isso: se o tivessem feito, teriam sustado todos os investimentos externos há quarenta ou cinquenta anos atrás. Na verdade, os capitalistas não acreditavam que algum país pudesse ser antiético o bastante para descumprir uma dívida, para expropriar e confiscar capital estrangeiro. Com este tipo de ação, inaugurou-se um novo capítulo na história econômica do investirem. É evidente que existem métodos para evitar que as coisas cheguem a este ponto. Uma medida possível seria o estabelecimento de alguns estatutos internacionais – e não somente de acordos – que retirassem os investimentos externos da jurisdição nacional. Isto poderia ser feito por intermédio das Nações Unidas. Mas a ONU não passa de um lugar de encontro para discussões inócuas. Tendo em vista a enorme importância do investimento externo, percebendo com clareza que só ele pode trazer melhorias para as condições políticas e econômicas do mundo, precisamos tentar fazer algo em termos de legislação internacional. Esta é uma questão legal, de cunho técnico, que estou levantando apenas para mostrar que a situação não é desesperadora. Se o mundo quiser efetivamente tornar possível que os países em desenvolvimento elevem seu padrão de vida, chegando ao “estilo de vida americano”, isso poderá ser feito. É necessário apenas compreender como. Uma única coisa falta para tornar os países em desenvolvimento tão prósperos quanto os Estados Unidos: capital. No entanto, é imprescindível que haja liberdade para empregá-lo sob a disciplina do mercado, não sob a do governo. É preciso que estas nações acumulem capital interno e viabilizem o ingresso do capital estrangeiro. No entanto, faz-se necessário frisar, mais uma vez, que o desenvolvimento da poupança interna só tem lugar quando as camadas populares se sentem respaldadas por um sistema econômico que propicie a existência de uma unidade monetária estável. Em outras palavras, não se pode admitir nenhuma modalidade de inflação. Grande parte do capital empregado nas empresas norte-americanas é de propriedade dos próprios trabalhadores e de outras pessoas de recursos modestos. Bilhões e bilhões de depósitos de poupança, títulos e apólices de seguro operam nessas empresas. Hoje, no mercado monetário dos Estados Unidos, os maiores emprestadores de dinheiro já não são os bancos, mas as companhias seguradoras. E, do ponto de vista econômico – e não do legal –, o dinheiro das seguradoras é propriedade do segurado. E praticamente todos os cidadãos norte-americanos são, de uma forma ou de outra, segurados. O requisito fundamental para que haja, no mundo, uma maior igualdade econômica é a industrialização. E esta só se torna possível quando há maior acumulação e investimento de capital. Talvez eu os tenha surpreendido por não mencionar uma medida reputada primordial na industrialização de um país: o protecionismo. Mas as tarifas e controles do câmbio exterior são exatamente meios de impedir a importação de capital e a industrialização do país. A única maneira de fomentar a industrialização é dispor de mais capital. O protecionismo não faz mais que desviar investimentos de um ramo de negócios para outro. Por si mesmo, o protecionismo não acrescenta coisa alguma ao capital de um país. Para implantar uma nova fábrica, precisa-se de capital. Para modernizar uma já existente, precisa-se de capital, não de tarifas. Não se trata, aqui, de discutir toda a questão do livre-câmbio ou do protecionismo. Espero que a maior parte dos manuais de economia que se encontram no mercado, ao alcance de todos, já a apresentem adequadamente. A proteção não introduz alterações positivas na situação econômica de um país. Também o sindicalismo certamente não vem a promover qualquer melhoria nessa situação. Se as condições de vida são insatisfatórias e os salários são baixos, o assalariado que tenha sua atenção voltada para os Estados Unidos e que leia sobre o que ali se passa, ao ver em filmes, como a casa de um americano médio é equipada de todos os confortos modernos, pode sentir uma ponta de inveja. E tem toda razão ao dizer: “Deveríamos ter a mesma coisa”. Mas só se pode obter esta melhoria através do aumento do capital. Os sindicatos recorrem à violência contra os empresários e contra os que chamam de “fura-greves”. Mas, a despeito de sua força e de sua violência, não conseguem elevar de maneira contínua os salários de todos os assalariados. Igualmente ineficazes são os decretos governamentais que estipulam pisos salariais. O que os sindicatos conseguem de fato produzir (quando são bem sucedidos na luta pela elevação dos salários) é um desemprego duradouro, permanente. Os sindicatos não têm como industrializar o país, não têm como elevar o padrão de vida dos trabalhadores. E este é o ponto crítico. É preciso compreender que todas as políticas de um país desejoso de elevar seu padrão de vida devem estar voltadas para o aumento do capital investido per capita. Aliás, este investimento de capital per capita continua a crescer nos Estados Unidos, apesar de todas as más políticas ai adotadas. E o mesmo ocorre no Canadá e em alguns países da Europa Ocidental. Mas, lamentavelmente, vem-se reduzindo em países como a Índia. Lemos todos os dias nos jornais que a população mundial apresenta um crescimento de cerca de 45 milhões de pessoas – ou até mais – por ano. Aonde isso nos vai levar? Quais serão os resultados e as consequências? Lembrem do que falei sobre a Grã-Bretanha. Em 1750, os britânicos supunham que seis milhões de pessoas constituíam uma população excessiva para as Ilhas Britânicas: todos estariam fadados à fome e à peste. No entanto, nas vésperas da última Guerra Mundial, em 1939, cinquenta milhões de pessoas viviam nas Ilhas Britânicas com um padrão de vida incomparavelmente superior ao padrão com que se vivia em 1750. Isto era um efeito da chamada industrialização – termo, por sinal, bastante inadequado. O progresso da Grã-Bretanha foi gerado pelo aumento do investimento de capital per capita. Como eu já disse antes, as nações só têm uma maneira de alcançar a prosperidade: através do aumento do capital, com o decorrente aumento da produtividade marginal e o crescimento dos salários reais. Num mundo sem barreiras migratórias, haveria uma tendência à equiparação dos padrões salariais de todos os países. Atualmente, se não existissem barreiras à migração, é provável que vinte milhões de pessoas procurassem ingressar nos Estados Unidos a cada ano, atraídas pelos melhores salários ai oferecidos. Tal afluência provocaria a redução dos salários nesse país e uma correspondente elevação em outros. Embora não haja tempo suficiente nesta exposição para tratarmos das barreiras migratórias, é importante deixar claro que há outro caminho capaz de levar à equiparação salarial no mundo inteiro. E este outro caminho, que passa a valer quando não existe a liberdade para migrar, é a migração de capital. Os capitalistas tendem a se deslocar para aqueles países onde a mão-de-obra é abundante e barata. E, pelo próprio fato de introduzirem capital nesses países, provocam uma tendência à elevação dos padrões salariais. Isso funcionou no passado e funcionará no futuro do mesmo modo. Quando houve, pela primeira vez, investimento de capital britânico na Áustria ou na Bolívia, por exemplo, os padrões salariais ali estabelecidos eram muito inferiores aos que prevaleciam na Grã-Bretanha. Este investimento adicional originou, então, uma tendência à alta dos padrões salariais nesses países, tendência está que se refletiu no mundo inteiro. É um fato bastante conhecido que, imediatamente após a introdução, por exemplo, da United Fruit Company na Guatemala, o resultado foi uma tendência geral a maiores padrões salariais. A partir dos salários pagos pela United Fruit Company criou-se, para os demais empregadores, a necessidade de pagar, também, salários mais elevados. Portanto, não há absolutamente razão para qualquer pessimismo em relação ao futuro dos países “subdesenvolvidos”. Concordo plenamente com os comunistas e com os sindicalistas quando proclamam que o necessário é elevar o padrão de vida. Pouco tempo atrás, num livro publicado nos Estados Unidos, dizia um professor: “Temos agora o bastante de todas as coisas; por que deveria a população do mundo continuar trabalhando tanto? Já temos tudo.” Não tenho a menor dúvida de que esse professor tenha tudo. Mas há outros povos, em outros países – e também muitas pessoas nos Estados Unidos – que desejam e deveriam ter um melhor padrão de vida. Fora dos Estados Unidos – na América Latina e, mais ainda, na Ásia e na África – todos desejam a melhoria das condições do seu país. Um padrão de vida mais alto acarreta, também, padrões superiores de cultura e tenha, por um lado, uma dimensão econômica e, por outro, uma dimensão política, dissociadas uma da outra. Na verdade, aquilo a que comumente se dá o nome de deterioração da liberdade, do governo constitucional e das instituições representativas, nada mais é que a consequência da mudança radical das ideias políticas e econômicas. Os eventos políticos são a consequência inevitável da mudança das políticas econômicas. As ideias que nortearam os estadistas, filósofos e juristas que, no século XVIII e princípio do século XIX, elaboraram os fundamentos do novo sistema político, partiam do pressuposto de que, numa nação, todos os cidadãos honestos têm uma mesma meta final. Essa meta final na qual todos os homens decentes se deveriam empenhar é o bem-estar de toda a nação, assim como o das demais nações. Aqueles líderes morais e políticos estavam, portanto, firmemente convencidos de que uma nação livre não está interessada em conquista. Julgavam a luta partidária algo simplesmente natural, uma vez que lhes parecia totalmente normal a existência de diferenças de opinião no tocante à melhor maneira de se conduzirem os negócios do estado. As pessoas que tinham ideias semelhantes acerca de um problema cooperavam, e a essa cooperação dava-se o nome de partido. Por outro lado, a estrutura partidária não era permanente: não se baseava na posição ocupada pelos indivíduos no conjunto da estrutura social e podia sofrer alterações, caso as pessoas se dessem conta de que sua posição original fundamentara-se em pressupostos errôneos, ou em ideias equivocadas. Desse ponto de vista, muitos consideravam as discussões desenroladas nas campanhas eleitorais e, posteriormente, nas assembleias legislativas, um importante fator político. Não concebiam os discursos dos membros de um congresso como meros pronunciamentos que anunciavam ao mundo as aspirações de um partido político. Viam-nos como tentativas de convencer os grupos adversários de que as ideias apresentadas pelo orador eram mais corretas, mais propícias ao bem comum que outras ideias antes apresentadas. Discursos políticos, editoriais em jornais, folhetos e livros eram escritos no intuito de persuadir. Não havia por que acreditar ser impossível para alguém convencer a maioria da absoluta correção das próprias ideias, desde que estas fossem bem fundamentadas. Foi nessa perspectiva que as normas constitucionais foram formuladas nos órgãos legislativos do princípio do século XIX. No entanto, partia-se do pressuposto de que o governo não iria interferir nas condições econômicas do mercado. Era preciso, também, que todos os cidadãos tivessem um único objetivo político: o bem-estar de todo o país e de toda a nação. E foi precisamente essa a filosofia social e econômica que o intervencionismo veio a suplantar, gerando uma filosofia totalmente diversa. Segundo as concepções intervencionistas, é dever do governo apoiar, subsidiar, conceder privilégios a grupos especiais. O estadista do século XVIII pensava que os legisladores tinham ideias específicas sobre o bem comum. Hoje, entretanto, constatamos, na realidade da vida política – praticamente na de todos os países do mundo onde não vigora simplesmente uma ditadura comunista – uma situação em que já não existem partidos políticos autênticos, no velho sentido clássico, mas tão somente grupos de pressão. Um grupo de pressão é um grupo de pessoas desejoso de obter um privilégio à custa do restante da nação. Esse privilégio pode consistir numa tarifa sobre importações competitivas, pode consistir em leis que impeçam a concorrência de outros. Seja como for, confere aos membros de um grupo uma posição especial. Dá-lhes algo que é negado, ou deve ser negado – segundo os desígnios do grupo de pressão – a outros grupos. Nos Estados Unidos, o sistema bipartidário dos velhos tempos aparentemente ainda se conserva. Mas isso é apenas uma camuflagem da situação real. Na verdade, a vida política desse país – bem como a de todos os demais – é determinada pela luta e pelas aspirações de grupos de pressão. Nos Estados Unidos, continuam a existir um Partido Republicano e um Partido Democrata, mas cada um deles abriga representantes dos mesmos grupos de pressão. Estes representantes estão mais interessados em cooperar com outros representantes do mesmo grupo, mesmo que sejam filiados ao partido adversário, que com os esforços dos próprios companheiros de partido. Assim, por exemplo, se conversarmos nos Estados Unidos com pessoas que efetivamente conheçam as atividades do Congresso, elas nos dirão: “Tal político, tal membro do Congresso representa os interesses dos grupos ligados à prata”. Ou dirão que tal outro político representa os plantadores de trigo. Como é óbvio, cada um desses grupos de pressão constitui, necessariamente, uma minoria. Num sistema baseado na divisão do trabalho, todo grupo especial que almeja privilégios não pode deixar de ser uma minoria. E as minorias não têm qualquer possibilidade de êxito, senão pela colaboração com outras minorias congêneres, ou seja, com outros grupos de pressão semelhantes. Nas assembleias legislativas, procura-se compor uma coalizão entre vários grupos de pressão, de tal modo que possam vir a se converter em maioria. Mas, passado algum tempo, essa coalizão pode se desintegrar, uma vez que há questões que tornam impossível o acordo entre vários grupos. Novas coalizões, então, se formam. Foi o que ocorreu na França em 1871, numa situação que se configurou, aos olhos dos historiadores, como “a queda da Terceira República”. Não se tratou, porém, de um declínio da Terceira República; houve simplesmente uma mostra de que o sistema de grupos de pressão não é algo que se possa aplicar com sucesso ao governo de uma grande nação. Temos, nos órgãos legislativos, representantes do trigo, da carne, da prata, do petróleo, mas, antes de tudo, de diversos sindicatos. Só uma coisa não está representada no legislativo: a nação como um todo. Apenas vozes isoladas se põem ao lado do conjunto da nação. E todos os problemas, mesmo os de política exterior, são encarados do ponto de vista dos interesses especiais dos grupos de pressão. Nos Estados Unidos, alguns dos estados de menor população estão interessados no preço da prata. Mas nem todos os habitantes desses estados têm esse interesse. Todavia, o país despendeu, por muitas décadas, considerável soma de dinheiro, à custa dos contribuintes, para comprar prata a um preço superior ao do mercado. Para mencionar mais um exemplo, só uma pequena parcela da população norte-americana dedica- se à agricultura; o restante é constituído por consumidores – não produtores – de produtos agrícolas. Não obstante, esse país tem uma política que envolve o gasto de bilhões e bilhões de dólares com a finalidade de manter os preços dos produtos agrícolas acima do preço potencial de mercado. Não se pode dizer que esta é uma política de favorecimento de uma pequena minoria, visto que esses interesses agrícolas não são uniformes. Os que se dedicam à produção de leite não estão interessados num alto preço para os cereais; ao contrário, prefeririam que esse produto fosse mais barato. Um criador de galinhas desejaria um preço mais baixo para a ração que compra. Há muitos interesses específicos incompatíveis no interior desse grupo, por pequeno que seja. E apesar de tudo, uma hábil diplomacia cria condições que permitem a pequenos grupos obterem privilégios a expensas da maioria. Uma situação especialmente interessante nos Estados Unidos relaciona-se ao açúcar. Talvez apenas um dentre quinhentos norte-americanos esteja interessado num preço mais alto para o açúcar. Provavelmente os outros 499 querem um preço mais baixo. Contudo, a política do país empenha-se, mediante tarifas e outras medidas especiais, numa elevação do preço do açúcar. Essa política não prejudica somente os interesses dos 499 que são consumidores de açúcar: gera também um gravíssimo problema de política exterior. O objetivo da política exterior norte-americana é a cooperação com todas as demais repúblicas. Ora, algumas delas têm interesse em vender açúcar aos Estados Unidos e desejariam vendê-lo em maiores quantidades. Este exemplo ilustra como os interesses dos grupos de pressão são capazes de determinar até mesmo a política exterior de uma nação. grau de divisão do trabalho. Embora esta civilização econômica possa parecer extremamente primitiva quando comparada às condições atuais, ela teve características certamente notáveis. Alcançou o mais alto grau de divisão do trabalho jamais atingido até o advento do capitalismo moderno. Não é menos verdade que essa civilização se deteriorou, sobretudo no século III. E foi esta desintegração no seio de seu império que tornou impossível aos romanos resistirem à agressão externa. Embora esta agressão não fosse pior que outras muitas vezes repelidas nos séculos precedentes, os romanos já não tiveram condições de lhe opor resistência, desgastados que estavam pelo que se passara no interior do seu império. Que acontecera? Qual teria sido o problema? Qual poderia ter sido a causa de desintegração de um império que, sob todos os aspectos, construíra uma civilização sem outra que se lhe igualasse até o século XVIII? A verdade é que essa civilização foi destruída por algo semelhante, quase idêntico, aos perigos que rondam hoje a nossa civilização: por um lado houve intervencionismo; por outro, inflação. O intervencionismo no Império Romano consistia no fato de que, seguindo o modelo político dos seus predecessores gregos, os romanos impunham o controle dos preços. Era um controle brando, praticamente sem consequências, porque, durante séculos, não se procurou reduzir os preços a um nível abaixo de seu nível de mercado. Quando a inflação teve início, no século III, os romanos ainda não dispunham dos nossos recursos técnicos para promovê-la – não tinham como imprimir dinheiro. Lançavam mão do método que consistia em enfraquecer o teor da liga metálica com que se cunhavam as moedas, sem dúvida um sistema de inflacionar muito menos eficaz que o atual, que pode, através de modernas máquinas impressoras, destruir com tanta facilidade o valor do dinheiro. Mas seu antigo método era eficiente o bastante para surtir o mesmo efeito, ou seja, para exercer o controle de preços. Deste modo, os preços que as autoridades toleravam passaram a estar abaixo do preço potencial a que a inflação elevara as várias mercadorias. O resultado, obviamente, foi que a oferta de produtos alimentícios nas cidades reduziu-se. As populações urbanas foram obrigadas a retornar ao campo e às atividades agrícolas. Os romanos nunca se deram conta do que estava ocorrendo. Não compreenderam. Não tinham desenvolvido instrumentos mentais que lhes permitissem interpretar os problemas da divisão do trabalho e as consequências da inflação no mercado de preços. Tinham, no entanto, clareza suficiente para reconhecer o quanto era nefasta aquela inflação e deterioração da moeda corrente. Os imperadores, então, baixaram leis que proibiam o deslocamento dos habitantes da cidade para o campo, mas tais leis não tiveram efeito. Aliás, não havia lei capaz de impedir que as pessoas que passavam fome, pois nada tinham para comer, abandonassem a cidade e retornassem à agricultura. O habitante da cidade já não podia trabalhar nas indústrias urbanas de processamento como artesão. Os prejuízos dos mercados nas cidades eram tais que já se tornara impossível comprar qualquer mercadoria. Assim, do século III em diante, as cidades do Império Romano entraram em decadência, e a divisão do trabalho tornou-se muito mais precária que a de antes. Finalmente, o sistema medieval da casa de família auto-suficiente, a villa, como foi chamada em leis posteriores, emergiu. Portanto, se compararmos nossas condições com as do Império Romano, teremos razões para dizer: “Iremos pelo mesmo caminho”. Há muitos fatos semelhantes. Mas há também enormes diferenças, que não estão relacionadas com a estrutura; política dominante na segunda metade do século III. Nesse período, havia o assassinato de um imperador a cada três anos em média. O assassino ou o responsável pela morte tornava-se seu sucessor. Cerca de três anos depois, a história se repetia. Diocleciano, quando tornou-se imperador, no ano 284 DC, tentou por algum tempo, sem sucesso, resistir à deterioração do Império. As diferenças entre as condições atuais e as de Roma do século III são enormes, porque as medidas que causaram a desintegração do Império Romano não foram premeditadas. Não eram, eu diria, medidas assumidas em consequência de doutrinas condenáveis mas bem formalizadas. As ideias intervencionistas, as ideias socialistas, as ideias inflacionistas de nossos dias foram engendradas e formalizadas por escritores e professores. E são ensinadas nas universidades. Poder-se-ia então observar: “A situação atual é muito pior’’. Eu respondo: “Não, não é pior”. É melhor, na minha opinião, porque ideias podem ser derrotadas por outras ideias. Ninguém duvidava, na época dos imperadores romanos, de que a determinação de preços máximos era uma boa política, e de que assistia ao governo o direito de adotá-la. Ninguém discutia isso. Mas agora, quando temos escolas, professores e livros prescrevendo tais e tais caminhos, sabemos muito bem que se trata de um problema a discutir. Todas essas ideias nefastas que hoje nos afligem, que tornaram nossas políticas tão nocivas, foram elaboradas por técnicos do meio acadêmico. Um famoso autor espanhol falou a respeito da “revolta das massas”. Devemos ser muito cuidadosos no uso desse termo, porque essa revolta não foi feita pelas massas: foi feita pelos intelectuais, que, não sendo homens do povo, elaboraram doutrinas. Segundo a doutrina marxista, só os proletários têm boas ideias, e a mente proletária, sozinha, engendrou o socialismo. Todos esses autores socialistas, sem exceção, eram “burgueses”, no sentido em que eles próprios, socialistas, usam o termo. Karl Marx não teve origem proletária. Era filho de um advogado. Não precisou trabalhar para chegar à universidade. Fez seus estudos superiores do mesmo modo como o fazem hoje os filhos das famílias abastadas. Mais tarde, e pelo resto de sua vida, foi sustentado pelo amigo Friedrich Engels, que – sendo um industrial –, era do pior tipo “burguês”, segundo as ideias socialistas. Na linguagem do marxismo, era um explorador. Tudo o que ocorre na sociedade de nossos dias é fruto de ideias, sejam elas boas, sejam elas más. Faz-se necessário combater as más ideias. Devemos lutar contra tudo o que não é bom na vida pública. Devemos substituir as ideias errôneas por outras melhores, devemos refutar as doutrinas que promovem a violência sindical. É nosso dever lutar contra o confisco da propriedade, o controle de preços, a inflação e contra tantos outros males que nos assolam. Ideias, e somente ideias, podem iluminar a escuridão. As boas ideias devem ser levadas às pessoas de tal modo que elas se convençam de que essas ideias são as corretas, e saibam quais são as errôneas. No glorioso período do século XIX, as notáveis realizações do capitalismo foram fruto das ideias dos economistas clássicos, de Adam Smith e David Ricardo, de Bastiat e outros. Precisamos, apenas, substituir más ideias por ideias melhores. A geração vindoura conseguirá fazer isso. Não apenas espero que assim seja: tenho mesmo muita confiança neste futuro. Nossa civilização, não está condenada, malgrado o que dizem Spengler e Toynbee. Nossa civilização sobreviverá, e deve sobreviver. E sobreviverá respaldada em ideias melhores que aquelas que hoje governam a maior parte do mundo, ideias que serão engendradas pela nova geração. Já considero um ótimo sinal o simples fato de eu hoje estar aqui, nesta grande cidade que é Buenos Aires, a convite deste centro, falando sobre a livre economia. Há cinquenta anos atrás, ninguém no mundo ousava dizer uma palavra sequer em favor de uma economia livre. Hoje, em alguns dos países mais avançados do mundo, já temos instituições que são centros para a propagação destas ideias Infelizmente, não me foi possível dizer muito sobre essas questões tão importantes. Seis palestras podem ser excessivas para um auditório, mas não são bastantes quando se quer expor toda a filosofia que embasa o sistema de livre economia. Por outro lado, certamente não são bastantes para que se possa refutar tudo o que de insensato vem sendo escrito, nos últimos cinquenta anos, acerca dos problemas econômicos de que estamos tratando. Estou muito agradecido a este centro pela oportunidade de me dirigir a tão distinta plateia e espero que, dentro de alguns anos, o número dos defensores das ideias em prol da liberdade tenha crescido consideravelmente, neste e em outros países. Quanto a mim, tenho plena
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