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Curso de gestão estratégica pública - renato dagnino 2009, Notas de estudo de Políticas Públicas

RENATO DAGNINI

Tipologia: Notas de estudo

2016
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Compartilhado em 21/04/2016

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Baixe Curso de gestão estratégica pública - renato dagnino 2009 e outras Notas de estudo em PDF para Políticas Públicas, somente na Docsity! 1 CURSO DE GESTÃO ESTRATÉGICA PÚBLICA Coordenador: Prof. Dr. Renato Dagnino Março de 2009 VVVV VVVV 1 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 1 Apresentação do Curso ................................................................................................... 1 Sobre as unidades que compõem o Curso ...................................................................... 4 Instruções operacionais aos alunos do Curso ................................................................. 5 Metodologia de aprendizado ............................................................................................ 5 O esforço individual ......................................................................................................... 6 A bibliografia e o ordenamento dos assuntos .................................................................. 7 O esforço coletivo ............................................................................................................ 8 Avaliação ......................................................................................................................... 9 Sobre o Trabalho de Conclusão de Curso ....................................................................... 9 Roteiro ........................................................................................................................... 10 Conteúdo programático ................................................................................................. 12 CAPÍTULO I: CONTEÚDOS INTRODUTÓRIOS À GESTÃO ESTRATÉGICA PÚBLICA .... 18 1. Introdução .................................................................................................................. 18 1.1. Um breve histórico do planejamento ....................................................................... 18 1.2. O contexto sócio-político em que se deve inserir a Gestão Estratégica Pública ..... 20 1.3. As características do “Estado Herdado”.................................................................. 22 1.4. A democratização política e o “Estado Necessário” ................................................ 23 1.5. A construção do “Estado Necessário” e a Gestão Estratégica Pública ................... 28 1.6. O contexto de elaboração de Políticas Públicas ..................................................... 32 1.7. O gestor público e o administrador de empresas .................................................... 36 1.8. Administração de Empresas, “Administração Geral” e Administração Pública ....... 37 1.9. A formação do gestor público ................................................................................. 39 CAPÍTULO II: A GESTÃO ESTRATÉGICA PÚBLICA COMO CONVERGÊNCIA DE ENFOQUES ......................................................................................................................... 46 2. Introdução .................................................................................................................. 46 2.1. A Ciência Política e a supervalorização do político ................................................. 47 2.2. A Administração Pública e a subvalorização do conflito ......................................... 47 2.3. A concepção ingênua do Estado neutro ................................................................. 48 2.4. Os enfoques da Análise de Política e o Planejamento Estratégico Situacional como fundamentos da Gestão Estratégica Pública ................................................................. 50 2.5. O enfoque da Análise de Política ............................................................................ 52 2.6. O enfoque do Planejamento Estratégico Situacional .............................................. 57 CAPÍTULO III: METODOLOGIA DE DIAGNÓSTICO DE SITUAÇÕES ............................... 59 3. Introdução .................................................................................................................. 59 3.1. Uma visão preliminar do resultado .......................................................................... 61 3.2. O que é o “agir estratégico”? .................................................................................. 64 3.3. Pressupostos para uma ação estratégica em ambiente governamental ................. 64 3.4. O conceito de Ator Social ........................................................................................ 64 3.5. Características do Jogo Social ................................................................................ 65 3.6. Os Momentos da Gestão Estratégica ..................................................................... 65 3.7. A análise de Governabilidade - o Triângulo de Governo ........................................ 66 3.8. A situação-problema como objeto da Gestão Estratégica Pública .......................... 71 3.9. Conceito de Problema (ou situação-problema) ....................................................... 71 3.10. Tipos de Problemas .............................................................................................. 72 3.11. Conformação de um Problema ............................................................................. 73 3.12. Como formular um Problema? .............................................................................. 73 3.13. Perguntas para verificar se a seleção de Problemas é apropriada ....................... 74 3.14. A Descrição de um Problema ............................................................................... 75 VVVV 4 FIGURA 5.1.7.1: CICLO ITERATIVO DA ANÁLISE DE POLÍTICAS E SEUS NÍVEIS ....... 137 FIGURA 5.10.1.1: INSTRUMENTOS PARA ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS .......... 179 FIGURA 5.10.1.3: CONCEPÇÃO E USO DE UM “POLICY FRAMEWORK” ..................... 181 FIGURA 5.2.2.1: VISÕES DO ESTADO CAPITALISTA MODERNO ................................. 142 FIGURA 5.5.2.1: MODELOS DE PROCESSO DECISÓRIO .............................................. 162 FIGURA 6.10.1: PROCESSO DE DINAMIZAÇÃO ............................................................... 91 FIGURA 6.11.1: MODELO 1 ................................................................................................ 92 FIGURA 6.11.2: MODELO 2 ................................................................................................ 93 FIGURA 6.11.3: MODELO 3 ................................................................................................ 93 FIGURA 6.11.4: MODELO 4 ................................................................................................ 93 FIGURA 6.11.5: MODELO 5 ................................................................................................ 94 FIGURA 6.11.6: MODELO 6 ................................................................................................ 94 FIGURA 6.11.7: MODELO 7 ................................................................................................ 95 FIGURA 6.12.1: EXEMPLO DE MODELIZAÇÃO ................................................................. 96 FIGURA 6.12.2: MODELIZAÇÃO DE POLÍTICAS ............................................................... 99 FIGURA 6.12.3: TRAJETÓRIA DE UM SISTEMA ................................................................ 99 FIGURA 6.13.1: VARIÁVEIS ESCOLHIDAS ...................................................................... 100 FIGURA 6.5.1: MODELIZAÇÃO ........................................................................................... 82 QUADRO 3.6.1: QUATRO MOMENTOS DA GESTÃO ESTRATÉGICA ............................. 60 QUADRO 4.11.1: ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA A FORMULAÇÃO DE UM PLANO ........................................................................................................................................... 117 QUADRO 4.2.1: CRIMES COMETIDOS POR ADOLESCENTES ...................................... 111 QUADRO 4.8.1: VIABILIZAÇÃO DE AÇÕES PLANEJADAS ............................................. 115 QUADRO 5.10.1.2: FUNÇÕES DA ANÁLISE DE POLÍTICAS ........................................... 180 QUADRO 5.10.2.1: VARIEDADES DE ANALISE DE POLÍTICA ....................................... 181 QUADRO 5.10.3.1: O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ........ 182 QUADRO 5.10.4.1: “GRADE PARA IDENTIFICAÇÃO” DE ORGANIZAÇÕES .................. 187 QUADRO 5.10.5.1: ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ....................................... 188 QUADRO 5.4.4.1 ESTUDO DO PODER E DOS PROCESSOS DE DECISÃO .............................................. 154 QUADRO 5.5.1: UMA SÍNTESE DA DISCUSSÃO SOBRE A RACIONALIDADE.............. 158 QUADRO 5.7.2.1: TIPO 1 – ORGANIZAÇÃO COMO SISTEMA DE GERENCIAMENTO . 171 QUADRO 5.7.2.2: TIPO 2 – ORGANIZAÇÃO COMO PROCESSO BUROCRÁTICO ....... 171 QUADRO 5.7.2.3: TIPO 3 – ORGANIZAÇÃO COMO DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL ........................................................................................................... 172 QUADRO 5.7.2.4: TIPO 4 – ORGANIZAÇÃO COMO PROCESSO DE CONFLITO E BARGANHA ....................................................................................................................... 172 VVVV 1 INTRODUÇÃO Apresentação do Curso Este Curso foi concebido tendo por referência a constatação de que os gestores públicos terão que seguir por muito tempo atuando no interior de um aparelho de “Estado Herdado” que não se encontra preparado para atender as demandas que o estilo alternativo de desenvolvimento mais justo, economicamente igualitário e ambientalmente sustentável que a sociedade deseja. E que, ao mesmo tempo, terão que transformá-lo no sentido da criação do “Estado Necessário”, entendido como um Estado capaz não apenas de atender as demandas presentes, mas de fazer emergir e satisfazer novas demandas embutidas nesse estilo alternativo1. Por isso, e para que fiquem claras as razões que explicam as características que o Curso possui, se irá mencionar em mais de uma oportunidade ao longo dos capítulos iniciais deste texto vários dos aspectos envolvidos na transição do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário”2. De fato, há que ressaltar nossa opção de levar em conta esses aspectos para a concepção deste Curso. E, também, que a realização de opções distintas levaria, como é evidente, à elaboração de uma disciplina de Gestão Estratégica Pública (GEP) com características distintas. Há que ressaltar, adicionalmente, e de partida, que entendemos que ajustar o aparelho de Estado visando a alterar a conformação das relações Estado-Sociedade, desde que respeitando as regras democráticas, é um direito legítimo, uma necessidade, e um dever colocados aos governos eleitos com o compromisso político de levar a cabo suas propostas. 1 O recurso que utilizamos para marcar a diferença entre a situação atual e a futura, desejada, de opor o “Estado Herdado” e a proposta de “Estado Necessário”, tem como inspiração o tratamento dado ao tema por Aguilar Villanueva (1996). Vários outros autores latino-americanos, entre os quais Atrio e Piccone (2008) e Paramio (2008) para citar apenas dois dos mais recentes, têm abordado, ainda que focalizando uma “cena de chegada” um tanto distinta, o processo de transição que nos preocupa. Com uma perspectiva ideológica bem mais próxima com a aqui adotada, cabe citar, também para ficarmos nos mais recentes, os trabalhos de O’Donnell (2007 e 2008), onde atualiza sua visão sobre o Estado latino-americano e indica novos rumos para o debate, de Thwaites Rey (2008), que apresenta uma análise inovadora sobre a intermediação que realiza o Estado na relação entre as classes dominantes latino-americanas e o cenário globalizado, e Brugué (2004) que provocativamente coloca como condição de transformação do Estado a promoção e um estilo de gestão baseado na “paciência” e na “feminilização”. 2 A maneira que adotamos para referir a uma configuração do Estado capitalista alternativa da atualmente existente, pela via de uma aderência e de uma condição de viabilização de um cenário normativo em construção no âmbito de um processo de radicalização da democracia, é distinta daquela proposta, por exemplo, por Guillermo O’Donnell. Num pronunciamento recente, este que é reconhecido como um dos mais agudos analistas latino-americanos das relações Estado-Sociedade se referiu a um Estado que apesar de abrigar bolsões autoritários, é capaz de impulsionar a expansão e consolidação das diversas cidadanias (civil, social e cultural, ademais da política já estabelecida num regime democrático) implicadas por uma democracia mais plena, e ir-se transformando, assim, num Estado democrático (O’DONNELL, 2008). 2 Assumir explicitamente essa intenção, portanto, não diferencia o atual governo de outros que ocuparam anteriormente o aparelho de Estado. Não obstante, parte-se também da constatação de que a Reforma Gerencial do Estado brasileiro inaugurada na década de 1990, dado o impulso que ganhou e os laços de realimentação sistêmica que produziu, segue em curso. O que ocorre de modo lento e desigual, em virtude da oposição, às vezes meramente corporativa, que vem sofrendo no âmbito da sociedade e do próprio aparelho do Estado. E, de modo genérico, porque a correlação de forças políticas impede que ela siga no ritmo pretendido pelos seus partidários. Há que reconhecer, ademais, que o fato da Reforma Gerencial continuar, ainda que de forma fragmentada, na lista das mudanças que estão sendo realizadas no âmbito do aparelho de Estado não deixa espaço para que as ações que conduziriam ao “Estado Necessário” sejam hoje colocadas na agenda governamental com a centralidade que elas merecem. Em conseqüência, se está assistindo a um paradoxo, que é extensivo a outros países latino-americanos, de governos de esquerda democraticamente eleitos não estarem sendo capazes de fazer para avançar a democratização de seus respectivos países3. O que se observa, então, freqüentemente, é a implementação de algo mais alinhado com a Reforma Gerencial do que com a proposta do “Estado Necessário”. E isso apesar de que parece ser este o modelo de Estado privilegiado pelo atual governo. Por encontrar-se num nível claramente incipiente, o processo que irá possibilitar a transição do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário” não pode prescindir de conteúdos como os que este curso pretende proporcionar aos gestores públicos. Os quais, é importante que se diga, consideramos atores indispensáveis para que esse processo se efetive4. 3 Vários autores latino-americanos têm apontado que esses governos, embora estejam sancionando e respaldando a cidadania política, se estão omitindo ou se demonstrando incapazes de sancionar e respaldar direitos emergentes de outros aspectos da cidadania (O’DONNELL, 2008), e correndo o risco de sofrer uma derrota catastrófica por caírem da armadilha do "possibilismo" e do tecnicismo que conduz ao imobilismo (BORÓN, 2004). Coutinho (2007), assumindo uma postura ainda mais crítica e usando categorias gramscianas, considera que a época neoliberal que vivemos no Brasil não deveria ser considerada como uma “revolução passiva” e sim como uma “contra-reforma”. Apontando para o fato de personalidades dos partidos democráticos de oposição se estarem incorporando à “classe política” conservadora, hostil à intervenção das massas populares na vida estatal, ou de grupos radicais inteiros estarem passando ao campo moderado, ele faz referência ao conceito de transformismo: processo em que as classes dominantes buscam obter governabilidade em processos de transição “pelo alto” através da cooptação das lideranças políticas e culturais das classes subalternas diminuindo sua propensão à transformação social). 4 Parecem concordar com essa idéia, tanto pesquisadores latino-americanos orientados a formular recomendações para a capacitação de gestores públicos, como Ospina (2006) e Longo (2006), quanto outros, como Koldo Echebarría (2006), preocupados em comparar países latino-americanos em termos da relação entre o que denomina “configuração burocrática” e “efetividade do sistema democrático”. Também O’Donnell 5 do fluxograma explicativo de situações-problema; a Metodologia de Modelização, cujo emprego, no âmbito da Gestão Estratégica Pública, se dá, fundamentalmente, para proceder à análise de sistemas complexos normalmente encontrados em ambientes de governo; e a Metodologia de Planejamento de Situações que, a partir deste fluxograma, permite o detalhamento da matriz operacional (ações, atores, recursos, prazos etc.) e completa o ciclo da GEP. O sexto capítulo tem por finalidade apresentar a Metodologia de Análise de Políticas. Essa metodologia é destacada devido à sua capacidade de enfocar a interface entre a sociedade e o Estado e o seu próprio funcionamento de um modo mais revelador do que até então fazia a Ciência Política. E também por enfocar a questão da elaboração dos planos e da sua execução, da alocação de recursos etc., com maior sutileza e realismo do que fazia a Administração Pública. . Finalmente, se apresenta as Considerações Finais que chamam a atenção para a necessidade de capacitar o gestor público para levar a cabo as tarefas colocadas pela atual conformação das relações Estado-Sociedade e pelo cenário a ser construído. Ajustar o aparelho de Estado visando a alterar essas relações Estado-Sociedade é um direito legítimo de governos eleitos com o compromisso de levar a cabo suas propostas. Instruções operacionais aos alunos do Curso Metodologia de aprendizado Parte-se da idéia de que, mais do que um certificado, é importante para alunos que concluem um curso de pós-graduação como este produzir algo que represente o resultado que alcançaram ao longo de seu processo de aprendizado e que possa ser apresentado e utilizado em seu ambiente de trabalho. Ademais, no caso de um curso cujo objetivo é fornecer elementos teórico-práticos orientados a aumentar a capacidade de equipes para atuar em ambientes de governo de um país periférico, onde é claramente deficitária a Gestão Estratégica Pública, consideramos que esse instrumento deve satisfazer condições adicionais. Acreditamos que ele deve ser um documento que registre de forma sistemática os resultados parciais e final que forem sendo alcançados com vistas àquele objetivo. Se isso ocorrer, os alunos estarão contribuindo com o esforço dos professores e ex-alunos do Curso de aprimorar o processo de elaboração (formulação, implementação e avaliação) das políticas públicas nacionais. 6 Dada a natureza do Curso, consideramos que esse documento, que denominamos Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), deve ser elaborado por equipes de 3 a 4 alunos, simulando as atividades que costumam ser realizadas em ambientes de gestão. O TCC será elaborado paulatinamente em torno de uma situação-problema escolhida e enunciada por cada equipe. Este enunciado, que servirá de base para o TCC, deverá tomar como ponto de partida os problemas enfrentados pelos alunos em seu ambiente de trabalho. O TCC será, então, elaborado mediante a aplicação dos conceitos, metodologias e conteúdos apresentados ao longo do curso com vistas a “processar” a situação-problema. A metodologia de aprendizado adotada no Curso está baseada na identificação e no “processamento” de uma situação-problema e tem como elemento aglutinador a elaboração do TCC. No que segue são apresentadas algumas características da metodologia de aprendizado. Talvez o seu cabal entendimento só ocorra numa segunda leitura, após a apresentação das metodologias de diagnóstico e planejamento de situações-problema; respectivamente, Metodologia de Diagnóstico de Situações (MDS) e Metodologia de Planejamento de Situações (MPS). A ênfase do TCC irá recair inicialmente sobre o “momento descritivo” da situação- problema. E, em seguida, sobre o “momento explicativo”, dedicado a explicar como e por que se chegou à situação-problema descrita. Esses dois primeiros momentos são tratados, principalmente, com base na MDS. O terceiro momento ─ o “momento normativo” ─, que na nossa metodologia de trabalho se segue aos dois anteriores, tem início com a apresentação da MPS. Esse último momento tem por objetivo focalizar a transformação da situação- problema mediante a aplicação dos instrumentos adquiridos durante o Curso, e de acordo com sua visão de mundo, suas opções políticas, culturais, de gênero etc. A elaboração do TCC supõe um esforço coletivo da equipe e, também, um esforço individual, sem o qual o primeiro dificilmente terá êxito. O esforço individual O esforço individual se relaciona a uma tarefa que deve ser realizada por cada aluno. Todos deverão entregar via Teleduc (ferramenta de ensino-aprendizagem à distância desenvolvida pela Unicamp), até sete dias antes de cada Encontro (impreterivelmente), suas Impressões de Leitura sobre o conteúdo da bibliografia para ela indicada. As Impressões de Leitura não têm um modelo ou um tamanho rígido. Em cerca de 6 mil caracteres e incorporando em um documento único todos os textos utilizados em cada encontro, elas deverão sintetizar as reflexões do aluno acerca do conteúdo à luz de sua 7 formação, experiência profissional e convicções. Em outras palavras, as impressões de leitura devem ser redigidas com base em duas questões: 1) o posicionamento crítico do aluno com relação às propostas e argumentos dos textos; e 2) sua relação com o seu ambiente de trabalho no setor público. Elas serão comentadas e devolvidas aos alunos até 24 horas antes do início do Encontro correspondente. A avaliação individual de cada aluno levará em conta as suas Impressões de Leitura. Atrasos na entrega serão penalizados da seguinte forma: 20% de desconto do peso máximo para até uma semana de atraso e 40% de uma a duas semanas. Impressões de leitura enviadas com três ou mais semanas de atraso não terão mais valor para a avaliação. Mas além de ser um mecanismo de avaliação as impressões de leitura são atividades importantes para a elaboração do TCC. Boas impressões de leitura auxiliam na sua confecção. Os Encontros serão desenvolvidos tendo como referência as Impressões de Leitura preparadas pelos alunos. De maneira a evitar uma relação unidirecional pouco produtiva, sobretudo em cursos de pós-graduação como este, as exposições do professor devem ser limitadas. Deverá ser privilegiada uma discussão que contemple os pontos de interesse (dúvidas, críticas, complementação em função de outras leituras e de experiências pessoais etc.) dos alunos. A bibliografia e o ordenamento dos assuntos A bibliografia foi escolhida em função das opções metodológicas e programáticas do Curso. Deu-se preferência a autores brasileiros e de outros países latino-americanos, mesmo quando o assunto tratado se refere à realidade de outras regiões ou quando o conteúdo versa sobre contribuições originalmente propostas por autores estrangeiros. Isso porque se considerou que a perspectiva de análise daqueles autores tende a ser mais adequada para a compreensão de nossa realidade e mais pertinente aos objetivos do Curso. E também porque o esforço realizado por vários dos autores, de proporcionar uma perspectiva comparada entre os vários países da região e destes com os países de capitalismo avançado, é útil para a melhoria da Gestão Pública brasileira. Foram também selecionados trabalhos de estrangeiros com familiaridade com a realidade de América Latina. A opção de basear a metodologia de aprendizado na leitura de artigos recentemente publicados em revistas especializadas se deve à intenção de simular, ao longo do Curso, o trabalho que os gestores devem se acostumar a realizar quando da pesquisa sobre um assunto pertinente às suas preocupações. Isso envolve uma familiarização com os diferentes tipos de linguagem utilizados, as fontes de referência mais importantes, a 10 Devido à importância do TCC, consideramos que o processo de sua elaboração deve receber atenção prioritária por parte de todos os envolvidos com o Curso (alunos e professores) devendo as demais atividades (aulas presenciais e leituras) ser concebidas de maneira a subsidiar este processo. Características esperadas do TCC Deverá ser evitada, na concepção do TCC, uma ênfase excessiva na apresentação e descrição de propostas, atividades, programas, processos de formulação, implementação e avaliação, aspectos institucionais, resultados já obtidos etc., relativos à situação-problema escolhida. A originalidade do enfoque de gestão estratégica pública adotado neste Curso, em particular a combinação concebida entre os instrumentos de Modelização, Análise de Políticas e Planejamento Estratégico Situacional, demanda uma cuidadosa elaboração do TCC. Ela deverá estar apoiada nas atividades a seguir indicadas que, sem serem todas obrigatórias, servirão de balizamento para tanto. As reações das equipes a elas e a sua eventual realização deverá ser sistematicamente registrada, de modo a permitir uma boa organização do trabalho e o encadeamento seqüencial dos resultados parciais obtidos. Roteiro São propostos dois blocos de procedimentos para a elaboração do TCC: O primeiro bloco ─ Procedimentos Básicos ─ pode ser entendido como algo “obrigatório” ou essencial para a elaboração de um bom TCC. O segundo ─ Procedimentos de Aprofundamento ─ apresenta sugestões para que as equipes possam aprofundar seu trabalho e deverá ser utilizado a partir das especificidades de cada situação-problema escolhida. 1) Procedimentos Básicos Os procedimentos para a elaboração do TCC envolvem, necessariamente, as atividades apresentadas abaixo: i) Identificar uma situação-problema relevante para o trabalho cotidiano de uma equipe de gestão. ii) Realizar um diagnóstico da situação-problema que merece o envolvimento da equipe como “ator que declara” e como ator disposto a atuar. A aplicação da Metodologia de Diagnóstico de Situações (MDS) é o primeiro marco do processo de elaboração do TCC, uma vez que permite a obtenção de uma clara identificação das variáveis e relações de 11 causalidade que compõem a modelização do sistema sobre o qual se desenvolverá o trabalho até o final do Curso. iii) Elaborar uma lista preliminar dos indicadores disponíveis acerca da situação- problema aparentemente adequados para o seu processamento. iv) Identificar os atores sociais pertinentes ao âmbito da situação-problema e descrever a forma como atuam no sentido de mantê-la ou alterá-la. v) Descrever o processo decisório mediante o qual a situação-problema foi gerada e pode ser explicada e identificar os atores mais significativos. vi) Analisar os processos de definição e priorização de assuntos que integram a agenda pública (ou sistêmica). vi) Identificar o processo de conformação da agenda decisória (ou política) protagonizado pelos atores com maior poder e pelo governo (agenda governamental) indicando eventuais conflitos abertos, encobertos e latentes que podem ser associados a ela e a conveniência da transformação destes em conflitos abertos. viii) Apontar os descritores de Situação-Objetivo (ou Resultados esperados) com a resolução ou a superação da situação-problema escolhida. ix) Descrever as restrições identificadas no balanço expresso no Triângulo de Governo relacionando a ambição de mudança do projeto político do “ator que declara” à disponibilidade de apoio político e de capacidade de governo. x) Revisar a lista de indicadores da situação-problema de modo a eliminar os desnecessários ou inadequados e incorporar os que decorrem das análises realizadas. 2) Procedimentos de aprofundamento Sugere-se que, além de realizar as tarefas listadas acima, os grupos atendam às seguintes recomendações: i) Tendo como referência a situação-problema escolhida, avaliar as dificuldades enfrentadas pelo governante em fazer cumprir a agenda governamental (aquela que decorre de seu plano de governo) e dos demais compromissos em relação às praticas de governo adotadas. ii) Tendo em vista a situação-problema estudada, relacionar as escolhas da equipe com a idéia de que a expressão: “o Estado (ou governo) não funciona”, tende a obscurecer o fato de que sua racionalidade e funcionalidade correspondem a um dado balanço de poder político e econômico e que esse mau-funcionamento favorece certos segmentos sociais. Quais os beneficiários e eventuais perdedores do “mau-funcionamento” do Estado? 12 iii) Identificar características da situação-problema que podem ser associadas aos elementos presentes na implantação do modelo de Reforma do Estado Gerencial em curso (processos de privatização e terceirização; transferência de funções/recursos do nível federal para o municipal; diminuição da capacidade de regulação, planejamento e gestão; desmobilização dos funcionários etc.). iv) Identificar, nas instituições, equipes e atores envolvidos com o assunto as dificuldades e deficiências relacionadas ao modo de funcionamento da “máquina pública”. v) Indicar operações capazes de buscar equacionamento ou alterar a situação- problema propiciando um aumento da governabilidade e de objetivos colaterais, como a elevação do grau de participação popular etc. Conteúdo programático A tabela apresentada a seguir proporciona uma idéia geral do desenvolvimento do Curso, composto por dez Encontros Semanais, cada um com três sessões de quatro horas, num total de 120 horas-aula. Ali se indica, para cada sessão, o assunto tratado e a bibliografia cuja leitura deverá ser realizada com anterioridade à sessão. Observe que apenas quando necessário se indica a data de publicação. Veja na seção seguinte ─ Bibliografia ─ a indicação bibliográfica completa. Em alguns casos, os trabalhos sugeridos não tratam especificamente do tema das sessões e por esta razão aparece um intervalo de páginas que são as que deverão ser lidas para a sessão correspondente. 15 DAGNINO, Renato. Curso de Gestão Estratégica Pública - MÓDULO I. Salvador, Bahia, INGÁ, 2009. DINIZ, Paulo. Responsabilidade Social Empresarial e Sociedade Política: elementos para um debate acerca da questão social no neoliberalismo. Monografia apresentada ao Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia, como requisito para obtenção do título de bacharel em Ciências Sociais. 2007. ECHEBARRÍA, Koldo. 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HAM, Cristopher e HILL, Michael. O processo de elaboração de políticas públicas no Estado Capitalista Moderno (The policy process in the modern capitalist state). Londres, 1993. KLIKSBERG, Bernardo. Hacia una nueva generación de políticas sociales en Latinoamérica. Un análisis comparativo. In: Revista del CLAD - Reforma y Democracia, Cracas, n. 35, 2006. 16 LONGO, Francisco. Oferta y demanda de gerentes públicos. Un marco de análisis de la institucionalización de la dirección pública profesional. In: Revista del CLAD - Reforma y Democracia, Caracas, n. 35, 2006. O’DONNEL, Guillermo. Algunas reflexiones acerca la democracia, el Estado y sus múltiples caras. In: Conferencia Plenaria en el XIII Congreso del CLAD, Buenos Aires, 4-7 de noviembre de 2008. O’DONNELL, Guillermo. Acerca del Estado en América Latina contemporânea: diez tesis para discusión. Texto preparado para el proyecto “La Democracia en América Latina,” propiciado por La Dirección para América Latina y el Caribe del Programa de las Naciones Unidas para El Desarrollo (DRALC-PNUD), 2007. O’DONNELL, Guillermo. Anotações para uma teoria do Estado. In: Revista de Cultura e Política, Rio de Janeiro, n. 3, 1981. OLIVEIRA, Francisco de. Entrevista à Carta Maior. In: Carta Maior, 7 jan. 2009. OSPINA, Sonia. Gobernanza y liderazgos para el cambio social. In: Revista del CLAD - Reforma y Democracia, Caracas, n. 35, 2006. OSZLAK, Oscar. Estado e Sociedade: Novas Regras do Jogo? In: Revista Reforma y Democracia, Caracas, n. 9, 1997. PULIDO, Noemí. Las transformaciones necesarias en la capacitación de los servidores públicos para un Estado en transformación: el proceso de identificación de las necesidades prioritarias de capacitación gerencial en el sector público. 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Estado e Gestão Pública: Visões do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora FGV, 2006. THWAITES REY, Mabel ¿Qué Estado tras el experimento neoliberal? In: Revista del CLAD - Reforma y Democracia, n. 41, 2008. WAISSBLUTH, Mario. La insularidad en la gestión pública latinoamericana. In: Revista del CLAD - Reforma y Democracia, Caracas, n. 27, 2003. WAISSBLUTH, Mario. La Reforma del Estado en América Latina: Guía abreviada para exploradores de la jungla. In: POLIS, Santiago, 2002. 20 (1956-1961) do governo de Juscelino Kubitschek, bastante bem sucedidas a julgar pelos resultados que obtiveram. A experiência brasileira de planejamento se aprofunda durante o período militar. Sucessivos planos são formulados e implementados a partir de 1964 seguindo o estilo autoritário, centralizador e economicamente concentrador que caracterizou os governos militares. Seu projeto de Brasil-grande-potência demandava uma mobilização que, ainda que em menor grau do que havia ocorrido no âmbito dos países avançados, demandava um significativo esforço de planejamento. No início dos anos setenta, a implantação de um Sistema de Planejamento Federal, deu origem a três edições do Plano Nacional de Desenvolvimento. O último deles, com um período de execução que coincidiu com a perda de legitimidade da ditadura militar que antecedeu a abertura e a redemocratização do País, terminou por explicitar o caráter demagógico e manipulador que envolveu a experiência de planejamento dos militares. Com o governo civil da Nova República, iniciado em 1985, é tentado sem muito sucesso retomar iniciativas de planejamento que fossem mais além do plano setorial. A partir do governo Collor, com a adoção da orientação neoliberal, iniciativas de planejamento no sentido estrito do termo, sobretudo as que visavam o âmbito nacional, global, passam a ser cada vez mais escassas. 1.2. O contexto sócio-político em que se deve inserir a Gestão Estratégica Pública Esta seção, assim como as duas que seguem, tem por objetivo precisar o contexto em que o objetivo mais ambicioso deste Curso ─ contribuir para que as atividades de gestão pública levadas a cabo nos vários níveis e instâncias governamentais que abarca o Estado brasileiro passem a ser realizadas em conformidade com os princípios da GEP ─ terá que ocorrer. Nesse sentido, há que esclarecer nossa opinião, já esboçada ao longo da retrospectiva realizada na seção anterior, de que o contexto brasileiro atual é adverso à adoção da Gestão Estratégica Pública como um instrumento de gestão pública. As atividades a ele correspondentes terão que se desenvolver no interior de um aparelho de “Estado Herdado”, não preparado para atender as demandas que a 21 sociedade hoje lhe coloca. E, ao mesmo tempo, deverão atuar no sentido de transformá-lo no sentido da criação do “Estado Necessário”, entendido como um Estado capaz não apenas de atendê-las, mas de fazer emergir e satisfazer as demandas da maioria da população. Para introduzir o tema central desta seção vamos colocar uma pergunta que possui como resposta, justamente, o porquê da existência de uma disciplina de GEP num Curso de Especialização que deve ter como compromisso capacitação de gestores públicos para promover a construção do “Estado Necessário”. Um Estado que possa alavancar o atendimento das demandas da maioria da população e projetar o País numa rota que leve a estágios civilizatórios sempre superiores? A resposta a esta pergunta será formulada em duas etapas. Primeiramente serão identificadas as características do “Estado Herdado”. Do processo de sua constituição, em particular do seu crescimento durante o período autoritário6 que sucedeu ao nacional-desenvolvimentismo e antecedeu o seu desmantelamento pelo neoliberalismo7. Em segundo lugar, serão fornecidos elementos que levam à constatação de que este Estado que herdamos é duplamente incompatível com a proposta de mudança que a sociedade brasileira deseja: sua forma não corresponde ao conteúdo para onde deve apontar sua ação. De um lado porque, a forma como se relaciona com a sociedade, impede que ele formule e implemente políticas públicas com um conteúdo que contribua para alavancar essa proposta. De outro porque o modo como se processa a ação de governo na sua relação com o Estado existente, determinado pelos contornos de seu aparelho institucional, é irreconciliável com as premissas de participação, transparência e efetividade dessa proposta. 6 Guillermo O’Donnell, pesquisando sobre as particularidades de um tipo específico de Estado capitalista, o Estado burocrático autoritário latino-americano (O’DONNEL, 1981), é provavelmente o pesquisador que mais tem contribuído para o entendimento desse primeiro componente da matriz que conforma o que chamamos “Estado Herdado”, que provém do período militar. Sua expressão “corporativismo bifronte”, que seria a combinação de uma face “estatista” que teria levado à “conquista” do Estado e à subordinação da sociedade civil com outra “privatista” que o teria colocado a serviço de setores dominantes suas áreas institucionais próprias é especialmente elucidativa (O’DONNELL,1976:3). 7 Entre os muitos trabalhos que conceituam o neoliberalismo e que nos autorizam a caracterizar a Reforma Gerencial que caracteriza o segundo componente que conforma o que chamamos “Estado Herdado” como neoliberal, recomendamos pela sua clareza e facilidade de entendimento a excelente resenha feita por Diniz (2007). 22 1.3. As características do “Estado Herdado” Mais além das preferências ideológicas, a combinação que o País herdou do período militar (1964-1985), de um Estado que combinava autoritarismo com clientelismo8, hipertrofia com opacidade, insulamento com intervencionismo, deficitarismo com megalomania não atendiam ao projeto das coalizões de direita ou de esquerda que, a partir da redemocratização que se inicia em meados dos anos de 1989, o poderiam suceder. É um princípio básico da ação humana, da atuação das organizações, e também da GEP, o fato de que todas as decisões têm um custo de operação e que, se equivocadas, demandam a absorção de custos de oportunidade econômicos e políticos. O Estado legado por mais de 20 anos de autoritarismo não contemplava os recursos como escassos. Os econômicos podiam ser financiados - interna ou externamente - com aumento da dívida imposta à população, os políticos eram virtualmente inesgotáveis, uma vez que seu aparato repressivo a serviço do regime militar sufocava qualquer oposição. A reforma gerencial desse Estado9, que pregava a doutrina neoliberal e que empreenderam os governos civis que sucederam à débâcle do militarismo, não encontrou muitos opositores. Para a direita, questão era inequívoca. Não havia porque defender um Estado que ela considerava super-interventor, proprietário, deficitário, “paquidérmico”, e que, ademais, se tornava crescentemente anacrônico na cena internacional. Na verdade, já há muito, desde o momento em que, no cumprimento de sua função de garantir a ordem capitalista, ele havia sufocado as forças progressistas e assegurado as condições para a acumulação de capital, ele se tornara disfuncional. Para a esquerda, que havia participado no fortalecimento do Estado do nacional-desenvolvimentismo, a questão era bem mais complicada. Ela o entendia 8 8 Para uma análise detalhada deste e de outros “ismos” que caracterizam o “Estado Herdado” (patrimonialismo, mandonismo, personalismo, formalismo) ver Costa (2006). Reconhecendo a existência de características semelhantes da relação Estado-Sociedade em outros países latino- americanos, Fragoso (2008) mostra como se manifestam trajetórias distintas entre eles no que diz respeito ao desenvolvimento do que ele denomina “nova gerência pública”. 9 O mais conhecido expoente da proposta de Reforma Gerencial do Estado brasileiro é Luis Carlos Bresser Pereira. Entre vários outros trabalhos de sua autoria, em Bresser Pereira (1998) são apresentadas as principais características da Reforma Gerencial. Seu documento oficial (Plano Diretor da Reforma do Aparelho Estado, 1995), que pautou as iniciativas governamentais neste sentido é uma transposição de suas idéias para uma linguagem não-acadêmica. 25 que vigora no Estado de bem-estar dos países avançados. Outro, que abrange os órgãos pertencentes aos ministérios sociais que servem às classes subalternas, que são objeto de repartição política entre os partidos que apóiam o governo e em que é usual a prática do clientelismo, onde aquele padrão se situa muito abaixo daquele que exibem países periféricos com renda per capita muito inferior à nossa. Esse tipo particular de relação Estado-Sociedade se revela, também e por conseqüência, numa segmentação do funcionalismo público em duas categorias que convivem no interior do Estado. Elas se conformaram na década de 1950, quando o recém se consolidava uma administração meritocratica de tipo “weberiano” que pretendia se impor ao modelo burocrático patrimonial12. Com características profissionais e remuneração muito distintas, elas passaram a ser responsáveis pelo funcionamento daqueles dois espaços de política pública que vêm desde então contribuindo para aprofundar nossa concentração de poder econômico e político. A existência desses dois espaços e, conseqüentemente de dois tipos de burocracia, é também necessário que se entenda, nunca foi vista como um problema. Como algo que devia ser “resolvido” no sentido de modernizar o Estado tornando-o mais próximo daquele dos países de capitalismo avançado que se tomava como modelo. Ao contrário, uma espécie de acordo entre a classe política e o segmento não-estatutário, mais bem pago, em geral mais bem preparado e que teve um papel fundamental na execução dos projetos de desenvolvimento do período militar terminou levando a uma situação totalmente anômala quando comparada com a dos países avançados em que cada vez que assume um novo Presidente da República, abrem-se 50 mil cargos de “livre provimento” para nomeação (BRESSER-PEREIRA, 2007). Para aprofundar-nos no entendimento das dificuldades que envolvem a transição do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário” é conveniente lembrar capacidade de atuar como filtro adequado ao interesse geral de sua população. Concordando com o que coloca para a América Latina em geral, podemos dizer que, também em geral, ainda que com diferenças relativas àqueles dois espaços, temos tido e seguimos tendo um Estado que registra um baixo escore nessas quatro dimensões. 12 Bresser Pereira (2007:15) mostra como a partir dessa época de institui um descolamento, que se viria a se aprofundar consideravelmente durante o governo militar entre os “barnabés”, cujo estatuto foi estabelecido com a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), por ocasião da reforma do Estado iniciada em 1938, e a “burocracia pública moderna” que, no núcleo do aparelho administrativo ou nas empresas estatais, passava a implementar a estratégia de desenvolvimento do capitalismo brasileiro: o nacional-desenvolvimentismo. 26 uma passagem da obra de Claus Offe. Ela é tão elucidativa para entender porque malograram as tentativas de reforma do Estado que há mais de oitenta anos se sucedem em nosso país que tem sido usada por muitos autores (entre eles Martins (199.) e Costa (2006)) para criticar a Reforma Gerencial. Diz ele: “é bem possível que o desnível entre o modo de operação interno e as exigências funcionais impostas do exterior à administração do Estado não se deva à estrutura de uma burocracia retrógrada, e sim à estrutura de um meio sócio- econômico que (...) fixa a administração estatal em um certo modo de operação... É óbvio que um desnível desse gênero entre o esquema normativo da administração e as exigências funcionais externas não poderia ser superado através de uma reforma administrativa, mas somente através de uma ‘reforma’ daquelas estruturas do meio que provocam a contradição entre estrutura administrativa e capacidade de desempenho” (OFFE, 1994:219). Dessa colocação decorre que mesmo nossa proposta de promover a transição do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário” começando, não por um dos extremos ─ ambos irrealistas ─ de reforma do Estado ou do meio sócio-econômico e sim na mobilização de um ciclo virtuoso que vá da capacitação dos gestores públicos para a transformação das relações Estado-Sociedade, deve ser vista com cautela. Não obstante, é verdade que à medida que a democratização avance e a concentração de renda que hoje asfixia nosso desenvolvimento e penaliza a sociedade brasileira for sendo alterada, se irá ampliando o espaço econômico e político para um tipo de atuação da burocracia com ela coerente13. E, nessa conjuntura, o conhecimento que passarão a deter os gestores que se pretende capacitar através de iniciativas como a que estamos tratando poderá fazer toda a diferença. Isto é, talvez seja esse conhecimento o responsável por se alcançar ou não a governabilidade necessária para tornar sustentável o processo de 13 Diversos autores de países latino-americanos têm refletido sobre a associação entre a reflexão desenvolvida sobre as características da relação Estado-Sociedade, o aumento da participação política, e a mudança da arquitetura do Estado; e, em conseqüência, nas políticas públicas elaboradas nesses países. Paramio (2008) mostra como as propostas sobre a segunda geração de reformas, iniciada no final dos anos de 1990, combinada com a pressão política contra o impacto social e econômico negativo da primeira, origina, em função das características daquela relação, reações distintas em dois grupos de países da região. Atrio e Piccone (2008), concordando com a idéia de que a mudança no modo de operação da burocracia depende criticamente das exigências impostas pela relação Estado-Sociedade, aponta recomendações para esta mudança. 27 mudança social que se deseja14. Daí a importância de disponibilizar conhecimentos aos gestores públicos que possam levar à melhoria das políticas, ao aumento da eficácia da sua própria máquina, e à sua transformação numa direção coerente com a materialização daquele novo estilo de desenvolvimento. Privatização, desregulação, liberalização dos mercados têm impedido que o Estado brasileiro se concentre em saldar a dívida social e, enquanto Estado-nacão ─ capitalista, por certo ─, assumir suas responsabilidades em relação à proteção aos mais fracos, à desnacionalização da economia e à subordinação aos interesses do capital globalizado. Assumir essas responsabilidades e materializar os processos de democratização e redimensionamento do Estado são desafios interdependentes e complementares que demandam de maneira evidente os conteúdos que trata este Curso e, no plano operacional, da implementação das ações, não poderão prescindir da GEP. A redefinição das fronteiras entre o público e o privado exige uma cuidadosa decisão: quais assuntos podem ser desregulamentados e deixados para que as interações entre atores privados com poder similar determinem incrementalmente um ajuste socialmente aceitável e quais devem ser objeto da agenda pública, de um processo de decisão racional, participativo e de uma implementação e avaliação sob a responsabilidade direta do Estado. A democracia é uma condição necessária para construir um Estado que promova o bem-estar das maiorias. Só o conjunto que ela forma com outra condição necessária ─ a capacidade de GEP ─ é suficiente. Só a democracia aliada à eficiência de gestão pode levar à transformação do “Estado Necessário” no sentido que almeja a sociedade brasileira. Sem democracia não há participação e transparência nas decisões, não há planejamento participativo, avaliação de políticas, prestação de contas. Não há responsáveis, há impunidade. Mas a democracia, se restrita a um discurso político genérico e sem correlação com ação de governo cotidiana pode degenerar num assembleísmo inconseqüente e irresponsável e numa situação de descompromisso e ineficiência generalizada. 14 A seção que analisa a questão da governabilidade e do Triângulo de Governo é especialmente elucidativa a este respeito. 30 assistemático e pouco racional tendia a gerar políticas que eram facilmente capturadas pelos interesses das elites16. As demandas que o processo de democratização política irá cada vez mais colocar, e que serão filtradas com um viés progressista por uma estrutura que deve celeremente se aproximar do “Estado Necessário”, originarão outro tipo de agenda política. Serão muito distintos os problemas que a integrarão e terão que ser processados por este Estado em transformação. Eles não serão mais abstratos e genéricos, serão concretos e específicos, conforme sejam apontados pela população que os sente, de acordo com sua própria percepção da realidade, com seu repertório cultural, com sua experiência de vida, freqüentemente de muito sofrimento e justa revolta. Construir o “Estado Necessário” não é somente difícil. É uma tarefa que, para ser bem sucedida deveria contar a priori com algo que já deveria estar disponível, mas que é, ao mesmo tempo, seu objetivo criar. Isto é, as capacidades e habilidades extremamente complexas necessárias para transformar o Estado Herdado. Assim colocado, o problema parece não ter solução. Não obstante, ela existe. E existe porque já existe a consciência do problema que é a construção do “Estado Necessário”. E quando existe esta consciência é porque a solução já é vislumbrada por uma parte dos atores envolvidos com o problema. A decisão de criar este Curso supõe uma consciência por parte desses atores de que a emergência da forma institucional “Estado Necessário”, aquela que corresponde ao conteúdo das políticas que cabe a ele implementar depende de uma preocupação sistemática com a capacitação do conjunto de seus funcionários. A criação do Curso representa uma demonstração de que o primeiro indispensável e corajoso passo está sendo dado. Ele revela a percepção de que rotinas administrativas que dão margem ao clientelismo, à iniqüidade, à injustiça, à corrupção e à ineficiência, que restringem os resultados obtidos com a ação de governo, que frustram a população e solapam a base de apoio político dificultando a governabilidade, não podem ser toleradas. E que para que isto ocorra, não bastam o compromisso com a democracia e com um futuro mais justo, o ativismo e a 16 São muitos os trabalhos de pesquisadores que descrevem as características que foram impregnando a gestão pública latino-americana e que configuram o que denominamos “Estado Herdado” e que apontam propostas para sua modificação. Entre eles, recomendamos Oszlak (1999), Evans (2003), Waissbluth (2002 e 2003). 31 militância. Este passo denota a percepção de que para criar condições favoráveis para que seu corpo de funcionários materialize esse compromisso é imprescindível que um novo tipo de conhecimento teórico e prático acerca de como governar (para a população e em conjunto com ela) seja urgentemente disponibilizado. E que é através dele que uma nova cultura institucional será criada e alavancará a construção do “Estado Necessário”. Do ponto de vista cognitivo, esta nova situação demanda do gestor público um marco de referência analítico-conceitual, metodologias de trabalho, e procedimentos qualitativamente muito diferentes daqueles que se encontram disponíveis no meio em que ele atua. O conteúdo a ser incorporado às políticas, fruto de um viés não mais conservador e sim progressista, transformador, irá demandar um processo sistemático de capacitação17. Para dar uma idéia do desafio cognitivo que isto significa vale introduzir um dos elementos-chave da GEP: a forma como se dá a determinação do que são problemas e o que são soluções, o que são causas e o que são efeitos, o que são riscos e o que são oportunidades. Isso porque, em muitos casos, ela terá que ser invertida. Há que ressaltar, nesse sentido, que a GEP é um dos instrumentos por meio dos quais novas inter-relações, sobre-determinações, pontos críticos para a implementação de políticas etc., terão que ser identificados, definidos e processados. Só assim os novos problemas poderão ser equacionados mediante políticas específicas; por exemplo, por meio de redes de poder locais, com a alocação de recursos sendo decidida localmente. Estamos vivendo um momento da democratização política em que as duas pontas da gestão pública e do processo de elaboração de políticas estão sofrendo uma rápida transformação. Na sua ponta inicial ─ a veiculação da demanda ─ há claramente maior probabilidade de que assuntos “submersos” e de grande importância para a população passem a integrar a agenda de decisão política. Na 17 É conveniente ressaltar, neste sentido, que a idéia que orientou a concepção deste Curso é muito distinta daquela que subjaz às propostas realizadas pela Reforma Gerencial (BRESSER-PEREIRA, 1998) ou, para tomar uma referência mais recente e menos irrealista, pela Carta Ibero-americana de Qualidade na Gestão Pública (2008), acerca de qual deveria ser o comportamento do “bom burocrata”. Ao invés de postular uma lista de recomendações sobre a sua conduta, baseada na “responsabilidade social”, na “ética”, na “qualidade” etc., o que esperamos é proporcionar aos gestores um conteúdo analítico-conceitual e metodológico que os tornem capazes de exercer sua discricionariedade para materializar a escolha que fizeram de melhorar a relação Estado-Sociedade. 32 sua ponta terminal ─ a decisão de onde alocar recursos ─ existe igualmente uma grande probabilidade de que problemas originais passem a ter sua solução viabilizada. Como tratar essas novas demandas até transformá-las em problemas que efetivamente entrem na agenda decisória? Como fazer com que o momento da implementação da política (que se segue ao da formulação) possa contar com um plano para sua operacionalização eficaz, que maximize o impacto favorável dos recursos cuja alocação pode ser agora localmente decidida de forma rápida, mediante instrumentos inovadores e transformadores como é o caso do Orçamento Participativo? Não é nossa intenção apresentar a GEP como a panacéia que irá resolver todos os problemas e enfrentar todos os desafios que estamos comentando nesta parte introdutória, mas caberá ao leitor, ao final, avaliar a potencialidade deste instrumento. 1.6. O contexto de elaboração de Políticas Públicas Esta seção focaliza o contexto em que o objetivo mais ambicioso deste Curso ─ contribuir para que as atividades de gestão pública levadas a cabo nos vários níveis e instâncias governamentais que abarca o Estado brasileiro passem a ser realizadas em conformidade com os princípios da GEP ─ terá que ocorrer. Ela irá tratar de questões associadas ao marco analítico-conceitual da GEP introduzidas a partir de uma postura crítica em relação à “Administração Geral”, derivada da Administração de Empresas e utilizada na conformação dos conteúdos da Administração Pública; os quais marcam aquele contexto e o tornam inadequado para a consecução daquele objetivo. Para iniciar, é conveniente explicar porque se usa neste Curso o termo Gestão Pública e não o de Administração Pública. A literatura anglófona de Administração (que mantém um enfoque que apesar de alegadamente genérico se refere às empresas) costuma utilizar o termo management para referir-se ao mundo privado. O termo administration teria um significado mais amplo, buscando um status “universal” capaz de abarcar todos os âmbitos de atividade humana, inclusive o mundo público; ou aquilo que em seguida se designa como “Administração Geral”. O primeiro termo tem sido traduzido para o português como gestão e o segundo como administração. 35 menos lucrativos; a manutenção das faculdades mais caras, como as de Medicina e Odontologia enquanto os cursos menos dispendiosos e mais lucrativos são mantidos por empresas privadas. O caso das políticas orientadas para o trabalhador é um bom exemplo. Trabalhadores desempregados, doentes, acidentados ou velhos são atendidos através de uma articulação do econômico e do político (as políticas sociais) que possibilita um ganho para o setor privado capaz de compensar o prejuízo causado pelo fato deles e outros segmentos não-produtivos não estarem inseridos na produção de mercadorias. Essas políticas servem também para "retirar" do âmbito da fábrica conflitos e reivindicações, que são encaminhados e tratados por órgãos governamentais (hospitais, repartições públicas ou tribunais) que os despolitizam, transformando-os em assuntos individuais. As vítimas de eventos negativos ligados ao processo produtivo (acidentes, doenças, incapacitação e invalidez) cuja origem está no processo produtivo são responsabilizadas pela sua ocorrência. Os órgãos de atendimento ao trabalhador que implementam essas políticas não questionam as origens dos problemas dos assalariados, o ambiente que os condiciona, nem as relações que os produzem, contudo, trata-se cada "caso" através da "perícia", relegando-o ao saber e ao sabor de especialistas que examinam individualmente a vítima, e não as condições de produção e de trabalho. Por essas e outras razões, as políticas sociais, são vistas por alguns críticos como algo incompatível com aquele modelo familiar. Apesar de aparecerem como compensações, elas constituiriam um sistema político de mediações entre capital e trabalho que visa à articulação de diferentes formas de reprodução das relações de exploração e dominação da forca de trabalho entre si, com o processo de acumulação e com a correlação de forças políticas e econômicas. Devido a suas características, as políticas sociais costumam ter, sobretudo em países periféricos como o nosso, seu conteúdo definido, em boa medida, no momento da implementação. E não apenas no momento da sua formulação, como é o caso clássico em que os momentos de formulação, implementação e avaliação que integram o processo de elaboração da política estão mais claramente definidos. Diferentemente de outras políticas públicas que, por estarem destinadas a orientar ou subsidiar as atividades empresariais possuem “lógica” e “racionalidade” 36 facilmente operacionalizáveis pelos profissionais da Administração de Empresas, as políticas sociais demandam, não apenas para sua formulação, mas também para a sua implementação, de um tipo específico de gestor. A formação desse tipo de gestor demanda a veiculação de um conhecimento distinto daquele oferecido pelas profissões tradicionais que são adequadas para a elaboração de políticas voltadas ao bom funcionamento da economia capitalista e às quais as Políticas Sociais devem em muitos casos se opor. 1.7. O gestor público e o administrador de empresas De modo a tratar sobre o tipo de formação que deveria ter o gestor público para, desta maneira, avançar na caracterização do marco analítico-conceitual da GEP, é necessário precisar o que entendemos por ele. Por diferenciação, o concebemos como aquele profissional cuja especificidade consiste fundamentalmente na sua capacidade de traduzir, interpretar ou “decodificar” para uma “lógica” e “racionalidade” empresariais o conteúdo e forma de implementação das políticas sociais. E cuja atuação não deverá estar orientada para a administração das atividades mais propriamente empresariais realizadas no âmbito privado. Atuação, esta, desempenhada por administradores de empresa, engenheiros, etc. Conceber o processo de capacitação de um profissional que seja capaz de atuar na elaboração de políticas públicas é um desafio difícil. Pela primeira vez, em função das mudanças de orientação que estão ocorrendo nos Estados de uma região conhecida como a mais desigual do planeta e cujos governos estão a privilegiar o atendimento de demandas sociais de grandes proporções, se coloca na América Latina a necessidade de abreviar um processo lento e que se estava efetivando de forma mais ou menos autodidata de formação de gestores públicos interessados na consolidação dessas mudanças. Mais que em outros países da região, o Brasil conta com um superávit de vagas universitárias visando à capacitação de administradores de empresa20. Isso, associado ao fato de que o gestor social, além de ter que trabalhar na empresa privada como implementador das políticas sociais (e, de certa forma, devido às 20 Segundo Fischer (2004) existiriam no Brasil mil e quinhentos cursos de Administração reconhecidos pelo Conselho Federal de Educação. 37 características, também como o seu formulador), deverá atuar igualmente na sua elaboração no âmbito do Estado, obriga a uma difícil inflexão. Difícil, entre outras coisas porque, por razões históricas e pela conhecida formação multidisciplinar e “multipropósito” do administrador de empresa, tem sido nos espaços destinados à sua formação que estão surgindo as iniciativas de capacitação de gestores públicos e de gestores sociais (à semelhança do que ocorreu no passado com a formação dos administradores públicos). Um “distanciamento crítico” em relação ao que é entendido como a formação do administrador de empresa parece essencial. Ele deve começar pelo questionamento do caráter “universal” conferido ao conceito de Administração, entendido como um corpo de conhecimento aplicável em qualquer ambiente (público ou privado), e explicitado nas conceituações usualmente propostas e empregadas em nosso meio e que têm servido para informar a criação de cursos de Administração Pública. 1.8. Administração de Empresas, “Administração Geral” e Administração Pública Embora as teorias da administração possam ser divididas em várias correntes ou abordagens, cada abordagem associada a uma maneira específica de encarar a tarefa e as características do trabalho de administração, é possível alinhar brevemente algumas características da “Administração Geral”. Um conceito contemporâneo entende que administrar é dirigir uma organização (grupo de indivíduos com um objetivo comum, associados mediante uma entidade pública ou privada) utilizando técnicas de gestão para que alcance seus objetivos de forma eficiente, eficaz e com responsabilidade social e ambiental. Lacombe (2003) diz que a essência do trabalho do administrador é obter resultados por meio das pessoas que ele coordena. Drucker (1998) diz que administrar é manter as organizações coesas, fazendo-as funcionar. Entende-se a “Administração Geral” como subdividida segundo o tipo de organização à qual ela é aplicada: a administração que se aplica a uma empresa privada é diferente daquela aplicada às instituições governamentais ou, ainda, daquela de um setor social sem fins lucrativos. Uma organização seria uma combinação de esforços individuais que tem por finalidade realizar propósitos coletivos. Por meio de uma organização torna-se 40 dos cursos de Administração de Empresas e pela adição de outras disciplinas. Freqüentemente, e isso não apenas no Brasil, o quadro de professores dos cursos de Administração Pública é formado por professores de cursos de Administração de Empresas (em muitos casos oferecidos na mesma instituição) e por professores de disciplinas que provêm de áreas como Direito, Ciências Contábeis, Sociologia, Economia, Ciência Política. Embora com o correr do tempo sucessivas gerações de formandos de Administração Pública tenham sido absorvidos como professores desses cursos, essas disciplinas continuaram a ser ministradas por profissionais nelas formados. O resultado foi a permanência de uma espécie de apartheid disciplinar muito distinto daquilo que seria necessário para propiciar uma fusão (supondo que ela fosse possível), entre a “Administração Geral” (supondo que ela efetivamente existisse e que fosse capaz de ser conformada por exclusão ou eliminação de conteúdos previamente enfeixados na Administração de Empresas) e aquelas disciplinas. Os administradores públicos, formados naquilo que no melhor dos casos era uma tensão disciplinar entre conteúdos de Administração de Empresas e de disciplinas que freqüentemente se orientavam a produzir argumentos para questionar as idéias de propriedade privada dos meios de produção, venda da força de trabalho, lucro etc. que são os pressupostos e razão de existência da Administração de Empresas, dificilmente seriam capazes de autonomamente produzir uma síntese interdisciplinar como a que sua atuação demandava21. Agravava essa situação o fato de que, com muita freqüência, os conteúdos das disciplinas como Sociologia e Ciência Política, que mais subsídios poderiam fornecer para um correto diagnóstico dos problemas que o administrador público enfrenta e para o seu equacionamento de modo coerente com os direitos democráticos e de cidadania, eram vistos como de escassa importância para a sua formação. Dificilmente modelizáveis e aplicáveis em conjunto com os conteúdos que provinham da Administração de Empresas, com os quais por “defeito de construção” não tinham como dialogar, mas que eram, estes sim, modelizáveis, operacionalizáveis, e aparentemente dotados de um potencial de equacionamento 21 Atkouff (1996) chama a atenção para essa tensão apontando o ambiente elitista das escolas de Administração como um instrumento de reprodução de uma visão conservadora entre os profissionais da área. 41 de problemas muito valorizado por quem se preocupa em “resolver problemas”, eles eram, de fato, quase inúteis. O resultado dessa situação era, então que os problemas públicos ─ aqueles que ocorrem na interface entre a sociedade e o Estado ou no seu interior ─ ainda que fossem, na melhor das hipóteses, diagnosticados (momento descritivo: foto) e explicados (momento explicativo: filme retrospectivo) através daquelas disciplinas, eram resolvidos (momento normativo: construção do futuro) mediante a aplicação do conhecimento que provinha da Administração de Empresas. Mas a tensão entre aquelas disciplinas e a “Administração Geral” não se situava apenas no plano dos conteúdos. Ela se estendia para os planos da abordagem cognitiva (dedutiva vs. indutiva, respectivamente); do enfoque da situação-problema (contextualizado vs. autocontido); do tratamento metodológico (análise globalizante do mais freqüente ou provável vs. estudo de “cases” sobre o mais exitoso ainda que atípico e não-generalizável); do objetivo intermediário (produzir tendências e fatos estilizados vs. assinalar best practices e possibilitar o benchmarking); do objetivo final (equacionar problemas estruturais de modo racional visando a resultados positivos sistêmicos e de longo prazo vs. atacar problemas pontuais passiveis de solução imediata de modo incremental, visando resultados localizados e de alto impacto a curto prazo). Ainda no campo cognitivo ou, mais especificamente, pedagógico, a “Administração Geral” permanece baseada na idéia de que é uma pessoa que se destaca das demais por atributos inatos, mas que podem até certo ponto ser adquiridos pela via da capacitação formal, a responsável por “fazer as coisas acontecerem”. Característica que, como é compreensível, contagia o processo de formação, seja do administrador tradicional seja do líder, com um ethos de diferenciação, de elitismo meritocrático e, no limite, de prepotência; ainda que entendido como um “mal menor” face ao imperativo tradicional de “apreender para saber mandar” ou ao contemporâneo “apreender para saber liderar”. Tudo isso marcando com atributos de competição e rivalidade tanto o processo formativo quanto o comportamento profissional. Apesar de precária, essa breve caracterização permite apontar a inadequação da “Administração Geral” como plataforma cognitiva para a concepção de um curso de gestão (ou administração) pública; e, também, do processo até agora seguido. 42 Mesmo que se considere a empresa privada como um ambiente em que “pessoas tendo em vista a realização de objetivos comuns, estabelecem relações de cooperação”, o que como se sabe é muito questionável, não há como negar que ambiente em que atua o gestor público ─ o aparelho de Estado ─ é politizado. Isto é, um ambiente onde interesses políticos, econômicos e de outra natureza não apenas se expressam como devem, numa sociedade democrática, fazê-lo. Se isso é assim, a Administração de Empresas, que é por muitos entendida como um conjunto de conhecimentos cujo objetivo é, senão eliminar, manter os conflitos entre capital e trabalho num nível que não inviabilize a produção, numa sociedade em que o uso da força é monopólio do Estado, não poderia ser a plataforma cognitiva de um curso de Gestão Pública. Até mesmo o papel central que vem assumindo o líder na “Administração Geral” e por extensão na Administração Pública teria que ser repensado. Ainda que a figura do líder seja mais coerente com ela do que a do administrador tradicional, parece legítimo indagar de sua pertinência para o ambiente público. Sobretudo aquele cuja função é a elaboração das Políticas Sociais, que cada vez mais de substituem pelo cooperativismo, a autogestão e a solidariedade as práticas do empreendedorismo, da competição. Mesmo uma análise superficial do currículo dos cursos de Administração Pública, inclusive dos mais recentemente criados, permite evidenciar a adoção da idéia de existência de uma “Administração Geral” ─ entendida como neutra e capaz de atender tanto as empresas quanto o Estado ─ como diretriz para a sua concepção. Em vários cursos, as disciplinas iniciais, denominadas Introdução à Administração, Teoria da Administração etc., são de fato um conjunto de idéias, princípios etc., que, embora derivados ou “destilados” da Administração de Empresas são apresentados como portadores de um conteúdo universal. É comum a existência de disciplinas com forte caráter empresarial, como administração da produção, gestão da qualidade total etc., e de disciplinas que buscam implementar a denominada “nova de gestão pública”, como as que tratam das parcerias público- privado, projetos com o Terceiro Setor, Responsabilidade Social Empresa, etc. Nota-se, também, que disciplinas cujo nome alude a conteúdos próprios da gestão pública são ministradas mediante a utilização de bibliografia orientada para a 45 sua formação não teria porque, mesmo no campo analítico-conceitual, contemplá- las. 46 CAPÍTULO II: A GESTÃO ESTRATÉGICA PÚBLICA COMO CONVERGÊNCIA DE ENFOQUES 2. Introdução No capítulo anterior traçamos de forma esquemática, mas suficiente para nosso propósito, o contexto em que se devem inserir as atividades de GEP do Estado brasileiro e apontamos a dimensão do desafio cognitivo que a construção do “Estado Necessário” coloca para a realização dessas atividades. Este capítulo investiga o processo de constituição dos fundamentos da GEP e procura mostrar porque se considera que este Curso pode ajudar na sua superação. Para tanto, analisa a contribuição de dois enfoques relacionados à gestão pública, ou mais especificamente ao processo de elaboração de políticas públicas ─ a Análise de Políticas e o Planejamento Estratégico Situacional ─ que constituem o fundamento da disciplina de GEP. Dentre o conjunto das Ciências Sociais aplicadas as disciplinas de Ciência Política e de Administração Pública eram até bem pouco tempo as únicas que forneciam subsídios especificamente orientados para a análise das questões públicas objeto da intervenção dos governos. Embora tenham ocorrido, tanto nos países centrais como nos da América Latina, importantes movimentos recentes de crítica, renovação, ampliação e fusão multidisciplinares, essas duas matrizes de conhecimento teórico e aplicado são ainda as mais amplamente disponíveis, difundidas e utilizadas para a análise da interface entre o Estado e a sociedade ─ Ciência Política ─ e para a execução da gestão pública ─ Administração Pública. Por essa razão, mais precisamente porque a quase totalidade das iniciativas de formação de gestores públicos existentes na região adota, ao contrário do que aqui se propõe, essas matrizes de conhecimento ─ em especial a da Administração Pública ─ é que se apresenta a seguir uma crítica às mesmas. Posteriormente, na seção que segue, se apresentam dois de seus recentes desdobramentos ─ a Análise de Política e o Planejamento Estratégico Situacional ─ considerados como as abordagens mais adequadas para conformar o fundamento da GEP. 47 2.1. A Ciência Política e a supervalorização do político O processo de governo ou, mais precisamente, os processos de tomada de decisão (a formulação das políticas públicas) e de sua implementação, não ocupam um papel central no horizonte de preocupações da Ciência Política. Suas principais teorias, modelos cognitivos ou visões que tratam a relação entre a sociedade e o Estado (marxista, pluralista, sistêmica, elitista) explicam as decisões de governo ─ tomadas no interior do aparelho de Estado ─ através da consideração de elementos a ele externos. Essa afirmação pode ser corroborada por um exame, ainda que superficial, das suas duas visões extremas. A visão pluralista, que entende o resultado do processo decisório ─ o conteúdo da política ─ como algo quase indefinido, posto que fruto de um ajuste incremental das preferências de uma infinidade de atores indiferenciados do ponto de vista de seu poder político. A outra ─ marxista ─ entende aquele resultado ─ o conteúdo da política ─ como algo quase que inteiramente pré-determinado pela estrutura econômica, posto que resultante da ação de um ator hegemônico: a classe capitalista. Era como se o Estado fosse dirigido pelo contexto político, econômico e social, como se carecesse de poder de autodeterminação e de ‘autonomia relativa’. Como se os instrumentos colocados à disposição das burocracias dos Estados contemporâneos não terminassem gerando uma elite com interesses próprios e até certo ponto independentes das demais. Era natural, portanto que os cientistas políticos se concentrassem no estudo deste contexto para entender as implicações sociais, econômicas etc. do exercício do poder; as quais, de certa forma, apenas fluíam através do Estado sem ser por ele determinadas. O problema da Ciência Política era de tipo investigativo: indicar as razões contextuais que explicavam o caráter do que havia sido decidido. Seu foco era, portanto, a política (politics) e não as políticas (policies), o sistema e o processo político (political process) e não o processo de elaboração de políticas (policy process). 2.2. A Administração Pública e a subvalorização do conflito O enfoque da Administração Pública, por outro lado, tem como premissa a separação entre o político (politics) e o administrativo; o mundo da política (politics) 50 A concepção de que o aparelho de Estado seja um simples instrumento neutro capaz de, de uma hora para outra, operar de forma a implementar políticas que contrariam as premissas de manutenção e naturalização das relações sociais de produção capitalistas que o geraram, pode levar a uma postura voluntarista que tende a minimizar as dificuldades que enfrentam os governos de esquerda. O preço do equívoco em que eles têm freqüentemente incorrido, de subestimar das relações entre forma e conteúdo, é proibitivo e não pode mais ser tolerado. 2.4. Os enfoques da Análise de Política e o Planejamento Estratégico Situacional como fundamentos da Gestão Estratégica Pública Este item apresenta dois desdobramentos relativamente recentes ─ a Análise de Política e o Planejamento Estratégico Situacional ─ das matrizes de conhecimento analisadas no anterior. Elas são consideradas como as abordagens mais adequadas para a formação de gestores capazes de realizar as atividades de GEP demandadas pela construção do “Estado Necessário”. No “Estado Herdado”, os marcos de referência cognitivos dos gestores eram em geral originários de uma daquelas duas matrizes que conformavam o repertório de conhecimento “formal” disponível no âmbito do aparelho de Estado (e também fora dele) para o tratamento das questões de governo. Um outro corpo de conhecimento ─ informal, intuitivo, específico, assistemático, e gerado de forma ad hoc, indutiva, on the job ─ fazia parte da sua formação. Era ele o que de alguma forma, ao adicionar-se a esses dois enfoques, permitia sua combinação preenchendo os vazios cognitivos e amenizando o “desvio ingênuo” a que se fez referência. O fato de que este outro corpo de conhecimentos, apesar da sua fundamental importância para o exercício de governar, não era ensinado, mas sim, a duras penas, e só por alguns, apreendido, não passou despercebida aos pesquisadores acadêmicos nem aos gestores que, tanto nos países centrais como na América Latina, se interessavam ou estavam envolvidos com assuntos de governo. Este fato, aliado a outros tipos de preocupação, entre as quais as de natureza ideológica e política são as mais relevantes, originou movimentos de crítica e fusão multidisciplinar entre essas duas matrizes de conhecimento e delas com outras disciplinas das Ciências Sociais. 51 Esses movimentos foram penetrando a “caixa preta” do processo (ou sistema) de elaboração de políticas ─ aquilo que era até então interpretado como um transdutor ─ por um de seus dois extremos (inputs e outputs), ou de seus dois principais momentos (formulação e implementação). A Administração Pública, a partir da constatação de que os hiatos entre o produto (output do sistema) obtido e o previsto mediante o planejamento governamental (déficit de implementação) não eram simplesmente um sintoma de má administração, mas que poderiam dever-se a problemas anteriores à fase de implementação propriamente dita. Isto é aos processos decisórios em que atores políticos defendiam seus interesses e valores. A Ciência Política, a partir da constatação de que a formação da agenda decisória que ocorria no âmbito do processo de formulação das políticas influenciava muito significativamente o conteúdo da política, entrou na “caixa preta” pelo lado dos seus inputs. Como a agenda decisória era determinada pelas forças políticas que se expressavam no contexto econômico social que envolvia a interface público-privado a Ciência Política não poderia se manter à margem da análise das políticas públicas. Uma das conseqüências imediatas desse envolvimento foi a constatação de que as determinações políticas, econômicas e sociais não eram um simples insumo (input) do processo de formulação das políticas, e sim algo que seguia atuando ao longo do processo da elaboração das políticas, abarcando todos os seus momentos: formulação, implementação, avaliação. Algumas perguntas fundacionais como as que seguem orientaram esse movimento e estão na base da insatisfação com o planejamento governamental tradicional que veio a desembocar na proposta da GEP. Quais são os grupos que realmente conformam a agenda de decisão mediante sua capacidade de transformar (ou travestir) seus problemas privados em assuntos públicos, em questões de interesse do Estado, sobre os quais ele deve atuar (agendum = algo sobre o qual se deve atuar)? E mais do que isto, como fazem para impedir que outros assuntos de outros grupos sociais não sejam incorporados à agenda fazendo com que ela fique restrita a assuntos sobre os quais têm controle? Que procedimentos usam e de que mecanismos do próprio aparelho de Estado ─ legítimo e eles acessíveis por direito ─ se utilizam para fazer com que os assuntos 52 que logram colocar na agenda sejam decididos e implementados de acordo com seus interesses? 2.5. O enfoque da Análise de Política Este enfoque é o primeiro dos novos enfoques multidisciplinares que se analisa aqui. Ele foi conformado a partir da confluência entre a Administração Pública, ou mais precisamente da problematização que começara a fazer acerca da implementação das políticas públicas, de um lado, e da Ciência Política, e mais especificamente da problematização da formação da agenda e do processo decisório, por outro. Sua importância para formar os fundamentos em que se apóia a proposta da GEP se relaciona à sua capacidade de enfocar a interface entre a sociedade e o Estado e o seu próprio funcionamento de um modo mais revelador do que até então fazia a Ciência Política. E enfocar a questão da elaboração dos planos e da sua execução, da alocação de recursos etc., com maior sutileza e realismo do que fazia a Administração Pública. Em alguns casos, a Análise de Política nasce como área de pesquisa nos círculos ligados à disciplina de Administração Pública. Como, nos EUA, nos anos de 1960, a eles estavam focalizados na análise organizacional, métodos quantitativos etc., e não enfatizavam a questão dos valores e interesses que a Análise de Política argumentava que era essencial para a Administração Pública, essa relação foi muitas vezes complicada. Em outros casos, a Análise de Política se estabelece por diferenciação/exclusão em relação à Ciência Política, em círculos a ela ligados. Como resultado ocorreu uma inflexão no seu enfoque. Ele passou a incorporar a análise das organizações e das estruturas de governo, deslocando um pouco o foco da análise do institucional para o comportamental. Apesar das contribuições que desde há muito tempo têm sido realizadas por cientistas sociais para questões como essas, o que é novo é a escala em que elas passam a ocorrer a partir dos anos de 1970 nos países capitalistas centrais, e o ambiente mais receptivo que passa a existir por parte dos governos. De fato, muitos pesquisadores já se tinham interessado por questões ligadas à atuação do governo e às políticas públicas. Esse movimento recente, entretanto, se caracterizou por oferecer uma nova abordagem e por tentar superar problemas atinentes aos 55 entendidos a não ser em função das relações de poder que se manifestam entre esses grupos. É o que se pode denominar nível dos interesses dos atores; 3 - Das relações entre Estado e sociedade. É o nível da estrutura de poder e das regras de sua formação, o da “infraestrutura economicomaterial”. É o determinado pelas funções do Estado que asseguram a reprodução econômica e a normatização das relações entre os grupos sociais. É o que explica, em última instância, a conformação dos outros dois níveis, quando pensados como níveis da realidade, ou as características que assumem as relações a serem investigadas, quando pensados como categorias analíticas. Este nível de análise trata da função das agências estatais que é, em última análise, o que assegura o processo de acumulação de capital e a sua legitimação perante a sociedade. É o que se pode denominar nível da essência ou estrutural. A análise deve desenvolver-se de forma reiterada (em ciclos de retroalimentação) do primeiro para o terceiro níveis e vice versa buscando responder as questões suscitadas pela pesquisa em cada nível. Como indicado, é no terceiro nível onde as razões últimas destas questões tendem a ser encontradas, uma vez que é ele o responsável pela manutenção da estabilidade política e pela legitimidade do processo de elaboração de políticas. No momento de formulação, através da filtragem das demandas, seleção dos temas e controle da agenda mediante um processo cujo grau de explicitação é bastante variável. Ele vai desde uma situação de conflito explícito, onde há uma seleção “positiva” das demandas que se refere às funções que são necessárias para manutenção de formas de dominação na organização econômica, como suporte à acumulação de capital e resolução de conflitos abertos até uma de “não- decisão”, que opera no nível “negativo” da exclusão dos temas que não interessam à estrutura capitalista (como a propriedade privada, ou a reforma agrária), selecionando os que entram ou não na agenda através de mecanismos que filtram ideologicamente os temas e os problemas. Nos momentos da implementação e da avaliação outros mecanismos de controle político se estabelecem tendo por cenário os dois primeiros níveis e, como âmbito maior e mais complexo de determinação, o terceiro. É através do trânsito entre estes três níveis que, depois de várias reiterações, é possível conhecer o comportamento da “comunidade política” presente numa área 56 qualquer de política pública, e desta maneira chegar a identificar as características mais essenciais de uma política. Este processo envolve examinar a estrutura de relações de interesses políticos construídos pelos atores envolvidos; explicar a relação entre o primeiro nível superficial das instituições e o terceiro nível mais profundo da estrutura econômica. Assim, pode-se dizer que a análise de uma política implica, primeiramente, em identificar as organizações (instituições públicas) com ela envolvidas e os atores que nestas se encontram em posição de maior evidência. Em seguida, e ainda no primeiro nível (institucional) de análise, identificar as relações institucionais (isto é, aquelas sancionadas pela legislação) que elas e seus respectivos atores-chave mantêm entre si. Passando ao segundo nível, passa-se a pesquisar as relações que se estabelecem entre esses atores-chave que representam os grupos de interesse existentes no interior de uma instituição e de grupos externos, situados em outras instituições públicas e em organizações privadas. As relações de poder, coalizões de interesse, formação de grupos de pressão, cooptação, subordinação etc., devem ser cuidadosamente examinadas de maneira a explicar o funcionamento da instituição e as características da política. A determinação de existência de padrões de atuação recorrente de determinados atores-chave e sua identificação com o de outros atores, instituições, grupos econômicos, partidos políticos etc., de modo a conhecer os interesses dos atores, é o objetivo a ser perseguido neste nível de análise. O terceiro nível de análise é, finalmente, o que permitirá, mediante uma tentativa sistemática de comparar a situação observada com o padrão (estrutura de poder e das regras de sua formação) conformado pelo modo de produção capitalista ─ sua “infraestrutura economicomaterial” e sua “superestrutura ideológica” ─, explicá-lo. É através do estabelecimento de relações entre a situação específica que está sendo analisada ao que tipicamente tende a ocorrer no capitalismo avançado (ou periférico, no caso latino-americano) que se pode chegar a entender a essência; isto é, entender porque as relações que se estabelecem entre as várias porções do Estado e destas com a sociedade são como são. 57 Pode-se entender o percurso descrito como uma tentativa sistemática de percorrer este “caminho de ida e volta” apoiando-se sempre no “mapa” que este terceiro nível de análise proporciona. 2.6. O enfoque do Planejamento Estratégico Situacional O Planejamento Estratégico Situacional, método PES, surge em meados da década de 1970 como resultado da busca de uma ferramenta de suporte ao mesmo tempo científica e política para o trabalho cotidiano de dirigentes públicos e outros profissionais em situação de governo. Seu criador foi o ex-ministro de planejamento chileno do governo Allende, Carlos Matus. Nas suas próprias palavras, o método PES nasceu de um longo processo de reflexão que teve lugar no período em que ele ficou preso em função do golpe militar que levou à morte do presidente Allende, em setembro de 1973. Essa reflexão, o levou a formular uma crítica ao planejamento governamental tradicional e propor um método alternativo, que levasse em conta o caráter situacional (situação do ator que planeja) e estratégico que deveria possuir o planejamento, em especial aquele necessário para lidar com as particularidades do Estado latino-americano. A leitura de qualquer um dos vários livros que escreveu revela que essa crítica tem como pressupostos muitos dos conteúdos abordados pelo enfoque da Análise de Políticas. Aspecto que ficou ainda mais patente para os que tiveram a oportunidade de serem alunos do Prof. Matus. Por estar baseado em pressupostos muito semelhantes aos da Análise de Política, o método PES é uma alternativa ao planejamento tradicional e, por isso, foi escolhido como um dos fundamentos deste curso de GEP. Também o foi o fato de ele ter sido concebido através do aprendizado proporcionado por sucessivas experiências de planejamento governamental em países periféricos, que permite que o Curso que aqui se apresenta conte com um repertório de instrumentos e metodologias que adicionam à reflexão sobre Análise de Políticas preocupações mais realistas e próximas do contexto latino-americano. Dado que, tal como indicado acima, não cabe aqui uma apresentação sistemática da proposta do PES, se destaca a seguir alguns pontos que a tornam apropriada para servir de fundamento à disciplina de GEP: 60 chegar a um ponto rigidamente pré-determinado (farol). Quando o mais importante, naquela conjuntura, é chegar logo à costa, ainda que num ponto distinto do que se havia programado, de maneira segura e aproveitando as condições que se apresentarem. A bússola é o que nos permitirá, inclusive, saber o quanto estamos nos afastando daquele ponto e quais os inconvenientes que isto nos poderá causar. Gerar um produto adequado a um cenário postulado como desejável (farol), mas numa situação em que o contexto sócio-econômico e político é cambiante, assim como o são os interesses e projetos políticos dos atores que se quer favorecer, sobretudo quando é difícil visualizar sua provável evolução, não é o mais sensato. O que não quer dizer, é claro, que devamos deixa o barco à deriva. Nossa bússola é, justamente, a metodologia que apresentamos neste capítulo. Por trabalhar com situações-problema que derivam do ambiente sócio-econômico e político em que estamos “velejando” e que são definidas no âmbito dos atores que nos interessa promover e que por isso trazem embutidos seus valores e interesses, ela é mais eficaz do que qualquer “farol” que a priori, antes de começar a viagem, possamos divisar. Ela começa com a construção de um mapa cognitivo de uma determinada situação-problema. Este mapa pode ser considerado, para todos os efeitos, como um modelo descritivo de uma realidade complexa sobre a qual, num momento normativo posterior, com o emprego da Metodologia de Planejamento de Situações (MPS), elaborar-se-ão estratégias especificamente voltadas a alterar a configuração atual descrita. A Metodologia de Diagnóstico de Situações (MDS) busca viabilizar uma primeira aproximação aos conceitos adotados para o PEG e ao conjunto de procedimentos necessários para iniciar um processo dessa natureza numa instituição pública, de governo. Do ponto de vista mais formal e enfatizando seu caráter pedagógico mais do que o de ferramenta de trabalho que ela possui, a MDS pode ser considerada como uma variação da metodologia do estudo de caso ou do “método do caso”23, amplamente utilizada desde o início do século XX nas Escolas de Direito e de Administração (pública e de empresas) em todo o mundo. Sem pretender comparar esse método de ensino com a MDS, mesmo porque esta possui 23 Sem aprofundar, vale mencionar a distinção que fazem Aragão e Sango (2003) entre esses dois termos. 61 um caráter que pretende transcender em muito esta condição, ou criticar a forma com foi concebido ou tem sido utilizado24, cabe enfatizar que os esforços iniciais para a sua concepção e utilização, realizados por Carlos Matus, se dão em ambientes de governo para resolver problemas concretos e não para a “construção” ou idealização de casos úteis para o ensino de Administração. Na primeira parte desse capítulo, que engloba as duas primeiras seções, são apresentados conceitos como Ator Social e Jogo Social, e são apontadas diretrizes para a ação estratégica. Na sua segunda parte é apresentada uma visão sobre os condicionantes da ação de governo a partir de alguns conceitos como projeto de governo, governabilidade, a capacidade para governar, o tempo e a oportunidade. Especial destaque se dá ao Triângulo de Governo como ferramenta para a análise de Governabilidade. Na terceira parte é apresentada a maneira como se dá o tratamento de problemas no âmbito da metodologia. É apresentado o conceito de problema (em tudo análogo ao de situação- problema) e são exemplificados os procedimentos adotados para sua identificação e formulação adequada. Na quarta parte são apresentados os procedimentos para a construção do fluxograma explicativo da situação. Fica ali evidente a relação que essa metodologia possui com as metodologia de modelização e de mapas cognitivos e com os trabalhos sobre Planejamento Estratégico Situacional, desenvolvidos pelo Prof. Carlos Matus. O diagnóstico de uma situação é a base para a definição das ações em um plano estratégico, assunto que é desenvolvido no capítulo que segue, referente à Metodologia de Planejamento Situacional. 3.1. Uma visão preliminar do resultado Uma visão preliminar do resultado da aplicação da MDS pode ser obtida através de um exemplo bem simples, ainda que sofrido pelos Palmeirenses, que mostra os problemas identificados por um ator ─ o time do Palmeiras ─ no âmbito de uma situação-problema, a sua derrota frente ao Corinthians. 24 Kliksberg (1992), Costa e Barroso (1992) e Aragão e Sango (2003), entre outros, sistematizaram algumas dessas críticas de modo bastante acertado e que se mostrou útil para a concepção das melhorias que fomos ao longo do tempo introduzindo na MDS. 62 Frente à derrota, o presidente do Palmeiras reuniu os jogadores para entender porque o time foi derrotado e buscar soluções. Iniciou a reunião perguntando a cada jogador: qual foi a causa da derrota, e pediu que cada um escrevesse numa ficha esta causa. Pediu também que os jogadores respondessem usando uma ficha para cada problema com uma frase objetiva, curta, direta, com poucas palavras, ressaltando que não colocassem mais de um problema na mesma folha; se quisessem indicar mais de um problema, deveriam usar outra ficha. E que, de preferência, a frase não começasse com “falta ...”, pois se fosse assim o enunciado do problema já estaria enunciando a sua solução ─ providenciar o que está faltando ─, e isso deveria ser evitado para que se pudesse ter uma visão mais adequada da situação-problema como um todo. Finalmente, pediu que evitassem o ruído do tipo 1: eu falo x e o outro entende y e, também, o do tipo 2: eu acho que falei m mas, na realidade, falei n. Vejamos o que eles conseguiram (ver Figura 3.1.1): FIGURA 3.1.1: QUAL FOI A CAUSA DA DERROTA SEGUNDO OS JOGADORES Em seguida, eles tentaram ordenar os problemas identificados colocando as causas mais determinantes à esquerda. O resultado foi o seguinte (ver Figura 3.1.2): JOGADORES QUEREM SAIR DO PALMEIRAS PALMEIRAS POUCO MOTIVADO POUCAS JOGADAS COM CHANCE DE GOL CORINTHIANS BEM PREPARADO E MOTIVADO ATRITOS ENTRE JOGADORES E DIRIGENTES JOGO LENTO E MÁ PONTARIA ATRASO DE PAGAMENTO NO PALMEIRAS CORINTHIANS POSSUI MAIS SÓCIOS PALMEIRAS COM MÁ PREPARAÇÃO FÍSICA BAIXA RENDA NOS JOGOS 65 O diagnóstico inicial de problemas que conformam uma situação-problema a ser enfrentada por um ator pode ser visto como o resultado do jogo realizado por um conjunto de atores num momento pretérito. 3.5. Características do Jogo Social É possível caracterizar o agir social como um jogo que pode ser de natureza cooperativa ou conflitiva. Num no jogo social, diferentes jogadores têm perspectivas que podem ser comuns ou divergentes e controlam recursos que estão distribuídos entre os jogadores segundo suas histórias de acumulação de forças em jogos anteriores. Um conjunto de jogos sociais conforma um contexto que pode ser entendido como um sistema social. Mas, diferentemente de jogos esportivos, por exemplo, no jogo social, ou no jogo político que tipicamente ocorre nas atividades de GEP, as regras do jogo podem alterar-se em função de jogadas e de acumulações dos jogadores. 3.6. Os Momentos da Gestão Estratégica A Gestão Estratégica pode ser entendida como uma composição de quatro momentos principais25 (ver Quadro 3.6.1): QUADRO 3.6.1: QUATRO MOMENTOS DA GESTÃO ESTRATÉGICA FONTE: elaborado pelo autor. 25 “Momento” é uma instância repetitiva, pela qual passa um processo encadeado e contínuo, que não tem princípio nem fim bem demarcados (MATUS, 1996:577). O conceito não tem uma característica meramente cronológica e indica instância, ocasião, circunstância ou conjuntura, pela qual passa um processo contínuo ou em cadeia, sem começo nem fim bem definidos. 66 Adotamos aqui a nomenclatura “momento” conforme proposta por Matus, como crítica à concepção de planejamento convencional como sendo composto por um conjunto de etapas ou de fases separadas e estanques. Os momentos indicados no diagrama e as atividades que implicam podem ser assim caracterizados: DIAGNÓSTICO: Explicar a realidade sobre a qual se quer atuar e mudar; foi, é e tende a ser. FORMULAÇÃO: Expressar a situação futura desejada ou o Plano; o que deve ser. ESTRATÉGIA: Verificar a viabilidade do projeto formulado e conceber a forma de executá-lo; é possível? como fazer? OPERAÇÃO: Agir sobre a realidade; fazer, implementar, monitorar, avaliar. 3.7. A análise de Governabilidade - o Triângulo de Governo O conceito de Governabilidade pode ser entendido através de uma ferramenta simples e muito útil para a análise de viabilidade política de projetos e de ações de governo: o Triângulo de Governo (ver Figura 3.7.1). Esse modelo é formado por três variáveis interdependentes que se encontram nos seus vértices. Correndo o risco da simplicidade excessiva, pode-se dizer que Governar é controlar de forma adequada essas três variáveis. O Triângulo de Governo que expressa o balanço entre elas pode ser esquematicamente concebido como a área da figura. Um grupo político que pretende governar formula um Projeto de Governo, que pode ser entendido como o conjunto dos objetivos que ele possui e que expressam os desejos da parte da população que o elegeu conferindo Apoio Político ao governo eleito. Este Projeto de Governo é posteriormente transformado num conjunto de planos, dando origem à GEP. É intuitiva a idéia que o Apoio Político, em qualquer mandato de um governo eleito, começa alto e tende a diminuir. Como também o é a de que um Projeto de Governo que não pretende mudar a situação previamente existente ─ um projeto meramente “administrativo” ─ não irá requerer uma alta governabilidade, pois não existirão muitos obstáculos à sua ação. Ao contrário, um Projeto de Governo “transformador”, que expressa uma grande ambição do ator social de mudar a situação previamente existente exigirá alta governabilidade. Então, o grau de Governabilidade que um ator social precisa para 67 governar é inversamente proporcional ao Projeto de Governo, entendido, este, como a ambição de mudar a situação previamente existente. FIGURA 3.7.1: TRIÂNGULO DE GOVERNO projeto de governo apoio político capacidade de governo balanço de governabilidade governabilidade = “área” do triângulo para manter g acima de um patamar mínimo, o governante deve obter um balanço favorável entre a, c e p. FONTE: elaborado pelo autor. O sistema em que está inserido o Projeto de Governo não é passivo. As resistências e os apoios indicam uma relação de forças que expressam a maior ou a menor sustentação política que o ator social que governa possui para implementar seu projeto político. Esse “Apoio Político” que a sociedade confere ao governante a ao seu Plano de Governo pode ser entendido também como a força (que o ator possui) para “fazer acontecer”, está representado no vértice esquerdo do Triângulo. É também intuitiva a idéia que a Governabilidade é diretamente proporcional ao Apoio Político com que conta o ator social. A equipe dirigente deve analisar, para cada projeto ou proposta de governo, qual é o efetivo apoio/rejeição/desinteresse de atores políticos. No caso de um governo municipal, eles serão o(a) Prefeito(a), secretariado, movimentos sociais e sindicais, apoio partidário, opinião pública, legislativo, meios de comunicação, formadores de opinião... O controle dos aspectos que integram o sistema depende da capacidade que o dirigente possuir para implementar seu projeto, construindo resultados, mudando a realidade e ampliando, assim, sua Governabilidade. 70 Antes das eleições, a população pode votar num candidato porque acha que ele sabe governar, por ele falar bem, ser simpático, defender uma parte importante da população etc. O apoio político inicialmente não depende da capacidade de governo. Todavia, no momento posterior, depois se assumir o mandato, o apoio político não será um mero reflexo da plataforma política ou da simpatia da população pelas idéias da equipe que governa. Depois que o governo está em execução a simpatia não é tão importante como era quando da eleição. A partir desse momento, o apoio político se torna proporcional à capacidade de governo. E, neste segundo caso, como se pode ver no gráfico (ver Figura 3.7.3), a partir de um determinado momento a curva de apoio político começa a subir. Para manter a Governabilidade a equipe não precisará sacrificar o Projeto de Governo (ambição de mudar a situação existente). Ele poderá ser mantido até o fim e o governo terminará depois do término previsto. Ou seja, a equipe poderá fazer a sua sucessora. FIGURA 3.7.3: GRÁFICO DO APOIO POLÍTICO E CAPACIDADE DE GOVERNO + - Capacidade de governo Apoio Político Período Efetivo de Governo FONTE: elaborado pelo autor. Dessas evidências surge o argumento de que o tempo que a equipe de governo demora a adquirir capacidade de governo é uma variável crítica. Tempo este que, na realidade, não pode ser considerado como um tempo de governo. Enquanto a equipe está adquirindo capacidade de governo, enquanto a curva não ultrapassa a linha horizontal mostrada no gráfico, alguém, que não ela, está de fato governando. É um tempo durante o qual a tendência é de perda de apoio político. 71 3.8. A situação-problema como objeto da Gestão Estratégica Pública Introduzido o conceito de Governabilidade, é possível aprofundar o entendimento do conceito de situação-problema e o papel que ela desempenha na GEP. Esta seção parte da idéia de que qualquer situação pode ser entendida pelo ator com ela envolvido como o resultado, o “placar”, de um jogo. E que esta situação pode ser por ele encarada como um problema a resolver. Ou seja, o êxito em um jogo será a solução de um problema ou a mudança do placar. Neste contexto, portanto, situação, problema e situação-problema são, para todos os efeitos, sinônimos. Pode-se entender a realidade social como um grande jogo integrado por muitos jogos parciais e que possuem suas próprias regras, em que atores se vêem envolvidos ou procuram se envolver. Em todos os jogos há alguns jogadores e alguns espectadores: nenhum ator social participa de todos os jogos. O governante, o ator que planeja ou o encarregado da gestão de uma situação pode ser vistos como um jogador que, com suas ações, produze acumulações procurando alterar o resultado do jogo. É com base nessas acumulações que ele pode ampliar, ou reduzir, sua capacidade de produzir novas jogadas e alterar a situação inicial. Este é o mecanismo básico através do qual se acumula ou se desacumula poder e se produz, ou não, mudanças significativas sobre uma dada situação-problema. Observar a ação de governo, que gera acúmulos de poder e resultados socialmente valorizados, é uma atividade-chave da GEP. Essa observação exige: a identificação dos jogos e dos problemas em que o ator que planeja está envolvido; a determinação de sua relação com outros problemas e jogadores; a identificação de suas manifestações sobre a realidade ou das evidências que permitam verificar se o problema está se agravando ou sendo solucionado pela ação de governo; a diferenciação entre as causas e as conseqüências dos vários jogos parciais. 3.9. Conceito de Problema (ou situação-problema) O elemento central do momento de Diagnóstico é a produção de um quadro que identifique e relacione entre si os problemas mais relevantes associados a uma dada situação (Instituição etc.) em um determinado momento. Recordando, um 72 problema, ou uma situação problema, é o resultado de um jogo. É algo que o ator declare como insatisfatório e evitável. Um problema é estruturado quando é possível: enumerar todas as variáveis que o compõem; precisar todas as relações entre as variáveis; fazer com que todos os jogadores reconheçam como tal a solução proposta. E é quase-estruturado, quando se podem: enumerar apenas algumas das variáveis que o compõem; precisar apenas algumas das relações entre as variáveis; entender suas soluções como, necessariamente, situacionais. Isto é, aceitáveis para um ator e vistas com restrições por outros. Os problemas produzidos pelos jogos sociais e por inclusão os que são alvo da GEP são quase-estruturados. Um problema quase-estruturado pode conter, como elementos parciais, problemas estruturados. Isto é, os problemas estruturados não existem na realidade social, salvo como aspectos ou como partes de problemas quase estruturados. 3.10. Tipos de Problemas No jogo social são produzidos três tipos de problema. Adotando como referencial o tempo, o significado e a natureza do seu resultado para um determinado ator, o problema pode ser: uma ameaça, isto é, um perigo potencial de perder algo conquistado ou agravar uma situação; uma oportunidade, isto é, a possibilidade que o jogo social abre e sobre a qual o ator pode agir para aproveitá-la com eficácia ou desperdiçá-la; um obstáculo, ou seja, uma deficiência passível de ser atacada através da adequada observação e qualificação do jogo em curso. É possível classificar os problemas quanto a: tempo: atuais ou potenciais; governabilidade: controle total, baixo controle e fora de controle; abrangência: nacionais, locais, específicos, estaduais, municipais; estruturação: estruturados ou quase-estruturados. O enfrentamento de problemas já criados ou presentes é um ato reativo. O enfrentamento das ameaças e das oportunidades é um ato propositivo. A ação de caráter propositivo é um objetivo a ser perseguido permanentemente pelo ator que busca melhores resultados e mais possibilidades de êxito. Tais possibilidades, no entanto, não estão usualmente sob controle dos dirigentes públicos. Ao assumir a frente de uma organização ou instância de governo, a escala e a gravidade dos 75 3.14. A Descrição de um Problema Um problema deve ser descrito por intermédio de fatos verificáveis através dos quais ele se manifesta como tal em relação ao ator que o declara. Esses fatos devem ter sua existência amplamente aceita para que possam ser validados. A descrição de um problema é relativa ao ator que o declara: o resultado de um jogo pode ser um problema para um ator, uma ameaça para um segundo, um êxito para um terceiro e uma oportunidade para um quarto. A descrição de um problema deve precisar seu significado e torná-lo verificável mediante os fatos que o evidenciam. A descrição de um Problema deve: 1) reunir suas distintas interpretações possíveis em um só significado; 2) precisar o que deve ser explicado: definir seu significado em termos de quantidade e de qualidade, de tempo e de localização; 3) evidenciar o problema de uma forma monitorável, isto é, que permita o acompanhamento de sua evolução; 4) permitir que sejam previstas ou definidas fontes de verificação para a descrição construída. Exemplos de descrição de Problemas (ver Figura 3.14.1): FIGURA 3.14.1: DESCRIÇÃO DE PROBLEMAS FONTE: elaborado pelo autor. 76 3.15. A Explicação da Situação-problema O conceito de diagnóstico aqui adotado está referido à forma como os atores participantes de um jogo social observam e, portanto, explicam a realidade em que estão inseridos. Toda explicação pressupõe reflexão. É ela que permite que o ator perceba possibilidades para transformar ou para manter uma dada situação. Para explicar um problema, é necessário fazer uma distinção entre: i) Causas (o problema se deve a); ii) Descrição (o problema se verifica através de); iii) Conseqüências (o problema produz um impacto em). As causas imediatas da decisão de um jogo são as jogadas (fluxos ou movimentos). Para produzir jogadas, é necessário capacidade de “produção” (acumulações ou potenciais que os jogadores possuem ou utilizam). Mas as jogadas válidas são aquelas permitidas pelas regras estabelecidas para cada jogo. Explicar uma situação ou um problema é construir um modelo explicativo de sua geração e de suas tendências. Devem-se precisar as causas diferenciando-as e indicando se são fluxos (jogadas), acumulações (capacidades ou incapacidades) ou regras. O modelo explicativo se completa quando as causas são inter-relacionadas. 3.16. A diversidade das Explicações Situacionais Uma mesma realidade pode dar margem a diversas explicações. A carga de subjetividade que anima o diagnóstico de situações implica em: 1) distintas respostas para uma mesma pergunta; 2) distintas perguntas sobre uma mesma situação (as perguntas relevantes são distintas para os distintos jogadores); 3) distinta seleção do foco de atenção sobre a realidade. Explicar uma realidade implica em distinguir entre explicações. Para explicar uma situação que me afeta preciso compreender a explicação do outro, incluindo o que o ele pensa sobre minha explicação. Quanto maior for a minha capacidade de entender a explicação do outro, maior será a probabilidade de êxito das minhas jogadas e de ser mais potente minha ação. 3.17. O Fluxograma Explicativo da Situação A visualização gráfica do resultado da aplicação da Metodologia de Diagnóstico de Situações é a mesma proposta por Matus (1993) para o seu 77 fluxograma explicativo situacional. O fluxograma é um mapa cognitivo que busca sintetizar a discussão realizada por uma equipe sobre uma determinada situação- problema. A sua estruturação é baseada no estabelecimento de relações de causa e de efeito entre as variáveis que a conformam. Um fluxograma situacional, como aquele apresentado no início deste capítulo, referente à derrota do Palmeiras, deve permitir uma rápida interação entre a equipe que realiza o trabalho de análise de problemas e o tomador de decisões que a solicitou, porque: mostra, num golpe de vista. A elaboração de um modelo explicativo do problema por uma equipe faz com que ela construa uma síntese rigorosa, seletiva e precisa, com base em nós explicativos concisos e monitoráveis; facilita a permanente adaptação da explicação à mudança da situação; facilita a compreensão, restringindo a possibilidade de ambigüidades devido ao uso de uma simbologia simples e uniforme. A Figura 3.17.1 mostra um exemplo de fluxograma situacional elaborado por funcionários de um governo municipal com o objetivo de processar a situação- problema enunciada inicialmente como: “os programas e ações da Prefeitura padecem de descontinuidade”. FIGURA 3.17.1: FLUXOGRAMA SITUACIONAL 3.18. Seleção de Nós Críticos A GEP exige o compromisso de atuar sobre problemas e situações como algo preciso e operacional. De outra maneira, a reflexão como suporte à tomada de decisões não leva à ação efetiva nem se revela prática. FIGURA 3.18.2: FLUXOGRAMA EXPLICATIVO eqveduiro op sessououd sep ojusu duro ogN oxsensuupe ep usbeu ep aiseficeg FEPUSIE DES ou onnediansecs fesemoeuisnos! Iapepipqeusarog Rca L=——S I I 4, p= ——— Ispepuigeuaneo eipeiy E p-——— [PR env Il PR | tedojuniy oiessta sony sepugnbesuo) soaseg sesneg seudureo ap Iedojuny esmuepas 118207 80 81 CAPÍTULO IV: METODOLOGIA DE MODELIZAÇÃO 4. Introdução27 Este capítulo tem por finalidade apresentar uma metodologia apropriada para a análise de sistemas e para a construção de modelos. Seu emprego, no âmbito da Gestão Estratégica Pública se dá, fundamentalmente, para proceder à análise de sistemas complexos normalmente encontrados em ambientes de governo de modo a proceder à sua modelização e posterior tratamento por outras metodologias usualmente empregadas neste âmbito, como as apresentadas em outros capítulos. Este capítulo baseia-se extensamente em trabalhos desenvolvidos por Cláudio Porto e Sérgio Buarque, Michel Godet, Edgar Morin, Gilberto Gallopín e, antes deles, por Oscar Varsawsky. 4.1. Sistemas e enfoque sistêmico A Gestão Estratégica Pública requer o emprego da Metodologia de Modelização ou, mais simplesmente, do enfoque sistêmico (ou, como se indicará mais adiante, do pensamento complexo, que é outra expressão para designar mais ou menos a mesma coisa) por duas razões principais. Por um lado, porque a apreensão de uma política, ou do conjunto das organizações com a qual se relaciona, como um sistema passível de modelização, é um significativo facilitador. Por outro, porque a relação deste sistema ─ o ambiente de governo onde ocorrem as ações de gestão ─ com seu entorno mais amplo ─ o contexto socioeconômico ─, e mais ainda a sua dinamização mediante o exercício da análise prospectiva, também se vêem facilitadas com o emprego do enfoque sistêmico. De acordo com o enfoque sistêmico, as propriedades essenciais de um organismo, uma sociedade, ou outro sistema complexo, são propriedades do todo, que surgem das interações e relações entre suas partes. As propriedades das partes de um sistema, por sua vez, não são intrínsecas a elas mesmas, e só podem ser entendidas em relação a um contexto maior. Este enfoque não se concentra nas partes ou nos blocos de um edifício maior, mas em princípios básicos de organização. Ele é, por oposição, "contextual". 27 Este Capítulo é uma versão revista e ampliada do capítulo 4 do livro Dagnino, Renato e outros (2002): Gestão Estratégica da Inovação: metodologias para análise e implementação. Taubaté, Editora Cabral Universitária, 350 p. 82 O emprego do enfoque sistêmico implica em duas tarefas básicas. A primeira é a identificação dos componentes ou aspectos mais significativos do sistema e o entendimento das inter-relações causais mais importantes, que permitem avaliar o impacto de mudanças originadas num componente em outras partes do sistema e no sistema como um todo. A segunda tarefa é entender a dinâmica do sistema: além de entender a estrutura dos componentes e das relações, é essencial a análise das forças que geram o comportamento do sistema de modo a evidenciar a maneira como diferentes componentes e processos interagem funcionalmente gerando as respostas do sistema e dando origem a novas propriedades. Isto é, como o sistema se adapta e se transforma. Na seção intitulada “Operadores de complexidade e Tetragrama Organizacional” se oferece um detalhamento acerca de como se pode operacionalizar essas tarefas. Apesar do emprego crescente do enfoque sistêmico, ele não é a norma no ambiente da gestão pública. Isto embora já se possa depreender do dito acima que olhar para o todo e não somente para as partes, e com um estilo de abordagem interdisciplinar, seja crucial para dar conta da complexidade dos ambientes de governo e seja um requisito para a sua boa gestão. 4.2. O conceito de Sistema Avançando conceitualmente, é possível entender o sistema como uma porção de uma realidade qualquer concebida como um conjunto de elementos (aspectos ou componentes) relacionados. Estes elementos podem ser moléculas, organismos, máquinas ou partes deles/delas, entidades sociais, pessoas ou até mesmo conceitos abstratos. As inter-relações, ou "relações" entre os elementos podem ser de diferentes tipos (transações econômicas, fluxos de informação, energia, determinações causais de natureza política etc.). Como já foi mencionado, mas vale ressaltar, o comportamento e propriedades de um sistema não decorrem apenas das propriedades dos elementos que o compõem, mas sim, em grande medida, da natureza e intensidade das relações dinâmicas entre eles. Isto é particularmente verdade em sistemas sociais, que podem ser considerados a unidade básica envolvidas em processos complexos, como os atinentes ao governo de países ou o desenvolvimento de sociedades. 85 Além disso, sistemas complexos “reflexivos”, como os relativos às interações humanas ou a organizações e instituições, podem “apreender” com a própria evolução produzindo novos padrões de resposta e novas relações. Neste tipo de sistemas, outra fonte “dura” de incerteza é a do “efeito Heisenberg”, em que a simples observação e análise se tornam parte da atividade do sistema, influenciando seu comportamento. Isto é bem conhecido nos sistemas sociais “reflexivos”, em que ocorrem fenômenos como “perigo moral”, profecias autocumpridas e pânico de massa. Enquanto alguns dos atributos acima, típicos de sistemas complexos, podem ser encontrados em sistemas simples (como a não-linearidade e a incerteza) ou “complicados”, é provável que qualquer sistema complexo apresente um grande número desses atributos. 4.5. Sistema, contexto, e variáveis endógenas e exógenas O conceito de componente ou aspecto de um sistema pode ser tomado como primitivo. A palavra "sistema" já evoca um conjunto de componentes interconectados, como as peças de um mecanismo ou as partes de um organismo. Aos componentes de um sistema se associam atributos do modelo. A palavra "variável" designa um atributo do modelo associado a uma característica ou aspecto do sistema que possui vários valores possíveis; os quais podem variar no tempo. O comportamento de um sistema descreve-se ao longo do tempo mediante um conjunto de atributos, características, sintomas ou índices do modelo. Estas séries temporais se denominam "variáveis de estado" (ou, simplesmente, variáveis) porque seus valores em um tempo dado constituem por definição o estado do sistema neste momento. Um sistema pode ser entendido como uma “caixa preta” em que só se distinguem suas saídas (características que descrevem o que ele faz ou produz, o resultado de sua atividade) e entradas (fatores variáveis que tendem a influir sobre a saída). Não se analisa o interior da caixa: o mecanismo de funcionamento ou “teoria” de comportamento do sistema. Esta perspectiva é um tanto limitada, mas "entrada" e "saída" são conceitos importantes. Existem sistemas cuja correta definição, explicação, ou normatização (prescrição) não pode ser realizada sem a consideração do contexto no qual ele 86 está inserido. Isto porque sistemas deste tipo possuem relações de determinação do seu comportamento pelo seu contexto, tão fortes que tornam imprescindível a consideração de algumas de suas características. Quando se trabalha com um sistema deste tipo, é necessário incluir na sua modelização estas características do contexto que explicam essas relações. Estas características quando, através da modelização, se transformam em variáveis, são denominadas variáveis exógenas. As variáveis do modelo podem, então, ser de natureza endógena ─ quando correspondem a aspectos gerados internamente ao sistema ─ ou exógenas ─ aspectos gerados externamente ao sistema. Estas, embora correspondentes a características do contexto em que o sistema está inserido, e não ao sistema propriamente dito, são imprescindíveis para sua modelização. A caracterização destas variáveis (ademais, é claro, das de natureza endógena) permite, então, descrever, explicar, prescrever (momento prescritivo ou normativo) ou planejar ações a serem implementadas sobre sistemas que possuem fortes relações de determinação do seu comportamento pelo seu contexto. Um modelo compreende não apenas um conjunto de variáveis selecionadas por analogia às características de uma realidade delimitada (sistema), mas as relações de causa e efeito (imputadas pelo ator que modeliza) que explicam a trajetória seguida pelo modelo, seja ela “natural” ou forçada por ações planejadas e implementadas. A Figura 4.5.1 abaixo mostra, no seu lado esquerdo, um sistema (S), objeto de interesse do ator, inserido num outro sistema maior, denominado ambiente ou contexto. O processo de modelização dá origem a um modelo do sistema (S’) indicado através de uma figura mais regular de maneira a sugerir as simplificações e reduções que o processo impõe. O modelo contém um número de variáveis muito inferior ao número de aspectos ou características do sistema. E o número de variáveis sobre as quais, mediante a escolha do planejador, será exercida alguma ação de gestão é ainda muito menor. 87 FIGURA 4.5.1: MODELIZAÇÃO Contexto Sistema (S) Modelização VEx VEn S’ Sistema S Infinitos aspectos e desconhecidas relações de causa-efeito Modelo S’ Variáveis Endógenas (VEn) + Variáveis Exógenas (VEx) + Relações de causa-efeito inputadas FONTE: elaborado pelo autor. Resumindo, um modelo compreende um conjunto de variáveis endógenas (cujo comportamento é determinado internamente ao sistema, em função de relações de causalidade a ele internas) e exógenas (cujo comportamento é determinado externamente ao sistema, em função de relações de causalidade que guardam com variáveis pertencentes ao contexto) selecionadas de uma realidade delimitada (sistema) e as relações de causa e efeito (imputadas pelo ator que modeliza para planejar) que explicam a trajetória seguida pelo modelo, seja ela “natural” ou forçada por ações planejadas e implementadas. 4.6. Realidade, modelização e modelo Esta seção e as que seguem têm por objetivo apresentar procedimentos de modelização de sistemas através dos quais o enfoque sistêmico pode ser correntemente utilizado para o tratamento de realidades complexas e o acompanhamento de sua evolução ao longo do tempo. Para introduzir o conceito de modelização cabe ressaltar que a modelização de um sistema que é observado na realidade ocorre quase sempre de maneira implícita e quase inconsciente para atender a uma finalidade qualquer. Os historiadores fazem modelos de civilizações, países, épocas; os novelistas fazem modelos de grupos humanos imaginários. A anatomia, fisiologia e psicologia, mais o exame clínico, dão ao médico um modelo de seu paciente. As leis físicas são modelos que 90 realidade que serão buscadas (Que tipo de relações existem entre os aspectos? Que hipótese de relação causal entre as variáveis do modelo podem ser formuladas?). Uma hipótese de relação causal afirma que determinado aspecto, característica, ocorrência ou variável (X) é um dos fatores que determinam o comportamento de outra variável (Y). O senso comum costuma postular que um único fenômeno (a causa) sempre provoca outro fenômeno (ou variável) único (a conseqüência ou efeito). O enfoque sistêmico (ou pensamento complexo) coloca a necessidade de pesquisar as condições que tornam provável a ocorrência de um determinado fenômeno a partir da análise de outros fenômenos (ou variáveis). O senso comum sugere que haja uma causa (condição) necessária e suficiente para cada fenômeno; o enfoque sistêmico procura as condições contribuintes, contingentes e alternativas dos fenômenos. A pesquisa das condições de ocorrência de um fenômeno ou, em outras palavras, a formulação de hipóteses de relação causal entre variáveis, necessária para a modelização de um sistema, pode ser levada a efeito através de uma comparação entre a realidade observada e as seis possibilidades idealizadas a seguir apresentadas. Condição Necessária: para que Y ocorra é necessário que X tenha ocorrido; não é possível que ocorra Y sem que tenha ocorrido X. Exemplo: X (fulano usa drogas)  Y (fulano é viciado em drogas). Condição Suficiente: sempre que X ocorre Y ocorre. Exemplo: X (fulano tem o nervo ótico rompido)  (fulano é cego). Condição Necessária e Suficiente: não é possível que ocorra Y sem que tenha ocorrido X, e sempre que X ocorre, Y ocorre; Y e X sempre ocorrem conjuntamente. Exemplo: X (N é número primo)  Y (N é divisível apenas por 1 e por si próprio). Condição Contribuinte: X aumenta a probabilidade de ocorrência de Y. Exemplo: X (má distribuição de renda)  Y (alta mortalidade infantil) Condição Contingente: X(A)  Y: X, na contingência de A, aumenta a probabilidade de Y. Condição contingente (A) é aquela sob as quais X é causa contribuinte de Y. Uma variável que atua como condição contribuinte de um fenômeno sob uma determinada condição contingente, pode não fazê-lo sob outra. 91 Exemplo: X (má distribuição de renda) e A (falta de saneamento básico)  Y (alta mortalidade infantil) Condição Alternativa: [X1,..., Xn](A)  Y: na contingência de A, X1, X2, ..., Xn aumentam a probabilidade de Y. Exemplo: X (má distribuição de renda) e A (falta de saneamento básico)  Y (alta mortalidade infantil); X1, X2,..., Xn (má distribuição de renda, alcoolismo, corrupção pública) e A (falta de saneamento básico)  Y (alta mortalidade infantil). Dada um sistema que se deseja descrever e explicar, e escolhidos os aspectos que serão transformadas em variáveis do modelo, a comparação dessas seis possibilidades com o que está sendo observado pode ajudar bastante na formulação de hipóteses sobre as relações de causalidade existentes entre as variáveis. 4.8. Operadores de complexidade e Tetragrama Organizacional A proposta do pensamento complexo (ou do que acima nos referimos como enfoque sistêmico) está baseada no conceito de complexus: aquilo que é tecido em conjunto. Para tornar possível o entendimento da maneira como a realidade se auto- organiza, como se dá o processo que resulta em algo que é “tecido em conjunto”, o pensamento complexo propõe os conceitos de Operadores de complexidade e Tetragrama Organizacional. Eles são ferramentas especialmente adequadas para a concepção de modelos descritivos e explicativos de um sistema. São três os operadores de complexidade: Dialógico, Recursivo e Hologramático. Esses operadores podem ser explicados como segue: - Dialógico: o entrelaçar coisas que aparentemente estão separadas (conceber o sistema por constelação e solidariedade de suas partes); - Recursivo: a causa produz um efeito, que por sua vez produz uma causa (produtos e efeitos são ao mesmo tempo causas e produtores daquilo que se produziu); - Hologramático: a parte está no todo, e o todo está na parte (conceber o sistema a partir do núcleo e nunca pelas fronteiras). 92 Tal como já enunciado na seção intitulada “Sistemas e enfoque sistêmico”, o pensamento complexo (ou o enfoque sistêmico) propõe uma série de procedimentos para a explicitação das características e propriedades de um sistema. Ela pode ser sintetizada de forma simples detalhando os procedimentos abarcados pelos três operadores de complexidade através de quatro recomendações: Juntar coisas que estavam separadas; Fazer circular o efeito sobre a causa; Não dissociar a parte do todo; Apreender a totalidade (o todo está na parte assim como a parte está no todo, a simples soma das partes não leva a esse total, a totalidade é mais do que a soma das partes e pode ser menos que a soma das partes, existem qualidades do sistema que emergem da interação entre as partes). Ainda com o objetivo de facilitar o entendimento da maneira como a realidade se auto-organiza, o pensamento complexo propõe o que denomina Tetragrama Organizacional. Partindo da idéia de que qualquer atividade de seres vivos envolve relações entre eles, se propõe a investigação de quatro características dos sistemas estudados: Ordem (regularidades); Desordem (emergências, desavenças); Interação (relações não previstas); Reorganização (para onde vai o sistema). 4.9. Estabilidade, Resistência, Resiliência e Análise de Sensibilidade Os sistemas, em sua estrutura e funcionamento, tendem a alcançar uma organização ajustada às condições impostas por forças controladoras externas. Mantendo-se essas condições, os sistemas permanecem em seu estado ajustado, de estabilidade. O estado de estabilidade não é indicador de equilíbrio estático: as forças controladoras podem variar em intensidade e freqüência e o sistema pode oferecer reações através de mecanismos que absorvem essas oscilações sem mudar as suas características internas. Quando isso ocorre, é porque essas reações levam a um equilíbrio dinâmico, conferindo estabilidade ao sistema. A estabilidade é, então, a capacidade que um sistema apresenta de manter (resistência) ou retornar (resiliência) às condições originais após um distúrbio provocado por forças externas de origem natural ou pela ação humana. A estabilidade é tanto maior quanto menor a flutuação que o sistema apresenta frente às forças externas (resistência), e maior a capacidade de recuperar a sua configuração anterior (resiliência).
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