Baixe Curso de integração pessoal - mário ferreira dos santos e outras Notas de estudo em PDF para Bioquímica, somente na Docsity! MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS CURSO DE INTEGRAÇÃO PESSOAL (contém apenas uma parte do livro original) 2 5 PARTE ESPECIAL NÓS E OS NOSSOS PENSAMENTOS Tu, quem quer que sejas, não podes negar que buscas o bem. Tens uma obra a realizar, uma missão a fazer. Tua atenção está voltada para o que te cabe realizar. Poderias conseguir o que desejas ou que te cabe construir, se desviasses as tuas forças para o que não interessa à realização da meta planejada? Não julgarias desde logo que toda atividade desviada do fim é uma atividade inútil e perdida? Mas, para onde se dirige o teu apetite? Para o bem, sem dúvida. Se o bem é a tua meta, toda atividade que não levar até ele é uma atividade inútil. Portanto, se queres alcançar o teu bem, deves naturalmente planejar a tua ação para que não haja atividades inúteis. Mas, quem deseja realizar alguma coisa, precisa saber onde e quando vai realizá-la. Um arquiteto que deseja construir um prédio precisa conhecer o terreno onde vai elevá-lo. Tu precisas, para alcançar teu bem, saber onde ele está, pois do contrário serias como aquele viandante que procura uma cidade sem saber onde ela está. E assim como o viandante necessita que outros lhe indiquem onde está a cidade que busca, talvez precises, também, saber onde está o teu bem. Raciocinemos juntos: é o teu bem algo a ser criado, ou já existe? Como já vimos até aqui, o teu bem já existe, pois todas as coisas buscam realizar o seu bem. Mas se ele já existe, então para que procurá-lo? Sim, ele já existe, mas é preciso saber onde ele está, da mesma forma que o viandante sabia da existência da cidade procurada, não, porém, onde ela se achava. Então surge outra pergunta: está em mim mesmo ou fora de mim mesmo o bem que me é próprio? Eu te respondo que não haverá nenhum bem fora de ti, se antes não encontrares o bem em ti. E vou mostrar-te: O teu bem está em ti, esta é a afirmativa. Mas é preciso desvelá-lo, descobri-lo dos véus que o ocultam. E o que o oculta são todas as solicitações que te afastem do teu próprio bem. Digamos que procuras, levado pelo teu apetite, pondo em ação a tua vontade, o bem nas coisas que te cercam. Por acaso, não são elas um bem para ti? Não dão elas inúmeros prazeres, bem-estar, satisfações? Então, o teu bem está nas coisas. Mas duas são as situações de um homem ante as coisas: a) Ser senhor das coisas; b) Serem as coisas senhoras do homem. Qual situação que preferirás? Ser escravo das coisas, ou utilizá-las para o teu bem? Certamente, responderás que queres dominar as coisas. Elas devem servir-te e não servires tu a elas. Mas como poderias tornar as coisas tuas servas, se elas te dominassem? Nesse caso, escravo das coisas, elas não seriam o teu bem, e quanto mais as perseguisses, mais dominado estarias por elas. Portanto, o bem que elas te dariam seria sempre menor que o bem que delas tereis, se te tornasses senhor. Desta forma, o teu bem, fora de ti, não poderia ser alcançado sem que fosses um senhor e não um escravo. Mas pode ser senhor, quem não é senhor de si mesmo? 6 Ser senhor de si mesmo é realizar o que de melhor há para nós. E a ideia de melhor implica a de um bem superior a outros bens. Portanto, o teu maior bem é seres senhor de ti, pois, desde que o sejas, te tornarás senhor das coisas. Pois não é verdade que as coisas provocam em ti paixões, emoções, sentimentos, preocupações que não são o teu bem, mas reduções, ataques ao teu bem? Desta forma, vês claramente que o teu bem está primeiramente em ti e secundariamente nas coisas. Tens, portanto, que libertar o teu bem dos véus que o cobrem, para que possas dominar as coisas e fazer com que elas te sirvam. Já sabes que a confiança em ti mesmo é o ponto de partida. Poderias dizer: “não posso fazer isto agora, mas podê-lo-ei amanhã.” Assim como um estudioso sobe degraus até alcançar o pleno conhecimento, também conhecemos degraus para alcançar o nosso bem. - Que devo fazer? – perguntas-me. - Confia em tua vitória, em primeiro lugar. Já sabes que tens o teu bem em ti. Falta-te apenas libertá- lo dos véus que o encobrem. Realiza o exercício diário de meditação, nas formas a serem indicadas e o de respiração rítmica. Com esses exercícios abrirás as portas que conduzirão à tua vitória. Agora medita sobre estas minhas palavras: Há coisas que dependem de mim e há coisas que não dependem. Os meus pensamentos, a minha vontade e as minhas paixões dependem de mim. O que se refere aos outros e ao mundo não depende de mim. Se me aflijo com o que não depende de mim, só posso enfraquecer-me. Tudo quanto possa fazer para o bem dos outros não deixo de fazer. Contudo, sou o meu amigo que precisa lutar por mim. Se me aflijo com o que é meu, a culpa é apenas minha, pois posso vencer o que depende de mim. Todas as vozes que venham de mim, contra mim, não são minhas. Porque o que é meu, trabalha por mim. Ouvirei as minhas vozes que falam a linguagem do meu bem, e repudiarei, com o meu desprezo, as vozes que não falam a sua linguagem. Sou eu que faço a minha força ou a minha fraqueza. Lutarei por mim e pelo meu bem. Quando me surge uma ideia dolorosa, preocupadora, minha inimiga, dir-lhe-ei: “Tu és apenas uma ideia e nada és do que pretendes representar.” Analisa-a então: é uma ideia que se refere às coisas que dependem de ti ou às que não dependem de ti? E se se refere a coisas que não dependem de ti, despreza-a, e dize-lhe: Isto não se refere a mim. - Mas, e as minhas preocupações sobre assuntos que dependem de mim? – podes perguntar. Pois bem, analisa-as: são sobre fatos fundados ou infundados? São dúvidas que te assaltam? São temores vãos? Fundam-se em fatos sucedidos? Sejam o que forem. Sejam reais, até, tenham fundamento até. Lembra-te, porém e pronuncia dentro de ti: “as preocupações crescem quando eu as alimento com o meu temor, quando eu lhes dou conteúdo com a minha vontade. Sei que só poderei vencer o que é contra mim, quando estou do meu lado, quando estou unido a mim mesmo. E quem poderia fazer essa desunião, se o interior de cada ser humano é um reino onde podemos dominar soberanamente? Eu não me enfraquecerei em favor dos meus inimigos”. Meu caminho já está traçado: lutar por mim. Ninguém me afastará de mim mesmo e do meu bem. Se nós somos que são os nossos pensamentos, podemos ser o que pensamos. E acaso não temos liberdade de pensar no bem, como podemos pensar no mal? E se desejamos o nosso bem, pois esta é a lei de todo o existente, porque não pensamos em nosso bem? 7 EXERCÍCIOS QUEM ÉS TU? Se ainda não leste nem realizaste plenamente um retrato caracterológico de ti mesmo, o que te será fácil depois de estudares a Parte Geral deste livro, não te devo preocupar esta falha, pois ela não impedirá que possas agora na Parte Especial, iniciar os exercícios, depois das providências que passarei a descrever, no intuito de realizar a tua integração. Talvez sejas um retraído introvertido ou extrovertido, nervoso ou bilioso, e estarás sujeito às contingências do teu temperamento e do caráter que adquiriste. Mas tu podes realizar a ti mesmo, e a tua personalidade poderá por ti mesma ser construída. Mas, antes, ponderemos sobre alguns pontos que são de grande importância para alcançarmos a meta desejada. Vamos dispensar certos aspectos técnicos e de certas discussões filosóficas de psicologia. Não iremos penetrar no tema da tensão psíquica, que em nós forma uma unidade de multiplicidade, e que é mais ou menos coerente, segundo o nosso grau de integração. Em palavras simples: há personalidades amorfas, frágeis, facilmente desviáveis, impressionáveis, móveis, e outras que são o inverso. E entre os extremos, há uma gradatividade imensa. Não há dois tipos humanos iguais, senão dentro das formalidades estatuídas pela tipologia. Se há em comum um número imenso de notas, de aspectos, de qualidades, etc., há, ao mesmo tempo, outros que são diferentes, totalmente diferentes. Portanto, o ser humano é formal e tipologicamente homogêneo, mas é individualmente heterogêneo, diferente, diverso. Podemos, no entanto, estabelecer algumas regras que todos os psicólogos aceitam. Por exemplo: o grau de coerência da tensão psíquica (chamam-na alma, psiquismo, espírito, mental, o que quiserem, não importa aqui) é uma garantia de firmeza do ser humano. Uma personalidade é mais forte quanto mais coesa e mais coerente for a sua tensão psíquica. Em suma, a sua unidade psíquica quanto mais forte, mais forte a sua personalidade. As agressões, que os estímulos exteriores possam realizar ou os pensamentos negativos terão sua força na proporção da fraqueza da tensão psíquica. Se essa for forte, malograrão todas as ideias errantes, negativas, como também as preocupações, as angústias; e os desajustamentos que daí decorrem se tornarão consequentemente menos comuns e mais difíceis de ser adquiridos. Todos nós conhecemos momentos de fluxo e de refluxo. Os fluxos psíquicos caracterizam-se pelo entusiasmo, pelo “sentir-se bem” inteiramente, pela paz conosco mesmo, pelo otimismo, pela vontade de atuar, de realizar, de empreender. Os refluxos levam-nos ao pessimismo, à descrença em nós e nos outros, ao abatimento moral, e nos tornamos presas fáceis das preocupações, das angústias, da tristeza, da inapetência, da falta de entusiasmo, da apatia, da desilusão, do desespero até. Consideremos de início, o que somos. Todos nós conhecemos momentos de fluxo e refluxo, que se alternam constantemente, perdurando uns mais que outros. Procedamos, no entanto, a algumas análises: 1) Quando sobrevêm os momentos de refluxo? Que nos parece tê-lo motivado? Foi uma palavra que alguém pronunciou, um gesto, um fato, uma atitude? Foi porque pensamos nisto ou naquilo? Anote-se aqui o fato que nos parece ser a chave que abriu a porta ao estado de refluxo. 2) Quando surgem os sintomas, analisemos as circunstâncias e anotemos os acontecimentos que os cercaram, e os que os precederam. Vejamos se há repetições. Por exemplo, quem sofreu, em sua família, um desastre de automóvel, no qual alguém que muito estimava perdeu a vida, não tolera que lhe falem em desastres. Imediatamente se acabrunha, entristece-se, entra em refluxo, mesmo que tome uma atitude irada, nervosa, agitada. Examine-se, portanto, e verifique que fatos provocam os estados de refluxo. 10 Um, dois, três, quatro, cinco . . . . . . . . . . . . cinquenta. Magnífico! Coloca-te agora na cadeira em que estás. Afasta tuas costas do encosto. Vira para cima a palma da mão direita. Coloca sobre ela a mão esquerda. Deixa-as pousadas agora sobre as pernas. Toma uma posição firme. Não te movas. Olha para um objeto à tua frente. E conta até vinte. Repete até cinquenta. Toma a mesma posição. Fecha os olhos. Respira lentamente, ritmadamente pelo tempo que puderes. Não te preocupas com os pensamentos que surjam. O que nos interessa agora é que realizes esse exercício de respiração. Respira profundamente. Enche mais que puderes os pulmões. Olhos fechados, mas procura “olhar” bem no centro da raiz do nariz. Inspira profundamente. Guarda bem o ar nos pulmões até contares dez. Deixa-o sair lentamente, enquanto contas até cinco. Suspende um pouco a respiração. Os pulmões esvaziados. Enche-os de novo, lentamente; guarda o ar, esvazia, descansa, prossegue. Esplêndido! Tudo já está correndo muito bem. Vamos repetir. Agora procura respirar deste modo: enche os pulmões bem de vagar. Guarda o ar. Expira vagarosamente. Tão vagarosamente que nem sequer ouças o ruído da respiração. Torna-a bem fluídica. Pouco a pouco, continuando nesse exercício, conseguirás alcançar um ritmo bem teu, natural. E faze esse exercício diariamente, tantas vezes quantas puderes. Podes abusar dele, pois quanto mais fizeres, melhor para ti. Pelo menos, deves fazê-lo uma vez pela manhã e outra à noite. E vais fazê-lo sempre, daqui por diante, durante toda a vida. Seria muito complexo tentar explicar quanto vale este exercício. Mas basta dizer algumas palavras: ele vai regularizar, aos poucos, a tua respiração, a alimentação do oxigênio de que precisa o teu sangue; vai regularizar todo o teu corpo e também ajudar a fortalecer o teu espírito. Pois a atenção que puseres, olhando para a raiz do teu nariz, vai ajudar a concentrar a tua tensão psíquica. 11 EXERCÍCIOS RESPIRATÓRIOS O mesmo exercício que se realiza sentado, também se pode realizar quando deitado. Deita-se de costas, estiram-se as pernas. Colocam-se duas mãos bem juntas ao corpo, de cada lado. E respira-se da mesma forma, olhos fechados, o olhar convergente. Se acaso surgir algum mal-estar, por estar o olhar convergido para a raiz do nariz, deve-se convergi- lo, como se se dirigisse para um objeto distante. E respira-se da maneira indicada. Esse exercício acalma. Se se adormecer ao fazê-lo melhor ainda. Mas se acaso houver estremecimento e câimbras não há motivo para preocupações. Nosso corpo não é muito acessível à disciplina, e se rebela um pouco. São pequenas reações que não fazem mal. Continuem-se os exercícios que afinal esses estremecimentos desaparecerão, e sentir-se-á o praticante cada vez mais calmo. Daremos agora uma série de regras para exercícios respiratórios. Respiração rítmica – o ritmo é individual. No entanto, antes de alcançá-lo, o praticante pode seguir esta norma: 3 segundos para a inspiração; 2 de retenção de ar nos pulmões; 5 para a expiração; 2 de descanso, em, seguida retorno à inspiração. Observações: No início, é quase impossível conseguir a regularidade. Contudo, não há motivo para preocupação. Prossegue-se no exercício pelo prazo de uns 5 minutos. Obtida certa regularidade, nos dias sucessivos, aumenta-se para 10, até 15 minutos. A pouco e pouco alcança o praticante o seu ritmo individual, mas sempre conservando as quatro fases inspiração-retenção-expiração-descanso, até alcançar a fluidez da respiração, que se fará quase em silêncio. Modalidades: Este exercício pode e deve ser realizado: A) estaticamente; B) dinamicamente; No caso A, deve o praticante permanecer sentado na postura já indicada. No caso B, deve colocar-se em pé, pernas abertas. Cruzar as mãos na nuca. Inspirar profundamente, conservar o ar nos pulmões, expirá-lo com a flexão do busto sobre os joelhos até esvaziar totalmente os pulmões. Permanecer os 2 segundos neste estado e inspirar levantando o busto até a posição normal. Tempo: Adquirido o ritmo individual, na postura estática, esse exercício deve ser seguido cotidianamente. 12 O exercício dinâmico pode variar, e deve ser feito da seguinte maneira: Inspiração – 3 segundos; Retenção – 10 segundos; Expiração – 5 a 6 segundos; Descanso – 2 segundos no mínimo. Alcançar esse tempo já é extraordinário, e abre campo para profundas modificações interiores. Duração dos exercícios: Um dos nossos graves defeitos consiste na pressa. Não gostamos de empregar dias, meses e até anos na realização de uma tarefa que não nos ofereça imediatos resultados. Por isso, tais exercícios, como outros, sempre úteis e benéficos para o bom funcionamento, não só físico como químico, são abandonados em meio do caminho, por aqueles que não percebem, desde logo, imediatos benefícios. Mas, num setor como esse, o do nosso pleno domínio, todo esforço, toda confiança, toda decisão, toda calma, toda a perfeição que se alcancem, embora que parcialmente, servem para nosso bem. Podemos não perceber os benefícios maiores, porém eles se processam lenta e silenciosamente, e terão, afinal, que dar os seus frutos, que bem valem o esforço despendido. EXERCÍCIOS MENTAIS Pode-se ficar na mesma posição do exercício respiratório, ou em outra que for mais cômoda. Escolhe-se um assunto qualquer; por exemplo, esta frase de Virgílio: “Podemos, porque pensamos poder”. Pensar que podemos é ter confiança em nosso próprio poder, e ter confiança nele, é fortalecer o poder que há em nós... e assim sucessivamente. Medita-se sobre tudo isso, sem se mover. Apenas o pensamento atua e o corpo deve permanecer imóvel. É possível que sejamos interrompidos por pensamentos diferentes, e também levados para muito longe do que estávamos meditando. É natural que pensamentos errantes invadam o nosso cérebro e nos desviem do ponto onde estávamos. O que se deve fazer é voltar novamente ao assunto e meditar sobre ele, sempre com alegria, sem se preocupar com o que aconteceu. E tantas vezes, quantas puder. Esse exercício pode durar uns 5 minutos, o que já é um progresso extraordinário. Não se deve forçar o pensamento, a fixar-se só sobre o tema. Não se deve lutar nunca contra as ideias intrusas. Quanto mais se lutar contra elas, mais fortes elas serão. Deve-se deixá-las de lado, e prosseguir no exercício, que deve ser realizado diariamente. À proporção que as ideias intrusas ameaçam perturbar a meditação, recomeça-se outra vez, sem se preocupar com a interrupção. Regra importante: escolher sempre, como tema de meditação, assuntos positivos. Não pensar em coisas ruins, males, infâmias, doenças, fraquezas. Os pensamentos devem exercitar-se sobre aspectos positivos e benéficos. Aproveitar como tema grandes pensamentos positivos de grandes autores. 15 Precisamos, por isso, saber alternar a diversidade com a repetição, e saber ver, naquela, a primeira, o que se repete, e na segunda, o que oferece de novo. Por acaso podemos ver uma coisa sob todos os aspectos? Pode alguém dizer que conhece tudo de qualquer coisa? Todas as coisas oferecem novidades, embora sejam repetidas. Saber perdurar entre ambas é a melhor lição que nos oferece a vida, pois os excessos, neste como em muitos casos, só nos podem levar a aborrecimentos. Quem teima em ver (atualizar) apenas os aspectos repetíveis, acaba por aborrecer-se. Mas, é preciso ver que a vida é sempre nova, e nós, de certo modo, outros, cada dia que passa. Não prestemos tanta atenção ao que se repete. Procuremos o novo no que se repete, e o encontraremos. Mas só seremos capazes de conquistar este estado ideal se soubermos dominar o nosso mental, depois de havermos conquistado a serenidade. Que precisamos, então, fazer? Ser sempre pontuais em nossos exercícios e, se possível, fazê-los sempre às mesmas horas. Nunca esquecer a ordem do exercício de meditação: 1) Um sorriso nos lábios, erguendo os músculos zigomáticos; 2) Exercício de respiração rítmica; 3) Exercício de meditação sobre temas positivos. E, sobretudo: alimentar os sentimentos positivos! Quando sentirmos simpatia por alguém, um sentimento de bondade, procuremos alimentá-lo. Não busquemos razões para justificar o nosso abandono, tais como: “ninguém merece nossa estima”, “os seres humanos são todos maus”, ou afirmações semelhantes. Todas essas expressões só servem para enfraquecer nossa potência positiva. Nesses instantes, deixemos que nossa ternura se desborde. Como querem sentir-se bem aqueles que tudo fazem para aumentar a sua tristeza e, o pior, a sua miséria? Para se ser feliz, é preciso exercitar-se na felicidade. A felicidade exige um treino, um longo treino. Todos os que falam contra a felicidade, já mediram bem, já procuraram em si mesmos delinear o que fizeram para exercitar-se na felicidade? O mundo tem muita luz. Por que, então, pensar só nas sombras? É uma sabedoria, e a mais feliz das sabedorias, aquela que nos ensina a pôr óculos de otimismo. Quem procura o mal, e só vê o mal, como pode alcançar o bem? Embora pensamentos bons estejam em nossa mente, muitas vezes, ao termos que resolver alguma coisa, fazemos tudo ao contrário do que seria razoável fazer. E por quê? Porque, dizemos, nossos sentimentos nos levaram ao erro. Por isso se vê que não basta apenas o pensamento para nos levar à ação. O sentimento atua com tal força que somos desviados sem considerar o que é melhor. Não basta a educação do mental, quando não há educação dos sentimentos. Se deixamos que os sentimentos negativos nos dominem, seremos sempre fracos. Alimentar sentimentos positivos, eis, portanto, a grande regra que se impõe para o nosso bem. “Mas, é difícil, às vezes alimentá-los”! Há quem faça essa afirmativa. Certa vez, um famoso sábio, teve estas palavras para um discípulo: “Se colocas uma tábua estreita no chão e caminhas ao longo da mesma, se imaginas que vais cair nela, dela cairás. Se, ao contrário, tens fé em ti mesmo, atravessá-la-ás com perfeito equilíbrio. E por que, se ela estivesse no alto, cairias, quando, com ela no chão, não caíste? Porque tua imaginação te leva a pensar que cais, e cairás.” Cuida, pois, da imaginação. A imaginação é nossa amiga ou nossa inimiga. Se ela trabalha com imagens negativas, eis que trabalha contra nós. Se trabalha com imagens positivas, ei-la a nosso favor. 16 A imaginação depende muito de nós. Quando imaginamos positividades, no sentido puro do termo, alimentamo-las. Quando imaginamos negatividades, procuremos desviar-nos delas. FORTALECE-TE O fortalecimento do nosso espírito exige, portanto, uma tríplice atividade, pois deve dar-se combinada e contemporaneamente com o fortalecimento das nossas três funções psíquicas. Para o fortalecimento do sensório-motriz (sensibilidade), temos os exercícios respiratórios, a ginástica, etc. Para o fortalecimento da intelectualidade, temos a prática da meditação e as práticas afins. Para o fortalecimento da afetividade, temos os sentimentos positivos. Caracteriza-se o nosso método pela prática da positividade, em qualquer setor. Já que abordamos, em suas linhas gerais, os diversos aspectos e as práticas correspondentes, cabe- nos agora acrescentar, para cada setor, novas observações e práticas que nos oferecerão meios mais seguros e mais eficazes de alcançar o que desejamos. A PRÁTICA DO JÚBILO Chamavam os antigos de jubileu a indulgência plenária, solene e geral, concedida pelos papas aos católicos, para remissão de todas as dívidas e pecados. Havia, assim, júbilo geral, alegria geral, porque os homens tiravam de suas costas o peso do temor do pecado, que acarretava, consequentemente, os castigos prometidos. É verdade que o termo tomou depois outros sentidos; mas mantém e conserva o conteúdo conceitual de satisfação plena, o que nos indica uma grande e profunda alegria. Praticar o júbilo é praticar a alegria. Em todo momento de alegria, sentimo-nos mais fortes. A alegria é sempre excitante e criadora de forças. Com alegria, sentimo-nos mais capazes de fazer qualquer coisa, enquanto todos sabem que, sob o peso de uma tristeza, as nossas forças se amesquinham, e a capacidade de ação se torna menor ou desordenada e frágil. Não há, portanto, quem não reconheça o poder da alegria. Mas, se todos a desejam, nem todos a vivem em sua alma, e muitas fisionomias são de uma triste eloquência, pois nos revelam evidente abatimento moral. Sabem muitos que é difícil a alegria quando o espetáculo do mundo nos oferece tanta mágoa. Não basta dizer-se que à parte de tanta tristeza, há muita luz e muita alegria no mundo, pois que está imerso nas trevas não pode contemplar a beleza das coisas, que só a luz da alegria pode iluminar. No entanto, a prática da alegria não é fácil. Pode ter alegria quem alimenta sentimentos negativos? Pode ter alegria quem não domina seu mental? Pode ter alegria quem não alimenta a sensibilidade com bons exercícios? Não se trata de uma alegria qualquer, como certas alegrias passageiras, que deixam atrás de si uma marca sombria e, às vezes, até um rasto de tristeza. Trata-se agora do júbilo. E o júbilo é predominantemente da intelectualidade e da afetividade. O júbilo, em sua maior profundidade, implica um gozo mais profundo de todas as coisas. Cada instante da vida nos oferece muitos motivos para cultivar o nosso júbilo. Cada uma das nossas pequenas vitórias, e somos vitoriosos quando superamos qualquer dificuldade, nos oferece um motivo de júbilo, se soubermos captá-lo. Vejamos: cada vez que fazemos um exercício, porque não procuramos o júbilo que ele nos oferece? Não é mais um degrau para a nossa libertação? Não basta, portanto, convencermo-nos apenas de que cumprimos uma obrigação, é preciso gozar o júbilo que ele oferece. Pois, não vencemos? Não marchamos no caminho das nossas vitórias? Não nos aproximamos cada vez mais do fim desejado? Rejubilemo-nos. 17 Ergamos nossos olhos, inflemos nosso peito, um sorriso nos lábios, deixemos que nossos olhos brilhem mais, e gozaremos o instante de júbilo. Se dissermos: felizmente já fiz o meu exercício hoje. Não há nessa frase a expressão de quem se libertou de uma obrigação penosa? Não estamos tomando uma atitude negativa? E, no entanto, se dissermos: “muito bem, fiz o meu exercício. Mas, felizmente, em outras ocasiões, farei outros, e assim sem fim, até o fim da minha vida.” Não estamos, então criando um júbilo? E olhemos agora para os fatos cotidianos. Procuremos, em cada uma das nossas atividades, o júbilo que elas nos oferecem. Ele é a luz que ilumina cada um dos nossos instantes. Ele dissipa as trevas que obscurecem a beleza do mundo. Só com o júbilo daremos maior positividade a cada um dos nossos instantes. E a nossa vida não é feita de muitos instantes? Pois lutemos para dar-lhes luz, dissipando as trevas que os obscurecem, e a nossa vida será luminosa, pela clareza da grande e potente alegria, que é o júbilo. E quando compreendermos bem isso, rejubilemo-nos. Conheçamos o júbilo do nosso júbilo, e assim marcharemos para a posse da alegria, que é sempre positiva. Pois não é verdade que sempre desejamos que a tristeza passe, que ela se desvaneça? Pois, então, guardemos esta verdade: a positividade de nossa alma está na proporção das nossas alegrias. O júbilo é alimento da alma. 20 Esta rápida meditação deve ser feita diariamente, antes de deitar. Segue-se, depois o pedido ao subconsciente. Esse pedido deve ser sempre positivo. COLÓQUIOS INTERIORES Precisamos desdobrar-nos como um amigo com quem conversamos. E no mesmo tom amigo, confidencial e bondoso, devemos examinar nossos erros, nossos desejos, nossos sonhos, esperanças, etc. E quando tomamos um tema para meditação, podemos interrogar-nos, para saber que pensamos sobre isto ou aquilo. Discordar, desafiar para análises, fazer perguntas, se não esquecemos alguma coisa, se não estamos examinando o assunto superficialmente, etc. Todas essas providências, num amplo diálogo interior, têm um efeito extraordinário. CONTEMPLAÇÃO ESPIRITUAL Tomando um tema espiritual, a visão do Bem, podemos fazer um grande exercício, de efeitos incalculáveis. O bem desta coisa pode ser este ou aquele. Tal ser deseja alcançar tal fim, que será o seu bem. Desta forma, o bem de cada coisa está aqui e ali, mas o Bem, o sentido do Bem, está em todas e em todas é igual. Pensemos no Bem enquanto tal, não no disto ou daquilo, nem nisto ou naquilo, mas no Bem em si mesmo. Contemplemo-lo. Sentir-nos-emos logo avassalados pelo bem que nos cerca, à medida que nele penetrarmos. Nossos sentidos devem perespiritualizar-se no exercício, à proporção que o formos fazendo diariamente: 1) Tentemos ver o Bem com os olhos do espírito, espiritualmente, em si, em toda a sua beleza; 2) Tentemos ouvir a melodia harmoniosa que ele é; 3) O perfume que dele se evola, o sabor que sentimos do Bem, e, finalmente, 4) Tacteemo-lo com os nossos sentidos. Devemos colocar-nos nesta disposição. “O Bem é a minha felicidade.” Rejubilemo-nos; sintamos a alegria, um sorriso nos lábios, um sorriso suave e meigo, uma respiração fluídica, e entreguemo-nos, depois, a essa contemplação espiritual do Bem, que terminaremos por alcançar, sem o menor vestígio material, sem qualquer representação material, até conquistar um estado de beatitude interior de grande satisfação interna. Não se atinge logo nos primeiros dias a esse estado superior, mas esse exercício dispõe nossas forças de modo a se tornarem cada vez mais poderosas. Esse exercício implica, antes de tudo, a máxima confiança em si mesmo, através da qual se há de alcançar o estado de plenitude do bem. POSITIVIDADE SEMPRE! Todos os temas de meditação, que variarão segundo as posições dos praticantes, conforme suas crenças e ideias, devem ser positivos e nunca negativos. Desejar, tratar. Meditar sobre o que se pode dizer sim e nunca sobre o que se quer dizer não. Meditar sempre sobre o que nos é benéfico e bom, e nunca sobre o que nos é maléfico e prejudicial. As ideias devem ser claras e nunca confusas. Para evitar a confusão, faça-se a análise lógica, dialética das ideias. Examine-se e medite-se sobre a própria meditação, na análise das ideias que se associam, verificando se o são por contiguidade, semelhança ou contradição. Ver se as ideias em contradição não têm uma origem no “obstaculizador”. 21 SILÊNCIO! Busca-o sempre que o possas. E ante ele, pensa em teu bem. Crê firmemente em teu progresso e afirma sempre para ti mesmo que, cada instante que passa, conheces um estado melhor. DISCUSSÕES Evita as longas discussões, sobretudo com pessoas dispersas, que juntam argumentos sobre argumentos, sem ordem e sem disciplina, misturando juízos apenas de gosto com algumas pseudo-ideias malformadas e mal assimiladas. Evita essas discussões, que não são em nada benéficas. Se não for possível conduzir o colóquio com alguém em boa ordem, segundo boa lógica, cuidadosa e bem organizada, é preferível que te cales. Sempre sê disciplinado no trabalho mental. Essa é a regra importante, e nunca ceder às fogosidades do pensamento em conversas diluídas, dispersas, em que se fala de tudo e não se fala de nada. Para ajudar a disciplina mental, faze a disciplina física em tudo quanto empregares a tua atividade. Lembra-te de que não serás capaz de segurar uma bola se tua atenção não estiver voltada para ela. Se teus olhos estiverem dispersos, perdidos, não segurarás a bola que te atirarem. Igualmente com a meditação. O bem que desejas deve sempre ser o principal tema de tua atenção, e os teus olhos espirituais devem estar voltados para ele. Lembra-te que confiar em ti mesmo é confiar em teu bem. E confiar em teu bem é confiar no Bem. Ter confiança nele é adquirir sempre e sempre maior força. Nenhum mal pode ser absoluto. Se o mal fosse absoluto, o universo já teria desaparecido, porque ele é destrutivo, e se tivesse um poder absoluto tudo já teria sido destruído. O Bem, portanto, é absoluto, porque não pode ser destruído. Confia nele, e a ele entrega-te com confiança e serás invencível. Quem poderia amanhã te derrotar, quando tens em ti, certamente, o Supremo Poder do Universo? Medita sobre a relatividade do mal e a realidade concreta do Bem. Pensa sempre no poder absoluto do Bem. 22 OBSERVAÇÕES SOBRE REGRAS DA MEDITAÇÃO Os exercícios respiratórios e a meditação são as práticas mais importantes que se podem oferecer. Não são novidades, sem dúvida, são velhos e esquecidos caminhos que levaram muitos a alcançar os pontos mais elevados que o homem jamais atingiu. De todos os exercícios e métodos conhecidos até hoje, são aqueles dois os que maiores e mais seguros benefícios ofereceram, pois nunca falharam em suas finalidades. Podem os psicólogos inventar muitos métodos, mas nenhum terá o poder daquele que alimenta o corpo, fonte de nossa vida, que é uma respiração regular e bem ordenada, e aquele que fortalece o nosso espírito, que é a meditação, e que nos dá a maior inteireza ao espírito, a maior força para resistir à dispersão e nos afastar de tudo quanto pode atuar para nosso mal. Por isso, a recomendação desses velhos caminhos deve sempre ser lembrada, e muitos aspectos importantes nunca devem ser esquecidos. Um homem sem vida interior não é capaz de conhecer-se. A meditação facilita a interiorização, a concentração das forças psíquicas, e por seu aspecto dinâmico, racional e dialético, evita a fixação em ideias contempladas, que são um campo aberto às manias, tão perigosas. Para conhecermos os nossos erros, defeitos, e as nossas possibilidades, nada melhor que a meditação. Todo homem, capaz de manter uma vida interiorizada muito forte, é muito mais poderoso e enfrenta melhor as situações difíceis do que qualquer outro. Quando maus pensamentos penetrarem em tuas meditações, não te preocupes. Deixa que sobrevenham, realizem a sua atividade, não lhes resistas, nem faças nenhum esforço de vontade para afastá-los; pois, do contrário, além de te fatigares, dar-lhes-ás mais forças por oposição. Coloca-te apenas como espectador um tanto indiferente, e toma uma atitude de desprezo. Se tomares outra atividade, deverá consistir em pensar positivamente em temas opostos aos dos maus pensamentos, sem te preocupares se aqueles retornaram. À proporção que fixares o pensamento nos bons, e desprezares os maus, sem a eles resistir, tirar-lhes-ás toda a força, e eles acabarão por não mais surgir. Permanece sempre calmo, e compreende que é natural que tais pensamentos sobrevenham. Não deixes passar um dia sem fazer exercícios de meditação. Nunca é demais recordar este ponto. Começa sempre pelas meditações mais fáceis. Não te preocupes, no princípio, em alcançar os pontos mais elevados. O importante é começar. Se és um extrovertido, um dilatado, terás, no início, certa dificuldade, menor que as que terá um retraído, um introvertido. Não te preocupes, porque alcançarás, com o tempo, o pleno domínio. Por pouco que seja o tempo de tua meditação, cada minuto ganho é uma positividade a mais. Conseguirás, com o tempo, manter uma meditação, sem perturbações, por horas a fio. Se ao iniciares a meditação, o teu espírito estiver muito dispersivo, não te irrites, nem fiques nervoso. Deixa-o errar à vontade. Ele acabará por cansar-se. Quando sentires que podes fixar a atenção sobre uma imagem que memorizas ou sobre uma ideia (reflexão), inicia o exercício, sem te aborreceres pelo tempo perdido. Nunca perderás tempo se não te deixares preocupar. Não esperes resultados imediatos da meditação. Eles, às vezes custam a se manifestar. São um desafio à tua diligência. Aceita o desafio, e prossegue com alegria e com confiança no progresso, que acabarás por conseguir. Ele virá fatalmente. Tem fé em ti mesmo. Se meditares sobre um tema, sentirás súbito desejo de meditar em outro, não te preocupes. Medita sobre o novo tema. Depois, noutra ocasião, retorna ao tema primitivo. Lembra-te que vencerás por persistência e não por oposição ao mental. Faze o que tens de fazer, e não te preocupes com o que suceda em contrário. Lembra-te que o que vale são as positividades ganhas e não as negatividades vencidas. Sempre sê pontual em tuas meditações. Não as abandones nunca. Cada dia que deixas de fazer uma meditação, perdes dois. Aproveita todos os instantes para pôr o máximo de atenção no que fazes. Ajudarás, assim, a atenção às ideias. 25 Façamos outra vez a mesma experiência, dirigindo a atenção para outra coisa, e observemos se diminuem. Certamente diminuirão. Chegados a este ponto, procuremos não senti-los mais, pela desatenção que lhes daremos. É a imaginação um dos temas mais importantes da Psicologia, e os estudos que tem provocado são dos mais numerosos. A palavra imagem vem de imago, em latim, que indica o que é interior. Ao intuirmos um fato do mundo exterior, dele formamos uma imagem. Assim, temos imagens que são representadas (apresentadas de novo) pela memorização. Mas eis que o poder criador do espírito humano revela-se aqui. Nós não reproduzimos apenas as imagens que obtivermos dos fatos do mundo exterior. Nós também as combinamos. Assim a imagem do ouro, que guardamos em nossa memória, e a imagem de monte, podem levar-nos a construir a representação de um monte-de-ouro, sem que desse monte tivéssemos tido uma experiência. Fácil é compreender agora o papel criador da nossa imaginação. Contudo, é preciso considerar um ponto importante. Todas as imagens, que podemos representar, são fundadas na nossa experiência. Não é possível construir uma unidade composta de imagens diversas, que não as tenhamos experimentado isoladamente. Assim, se imaginarmos o Centauro, parte homem, parte cavalo, uma cabeça humana num corpo de cavalo, temos as imagens já experimentadas por nós, pois, separadamente, já as conhecemos. O que não intuímos do mundo exterior foi a combinação dessas duas partes, formando um novo ser, o Centauro. Este é, portanto, o produto da imaginação, que é a atividade do nosso espírito em construir novas unidades com partes que são imagens já por nós experimentadas. Desta forma, o artista pode, com pincéis e tintas, construir, imaginativamente, e reproduzindo a imaginação na tela, novas unidades, compostas de imagens diversas. A imaginação tem um poder criador: o de criar novas imagens pela combinação delas. Contudo, a imaginação não pode dar vida a essas novas imagens compostas. Pode um arquiteto imaginar uma construção, e depois juntar os materiais necessários e dar-lhe a realidade. Estamos aqui em face de uma realização material do que fora anteriormente pura imaginação. O que o construtor faz é reunir, obedecendo às leis da mecânica, materiais sob uma forma para a qual eles estão naturalmente formados. Uma pedra pode ser assentada sobre outra pedra. Uma parede pode ser erguida, desde que se obedeçam as leis da estabilidade mecânica. Podemos, também, ao imaginar um monte-de-ouro, saber que ele pode ser realizado, mas já uma montanha de ouro se torna praticamente impossível, e muito menos uma cadeia de montanhas de ouro. Um centauro, que pode ser imaginado, já não pode realizar-se em vida, porque contraria as leis da ciência. Que vemos, então? Que há combinações que podem encontrar uma resposta na realidade, resposta de reprodução fiel, e outras que não o podem. Um centauro pode ser reproduzido com tintas numa tela; não o pode na natureza. Há pessoas que são muito imaginativas, como os poetas, artistas, sonhadores que, despertos, vivem um mundo de imagens maravilhosas. Outros o são menos. Há acaso alguém desprovido totalmente de imaginação? A resposta que se impõe é que não há. Se encontrarmos graus diversos na capacidade de imaginação, há em todos sempre imaginação. A imaginação pode ser regrada ou desregrada. Chamam de imaginação regrada aquela em que alguém que a vive, não a vive como realidade, mas como ficção. 26 A imaginação começa a desregrar-se, quando as imagens combinadas passam da categoria de pura ficção para a de realidade, isto é, quando, quem as crias, juntando imagens, fundadas na experiência, julga que a nova unidade forma, também, uma realidade. Assim procederia um desregrado na imaginação que, fundando-se na realidade do busto humano e na realidade do corpo de cavalo, acreditasse na realidade da combinação Centauro. Agora surge, nitidamente, a grande significação que tem a educação da imaginação. Educar a imaginação não é secá-la, não é destruí-la. Que seria a Humanidade se o ser humano, sem imaginação, fosse a norma? Onde estariam os grandes inventos, as grandes melhorias humanas? Onde, enfim, o progresso, se dominasse no homem uma falta de imaginação? Todos os grandes inventores, todos os grandes criadores, foram pessoas imaginativas. Educá-la é conduzi-la para fins benéficos. Há muitas providências a serem tomadas neste setor, sobretudo porque já sabemos muito bem quanto ela influi sobre nós. E influi, porque, se considerarmos a imaginação como realidade, poderemos errar. No caso do arquiteto, como vimos há pouco, pode ela tornar-se realidade. Mas poderia o arquiteto imaginar, também, uma construção tão desmedida que não tivesse nenhuma correspondência com a realidade. Bastaria que ele desprezasse as leis da estabilidade ou as condições da técnica. Um ser-vivo imaginário não pode tornar-se vivo na realidade, como o exemplo do Centauro. Portanto, vemos que a imaginação pode ser medida, regrada, ou desmedida, desregrada. Saber separar o que é mera ficção do que é realidade é importantíssimo, e implica exercícios que começam onde começa o domínio do mental. A imaginação criadora tem ainda outro papel importante: o de criar realidades dentro de nós. Note-se bem: Se não podemos criar realidades fora de nós, podemos, no entanto, criá-las dentro de nós. E eis onde a imaginação pode atuar positiva ou opositivamente. Vamos a exemplos esclarecedores: certo escritor criou uma personagem, numa de suas novelas, que era um louco moral. O escritor, em toda a sua vida, havia sido um homem plenamente normal. Mas viveu com tal intensidade o tipo que criara, que tempos depois de haver escrito o livro, começou a sentir os sintomas da loucura da personagem, em si mesmo. Terrível foi o seu espanto. Perplexo ante os acontecimentos, viu que, dia após dia, aumentavam os sintomas, e já não sentia forças suficientes para dominar-se. Apavorado com a situação, e sentindo-se fraco para dominar-se, preferiu o suicídio a realizar, em vida, a triste figura do ser que havia criado em sua novela. Duas perguntas podem colocar-se aqui: 1) Ou o autor criou pela imaginação um ser tão vivo em si mesmo que passou a vivê-lo com tal intensidade, que ele dominou plenamente a personalidade do autor, substituindo-a aos poucos pela da personagem; ou 2) O autor já tinha em si, em estado de latência, a personagem, que já formava uma personalidade potencial, que, aproveitando-se da porta escancarada da imaginação artística, surgiu à tona para vencer as resistências do autor. No primeiro caso, a personagem é uma mera criação do autor; No segundo caso, a personagem tinha uma autonomia, que permitiu vencer as resistências. Este fato, pela sua importância, merece que sobre ele meditemos e procuremos, em face dos conhecimentos de que atualmente dispomos, resolver entre tais possibilidades. O homem é um feixe de possibilidades. Em nós, temos, em estado de potência, tido quanto o ser humano pode ser e criar, tanto para o bem como para o mal. Nossa atividade psíquica tem o papel de atualizar (tornar eficiente, realizar) ou de virtualizar (colocar no estado de latência) tudo quanto podemos ser. É fácil agora compreender o que é sugestão, esse gerar sub, esse ordenar de modo a tornar em ato o que contemos em potência. Por isso, se a atividade do nosso espírito tomar um sentido positivo e benéfico 27 para nós, pode atualizar o que nos é positivo e benéfico, como, se tomar um sentido negativo, atualizará o que temos de negativo, de destrutivo, em nós. Podemos despertar as forças do bem como as forças do mal, de que tanto falavam as religiões e que a psicologia moderna nos auxilia a compreender em termos científicos. Os estudos, que fizemos até aqui, sobre a educação da imaginação, levam-nos a compreender quão necessário é cuidar do domínio do mental. Ora, a imaginação é mental, dá-se no nosso psiquismo, e dele depende. Dominar, dirigir, educar a imaginação implica necessariamente o domínio, a direção, a educação do mental. Portanto, além dos exercícios que já tivemos ocasião de estudar e descrever, impõe-se agora obedecer a um conjunto de regras que são de magna importância. O dirigir a nossa atenção para fatos do mundo exterior é um exercício importantíssimo. Ao vermos um fato, digamos, um inseto que se move por entre vários objetos, que devemos fazer? Deixar que passe sem nos interessar? Não; aproveitemos o instante para um exercício de atenção externa. Olhemos, observemos, acompanhemos os movimentos do inseto, como podemos acompanhar, observar o movimento de um avião em pleno ar, ou de um pássaro nas alturas. Eis uma máquina que funciona com toda a sua complexidade. Devemos aproveitar o instante para apreciar o seu movimento, dando-lhe toda a atenção. Concentrar nossa atenção sobre os fatos do mundo exterior, eis uma grande regra para o domínio das forças psíquicas. Aqueles que ante os fatos são dispersos, olham ora para cá, ora para lá, interessam-se por isto, ora por aquilo, enfraquecem cada vez mais o seu mental. Deve-se exercitar a atenção pela concentração em tudo quanto se faz. É uma carta que se lê: máxima atenção! É uma carta que se bate à máquina: máxima atenção! É alguém que nos fala: máxima atenção! Transformemos cada um dos nossos momentos da vida exterior num exercício atencional, e estaremos construindo o poder extraordinário da mente. Mas, nesses momentos em que observamos as coisas, surgem imagens, devaneios, ideias errantes que procuram afastar-nos do trabalho que empreendemos. Como proceder, então? Lembremo-nos dos conselhos já dados quanto à meditação e às ideias errantes. Não lutemos contra o mental! Retornemos à observação. A princípio, essas ideias e devaneios procurarão impedir o exercício atencional. Mas, finalmente, elas se cansarão, e nós as venceremos. Então, podemos sintetizar agora: A atenção exterior é a observação; a atenção interior é a meditação. Completemos uma com a outra, e uma fortalecerá a outra. E não nos esqueçamos nunca destas regras: Não lutar contra o mental! Não repelir violentamente as ideias intrusas! Aproveitar cada instante para realizar um exercício atencional exterior! Aproveitar cada instante para os exercícios atencionais interiores (meditação). O trabalho feito com concentração nos dará ganho de tempo. Se hoje levarmos tal tempo para fazer um serviço, acostumando-nos a realizá-lo sempre com concentração, acabaremos espantosamente diminuindo o tempo gasto. Os grandes homens da indústria não poderiam dirigir seus inúmeros negócios se não fossem capazes de uma grande concentração. Nem o poderiam os sábios, os cientistas, os grandes inventores, os generais, etc. 30 Quer dizer que devemos procurar apenas os nossos pares? Poder-se-ia proceder assim, mas a vida não nos permite, e nós nos vemos obrigados a “dançar segundo a música que tocam”. Portanto, paciência. Temos que nos adaptar ao ambiente em que estamos. E como fazer? Ora, o conhecimento é um meio de libertação. Se sabemos que somos introvertidos ou extrovertidos, já sabemos que, nas rodas, que nos são antagônicas, devemos conter nossos impulsos naturais e procurar compreender com simpatia os outros. Dessa forma, evitamos aborrecimentos aos outros e a nós mesmos. Digamos agora, que, sendo nós extrovertidos, estamos numa roda de extrovertidos, na qual se dá a presença de um introvertido. Este exercerá sobre nós uma verdadeira provocação, que nem sempre suspeitamos. Temos vontade de falar mais alto, de ser mais exuberantes, de extroverter-nos mais, porque outros (os introvertidos) parecem reagir contra nós. Queremos, então, impor-nos. E perdemos a noção dos limites. Resultado: dizemos mais do que devíamos dizer. E depois ficamos preocupados que as nossas palavras tenham sido compreendidas assim ou de outro modo, a serem impressões que não desejaríamos provocar nos outros. Sentimo-nos, então, supinamente aborrecidos. “Para que disse isso? Sei que pensam que eu...” E uma dúvida nos espicaça a consciência. E nesse dia, por mais que façamos, e à proporção que mais lutamos contra o mental, as preocupações crescem, e o nosso “inimigo”, sempre a postos para nos exprobrar os erros, ri-se à nossa custa e aumenta ainda as preocupações, memorizando até fatos passados, já esquecidos, mas que voltam à memória para aumentar ainda mais o nosso mal-estar psíquico. Portanto, há uma regra útil: conter-se. E conter-se até quando tendemos a introvertermo-nos. Procurar sempre a posição equilibrada entre introversão e extroversão, é o melhor meio. No início, como em tudo, há dificuldades, mas é possível obter-se esse domínio. O pondo de partida é começar a dominar- se e, a pouco e pouco, a vitória se aproxima, de tal forma, que a conquistaremos, afinal. Mas todas as preocupações, que surgem das nossas atitudes para com os outros ou dos outros para conosco, dependem do nosso estado psíquico. Toda a vez que tais preocupações surgem, podemos estar certos que algo de defeituoso temos em nós. Salvo, naturalmente, naqueles exemplos de desajustamento, de falta de delicadeza, de erros graves em nosso modo de proceder, que provocam nos outros uma reação, ou que os ferimos, sem que o desejássemos, mas apenas por falta de cuidado. Estes casos são facilmente resolúveis, pois basta que cuidemos em não repeti-los, e a preocupação se desvanece. Devotam-se os psicólogos ao estudo das relações íntimas entre a realidade e a imaginação. E não é um tema apenas de psicologia, mas de filosofia também. Onde termina a realidade e começa a imaginação? Traçar nítidas fronteiras é difícil. Além disso, o homem é um ser supinamente imaginativo, e poderíamos dizer, sem exagero, que nunca o ser humano pode viver a realidade pura e simples, sem a presença da imaginação. Portanto, o problema só se pode resolver pelo controle desta. Aconselham os psicólogos, como melhor método para distinguir a realidade da imaginação, observar quanto há de correspondência sobre o que pensamos com a sucessão dos fatos. Muitos imaginam isto ou aquilo pode ser ou dar-se, mas os fatos o desmentem. Portanto, os fatos do acontecer universal podem servir-nos de guia para que analisemos os nossos pensamentos e as nossas opiniões. Se procedermos assim, já teremos um bom meio de ver até onde vamos no terreno do imaginativo, bastando que recordemos o que pensamos sobre os fatos futuros, que nos confirmaram ou nos negaram o que a imaginação havia construído. Tem ela, assim, um grande papel, além do de conseguir novas estruturas com velhas imagens; é o de valorizar os valores. O que valoramos pode receber de nós uma nova carga valorativa, e darmos mais valor ao que tem menos, e menos ao que tem mais. A medida dos valores é realmente difícil. A própria Economia não resolve facilmente este problema, e a Filosofia também não. Portanto, precisamos estudar os valores para que saibamos guiar-nos ante as circunstâncias e sabermos quando nos excedemos em nossas valorações e valorizações. 31 Valoração é a ação de captar um valor; valorização, a atividade que consiste em dar um suprimento de valor a um valor, já valorado. Assim, há objetos que podem ser valorados como valendo tal. Mas nós, por diversos fatores, podemos dar-lhes mais valor. Esta caneta vale tanto, por exemplo. Mas, como ela foi de meu pai, vale muito mais. Tem para mim, um valor a mais que lhe dou. Eu valorizo-a muito mais que outros a avaliaram. Um fato que sucede pode provocar reações diversas em diferentes pessoas. Num, pode passar indiferentemente, mas noutros provocará uma gama de preocupações, que vão desde o desgosto mais leve até o mais profundo pesar. Ora, o fato é o mesmo. Em si mesmo, tem o seu valor. Mas, para os outros, apresenta valores diversos. Só nos preocupa aquilo a que damos um valor além da medida. Analisemos as nossas valorizações e vejamos o papel que nossa imaginação exerce nessa atividade, e estaremos em condições de trabalhar a nosso favor e evitar muitos dos motivos que nos têm servido para transformar nossa vida numa existência intercalada de preocupações totalmente inúteis. São essas preocupações totalmente inúteis que devemos afastar de nós, para que nos libertemos. E o empenho para consegui-lo não é difícil. Para obter o desejado, comecemos pelo princípio. Examinemos primeiramente os valores, que emprestamos às coisas e aos fatos, e depois a sua inter-relação com a imaginação e, finalmente, nosso papel para libertarmo-nos. Temos, aqui, um novo veio, cuja exploração nos oferecerá novas possibilidades de vitória, e facilitará a nossa plena integração pessoal. Antes de estudarmos os métodos de domínio da imaginação, cujo controle é fundamental para uma completa integração pessoal, convém previamente estudá-la sob vários aspectos: Criadora Positiva Inovadora Imaginação Negativa Desregrada Patológica Com este esquema, temos os diversos aspectos que são importantes para nós. Uma imaginação positiva criadora, e uma inovadora, são úteis, benéficas e devem ser alimentadas. É criadora a imaginação quando ela trabalha na estruturação de velhas imagens para construir uma nova imagem sintética, como a realiza o artista. É inovadora, quando, ao perceber as possibilidades que permitia inovar algo totalmente não conhecido, como procede, por exemplo, um industrial talentoso, que pode, com velhos materiais, com velhas técnicas, criar uma nova modalidade de produção. Estas duas imaginações devem ser estimuladas. Mas, como há sempre o perigo de desdobramento, uma imaginação positiva, quando se desmesura, pode tornar-se desregrada. Como se podem dar tais desmesuramentos? A imaginação distingue-se da realidade. Enquanto esta se dá em ato, existe em si, independentemente de nós, o imaginativo, enquanto tal, existe apenas em nós. Portanto fundamental. Mas onde termina o primeiro e começa o segundo? Difícil estabelecer uma fronteira, porque, em cada caso particular, a imaginação e a realidade se combinam, de modos diversos. O único critério que temos é o de considerar como realidade o que de fato, fora da nossa mente, já se dá. E como imaginação, as possibilidades maiores ou menores, ou a consideração de fatos que julgamos terem-se dado ou em ação de dar-se, mas dos quais não temos a evidência segura de seu acontecer real. Como já vimos, a imaginação não se afasta do homem, que com ela vive. Por isso, vivemos 32 constantemente num mundo imaginativo e num mundo real. Mas, o critério que temos para captá-lo em muito nos auxilia. Convém, no entanto, ainda distinguir: Numa imaginação desregrada, o sujeito, que a experimenta, pode saber que a vive, e é o caso normal de imaginação descontrolada, ou não pode saber que ela é imaginação e a toma como realidade, que já é um caso patológico. Assim temos: a) Imaginamos, mas sabemos que imaginamos; b) Imaginamos e pensamos que é realidade. Quando alguém toma a imaginação por realidade é já a evidenciação de um caso patológico? Na verdade, convém ainda distinguir. Se for esporadicamente, não o é. Mas, aqueles que tomam como realidade, constantemente, o que imaginam, revelam que o seu desregramento já atingiu a um ponto tão agudo, que acusa o doentio, o mórbido, o patológico. Vamos a exemplos esclarecedores: Estamos em face de um fato real. Começamos a considerar as suas possibilidades. Quais possibilidades estamos considerando: as benéficas ou as maléficas? Alguém nos olha de soslaio. Ficamos desconfiados. Nossa imaginação põe-se a trabalhar. “Esse indivíduo não gosta de mim, tem alguma má vontade que não revela. Certamente suas intenções não são boas. (A imaginação está trabalhando com negatividade, portanto, para nós, maléfica. Ela se agita e prossegue). Já observei vários gestos inamistosos. Ah, não há dúvida, esse indivíduo planeja alguma coisa contra mim!” E nesse diapasão trabalha a imaginação. Tudo se torna para nós evidente. Tínhamos um fato real: um olhar de soslaio. O reto pertence às nossas ficções. Temos aqui um exemplo das fronteiras entre a realidade e a imaginação. O primeiro, o olhar, pertence à realidade; o restante, à imaginação. Que devemos fazer em tais casos? Examinar com cuidado o que a imaginação amontoa de provas contra o indivíduo? Examinemos o que há de real contra nós? Nada, ou algum fato já praticado? Examinemos o fato e o despojemos do que é imaginativo. Tiremos dele todos os valores positivos e opositivos, e consideremos o que há de existencial no fato. Se procedermos assim, muitas das nossas considerações imaginativas perderão sua força e a realidade acabará por esplender com toda clareza. Lembremo-nos do seguinte: o cientista, quando estuda um fato do mundo, como procede o botânico ao analisar uma planta, não se guia nem se deve guiar por valores, mas descrever a planta existencialmente como a planta acontece. O cientista não pode fazer julgamentos de valor, sob pena de afastar-se da Ciência e fazer Filosofia, o que cabe a outro setor do conhecimento. Enquanto a Ciência trabalha com julgamentos (juízos) de existência, a Filosofia trabalha também com juízos de valor. A Filosofia pode julgar o homem como o ser mais valioso da terra. Mas, o cientista o estuda, nas ciências correspondentes, com a mesma naturalidade e realidade que estuda os seres mais ínfimos. Todas as vezes que julgamos alguém ou um fato, façamos este exercício: quais são os meus juízos de valor e quais os juízos de existência? Coloquemos de um lado os de existência, e, de outro, os de valor. Cuidemos de considerar que, nos primeiros, haja realmente apenas existência, e nenhum juízo de valor, mesmo oculto. Feito isto, analisemos nossos juízos de valor. Todo juízo dessa ordem vale realmente quando está fundado em uma existência; do contrário, é apenas imaginação. Se tal for feito, não nos escapará nada, e evitaremos cometer injustiça ou tomar atitudes contra outros. Este trabalho de análise pode ser empregado para qualquer fato, e pode ser aplicado quanto aos julgamentos dos outros. Estamos, por exemplo, em face de um livro. O autor defende esta ou aquela posição. Examinemos seus juízos de existência e seus juízos de valor. Façamos a análise destes últimos, procurando os fundamentos existenciais. Veremos, desde logo, quanto trabalha a imaginação nos outros. Revertamos para nós a mesma prática, e compreenderemos quanto em nós ela atua. 35 Passemos então os olhos sobre os diversos julgamentos. Como fomos injustos ali, e como fomos ingênuos naquele outro caso. Como é possível que não tivéssemos visto que erramos naquele momento? Ora, tais perguntas surgirão e muitas vezes acompanhadas de uma mágoa bem dolorosa. E por que, durante o dia, que é tão curto no tempo, erramos tantas vezes? Por que em tantas ocasiões trabalhou a nossa imaginação com tal ímpeto que desvalorizou demasiadamente certos aspectos e de tal modo, que não nos foi possível aquilatar com equilíbrio o que se passava? Por não termos descansado bem o nosso mental. Então, está no descanso do mental o caminho que nos levará a achar o equilíbrio desejado? Responderemos que, em grande parte, sim. E essa parte é tão importante que não nos basta apenas saber manejar bem a lógica, se estamos cansados e somos capazes de nos deixar arrastar pela imaginação, cuja raiz está sempre na nossa afetividade; isto é, deixamo-nos arrastar pelas nossas paixões, que nos levam às desvalorizações ou às valorizações extremadas. Não dizem os psicólogos que o nosso mental nunca descansa? Não é verdade que ele sempre trabalha? Sim, é verdade. Mas é preciso ponderar o seguinte: quando o nosso corpo está cansado, procuramos as posições que nos colocam à vontade para que descansemos os nossos músculos. No entanto, os nossos pulmões e o nosso coração continuam na sua faina. Pois, também o nosso espírito continua o seu trabalho sem descanso. Mas o que se dá durante as nossas horas de vigília? Dá-se que não deixamos nosso coração trabalhar calmamente. Nós o excitamos, nós o apressamos, nós realizamos muitas coisas que o fazem, ora andar mais depressa, ora mais devagar. Por isso, nas nossas horas de vigília, cansamos demais o coração, como cansaria um chefe de oficina que obrigasse o operário, a toda hora, a mudar de ritmo de trabalho. O coração não para, e quando para, deixamos de viver. Se nós o forçamos, ele cansa além do normal. Assim como os exercícios que fazemos fortalecem o coração, também nossos exercícios mentais fortalecem a nossa mente. É preciso dar descanso à nossa mente de vez em quando, para que se recomponha. Por acaso, quem passa as noites mal dormidas pode pensar bem? Será capaz de ter o senso, o equilíbrio para poder pensar? Muitos podem passar bem as noites e ter a mente cansada. E por quê? É muito simples a explicação: imaginemos que alguém tem de correr um quilômetro. Se for uma atleta, já treinado, correrá normalmente, e mal se notará que está cansado. Se nunca fez atletismo, logo sentirá cansaço, e finalmente estará completamente abatido. Pois devemos ser atletas mentais. Um cérebro forte, treinado, é capaz de enfrentar melhor que qualquer outro as solicitações da imaginação. Não que a queiramos aniquilar, mas desejamos, e apenas, controlá-la a nosso favor. E quem irá controlar a imaginação, que é espontânea, que surge com todo o irracionalismo natural de uma criança, com ímpetos e desejos infantis, se não o nosso mental? Uma imaginação desbordada é uma imaginação que não foi bem conduzida para um recipiente, como os rios, quando os leitos não são suficientes, transbordam as margens e inundam os campos. Então, que fazer para dominar a nossa imaginação que consista, na verdade, em pô-la em serviço útil, a nosso favor e para o nosso bem? Em primeiro lugar, ter confiança em que é possível alcançar esse domínio. Um desanimado nunca o alcançará, e terminará por tornar-se joguete da imaginação. Em segundo lugar, é preciso fortalecer o mental, o que se obtém pelos exercícios que oferecemos até aqui, e outros que iremos, a seguir, oferecer. Em terceiro lugar, meditar logicamente. Ler trechos e verificar como os pensamentos estão implícitos, contidos em outros; se há relação ou não entre um e outro. Ao lermos um trecho, vejamos se há bom sentido, se há nexo entre as palavras do autor, ou se tudo está desalinhavado no que diz. Em quarto lugar, não esquecer que há sempre uma luta entre a nossa vontade, orientada pelo nosso eu consciente e os impulsos que vêm do inconsciente. No próprio mental, há forças que lutam pela desordem e se rebelam. Esses choques podem dar-lhes algumas vitórias, estas, porém, serão passageiras, e cada vez mais espaçadas. 36 É preciso ter a maior atenção nos exercícios para permanecer sempre numa posição estável, evitando qualquer movimento do corpo, pois há uma grande relação entre o corpo e o mental. Quem domina o seu mental, domina-o até nas ruas mais movimentadas de uma cidade metropolitana; quem não o domina, nem no silêncio de uma gruta é capaz de fazê-lo. Segui os vossos pensamentos durante a meditação, sempre sobre temas positivos. Procurai retirar de cada ideia tudo quanto esta ideia pode conter, e tudo quanto dela pode relacionar com outras. Meditai sobre as novas ideias associadas. Fazei as comparações entre elas, procurai os aspectos contraditórios, o que deixastes de considerar, e depois medi, calculai tudo, em suma, meditai e, finalmente, terminareis por uma síntese do pensamento, completando-a com outra síntese das ideias provocadas por aquela. Façamos exercícios práticos. Analisemos bem o que é a associação. Prestemos a atenção aos nexos que ligam as ideias, e veremos que todas elas têm um nexo muito semelhante ao dos fatos que se dão na natureza, ao qual chamamos de realidade. Ao nexo, que liga as ideias, chamamos idealidade. Pois saibamos dominá-lo. E com esses exercícios fortalecemos o mental, e de tal modo, que ele não se cansará facilmente. E descansá-lo-emos através da respiração rítmica e do sono, sempre com o auxílio do nosso subconsciente, que por ser o nosso melhor amigo, há de velar, toda vez que lhe apelamos, peno nosso, e sempre, pelo nosso bem. As associações se processam: a) Por contiguidade; b) Por semelhança; c) Por contraste; Um exemplo de associação por contiguidade: vemos uma pessoa sempre com um charuto aos lábios; ao ver um charuto, recordamo-nos dessa pessoa. Um exemplo de assimilação por semelhança: uma bebida verde, que bebemos, e da qual gostamos, e toda vez que vemos um líquido verde, lembramo-nos da bebida. Por contraste, temos os exemplos do branco que nos associa o negro, do bom que nos associa o mau, etc. Mas vimos também, que essas associações têm um nexo, pois não associamos tudo o que era contíguo, semelhante, ou contrastante. Associamos alguns fatos e não outros. Há influência da nossa afetividade, pois preferimos, inconscientemente até, associar isto e não aquilo. E nessas associações, revelamos muito das nossas preferências, muito das nossas preocupações. Tomando-se um conjunto de ideias chaves, podemos acrescentar-lhes as palavras que se nos associam. Partamos de um exemplo: amor. Que se associa logo a esta palavra? Uma jovem bela, uma praia coberta de sol, umas palmeiras decorando as margens, as ondas verdes quebrando-se nas rochas, etc. As associações variarão segundo as pessoas. Ao analisarmos, depois, as nossas associações, podemos fazer uma espécie de autoanálise, e penetrar um pouco mais profundamente dentro de nós mesmos, e conhecermo-nos melhor. Por meio dessas análises, poderemos saber muita coisa que estava oculta à nossa consciência sobre o nosso próprio íntimo. Ora, a nossa imaginação trabalha também por associações. Dá-se um fato, assistimo-lo; logo a nossa imaginação associa uma sequência de imagens que o completam. Mas essas imagens não surgem sem uma razão. Elas não vêm ao acaso como muitos julgam. Há um nexo entre elas, um nexo que é preciso examinar. Temos um momento de preocupação. Procuramos, primeiramente, o fato chave, isto é, o fato que abriu a porta à imaginação. Qual foi o acontecimento? Nem sempre é difícil perceber. Basta que examinemos da seguinte maneira: a) Vejamos qual foi o momento em que nos preocupamos. Um momento antes e tudo corria à mil maravilhas. Mas sucedeu “aquilo”. Qual foi esse aquilo? b) Examine-se o fato sucedido e coordene-se a sequência das ideias que surgiram e criaram o estado afetivo de preocupação. Faça-se uma espécie de síntese de todas as ideias e imagens que 37 surgiram. Se possível, tome-se uma folha de papel e escrevam-se imediatamente todas as ideias sobrevindas, como também as imagens na ordem de sua sequência. c) Temos agora às mãos as ideias e as imagens. Procuremos ver o nexo que há entre elas. Veremos logo que todas se entrosam ou por contiguidade, ou por semelhança ou por contraste. d) Procuremos, ao examinar a distancia entre duas ideias ou imagens, o interesse afetivo que poderia ter surgido. É fácil fazer-se o exame. Digamos que alguém falou em guerra, e subitamente uma sequência de ideias ou imagens se associaram. Canhões, metralhadoras, bombardeios, aviões rasgando velozes o espaço, bombas destruindo cidades indefesas, mortos, crianças chorando, feridos, mães desesperadas. Subitamente, a imagem do bombardeio da cidade em que vivemos. Estamos na guerra, somos feridos; não, mortos, esmagados sob escombros, etc. A preocupação nos assaltou, estamos angustiados, em mal-estar, já não atendemos nada, a tristeza cobre o nosso rosto, o coração empequenece, estamos acabrunhados. Mas, ao examinar cada uma das imagens que se associaram, podemos ver entre elas um nexo que as liga. Qual a razão por que, ao ouvirmos a palavra guerra, a ela se associaram canhões, metralhadoras, e não bombardeios, que vieram em terceiro lugar? Foi tudo obra do acaso? Por que não nos vieram logo à visão as cidades bombardeadas, as crianças feridas, etc.? Digamos que o analista de si mesmo, o auto analista, seja um industrial. Está aí o nexo da primeira associação. Primeiramente, viu, industrialmente, a guerra, porque vive com mais intensidade a realização industrial. Só posteriormente sentiu o que seria associável comumente a um homem qualquer: as destruições. Assim como se pode fazer esta análise, podem-se fazer muitas outras, e tão ricas, que só a constante experiência, o constante exercício desses exames podem nos mostrar. Com o decorrer do tempo, acostuma-se a uma análise tão completa, que ela poderá invadir terrenos novos. O interessante de tudo isso é que, no mesmo instante, substitui-se uma preocupação de ordem afetiva por uma preocupação de ordem intelectual. Em vez de prosseguir angustiando-se na vivência de uma preocupação, passa-se a viver outro modo de preocupar-se, que oferece um prazer, o prazer da análise, o prazer da pesquisa. E, em pouco tempo, o estado de desagradabilidade que conhecera a princípio, é substituído por outro, cheio de agradabilidade, o que oferece a análise intelectual, racional dos nexos e das razões. Ora, para que nos momentos de máxima preocupação sejamos capazes de fazer tais análises e vencer o estado afetivo, é necessário procedermos constantemente com exercícios, nos momentos em que estamos perfeitamente calmos, para que o nosso espírito se habilite, quando nos estados de preocupação, poder levar avante, sem dificuldade, a autoanálise tão necessária. E esses exercícios, no princípio, são fáceis. E quando se complicarem, também serão fáceis, pois, nessa ocasião, já estaremos bastante fortes para levá-los adiante. O exercício, no início, consiste em se tomarem algumas palavras chaves e escrever imediatamente todas as palavras que se associam. Depois desse trabalho, procura se descobrir o nexo que se encontra entre elas. Não só as palavras devem ser anotadas como as imagens representadas, as visões intelectuais e imaginativas que se formam. Escrever tudo com simplicidade e rapidamente. Só depois se deve procurar o nexo. Na hora de escrever, devemos ter o máximo cuidado em deixar as ideias e as imagens fluírem com a máxima naturalidade, sem influir, tanto quanto seja possível, com o consciente para escolher estas ou aquelas. A análise torna-se completa com o tempo, e permitirá o melhor domínio da imaginação, ou, pelo menos, evitar que ela influa, de tal forma, na nossa vontade, que nos desvie dos caminhos que nos são mais úteis e convenientes, levando-nos a falsas apreciações, valorizações desmedidas e erros, que são sempre de funestas consequências. Aqui, como em todas as coisas superiores, a pressa deve-se evitar, porque é a mãe da imperfeição. E só se consegue um perfeito domínio do mental, quando não nos apressamos, quando não lutamos contra ele, quando sabemos, com habilidade e doçura, conduzi-lo a nosso favor. 40 Se a vida é sofrimento, como dizem, por que aumentá-lo? Não é. Portanto, uma tarefa importante torná-la mais bela e superior? Ademais, se prestares bem atenção, verás que os momentos de alegria e de indiferença são mais numerosos que os de sofrimento. Analisa quanto o sofrimento é exagerado pelas nossas atitudes. § 9 – Toda vez que aprecies alguma coisa, faze uma análise da tua apreciação. Observa se apenas evidenciaste os aspectos positivos ou os opositivos, se atuaste como um otimista ou como um pessimista. Observa se o estudado por ti, e por ti considerado como ruim, não faria alegria dos outros. Não te esqueças que as coisas, em si mesmas, são o que elas são. Lembra-te que aquela montanha, uma mancha cinzenta para ti, que estás neste lugar, é uma massa verde e bela para quem está mais próximo. Mas a montanha é a mesma. Toma esta posição ante os fatos da vida e compreenderás, então, que as coisas são muito do que lhe emprestamos, o que depende dos nossos julgamentos, porque as coisas, em si mesmas, são o que elas são. Se te desdobrares nessa análise, estarás auxiliando a fortalecer a coesão do eu, que passará a analisar a ti mesmo, e a tornar-se o teu melhor juiz, e amigo, e conselheiro. § 10 – Tudo o que faças, procura fazer do modo mais perfeito que possas. Principia a pôr em ordem em tuas coisas; mas devagar, não te apresses. Cada dia põe ordem em alguma coisa. Não queira transformar-te subitamente. Procura ser perito em algum mister, por mais simples que seja. Alcança uma perfeição, por pequena que seja. Depois, conquistarás outras. Não tenhas pressa, se queres andar mais rapidamente. § 11 – Busca o máximo de delicadeza. Não queiras impor aos outros as tuas ideias e evita aborrecê- los. Trata os outros com deferência e respeito, e logo sentirás satisfação dentro de ti. Se alguém for ríspido para contigo, compreende a grosseria. Que poderias esperar de um homem grosseiro? Vais imitá- lo? Só poderás, com isso, tornar-se igual a quem consideras inferior. Medita sobre este ponto. E quando em tua vida perderes a calma, não te preocupes. Continua meditando, e sempre com firme propósito de não imitar o pior. Acabarás conquistando um certo domínio de ti mesmo, imensamente útil para outras vitórias. § 12 – Procura desembaraçar-te. Se és tímido, fala com delicadeza e calma, com bastante naturalidade quando estiveres ante outros. Sê apenas natural e simples. Não tentes impor-te. Apenas expõe o que pensas, sem rebuscar argumentos complicados. Todos te ouvirão, se tiveres o bom-senso comum. A pouco e pouco irás obtendo o desembaraço, e finalmente te imporás com argumentos mais sólidos. § 13 – Ouve os outros. Todos gostam de ser ouvidos, e tu também. Ouve com atenção e respeito, e nunca desanimes a ninguém. Obterás uma força que crescerá dentro de ti, todos os seres humanos precisam de confidente. Sê um confidente fiel e amigo, e sobretudo compreensivo. Todos acabarão por estimar-te, e te sentirás cada vez mais tranquilo. § 14 – Teus maus pensamentos e tuas meditações devem sempre dirigir-se a temas positivos. Pensa sempre no teu bem e confia que o melhor te há de suceder. Se alguma coisa te acontece de mal, procura o lado benéfico. O velho ditado popular de “que há males que vêm para o bem” é verdadeiro, e muito mais do que se julga. Se confiares no bem, ele se aproximará de ti. Lembra-te que o abismo atrai o abismo; o mal atrai o mal. Se tiveres em ti o bem, o bem será atraído. Confia no bem, que ele não te desamparará. § 15 – Tudo o que fizeres, faze-o com entusiasmo. O entusiasmo é uma virtude divina. Nas pequenas coisas que tiveres de fazer, e que te parecem desagradáveis, dá-lhes a agradabilidade. Tu podes decorar a tua vida de alegrias se o quiseres. Põe amor no que faças, e logo a agradabilidade surgirá, e tudo irá rápido e fácil. Faze pequenas experiências, e logo verás que o conselho que te dou é verdadeiro. § 16 – Que a tua oração diária seja esta: “Hoje farei um bem a um ser humano”, faze-o. À noite, rememora o que de bem fizeste e alegra-te, para aumentar a tua e a alegria do mundo. § 17 – A maior luta que o homem terá de empreender é a luta contra o medo. Nunca cresceu ele tanto, avassalou tanto os seres humanos. Temer o mal é preparar-se para ele. Não tenhas medo do amanhã; confia em ti. Examina cada um dos teus medos e procura os seus fundamentos. Verás que são quase sempre inexistentes, ou melhor, sem nenhum conteúdo real, mas apenas imaginários. Não temas adoecer, nem temas malograr. Faze o que deves fazer, com confiança. § 18 – Cristo dizia que as nossas doenças não entram pela boca. Elas vêm do que sai pela boca. Queria ele referir-se às nossas ideias. Se não temos fé em nosso poder, não temos poder. Se não temos fé 41 em nossa força, somos fracos. Nossas ideias germinam nossas doenças e também a nossa saúde. Somos muito do que pensamos que somos. Este é um grande tema para meditações. § 19 – Medita sobre a dignidade humana. Olha o espetáculo do mundo, e vê como o homem perde em valor onde há ditaduras, onde há opressão, onde há a brutalidade travestida de lei e de ideias progressistas. Vê quanto o homem vale pouco e os grandes muito crescem de valor. E verás que os que se intitulam os mais realistas são os que glorificam e adoram as maiores abstrações. Medita sobre a dignidade do homem. Observa-o como ele se transforma em utensílio, em coisa, em número. Medita longamente sobre este tema, e afirma dentro de ti o desejo e o querer construir a tua personalidade. § 20 – Toda meditação bem ordenada, todo raciocínio bem concatenado, é um grande exercício para a vontade e para a maior coerência do eu. Nunca deixes de fazer diariamente as tuas meditações, e dá-lhes melhor ordem lógica e dialética. § 21- Se o teu dia foi agitado e tiveste de andar muito apressadamente, aproveita a oportunidade para dar uns passos bem lentos, numa lenta e tranquila caminhada. Depois, descansa, entrega-te à leitura de um livro sereno, e cheio de luz. Evita a leitura de obras mórbidas, pessimistas, porque elas apenas veem um lado da existência e desvalorizam tudo quanto é grande. § 22 – Se sofres, não esqueças que todos sofrem. Mas, há também alegrias na vida. E não há dor que a não possamos vencer. Se ela é moral, e magoa-nos tanto quanto lembrada, examina-a bem. Vê as causas que a geraram, as circunstâncias que a acompanharam, e procura como vencê-la por ti. Se te cabe a culpa, procura compensá-la por atos bons correspondentes. § 23 – Sê orgulhoso da tua dignidade. Ter maus pensamentos, pensamentos destrutivos, é muito fácil. Constrói grandes e nobres pensamentos. Aumentarás a tua dignidade, o teu valor. § 24 – A alegria dos outros não é um furto à nossa alegria. A alegria é como o fogo que pode propagar-se desde uma pequenina chama. Compreenderás, assim, que quando os outros são felizes, não o são à custa da tua felicidade. Ri com eles, e agradece o bem que permite a alegria daquele par de namorados, daquela criança que brinca. § 25 – Todos nós somos insatisfeitos, uns mais, outros menos. É uma condição de todo ser limitado. Sempre algo nos falta. Mas, quando tens, porque vais pensar na falta? Se estás aqui e sente a falta de não estar ali, não consegues a alegria que te dá o momento que passa. § 26 – A construção do esquema fundamental do eu, solidamente estruturado, só pode ser constituído de positividades e não de negatividades. O negativo não compõe a essência de qualquer coisa, como se vê na filosofia. Um copo, não é um copo qualquer por que não tem isto ou aquilo, mas por que é isto e aquilo. O nosso eu só pode constituir-se num esquema coerente, numa estrutura sólida, se atualizar em si positividades, para com elas, embora no início dispersas, realizar a reunião que formará a nova estrutura poderosa do nosso eu. Assim, pensar negativamente é preparar-se contra si mesmo. Se alguma coisa é pensada negativamente, é necessário, de imediato, com lógica e precisão, compensá-la com pensamentos positivos, logicamente dispostos. Digamos que ouvimos falar de tal ou qual doença, e encontramos ou julgamos encontrar em nós algum sintoma. Se abrigarmos a ideia negativa, estaremos predispondo-nos à doença. Mas, imediatamente, com lógica, com domínio, analisa-se a ideia que surgiu. Um sintoma qualquer não é fundamento bastante. Ademais, é preciso que um especialista verifique. É preciso não temer. Aceitar a possibilidade de uma doença é já preparar-se para ela. Convém resistir com segurança e positividade. Ademais, o médico é competente para resolver o caso. Por que vou abrigar em mim a ideia, que é negativa, pois a doença é sempre negativa, quando sei que tais ideias cooperam para destruir e não construir, pois nada se faz com negatividade? Assim como esse exemplo, poderíamos dar muitos outros, pois a vida de cada um está cheia de exemplos. Não aceitar a ideia negativa não é pôr-se em discussão com ela. Não se deve aceitar simplesmente por estas razões: 1) Porque é sem fundamento real; 2) Porque é desprezível; 42 3) Porque é apenas produto das forças adversas e não vem do nosso próprio bem, que não pode querer negatividades; 4) É proveniente do nosso componente masoquista, essa tendência que temos, negativa sem dúvida, de sofrer e de até sentir prazer no sofrimento. Essa tendência não tem sua origem no nosso bem, mas no que nos é adverso, portanto é desprezível. A análise da ideia negativa e seu consequente repúdio não deve provocar uma espécie de discussão entre o que luta pela nossa positividade e o que luta, em nós, contra nós, pela nossa negatividade. O adversário torna-se forte à proporção que lhe damos atenção e valor. Aqui, lutar contra o que surge de negativo em nossa mente, através de razões colocadas de parte a parte, é fortalecer o adversário. O que é negativo, e sem fundamento, é simplesmente repudiado, por uma argumentação simples, positiva. Não se deve proceder como os mórbidos, que se entregam ao seu sistema, à sua negatividade, para explorá-la com furor, em plena exibição e excitação de seu componente masoquista, no intuito de provocar nos outros repetições do seu estado doentio. Se outros mórbidos, posteriormente, vão dar valor a essa obra, como superior, é porque ela corresponde à morbidez que os anima. Grande é o sofrimento de um Mozart que o guarda com dignidade e, em sua música, salvo em raríssimos instantes, não expressa a sua dor. E não deixou de ser Mozart, construtivo, fecundo e criador. Todos os autores destrutivos são infecundos. Em poucos livros estão esgotados. Assim há pintores que, com meia dúzia de obras, não têm mais nada a dizer, e músicos que além de uma dezena de composições, na maioria medíocres, não têm mais nada que expressar. Não se pense que o valor que muitos expressam está em suas negatividades, pois o negativo é destrutivo. Eles são grandes pelas positividades, apesar das negatividades que expressam. É um erro pensar que os grandes valores na arte se impuseram pelo negativo. O negativo neles é um ponto de refluxo e não de fluxo. Ninguém realiza nada com negatividade. Quem quer realizar-se, integrar-se, precisa reunir positividades. Vejamos como se deve proceder para alcançar essa grande meta. A colheita do agricultor, já vimos, não será feita com as plantas que pereceram, que secaram, que se estiolaram. A colheita será feita com as plantas que positivamente vingaram. Pois a tua colheita só poderá ser feita de positividades. Tua atitude mental, portanto, só pode ser favorável às positividades. Queres ter coragem? Procede como se tivesses coragem. Dá positividades aos teus gestos, às tuas atitudes. Queres ser forte? Procede como se fosses forte. Dá positividade à tua força. Infla teu peito, ergue o teu busto, retesa teus músculos. Realiza o positivo da força, e confiança em ti. Queres ser ponderado? Toma a posição como se fosses ponderado, lógico. Realiza a positividade do ponderado. Queres ter atenção? Coloca-te na posição como se tivesses plena atenção. Mas tudo isso é ficcional, exclamarão alguns. É ficcional, não há dúvida, mas em termos. Há, na atitude, uma realidade enquanto tal, não há no conteúdo. A atitude do que tem plena atenção é imobilidade, toda voltada para o objeto, olhos fixos, nem um músculo se move. Mas falta o conteúdo anímico da atenção. É só corpo. Enquanto o corpo é real, é a real posição da atenção. Já temos uma positividade. Falta a outra, que completa o esquema concreto da atenção: a interior. Mas já andamos meio caminho. E é fácil compreender a razão. Se a interior se concreciona com a atitude para realizar o esquema práxico, isto é, o esquema concreto da atenção, há uma grande afinidade entre o conteúdo, o interno, com o externo. A positivação do externo, por afinidade, provoca uma atualização, uma eficientização do interno. A repetição é importante. O que queres ser, procede como se o fosses. Esse como se (o als ob dos ficcionalistas alemães) se torna para nós positivo a pouco e pouco, porque já traz alguma positividade. Por isso Nietzsche, quando dizia que quem pratica atos de bondade, acaba pelo menos benevolente, compreendia, como grande psicólogo que era, a verdade que hoje pode servir a nós todos para amplos benefícios. 45 mostrando-te apenas uma precaução, uma prudência, ou aconselhando-te uma atitude que te ponha a coberto do que temes. Não há dúvida que o medo é também positivo e constrói obras grandiosas. Mas é preciso evitá-lo, quando se torna negativo e, portanto, destrutivo. Bem sabes que ele levou os homens a realizarem grandes obras, proverem-se de bens para o futuro, construírem ciências, defenderem-se de perigos possíveis, acautelarem-se do imprevisto desagradável no amanhã. Tudo isso é positivo. Mas o medo, quando predispõe situações contra o teu bem, é destrutivo e não deves aceitá-lo. É fácil saber quando o é. Examina cada um dos teus atos, verifica cada uma de tuas atitudes, e examina, nelas, quanto há de medo, quanto influi ele, positiva ou negativamente. Se tal fizeres, logo ressaltarão, aos teus olhos, inúmeras possibilidades novas, perspectivas incalculáveis e acharás, por ti mesmo, novos caminhos interiores para o teu bem. O CAMINHO DA LIBERDADE Todo o homem é um infinito ainda irrealizado. Que somos nós senão um ser finito, limitado? Onde está, então, a nossa infinitude? Observa as coisas: uma pedra é uma pedra, e nada mais. Mas o homem pode modelá-la, e eis um marco num caminho, uma estátua que simboliza a beleza. Uma planta é uma planta, mas eis que o homem a torna um ornamento. Utiliza-a, e faz dela um alimento para o seu corpo. As coisas são apenas o que são. Elas realizam apenas as suas perfeições e nada mais. Um cão é apenas um cão, e não conhece progressos, porque não conhece os caminhos que levam à realização das perfeições. Mas o homem avança no seu caminho, ascende a novas situações, cria perfeições, reunindo as coisas. Uma pedra que está na montanha é algo do mundo da natureza. Mas essa pedra, tornada em paralelepípedo, pela ação do homem, é transformada num ser do mundo da cultura. Há dois mundos, portanto: a) Mundo na natureza; b) Mundo da cultura. Neste último, é onde o homem cria, onde o homem modela as coisas com a marca do seu espírito; é o mundo da criação. O homem é um ser da natureza, mas que constrói uma cultura. E por que pode o homem construir uma cultura, o que não a fazem os animais? Ora, quem faz alguma coisa é porque podia fazê-lo. E a prova de que podia é que o fez. E se fez, tinha, portanto, um poder para fazê-lo; tinha em si algo efetivo, que lhe permitia realizar o que outros seres não o podem. O homem, portanto, é diferente dos outros seres, pois tem um poder que os outros seres não têm. E de onde vem esse poder? Vem dos seres que existem no mundo da natura? Mas eles não o revelam? Nenhuma pedra construiu uma cultura, nem um animal, nem uma planta. Mas o homem não é uma planta, nem uma pedra, nem um animal. Há no homem animalidade, como há o vegetativo e o mineral. Mas o homem tem algo mais que os outros seres não têm. E esse “algo mais” os outros seres não o têm enquanto são o que são. Portanto, o homem é deles diferentes, e profundamente diferente. Mas seu corpo é carne, sua carne é matéria orgânica, e nessa matéria estão os minerais. Não há dúvida. É tudo isso; mas há nele o que não há nos outros seres: espírito criador. E que é esse espírito criador? 46 Naturalmente, não nos caberia num curso como este, em que apenas temos a intenção de cooperar com o bem dos outros, que nos detivéssemos a examinar um tema de Filosofia que muito bem cabe nos livros que se dedicam a esta tão importante disciplina. Nem, tampouco, tema de tal importância poderia ser examinado, sem que o pensamento esteja perfeitamente disciplinado nos caminhos belos, mas árduos, da Filosofia, e por isso não cabe examiná-lo apressadamente. Mas, do que não há dúvida, é que, na essência do homem, há o que não há nos outros seres. E chamavam os antigos filósofos a essa essência de rationalitas, que deve ter um sentido bem claro: é o espírito humano em toda a sua atividade. O ser humano, portanto, atualiza esse poder na sua capacidade ilimitada de realizar perfeições. Se não as realiza todas de uma vez, tem, porém, a possibilidade de realizá-las umas após outras, e a história humana nos mostra que o homem é o grande realizador de perfeições. Que se entende por perfeição. Por perfeição se entende a realização de uma possibilidade. Essa realização pode ser ainda melhor, e atualizando esse melhor, é mais uma perfeição que se atualiza, que se realiza. O homem é, portanto, um realizador de perfeições. E há um limite para ele? Há, e não há. Exemplifiquemos: se distinguimos bem, poderemos dizer que o homem não é capaz de realizar a máxima e absoluta perfeição, aquela atualização de todas as possibilidades, porque, imerso no tempo, e dele dependendo, tem de realizar, uma após a outra, as possibilidades. E também não alcança a totalidade da perfeição; não se pode negar, porém, que ele pode avançar cada vez mais, realizando perfeições sobre perfeições. Essa marcha ilimitada cabe ao homem. E criador, como é, alcança a pontos cada vez mais elevados, e que lhe podem assegurar uma marcha progressiva que todos devem compreender e desejar seguir. Portanto, o verdadeiro e grande ideal humano só pode ser o da sua perfeição constante, o de sua marcha ascensional para superar-se. Consequentemente: o ideal humano verdadeiro só pode ser o da superação do homem por si mesmo. O homem deve superar-se constantemente para alcançar, cada vez mais, uma super-humanidade, que será, por sua vez, superada. Eis um ideal para os que não têm um ideal, propunha Nietzsche. E o verdadeiro sentido do super- homem, é este, e não o daquelas, em que se desenham o super-homem como apenas um monstro de brutalidade ou de força, como o fizeram alguns dos maus discípulos e todos os adversários. Mas, há no homem o mesmo ser que está nas coisas, dizem. E há, não resta dúvida, mas é mister não confundir. O homem, enquanto homem, não é o que as coisas são enquanto tais. Na forma de uma pedra, há a pedra; na forma do homem, há algo mais: o espírito. Portanto, o espírito, que é ser também, realiza-se no homem, e não nas coisas. E aqui está a dignidade, o valor do homem: ele tem e realiza o que não têm e não realizam as coisas do mundo físico. O homem diferencia-se das coisas por ser criador; as coisas do mundo físico apenas são seres da natureza. O homem é natureza e é espírito. O bem nem todos sabem colher. Uns porque ignoram como encontrá-lo; outros, porque o temem. Esse fruto é a liberdade. E embora pareça incrível, há muitos que temem a liberdade. E pode-se dizer até que o mais doloroso espetáculo que se assiste hoje no mundo é o medo que provoca, medo que gera temor das responsabilidades. Leiamos essas páginas. “Deus quando nos deu a vida, deu-nos a liberdade ao mesmo tempo”, dizia Jefferson. Que é a liberdade? 47 Grande e profundo problema de Filosofia, tema principal e capital de muitas das maiores controvérsias da humanidade, as mais belas páginas para louvá-las já foram escritas pelos filósofos, pelos poetas, pelos escritores de todos os tempos. Mas, muitas das páginas mais duras e mais terrivelmente destrutivas foram escritas para negá-la. Há livre-arbítrio ou determinismo? Praticamos nossos atos por uma escolha, ou não? Somos apenas dirigidos pelos nossos impulsos interiores aos quais não podemos dirigir nem orientar? Não vamos aqui relatar, nem de leve, essa imensa polêmica que levou séculos, e ainda hoje empolga o espírito de muitos. O homem é um animal racional: verdade que todos aceitam. E ser racional é ser capaz de escolher, capaz de preferir, de pesar, de comparar esta ou aquela solução, de captar as possibilidades das possibilidades. O homem pode prever as consequências de seus atos. Pode imaginar que se proceder assim, poderá suceder isto ou aquilo. Tal ato poderá levar a tais ou quais consequências. E porque pode julgar, pode comparar, pode medir, pode escolher. Se o homem fosse apenas uma máquina, apenas um autômato, que realiza os atos pela determinação de uma força, não teria noção do futuro. O ter noção do futuro demonstra independência, capacidade de escolher no suceder que sobrevém. É por isso que o homem é um ser autônomo e conhece a liberdade. Não podemos negá-lo, porque ela se verifica em cada um de nós. Temos um impulso para a prática de um ato determinado. Queremos refletir sobre as consequências, e a nossa imaginação põe-se a trabalhar, revelando-nos uma série de acontecimentos possíveis, que vamos analisando racionalmente. Afinal, contrariando nosso impulso, vencendo nosso desejo, resolvemos não fazer o que desejávamos. Negar esse fato prático que verificamos em nossa vida, seria negar praticamente também todo o poder da educação. E ninguém pode negar a ação desta no proceder do homem. Até os animais, que julgamos autômatos, podemos domesticá-los, modificar seus hábitos, transformar seus gostos, dar-lhes o poder de dominar impulsos e de não realizar o que desejam. Estamos numa das épocas mais terríveis da história do homem. Apesar de toda a nossa grandeza, de todo o progresso material que conquistamos, apesar de todo o desenvolvimento de nossa ciência, de nossa técnica, estamos, no entanto, num desses momentos cruciantes da vida humana, em que muitos homens estão dispostos a perder a sua liberdade. Não são poucos, mas milhões e milhões de seres humanos que estão dispostos a vender a sua liberdade por um prato de lentilhas. Os problemas de ordem puramente material, a exigência de satisfazer as necessidades imediatas, levam milhões de homens a se disporem a sacrificar a sua liberdade, para encher seus estômagos e vestir a sua nudez, como se o caminho dela fosse compatível ao da solução dos problemas materiais. Não são poucos os que acreditam que só podemos solucionar nossos magnos problemas econômicos à custa da nossa liberdade ou, então, nos contam a impiedosa mentira de que ela consiste apenas em ter o estômago cheio e o corpo coberto. Não; liberdade é muito mais. E é através da conquista da própria liberdade que podemos garantir melhor tudo isso. O caminho da liberdade é o da prática da própria liberdade. É com a prática da liberdade que formamos homens livres. Como poderás vencer se estás já disposto a ceder a tua liberdade por um prato de lentilhas? Os que não amam a liberdade nunca podem ser vitoriosos. E lembra-te: o caminho da vitória é o caminho da liberdade, e o seu caminho é o da prática da própria liberdade. Pratica a liberdade, e respeita a dos outros, que respeitarão a tua. Onde houver escravos, liberta-os. Onde houver opressão, rebela-te. Luta pela liberdade de todos, e lutarás pela tua própria. Não podes ser livre onde há homens escravos.