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Guias e Dicas
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A Arte da Negociação - Michael Wheeler, Notas de estudo de Administração Empresarial

Administração de Empresas

Tipologia: Notas de estudo

2016

Compartilhado em 25/02/2016

graziano-riv-8
graziano-riv-8 🇧🇷

4.5

(2)

3 documentos

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Baixe A Arte da Negociação - Michael Wheeler e outras Notas de estudo em PDF para Administração Empresarial, somente na Docsity! AN E NEGOC!- AÇÃO NARA DADOS DE COPYRIGHT Sobre a obra: A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo Sobre nós: O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso site: LeLivros.link ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link. "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível." Para todo problema complexo existe uma solução que é clara, simples e errada. H. L. MENCKEN, JORNALISTA E CRÍTICO NORTE-AMERICANO [1] Abrace o caos Há alguns anos, Jay Sheldon, gestor de uma firma de investimento privado, comprou uma pequena empresa de TV a cabo no Centro-Oeste norte-americano. Ele não conhecia muito bem a indústria, mas 8 milhões de dólares parecia um bom preço e a aquisição permitiria que ele sentisse o gostinho do mercado. Jay e seus sócios rapidamente fizeram o negócio prosperar. Um ano depois, eles decidiram expandir os negócios por meio da aquisição de sistemas próximos. Depois de analisar os números, perceberam que poderiam pagar 11 milhões de dólares, talvez até 12 milhões, para comprar uma segunda empresa de TV a cabo em uma cidade vizinha. Jay deu início a uma longa série de conversas com o proprietário daquela empresa, mas, depois de dois meses de vaivéns, ficou claro que a outra parte estava querendo ir bem mais longe no preço. “Escute”, o proprietário disse, “eu não coloquei uma placa de ‘vende-se’. Você veio atrás de mim. Então tem que colocar 15 milhões em dinheiro vivo em cima da minha mesa para eu ficar tentado. E, provavelmente, eu mesmo vou me bater se pegar a grana”. Sheldon entendeu que aquilo não era um blefe, mas também sentiu que a exigência estava fora da realidade. Pela lógica convencional, as partes estavam num impasse. Se o ponto de partida do vendedor é de 3 milhões acima do teto absoluto do comprador, então não há acordo. Ou há? “Deixe-me fazer uma última pergunta”, disse Sheldon antes de se levantar para sair. “Se você acha que seu sistema vale 15 milhões, o que você acha do nosso?” “Ah, o seu vale um pouco menos”, foi a resposta. “Eu diria uns 14”. Sheldon inverteu a negociação. Ele habilidosamente se tornou vendedor em vez de comprador. Em pouco menos de um ano, ele despachou seu próprio sistema por quase o dobro do que havia pagado por ele (e grande parte desse valor tinha sido alavancada). Ele já estava na expectativa de as ações da TV a cabo subirem, mas quando encontrou esse tal proprietário, que era um apaixonado da indústria, Sheldon teve a agilidade de transformar um aparente impasse em uma venda lucrativa. Sua solução foi genial. O mais importante, contudo, foi o raciocínio veloz. Com o impedimento de sua esperada aquisição, Sheldon lançou a semente de outro negócio que seria ainda melhor para ele. Quando abriu mão de seu plano inicial, o insight veio como um raio. A agilidade de Sheldon é a marca da excelência de um grande negociador. Sim, a preparação é importante, mas a negociação é uma via de mão dupla. Nós não podemos estabelecer um roteiro do processo. Quem quer que esteja sentado do outro lado da mesa deve ser tão inteligente, determinado e falível quanto nós. Não podemos impor suas agendas, atitudes ou ações e podemos menos ainda permitir que eles nos dominem. A adaptabilidade é imperativa na negociação do começo ao fim. As oportunidades vão pipocar, assim como os obstáculos. O poder escorre e se esvai. Conversas que se arrastam podem ir para a frente ou se desviar para outra direção. Até mesmo os nossos objetivos podem se desenvolver. Temos que fazer o melhor do que quer que se desenrole. Negociadores como Sheldon são ótimos improvisadores. Quando as coisas não estão indo bem, eles surpreendem com uma proposta esperta, arriscam uma piada ou até desafiam o outro lado. Se necessário, eles até fazem grandes mudanças em suas estratégias. O curioso é que, apesar disso, não se fala muito de improvisação nos livros básicos de negociação. É o caso também dos manuais de táticas agressivas para dominar o outro lado e também dos textos de abordagem ganha-ganha1, que pregam a solução de problemas em conjunto. A despeito de suas diferenças óbvias, ambas as abordagens se iniciam com a mesma premissa estática de que você tem seus próprios interesses e eu tenho os meus. A mensagem do ganha- ganha é que, ao pôr as cartas na mesa, você pode “fazer a torta crescer” (leia-se resultado) ao fazer negócios mutualmente benéficos. As táticas agressivas pedem que você mantenha suas cartas bem seguras perto de você (e talvez esconda algumas na manga). Mas há muito mais em uma negociação do que blefar e barganhar. O desafio reside no fato de que as preferências, opções e relações normalmente estão em constante mudança. Os teóricos podem ter ignorado essa realidade, mas os melhores negociadores entendem isso muito bem. Foi o que eu vi na minha pesquisa e aproveito para agradecer o trabalho dos meus colegas no Programa de Negociação (uma associação interdisciplinar de especialistas em negociação da Harvard University, do Massachusetts Institute of Technology e da Tufts University). Em um projeto de dez anos liderado por Jim Sebenius, analisamos o trabalho de grandes negociadores em uma ampla variedade de campos de atuação. Dentre eles, incluem- se diplomatas como George Mitchell, que mediou o processo de paz na Irlanda do Norte; o banqueiro de investimentos Bruce Wasserstein; e artistas visionários como Christo e Jeanne- Claude. São diferentes os contextos em que esses virtuoses negociam. Também suas personalidades são para todos os gostos. Alguns têm uma certa sobriedade, enquanto outros são calorosos e interessantes – até mesmo engraçados. Mesmo em nossos workshops com esses negociadores, todos enfatizaram a natureza dinâmica da negociação e a importância da agilidade. O ex-embaixador Richard Holbrooke, que forjou um acordo que colocou um ponto-final no derramamento de sangue nos Bálcãs, descreveu a negociação como sendo mais como jazz do que ciência. “É a improvisação sobre um tema”, disse ele. “Você sabe aonde quer ir, mas não sabe como chegar lá. Não é linear”. O enviado especial da ONU, Lakhdar Brahimi, que atuou como mediador em algumas das zonas de conflito mais violentas e imprevisíveis, utiliza uma metáfora náutica para expressar a mesma ideia: os negociadores devem sempre “navegar pela vista”, alerta ele. Não importa Outro exemplo seria você fazer uma proposta. Ela não funciona para eles. Eles contra- atacam com algo que não é tão entusiasmante do seu ponto de vista. As duas ideias juntas levam vocês dois a uma terceira opção que nenhuma das partes havia maquinado sozinha. Quando muda a questão em discussão, você deve se adaptar. Pode ser um ajuste sutil ou, como ocorreu com Jay Sheldon, uma grande reviravolta. Do mesmo modo, você procura influenciar os que estão do outro lado, para convencê-los do valor daquilo que está oferecendo. O que eles dizem em resposta – e como eles dizem isso – se refere àquele ponto em particular, mas revela também um feedback sobre como você está efetivamente comprometido com a contraparte. Talvez seu estilo se adeque a eles. Caso contrário, você terá de mudar sua abordagem. Além das notas e moedas envolvidas em um possível acordo, você está negociando como negociar. SUCESSO E FRACASSO Décadas atrás, em uma região de construções baixas de Manhattan, o conselho administrativo de uma igreja localizada em um terreno de esquina pediu que a empresa imobiliária de Julien Studley realizasse uma avaliação de sua propriedade. Membros do conselho esperavam alcançar um preço que permitisse a eles construir em outro lugar e sobrasse dinheiro suficiente para financiar seus programas sociais. O cálculo da empresa foi bem abaixo do que eles precisavam, por isso a igreja pagou a taxa de avaliação e abandonou sua ideia. O jovem corretor que tratava a questão teve, no entanto, outra ideia. E se ele conseguisse, de alguma maneira, adquirir todas as propriedades do quarteirão? O conjunto completo poderia valer muito mais do que seus constituintes. Mas havia muitos desafios. Como iniciante, sua empresa não tinha os recursos necessários para comprar todas as propriedades, nem mesmo dispunha de outro comprador com os bolsos cheios. Levou um tempo, mas o corretor e sua empresa chegaram lá. Parcela por parcela, eles atenderam às diferentes necessidades dos inúmeros proprietários. Pagaram as despesas de mudança dos inquilinos idosos em um caso. Em outro, mantiveram um restaurante aberto para que seus funcionários tivessem trabalho até a construção se iniciar. Eles até deram um jeito de fazer um acordo no condomínio para que a igreja pudesse ser reconstruída em seu terreno atual. Mas a empresa também teve dificuldades com competidores em potencial. Se você por acaso estiver em Midtown, dê uma olhadinha para cima e você verá a reluzente torre do Citibank que culmina em um marcante topo angular. A história de como ele foi construído oferece lições poderosas de negociação adaptativa e improvisação. Outros casos não terminam tão bem. O conselho responsável por um edifício de apartamentos cooperativos decretou uma regra que exigia que todos os moradores instalassem e pagassem por grades de segurança nas janelas. Um morador em particular se recusou a pagar, alegando que o conselho deveria arcar com o custo – no caso, 902 dólares. O conselho, formado por seus vizinhos no edifício, viu-se impelido a usar de sua autoridade legal e impetrou uma ação, esperando que o proprietário cedesse. Em vez disso, ele acionou seu próprio advogado e as partes ficaram fora das disputas de litígio. O conselho cooperativo ganhou antes do julgamento, perdeu no recurso e então teve o julgamento reintegrado por uma corte superior. Essa batalha se arrastou por quase cinco anos. Na época, as despesas legais se avultaram para mais de 80 mil dólares – quase cem vezes mais do que a quantia originalmente em jogo. Eles não tinham acabado, no entanto. O proprietário contestador desistiu de reverter o julgamento, mas as partes voltaram a brigar para que ele reembolsasse o conselho por suas despesas legais. Quando eles enfim terminaram, já tinham ultrapassado a casa dos 100 mil dólares. Desde o início, cada lado pressupôs que o outro ia ceder e abandonar a briga. Em vez disso, ambos se cutucaram cada vez mais fundo e continuaram cutucando. Ninguém pensou em investir tanto tempo, dinheiro e emoção em uma proposta perde-perde, e foi o resultado que eles obtiveram. O proprietário do apartamento finalmente aprendeu a lição. “Sou um homem convertido”, disse ele depois de tudo. “Qualquer coisa que você puder fazer para evitar um processo, faça”. O advogado do conselho cooperativo, no entanto, não deu o braço a torcer. “Eu acho que as despesas aqui foram apropriadas e se ativeram realmente ao mínimo”, disse. Ele alegou que seus clientes “tinham noção do que estava acontecendo” ao longo do caso. “Não houve surpresas”. Sua atitude evidencia um compromisso fatalista com uma estratégia, mesmo quando há evidências crescentes de que ela não está funcionando. Talvez o proprietário pudesse ter “doado” 902 dólares para algum outro uso comum sem ter de apelar ao princípio legal. Ou outro morador, no fogo cruzado, pudesse ter acabado com o problema se tivesse enviado ao conselho 902 dólares em dinheiro para cobrir o custo das grades da janela – uma pechincha em comparação ao que foi estimado como despesas legais multiplicadas. O fiasco também poderia ter sido evitado se apenas um membro do conselho tivesse feito a pergunta correta quando eles foram processados: qual seria a pior coisa que poderia acontecer? Uma resposta óbvia seria que o proprietário poderia ser tão obstinado quanto ele realmente era. Estratégias moldadas viram pó na turbulência da negociação do mundo real. A persistência muitas vezes é uma virtude, mas, quando se associa a um plano obsoleto, não é. Jay Sheldon tinha a intenção de comprar o sistema vizinho de TV a cabo. No entanto, quando ficou claro que o outro proprietário não ia ceder no preço, ele não tentou forçar a barra ou mexeu em seu próprio preço para aquele negócio. Nem caiu fora. Em vez disso, ele se adaptou e criou um plano B ainda melhor. Mas lembremos que foi a agilidade de Sheldon que fez tudo isso acontecer. Seu colega, sentado à mesma mesa, olhando exatamente para os mesmos fatos, não pensou em ser um comprador até que Jay propusesse isso. O QUE ESTÁ FALTANDO NA SABEDORIA CONVENCIONAL O inovador texto sobre negociação Como chegar ao sim: a negociação de acordos sem concessões, escrito pelos meus colegas Roger Fisher, Bill Ury e Bruce Patton, teve sua primeira publicação há trinta anos. Seu timing não poderia ter sido melhor. O livro oferecia uma alternativa construtiva para a então dominante visão de que negociação é inevitavelmente uma proposta ganha-perde, um jogo vencido por músculos e enganos. Contudo, muitas pessoas ficavam exaustas com os conflitos, seja em litígios demorados, em interrupções de trabalho ou em regiões problemáticas do mundo como o Oriente Médio. Os autores apresentaram um método relevante de cinco pontos para qualquer contexto, desde o aluguel de um apartamento até uma situação de diplomacia internacional: • Foque nos interesses, não nas posições. • Separe a pessoa do problema. • Crie opções para ganho mútuo. • Insista em critérios objetivos. • Desenvolva sua melhor alternativa à negociação de um acordo, ou MAANA (sua vitória fácil caso não haja negócio). Essa abordagem com base no interesse foi amplamente adotada como uma negociação ganha-ganha (embora esse termo nunca apareça em Como chegar ao sim). No fundo, era um apelo para o interesse pessoal esclarecido. O livro continua sendo uma forte rejeição às táticas agressivas ultrapassadas. Em vez de se fechar em posições fixas, os negociadores devem cavar mais fundo e trabalhar a partir de interesses subjacentes. Se você está procurando um novo emprego, não discuta salário para não correr o risco de ter um mau começo de relacionamento. Em vez disso, procure outros benefícios que possam ser mais valiosos do que algumas notas a mais no fim do mês. Com um pouco de inventividade, você pode transformar muitos problemas de soma zero em oportunidades para ganho mútuo. Até mesmo os pechincheiros mais inflexíveis, sem nenhuma preocupação com a equidade, devem ser seduzidos pela prospecção de “fazer a torta crescer”. Os leitores também foram lembrados da importância dos relacionamentos e da reputação. Táticas agressivas podem funcionar em transações rápidas e de preço único entre estranhos, mas há custos. A maioria das pessoas que já chegam armadas da cabeça aos pés não volta para outra surra. Livros como Start with no: America’s number one negotiating coach explains why win-win is a disastrous strategy, and how you can beat it3, de Jim Camp, ignoram o fato de que, no mundo altamente conectado de hoje, tudo o que vai, volta. Eles também não explicam o que acontece quando as duas partes congelam e simplesmente esperam que alguém pisque. Às vezes, a mesa de negociação inclina-se para um dos lados, é claro. Quando isso acontece, Como chegar ao sim enfatiza a importância de improvisar seu MAANA. A questão é analisar as ofertas que estão na mesa para decidir de maneira realista o melhor que você pode fazer se não houver acordo. Ter uma boa reserva, naturalmente reforça sua mão de troca. Se você tem cartas ruins na mão, então você pode ter de aceitar termos pelos quais você não está tão interessado. Portanto, duas salvas de palmas para a negociação ganha-ganha. Os livros baseados nesse sabem bem o que querem. Tim Wilson, psicólogo da University of Virginia, descreve como sua própria corretora ouve educadamente quando futuros compradores listam suas prioridades, mas então os ignora, sorridente, e mostra a eles muitos imóveis diferentes. “Nas visitas iniciais, a corretora presta muita atenção às reações emocionais de seus clientes, enquanto eles andam pelas casas, tentando deduzir o que eles realmente estão procurando”. De acordo com Wilson, os corretores têm uma frase: “Compradores mentem”. Isso não é intencional. As pessoas simplesmente não conhecem suas próprias mentes. “Um dos motivos por que minha corretora de imóveis é tão bem-sucedida é por ser bem habilidosa na hora de inferir o que os clientes dela querem e muitas vezes conhece suas preferências melhor do que eles próprios”. Carol e Don evitaram riscos maiores ao optar por um lugar menos caro na hora de fechar o negócio. Às vezes, contudo, eles se veem desejosos ao passar de carro em frente à casa dos seus sonhos, a quatro quadras de distância de sua residência atual. Eles ficam imaginando se eles poderiam ter insistido em um preço mais baixo, sendo mais assertivos. Mas por causa da inerente incerteza da negociação, eles nunca saberão ao certo. Esse tipo de especulação em retrospectiva não faz muito bem. Em vez disso, é mais interessante que você pense sobre como negociou. Nesse ponto, os Griffin se saíram bem. A preparação meticulosa de Carol pode apenas refletir os atributos que eram fáceis de quantificar. Não foi possível captar como eles se sentiram em relação a cada casa até que eles fizessem suas visitas. Ainda assim, a planilha serviu como um modelo valioso com o qual eles poderiam verificar seus julgamentos. Antes de assinalar uma casa que eles haviam classificado positivamente, eles se forçaram a se perguntar o que eles não tinham gostado e o quanto importava. Eles mudaram suas prioridades, mas de uma maneira disciplinada. Os Griffin aprenderam e se adaptaram no decorrer do caminho. Alguns proprietários com os quais eles negociaram pareciam estar experimentando o mercado, na esperança de que alguém pudesse fazer uma oferta que eles não poderiam recusar. Outros estavam com mais pressa para vender, o que proporcionou uma maior alavancagem do que eles haviam previsto. No fim, as pessoas que venderam a casa para os Griffin entenderam que eles eram compradores cuidadosos e ofereceram a eles um preço que era bom demais para passar batido. NEGOCIAÇÃO DINÂMICA Este livro explica como se tornar um negociador mais ágil e eficaz. Não se trata de uma questão de estar mais ou menos preparado e ser um pouco flexível. Se você tentar fazer isso, cairá entre as rachaduras. Em vez disso, administrar a incerteza deve ser a base de sua estratégia de negociação. A Parte um traça um modelo dinâmico para analisar e conduzir negociações. A Parte dois trata do raciocínio e das técnicas para aprender, adaptar e influenciar simultaneamente. A Parte três situa esses conceitos em cada fase da negociação, partindo do início, passando pelos momentos críticos, até o fechamento. A Parte quatro, “Maestria”, alinha criatividade, aprendizado contínuo e ética. A primeira parte – “Uma noção de direção” – lida especificamente com o papel da ambiguidade, da mudança e da sorte inerentes a qualquer negociação. Compreender a natureza do ambiente é o primeiro passo para desenvolver uma estratégia adaptativa para atravessá-lo. Mas simplesmente reconhecer a incerteza não é suficiente. Os mestres da negociação a incorporaram em sua estratégia e a reverteram a seu favor. O capítulo “Um mapa dos Pireneus” penetra nos desafios subjacentes de imprevisibilidade introduzidos aqui. São colocadas três perguntas-chave que devem ser destacadas antes de negociar. O capítulo seguinte, “Prospecção”, oferece ferramentas de preparação para estabelecer metas, ponderar trade-offs, avaliar o aspecto positivo e determinar quando dar o fora. Enquanto os capítulos 2 e 3 focam no que você está buscando (suas metas reais), o capítulo 4, “Plano B”, trata da estratégia e do processo – o como – da busca por acordo e detalha nove princípios estratégicos para se aventurar adiante. A segunda parte do livro – “Improvisação” – concentra-se em microinterações em um nível tático. Ser ágil refere-se tanto ao raciocínio quanto à técnica. Essa seção começa com um capítulo chamado “Presença de espírito”. Para seu melhor desempenho, você deve estar preparado para negociar mentalmente e emocionalmente. Isso exige uma habilidade paradoxal de ser tanto calmo quanto alerta, paciente e proativo, criativo, mas ainda com os pés no chão. Os capítulos da segunda parte aprofundam-se nos princípios e nas técnicas da improvisação. No capítulo “O ritmo das coisas”, você verá como os músicos de jazz, até mesmo os completamente desconhecidos, criam uma música nova do zero. Eles sabem quando fazer um solo e quando harmonizar. Eles até se atrevem a cometer erros. Assim, como contraponto, em “Consciência situacional” você verá como os conceitos de campo de batalha, jogo de xadrez ou esportes competitivos aplicam-se não somente às decisões agressivas de processos judiciais e disputas laborais, mas também a transações colaborativas. A terceira parte do livro – “Gestão do processo” – aplica essas práticas ao fluxo da negociação. O capítulo “Inícios” compara transcrições de duas duplas de negociadores veteranos lidando com o mesmo problema. Uma dupla falha ao não entrar em acordo. A outra dupla instintivamente segue as regras do jazz e improvisa, tão rápido quanto entram em sincronia. O capítulo “Momentos críticos” examina pontos de inflexão nas negociações: conjunturas em que você tem que tomar decisões que são difíceis de atingir. Fazer uma oferta de que você não pode voltar atrás é um exemplo. Lidar com ameaças e ataques é outra. O capítulo “Fechamento” arremata essa terceira parte. Se alguém lhe faz uma proposta atraente, quando você deve aceitar e quando você deve pressionar por mais? A última parte do livro – “Maestria” – traz luz às características que separam os negociadores capazes das verdadeiras estrelas. Uma delas é a criatividade, como você verá no capítulo “Acenda as luzes”. Pessoas como Jay Sheldon (o investidor que salvou seu negócio de TV a cabo) têm a destreza para chegar a acordos em situações nas quais outros podem ver apenas impasse. A maestria também implica uma mistura de confiança e humildade. No capítulo “Aprendizado cruel”, você descobrirá que os melhores negociadores aprendem as lições certas a partir de sua experiência. Eles não são intoxicados pelo sucesso precoce. O capítulo de conclusão do livro, “De acordo”, analisa as questões éticas inerentes a todas as negociações. As escolhas mais difíceis não se referem a certo e errado; mas, sim, exigem a reconciliação de valores de competição e obrigações. Assim, o apêndice apresenta vinte e cinco razões para abraçar o caos na negociação, uma listagem temática dos princípios básicos e métodos da abordagem aprenda-adapte-influencie. Essa lista é um lembrete para aplicar estratégias com destreza. Estou confiante de que uma leitura atenta deste livro fará de você um negociador melhor, seja você um novato ou alguém com muita experiência. O conselho aqui é se apoiar nas melhores práticas dos negociadores mais qualificados. Esta obra oferece uma abordagem nova e prática da negociação que vai fazer você repensar seus próprios hábitos e suposições. Espero que este livro seja libertador. PONTOS-CHAVE • Antecipe que as metas, os interesses e as alternativas de vitória fácil podem se desenvolver para sua vantagem ou desvantagem. • Entenda que a negociação é um processo de interação. Suas ações e declarações podem influenciar suas contrapartes de formas que você não esperava nem intencionava. • Maximize a efetividade de sua negociação ao aplicar uma estratégia forte. • Esteja preparado para improvisar. 1. N.T.: Na negociação ganha-ganha, as duas partes saem ganhando. Outras estratégias citadas no decorrer do livro são: ganha-perde (um ganha, outro perde), perde-perde (as duas partes saem perdendo) e, ainda, a estratégia ganha-ganha-ganha (negócio positivo para organização, cliente e comunidade). 2. N.T.: Big Tobacco é uma expressão pejorativa para designar a indústria do tabaco norte-americana; mais especificamente, as três maiores empresas do segmento (Philip Morris USA, Reynolds American e Lorillard). 3. N.T.: Em tradução livre, Comece com um não: o treinador número um dos Estados Unidos explica por que ganha- ganha é uma estratégia desastrosa, e como você pode superar isso. Essa vigilância constante permitiu que eles ajustassem o modelo mental que tinham ao mundo real que estavam atravessando. Essa reorientação contínua exigiu atenção sagaz às redondezas. A sobrevivência dependeu da boa vontade ao abandonar suposições e aceitar novas realidades. Confiança, ímpeto e vigilância: convoque esse trio e você terá companheiros destemidos quando as apostas estiverem altas e resultarem em dúvida, seja atravessando montanhas ou negociando acordos. O mapa dos soldados estava errado, mas não tão errado. Um mapa do Saara ou do lago Erie não teria feito mal aos soldados. Para ser útil, o mapa tinha de corresponder grosseiramente à realidade. Se ele não fosse plausível, os homens não teriam tido confiança em si mesmos. E tinha de ser apropriado ao contexto, ou ele não teria oferecido a direção inicial. Mas também tinha de estar na escala certa. Um mapa detalhado provavelmente os teria deixado na pior. Entusiasmados com os detalhes topográficos, eles teriam questionado em círculos sobre por onde começar, em vez de focar em aonde eles precisavam ir. É claro que você não pode tirar um mapa impresso de seu bolso quando está formulando uma estratégia de negociação. Você mesmo tem de projetar um. Mesmo quando estiver em um território familiar e experiências anteriores sugerirem um caminho específico, proteja-se contra um raciocínio do tipo “faça isso, faça aquilo”. O terreno pode ter mudado desde a última vez em que você esteve por ali. Cartógrafos tradicionais utilizam sextantes, teodolitos de agrimensura e altímetros para delimitar o território. Como diz o embaixador Brahimi, os negociadores devem constantemente utilizar seus olhos. Para sermos mais específicos, você precisa de uma percepção realista de três características da paisagem. A primeira é uma visão perspicaz de onde você pensa que está no momento – ou seja, uma avaliação de suas necessidades, prioridades e trade-offs – assim como suas opções de reserva, caso a negociação fique estagnada. A segunda é uma estimativa das circunstâncias em que se encontra sua contraparte, de modo que você possa deduzir o que pode se mostrar aceitável. (Iremos nos aprofundar nesse assunto no próximo capítulo.) Um terceiro elemento da negociação mapeada está relacionado à catalogação de fatores básicos que você desconhece no início, de modo que você esteja atento a surpresas à medida que o processo se desdobra. Fazer a si mesmo essas três perguntas irá ajudá-lo a elaborar uma estratégia: 1.Devo negociar? 2.Este é o momento? 3.Ser comedido ou apostar tudo? Essas perguntas o encorajam a gladiar com a incerteza da negociação e levar em conta o mapeamento de um plano substancial. DEVO NEGOCIAR? Em seu popular livro Você pode negociar qualquer coisa, Herb Cohen reconta histórias sobre pechinchar com vendedores. Ele admite que ganhar um desconto especial em uma geladeira pode levar muitas voltas pela loja e horas de conversa, mas o processo é delicioso. Para ele, o preço na etiqueta é apenas um ponto de partida. Cohen está certo. Muitas coisas são negociáveis. Como ele aconselha, você não vai conseguir se não perguntar. Mas perguntar pode ser arriscado, como Arvind Gupta aprendeu, para seu arrependimento. Ele era amigo íntimo de um casal que vivia em uma mansão de frente para o mar com uma vista ampla do oceano. De alguma forma, por vinte anos, eles nunca tinham sido cobrados pelos impostos da propriedade e, por isso, nunca os haviam pagado. Quando uma notificação da cidade chegou, a quantia era absurda. Eles já haviam pensado em reestruturar suas vidas, e a conta os pressionou a tomar aquela decisão. Eles não tinham filhos, então foram até Arvind, que eles adoravam, e ofereceram vender a propriedade para ele por 2,5 milhões de dólares. Arvind percebeu que aquele preço era uma pechincha, mas estava além de seus recursos. Ele foi atrás, então, de outro amigo, que ele chama de “Wealthy Bill”, um apelido que também é uma forma de registrar sua mais recente fortuna. Bill reconheceu a oportunidade de investimento e ficou feliz por ser o sócio oculto da negociação, mas disse que deveriam fazer uma contraproposta de 2,25 milhões de dólares. Se os vendedores insistissem no preço cheio, ele afirmou, se necessário poderiam até pagá-lo. No entanto, Arvind estava hesitante. O preço que eles pediam ainda estava bastante abaixo do mercado. “Bobagem”, disse Bill. “Sempre há espaço para barganhar”. Relutante, Arvind fez a contraproposta, uma vez que a maior quantia em jogo era de Bill. Você provavelmente sabe para onde essa história está se encaminhando. Os amigos de Arvind expressaram sua mágoa e raiva quando ele tentou pechinchar: “nós tratamos você como um filho e é assim que você nos agradece?”. Os proprietários retiraram a proposta, encontraram um corretor de imóveis e, menos de um ano depois, venderam a propriedade por 11 milhões de dólares. Ops! Arvind mostra-se conformado com a experiência. Ele não é rico, mas é bem-sucedido em sua carreira e financeiramente confortável. Ele também se tornou um exemplo do princípio de que o único caminho para saber quão perto da beira do precipício você pode chegar com segurança é dando mais um passo além. Compare o fiasco de Arvind com a história de Liz e Tony Weiler. Por vinte anos, todo verão eles alugavam um chalé em Salt Harbor, uma charmosa comunidade litorânea em Massachusetts. Da varanda do fundo, eles podiam observar suas crianças brincando na praia particular. Ficaram amigos da proprietária idosa que vivia na casa ao lado. Ela os ajudou a plantar mudas de framboesa e mirtilo. Em troca, Liz fez tortas de frutas para a senhora. De tempos em tempos, eles perguntavam discretamente se ela gostaria de vender a propriedade, mas ela tinha três filhos adultos, um dos quais já havia manifestado interesse na casa. Os Weiler sabiam que poderiam voltar ao chalé todo verão enquanto a vizinha ainda estivesse viva, mas ficaram desanimados ao pensar no que aconteceria quando ela morresse. E ela tinha noventa e quatro anos na ocasião. Então, numa manhã de agosto, o filho mais velho da senhora apareceu na porta deles. Sem entrar, ele anunciou que tinha conversado com a mãe e com seus irmãos. A família estava pronta para vender o imóvel. “Trezentos e trinta mil dólares”, disse ele. “É pegar ou largar. Fale conosco antes do Dia do Trabalho.”, disse, e então foi embora. Os Weiler ficaram alucinados. Finalmente, o chalé poderia ser deles. Mas e quanto ao preço? Considerando o mercado, o valor pedido não estava longe da realidade, e eles podiam pagar, mas também não era uma pechincha. Mais uma vez, não havia mais nada naquela faixa de valor que eles gostavam tanto. Apesar disso, Liz tinha ficado meio ofendida com o comentário “pegar ou largar”. Por que não fazer uma contraproposta? Sempre que alguém lhe faz uma proposta, seja no começo ou no meio de uma negociação, você deve considerar os prós e contras de barganhar mais. No caso dos Weiler, a vantagem de contra-atacar seria poder economizar algum dinheiro. Abater 10% ou mais do preço poderia ser um tiro no escuro, e mesmo economizar metade dessa quantia poderia valer a pena. Mas e quanto à desvantagem? Haveria algum prejuízo por perguntar? A proprietária poderia abaixar um pouco o valor pedido ou insistir que o preço era aquele. Mas foram anos para que a família concordasse em vender. O consenso entre eles poderia ser frágil. Se os Weiler se opusessem, algum dos filhos poderia usar isso como desculpa para retirar a oferta. Sentados na sacada de seu chalé alugado, eles pesaram os prós e contras da negociação. Quem não arrisca não petisca, pensaram eles. Mas eles também imaginaram outro corolário: quem não arrisca não perde. A neblina da negociação – sua incerteza inerente – torna difícil saber quanto espaço existe para negociar ou se realmente existe algum espaço. Os Weiler poderiam ter feito uma contraproposta sem minar o negócio, mas, para eles, a questão essencial era se a vantagem de economizar 15 ou 20 mil dólares valeria a pena, mesmo considerando a pequena probabilidade de perder uma casa que eles namoravam há tanto tempo. A teoria convencional da negociação que abordamos no capítulo anterior não menciona o problema de quando dizer sim. Ela apenas diz para você ponderar o que quer que lhe tenha sido oferecido em contraposição à sua alternativa sem transação nenhuma – ou seja, sua melhor rota de ação se você não chegar a um acordo. Desse ponto de vista, para Arvind e para os Weiler, trata-se de uma questão de comparar dois caminhos em um esquema simples de decisão: transações empresariais, cada lado pode hesitar para fazer uma concessão e fechar um negócio, temeroso de que possam parecer fracos. Do mesmo modo, as pessoas envolvidas em um litígio despejam dinheiro em processos judiciais, nunca esperando levar o caso a julgamento, pressupondo que podem esperar pelo outro lado. Basta que uma das partes seja obstinada para que a situação vire um beco sem saída. Se as duas partes estiverem empenhadas em perdurar mais que a outra, os custos podem ser colossais. A National Hockey League (NHL) e a NHL Players Association puseram fim a uma longa disputa no início de 2013, mas só depois de cada lado ter sofrido enormes perdas por causa do cancelamento de metade da temporada regular. Durante a greve patronal, o comissário Gary Bettman declarou que os times estavam perdendo entre 18 e 20 milhões de dólares por dia; por sua vez, os jogadores perderam entre 8 e 10 milhões de dólares em salário todos os dias. Mesmo quando o prazo para chegar a um acordo se arrastava cada vez mais, cada lado pressupôs que o outro era obrigado a “cair em si” e conceder. Do ponto de vista dos jogadores, parecia irracional aos proprietários sacrificar as vendas de ingresso e a transmissão televisiva enquanto acumulavam débitos imensos com suas instalações. Os proprietários, por sua vez, não conseguiam ver como os jogadores poderiam arriscar perder um ano inteiro de renda em suas breves carreiras. Cada grupo pensava que o tempo lhe favorecia. Em muitos aspectos, essa era uma negociação perde-perde. Ambos os lados teriam se saído substancialmente melhor se, no começo, tivessem de alguma forma se orientado para chegar às mesmas condições com as quais acabaram concordando no final. A perda de ingressos, concessões e renda com a mídia se foi para sempre, assim como os contracheques que os jogadores teriam recebido se não tivesse ocorrido a paralisação. O resultado parece ainda mais irracional, uma vez que ambos os lados já tinham passado por isso antes: metade de uma temporada tinha sido desperdiçada em 1994/95, ao passo que uma greve patronal em 2004/05 havia provocado o cancelamento de toda a temporada da NHL. Prolongar uma negociação faz sentido somente se há uma razão consistente para acreditar que você estará em uma posição melhor amanhã do que está hoje. Esse pode ser o caso se o tempo acrescentado possibilita que você ganhe influência ao melhorar sua posição de reserva ou ganhar aliados importantes. Ter mais tempo também permite que você esteja mais bem preparado (embora isso também seja verdade para suas contrapartes). Mas as condições também podem piorar. Acompanhar os clientes pode levá-los a procurar por condições melhores junto a seus competidores. Por exemplo, se você espera por um preço melhor para uma casa nova, as taxas de hipoteca podem subir. Preparar-se para uma negociação importante pode levar tempo, mas você não será onisciente. Determinados aspectos de suas contrapartes – suas prioridades, temperamento e confiabilidade – podem ser mais bem aprendidas ao negociar com seriedade. O momento de negociar é quando você puder aprender mais estando à mesa do que sendo absorvido em uma preparação individual. APOSTAR TUDO? Alguns anos atrás, a Iberia Airlines foi até a Boeing e pediu a proposta de um avião mediano em uma licitação. A indústria aeronáutica estava em uma crise profunda desde 2001, e a Iberia era uma das poucas que ainda faziam dinheiro na época. A expectativa de um novo negócio para a Boeing era como uma graça divina trazida à empresa. No entanto, eles estavam hesitantes para fazer sua proposta. No passado, a Iberia sempre havia favorecido a Airbus, uma concessionária europeia. Era possível que a empresa espanhola apenas quisesse usar a Boeing como um pretexto para brigar por melhores condições com seu fornecedor de longa data. Para a Boeing, o custo de licitação para o contrato com a Iberia – e o prejuízo – seria substancial. Além do momento administrativo e dos milhões de dólares que seriam investidos no projeto e em despesas financeiras, havia fatores importantes de reputação. Ser vice-campeão em uma corrida de dois cavalos confirmaria os acordos obscuros de analistas de mercado e posteriormente enfraqueceria a imagem da Boeing na negociação com outros clientes em potencial. Isso também causaria problemas morais dentro da empresa. Mas qualquer chance real de garantir o contrato da Iberia exigiria que a Boeing cortejasse a companhia aérea agressivamente e fizesse uma oferta arrojada. Medidas no meio do caminho não funcionariam. Inicialmente, a Boeing decidiu não participar da licitação. As probabilidades de ganhar eram muito pequenas, e os custos de prejuízo eram correspondentemente altos. A Iberia, entretanto, não quis fazer negócio com a Airbus como sua fonte única, então ela se empenhou muito para convencer a Boeing de que a empresa americana tinha uma chance única no contrato. Por fim, a Boeing cedeu e investiu pesado em uma proposta, mas a Iberia escolheu a Airbus – depois que a última foi compelida a fazer concessões de preço significativas para se igualar às condições da Boeing. Sair de mãos vazias dessa negociação foi pior para a Boeing do que seria não ter tentado. Ter que entrar com tudo na proposta – e fazer isso tão publicamente – piorou os problemas. Em retrospectiva, houve remorso por a empresa não ter mantido sua decisão original e ficado de fora da competição. Às vezes, contudo, você tem de mostrar todas as suas fichas na mesa do jogo para que seja visto como um jogador sério. Essas fichas podem ser seu tempo, dinheiro ou status – ou os três juntos. Quando você consegue resguardar suas apostas ou pagar um negócio com outro, não há problema, mas às vezes você tem de colocar seus ovos de negociação em uma cesta e então administrar aquela cesta bem cuidadosamente. Laureado com o prêmio Nobel, The strategy of conflict4, de Tom Schelling, analisou situações em que se fechar aumenta seu poder de alavancagem. Para ilustrar, ele descreveu o “jogo da galinha” para carros turbinados, no qual dois carros “envenenados” correm em alta velocidade um contra o outro, cara a cara. O primeiro motorista a desviar é humilhado publicamente. Schelling especulou sobre o que aconteceria se um dos motoristas arrancasse seu volante da barra de direção e conspicuamente o lançasse para fora da janela. Então ele teria dado tudo, empenhando-se em se lançar para a frente e se despedaçar, sem se importar com as consequências. O outro motorista teria que desviar para evitar o desastre. Schelling escreveu sua tese no auge da Guerra Fria, então muitos de seus exemplos são bem marcantes, mas suas percepções também se aplicam aos negócios de hoje. A notoriedade da Fox Television é decorrente de um movimento irrestrito feito nos anos 1990, quando entrou com tudo na licitação dos direitos de transmissão da National Football League (NFL). Embora os índices de audiência estivessem baixos, a rede de rápido sucesso ofereceu quase o dobro do que a CBS havia pagado para o horário nobre das tardes de domingo. A estratégia preventiva funcionou. A CBS nem mesmo tentou se igualar na licitação. Com um passo estratégico, a Fox não somente ganhou os direitos da NFL, mas também deu um jeito de arrumar um lugar para ela no cenário dominado pelas três redes de televisão consagradas nos Estados Unidos.5 Talvez fosse possível conseguir adquirir o contrato de futebol americano por um preço menor, mas ao fazer uma oferta arrasadora a Fox acabou ali com a competição. Muitas negociações não exigem movimentos irrestritos. Colocar um dedo na água pode ser tudo o que se exige que você faça. Foi assim que Sandy Ritchie comprou uma linda propriedade no litoral do Maine. Sandy já era dono de uma ilha de dois acres na vizinhança, uma construção baixa de granito com vegetação esparsa. Mas havia um acampamento, e com a maré estável e o vento calmo, ele podia velejar e curtir sua vida de mestre de seu pequeno reinado. No caminho para sua casa, Sandy passava por Bold Island, bem a leste da cidade pesqueira de Stonington. Era um cenário de cartão-postal com uma elegante floresta subindo acima da costa. Tinha até mesmo uma doca para barcos e uma confortável casa no topo, por entre as árvores. Sandy descobriu que uma viúva do norte do Estado de Nova York era dona da propriedade. Ele escreveu uma carta para ela, apresentando-se e perguntando se ela estaria interessada em vender a propriedade. Ele não teve nenhum retorno, mas a sondagem lhe custou apenas alguns minutos de seu tempo. Ele escreveu novamente no ano seguinte. Dessa vez, descreveu o amor de sua família pelo oceano e o que seus filhos estavam fazendo na escola. De novo, nenhuma resposta. Nos próximos seis anos, ele escreveu sua carta anual, reiterando seu interesse pela ilha e atualizando a proprietária com notícias de sua família. E nunca obtinha uma resposta. Por fim, ele enviou uma nota dizendo que esperava não ter sido um estorvo. Ele ligaria, disse ele, e se ela quisesse que ele parasse de escrever, respeitaria a vontade dela. Quando ele ligou alguns dias depois, uma enfermeira disse a ele que a mulher não poderia atender ao telefone, mas que ela gostaria que ele continuasse escrevendo. Muitos meses depois, Sandy recebeu uma carta da proprietária dizendo que agora ela estava pronta para vender. Ela queria que ele fizesse uma oferta. Sandy calculou o máximo de que poderia dispor e enviou uma proposta, explicando suas circunstâncias. Dessa vez, a mulher telefonou para ele e disse que aceitaria sua oferta. Sandy ficou extasiado. No dia seguinte, no entanto, ele recebeu outra ligação, dessa vez do advogado da mulher, dizendo que o negócio estava desfeito porque a oferta estava muito abaixo do valor estimado. Sandy escreveu novamente para a proprietária dizendo que ele entendia as circunstâncias, mas que sua oferta era a melhor que ele poderia fazer, por conta dos compromissos de sua família. Dois dias depois, a mulher colocou oficialmente a decisão do advogado de lado. saudável. O otimismo pode gerar valor e colocá-lo em uma posição melhor para obter uma parcela considerável disso. Mas ser irrealista é duplamente perigoso. Sonhar que um cliente vai lhe dar o sol, a lua e as estrelas para o que quer que você esteja oferecendo pode deixá- lo de mãos vazias se ele conseguir encontrar alguém que lhe dê um preço mais razoável. Otimistas sem fundamentos podem também se cegar quanto aos obstáculos que possam surgir. O realista será rápido em reconhecer que a coisas não terminaram como esperado e improvisar de acordo com a situação. Os soldados perdidos na neve, nos Alpes, tiraram de um mapa a confiança de que precisavam, o que renovou as esperanças deles e lhes deu direção. Felizmente, eles não caíram na armadilha de “distorcer o mapa”. Eles não desvirtuaram a realidade para se ajustar às suas preconcepções. Em vez disso, como na estratégia de negociação, utilizaram o mapa como uma ferramenta para continuamente aprender, adaptar e, finalmente, sobreviver. Em casos complexos, as ferramentas formais de análise podem ajudar a formular e experimentar diferentes cenários. Em uma decisão judicial, por exemplo, um software de fluxograma de decisão pode estimar o risco em diferentes estágios de litígio. De maneira semelhante, modelos financeiros elaborados podem revelar caminhos alternativos para estruturar negociações em face da turbulência dos mercados. Para a maioria dos casos, contudo, pensar em voz alta e fazer cálculos num papel de pão já são suficientes. Vamos voltar ao caso de Arvind Gupta, que desperdiçou a vantajosa compra da mansão de frente para a praia. Ele não tinha de ser clarividente para prever o risco que ele corria. Simplesmente se questionar – “Alguma coisa desastrosa pode dar errado; o que é?” – teria ressaltado o perigo da contraoferta. É verdade que Arvind estava em um beco sem saída porque estava jogando com o dinheiro de seu sócio oculto. Com a sugestão deste, ele elaborou um contrato de compra e venda recheado de “juridiquês” com a contraproposta ridícula enterrada lá embaixo, quase no final do documento. Quando os olhos dos proprietários chegaram ali, eles ficaram chocados. Arvind acanhadamente tentou explicar, mas era tarde demais, e o negócio estava acabado. Se ele tivesse sido mais imaginativo na hora de considerar o risco de rejeição, em vez de simplesmente cruzar os dedos, poderia ter administrado a desvantagem. Podemos supor, por exemplo, que ele tivesse começado sua conversa com os proprietários assegurando-lhes que ele compraria a propriedade. Isso posto, ele poderia ter solicitado a ajuda deles para resolver seu problema com o coinvestidor. Ele podia ter perguntado se eles poderiam reduzir o preço só um pouco para que ele não colocasse em risco seu financiamento. Pode ser que os proprietários dissessem que não, mas é difícil acreditar que eles pudessem se sentir insultados. Até mesmo é possível que eles mesmos tivessem oferecido o financiamento. E, mesmo se eles não cedessem, não teria sido difícil para Arvind se voltar para Wealthy Bill, que já havia concordado com o preço pedido. E Liz e Tony Weiler, ou outros compradores, que disseram sim para um aparente ultimato, mas ainda ficam remoendo a possibilidade de ter pagado a mais? Eles reconheceram o risco de fazer uma contraproposta e concluíram que a desvantagem de economizar um pouco de dinheiro não valia a chance de arriscar um acordo frágil. Havia alternativas além das opções de pegar ou largar estabelecidas pelo filho da proprietária. Eles poderiam ter usado a “abordagem baseada em princípios” de Como chegar ao sim fazendo a pergunta “como você chegou ao seu preço?”. A ideia é direcionar a conversa para longe do dinheiro propriamente dito e, em vez disso, focar em critérios justos (vendas comparáveis, por exemplo). Se as partes conseguem concordar com um padrão apropriado, então fica mais fácil chegar a um preço trabalhável. Essa tática pode ser valiosa se experimentada em outras circunstâncias, embora eu seja cético quanto a usar isso em um caso em que trazer o vendedor para a negociação tenha sido um processo longo e delicado. Com pouco ou nenhum ganho e muito a perder por prolongar a negociação, seria melhor simplesmente dizer sim. Os Weiler conseguiram a casa que eles queriam, no fim das contas. Como em qualquer negociação de sucesso, esta vem acompanhada da incômoda dúvida sobre se poderiam ter agido um pouco melhor. Esse tipo de dúvida é melhor, apesar de tudo, do que o remorso com que Arvind convive. É preciso ter otimismo e autoconfiança com os quais você deverá ser capaz de aproveitar a oportunidade quando as coisas atrapalharem seu caminho. Mas você tem de aceitar que, na negociação, seu destino nunca está unicamente em suas mãos. Um pouco do que acontece em cada caso será tanto imprevisível quanto fora de seu controle. A estratégia de negociação deve levar em consideração essa realidade. PONTOS-CHAVE • Escolha entre negociar mais ou simplesmente dizer sim a uma oferta aceitável. • Utilize o tempo das negociações a seu favor, se possível. • Decida entre ser comedido ou apostar tudo. • Pondere os cenários de melhor e pior caso enquanto formula sua estratégia. • Equilibre otimismo e cautela. 4. N.T.: Em tradução livre, A estratégia do conflito. 5. N.T.: O autor refere-se aqui às redes de televisão norte-americanas ABC, CBS e NBC. 6. N.T.: Em tradução livre: Intuição no trabalho: por que desenvolver seus instintos viscerais tornará você melhor no que faz (retitulado como O poder da intuição). [3] Prospecção Muitos anos atrás, eu e meus colegas organizamos um workshop de negociação para gestores gerais (GGs) na NHL. Eles ganhavam a vida batendo o martelo em grandes contratos com seus jogadores de hóquei – ou, mais especificamente, com os agentes deles. Contratos de superestrelas chegam a milhões de dólares e podem durar até uma década ou mais. A NHL estabeleceu um teto salarial geral nos times; então, assinar com os jogadores certos nos preços certos é crucial para o sucesso no gelo. Para ilustrar a importância da preparação em uma negociação, dividimos os participantes em dois grupos e os colocamos em duas salas separadas. Pedimos aos integrantes de um grupo que assumissem seu papel habitual de gestor geral. Pedimos aos outros que atuassem como agentes. Demos então a cada indivíduo as estatísticas e o currículo sem assinatura de um jogador, apenas com seu nome disfarçado. Já que os participantes não o conheciam, todos receberam as mesmas informações. Fizemos a cada um dos nossos gestores três perguntas sobre como negociariam aquele contrato, não importava de que lado eles estivessem. Queríamos saber quais seriam suas primeiras ofertas planejadas (ou seus pedidos, no caso do agente) e sua vitória fácil absoluta. Então, perguntamos o que eles achavam que seria o ponto de vitória fácil da outra parte. Quando colocamos as pessoas em dupla para negociar, o máximo que aqueles times estavam preparados para pagar era quase sempre menos do que o mínimo que o agente pretendia aceitar. Em mais de 90% das combinações, não houve espaço para acordo. Muitos participantes estavam a uma distância entre si de centenas de milhares de dólares. E aqui está o mais assustador: essa brecha era exatamente o que esses caras estavam esperando! Quase todos tinham previsto uma situação de beco sem saída. Eles entraram na negociação sabendo que suas melhores ofertas não seriam suficientes para satisfazer o outro lado. Isso não significa dizer que eles pensaram que o caso não era negociável. Não mesmo. Eles sabiam, por experiência, que os jogadores e times resolvem as coisas. Mas para a maioria desses GGs, a negociação trata de fazer o outro lado ceder à pressão. Talvez não devesse ser surpresa que aqueles caras do mundo agressivo do hóquei profissional vissem a negociação como uma contestação de vontades. Mas é assim também que muitas outras pessoas imaginam o processo, seja na hora de comprar um carro, vender uma casa, ou até negociar o salário em um novo emprego. Esse modelo de soma zero coloca uma força irresistível de um lado (o jogador) e um objeto imóvel (gestão do time) do outro, cada um fazendo forte pressão até que alguém se Se você concluiu que existe pouco espaço para acordo, deve ficar satisfeito com resultados que consistem em uma melhoria sobre o status quo, ainda que somente um pouco. Por outro lado, se você perceber que a área entre as bases de referência das respectivas partes poderia se expandir, então lute para criar (e reivindicar) mais valor. Para ter sucesso, você precisa saber em qual dessas duas situações você se encaixa. Se você não tem ideia se existe somente um pequeno espaço ou muito, você simplesmente está lançando dardos com os olhos fechados. É difícil acertar em cheio se você não consegue enxergar o alvo. Explicar o conceito do triângulo de negociação é fácil. Ajustá-lo de forma precisa às possibilidades do mundo real é algo mais desafiador. Esse triângulo não é rígido. Ele pode se flexionar, crescer ou desaparecer à medida que as condições mudam na negociação. Mesmo assim, ter em mente essa figura poderá ajudá-lo a traçar seu progresso à medida que experimenta suposições e atualiza suas expectativas. DEFINA SUA LINHA DE BASE A expressão última linha do balanço irrita negociadores sofisticados e com razão se for entendida como uma posição rígida. Por que se algemar ao assumir que existe somente um caminho para satisfazer seus interesses? O que você descobre enquanto está negociando pode justificar tanto elevar suas exigências, quanto amenizá-las. Por outro lado, você precisa se disciplinar para saber quando dizer sim e quando dizer não. Você precisa determinar uma linha em algum lugar, mas defina-a amplamente. Em vez de colocar uma simples estaca no chão, prepare-a identificando um conjunto de diferentes resultados que seriam aceitáveis – ainda que somente um pouco. Juntos, esses negócios marginais constituem sua base de referência, ou a margem que separa o seu “dizer sim” do seu “dizer não”. Desenhar a base de referência envolve três passos simples: 1.Estabeleça um acordo de referência. 2.Identifique pacotes equivalentes. 3.Antecipe mudanças prováveis. O primeiro passo – estabeleça um acordo de referência – é a Negociação 101. Partindo do primeiro capítulo, relembre o conceito clássico de MAANA. Uma oferta específica é tentadora somente se ela corresponder pelo menos à sua opção de reserva, com todas as outras coisas iguais. Quanto melhor o seu MAANA, mais exigente você pode ser. De maneira correspondente, se sua alternativa de não acordo é ruim, você pode ter de obter menos do que esperava e sentir que você merece. Ao entrar em cada negociação, identifique – provisoriamente – um ponto na escala em que você teria um momento difícil para decidir entre aceitar ou rejeitar uma proposta final e firme vinda do outro lado. É uma forma de testar sua resolução. Isso também lhe fornece um padrão para avaliar negócios alternativos. O segundo passo é identificar pacotes equivalentes – melhores em alguns quesitos, piores em outros – que, em equilíbrio, valeriam o mesmo para você e para seu ponto de referência. Veja esta analogia: vamos supor que você ganhou uma sacola de produtos comestíveis em um sorteio no supermercado. Tudo o que está na sacola deve ter algum valor para você, mas de alguns itens você gosta, enquanto outros, como framboesas frescas, você adora. Quantas latas de sopa pronta você daria para conseguir mais meio quilo das framboesas? Uma? Duas? Três? Talvez dez? Eu não estou falando de trocas que melhorariam o valor global da mistura. Em vez disso, imagine uma diversidade diferente que poderia valer exatamente o mesmo que a sacola que você ganhou inicialmente valia para você. Qualquer oferta que você receber em uma negociação será igualmente uma sacola sortida de provisões: algumas que você ganhou da outra parte e outros itens que você deve ceder em troca. Então, identifique ao menos dois outros pacotes destes que tenham valor líquido equivalente. Lembre-se de que a tarefa aqui é encontrar negociações que o coloque no fio da navalha entre aceitar e rejeitar a proposta. Realizar esse exercício de preparação o força a ponderar os trade-offs. Pensar neles por completo antes do tempo é bem melhor do que tomar decisões rápidas no meio da negociação. Refletir profundamente sobre suas preferências também torna seu pensamento acessível, do mesmo modo que o aquecimento antes de um jogo faz o jogador de tênis ficar mais flexível e focado. Pesquisas sugerem que negociadores que se preparam brincando com soluções alternativas geram ainda mais ideias quando negociam com outras partes. Karen Lacey estava razoavelmente feliz em seu trabalho, mas estava sendo cortejada pela QXData, uma empresa de alto nível de que ela gostava muito. Ela esperava que eles lhe oferecessem um belo pacote de compensação, mas queria determinar sua base de referência: o limite mais baixo de aceitabilidade. Para usar números redondos, ela determinou que poderia ter problemas se recusasse um salário de 100 mil dólares e um pacote básico de benefícios. Mas, por outro lado, ela tinha algumas hesitações quanto aos riscos de mudar de emprego. Ela decidiu que uma oferta de 100 mil dólares seria o ponto de referência de seu acordo. Com isso em mente, Karen pensou em seguida sobre os trade-offs, usando um bloco de papel amarelo para anotar diferentes acordos que poderiam ser minimamente aceitáveis. Ela se perguntou, por exemplo, o que exigiria se o salário oferecido fosse hipoteticamente 10% mais baixo. Por si só, qualquer coisa abaixo de 100 mil dólares a colocaria no território do não acordo, mas acrescentar regalias como opções em ações, um carro legal da empresa e um período maior de férias poderia fazer a diferença. Obter alguma equidade poderia compensar a vida com uma renda um pouco menor. Então, para experimentar suas preferências além disso, ela considerou de quais benefícios estaria disposta a abrir mão por um contracheque mais alto. Ter de pagar seguro-saúde com dinheiro descontado de impostos significaria que ela precisaria de um aumento de 25 mil dólares no salário para acabar com algo igual ao seu ponto de referência de negócio. Ela esperava conseguir algo melhor do que alguma dessas combinações, é claro, mas compreendeu a necessidade de preparar o limite entre o sim e o não. Isso significava confrontar-se deliberadamente com escolhas difíceis. Se um de seus acordos hipotéticos parecesse melhor do que outros, ela o aparava um pouco. Se outro fosse superado pelo restante, ela o abrandava. Após ajustar os pacotes, ela tinha três pontos que constituíam sua base de referência, o primeiro lado do triângulo da negociação. Usar a imaginação para refletir sobre sua base de referência é muito importante quando a negociação afeta sua carreira (como é o caso de Karen) ou quando se trata de uma simples transação. Se você estiver comprando um carro, por exemplo, vai fazer test drives, ler análises e comparações em uma revista do segmento e pesquisar preços on-line. Mas tendo escolhido o que fazer e qual modelo de carro você quer, imagine o valor mais alto que você pagaria. (Mais uma vez, você está apenas traçando uma linha do que seria a sua vitória fácil, não estabelecendo metas ainda.) Mas não pare aí. Em seguida, imagine alguns acordos equivalentes. Quanto de desconto no preço seria necessário para você ficar tentado a comprar um carro de test drive, com 15 mil quilômetros rodados? Ou vá em outra direção: quanto a mais você pagaria se o vendedor incluísse um sistema de som especial no seu carro? Essas avaliações devem ser esquematizadas no papel, sujeitas a mudar dependendo do que você aprende enquanto está negociando. Quando Karen se sentar para fechar o negócio com seu novo empregador, seu entusiasmo em relação ao novo emprego pode crescer. Juntos, eles podem refletir sobre outros itens que ela valoriza (um orçamento criterioso, por exemplo). Na medida em que surgirem novas questões e alternativas, sua análise inicial de trade-off irá lhe oferecer uma base sólida como ponto de partida para trabalhar. Isso leva ao último passo no estabelecimento de uma base de referência: mudança antecipatória. A análise até o momento teve como premissa o que você conhece hoje e como você atualmente classifica suas prioridades. Mas você provavelmente irá aprender algumas coisas importantes no curso da negociação. (Na verdade, seria esquisito se você não aprendesse.) As circunstâncias também podem mudar. Vamos usar o exemplo de Karen; mais especificamente, os três pacotes que ela identificou para delinear sua base de referência. Ela imaginou o que poderia acontecer para elevar suas exigências mínimas. E se, no meio da negociação com a nova empresa, seu empregador atual lhe desse uma promoção, acompanhada de um aumento de salário? Aquilo melhoraria significativamente seu MAANA, no que se refere tanto a dinheiro quanto a status. Então, a QXData teria de oferecer mais do que os 100 mil dólares que inicialmente tinham sido tentadores. Mas ela também levou em consideração quais mudanças situacionais poderiam justificar que aceitasse menos do que sua base de referência original. Ela tinha acabado de comprar IDENTIFIQUE RESTRIÇÕES EXTERNAS Os fatores do mundo real além do controle de cada parte compõem o terceiro limite do triângulo. Uma família pode estar querendo construir uma casa nova. Eles solicitam uma proposta por parte de uma empreiteira bem cotada e estão prontos para assinar um contrato quando os preços da madeira sobem vertiginosamente no mundo todo. E agora? Os compradores irão estender seu orçamento e pagar mais do que eles esperavam ou diminuir seus planos e viver em uma casa menor. A construtora, por sua vez, terá de recalcular sua proposta, estimando qual parte do custo adicionado ela pode passar adiante e quanto terá de absorver. A família pode acabar com uma casa menor e a construtora, com um lucro menor, por causa das condições econômicas restritas no espaço de negociação. É claro que, se o preço da madeira serrada cair, os espaços para negociar irão aumentar, deixando uma ou as duas partes em melhores condições. Algumas restrições são econômicas. Outras podem se basear na lei. (Duas empresas em competição podem desejar manter seus preços elevados, mas ser legalmente impedidas de fixar os preços.) O relógio tiquetaqueando também pode ser um limite. Quando meu amigo Jack comprou seu Volvo envenenado, o financiamento de 1% melhorou o negócio, mas estava disponível (supostamente) por apenas mais dois dias. A política empresarial e os procedimentos também podem se tornar restrições. Analistas formais resmungariam sobre diagramar o espaço de negociação desta maneira. Eles argumentariam que a linha de “restrições externas” pode ser ignorada se cada parte incorporar esses fatores em suas respectivas preferências. No entanto, um elemento básico poderia ser perdido. Às vezes, o espaço de negociação pode ser expandido se forem consideradas as restrições externas. Vamos imaginar que Duncan é dono de uma parcela de dez acres zoneados atualmente para casas de famílias únicas em lotes amplos. Vale cerca de 750 mil dólares. Uma incorporadora pagaria o dobro se, contudo, fossem permitidos condomínios no local. Nesse caso, as partes teriam um interesse em comum de assediar os oficiais locais para um rezoneamento. Assim, todos os três lados do triângulo da negociação são imprecisos. Ao longo do processo, cada lado irá tentar sondar a base de referência do outro para ver quão difícil pode ser impulsionar sua própria pauta. Com o tempo, a determinação de uma ou ambas as partes pode diminuir. Eles podem se envolver menos na postura e descobrir formas criativas de acabar com o impasse. Quando isso acontece, a dimensão e a natureza do espaço de negociação podem mudar. A ESCADA DE VALOR Por definição, todos os resultados dentro do triângulo são praticáveis para as partes relevantes, embora elas os acabem classificando de maneira diferente. Sua própria base de referência é meramente um patamar. Os resultados acima dele são melhores para você; alguns podem ser muito melhores. Você também deve estabelecer uma meta flexível, algo para alcançar de modo que você não se contente com muito pouco. Não se trata necessariamente de algo que você colocaria como uma oferta pegar ou largar; do contrário, você poderia acabar de mãos vazias. Estabelecer uma meta flexível requer uma reflexão sobre o cenário do melhor caso. Especificamente, imagine um resultado fenomenal, um que pode ter somente 10% de chance de se materializar. Trata-se de uma imagem arbitrária, é claro. Ele representa uma possibilidade que você não deveria perder, mas não deixaria você surpreso ou desapontado se não acontecesse. Definir uma meta envolve conjecturas. Muito depende especialmente das necessidades e percepções de sua contraparte. Comece com a base de referência que você calculou para eles. Então, por causa de sua necessidade de estender, vá um pouco além ao imaginar quais condições ou convicções convenceriam a outra parte para que seja cada vez mais generosa do que isso. A partir dessas possíveis negociações, tome como alvo qualquer um dos pacotes que lhe sirva melhor. Chame isso de pensamento ansioso intencional. Seja bastante esperançoso, mas também pondere quais condições teriam de existir para tornar esses pacotes possíveis. Se você estiver negociando com um vendedor, por exemplo, considere a possibilidade de que a empresa esteja precisando de seu negócio porque ela acabou de perder um grande pedido com outro cliente. Ao atualizar seu triângulo de negociação, você consegue identificar bem o cenário do melhor caso acima de sua base de referência – e provavelmente fora do triângulo de negociação, embora não muito, a partir do ponto de vista do outro lado (ponto B, a seguir). Em troca, as pessoas com quem você está negociando podem esperar uma conversa com você para aceitar o negócio dos sonhos delas, A. Isso está bem acima da base de referência deles, mas um pouco abaixo da sua. Se as aspirações da outra parte são irrealistas, você terá muito trabalho a fazer. Da mesma maneira que Karen ponderou sua negociação de emprego, ela sentiu que ganhar um salário de 125 mil mais opções de ações e outros privilégios seria um tiro no escuro, mas nada fora de cogitação. Se essa fosse a oferta da QXData, ela a agarraria, mas estava atenta ao fato de que ela própria pudesse propor aquele pacote. Além de negociar sua compensação, Karen percebeu que também estava estabelecendo um relacionamento com seu possível chefe e colegas. Ela não queria parecer muito rígida. Se você tiver sorte, pode acabar com mais do que sequer imaginou. Jack Binion, um famoso operador de cassino em Las Vegas, conta sobre uma antiga família do Mississippi que era dona de algumas terras férteis que uma incorporadora estava tentando comprar. Ao planejar sua estratégia, um deles disse “vamos pedir 5 milhões por essa propriedade”. Os outros membros da família ficaram preocupados de que aquele número alto pudesse fazer a incorporadora desistir, mas aceitaram arriscar. Felizmente para eles, o comprador começou primeiro. “Nós refletimos sobre o assunto”, disse ele, “e a última linha do nosso balanço é 20 milhões”. Depois que, sibilantes, todos tomaram suas respirações, eles disseram que tinham de conversar em particular. Ao retornar, eles estavam prontos para aumentar o valor final para 25 milhões de dólares. Na maioria dos casos, é claro que você estabelecerá uma margem entre o ápice das suas esperanças mais altas e sua base de referência. Você pode pensar em níveis intermediários de satisfação como degraus em sua escada de valor, ou gradientes em um mapa desértico que marca uma altitude que aumenta à medida que você chega ao cume. Quanto mais você tiver considerado diferentes formas de ajustar um acordo, mais ágil e criativo você será no meio da negociação. E ter em mente aqueles degraus enquanto várias propostas estão suspensas permite que você julgue se está fazendo progresso ou regredindo. A partir de um ponto de vista puramente estratégico, seria ideal se você pudesse ver o espaço de negociação, e sua contraparte não. Você então seria capaz de forçar um resultado que otimizaria o valor do negócio para você e daria ao outro lado apenas o suficiente para conseguir o consentimento deles. Essa é a sua posição-alvo (próxima do ponto B), no canto superior direito. Se eles tiverem uma perfeita visão das coisas e você não, podem pressionar por um resultado no canto superior esquerdo (próximo do ponto A) que maximiza seu bem- estar, mas não faz muito por você. Informação é poder. Seja qual for o negociador, ele tem uma noção mais clara de que o que é praticável tem vantagem. Isso explica por que as pessoas são cautelosas quanto a comunicar suas reais necessidades e prioridades. Se ninguém revela seus interesses, ninguém tira partido da situação. Então, mais uma vez, se não há comunicação, nenhum acordo é feito. Esse é o clássico dilema criar-reivindicar, inerente a todas as negociações. Em caso de necessidade, os negociadores devem trocar informações. Quando os relacionamentos são fortes e a confiança é alta, isso pode vir fácil. Em transações em condições normais de mercado, isso pode ser árduo. Mesmo se ambas as partes forem francas e o triângulo de negociação for transparente, ainda pode haver esbarradas que poderiam acabar com a negociação. Dividir ao meio pode ser uma solução prática em alguns casos, mas em outras situações, uma ou ambas as partes acreditam que elas merecem a parcela maior. De um jeito ou de outro, elas devem não resolver próximo do ponto C, no qual suas respectivas bases de referência se interseccionam. Um resultado como esse funcionaria para ambas, mas apenas um pouco. Na célula superior direita, estão os negócios de grau A. Pense nessa área como representativa de abundância, se você preferir. Ela representa negociações em que as probabilidades de acordo e bom pagamento são altas. Se suas suposições de uma próxima negociação o colocam aqui, parabéns. Se encontrar competição, entretanto, você pode ter de amenizar sua oferta para conseguir um acordo. Agindo dessa forma, você teria um lucro menor e assim ficaria na célula inferior direita, grau B, que podemos chamar de bônus. Mais uma vez, a chance de acordo é alta e o resultado é melhor do que sua reserva, mas a vantagem é menor. Você não vai ficar rico em nenhuma dessas transações, mas junte várias delas e você se sairá bem ao longo da jornada. A coluna da esquerda representa tiros no escuro relativos. Se a possível recompensa é grande o suficiente, você estará na zona de grau C – incerto. Ao jogar os dados, a aposta pode valer a pena, então você não precisa necessariamente evitar essas negociações. Mas tenha certeza de que você está realista quanto à possível vantagem. Você não quer ficar correndo atrás de arcos-íris. Raramente você vai querer estar embaixo, na categoria D: território “beco sem saída”. Aqui há pouco para ganhar e não muita chance de realmente conseguir isso. Contudo, existem exceções. Às vezes, você é obrigado a fazer uma tentativa de boa-fé em um acordo, mesmo que você já perceba que nenhuma delas é provável. As negociações não caem dentro desses pequenos boxes num passe de mágica, mas o exercício é essencial quando se está elaborando um plano de jogo. Cada categoria pede uma estratégia diferente. De vez em quando, você pode se ver na região de grau A. Bom para você. Mas você deve rever sua avaliação de vantagem. Talvez você esteja superestimando o quanto sua contraparte precisa de você. Ou talvez você não esteja colocando sua própria base de referência alto o suficiente. Repense seu MAANA. Sua vitória fácil pode ser melhor do que você espera. Outras pessoas podem estar impacientes para fazer um acordo com você. Se você está no território B ou nos limites entre as quatro células, pense duas vezes sobre o quanto você deve estar ávido por esse acordo em particular. Pode muito bem valer a pena prosseguir, mas você não necessariamente quer apostar tudo. Você também deve estar preparado para cair fora se as coisas não forem um sucesso. Uma vez, fiz um trabalho para uma empresa média com um CEO que disse, empolgado, “em vinte e cinco anos, nós nunca falhamos para chegar a um acordo”. Como estávamos em uma reunião com seus outros gerentes sênior, eu concordei com a cabeça e sorri. Mais tarde, quando nós dois estávamos a sós, eu disse a ele que esse recorde imaculado era uma coisa estranha para se ter orgulho. E citei a antiga frase, “se você nunca perdeu um voo, você está gastando muito tempo no aeroporto”. O mesmo princípio aplica-se à negociação. “Se você sempre chega a um acordo”, eu disse, “só há duas explicações e nenhuma delas é boa. Ou você está sendo excessivamente precavido e só vai atrás de coisas certas, ou às vezes você está dizendo sim quando deveria estar indo embora”. Existem voos que você simplesmente não pode se dar ao luxo de perder, acrescentei, e negócios que devem ser feitos, mas não acordados simplesmente pela obrigação do acordo. Você tem de ter isso em mente especialmente se você está nas áreas C e D. Se as probabilidades de chegar a um acordo não são boas e a recompensa é baixa, esforce-se seriamente para forçar sua retirada. Se você estiver negociando em nome de um cliente ou uma organização, tenha certeza de que as expectativas sejam realistas. Você não quer ser criticado posteriormente se voltar de mãos vazias. E se estiver agindo por conta própria, proteja-se criando uma linha de defesa. Se estiver explorando uma joint venture, por exemplo, e três meses tiverem se passado sem nenhum progresso aparente, pergunte a si mesmo se existe alguma razão para acreditar que as condições serão mais favoráveis caso prossiga. Se seguir adiante, você pode perder outras oportunidades mais promissoras. Quando Karen olhou para a sua matriz, ela teve um misto de emoções por se encontrar no box da abundância. Em parte, sabia ela, aquilo era superstição. Ela não queria manter suas esperanças muito elevadas. Mas isso também revelou um conflito que Karen sentia. Parte dela não queria colocar em risco um trabalho incrível ao pedir demais como forma de compensação. Mas Karen também não queria subestimar seu valor. Esse conflito interno não era agradável, mas ela percebeu que era melhor trabalhar esses sentimentos agora do que lutar contra eles enquanto estivesse negociando. Desenhar um triângulo de negociação e construir uma matriz de prospecção havia dado apoio para a confiança dela. Ainda havia pontos de interrogação, muitos que ela poderia resolver somente no curso da negociação, mas ela sabia que estava em uma boa posição. Além do mais, ela havia pensado sobre sua base de referência, seus trade-offs e diferentes caminhos de estruturar um acordo. Karen tinha até estabelecido uma meta flexível. Ela havia feito seu dever de casa. Independentemente da forma que a negociação se desenrolasse, ela estava bem preparada para aprender, adaptar e influenciar. PENSE GRANDE Pessoas com metas ambiciosas não tomam sua base de referência como ponto de partida. Em vez disso, elas focam no que imaginam que possa persuadir suas contrapartes para aceitar. Elas pensam grande, fazem exigências pesadas e vão se ajustando devagar. Às vezes, elas têm sucesso, mas correm um risco maior de chegar a um beco sem saída. Tendem a superestimar seu poder e subestimar a decisão das outras partes. O psicólogo do Swarthmore College, Barry Schwartz, chama essas pessoas de “maximizadores”. Elas insistem muito e se preocupam com suas decisões. Do lado oposto, os “satisfeitores” tendem a ficar bem com o que quer que eles consigam. Em um estudo de recém-graduados de faculdades, Barry e dois colegas descobriram que os maximizadores conseguiram empregos que pagam 20% mais do que os satisfeitores, mas – e isso é um grande inconveniente – eles estavam menos felizes com seus negócios. Os satisfeitores estavam contentes por fazer um pouco melhor do que sua próxima melhor oferta, enquanto os maximizadores lamentaram-se por não alcançar suas metas grandiosas. Seria ótimo se pudéssemos mudar essas características de vez em quando. Durante uma negociação real, poderíamos acionar o lado maximizado de nosso cérebro para expandir o espaço da negociação. Um maximizador não tomaria a “política da empresa” como uma restrição rígida. Diferente de um satisfeitor, ele tentaria elaborar uma nova política ou imaginar uma maneira de contornar a antiga. Ainda é difícil se desfazer desse tipo de pensamento inquieto, mesmo quando o acordo está feito. Em sua pior forma, isso gera dúvida pessoal e insegurança. Quando terminamos, é melhor aceitar o que quer que alcancemos e seguir para o próximo negócio. Vamos pensar em Jerry Weintraub, produtor de Hollywood, que parece incorporar essas duas peculiaridades. Em seu livro When I stop talking, you’ll know I’m dead: useful stories from a persuasive man7, ele conta como, quando era um jovem promotor de eventos sem recursos ou reputação, ele audaciosamente foi atrás de Elvis Presley para tê-lo como cliente – e, por fim, assinou com ele. (Vamos ver como ele fez isso mais adiante, no capítulo de fechamento.) Mas, além de recontar seu sucesso, Weintraub também fala de suas falhas sem ressentimentos. Quando seu protegido John Denver o demitiu abruptamente, o cantor-ator perguntou, “Você não quer saber por quê?”, e Weintraub respondeu, “Por que eu deveria me preocupar?”. Ele não olha para trás, está sempre seguindo adiante. Em 1998, ele decidiu produzir um remake do filme Onze homens e um segredo, de 1960, estrelado por Frank Sinatra, Dean Martin e o que sobrou do lendário Rat Pack. Assinar com uma única estrela já era suficientemente desafiador. Hoje em dia, conseguir um elenco de estrelas para um dinheiro relativamente baixo seria próximo do impossível. Mas Weintraub conseguiu, primeiro fechando com Matt Damon e o diretor Steven Soderbergh. Com eles no elenco, foi mais fácil fisgar George Clooney, Julia Roberts, Brad Pitt, Don Cheadle, Andy Garcia e outros nomes de peso. (Quando enviou o roteiro para Roberts, ele anexou uma nota de vinte dólares com um recado dizendo “sabemos que você ganha vinte para fazer um filme, mas você tem de trabalhar por um pouco menos neste aqui”.) A nova versão esteve entre os filmes de maior bilheteria mundial em 2002. Muitos anos depois, Weintraub quis fazer uma sequência, Doze homens e outro segredo, Para que a moral dessa história fique bem clara, vou explicar preceitos estratégicos que se aplicam às negociações em todos os sentidos. Você já deve ter vivenciado algumas dessas lições a partir de suas próprias experiências. Cito aqui nove princípios básicos que você verá em ação: 1.Defina uma meta provisória. Uma noção comum de direção é essencial, mas objetivos restritos podem fazer negócio em propostas de tudo ou nada. 2.Tenha um plano B. Um obstáculo para chegar a um acordo pode nutrir sementes para um acordo diferente, talvez até melhor do que o inicialmente esperado. 3.Visualize um jogo final. Raciocine de trás para frente, partindo de sua meta até descobrir caminhos plausíveis para chegar lá. 4.Faça do aprendizado uma prioridade. Faça sondagens e testes iniciais para iluminar o horizonte da negociação. 5.Adapte quando for necessário. Aceite a realidade de que outras partes não vão fazer sempre o que você quer ou o que previu. 6.Pense como um competidor. Submeta sua estratégia a um teste de resistência ao ver como as outras pessoas poderiam explorá-la. 7.Seja multilíngue. Leve com você recompensas e punições. 8.Proteja sua opção de saída. Como no pôquer, saiba quando segurar uma boa mão e saiba quando desistir da mão, quando continuar e quando dar o fora. 9.Sempre esteja preparado para fechar. Do começo ao fim, cada passo deve ter como objetivo se aproximar de um acordo. Esse conjunto de princípios não é um checklist ordenado. Em vez disso, cada elemento é uma engrenagem, alavanca ou mola no maquinário da estratégia dinâmica. Em casos especiais, algumas peças podem se mostrar mais vitais que outras, mas todas devem se conectar harmoniosamente. 1.Defina uma meta provisória. Don Schnabel, um jovem corretor da firma de negócios imobiliários de Julien J. Studley, foi contratado pela Igreja Luterana de St. Peter para avaliar quanto seu terreno de 1.400 metros quadrados poderia valer naquele que era então um mercado imobiliário em alta. Famosa como a “igreja do jazz”, a St. Peter tinha sido o ponto de encontro para o funeral da lenda do jazz Louis Armstrong, em 1971, mas estava precisando de dinheiro e espaço. Seu conselho esperava que uma venda lucrativa os ajudasse a expandir seus serviços sociais. Schnabel analisou detalhadamente todas as propriedades no quarteirão para chegar à sua avaliação. O valor que ele calculou foi, entretanto, decepcionante, de modo que o conselho da igreja decidiu não vender. 2.Tenha um plano B. Aquele teria sido o fim da história, mas a pesquisa de Schnabel o convenceu de que, mesmo que não pudesse haver uma venda satisfatória da propriedade da igreja em seus próprios termos, uma negociação poderia ser moldada com a aquisição de todos os imóveis da Lexington Avenue, além dos imóveis que ficavam de frente, do outro lado da rua. Uma propriedade unificada teria muito mais valor do que a soma das partes separadas. Seria uma solução ganha-ganha-ganha: os proprietários atuais teriam um bônus sobre o valor de mercado; uma grande corporação poderia erguer um prédio que seria um ponto de referência; e – ah, sim – quem quer que intermediasse o negócio teria comissões maravilhosas. O sucesso, contudo, dependeria de como Schnabel alcançaria um acordo não apenas uma vez, mas quase vinte vezes com tantos proprietários diferentes. No processo de descobrir sua base de referência para cada propriedade, quando necessário, ele era um pouco generoso na hora de pagar sobre o valor individual do imóvel, mas tinha de permanecer dentro de um orçamento razoável para todo o projeto. Ele conhecia o mercado imobiliário de modo geral. Contudo, para conseguir o melhor preço em cada caso, ele teve de descobrir as necessidades, atitudes e expectativas únicas de cada proprietário para deduzir sua base de referência particular. Ao final, foi uma proposta de tudo ou nada. Obter um “sim” da maioria deles não seria suficiente. E, se as coisas não dessem certo, a desvantagem seria ter propriedades vazias pelas quais ele havia pagado a mais. Encerrar o projeto na metade do caminho poderia ficar caro. 3.Visualize um jogo final. A única coisa que Schnabel tinha era essa visão de alto risco e alto retorno. Sua empresa não era dona de nenhum dos imóveis, nem tinha recursos para adquiri-los. Para resolver esse problema, ele teve de imaginar quem poderia ser o comprador final para que pudesse obter sucesso em cada aquisição separada. Em termos estratégicos, esse tipo de pensamento é chamado de mapeamento reverso. Trata-se de começar uma análise a partir do objetivo final e então raciocinar de volta, passo a passo, para descobrir caminhos para chegar lá. Schnabel identificou um provável pretendente bem do outro lado da rua: o First National City Bank, como era então chamado. O banco estava crescendo além de seu escritório na época e olhava com inveja para a matriz espetacular de seu rival no centro, o Chase Manhattan Bank. Schnabel abordou o First National City Bank de forma fria. Depois de meses de reuniões internas, o banco deu sua permissão. No entanto, agir discretamente era essencial. Se os diversos proprietários da vizinhança soubessem de um comprador com bolsos cheios, eles iam exigir uma grana preta. Os competidores também poderiam se envolver. Schnabel montou uma empresa de título e ações que seria “testa de ferro” do negócio, chamada Lexman Realty. Ele aparecia como vice-presidente e seu chefe como presidente, mas a identidade do acionista exclusivo – o banco – não era divulgada ao público. 4.Faça do aprendizado uma prioridade. Depois de concebida sua incrível estratégia, Schnabel tinha de voltar à estaca zero e escolher qual proprietário abordar primeiro. O mapa físico de Manhattan é preciso, mas o mapa de possíveis negócios em um único quarteirão da cidade é algo complexo. Para se orientar, ele tinha que começar a se mexer, assim como os soldados afundados na neve dos Alpes. Não era uma questão de proceder metodicamente de um proprietário para o vizinho do lado. Em vez disso, ele precisava encontrar pontos de vantagem que dariam a ele uma noção realista das possibilidades. Schnabel decidiu se distanciar dos imóveis da Lexington Avenue, por mais importantes que fossem. Eles seriam os mais caros e, se ele fosse fazer uma jogada ali – bem do outro lado da rua do banco – outras pessoas do ramo imobiliário poderiam perceber o que estava tentando fazer. Parecia mais seguro e mais barato começar nos arredores, na esquina com a 53rd Street. Para sua sondagem inicial, Schnabel escolheu um prédio de quatro andares que abrigava um restaurante gourmet no primeiro andar. Ele negociou a aquisição do aluguel do empresário, mas então ficou chocado ao saber que o senhorio tinha um acordo prévio de vender a propriedade apenas para um tal de Manny Duell, um homem descrito no livro de Alpern e Durst como “às vezes incorporador e holdout profissional”. De alguma forma, Duell tinha descoberto o negócio e também reivindicado em contrato a compra dos edifícios que eram vizinhos imediatos daquele prédio. 5.Adapte quando for necessário. Ter um competidor já de início no quarteirão foi uma ameaça para que todo o plano de Schnabel fosse por água abaixo, mas o banco o encorajou a ver se poderia tirar Duell da jogada. Depois de barganharem um pouco, eles chegaram a um preço aceitável para as três propriedades – um resultado que deu a Duell milhões de dólares de lucro em contratos que ele manteve por apenas alguns meses, no máximo. Fixar um preço não era, contudo, a parte mais difícil. Quando Schnabel passou o cheque para Duell, ele acrescentou “Manny, só uma coisa. Se você quer que eu assuma o controle desses contratos, preciso saber se você vai ficar de fora do quarteirão a partir de agora. Eu não quero ver você pipocando do outro lado da rua com mais contratos. Quero que isso aqui seja um adeus, Manny”. Duell prometeu desaparecer, mas Schnabel insistiu, dizendo que ele não queria ver sócios, primos ou qualquer pessoa relacionada a Manny na sua frente. Duell jurou mais uma vez que ficaria fora do caminho dele. “Eu acredito em você, Manny”, respondeu Schnabel. “E como prova de sua boa-fé, tenho certeza de que você não vai se importar em assinar para mim uma hipoteca de trezentos mil dólares para um dos seus prédios. Talvez aquele bacana da 6th Avenue, 530. Vamos colocá-lo como garantia. Se você ficar de fora desse quarteirão por um ano e meio, ele volta para você”. De acordo com o relato de Hellman, Duell esbravejou que nunca faria uma coisa daquela, mas durante todo o tempo ele não conseguiu tirar os olhos do cheque polpudo com todos os zeros e seu nome nele. Schnabel esperou até que o vendedor se acalmasse e cedesse a seu pedido de tranquilidade. Schnabel trabalhou em múltiplos níveis. Ele estava avançando com seu grande plano de agregar o quarteirão. Mas ele também estava batendo o martelo para negócios com proprietários individuais e se adaptando às circunstâncias ao passo que eles se tornavam visíveis. Fechar a primeira compra deu mais trabalho do que ele poderia ter previsto, embora fosse melhor descobrir possíveis obstáculos o quanto antes. Ele também se Duell ou qualquer outra pessoa assumisse o controle do quarteirão. Por outro lado, holdouts como ele poderiam exigir preços exorbitantes por suas propriedades restantes. Simplesmente cair fora poderia ter sido mais fácil. Tudo o que os corretores colocaram naquele negócio arriscado foi seu próprio tempo – e o dinheiro que o banco gastou para pagar o aluguel do inquilino. Se sua firma tivesse dado um passo para trás, talvez Duell teria dado um passo para frente. Tudo poderia ter sido bem diferente, não por causa de qualquer coisa que nossos protagonistas fizeram, mas por causa das partes aparentemente menores. É impossível planejar cada zigue e cada zague de uma negociação. Dependendo de sua sorte, talvez você vá fazer funcionar sua própria versão de Manny Duell, ou talvez não. Estratégias aplicáveis à prática devem oferecer múltiplas opções ao longo do caminho. Schnabel escolheu fazer sua primeira sondagem na 53rd Street, onde estavam as propriedades mais baratas. Ele se protegeu de ser bloqueado por holdouts em qualquer outro lugar ao não se deixar ir muito fundo. Ele protegeu sua opção de revender as aquisições iniciais para pessoas que poderiam estar interessadas nelas enquanto imóveis individuais ou para quem fosse mais otimista em relação a agregar o quarteirão inteiro. O mapeamento reverso, contudo, pode levá-lo somente a uma certa distância. É uma maneira poderosa de antever uma possível rota para seu destino, mas não pode revelar todos os possíveis desvios ao longo do caminho. Como resultado, você precisa manter um olho vivo bem aberto para as opções de saída e soluções meio a meio que podem ser melhores do que nada. Isso é uma verdade, esteja você competindo contra outros compradores em um mercado ou procurando um caminho para uma parceria que lhe dê frutos. Ao fazer negócio e resolver disputas, o critério às vezes supera o valor. 9.Sempre esteja preparado para fechar. Montanhistas experientes dizem que o cume não é o único lugar da montanha. Às vezes, numa negociação, você tem que recuar. A negociação mais difícil de Schnabel veio no final. Ela exigiu uma lábia pesada em cima de uma construção de esquina de baixa qualidade, espólio cujo espaço no térreo era alugado por um optometrista e uma loja de bebidas. Schnabel concordou em pagar à inventariante um bônus pela propriedade, seguindo a lógica de que valia a pena completar o negócio todo. No fechamento, contudo, ela maliciosamente o informou que havia estendido recentemente os aluguéis comerciais por doze anos. De acordo com Hellman, Schnabel ficou furioso. “Ele ficou sem saída; a agregação estava avançada demais agora para parar, e a inventariante sabia disso”. Ela havia vendido os valiosos direitos de aluguel, fazendo um dinheirinho extra para os herdeiros do espólio. O comprador era Sam Salerno. Regularmente, ele saía para passear na calçada, dar uma olhada na sede do banco e então observar, disse Hellman, “como a bola de ferro derrubava os edifícios do quarteirão, um por um. Ele não parecia ser um homem com pressa para vender seus direitos de locação”. Schnabel e seu cliente estavam todos esgotados naquele momento, e Salerno sabia disso, mas o banco agiu como se não estivesse com pressa de comprar. Este parecia estar preparado para construir em volta dele, se fosse necessário. E assim, na vista do público, o banco e esse empresário urbano jogavam um “jogo da galinha”. O banco sabia que Salerno não tinha nenhum outro comprador viável. Ele também estava esgotado. Por fim alguém piscou, e o banco comprou os direitos de aluguel por 385 mil dólares. O ponto em que essa transação se encaixou em toda a sequência de aquisições foi crucial. Na época em que Salerno apareceu, o banco controlava propriedades suficientes para poder prosseguir sem ele, se necessário, ainda que não fosse ideal. Discrição não era mais um fator. Além disso, o fato de que Salerno sabia que o banco tinha uma reserva fez com que fosse menos provável que ele teria de usá-lo. O sequenciamento sagaz de Schnabel também levou em conta o valor da sondagem inicial e seu aprendizado. As primeiras negociações não acabaram nelas mesmas. Elas o ajudaram a coletar informações e recursos que culminariam em um final de jogo de sucesso. Ao longo do caminho, ele sempre esteve atento a possíveis saídas e alternativas, caso as coisas não saíssem como esperado. Pensar nas possíveis vantagens e desvantagens de uma negociação tem um quê de personalidade dividida. É como se você estivesse construindo um iate para cruzar o mundo enquanto também estocasse um bote salva-vidas com provisões. Você precisa de otimismo, além de ousadia, para empreender negociações que outros podem deixar passar como infrutíferas enquanto, ao mesmo tempo, você tem de aceitar a realidade de que alcançar o sucesso nunca está totalmente sob seu controle. Agregar o quarteirão do Citibank provou-se um grande sucesso para o banco e para a empresa Studley, que fez a negociação de todas as aquisições. Foram cinco anos de trabalho duro, um pouco de sorte e 40 milhões de dólares. Na época, foi a compra de propriedades de valor mais alto na história de Nova York. A limpeza do local e o levantamento da torre levou alguns anos também. Quase uma década se passou entre o dia em que Schnabel perambulou pela primeira vez em volta do quarteirão e quando o novo Citibank Center foi aberto, em 1977. A habilidade de negociação de Don Schnabel foi o pontapé inicial. Charles McArthur e outros colegas da Studley desempenharam grandes papéis na execução do projeto. Juntos, eles tiveram imaginação para ver que o obstáculo para um negócio – uma simples venda individual da igreja de St. Peter – gerou as sementes de um conjunto de transações muito mais lucrativo. Se o valor da propriedade da igreja foi em si insuficiente, a resposta foi juntá-la a muitas outras. Literalmente, eles geraram economias de escala. O CUSTO DA INFLEXIBILIDADE A história do Citibank é um exemplo de estratégia de negociação adaptativa. Os nove princípios fundamentais que descrevi não garantem o sucesso, mas movem as probabilidades na direção certa. Você pode enxergar isso ao olhar o que pode acontecer quando os preceitos são ignorados. Quando a nova torre do Citi foi inaugurada, outra incorporadora estava tentando agregar terrenos em Atlantic City, no Estado de Nova Jersey, 160 quilômetros ao sul. Diferentemente de Studley, entretanto, Richard Bloom permitiu que todos soubessem o que ele estava fazendo desde o começo. Nova Jersey tinha aprovado a legislação que autorizava os cassinos. Atlantic City, uma antiga cidade turística que já tinha vivido dias melhores, estava prestes a decolar. Bloom queria agrupar o último quarteirão de frente para o mar que pudesse ser valioso. Ele era composto por setenta e duas casas privadas, mais alguns estabelecimentos comerciais e lojas cujas vitrines davam para a calçada. Em vez de tentar adquirir as propriedades residenciais secretamente, uma por uma, ele corajosamente procurou obtê-las em uma só abocanhada. Bloom anunciou para toda a vizinhança que pagaria 100 mil dólares por casa – duas ou três vezes o valor de mercado individual delas –, mas tinha uma surpresa: cada negociação dependeria de todos concordarem em vender. Ele esperava que essa oferta virasse o problema de cabeça para baixo. Qualquer proprietário que pensasse em tentar pechinchar por mais seria pressionado pelos vizinhos temerosos por perder aquele dinheiro inesperado. “É como ter quatorze vendedores no quarteirão a todo momento”, disse Bloom. À primeira vista, sua estratégia parecia inteligente. As pessoas apreciaram sua transparência. Sim, Bloom ficaria rico – ele estava à frente disso –, mas eles ficariam também. E todo mundo seria tratado do mesmo jeito, tivesse a pessoa acabado de dar uma mão de tinta no imóvel ou não. Interessava apenas o terreno. Afinal de contas, em breve, todas as casas seriam demolidas, estivessem elas detonadas ou impecáveis. Essa abordagem aberta tinha riscos, é claro. Para se proteger de outras incorporadoras que poderiam saltar em direção aos proprietários com ofertas mais sedutoras, Bloom impôs um prazo rigoroso. Ou ele obteria um rápido sim de todo mundo, ou iria embora. Ele também não estava preocupado com os vizinhos tentando fazer uma assembleia por conta própria. Eles não tinham uma organização, e as relações entre eles não eram universalmente boas. “Se eles tivessem tentado fazer isso”, disse ele depois, “eles ainda estariam tentando escolher um presidente”. Enquanto isso acontecia, o problema dele estava em outro lugar. Bloom tinha muitos compradores, mas também havia diversos outros proprietários que não estavam interessados em agir. Para alguns deles, 100 mil dólares não ia mudar o estilo de vida que levavam. Outros tinham casas principais em outros lugares. Eles não sentiam a mesma pressão para vender – ou não estavam incomodados com isso. Bloom deu-se bem ao conseguir que mais de 90% dos proprietários assinassem o contrato, mas aquele não era um jogo de ferraduras. Chegar perto não era bom o suficiente. No final, a simplicidade de sua estratégia foi tanto uma força, quanto uma fraqueza. Ao realizar uma abordagem “tamanho único”, Bloom não poderia se adaptar às necessidades e exigências de proprietários específicos. Os tipos de soluções de criação de valor que vimos com o exemplo do Citibank (como a negociação de impostos com os médicos e os mimos com as irmãs idosas) não estavam disponíveis. Ele tentou salvar o projeto, dizendo que estava disposto a pagar mais por algumas casas, mas apaziguar os holdouts colocou em risco negociações instáveis que ele já tinha feito. Mesmo assim, Bloom fez algumas coisas certas. Ele teve uma meta clara e um plano plausível para alcançá-la. Talvez fosse um tiro no escuro, mas se isso viesse a acontecer, seu pagamento seria bem grande. Na matriz de prospecção, ele estaria no box incerto, mas havia • Sintonize sua abordagem para se ajustar às circunstâncias e ao estilo da pessoa com que você está lidando. • Lembre-se de que fazer um acordo não é uma questão apenas financeira; a construção de relacionamentos é essencial. • Assegure-se de que sua estratégia esteja alinhada com os clientes e colegas. • Dê a si mesmo um espaço para manobrar, ou você vai ficar emperrado. PARTE DOIS Improvisação Algumas situações são como jogar xadrez enquanto se escala uma montanha. – EMBAIXADOR RICHARD HOLBROOKE [5] Presença de espírito Imagine duas pessoas ultracompetentes, ambas realizadas em seus respectivos campos de atuação. Uma arrebenta na hora de negociar; a outra fica paralisada só de pensar nisso. O primeiro, Donald Dell, é pioneiro entre os agentes e marqueteiros esportivos. Se voltarmos lá atrás, quando ele estava começando, Dell encontrava-se em uma tensa negociação com o fabricante das raquetes de tênis Head, defendendo uma de suas estrelas do esporte, Arthur Ashe. A empresa queria parar de pagar os 5% de royalties ao seu cliente em todas as vendas. Dell e Ashe queriam manter o fluxo de pagamentos. Dell estava em uma reunião com a equipe de marketing da Head quando a porta se abriu e o presidente entrou esbravejando. “Droga!”, ele gritou. “Isso é revoltante. Ele ganha dez vezes mais do que eu ganho, e eu sou o presidente desta empresa”. A sala ficou em silêncio. Dell ia ceder à pressão ou mandar o negócio para o espaço dando uma resposta à altura? Todo mundo virou-se para ver o que ele responderia. Depois de uma pequena pausa, Dell inclinou a cabeça, sorriu e disse: “mas, Pierre, Arthur tem um serviço muito melhor do que o seu”. A tensão foi quebrada e as pessoas riram e voltaram aos negócios. Eles mexeram na tabela de royalties e mantiveram um relacionamento de negócios que era benéfico para os dois lados. Dell foi rápido com uma piada. Mais importante do que isso, ele estava preparado mesmo diante de uma emoção forte. E sua tranquilidade e seu bom humor deixaram todos relaxados. Então, temos Chris Robbins, um médico do pronto-socorro de um grande hospital da cidade. Chris é exatamente o tipo de médico que eu gostaria de ter se estivesse sendo empurrado em uma maca: calmo e focado no meio de toda a tensão. Mas ele só é assim no PS. Aquela calma sai de cena quando chega a hora de negociar. Chris conseguiu uma vaga em um programa seletivo de treinamento clínico, mas ficava paralisado só de pensar em pedir uma licença de dois meses exigida para o curso. Esse tipo de solicitação não é comum, e diante dos problemas atuais com os funcionários, havia um risco de soar como um ato desleal com a equipe do PS. A resposta poderia ser não. A expectativa de uma confrontação foi tão intimidante que Chris nunca levou a questão a seus superiores. Pessoas como Chris têm fobia de negociação. Eles fazem de tudo para evitar fazer pressão e serem pressionados. Eles não são nem competitivos, nem comparativos. Em termos psicológicos, eles são “fujões”. Se puderem satisfazer suas necessidades mínimas, eles vão dizer “sim” apenas para acabar com a tensão de lidar com pessoas que têm agendas e estilos diferentes. É uma aversão cara. sentem numa negociação é autoimposta. É uma atitude de autodefesa que, com a prática, você pode descartar. DOMINANDO O PARADOXO Pessoas como Donald Dell amam negociações arriscadas. Como as estrelas do esporte, eles se elevam com a situação, especialmente quando as apostas são altas e a competição, intensa. “Eu vivo para esses momentos”, disse Dell sobre o acordo entre Arthur Ashe e a Head. Algumas dessas pessoas notáveis têm PhDs ou diplomas profissionais; outras nunca terminaram a faculdade. Muitos anos de experiências são vangloriados, mas há também alguns novatos talentosos. Esses negociadores incríveis têm uma peculiaridade em comum: uma forte presença de espírito. É assim que pessoas como George Mitchell e Lakhdar Brahimi conseguem vislumbrar um acordo no meio de um conflito implacável. O equilíbrio emocional deles é escorado em tenacidade e otimismo acentuado. Eles ficam confortáveis com a ambiguidade, a incerteza e o risco. Averell Harriman, um diplomata de outra época, era conhecido como “o crocodilo”: uma vez que punha os dentes em um problema, ele não largava. Bruce Wasserstein, o banqueiro investidor recentemente falecido, tratava tudo como uma negociação, não apenas acordos de negócios, mas onde comer e se deveria ligar ou não, caso você se atrasasse para uma reunião. “Isso pode ser bem exaustivo”, diz Laurence Grafstein, que trabalhou com Wasserstein por mais de uma década. “O tempo passava, e você só tinha começado a cavar. Mas então ele não permitia que você se rendesse, e o ciclo da negociação começava mais uma vez”. Há outros negociadores cujos acordos não estampam a primeira página, mas que se encaixam no mesmo perfil. Armaud Karsenti, um jovem corretor de imóveis e empreendedor, diz “eu amo negociação; quanto mais cabeluda, melhor!”. Em minha consultoria e pesquisa, conheci, trabalhei com e estudei os melhores negociadores em uma ampla variedade de campos de atuação. Eu fiquei impressionado com a composição mental deles, suas habilidades ao equilibrar o que pareciam ser estados opostos de espírito. Cheguei à conclusão de que, para se destacar, os negociadores devem ser, ao mesmo tempo: calmos e atentos; pacientes e proativos; e práticos e criativos. Esse ato de equilibrar não é uma questão de trocar de um pelo outro em diferentes momentos durante uma negociação. O ponto-chave é ser todas essas coisas de uma só vez. E não é uma questão de trade-offs. O objetivo não é ser um pouco calmo e um tanto atento. Um olhar mais de perto em cada uma dessas dualidades mostra como reconciliá-las. Seja equilibrado. É essencial quando negociadores se exaltam. Isso fornece os recursos emocionais para desarmar situações tensas. Mas a vigilância é tão importante quanto isso. Ela o ajuda a identificar sinais precoces de que a negociação não está indo na direção esperada. Provavelmente, você precisa de uma rica mistura de paciência e iniciativa. A primeira é uma virtude bem aclamada: coisas boas vêm para aqueles que esperam, e a pressa é inimiga da perfeição. Esses ditados se aplicam à negociação. Construir confiança leva tempo. Acelerar o processo pode ser negativo em culturas nas quais o que parece ser conversa fiada é um ritual importante. E fazer propostas precocemente, antes de preparar o terreno, pode incitar a rejeição. Mas a iniciativa também é uma virtude. O dicionário de sinônimos a compara diversas vezes a um plano, inventividade e ter uma posição privilegiada – todas são vantagens decisivas na mesa de negociação. Apenas por meio de uma sondagem você aprende como elevar a escada de valor que pode subir, ou quando é hora de mudar para o plano B. Se você não assumir a liderança, o outro lado irá definir o tom das coisas. Então existem duas metas de praticidade e criatividade. Os mestres da negociação são realistas cabeças-duras. Eles percebem quando estão ficando emperrados com um limão na mão – mas também sabem como fazer uma limonada. Quando as partes estão em um impasse por causa de preço, por exemplo, um vendedor engenhoso pode oferecer um financiamento para preencher a lacuna. Talvez formar uma joint venture possa gerar lucro de modo geral. Por outro lado, estar encalhado também é um plus. O reconhecimento na prática das necessidades e restrições do outro lado ajuda os negociadores a focarem em soluções trabalháveis, em vez de viagens fantasiosas. Isso indica quando metade de um pão é o máximo que você irá conseguir pegar. O pragmatismo também o vacina contra se apaixonar por um contrato e pagar mais do que o alto valor que você estabeleceu inicialmente. Idealmente, você gostaria de ter todas essas três virtudes por completo, mas cada par parece contraditório. Como você pode continuar calmo se ainda está à procura do perigo? Mas abraçar o paradoxo não se trata de uma noção fantasiosa new age. Muitas vezes, você depende de outros profissionais para fazer exatamente isso. Se alguém em sua família precisar de uma cirurgia de bypass coronário, por exemplo, você vai querer um cirurgião cardíaco que seja tanto calmo quanto atento. Do mesmo modo, você espera que seus filhos sejam agraciados com professores que são, ao mesmo tempo, pacientes e proativos. E se você estivesse a bordo da fracassada missão à lua na Apollo 13, você ia querer que a equipe de controle de missões da NASA fosse prática e criativa ao máximo. Tenho visto as mesmas qualidades em mestres da negociação. Enquanto cada uma dessas três dualidades (calmo-atento, paciente-proativo, prático-criativo) é importante por si só, elas se baseiam em e expressam um emparelhamento mais profundo de segurança e humildade. Esses atributos não são emoções. Em vez disso, eles representam um meio mais essencial de ver a si mesmo em relação aos outros. A segurança da equação é a confiança de que você pode lidar com a tarefa em mãos, dado o que é razoavelmente possível. Por sua vez, o elemento de humildade aceita que nem tudo seja conhecível ou sujeito a seu controle. Mihaly Csikszentmihalyi, autor do influente livro Flow: the psychology of optimal experience9, diz que a marca dos indivíduos fortes é uma confiança permanente em ter os recursos pessoais para determinar seu próprio destino. “Nesse sentido, alguém poderia chamá-los de seguros de si, embora, ao mesmo tempo, os egos deles pareçam curiosamente ausentes; eles não são egocêntricos”. Ele diz que “a energia dessas pessoas normalmente não se direciona para o domínio de seu ambiente, nem para encontrar um caminho para funcionar nele harmoniosamente”. Isso exige reconhecimento de que “para se ter sucesso, pode ser preciso jogar com um diferente conjunto de regras, diferente daquele que seria preferível”. BAGAGEM EMOCIONAL Muitos anos atrás, meus colegas Julianna Pillemer, Kim Leary e eu iniciamos um estudo dos pensamentos e emoções sobre a negociação. Julianna é formada em psicologia, e Kim é psicoterapeuta e psicanalista. Nós estávamos curiosos: por que algumas pessoas amam negociar, enquanto outras abominam? Éramos céticos em relação ao fato de que assuntos simples de pesquisa sobre suas visões pudessem revelar seus sentimentos profundos acerca do processo. Dizer às pessoas para se autoavaliarem muitas vezes é problemático, e a redação de questões de avaliação pode enviesar os resultados (por exemplo, perguntar sobre autoconfiança coloca a ideia na cabeça dos sujeitos). Nós também duvidávamos que simples números em uma escala de 0 a 10 pudessem captar a complexidade da psique das pessoas. Para um entendimento mais profundo, nós nos voltamos para o método patenteado ZMET, desenvolvido por nosso colega Gerald Zaltman, que é sociólogo. Com base em pesquisa interdisciplinar da psicologia cognitiva e da neurociência afetiva, Gerald e seus colegas acreditavam que as pessoas pensam primeiramente em imagens (em geral, visuais) e, com certeza, não em palavras sozinhas. Afinal de contas, nós sonhamos em imagens em movimento, não em palavras ou planilhas. A empresa de pesquisa de mercado dele – Olson Zaltman Associates – estuda as estruturas subjacentes que molduram o pensamento das pessoas sobre um determinado assunto. Essas estruturas profundas são modelos inconscientes que se moldam conforme o modo que as pessoas processam e reagem à informação. Elas se revelam nas metáforas comuns e descrições que as pessoas usam em suas conversas no dia a dia. Alguém que descreve a negociação como uma valsa, por exemplo, tem uma visão diferente do processo do que aquela que a chama de “dança do acasalamento do escorpião”. Ao explorar tais imagens, estávamos aptos para sondar a fonte dos sentimentos complexos das pessoas sobre negociação. Os sujeitos de nosso estudo eram principalmente gestores, tanto homens quanto mulheres, mais alguns advogados. Todos tinham quinze ou mais anos de experiência em negociações no mundo real. Nós queríamos explorar a experiência emocional dos veteranos, não dos recrutas. Duas semanas antes de nossas entrevistas (que duraram de 3 a 4 horas cada), pedimos aos sujeitos para reunir meia dúzia de imagens que eles associassem com alguns aspectos do processo de negociação. Eles poderiam recortar imagens de revistas, tirar cópias de livros banana. Essa imagem [representa] que eu me preocupo com os escorregões quando entro em negociações”. Outro participante disse, preocupado com o comportamento de autoderrota: “desmoronar seria perder minha cabeça, perder o controle da situação, ser incapaz de pensar com clareza nas opções por causa do que quer que seja a situação. Eu sinto que, se começar a desmoronar, então tudo irá desmoronar também”. Mais um descreveu o que ele chama de “uma imagem de alguém pesando suas cabeças numa balança para ver se elas são valiosas ou não”, e então acrescentou “esse tipo de dúvida implícita não ajudaria nosso negociador”. Não admira que as pessoas abordem a negociação com cuidado, sem saber em quem confiar ou se elas vão se dar bem. A cautela foi gerada dentro de nós, de maneira mais forte em alguns do que em outros. Um de nossos participantes admitiu: “eu odeio confrontos. Não lido bem com a raiva de outras pessoas. Eu acho que a raiva bloqueia tanto a criatividade quanto o entendimento, porque a raiva verdadeira é apenas como uma emoção borbulhante que atinge você. Eu acho que isso é o que há de negativo nela. Ela bloqueia a comunicação em seguida”. Maneirismo, decepção, falha de comunicação e confrontos são riscos comumente temidos em uma negociação. Às vezes, eles são ameaças reais. Outras vezes, são apenas fruto de sua imaginação. E isso vale para nós e para as pessoas com quem negociamos. PADRÕES DUPLOS A maioria das pessoas em nosso estudo via os outros como predadores na selva da negociação e eles próprios como presa. Alguns, entretanto, se identificaram com o lado agressivo da natureza humana. Um deles agradeceu ao lobo dentro dele. Outro se viu como um atirador preparando a mira. Mas mesmo aqueles que visualizaram a si próprios rechaçando criaturas perversas podem ter revelado mais do que previram, projetando nos outros seus próprios atributos negativos. Veja como essas pessoas misturam sua impressão das motivações de outras pessoas com sua própria autoimagem: “Às vezes, você pode estar em uma negociação, e ser trapaceado por alguém que talvez não esteja fazendo um jogo justo. E eu acho que é uma coisa realmente difícil quando isso acontece. Aí, você pode ter falta de honestidade ou pode enxergar isso. Às vezes, as pessoas podem jogar de forma um pouco não profissional; acho que isso é estar trapaceando. Eu penso que ser astuto e perspicaz é fazer a sua parte de forma inteligente”. Você captou esse jogo dos copos mental? Quando somos “astutos e perspicazes”, nós estamos apenas nos comportando de forma inteligente. Mas quando outros fazem a mesma coisa, é “falta de honestidade” e eles não estão “fazendo um jogo justo”. Um padrão duplo é uma receita para integridade e castigo. Quando cada negociador vê suas próprias táticas como espertas e as dos outros como más, as tensões se intensificam, confirmando os piores medos de cada um. Mesmo uma ação aparentemente pequena pode desencadear uma espiral descendente. Um cumprimento brusco ou uma exigência inesperada pode ser um sinal de que essa negociação não será tão fácil quanto se esperava. A frequência cardíaca pode subir um degrau, os músculos da barriga podem ficar retraídos e, pouco tempo depois, as pessoas podem perder sua compostura. Uma negociação séria é um ato físico. Ela demanda energia, concentração e vigor. Dúvidas internas e desconforto são pesos mortos que podem degradar sua atenção para a relação que se desdobra com a outra parte. Tudo se resume a quem você prefere ser: um negociador centrado ou um que é ansioso e distraído. Cada tipo pode começar do mesmo lugar oferecendo uma oferta que ele pensa que é generosa, mas então fica surpreso quando o outro lado a rejeita. A pessoa que é bem equilibrada vai entender aquela reação no tranco e focar em como ser mais persuasiva. Por contraste, o negociador ansioso pode começar adivinhando ele mesmo e preocupando-se com o que fazer se o negócio for por água abaixo. Com mais compostura, ele poderia se sair melhor focando em como fazer o acordo funcionar. As pessoas que trazem sentimentos positivos à mesa protegem-se contra reações exageradas de descortesia e contrariedades. Elas são pacientes e perceptivas. As emoções são incitadas pela negociação – ansiedade e frustração, de um lado; abertura e garantia, do outro –, não são estáticas ou transitórias. Esses sentimentos se transformam em trajetórias que se tornam as atitudes e inclinações que tanto facilitam quanto impedem o processo de se chegar a um acordo. Os negociadores que podem canalizar o fluxo e refluxo de sentimentos têm uma considerável vantagem sobre os outros que simplesmente se deixam abalar por eles. DESEMPENHO MÁXIMO Os negociadores podem aprender muito sobre equilíbrio emocional e concentração com as estrelas do esporte e artistas que precisam mostrar o seu melhor em condições de alta pressão. Jogadores de beisebol descrevem com temor aqueles dias em que o arremesso que vinha na direção deles parece tão grande quanto uma bola de praia. Técnicos de futebol americano aplaudem os quarterbacks que, mantendo a cabeça fria, conseguem escolher um recebedor no meio de um ataque adversário. E alguns goleiros de hóquei no gelo alegam que o tempo desacelera para eles, de modo que eles podem eventualmente defender um disco voando em sua direção a 160 quilômetros por hora. Psicólogos do esporte como Robert Nideffer relacionam esse estado de “estar inspirado” à ausência de distrações mentais. Mihaly Csikszentmihalyi descreve o conceito de fluxo relacionado a estar totalmente absorto. Trata-se de um estado mental em que “as pessoas estão tão envolvidas em uma atividade que nada mais parece ter importância; a experiência em si é tão prazerosa que as pessoas farão isso mesmo a um grande custo, pelo puro gosto de estar fazendo isso”. É fácil visualizar um violoncelista absorto em sua música, ou um corredor de maratona com os pulmões queimando enquanto se aproxima da linha de chegada, como pessoas que se mantêm no fluxo ou estão inspiradas. Mesmo uma equipe de design, fazendo um brainstorming de ideias para um novo produto, pode ter momentos em que seus integrantes estão todos em sincronia, sem distrações. Mas e na negociação? É possível imaginar um negociador absorto tão profundamente quanto um violoncelista ou tão focado quanto um corredor de maratona? A negociação é um processo interpessoal. Lidar com a troca de argumentos, propostas e reações leva a um diálogo interno que pode colocar em risco seu foco no momento. Se você não for autoconsciente, a negociação pode ser uma estufa para cultivar pensamentos e sentimentos que subvertem a concentração. Os atletas (e seus fãs) conhecem bem o “estado de choque”. Estudos sugerem que a tensão limita a memória de curto prazo, a fonte em que os especialistas se baseiam para se sobressair. Nos esportes, isso pode ser desencadeado por um acontecimento externo, como quando um espectador atira alguma coisa no campo. Mas muitas vezes a causa é interna, quando a mente de um competidor se associa a pensamentos negativos. Exercer pressão para atuar em um momento de ganhar ou perder pode extravasar as sensações de um atleta e fazer com que ele congele. Para um jogador de tênis, pode ser o medo de fazer uma jogada ruim. Para o negociador, pode haver dúvida quanto à sua habilidade de conseguir um bom negócio ou ganhar o respeito da outra pessoa. W. Timothy Gallwey, autor do clássico O jogo interior de tênis, descreve o pavor que algumas pessoas sentem quando a bola é atingida por sua backhand. “Ixi”, o jogador diz para si mesmo, “você vai parecer desajeitado de novo”. Gallwey diz que essa crítica interna é muito mais arrasadora do desempenho do que centenas de fãs o insultando na arquibancada. Do mesmo modo, um negociador que ralha consigo mesmo por ser ansioso reforça a autocrítica e agrava a distração. Resolver deixar de lado os pensamentos negativos muitas vezes faz mais mal do que bem, uma vez que tira o foco do jogo. Gallwey diz que dizer a alguém para “manter o olho na bola” é contraproducente. Em vez disso, exige-se um foco mais ativo. Para o tênis, ele prescreve o mantra “quicar-bater”. Isso significa dizer para si mesmo a palavra “quicar” quando a bola começa a voltar depois de bater na superfície da quadra, e então dizer “bater” no momento em que a bola impacta nas cordas da raquete. Esse exercício simples institui a concentração em vez de implorar por ela. Isso afasta as distrações e coloca o foco apenas no ambiente relevante – nesse caso, a bola lançada perto da rede, na quadra e então na superfície da raquete. Vamos traduzir essa técnica para a negociação. Toda a sua atenção deve estar focada no que a sua contraparte está dizendo e em como ela está dizendo isso. Não apenas nas palavras dela, mas em sua postura e na expressão que se insinua neste momento sobre seu rosto. É semelhante a assistir à bola de tênis. Você está observando a direção do que está sendo dito, o andamento da conversa e seu redirecionamento. Se você estiver bastante atento, sua cabeça irá se aquietar. Atletas de renome também são mestres em andamento e timing. O legendário técnico de basquete da University of California, Los Angeles (UCLA), John Wooden, costumava dizer a seus jogadores “seja rápido, mas não tenha pressa”. O mesmo se aplica à mesa de habilidade cognitiva. “Pelo menos tanto quanto a inteligência”, ele escreve, “isso exige um comprometimento de emoções e vontade. Não é suficiente saber como fazer isso; alguém tem de fazer isso, com consistência, da mesma maneira que os atletas e músicos devem continuar praticando o que eles sabem na teoria. E isso nunca é fácil”. Mas pode ser feito. PREPARO EMOCIONAL Negociadores sérios se preparam. Eles entendem os mercados em que atuam. Eles lançam os números e leem minutas de contratos. Observam suas contrapartes e desenvolvem um plano B, para o caso de as coisas não saírem conforme o esperado. Contudo, você pode fazer tudo isso e mais um pouco e, ainda assim, não estar preparado se não estiver preparado emocionalmente. Seis questões objetivas podem ajudá-lo a desenvolver um exercício personalizado. Quanto mais atenção você der a cada pergunta, mais útil será essa tarefa. É essencial ser honesto consigo mesmo acerca de seu temperamento, forças e deficiências. Agora mesmo pode ser um bom momento para fazer esse exercício. Se você tiver uns dez minutos, pegue uma caneta e um papel para fazer algumas anotações. Desacelere um pouco também. (Se estiver com pressa, talvez seja melhor que você volte a esse exercício quando não estiver muito ocupado.) Quando estiver pronto, dobre o papel de modo que fique no formato de paisagem e trace uma matriz de seis células: três colunas divididas em duas linhas. Como as duas primeiras perguntas estão ligadas, considere-as juntas: 1. O que você quer sentir quando entra em uma negociação? 2. Por quê? Anote as primeiras emoções que vêm à sua cabeça, então se distancie e pense em outras que você pode acrescentar na lista. Agora reflita por um momento sobre por que você identificou esses sentimentos e faça algumas anotações no segundo quadro. Não tenha pressa para ler o texto que vem em seguida. Assegure-se de que tenha respondido a essas duas perguntas de maneira bem pensada antes de ver o que os outros responderam. Combinado? Eu utilizo esse exercício de seis passos no MBA e nos cursos de negociação para executivos. Normalmente, quando começo, os alunos dizem que eles querem ficar relaxados, focados e confiantes. Intuitivamente, as pessoas associam essas emoções positivas com o caminho que leva ao acordo. Mas, então, outros alunos dialogam sobre a discussão. É legal se manter calmo, dizem eles, mas não querem ser complacentes. Eles querem permanecer atentos e talvez um pouco agitados, de modo que tenham a energia para conduzir o processo adiante. Em vez de debater se é bom ser um ou outro, a maioria dos alunos chega à conclusão de que eles precisam ser tanto otimistas quanto atentos. Verifique as anotações que você fez nos dois primeiros quadros e pense no equilíbrio que você quer atingir entre esses diferentes sentimentos. Agora você está pronto para a próxima pergunta. 3. O que você pode fazer de antemão para se colocar em seu estado emocional ideal? De novo, faça algumas anotações no papel. Essa pergunta pega as pessoas de surpresa se elas não tiverem pensado antes sobre manipular seu próprio estado emocional, mas logo aparecem as sugestões práticas. Eu ouvi alunos dizerem: “é exatamente como fazer uma prova. Não fique tenso estudando no último minuto. Dê tempo a você mesmo para desestressar”. A verdade é a mesma para a negociação – e quanto menos tempo você tiver para se preparar, mais importante é essa dica. Imagine que você está na sua mesa trabalhando em seu orçamento trimestral. O telefone toca. É sua contraparte de uma transação difícil que está se arrastando por muito tempo. Seu impulso imediato é saltar direto para dentro daquela conversa. Seria mais inteligente, contudo, dizer “que bom que você ligou. Deixe-me finalizar algumas coisas por aqui e eu retorno para você em três minutinhos”. Assim, você pode se recostar na sua cadeira e talvez fechar os olhos por um momento. Mesmo agora, se você se imaginar fazendo isso, pode sentir como sua tensão vai aliviar, deixando-o mais bem- preparado quando você retornar a ligação. Outras pessoas sugerem exercícios simples de meditação como uma forma de colocar de lado pensamentos de distração. A visualização também pode ajudar. Imagine ter o equilíbrio correto entre tranquilidade e estado de alerta. Como será essa sensação? Ou, se você muitas vezes se culpa por ser impaciente, pense sobre como é ouvir sem interromper. Se você às vezes é muito reservado, imagine-se entrando na conversa e sendo mais expressivo. Faça o que puder para minimizar as distrações de antemão. Quando você vai para uma reunião importante, dirigir até lá pode ser tranquilo ou o trânsito pode estar difícil. As circunstâncias fora de seu domínio vão afetar seu humor – talvez para melhor, talvez para pior. Se for o último, trazer aquela frustração para dentro da sala não será de seu interesse. Faça o que puder para se colocar em uma condição adequada. Vamos supor que você esteja emocionalmente preparado. Vá para a pergunta 4. 4. O que pode abalar seu equilíbrio durante uma negociação? Mais uma vez, faça algumas anotações no quadro do exercício antes de ler as respostas das outras pessoas. Vamos falar aqui de feridas emocionais que, se tocadas, podem fazer seu desempenho cair. Esses gatilhos variam de pessoa para pessoa. Ofensas ficam guardadas dentro do coração de algumas pessoas, mas, em outras, entram por um ouvido e saem pelo outro. Do mesmo modo, alguns negociadores têm uma paciência infinita, enquanto outros se frustram quando as conversas se arrastam. Pense nas negociações em que você não desempenhou o seu melhor. Talvez você tenha perdido a cabeça, talvez não. Mas se você se orgulha de seu autocontrole, faça uma leitura honesta de si mesmo. Há momentos em que você se liberta e se retira emocionalmente? Procure padrões e tendências. Pense também em quando os problemas parecem surgir durante o processo. As coisas dão errado no começo ou mais vezes no final, quando você está tentando fechar um negócio? Um feedback honesto dos colegas de equipe de negociação pode ajudar. 5. O que você pode fazer no meio da negociação para restabelecer seu equilíbrio? Novamente, anote suas próprias ideias antes de continuar lendo. Problemas na negociação, contudo, não competem apenas às ações das pessoas. Eles também dependem de como você responde a eles. Você não consegue controlar o comportamento de outras pessoas, mas deve ter algo a dizer sobre como reage a isso. E se você for autoconfiante, você estará atento aos primeiros sinais internos de aborrecimento antes que eles floresçam como raiva em grande escala. Mas perder a cabeça não é o único jeito de vacilar; também há muitas formas sutis de ficar de fora de seu jogo. Se uma negociação está se arrastando demais, você pode perder a concentração. Sua energia pode se dissipar. E então? Uma resposta fácil é respirar fundo. Isso funciona como um botão de reiniciar, interrompendo qualquer padrão disfuncional que tenha surgido. E lembre-se de respirar fundo antes de você realmente precisar disso, uma vez que você está constantemente atuando no mais alto nível. Somos seres físicos, afinal de contas. Às vezes, é claro, você não pode sair da sala, mas quando estiver se sentindo desgastado ou irritado, respire bem fundo. É um conselho habitual porque realmente funciona. Quando você está tenso ou cansado, sua respiração desacelera. Reoxigenar o sangue faz maravilhas. Mesmo sem fazer qualquer diferença fisicamente, você também pode quebrar ciclos negativos mudando o assunto da conversa. Se você não estiver chegando a lugar nenhum lutando com os detalhes de um acordo, converse sobre princípios gerais e preocupações. Se você estiver preso nesse ponto, veja se focar nas questões do processo dá uma vida nova à interação. Esses movimentos táticos podem ser úteis por si só. O controle mais fundamentado e assertivo irá ajudá-lo a se reconcentrar. 6. Como você quer se sentir quando tiver terminado? Quando eu faço essa pergunta nos cursos, alguns alunos deixam escapar “aliviados”. Isso diz muito sobre a tensão que eles devem sentir enquanto estão negociando. É compreensível, é claro. Negociação é trabalho. Isso demanda concentração, resiliência e criatividade em um contexto no qual as apostas são altas e os resultados, incertos. Mas aqueles que sentem que a negociação é uma prova difícil pagam um preço dobrado. Ao entrar no processo, a apreensão deles faz com que fiquem na defensiva e com a mente fechada. E se eles procurarem pela porta de saída o tempo todo, vão acabar vendendo barato ou indo embora de mãos vazias. Com um pouco mais de tempo e bem mais emoção positiva, eles podem se sair bem melhor. Alguns estudantes dos cursos para executivos e de MBA respondem “satisfeitos”. Quando eu sondo sobre o que eles querem dizer com isso, falam em estarem satisfeitos com os resultados, considerando todas as questões, mas também se sentindo satisfeitos com seu próprio desempenho. Eles podem ter mantido seu equilíbrio ao longo do processo ou, se eles se distanciaram, recuperaram-se muito bem. de sorte. Pelo contrário, ela depende de ambos estarem internamente centrados em si e externamente conscientes dos estados emocionais das outras partes. Tanto na negociação quanto no jazz, esse processo de aprender, adaptar e influenciar acontece a todo momento, ao ouvir e ao responder. Você reflete, afirma, refuta, remodela e responde ao que quer que seja colocado por suas contrapartes. E, como no jazz, é impossível antecipar cada volta e cada reviravolta. Goste ou não, você tem de improvisar bem desde o começo. Se, inesperadamente, for colocado em perigo, você tem de se manter em pé, sem aumentar as tensões. Ou se sua contraparte o surpreende com uma oferta generosa, você precisa aceitar de uma maneira que ela não sinta remorso ou volte atrás. Uma vez que esses momentos passam num piscar de olhos, você tem de negociar em múltiplos níveis. Essencialmente, você responde a exigências específicas e ofertas dizendo sim, não ou talvez. Em outro nível, você também está definindo a relação como fácil ou tensa, aberta ou fechada, cooperativa ou competitiva. Em outro plano, você está ajustando o ritmo e o tom do processo de negociação. E você tem de fazer tudo isso num piscar. Um aluno meu de MBA estava em sua última fase de entrevistas para uma vaga em uma firma de consultoria. Ele tinha uma polidez social e referências brilhantes. Nas fases iniciais, ele demonstrou suas habilidades técnicas e seu conhecimento em negócios de modo geral. A reunião final com os sócios sênior seria como uma formalidade, apenas uma questão de ajustar os termos de uma oferta oficial. Então o diretor da firma perguntou com bom humor: “quando foi a última vez que você teve de pensar rápido?”. A pergunta pegou o candidato de surpresa e ele fez uma pausa. “Bem”, disse ele, passando a mão no queixo, “deixe-me pensar”. Foi um momento esquisito para todo mundo. Neste momento, enquanto você lê este livro, a resposta correta pode vir à sua cabeça imediatamente: “ah, cerca de meio segundo atrás”. É fácil ser ágil quando nada está em jogo, é claro. Trata-se de uma questão diferente para a maioria das pessoas, quando as apostas pessoais são altas. Muitos gestores que pesquisei se culpam por não serem negociadores mais ágeis, especialmente ao lidar com táticas beligerantes. Muitos também se lembram de ficar travados quando tiveram de escolher entre revelar informações importantes ou desconversar sobre os fatos. “Costumo ficar agitado quando acho que cometi um erro”, uma pessoa disse. “Começo a duvidar de mim mesmo, o que me faz questionar meus movimentos e prejudica minha agilidade”. Preocupações como essas são compreensíveis. Não tem como se pré-programar para dizer e fazer a coisa certa o tempo todo. Mesmo nas negociações aparentemente mais simples, não é possível saber exatamente o que fazer em uma situação específica até estar nela. Vamos imaginar que você queira fechar um contrato de serviço com um novo cliente. Qual é a primeira coisa que você deveria dizer depois que ele o recebe em seu escritório, sem pensar na segunda e na terceira? Tudo depende de como ele começa a conversa. E ele pode fazer isso de diferentes maneiras: Versão 1. “Chris, estamos interessados em fechar uma parceria com você. Vamos encontrar um negócio que seja bom para nós dois”. Versão 2. “Que bom que você veio, Chris. Meus colegas colocaram você na nossa seleta lista de possíveis fornecedores para este contrato”. Versão 3. “Está na hora de você pescar ou cortar a isca, Chris. Nós gostamos de sua proposta, mas você precisa abaixar o preço para bater nossa competição”. Cada frase precisaria de uma resposta diferente. Mesmo que você soubesse com antecedência o que a sua contraparte diria, ainda assim você iria querer ouvir as palavras exatas e avaliar a atitude dela. A exigência de abaixar o preço pode soar como um blefe óbvio. Ou a história de “parceria” pode parecer pouco sincera. E você não vai saber como se sentirá – cauteloso ou confiante – até que esteja realmente lá. Somente então você poderá sentir se irá se contentar com metade do pão ou pressionar por mais. Alguns negociadores parecem ter um dom natural para improvisar. O restante de nós poderia desejar que a negociação viesse com um botão de pausa que nos permitiria congelar a ação, considerar o que o outro lado quis dizer e ponderar o que responder em seguida. Seria até melhor ter uma função de replay, para que pudéssemos rever e experimentar outra resposta, caso nossa abordagem inicial caísse por terra. Desculpe, mas não existem aplicativos como esse no mundo real; e não há segundas chances também. Em vez disso, temos de improvisar. Livros básicos de negociação não oferecem respostas, mas você pode dar um jeito pegando emprestado práticas de outras áreas em que a improvisação é explicitamente praticada e ensinada. O jazz é uma dessas fontes ricas. Você pode extrair lições valiosas também do teatro, da psicoterapia e, como você verá no capítulo seguinte, mesmo da guerra. Músicos, atores, terapeutas e soldados engajam-se em grandes empreendimentos. No coração disso, contudo, a agilidade deles se baseia em princípios semelhantes. A improvisação não é meramente uma técnica. Ela exige um raciocínio especial: uma mistura de realismo inabalável acerca da situação em que você se encontra com uma crença positiva de que mesmo assim você vai sair dessa, de alguma maneira. A improvisação também não é simplesmente inventar as coisas à medida que você avança. Se fosse, ninguém poderia se sentar em um piano e tirar dele um jazz incrível. Também não se trata de um processo às cegas de tentativa e erro. Trupes de comédias de improviso seriam vaiadas para fora do palco se eles aleatoriamente jogassem fora suas falas, esperando encontrar por acaso alguma coisa engraçada. Com certeza, eles não ficam esperando passivamente que algo aconteça. Mesmo os psicoterapeutas mais taciturnos sabem quando é hora de parar de ouvir as mágoas de um paciente e lançar uma pergunta que leve à introspecção. Em vez disso, os improvisadores sobrevivem e até mesmo prosperam porque eles fazem três coisas especialmente bem: 1. Eles prestam muita atenção. Eles têm uma capacidade de atenção que vai muito além da escuta ativa. 2. Eles sabem quando e como influenciar e se adaptar às pessoas com quem negociam. Os músicos de jazz chamam isso de fazer solos e acompanhamentos. 3. Eles são proativos; até mesmo provocativos. Eles assumem riscos consideráveis de modo a conduzir a ação seguinte. PRESTE ATENÇÃO A improvisação começa prestando-se atenção; dando total atenção ao que os outros estão expressando essencialmente e emocionalmente. Isso envolve assimilar não somente o significado das palavras, mas também o tom de voz, as expressões faciais e a postura. Isso exige todos os seus sentidos. O gigante do jazz Herbie Hancock descreveu o processo como algo tão intenso que “às vezes eu estou ouvindo com os meus dedos do pé”. A distração dificulta a compreensão, assim como a estática no som do carro. Muitas vezes, o diálogo interno é o que mais interfere na escuta de verdade, mesmo durante conversas do dia a dia. Todos nós temos momentos estranhos em situações em que nossa mente vagueia em vez de focar no que a outra pessoa está dizendo. “Eu não guardei o nome dele”, podemos dizer para nós mesmos enquanto batemos nossos dedos mentais, apenas esperando que ele pare de falar para que possamos contar a nossa anedota favorita. E a maioria de nós esteve do outro lado dessas interações, observando, enquanto falamos, como os olhos do ouvinte percorrem a sala em busca de alguém mais interessante. Estar fora de sincronia é suficientemente frustrante em situações sociais. Na negociação, é incapacitante. Sua contraparte pode estar apenas no meio da frase, mas você já está fazendo um roteiro do que vai dizer quando ela tiver acabado – se você deixá-la chegar até lá. Enquanto você está ocupado sufocando sentimentos, ponderando opiniões ou interpretando algo dito antes, a interação pode ocorrer longe de você. As técnicas de “escuta ativa” ensinadas nos seminários de relações humanas não resolvem o problema. Dizer alguma coisa como “se eu o entendi direito, você está preocupado com...” é, na melhor das hipóteses, um gesto de agradecimento, uma técnica para esclarecer as questões concretas. Na pior, soa estereotipado e paternalista. Prestar atenção na negociação envolve desligar o diálogo interno de uma pessoa e absorver o que está acontecendo aqui e agora. Fazer isso é desafiador e libertador. Quando a outra parte é colocada diante de uma proposta complexa, é fácil ficar mentalmente bloqueado em um ponto específico, sob o risco de perder tudo o que vem em seguida. Em vez disso, quando você ouve algo problemático, você deve estar ouvindo mais atentamente para captar os outros aspectos da oferta que podem, em último caso, estruturar a base do acordo. Como nota o autor de Flow, Mihaly Csikszentmihalyi, “é difícil observar o ambiente, uma vez que a atenção está principalmente focada no lado de dentro, uma vez que a energia psíquica da maioria das pessoas é absorvida pelas preocupações e pelos desejos do ego. As pessoas que sabem como transformar a tensão em uma experiência prazerosa gastam muito pouco tempo pensando nelas mesmas”. negociação. No curso do diálogo, cada lado espera ter uma chance de convencer o outro dos méritos de sua posição. Em geral, as partes insistem para isso. Deixar cada um falar é apenas o primeiro passo. Se ninguém estiver ouvindo, a conversa não vai a lugar nenhum. Mesmo enquanto a sua contraparte estiver falando, você deve se voltar para a conversa e moldar o comportamento dela. As perguntas que você coloca ou mesmo um aceno seu com a cabeça pode encorajar afirmações construtivas e manter a outra parte fazendo seu autorretrato em um canto. “Conte mais sobre isso”, você pode lançar, se as coisas estiverem indo bem. Ou se você precisar trazer a pessoa de volta ao foco, pergunte: “o que podemos aprender do modo como outras pessoas resolveram esse problema?”. Mais uma vez, isso vai bem além da chamada escuta ativa. Não é só uma questão de reconhecer o que os outros expuseram, mas também influenciar o que eles estão dizendo e como estão dizendo isso. Acertar em cheio no equilíbrio correto entre o solo e o acompanhamento exige saber quando dar um passo para trás e quando dar um passo para a frente. Anotar toda e qualquer coisa que alguém diz irá acabar irritando até a pessoa mais calma. Deixar algumas coisas passarem, pelo menos no momento, intensifica o impacto do que você diz quando entra na conversa. De acordo com Barrett, quando os músicos de jazz fazem um acompanhamento, eles concordam em “suspender seus julgamentos e confiar que, seja lá o que o solista estiver fazendo agora, isso chegará a algum lugar, para mesclar o fluxo e a direção da ideia em vez de romper e ir numa direção independente”. Para os músicos, isso significa abandonar a ilusão de controle pleno sobre o que quer que aconteça em seguida. Abandonar o controle e dar apoio às outras partes pode ser uma coisa difícil para os negociadores de sangue quente engolirem, mas isso não significa que seus objetivos finais serão comprometidos. E não tem nada a ver com ser submisso. De preferência, isso simplesmente envolve rever o desejo de dominar cada momento da transação. (Paradoxalmente, esse tipo de microcontrole na verdade ameniza seu poder de chegar aonde você quer.) Você pode exercer uma influência maior seguindo o exemplo dos bateristas e baixistas, que não estão à frente nem no centro, mas conduzem o ritmo e o andamento de toda a apresentação. Para entender um acompanhamento eficiente, é só você se lembrar de casos em que isso é feito de forma péssima. Todos nós já vimos colegas de equipe bem-intencionados se chocando uns com os outros enquanto faziam uma proposta ou lançavam uma venda. É possível interromper o outro para ressaltar um ponto ou adicionar detalhes técnicos. Esses comentários em particular podem ser relevantes, mas, se houver intromissões em excesso, qualquer benefício de ter mais informações é rapidamente sobrepujado pela falta de fluxo e coerência. Fazer um acompanhamento tampouco é fazer revezamentos de forma educada. Em vez disso, é encontrar caminhos enquanto você está ouvindo para trazer o melhor das suas contrapartes, sejam elas aliadas ou antagonistas. É de seu interesse persuadi-las para revelar suas verdadeiras prioridades, em vez de ocultá-las. Você vai se sair melhor se conseguir encorajar e ampliar as tentativas das contrapartes na resolução de um problema, em vez de provocar disputas contestando cada afirmativa delas. Quando você combina com as pessoas certas, acompanhamentos habilidosos podem mudar tudo. Mesmo que elas falem bem mais do que você, você pode conduzir a conversa apoiando as melhores ideias delas e reformulando outras. No final, as pessoas podem sentir que você aceitou a proposta delas, quando na verdade, habilidosamente, você deu a voz de muito do que queria dizer. Vamos imaginar que o outro lado descarte três exigências, duas delas fora de cogitação. Sua reação natural pode ser focar no que não é trabalhável e por quê. A outra parte pode então responder com o mesmo tipo de atitude e rejeitar seus argumentos. Esse tipo de discurso pode estragar as coisas, levando a uma troca negativa em que um lado traz os baldes de tinta e o outro fornece os pincéis, e acabam cada um em um canto da sala. Diferentemente, o acompanhamento envolve escolher a semente de uma ideia que vocês então possam nutrir. Um músico de jazz não ressoa o que o solista está fazendo; em vez disso, ele seleciona uma parte do que ouve para dar destaque e desenvolver. Em nossa negociação hipotética, isso poderia significar focar em um tema promissor que a outra parte coloca na mesa e utilizar isso como degrau para construir um acordo, de modo mais geral. Isso faz muito mais sentido do que bater de frente com todas as coisas que não funcionam. Um pouco de ênfase verbal pode ser tudo o que a situação exigia. “Vamos focar nessa ideia, por um minuto”, você pode dizer, ou “talvez nós possamos entrelaçar isso com o que nós estávamos conversando antes”. Se você estiver negociando com uma pessoa que o conhece bem, uma levantada de sobrancelha pode sinalizar “não vá por aí”, enquanto uma inclinada de cabeça pode enviar a mensagem “pode ser que agora cheguemos a algum lugar”. Alguns negociadores deixam a outra parte manter seu chão naturalmente, enquanto, por outro lado, vão guiando a conversa. Trata-se, em parte, de ouvir lampejos das informações essenciais a partir dos quais um acordo possa ser instituído. É também pegar os sentimentos de uma pessoa e fazer um acompanhamento emocional – com uma risada compartilhada ou um olhar, qualquer coisa que impulsione o fluxo positivo e rompa o negativo. As habilidades de fazer um acompanhamento são colocadas à prova quando você tem de lidar com pessoas cujos estilos e suposições entram em conflito com os seus. Nesse caso, sua habilidade de trazer à tona o melhor dos outros é o que há de mais importante, seja a estrutura emocional comportamental deles grande ou pequena. Embora os sujeitos que têm menor flexibilidade e são menos inteligentes possam perder ou ignorar a maioria de suas deixas, mesmo assim exercer um pouco de influência é melhor do que bater sua cabeça (ou a deles) contra a parede. No final, você tem de fazer o acompanhamento independentemente de suas contrapartes serem uns amores ou verdadeiros monstros. Mesmo em negócios de uma tacada só, sem nenhum contato próximo, recompensar qualquer coisa positiva que os outros expressem – em vez de enfatizar a negativa – é uma forma pragmática de resolver as coisas. SEJA PROVOCATIVO Prestar atenção é um aspecto da improvisação; fazer o acompanhamento é outro; ser provocativo é um terceiro. Quando o embaixador Holbrooke negociava, às vezes parecia mais um Muhammad Ali do que um diplomata típico. “Ele está tagarelando e falando. Está me tapeando”, um colega se impressionou. Todavia, ele acrescentou: “a primeira vez que você vê isso, acha que é só bobagem”. De fato, era o jeito de Holbrooke de se elevar e energizar o processo de negociação. Grandes músicos do jazz também sabem como provocar. Rotinas habituais e antigas suposições têm de ser rompidas, ainda que isso possa ser arriscado. Do contrário, nada novo pode ser criado. Frank Barrett chama isso de “competência provocativa”. Esse é o primeiro ponto de seus princípios para improvisação. Frank utiliza a palavra “provocativa” no sentido positivo de boa vontade para abandonar o status quo e ousar em busca do desconhecido, ao menos em parte. Para um negociador, isso poderia significar dar voz a uma ideia original ou ser mais (ou menos) confrontador do que o usual. Além da experiência, é um jeito de tomar a iniciativa. O saxofonista John Coltrane disse que ele toca músicas intencionalmente em escalas difíceis e não habituais porque isso “me faz pensar” em vez de ter seus dedos tocando as notas automaticamente. A provocação pode auxiliar também os outros. O famoso concerto do clarinetista Benny Goodman no Carnegie Hall, em 1938, começou com uma interpretação lenta de “Don’t be that way”. Sua banda estava nervosa por tocar naquele local histórico diante de um público trajando smokings e vestidos de gala. Goodman, por sua vez, foi incapaz de fazer seus músicos dançarem, mas o baterista Gene Krupa eletrizou o público com um solo tão ousado que o crítico de jazz Phil Schaap chamou aquilo de “quase cacofônico”. Krupa tocou todas as partes do instrumento o mais rápido e o mais forte que ele conseguiu, “não tentando acordar a multidão”, diz Schaap, mas “tentando acordar a banda. Ele estava tentando relaxá- los ou assustá-los para além do medo deles”. Medo de errar é um inibidor na negociação. Ele nos paralisa e nos fragiliza. Se fixarmos em tudo o que pode dar errado, é difícil imaginar como as coisas poderiam dar certo. Stephen Nachmanovitch, autor de Ser criativo: o poder da improvisação na vida e na arte, faz uma conexão entre relutar e experimentar com relação ao “medo de ser considerado bobo (perda de reputação) e [ao] medo de realmente ser um bobo (medo de um incomum estado de espírito)”. O medo nos desequilibra, não apenas emocionalmente, mas também fisicamente. Nossos músculos ficam contraídos e nossa visão se estreita. Como observa Nachmanovitch, isso literalmente limita nosso estilo. “Se ‘tento’ tocar, eu falho; se me forço a tocar, eu estrago; se corro, eu tropeço. O tempo todo eu me endureço ou me precavejo contra algum erro ou problema, e o próprio ato de precaver já levaria o problema a acontecer”. A resposta tanto para o jazz quanto para a negociação é se aventurar em águas desconhecidas, longe o suficiente para se energizar e tornar-se criativo, mas não tão longe que você fique acima de sua cabeça. Ed Sarath, antigo responsável pelo departamento de jazz da University of Michigan, diz que o truque dos músicos é estar 80% em sua zona de conforto e 20% fora dela. Um artista que fica completamente acomodado apenas recicla suas apresentações do passado. “Antártida? Meu nome é Ângela e nós estamos no meio do Saara”. Uma contradição brusca interrompe a ação no palco. Se os atores não conseguem entrar num acordo sobre quem eles são e onde estão situados, eles certamente não conseguem imaginar para onde ir em seguida. Não importa quão absurda seja a frase de uma pessoa, a outra deve aceitá-la e seguir adiante. Essa “ética” oferece ao esquete um senso de direção solto, além de continuidade. Acordos iniciais sobre os papéis, as relações e os contextos permitem que todos os atores foquem no que se desenrola e deixam de lado as incontáveis opções que poderiam estar disponíveis no começo. Bem antes de se tornar CEO do Twitter, Dick Costolo era um comediante de improviso. Ele ainda costuma responder às declarações de outras pessoas com “sim, e...”, em vez de se opor a elas com a palavra mas. Na negociação, entretanto, às vezes você tem de dizer um não bem alto. Quando a outra parte está exigindo a lua, o sol e as estrelas, você tem de trazê- la de volta para a Terra. Você pode também ter de traçar um limite claro no que diz respeito ao comportamento aceitável, seja a transgressão um insulto, uma evasiva ou uma promessa quebrada. Contudo, os negociadores têm de ser inteligentes em relação a quando e como discordar. A palavra não é um sinal verbal de parada. Se alguém está sendo incoerente, você precisa dar um sinal de basta. Mas você também tem de preparar o terreno na direção que você quer que ele vá em seguida. O livro de Bill Ury, O poder do não positivo: como dizer não e ainda chegar ao sim12, de 2007, sugere formas de dizer não que protegem seus interesses centrais enquanto ainda oferece às contrapartes um caminho elegante de seguir em uma direção mais construtiva. Em alguns casos, você pode dizer um não que soe como um sim. Por exemplo, você pode dizer “sua ideia pode funcionar, desde que possamos também...”. Mesmo quando você tem de discordar, é de seu interesse mudar a perspectiva, em vez de forçar uma contraparte para defender sua posição. “Veja, a realidade é que nós não vamos ver, olho no olho, todos os detalhes”, você pode dizer, “então, em vez de remoer o passado, vamos encontrar uma maneira prática de seguir em frente”. Outra regra do improviso é “nunca faça perguntas”. Elas são um não-não nos esquetes porque levam a outra pessoa a fazer todo o trabalho. Se um comediante abre uma cena com a pergunta “o que você está fazendo aqui?”, os outros atores não têm nada sobre o qual construir o seu texto. Eles carregam toda a responsabilidade de estabelecer as identidades das partes, a relação entre elas e a situação. É como se a conversa ainda não tivesse começado. Por contraste, as perguntas são essenciais na negociação. É um processo de investigação e exploração, afinal de contas. Chegar a um acordo durável e criador de valor depende de descobrir como os reais interesses das partes podem ser melhor articulados. Mas as perguntas têm que ser do tipo certo. Desafios de retórica como “o que na face da Terra faz você pensar que seu imóvel valha tanto?” fazem que os outros fiquem mais na defensiva. Em vez disso, perguntar “como podemos chegar a um valor razoável para o imóvel?” levanta a mesma questão, mas muda o foco de um número específico para uma busca mútua por padrões e princípios relevantes. As perguntas não são o único caminho para obter informação. Na negociação, muitas vezes elas não são o melhor método. Vamos supor que um vendedor faça uma cotação para você a um preço medianamente aceitável. Você adoraria saber se ele pretende abaixar, mas fazer essa pergunta diretamente pode ser um erro, uma vez que ele não teria nenhuma razão para dizer sim. Para saber se existe espaço para negociar, você tem de se sair melhor com uma contraproposta ou dizer algo vago como “nossa! Isso é muita areia para o meu caminhãozinho”. Honrar outra regra da comédia de improviso, “mantenha contato visual”, é possível somente na negociação face a face, embora seja útil em todos os sentidos. Olhar firme possibilita que os atores peguem pistas de seus próprios colegas de palco – não somente as palavras deles, mas também suas expressões, gestos e posturas. Se cada um estiver no mesmo aqui e agora, então a trupe inteira estará em sincronia. (Simplesmente pense em como desviar seus próprios olhos de alguém com quem você está conversando faz com que você sinta que está dando passos para trás, mesmo que não tenha se movido um centímetro.) Sempre que você se perde em seus próprios pensamentos e se desconecta dos outros, você desperdiça poder de influência sobre eles. O contato visual é uma forma física de acompanhamento. É como você diz a uma contraparte “eu estou bem aqui, trabalhando com você”. Na negociação, ele estabelece sua presença e compele os outros a levar você em conta. Um leve aceno com a cabeça pode indicar que eles estão rumando em uma direção frutífera. Um olhar perplexo pode indicar que você está incrédulo ou que não entendeu. O comportamento não verbal é rico em conteúdo emocional. Você perde muito de sua estrutura emocional quando tem de negociar a longa distância, por e-mail ou telefone. Como consequência, esses métodos exigem um esforço especial para garantir que você seja corretamente compreendido. Por sua vez, você precisa ser cuidadoso ao interpretar a linguagem escrita de outras pessoas. Você não quer construir uma mensagem que soe como uma ameaça velada, caso as palavras tenham sido agrupadas com pressa. Da mesma maneira, quando está no telefone, você não quer fazer com que as outras pessoas sintam como se elas estivessem falando no vácuo. Interjeições como “Ok”, “como pode” e “vamos deixar essa questão para depois” oferecem cor e textura ao diálogo, e ainda o mantém focado e engajado. Você deve estar emocionalmente seguro e otimista para realizar a maioria dessas técnicas. Eu me lembro de conduzir um exercício de improviso no meu curso de MBA quase dez anos atrás. Eu o chamei de “especialista instantâneo”. Eu escolhia alunos para atuarem, e então o restante da classe escolhia tópicos sobre os quais os “atores” provavelmente não sabiam nada a respeito. A primeira pessoa escolhida para ficar de frente para a sala tinha que falar por três minutos sobre alta-costura. O sujeito parecia com raiva e assustado. A apresentação foi um fiasco. Tenho certeza de que os três minutos passaram como uma hora para ele. Então eu escolhi uma mulher na fileira de trás. Seu rosto apagou quando ela soube que seria uma especialista em borboletas-monarcas, mas no momento em que começou a caminhar pelo corredor, sua expressão mudou. Ela estava confiante e sorria para seus colegas. “Eu estou feliz em contar para vocês sobre as monarcas”, disse ela. “Eu apenas sinto muito por ter somente três minutos para descrever algo por que sou apaixonada”. Com aquele entusiasmo, ela foi capaz de desenterrar alguns fatos que conhecia sobre as borboletas, e então ela embelezou sua história descrevendo os prazeres da descoberta científica. O tempo voou e ela foi ovacionada por seus colegas. “Qual é o seu segredo?”, perguntei a ela. “Como você se transforma com tanta rapidez?” “Minha primeira reação foi ficar assustada porque eu havia sido escolhida”, disse ela. “Mas então eu pensei ‘eu tenho que fazer isso, e eu posso muito bem fazer o melhor possível’”. Foi um exemplo primordial de como “dizer sim à desordem”. E o poder de ter aquela atitude foi confirmado por uma pesquisa recente feita por minha colega, a psicóloga Alison Wood Brooks. Ela descobriu que, se você estiver ansioso, não deve tentar reprimir essa emoção. Em vez disso, coloque-se num caminho emocional positivo para transformar aquela energia nervosa em empolgação, assim como minha aluna fez. Alison descobriu que, se seu coração estiver disparado, o simples passo de dizer em voz alta “eu estou empolgado” pode significativamente aumentar sua habilidade de atuação. Com certeza, vale a tentativa. ESTEJA EM (OU FORA DE) SINCRONIA Uma poderosa maneira de compreender como esses princípios do improviso funcionam na negociação é ver o que acontece quando eles são violados. Vamos pegar a seguinte discussão entre um procurador representando uma companhia de seguros e um advogado de acusação cujo cliente havia sido ferido em um acidente de carro. Ela é proveniente de uma gravação instrucional improvisada criada por Gerry Williams, um pioneiro no campo da negociação. No começo da história, o advogado de acusação alonga-se, é cooperativo e educado, enquanto o barulhento procurador de defesa faz um discurso extravagante. O trecho a seguir vem depois de um vaivém infrutífero de 45 minutos. Procurador de defesa: Vamos ter donas de casa nesse júri. Você sabe como as pessoas se sentem em relação ao álcool. O playboy rico e jovem sai para uma noite de bebedeira. Você não acha que essas coisas vão reduzir o valor? Advogado de acusação: Uma pergunta: como você calcula a responsabilidade aqui? Procurador de defesa: Ah, provavelmente... 75% de culpa do seu garoto. Advogado de acusação: Se essa é a sua posição, eu quero um júri envolvido... Se você está realmente preso a esse valor, então eu digo que não adianta falar. Procurador de defesa: Nós podemos chamá-lo, se você quiser. Advogado de acusação: Eu acho que essa é provavelmente uma atitude sábia. Depois que essas partes chegavam a um impasse, elas eram levadas para salas separadas, onde confidencialmente revelavam seus últimos números. O advogado de acusação disse que ele aceitaria 80 mil dólares para encerrar o caso. O procurador de defesa estava disposto a pagar 75 mil dólares. Eles não tinham como ter ideia disso por si só, mas estavam somente a Hajdu, de Marsalis e seus irmãos músicos. Mas havia “um peso em cima dele; não sorria e os olhos dele estavam baixos e sem emoção”. O trompetista não tinha o “entusiasmo jovial que Wynton Marsalis sempre trazia à mente”. Mas realmente era Marsalis, o que se tornou óbvio quando ele fez um solo da melancólica “I don’t stand a ghost of a chance with you”. Hajdu estava lá, e assim descreveu a rendição de Marsalis: “Ele apresentou a canção em murmúrios e suspiros, em momentos que quase falam as palavras em notas. Foi um ato perverso de expressão criativa. Quando atingiu o clímax, Marsalis tocou a frase final, o enunciado do título, em tons de declaração, permitindo que cada nota sucessiva demorasse um pouco mais no ar. ‘I don’t stand... a ghost... of... a chance...’ O salão estava em silêncio até que, no ápice, disparou o celular de alguém e ecoaram bipes eletrônicos de uma frenética melodia cantada. As pessoas começaram a soltar risadinhas e pegar seus drinques. Todo o momento – toda a apresentação – foi arruinada. Marsalis fez uma pausa durante um compasso, imóvel, com sobrancelhas arqueadas. Rabisquei numa folha de papel ‘magia arruinada’. O criminoso do celular fugiu pelo corredor enquanto o burburinho aumentava no salão. Ainda paralisado diante do microfone, Marsalis reproduziu a melodia estúpida do celular, nota por nota. Então ele repetiu e começou a improvisar variações do toque. Aos poucos, o público voltou-se para ele. Em poucos minutos, ele destilou sua improvisação – trocando escalas uma ou duas vezes e desacelerando até um ritmo de balada – e finalizou exatamente no trecho em que havia parado: ‘with... you’. Os aplausos foram extraordinários”. PONTOS-CHAVE • Preste atenção. Vá além da escuta ativa. • Seja provocativo. Atice as coisas. • Aventure-se fora de sua zona de conforto. • Faça um acompanhamento para extrair o melhor das suas contrapartes. • Diga não quando necessário, mas ofereça uma alternativa. • Desenvolva sua mentalidade apreciativa. 12. N.T.: Tradução brasileira de The power of a positive no: how to say no and still get to yes, reeditado como The power of a positive no: save the deal, save the relationship and still say no (edição citada originalmente pelo autor). [7] Consciência situacional Os caças de combate norte-americanos F-86 Sabre e os norte-coreanos MiG-15 travaram uma luta feroz durante a Guerra da Coreia. O avião rival dos EUA, construído pelos russos, era mais rápido, voava mais alto e tinha um armamento mais pesado. Mesmo assim, os pilotos norte-americanos ganharam mais de 90% dos combates um contra um. Analistas militares inicialmente creditaram a dominância do F-86 à superioridade dos pilotos, mas essa era apenas uma parte da história. Mesmo depois que os russos substituíram seus bem-treinados pilotos pelos aviadores norte-coreanos, os americanos ainda tinham uma vantagem gritante de cinco a um em combate. Isso levou John Boyd, um coronel das Forças Aéreas de incomum inteligência, a tentar entender o que estava acontecendo. Combates mortais podem parecer um assunto estranho para este livro, especialmente na sequência de um capítulo sobre jazz e improvisação. Tenham um pouco de paciência. O ex- primeiro-ministro israelense Shimon Peres comparava negociadores estratégicos com caçadores. “Um bom caçador não mira o pássaro. Se fizer isso, ele erra”, dizia Peres. “Ele mira à frente do pássaro, antecipando seu voo.” Prever é essencial na negociação, tanto nos casos em que há nítidos vencedores e perdedores quanto em empreendimentos mais colaborativos. A doutrina militar pode nos ensinar muito sobre antecipação e tomada de decisão em ambientes dinâmicos e rapidamente mutáveis. O mesmo vale para jogos competitivos como xadrez e basquete. Os ensinamentos do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos definem a guerra de manobra como “um estado de espírito nascido de uma vontade evidente, inteligência, iniciativa e oportunismo implacável”. Vontade, inteligência e iniciativa são todas virtudes da negociação, mas e quanto ao oportunismo implacável? A negociação não precisa – e, na maioria dos casos, não deve – ser “implacável”, em termos pessoais. Mas nós não devemos hesitar ao combater problemas difíceis. E devemos agarrar oportunidades para inovar. Vamos voltar, então, à guerra aérea. O interesse central de Boyd era a estratégia militar, mas ele era um leitor eclético, versado em história e filosofia. Boyd estava interessado em entender como as pessoas tomam decisões sob pressão. “Máquinas não fazem guerras. Terrenos não fazem guerras”, disse ele. “Humanos fazem guerras. Você tem de entrar nas cabeças dos humanos. É onde se vencem as batalhas.” De acordo com o biógrafo Grant Hammond, Boyd estava fascinado pelo que os outros talvez vissem meramente como “uma luta de um formigueiro de aviões que mais parece uma bola de pelo confusa e desordenada”. No caos aparente de combate ar-ar, Boyd identificou uma ordem subjacente. “O que inicialmente o empolgava era que aquilo era imensurável”, diz Hammond. “Poderia começar ou terminar a qualquer altura, a partir de qualquer direção. Era tudo azimute e multidimensional. Ele percebeu que era a melhor maneira de pensar sobre o problema.” Boyd concluiu que o sucesso do caça americano era consequência de dois fatores de projeto. Primeiro, ele tinha controles hidráulicos que o permitiam transitar de uma atividade – subir, fazer curvas e acelerar – mais rapidamente do que o MiG. Segundo, o F-86 tinha uma capota tipo bolha que dava aos pilotos uma “consciência situacional” superior, o que permitia a eles processar informações e tomar decisões de modo mais rápido. Cada manobra feita pelo F-86 aumentava sua vantagem sobre o oponente até alcançar uma posição de domínio. A partir desse exemplo específico, Boyd formulou um modelo geral de interação dinâmica. Ele chamou isso de ciclo OODA – um processo recorrente de observar, orientar, decidir e agir. Como ele percebeu, o sucesso em qualquer encontro se dava ao se passar por esse ciclo mais rápido do que o inimigo ou interromper a capacidade do inimigo de fazer a conexão dessas atividades de maneira eficiente. Sua versão mais elaborada tem dúzias de elementos. Precisamos apenas dos aspectos centrais aqui. O modelo de Boyd difere categoricamente de uma estrutura linear convencional na qual os fatos são reunidos, analisados e, então, é feita uma escolha. Diferentemente, as ações em seu ciclo OODA estimulam as reações de outras partes, o que constitui novos dados para observar, digerir e, mais além, direcionar. Você pode pensar nesse processo de rápida tomada de decisão como uma roda dentro de outra roda, que gira dentro do ciclo estratégico maior de aprender, adaptar e influenciar – conceitos já destacados ao longo do livro. Boyd enfatizou dois elementos complementares desse aprendizado em micronível. Observar implica prestar atenção nas ações das outras partes e reunir essa informação em um mosaico mais amplo de entendimento. Orientar, então, compara o que realmente está se desenrolando com a experiência prévia e as expectativas. Boyd tinha a intenção de detectar “incompatibilidades” entre as expectativas, não interessava quão bem-fundamentadas fossem, nem qual seria a realidade resultante disso. A negociação é um tipo muito específico de bola de pelo. Ofertas e demandas voleiam para frente e para trás. O que foi dito agora pode contradizer o que quer que tenha sido
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