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Guias e Dicas
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AMARAL, Amadeu - O Dialeto Caipira, Notas de estudo de Biologia Marinha

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Tipologia: Notas de estudo

2016

Compartilhado em 20/12/2016

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daniel-rincon-caires-7 🇧🇷

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Baixe AMARAL, Amadeu - O Dialeto Caipira e outras Notas de estudo em PDF para Biologia Marinha, somente na Docsity! Amadeu Amaral O DIALETO CAIPIRA http:// groups.google.com/group/ digitalsource INTRODUÇÃO Tivemos, até cerca de vinte e cinco a trinta anos atrás, um dialeto bem pronunciado, no território da antiga província de S. Paulo. É de todos sabido que o nosso falar caipira - bastante característico para ser notado pelos mais desprevenidos como um sistema distinto e inconfundível - dominava em absolute a grande maioria da população e estendia a sua influência à própria minoria culta. As mesmas pessoas educadas e bem falantes não se podiam esquivar a essa influência. (1) Foi o que criou aos paulistas, há já bastante tempo, a fama de corromperem o vernáculo com muitos e feios vícios de linguagem. Quando se tratou, no Senado do Império, de criar os cursos jurídicos no Brasil, tendo-se proposto São Paulo para sede de um deles, houve quem alegasse contra isto o linguajar dos naturais, que inconvenientemente contaminaria os futuros bacharéis, oriundos de diferentes circunscrições do país... O processo dialetal iria longe, se as condições do meio não houvessem sofrido uma série de abalos, que partiram os fios à continuidade da sua evolução. Ao tempo em que o célebre falar paulista reinava sem contraste sensível, o caipirismo não existia apenas na linguagem, mas em todas as manifestações da nossa vida provinciana. De algumas décadas para cá tudo entrou a transformar-se. A substituição do braço escravo pelo assalariado afastou da convivência cotidiana dos brancos grande parte da população negra, modificando assim um dos fatores da nossa diferenciação dialetal. Os genuínos caipiras, os roceiros ignorantes e atrasados, começaram também a ser postos de banda, a ser atirados à margem da vida coletiva, a ter uma interferência cada vez menor nos costumes e na organização da nova ordem de coisas. A população cresceu e mesclou-se de novos elementos. Construíram-se vias de comunicação por toda a parte, intensificou-se o comércio, os pequenos centros populosos que viviam isolados passaram a trocar entre si relações de toda a espécie, e a província entrou por sua vez em contato permanente com a civilização exterior. A instrução, limitadíssima, tomou extraordinário incremento. Era impossível que o dialeto caipira deixasse de sofrer com tão grandes alterações do meio social. Hoje, ele acha-se acantoado em pequenas localidades que não acompanharam de perto o movimento geral do progresso e subsiste, fora daí, na boca de pessoas idosas, indelevelmente influenciadas pela antiga educação. Entretanto, certos remanescentes do seu predomínio de outrora ainda flutuam na linguagem corrente de todo o Estado, em luta com outras tendências, criadas pelas novas condições. Essas outras tendências irão continuando, naturalmente, a obra incessante da evolução autônoma do nosso falar, que persistirá fatalmente em divergir do português peninsular, e até do português corrente nas demais regiões do país. Mas essa evolução já não será a do dialeto caipira. Este acha-se condenado a desaparecer em prazo mais ou menos breve. Legará, sem dúvida, alguma bagagem ao seu substituto, mas o processo novo se guiará por outras determinantes e por outras leis particulares. Desapareceu quase por completo a influência do negro, cujo contato com os brancos é cada vez menor e cuja mentalidade, por seu turno, se modifica rapidamente. O caipira torna-se de dia em dia mais raro, havendo zonas inteiras do Estado, como o chamado Oeste, onde só com dificuldade se poderá encontrar um representante genuíno da espécie. A instrução e a educação, hoje muito mais difundidas e mais exigentes, vão combatendo com êxito o velho caipirismo, e já não há nada tão comum como se verem rapazes e crianças cuja linguagem divirja profundamente da dos pais analfabetos. I - FONÉTICA 1.º GENERALIDADES 1. Antes de tudo, deve notar-se que a prosódia caipira (tomando o termo prosódia numa acepção lata, que também abranja o ritmo e musicalidade da linguagem) difere essencialmente da portuguesa. O tom geral do frasear é lento, plano e igual, sem a variedade de inflexões, de andamentos e esfumaturas que enriquece a expressão das emoções na pronunciação portuguesa. 2. Os acentos em que a voz mais demoradamente carrega, na prolação total de um grupo de palavras, não são em geral os mesmos que teria esse grupo na boca de um português; e as pausas que dividem tal grupo na linguagem corrente são aqui mais abundantes, além de distribuídas de modo diverso. Na duração das vogais igualmente difere muito o dialeto: se, proferidas pelos portugueses, as breves duram um tempo e as longas dois, pode-se dizer, comparativamente, que no falar caipira duram as primeiras dois tempos e as segundas quatro. Este fenômeno está estreitamente ligado à lentidão da fala, ou, antes, se resolve num simples aspecto dela, pois a linguagem vagarosa, cantada, se caracteriza justamente por um estiramento mais ou menos excessivo das vogais (2), 3. Também decorre dessa mesma lentidão, como um resultado natural, o fato de que o adoçamento e elisão das vogais átonas, coisas comuns na pronunciação portuguesa, são aqui fenômenos relativamente raros. Com efeito, compreende-se bem que o português, na sua pronunciação vigorosa e rápida, torture muito mais os vocábulos, abreviando-os pelo enfraquecimento e supressão das vozes átonas internas, ligando-os uns aos outros pela absorção das átonas finais nas vogais que se lhes seguem: subrádu, p'dáçu, c'rôa, 'sp'rança, tiátru, d'hoj'em diante, um'august'assemblêia. Da mesma forma, compreende-se que o caipira paulista, no seu pausado falar, que por força há de apoiar-se mais demoradamente nas vogais, não pratique em tão larga escala essas mutações e elisões. O caipira (como, em geral, todos os paulistas) pronuncia, em regra, claramente as vogais átonas, qualquer que seja a posição das mesmas no vocábulo: esperança, sobrado, pedaço, coroa, e recorre poucas vezes a sinalefa. Nos próprios monossílabos átonos me, te, se, de, o, que, etc., as vogais conservam o seu valor típico bem distinto, ao contrário do que sucede com os portugueses, em cuja pronunciação normal elas se ensurdeceram, assumindo tonalidades especiais. Pode dizer-se que no dialeto não lia vogais surdas: todas soam distintamente, salvos os casos de queda ou de sinalefa. Dai provém o dizer-se que os caipiras acentuam todas as vogais, o que é falso, mas explica-se. E que não se leva em conta a duração relativa das átonas e tônicas, a que atrás nos referimos. 4. Não podemos, porém, atribuir inteiramente à influência da lentidão e pausa da fala essa melhor prolação das vogais átonas, no dialeto. Haverá também causas históricas, por ora pressentidas apenas. O fenômeno é, naturalmente, complexo, e são complexas as suas causas; mas é impossível negar que existe pelo menos uma estreita correlação entre um e outro fato. 5. Seria, aliás, muito interessante um estudo acurado das feições especiais da prosódia caipira, com o objetivo de discriminar a parte que lhe toca na evolução dos diferentes departamentos do dialeto. Chegar-se-ia de certo a descobertas muito curiosas, até no domínio dos fatos sintáticos. A diferenciação relativa à colocação dos pronomes oblíquos, no Brasil, deve explicar-se, em parte, pelo ritmo da fala e pelo alongamento das vogais (3), Esses pronomes, no português europeu, se antepõem ou pospõem a outras palavras, que os atraem, incorporando-os. Prosodicamente, não têm existência autônoma: são sons ou grupos de sons, destinados a adicionarem-se aos vocábulos acentuados, segundo leis naturais inconscientemente obedecidas (ênclise, próclise). Passando para o Brasil, a língua teve que submeter-se a outro ritmo, determinado por condições fisiológicas e psicológicas diversas: era o suficiente para quebrar a continuidade das leis de atração que agiam em Portugal. O alongamento das vogais, dando maior amplitude aos pronomes na pronúncia, tornando mais sensível a sua individualidade, veio acentuar, de certo, aquele efeito. 2.º OS FONEMAS E SUAS ALTERAÇÕES NORMAIS 6. Os fonemas do dialeto são em geral os mesmos do português, se não levarmos em conta ligeiras variantes fisiológicas, que sempre existem entre povos diversos e até entre frações de um mesmo povo; variantes essas de que, pela maior parte, só a fonética experimental poderia dar uma notação precisa. Cumpre, entretanto, observar o seguinte: a) s post-vocálico tem sempre o mesmo valor: é uma linguo-dental ciciante, não se notando jamais as outras modalidades conhecidas entre portugueses e mesmo entre brasileiros de outras regiões; s propriamente sibilante, assobiado, e bem assim chiante, são aqui desconhecidos. Para produzir este som a língua projeta a sua ponta contra os dentes da arcada inferior e encurva-se de modo que os bordos laterais toquem os dentes da arcada superior, só deixando uma pequena abertura sob os incisivos: modo de formação perfeitamente igual ao de c em cedo. (4) b) r inter e post-vocálico (arara, carta) possui um valor peculiar: é linguo-palatal e guturalizado. Na sua prolação, em vez de projetar a ponta contra a arcada dentária superior, movimento este que produz a modalidade portuguesa, a língua leva os bordos laterais mais ou menos até os pequenos molares da arcada superior e vira a extremidade para cima, sem tocá-la na abóbada palatal. Não há quase nenhuma vibração tremulante. Para o ouvido, este r caipira assemelha-se bastante ao r inglês post-vocálico. É, muito provavelmente, o mesmo r brando dos autóctones. Estes não possuíam o rr forte ou vibrante, sendo de notar que com o modo de produção acima descrito é impossível obter a vibração desse último fonema. (5) c) A explosiva gutural gh tem uma tonalidade especial, sobretudo antes dos semiditongos cuja prepositiva é u, casos em que freqüentemente se vocaliza: áu-ua = água, léu-ua = légua). d) ch e j palatais são explosivos, como ainda se conservam entre o povo em certas regiões de Portugal (6), no inglês (chief, majesty) e no italiano (ciclo, genere). e) A consonância palatal molhada lh não existe no dialeto, como na maioria dos dialetos port. de África e Ásia, e como em vários dialetos castelhanos da América. (7) 7. Os fenômenos de diferenciação fonética que caracterizam o dial. resumem-se desta forma: VOGAIS As TÔNICAS, em regra, não sofrem alteração. O único fato importante a assinalar com relação a estas é que, quando seguidas de ciciante (s ou z), no final dos vocábulos, se ditongam pela geração de um i: rapáiz, méis, péis, nóis, láiz. (8) 8. Quanto às ÁTONAS: Na sílaba postônica dos vocábulos graves, conservam o seu valor típico. Não se operou aqui a permuta de e final por i, que se observa em outras regiões do país (oquêli, êsti), como não se operou a de o por u (povu, dígu), fenômeno este que se manifestou em Portugal, ao que parece, a partir do séc. XVIII. Nos vocábulos esdrúxulos, a tendência é para suprimir a vogal da penúltima sílaba e mesmo toda esta, fazendo grave o vocábulo (ridico = ridículo, legite = legítimo, cosca = cócega, musga = música. Exceção: lático < látego (curiosa reversão à forma originária; cp. cósca < coç'ca < cócica), sumítico, nófico, etc. Piracicaba e Pricicava - Piracicaba mangaba e mangava (fruta) - mangaba bespa e vespa - vespa bagaço e vagaço - bagaço bamo e vamo - vamos 20. d - Cai, quase sempre, na sílaba final das formas verbais em ando, ando, indo: andano = andando, veno = vendo, caíno, pôno, e também no advérbio quando, às vezes, 21. gh - Quando compõe sílaba com os semiditongos ua, uá, ue, ué, uê, ul, como em guarda, água, tigüera, sagüi, torna-se quase imperceptível, vocalizando-se freqüentemente em u. Neste caso, esse u ditonga-se com a vogal anterior, e o segundo u continua a formar semiditongo com a vogal seguinte: áu-ua, tiu-uéra, sáu-ui. 22. l - a) Em final de sílaba, muda-se em r: quarquér, papér, mér, arma. Na locução tal qual, cai apenas o segundo l, porque o primeiro se tornou intervocálico: talequá. E ainda digna de nota a locução adverbial malemá (grafada como se pronuncia), que quer dizer "passavelmente", "sofrivelmente", "assim assim". (Terá provindo de mal e mal, ou de mal a mal, ou ainda de "mal, mal"? Fazer um serviço mal e má (l): passavelmente, antes mal que bem; passar mal e má de saúde: sofrivelmente). As palavras terminadas em aí, el, il.. freqüentemente aparecem apocopadas: má, só, jorná = mal, sol, jornal. Não inferir daí que houve queda de l. Esse l mudou-se primeiro em r, e depois caiu este fonema, de acordo com uma das leis mais rígidas, e mais facilmente verificáveis, da fonética dialetal. É de notar-se ainda que a pronúncia em questão (má, só) é mais comum entre os negros, que, submetidos, em geral, ao império das mesmas leis, quando no mesmo meio, não deixam entretanto de diferir dos caboclos e brancos em mais de um ponto. b) Quando subjuntivo de um grupo, igualmente se muda em r: craro, cumpreto, cramô(r), frô(r). Esta troca é um dos vícios de pronúncia mais radicados no falar dos paulistas, sendo mesmo freqüente entre muitos dos que se acham, por educação ou posição social, menos em contato com o povo rude.(Cp. 6-b). 23. r - a) Cai, quando final de palavra: andá, muié, esquecê, subi, vapô, Artú. Conserva-se, entretanto, geralmente, em alguns monossílabos acentuados, tendo de certo influído nisso a posição proclítica habitual: dôr, cór, côr, par. Conserva-se também no monossíl. átono por, pela mesma razão, assim como, raras vezes, em palavras de mais de uma sílaba: amor, suôr. Nos verbos, ainda que monossílabos, cai sempre, provavelmente pela influência niveladora da analogia: vê, í, pô. b) Esta consonância é de extrema mobilidade no seio dos vocábulos, dando lugar a metáteses e hipérteses freqüentíssimas. (26, i-j). 24. s - Cai, quando final de palavra paro ou proparoxítona: arfére (alferes), pire (pires), bamo (vamos), imo (imos). Desaparece também nos oxítonos, quando é sinal de pluralidade: mau, bambu, avo. Conserva-se nos adjetivos determinativos e nos pronomes, ainda que graves, o que se explica, em parte, pela posição proclítica habitual: duas casa, minhas fiia, arguas pessoa, aqueles minino, eles, elas. A prova é que, quando não está em próclise, freqüentemente se submete à regra: aquelas são as minha, estas são sua. Em parte, porém, essa conservação se deve à necessidade de manter um sinal de pluralidade. Voltaremos oportunamente a este ponto, que é, talvez, mais do domínio dos fenômenos psicológicos na morfologia, do que de ordem fonética. 25. lh - Vocaliza-se em i: espaiado, maio, muié, fiio = espalhado, malho, mulher, filho. Cp. o que se dá com o l molhado em Cuba, na Argentina (caje = calle, cabajo = caballo) e na França, onde desde o século XVIII começou a acentuar-se a tendência para a vocalização deste fonema (batáie, Chantií = bataille, Chantilly). 3.º MODIFICAÇÕES ISOLADAS 26. Além das alterações francamente normais, que ficaram registradas, há toda uma multidão de modificações acidentais, de que daremos alguns exemplos: a) abrandamento: guspe = cuspo, musga = música. E de notar que nos esdrúxulos cócega, náfego e látego se dá o contrário: cócica (e coçca), náfico, lático. b) assimilação - progressiva. Carlo = Carlos, regressiva. birro -bilro; açcançá = alcançar; digêro = ligeiro (g palatal explosivo = dg). c) Aférese: (a)parece, (i)magina, (ar)rependeu, (ar)ranca, (a)lambique, (al)gibêra. d) Síncope: pês(se)co = pêssego, mus(i)ga = música, isp(i)rito, ca(s)tiçar, Jeró(ni)mo, ridíc(ul)o. e) Apócope: Ligite(mo). f) Prótese: alembrá = lembrar, avoá = voar, arripiti = repetir. g) Epêntese: rec-u-luta, Ing-a-laterra, g-a-rampo. h) Epítese: paletor. i) Metátese: perciso, pertende, purcissão, partelêra, agardecê, aquerditá(r). j) Hipértese: agordão (algodão), cardaço, chacoalhá(r), largato. 27. Devem mencionar-se ainda as formas proclíticas: de senhor - nho, seô, seu, siô, sô; de senhora - nhá, seá, sea, sia, sa; de minha - mea e mha; de sua - sa de não - num. (10) 5. Abundam igualmente as locuções arcaicas ou, pelo menos, de sabor arcaico bem pronunciado: a modo que a pôs, a pôs de ........................... a pós de antes tempo (sem prep.) ............ antes da hora, antecipadamente a par de ..................................... junto, ao lado de verdade ................................ de véras de primeiro ............................... outrora em antes de .............................. antes de no mais .................................... não mais neste meio ............................... entrementes 6. É natural que, diante de certas formas apontadas como arcaicas (ermão, somana), haja dúvida se de fato se trata de arcaísmo, se de mera coincidência. Num ou noutro caso, esta última hipótese será talvez a mais aceitável: por exemplo, se o nosso povo pronuncia craro, frôr, não se deve ter pressa em ligar essas formas, historicamente, às idênticas que se encontram em velhos documentos da língua; pois que tais formas, antes de mais nada, obedecem a uma lei da fonética local, a permutação de l subjuntivo por r. Mas, ermão, somana, etc., só se podem explicar como formas recebidas dos colonizadores, pois, além de se encontrarem em escritos antigos, se confirmam por outros fatos análogos da língua, ao passo que mal se acomodam às regras que atuam na alteração dialetal dos vocábulos. ELEMENTOS INDÍGENAS 7. Das línguas dos autóctones, ou, melhor, do tupi, recebeu o dialeto grande quantidade de termos. A nossa população primitiva, durante muito tempo, antes da introdução do negro, era, pela maior parte, composta de indígenas e de mestiços de indígenas. Da extensão que teve a língua dos aborígenes no falar dos primitivos dois ou três séculos da nossa existência, dão testemunho flagrante, além de muitos vocábulos que entraram nos usos sintáticos correntes, os não menos numerosos topônimos, que se encontram nas vizinhanças dos centros de população mais antigos. 8. Quanto a isto sobressai a capital com seus arredores, onde abundam os nomes tupis, os quais vão escasseando pelo interior, nas zonas mais novas, onde, ainda assim, os que se nos deparam são em boa parte artificialmente compostos. Só no município de São Paulo e nos que com ele confinam se contam por dezenas os rios, riachos, montes, bairros, fazendas e povoados com denominações tupis tradicionais (12): • Açu • Ajuá • Anhangabaú • Aricanduva • Baquiruvuguassu • Bopi • Botucuara • Buçucaba • Butantan • Cabussu • Caçacuéra • Caçandoca • Caçapava • Caguassu • Cangùera • Canindé • Caraguatá • Carapicuiba • Choruróca • Cocaia • Cupecê • Ebirapuéra • Gopaúva • Guacuri • Guaiaúna • Guaió • Guapira • Guaracau • Guarapiranga • Guarará • Guaratim • Guaraú • Guavirutuba • Imbiras • Ipiranga • Itaberaba • Itacuaquecetuba • Itacuéra • Itaguassu • Itaim • Itaparicuéra • Itaperoá • Itapicirica • Itararé • Jaceguai • Jaceguava ou • Jacuné • Jaguaré • Jaraguá • Jaraú • Juquiri • Jurubatuba • Mandaqui • Mandi • Mhoi • Mooca • Murumbi • Mutinga • Nhanguassú • Pacaembú • Pari • Piquiri • Pirajussara • Pirituba • Pirucaia • Poá • Prati • Quitaúna • Saracura • Tacuaxiara • Tamanduitei • Tamburé • Tatuapé • Tremembé • Tucuruvi • Uberaba • Utinga • Voturantim • Votussununga 9. Os nomes de animais contam-se por centenas. Uma parte dos mais conhecidos: • acará • anu • araponga • arapuá • arara • bacurau • baitaca • biguá • biriba • borá • caçununga • cambucu • caninana • capivara • cará-cará • chabó • coró • cuati • cuiú-cuiú • cumbé • cupim • curiango • curimbatá • curió • curruíra • curuquerê • cutía • gambá • gaturamo • giboia • guará • guariba • guaripu • guaru-guaru • gùirá • içá • inhambu • irara • itobi • jaburu • jacaré • jacu • jacutinga • jaguatirica • jaó • japu • japuíra • jararaca • jateí • jaú • jiquitiranabóia • jundiá • jurutí • lambari • mamangava • mandaçáia • mandaguarí • mandi • mandorová • manduri • maracanã • mucuím • mumbuca • mussurana • mutuca • mutum • nhaçanã • paca • pacu • pairiru • penambi • piaba • piapara • piracambucu • piracanjuba • piraju • pirambóia • piranha • sabiá • sabiá-cica • sabiá-poca • sabiá-una • sanhaço • sanharão • sará-sará • saracura • saúva • siri • siriêma • socó • sucuri • suindara • surubi • sussuarana • tabarana • taçuíra • tamanduá • tambijuá • tambiú • tanajura • tangará • taperá • tarira • tatêto • tatorana • tatu • tietê • tiriva • tovaca • tuím • tuiuva • tuvuna • uru • urubu • urutau • urutu • xororó • xupim 10. Não são menos abundantes os nomes indígenas de vegetais, de que daremos algumas dezenas, à guisa de exemplificação: • • abacate • abacaxi • açatunga • andaguassú • araçá • araribá • araticum • aruêra • bacaba • baguassu • bracuí • brejaúva • bucuva • buriti • butiá • cabiúna • cabriúva • caiapiá • cajuru • cambuci • cambuí • canjarana • canxim • capim • capitava • capixingui • caraguatá • carnaúba • caróba • caruru • catanduva • cipó • crindiuva • grumixama • guabiroba • guãibè • guandu • guanxuma • guapê • guapocarí • guaraiúva • guaratã • guareróva • guatambu • imbaúva • imbúia • indaiá • ingá • ipê • jaborandi • jabuticava • jacarandá • jacaré • jantá • jaracatiá • jarivá • jataí • jiquitaia • jiquitibá • jovéva • juá • jurema • maçaranduva • macaúba • manacá • mandióca • mangava • maracajá • nhapindá • orindiúva • perova • pipóca • piri • pitanga • piúva • sagùi • samambaia • sapé • sapuva • sumaúma • tacuara • tacuari • tacuaritinga • tacuarussu • taióva • taiúva • timbó 18. Dos vocábulos estrangeiros modernamente introduzidos na língua e que são de uso corrente no falar das pessoas mais ou menos cultas, ele só tem aceito alguns, poucos, relativos a objetos de uso comum, produtos de artes domésticas, etc.: paletó (que desterrou por completo o vernáculo casaco), croché, cachiné, revórve, etc. 19. Existem entretanto no dialeto muitos vocábulos (além dos brasílicos e parte dos africanos) que não lhe vieram por intermédio da língua. Destas aquisições, umas pertencem ao dialeto geral do Brasil, outras resultaram da própria atividade paulista. Exemplos: Do guarani, do quichúa (15): • chacra • garõa • guaiaca • guaiava • iapa • pampa • purungo Do castelhano: • amarilho • aragano • caraquento • cincha • cochonilho • cola • empalizado • enfrenar • entreverar • lonca • lunanco • parêia • pareiêro(16) • perrengue • pitiço • porvadêra • rengo • retovado • rinha Dos dialetos ibero-sul-americanos e do vocabulário sul-rio-grandense: • bagual • gaúcho • guasca • matungo • pala • pangaré • ponche • retaco Quase todos esses termos nos vieram por intermédio do Rio Grande do Sul, com o qual mantiveram outrora os paulistas intensas relações de comércio, sobretudo de comércio de animais, sendo freqüentíssimas as viagens de tropeiros de uma para outra província. Dessas relações guardam ainda os vocabulários e os costumes populares de lá e de cá numerosíssimos elementos comuns, não só de origem estrangeira, como de elaboração própria. 20. A maior parte dos vocábulos africanos existentes no dialeto caipira não são aquisições próprias. A colaboração do negro, por mais estranho que o pareça, limitou-se à fonética; o que dele nos resta no vocabulário rústico são termos correntes no país inteiro e até em Portugal: • angu • banguela • batuque • binga • cachaça • cacunda • carimbo • caximbo • cuxilo • lundu • macóta • malungo • mandinga • missanga • quilombo • quingengue • quisília • samba • sanzala • urucungo 21. Há um certo número de provincianismos brasileiros de origem africana, que, recebidos pela maior parte do Norte, aqui se introduziram no falar das cidades e na linguagem literária, mas não penetraram no dialeto: tais, por exemplo: cangerê, cacimba, candomblê, giló, munguzá, quingombô. FORMAÇÕES PRÓPRIAS 22. Com os elementos que vieram do português, do tupi e de outras línguas, formaram-se no Brasil numerosos vocábulos, principalmente por derivação, - já no seio do povo paulista, que através do seu movimento de expansão pelo território nacional os levou a longínquas regiões, já em outras terras, de onde foram trazidos. Encontra-se no falar caipira de S. Paulo, e na própria linguagem das pessoas educadas, toda uma multidão de neologismos derivados, alguns muito expressivos e já indispensáveis àqueles mesmos que procuram fugir à influência do regionalismo: VERBOS (17) • abombar • aforar • ami(lh)ar • asperejar • assuntar • barrear • bestar • bobear • bolear • buçalar • campear • capengar • capinar • catingar • cavortear • chatear • chifrar • coivarar • covejar • cutucar • desbarrancar • descabeçar • descangicar • descanhotar • descoivarar • desguaritar • desmunhecar • facerar • fachear • festar • frautear • fuçar • fuchicar • gramar • imbirotar • impaçocar • impipocar • inquisilar • intijucar • lerdear • mamparrear • mantear • miquear • moçar • molear • moquear • passarinhar • pealar • pererecar • pescocear • petecar • pinicar • piriricar • pitar • prosear • pururucar • sapecar • tapear • trotear(18) SUBSTANTIVOS • areão • barrigada • bestêra • bobage • bodocada • boquera • botina • bugrêro • buraquêra • burrage • cabeção • cabocrada • caiçarada • caipirada • caipirismo • caiporismo • capina • capinzar • capuerão • carpa • carpição • cavadêra • chifrada • chifradêra • corredêra • dada • derrame • eguada • gaùchismo • gentama • gentarada • jabuticavêra • lapiana • micage • moçada • moçarada • mulecada • mulecage • mulequêra • ossama • perovêra • piazada • poetage • porquêra • rodada • rodêro • sapezar • sitiante • soberbia • taquarar • tijucada • tijuquêra • varrição ADJETIVOS • abobado • abombado • atimboado • bernento • catingudo • catinguento • espeloteado • facêro • filante • franquêro • impacador • impipocado • inredêro • mamóte • micagêro • passarínhêro • peitudo • praciano • saberete • supitoso 23. São em menor número as palavras formadas por composição, e estas, na maior parte, pela justaposição de elementos com a partícula subordinante de: • abobra-d'-áua • arma-de-gato (alma) • áua-de-açucre (água de açúcar) • baba-de-moça • barba-de-bóde • barriga-de-áua • cachorro-do-mato • canário-do-reino • cordão-de-frade • côro-de-arrasto (couro) • dôr-d'-óio (olhos) • fruita-de-lobo • gato-do-mato • língua-de-vaca • mer-de-pau (mel) • ôio-de-cabra • orêia-de-onça (orelha) • pá-de-muleque • pau-de-espinho • pedra-de-fogo. • pente-de-mico • pimenta-do-reino • quejo-do-reino • rabo-de-tatu • sangue-de-boi • sangue-de-tatu • tacuara-do-reino • unha-de-gato Por justaposição direta e por aglutinação: • abobra-minina • arranha-gato • chora-minino • cinco-nerva(s) • mandioca-braba • mata-sete • méde-léua(léguas) • minhócussu • passa-treis • quatro-pau(s) • quatróio(olhos) • quebra-cangaia • tatu-canastra • tira-acisma • tira-prosa • vira-mundo III. - MORFOLOGIA FORMAÇÃO DE VOCÁBULOS 1. Como já mostrámos ("Lexicologia", "Formações próprias") o dialeto tem dado provas de grande vitalidade, na formação de numerosos substantivos e adjetivos, quer por composição, quer por derivação. De ambos os processos fornecemos muitos exemplos. Registamos agora, aqui, um curiosíssimo processo de reduplicação verbal, corrente não só entre os caipiras de S. Paulo, mas em todo o país, ou grande parte dele. Para exprimir ação muito repetida, usa-se uma perífrase formada com o auxiliar vir, ir, estar, andar, seguido de infinitivo e gerúndio de outro verbo. Assim: vinha pulá(r)-pulando, ia caí(r)-caindo, estava ou andava chorá(r)-chorando. A explicação deste fenômeno alguns têm querido ir buscá-la ao tupi, "refugium" de tantos que se cansam a procurar as razões de fatos obscuros e complicados da linguagem nacional. Não nos parece que seja preciso apelar para as tendências reduplicativas daquela língua, em primeiro lugar porque. essas tendências são universais; em segundo lugar, porque se trata de palavras bem portuguesas, ainda que combinadas de maneira um tanto estranha; em terceiro lugar, porque há na nossa própria língua elementos para uma explicação, tão boa ou melhor do que a indiática. É sabido que, no tempo dos autores quinhentistas, o uso do gerúndio nas perífrases (como anda cantando), era muito mais vulgar do que hoje. Atualmente, em Portugal, o povo prefere, quase sempre, a construção com infinitivo (anda a cantar). Assim, a concorrência decisiva entre os dois processos se pronunciou justamente após a descoberta do Brasil. A particularidade em questão é talvez legado genuíno dessa época de luta, no qual se reúnem a modalidade mais freqüente outrora, importada pelos primeiros povoadores, e aquela que depois veio a predominar. O nosso povo, - inculto, em grande parte produto de mestiçagem recente, aprendendo a custo o mecanismo da língua, - diante dos dois processos concorrentes, não atinou, de certo, com as razões por que se preferia ora um, ora outro, e acabou por combiná-los. Depois, como um efeito, - que não como causa da reduplicação, - os verbos assim combinados sofreram uma pequena evolução sematológica no sentido da intensificação do seu valor iterativo. Assim, temos, em esquema: a virar Port. - Vinha a virá(r) ou (a) virá(r) virando Dial. - Vinha virando virando Corrobora esta hipótese o fato de que o nosso caipira, usando a todo o momento de perífrases com gerúndio de acordo com a velha língua, só muitíssimo raramente empregará, isolada, a forma popular portuguesa de hoje, - infinitivo com prep. Isto confirma que esta forma lhe terá causado estranheza desde cedo, originando-se daí a confusão. (19) 2. Várias formações teratológicas já foram apontadas e ainda o serão adiante, neste capítulo (Flexões de número). Queremos, aqui, deixar apenas registrados os seguintes processos de que ainda não tratamos: a) A ETIMOLOGIA POPULAR tem sido fonte de numerosas formas vocabulares novas: de "guapê", voc. de origem tupi, fez-se aguapé, por se ver nele um composto de água e pé; de "caa-puan", mato redondo, ilha de mato, fez-se capão; de "caa-puan-era", capoeira; de cobrêlo, cobreiro (cobra suf. eiro); de torrão, terrão, etc. b) Também a DERIVAÇÃO REGRESSIVA dá origem a outros termos: assim, de paixão, se fez paixa, por se tomar aquela forma como um aumentativo; de satisfação, por idêntico motivo, se tirou sastifa, com hipértese de s. GÊNERO 3. O adjetivo e o particípio passado deixam, freqüentemente, de sofrer a flexão genérica, sobretudo se não aparecem contíguos aos substantivos: essas coisarada bunito, as criança távum quéto, as criação ficarum pestiado. NÚMERO 4. Já dissemos algo sobre o som de s-z no final dos vocábs. (I, 24). Vamos resumir agora tudo o que se dá com esse som em tal situação. Se bem que se trate aqui de flexões, é impossível separar o que se passa com o s final, tomado como sinal de pluralidade, do que sucede com ele em outras circunstâncias; e dificílimo se torna reconhecer, em tais fatos, até aonde vão e onde cessam a ação puramente fisiológica, do domínio da fonética, e a ação analógica, do domínio das formas gramaticais. Porisso faremos aqui uma exposição geral dos fatos relativos ao s final: a) Nos VOCÁBULOS ÁTONOS, conserva-se: os, as, nos (contração e pronome), nas. Aliás, há pronunciada tendência para tornar tônicos esses vocábulos; pela ditongação: ois, ais, etc. A conjunção mas tornou-se mais. b) Nos OXÍTONOS, conserva-se, - salvo quando mero sinal de pluralidade: crúiz, retróis, nóis (nós), nuz (nóz), juiz, ingrêis, vêiz, (vez), dois, trêis, déiz, fáiz, fiz, diz, páiz (paz), pois. Como sinal de pluralidade, desaparece: os pau, os nó, os ermão, os papé, as frô(r), os urubú. Excetuam-se os determinativos uns, arguns, seus, meus (sendo que estes dois últimos, quando isolados, perdem o s: estes carru são seu', esses não são os meu'). Há hesitação em alguns vocábulos, como péis ao lado de pé'. Réis conserva-se, por se ter perdido a noção de pluralidade (isto não vale nem um réis) ; semelhantemente, pasteis, pernís, cóis. c) Nos vocábulos PARO e PROPAROXÍTONOS, desaparece: um arfére, os arfére; o pire, os pire; dois home; os cavalo, os lático; nóis fizémo, vamo, saímo. Quando o s pluralizador vem precedido de vogal a que se apoia, desaparece também esta: os ingrêis (ingleses), as páiz (pazes), às vêiz (vezes), as côr (cores). Excetuam-se os determinativos, que conservam o s: u"as, argu"as, certos, muitos, estes, duas, suas, minhas, etc. assim como o pronome eles, elas. Quando pronominados, porém, os determinativos podem perder o s: Estas carta não são as minha. 5. De acordo com as regras acima, - e abstraindo-se das flexões verbais, - a pluralidade dos nomes é indicada, geralmente, pelos determinativos: os rei, duas dama, certas hora, u"as fruita, aqueles minino, minhas ermá, suas pranta. 6. O qualificativo foge, como o subst., à forma pluralizadora: os rei mago, duas casa vendida, u"as fruita verde, as criança távum queto. Abrem excepção apenas algumas construções, quase sempre expressões ossificadas, em que há anteposição do adjet.: boas hora, boas tarde. 7. Esta repugnância pela flexão pluralizadora dá lugar a casos curiosos. A frase exclamativa "há que anos!", equivalente a "há quantos anos!", sofreu esta torção violenta: há que zano! (ou simplesmente que zano!) Ouve-se freqüentemente bamozimbora. Não se deve interpretar como bamos+embora, mas como bamo+zimbora, pois o som de z, resultante originariamente da ligação de vamos com embora, passou a ser entendido pelo caipira como parte integrante da segunda palavra; tanto assim que diz: nóis bamo, e diz: êle foi zimbora. Prótese semelhante se dá em zóio (olhos), zarreio (arreios), com o s do art. def. plur. - Outro caso curioso é o que se dá com a expressão portuguesa uns pares deles, ou delas, que o nosso caipira alterou para uns par dele e u"as par dela. A frase - Vai- me buscar uns pares deles, ou delas, assim se traduzirá em dialeto: Vai-me buscá uns par-dele, ou u"as par-dela, como se par-dele e par-dela fossem as formas do masculino e do feminino de um simples substant. coletivo. GRADAÇÃO 8. As flexões de grau subordinam-se às regras gerais da língua. Apenas algumas observações: a) QUANTIDADE - O aumentativo e o diminutivo têm constante emprego, sendo que as flexões vivas quase se limitam a ão ona para o primeiro, inho inha, ico ica para o segundo. Nos nomes próprios de uso mais generalizado, há grande número de formas consagradas: Pedrão, Pedróca, Zé, Zezico, Zéca, Zêquinha, Juca, Juquinha, Jica, Jéca (José); Quim, Quinzinho, Quinzóte (Joaquim); Joanico, Janjão, Zico, (João); Totá, Totico, Tonico (Antônio) Mandá, Manduca, Maneco, Mané, Manécão, Manéquinho (Manuel); Carola (Carolina); Manca, Maricóta, Mariquinha, Mariquita, Maruca, Maróca (Maria); Colaca, Colaquinha (Escolástica); Anica, Aninha (Ana) ; Tuca, Tuda, Tudinha, Tudica (Gertrudes). O emprego do aumentat. e do dimin. estende-se largamente aos adjetivos e aos próprios advérbios: longinho, pertinho, assimzinho, agórinha. Acompanham estas últimas formas particularidades muito especiais de sentido: longinho equivale a "um pouco longe"; pertinho, a "bem perto, muito perto"; assinzinho, a "deste pequeno porte, deste pequeno tamanho"; agorinha, a "neste mesmo instante", "há muito pouco", "já, daqui a nada". Dir-se-ia existir qualquer "simpatia" psicológica entre a flexão diminutiva e a idéia adverbial. São expressões correntes: falá baxinho, parô um bocadinho, andava deste jeitinho, vô lá num instantinho, falô direitinho, ia devagarinho, fartava no sírviço cada passinho, etc. b) COMPARAÇÃO - As formas sintéticas são freqüentemente substituídas pelas analíticas: mais grande, mais piqueno, mais bão, mais rúm e até mais mio, mais pió. c) SUPERLATIVIDADE - Quase inteiramente limitada às formas analíticas. FLEXÕES VERBAIS 9. PESSOA - Só se empregam correntemente as formas da 1.ª e 3.ª pessoas. A 2.ª pessoa do sing., embora usada às vezes, por ênfase, assimila-se às formas da 3.ª: Tu num cala essa bôca? Tu vai? A 2.ª do plur. aparece de quando em quando com suas formas próprias, no imperativo: oiai, cumei. 10. NÚMERO - O plural da 1.ª pessoa perde o s: bamo, fômo, fazêmo. Quando esdrúxula, a forma se identifica com a do sing.: nóis ia, fosse, andava, andasse, andaria, fazia, fizesse, fazeria. Nas formas do preter. perf. do indic. dos verbos em ar, a tônica muda-se em e: trabaiêmo - trabalhamos, relação histórica com o fenômeno que se verificou, sem continuidade, no período ante-clássico do português. 7. O pronome oblíquo o a perdeu toda a vitalidade, aparecendo quase unicamente encravado em frases ossificadas: Que o lambeu! Etc. 8. Sobre as formas nos e vos, ver o que ficou dito na "Morfologia". 9. De lhe só usam os caipiras referido à pessóa com quem se fala. Assim, dizem eles, dirigindo-se a alguém: - Eu já le falei, fulano me afianço que le escrevia, i. é, "eu já lhe falei" (ao senhor, a você), "fulano me assegurou que lhe escrevia" (a você, ao senhor). Pode dizer-se, pois, que o pronome lhe, conservando a sua função de pronome. da "terceira" pessoa gramatical, só se refere, de fato, à "segunda" pessoa real. Aludindo a um terceiro indivíduo, o caipira dirá: Eu já decrarei pr'a ele, fulano me garantiu que escreveu pr'a ele. 10. J. Mor. (1.º vol), tratando do emprego de formas pronominais nominativas como complemento seguido de prep. (no aragonês, provençal, valenciano, etc.), diz: De construção semelhante encontram-se exemplos nos "Cantos populares do Brasil", interessante publicação do sr. Sílvio Romero: Yayá dá-me um doce, Quem pede sou eu; Yayá não me dá, Não quer bem a eu. É possível que no Norte elo país se encontre essa construção. Em S. Paulo o caipira diz: Não qué bem eu, sem prep., ou não me qué bem eu. Aliás, isto é fato isolado. A regra, quando se trata da primeira pessoa, e usar dos casos oblíquos: Não me qué, não me obedece, não me visitô. CONJUGAÇÃO PERIFRÁSTICA 11. Na conjugação perífrástica o gerúndio é sempre preferido ao infinitivo precedido de preposição, vulgar em Portugal e até de rigor entre o povo daquele país. (J. Mor., cap.. XX, 1.º vol.). Aqui se diz, invariavelmente: - Anda viajando - Ia caindo, estão florescendo, ao passo que, em Portugal, especialmente entre o povo, se diz em tais casos: "estou a estudar", "anda a viajar", "ia a cair" ou para cair", etc. O nosso uso é o mesmo dos quinhentistas e seiscentistas, dos quais se poderia citar copiosíssima exemplificação. Escrevia frei Luís de Sousa na "Vida de Dom Frei Bartolomeu", de perfeito acordo com a nossa atual maneira: "... ia fazendo matéria de tudo quanto via no campo e na serra para louvar a Deos; offereceu- se-lhe á vista não longe do caminho... um menino pobre, e bem mal reparado de roupa, que vigiava umas ovelhinhas que ao longe andavam pastando. 12. A ação reiterada, contínua, insistente, é expressa por uma forma curiosíssima: Fulano anda corrê- corrêno p'ras ruas sem o quê fazê - A povre da nha Tuda véve só chorá-chorano despois que perdeu o marido (V. "Morf.", 1). TER E HAVER 13. O verbo ter usa-se impessoalmente em vez de haver, quando o complemento não encerra noção de tempo: Tinha munta gente na eigreja - Tem home que não gosta de caçada - Naquêle barranco tem pedra de fogo. 14. Quando o complemento é tempo, ano, semana, emprega-se às vezes haver, porém, mais geralmente, fazer: Já fáiz mais de ano que eu não vos vejo - Estive na sua casa fáiz quinze dia. 15. Haver é limitado a certas e raras construções: Há que tempo! - Há quanto tempo foi isso? - Num hai quem num saiba. Nessas construções, o verbo como que se anquilosou, perdendo sua vitalidade. Restringimo-nos, entretanto, neste como em outros pontos, a indicar apenas o fato, sem o precisar completamente, por falta de suficientes elementos de observação. Vem a propósito referir que a forma hai, contração e ditongação de há aí (por "há i", que se encontra em muitos documentos antigos. da língua) só é empregada, que saibamos, nestas condições: - quando precede ao verbo o advérbio não, como no exemplo dado acima; - quando o verbo termina a proposição: É tudo quanto hai - Vô vê se inda hai. "CHAMAR DE" 16. O verbo chamar, na acepção de "qualificar", emprega-se invariavelmente com de: Me chamô de rúin - Le chamava de ladrão. O verbo chamar (diz, referindo-se a Portugal, J. Mor., cap. XXVIII, 1.ª volume) não se usa hoje com tal construção nem na linguagem popular nem na literária. mas teve-a em outro tempo, do que se encontram exemplos, como no seguinte passo de Gil Vicente, vol. II, p. 435: Se casasses com pàção, Que grande graça seria E minha consolação! Que te chame de ratinha Tinhosa cada meia hora etc. ORAÇÕES RELATIVAS 17. Nas orações relativas não se emprega senão que. Nos casos que, em bom português, reclamam este pronome precedido de preposição, o caipira desloca a partícula, empregando-a no fim da frase com um pronome pessoal. Exemplos: A casa em que eu morei ......... A casa... que eu morei nela O livro de que falei ................. O livro... que eu falei dele. A roupa com que viajava ......... A rôpa... que viajava cum ela. 18. Freqüentemente se suprimem de todo a preposição e o pronome pessoal, e diz-se: a casa que eu morei, o livro que eu falei, ficando assim a relação apenas subentendida. 19. Os relativos o qual, quem e cujo são, em virtude do processo acima, reduzidos todos a que: • O cavalo com o qual me viram aquele dia. • O cavalo que me virum cum êle aquêle dia. • A pessoa de quem se falava • A pessoa que se falava dela • O homem cujas terras comprei • O home que eu comprei as terra dele. Em Portugal observa-se entre o povo idêntico fenômeno, isto é, essa tendência para a simplificação das fórmulas das orações relativas. Lá, porém, tais casos são apenas freqüentes, e aqui constituem regra absoluta entre os que só se exprimem em dialeto, - regra a que se submetem, sem o querer, até pessoas educadas, quando falam despreocupadamente. 20. Outra observação: lá, o relativo quem precedido de a se resolve em lhe, e aqui só se substitui por pra ele. Assim a frase - "o menino a quem eu dei meu livro" será traduzida, pelo popular português: "o menino que eu lhe dei um livro"; pelo nosso caipira: o minino que eu dei um livro pra ele (ou prêle). Seria mais curial que, em vez de pra ele, se dissesse a ele; mas há a notar mais esta particularidade, que o nosso povo inculto prefere sempre a primeira preposição à segunda. NEGATIVAS 21. Na composição de proposições negativas, o adv. já, corrente em português europeu, é de todo desconhecido no dialeto. Em vez de "já não vem", "já não quero", diz à francesa, ou à italiana, o nosso caipira (e com ele, ainda aqui, toda a gente está de acordo, por todo o país): num vem mais, num quero mais. Esta prática é tão geral (diz, referindo-se ao Brasil, J. Mor., cap. XXX, 1.º vol.) que os próprios gramáticos não sabem ou não querem evitá-la. Assim, Júlio Ribeiro, na sua Gramática Portuguesa, escreve: "Hoje não é mais usado tal advérbio". Entre nós dir-se-ia: "já não é usado" ou "já não se usa tal advérbio". A observação é em tudo exata. Só lhe faltou acrescentar que, como tantas outras particularidades sintáticas de que nos ocupamos, também desta há exemplos antigos na língua, e talvez até em Gil Vicente, que J. Mor. tão bem conhecia e a cada momento citava. Eis um exemplo, onde, pelo entrecho, mais pode ser tomado como negativo: ANJO - Não se embarca tyrannia Neste batel divinal. FIDALGO - Não sei porque haveis por mal Qu'entre minha senhoria. ANJO - Pera vossa fantasia Mui pequena he esta barca. FIDALGO - Pera senhor de tal marca Não há hi mais cortezia? V. - VOCABULÁRIO O QUE CONTÉM ESTE VOCABULÁRIO Este glossário não se propõe reunir, como já dissemos em outro lugar, todos os brasileirismos correntes em S. Paulo. Apenas regista vocábulos em uso entre os roceiros, ou caipiras, cuja linguagem, a vários respeitos, difere bastante da da gente das cidades, mesmo inculta. Quanto a esses próprios vocábulos, não houve aqui a preocupação de indicar todos quantos constam das nossas notas. Deixamos de lado, em regra geral, aqueles que não temos visto usados senão em escritos literários, e por mais confiança que os autores destes nos merecessem. Iguais reservas tivemos com os nomes de vegetais e animais. Alguns destes, dados por diversos autores como pertencentes ao vocabulário roceiro, nunca foram por nós ouvidos, talvez por mera casualidade. Não os indicamos aqui. Outros, e não poucos, estão sujeitos a tais flutuações de forma e a tais incertezas quanto à definição (o que é muito comum na nomenclatura popular), que, impossibilitados, muitas vezes, de proceder a mais detidas averiguações, preferimos deixá-los também de lado por enquanto. AS VÁRIAS FORMAS Registam-se os vocábulos, em primeiro lugar, em VERSAL, na sua forma dialetal mais freqüente, e como a pronunciam. Outras formas e pronúncias, quando há, se registam, quase sempre, logo na mesma linha (para não alongar demasiado este glossário), e em VERSALETE. Quando as formas dialetais diferem sensivelmente das correspondentes da língua, escrevem- se também estas, na mesma linha, em itálico. Nos casos em que a diferença pode ser indicada no próprio título do artigo, assim se procede, como em ABOMBÁ(R), onde a queda de r está suficientemente assinalada. ABONAÇÕES As citas que se fazem logo após as definições, para as esclarecer, levam muitas vezes indicação de autor, entre parêntese. Não quer isto dizer que os vocábulos tenham sido colhidos em tais escritores, pois até citamos algumas frases de autores estranhos ao Estado de S. Paulo; quer dizer apenas que tais vocábulos foram aí usados com o verdadeiro valor que lhes dão os roceiros paulistas. Tendo de juntar às definições frases que dessem melhor idéia dos termos, achamos que seria interessante tirar essas frases de escritores conhecidos e apreciados, desde que quadrassem perfeitamente com o uso popular. Apenas lhes fizemos algumas modificações de grafia. ABREVIATURAS Além das abreviaturas de nomes de autores e outras que constam da lista inserta em outro lugar, há no vocabulário as seguintes, que convém esclarecer: • adj. - adjetivo. a • adv. - advérbio, adverbial • Br. - Brasil • bras. - brasileiro, brasileirismo • cast. - castelhano • conj. - conjunção pron. • det. - determinativo • dial. - dialeto, dialetal • ext. - extensão • f. - feminino • fig. - figurado, figuradamente • i. - intransitivo • intj. - interjeição • loc. - locução • m. - masculino, a • p. - página • part. - particípio • pl. - plural • Port. - Portugal • port. - português • prep. - preposição, prepositiva • pronome, pronominal • q. - qualificativo • rel. - relativo • signif. - significação • sing. - singular • subst. - substantivo • t. - termo • t. - transitivo • V. - Veja • v. - verbo • voc. - vocábulo O sinal | separa da definição e exemplificação do termo qualquer comentário ou nota que se julgou útil acrescentar. ABANCÁ(R) [SE] - v. pron. - sentar-se: "Entre i se abanque". | De banco. ABANCÁ(R). v. i. - fugir: "0 dianho do home, quano viu a coisa feia, abancô" ABERTO DOS PEITO(S), - diz-se do animal de sela ou tiro, que, andando, cai para a frente. ABOBADO, q. - atoleimado, pateta: "O cabo da guarda sopapeou o Quirino, abobado de medo, fazendo-o cambetear para dentro da salinha". (C. P.) | Com signif. semelhante, Gil V. empregou atabobado, t. cast. ABOMBADO, q. - diz-se do animal de sela, tiro ou carga, extenuado de fadiga. Por ext. também se aplica a pessoa: "Era em Fevereiro, eu vinha abombado da troteada..." (S. L.). ABOMBÁ(R), v. i. - extenuar-se (o animal). ABRIDERA. s. f. - aguardente de cana. | De abrir (o apetite). AÇA, aço, q. - albino. | - Usado em quase todo o Brasil. ACARÁ, s. m. - peixe também chamado, no Brasil, cará e papa-terra (R. v. I.). ACAUSO, s. m. - casualidade: "Isso se deu por um acauso". | V. CAUSO. ACERTÁ(R), v. t. - ensinar (o animal de sela) a obedecer à rédea. | V. ACERTADÔ(R). ACERTADÔ(R), s. m. - indivíduo que acerta animais de sela: "Passaram-se anos e a Eulália teve que aceitar o Vicente do Rancho, moço de boa mão e de boa cabeça, quando ele deu os últimos repassos num piquira macaco do pai dela e entrou a cercar-lhe a mãe de carinhos e presentes. Q acertador não enxergava terra alheia quando olhava da janela para fora...". (V. S.). ACOCÁ(R), v. t. - mimar com excesso (a criança): "Esse tar num dá pra nada. Tamem, o pai e a mãe só sabium acocá ele..." Cp. à coca, expressão port., e também cuca, côca e côco. V. a primeira destas palavras. ACOCHÁ(R), v. t. - torcer como corda: "É perciso acochi meió esse fumo". | De cochar. ACUPÁ(R), ocupar, v. t. "De tudo isto tenho feyto hum roteiro que poderá acupar duas mãos de papell..." (Carta de d. João de Castro ao rei, escrita em Moçambique). ADONDE, onde, adv. Só nas partes mais altas pareciam Uns vestígios das torres que ficavam. Adonde a vista o mais que determina E medir a grandeza co'a ruína. (G. P. de Castro, "Ulisseia") Também no Norte do Brasil persiste esta forma: Eu ante quina sê a pedra adonde lavava sua roupa a lavandêra (Cat., "Meu Sertão") AFINCÁ(R), v. t. - embeber, cravar (qualquer objeto delgado e longo): "Afinquei o pau no chão". "Não afinque prego na parede". "O marvado afincô a faca no ôtro". | É port., como fincar, mas com acepções diversas. AFITO, s. m. - mau olhado. | Apesar de nunca termos ouvido este voc., e só o havermos encontrado num escrito ("A Superst. Paulistana", eng. E. Krug), resolvemos registá-lo, por ser dos mais curiosos. É palavra antiga na língua com a significação de indigestão, diarréia ("Novo Dic."). Em cast. existe ahito, q., - o que padece de. indigestão ou embaraço gástrico. Comparando-se isto com o sentido que dão à palavra os caipiras. segundo o citado escritor, e com a expressão "deitar o fito", equivalente a "deitar mau olhado". que se encontra em Gil V., pode deduzir-se que a significação primitiva do voc. port. e cast. deve ter sido, mais extensamente, a de - indisposição causada por mau olhado, quebranto. AFORA(R), v. t. - tirar fora, subtrair. Usado apenas sob a forma do gerúndio, "aforando": "Vinticinco, aforan(d)o quatro, são vintium" | Acreditamos que seja hoje bem raramente usado este expressivo verbo, que ouvimos muitas vezes, porém há algumas dezenas de anos, e só numa localidade paulista (Capivari). AGÒRINIIA, adv. - agora mesmo. neste instante. AGREGADO, s. m. - indivíduo que vive em fazenda ou sítio, prestando serviços avulsos, sem ser propriamente um empregado. AGRESTE, q. - ríspido, intratável, desabrido: "Nunca vi home tão agréste como aquêle nho Tunico!". - Também indica certos estados de ânimo indefiníveis e desagradáveis: "Num sei o que é que tenho hoje: tô agréste..." coisa confusa, e ininteligível. ANGÙADA, ANGÙSADA, ANGÚLADA, s. f. - grande porção de angú; negócio complicado, questão inextricável. ANHUMA, s. f. - ave da fam. "Palamedeidae". ANSIM, assim, adv. 1| Forma pop. em todo o Brasil com o a nasalizado por influência de im. - Encontra-se freqüentemente nas peças castelhanas de Gil V. ANTA, s. f. - quadrúpede da fam. "Tapiridae". ANTÃO, INTÃO, então, ad.: -"Antão ela reparou bem em mim, não disse mais nada, e saiu adiante". (V. S.) | Filhos forão, parece, ou companheiros, E nella antão os incolas primeiros. (Camões, "Lus."). ANTÃOCE, ANTONCE, INTONCES, outras formas de então. | Cp. o arc. entonces: "E do acabamento do livro eu dey encomenda ao lecenceado frey João uerba meu conffessor fazendo per outrem o que de acabar per my entonces era embargado" (Inf. D. Pedro, "Livro da Virtuosa Bemfeitoria"). ANTE, antes, prep. | E Acreditamos que este ante seja simplesmente antes modificado pela lei da queda de s final do dial., embora sendo certo que ante = antes de é do vernáculo antigo e ainda subsiste em anteontem (antonte), antevéspera, antemanhã, etc. DANTE, loc. adv. - antigamente: "Eu dante fazia o que pudia, agora já tô véio i num posso mais". | É loc. port. muito antiga, no sentido de "antecedentemente", como se vê deste passo do "Castelo perigoso" (séc. XIV): "...honde perde Deos e o Paraíso e guanha os tormentos do Inferno e perde os bees que d'ante auya fectos, sse o Deos nom chama pera sua graça..." (L. de Vasc., "Textos arc.", p. 38 e p. 124). TEMPO DE DANTE, loc. equivalente a "tempo 'antigo", e na qual "dante" é tomado como um subst.: "Macaia, que fôra escravo do capitão Tigre, fazendeiro do tempo de dante entre Porto Feliz e Capivari..." (C. P.) ANTES, prep. - A notar: IM ANTES, em antes, loc., usada as vezes pela forma simples "antes": "Estive lá ainda em antes que ele chegasse". ANTES TEMPO, loc. adv. - antecipadamente, antes da hora marcada ou oportuna: "Foi tão de pressa que chegô na eigreja antes tempo". | Os antigos diziam ante tempo: "Uma muito principal razão porque muitas pessoas cuidam de si mais do que tem, e ante tempo se tem por muito aproveitadas, é, que como Deus em todas suas obras se parece comsigo é tão fermoso nos seus começos, que muitos enganados com isso, se dão por perfeitos". (Fr. Tomé de Jesus, "Trabalhos de Jesus"). "E dizemos 'lampeiro' o que faz alguã cousa ante tempo..." (D. Nunes, "Orig.", VII). Cp. anteontem, a que se vai preferindo "antes de ontem" como mais correto. Na Carta de Caminha há ante sol posto. ANTONHO, Antônio, n. p. | Forma antiga, registada por Vit. Cp. Junho de Juniu(m), sonho de somniu(m), etc. ANTONTE, anteontem, adv. | V. ANTE. ANÚ1, nu, q. ANÚ2, ANUM, s. m. - ave da fam. "Cuculidae". A PAR DE, loc. prep. - junto de, ao lado de: "Eu tava bem a par dêle quando assucedeu o causo". | É de uso antiquíssimo na língua, como mostram estes exemplos: "E quando comião de suum dom Diego Lopez e sa molher, asseemtaua eli apar de ssy o filho; e ella assemtaua apar de ssy a filha da outra parte". (Lenda da Dama Pé de Cabra, no "Livro da Linhagem", séc. XV). Aqui, aqui, Oribella, Serrana, alli apar della.(Gil V., "Com. de Rubena") "Eu tenho huã quinta apar de Cintra..." (Testam. de D. João de Castro). APARÊIO, aparelho, s. m. - Na loc. "aparêio de fumo", que compreende o isqueiro, a pedra, o fuzil, e parece que também o que é necessário para fazer um cigarro. APAREIADA, aparelhada. | V. PAREIADA. APÊRO(S), apeiros, s. m.. pl. - conjunto de instrumentos de caça. É port. O "Novo Dic." não lhe põe nota de antiquado; mas parece que já não é de uso corrente em Port., segundo o que se depreende desta menção de M.. dos Rem. ("Obras de Gil V.", Gloss.): "APEIRO - Nome que antigamente se dava a diferentes instrumentos de lavoura", etc. J. Moreira, por sua vez, o tinha por antiq., como se vê desta referência ("Estudos", 2.º v., p. 175): "Há em português o vocábulo apeiro, a que em espanhol corresponde apero. Diez derivou-os do latim apparium (do verbo apparo). As suas significações eram variadas. Designa o conjunto de utensílios ou instrumentos de lavoura, e aplicava- se ainda a outros objetos, chamando-se "apeiro de caçador" aos instrumentos e armadilhas de caça..." etc. Vê-se em Vit. que já no séc. XVII a palavra era usada tal qual. - Esses autores registam a forma do sing.; acreditamos, porém, que no dial. só se emprega no plur., - o que aliás já é uso antigo, como se vê deste passo de Gil V., "Auto de Mof. Mendes": Leva os tarros e apeiros E o çurrão co'os chocalhos - APEÁ(R), v. i. - voc. port., que no dial. apresenta a particularidade de envolver, correntemente, a idéia de "hospedar-se": "Quando chegô? Adonde apeô? - Apeei na casa do Chico, perto de onde tenho meus que-fazê". APINCHÁ(R), PINCHÁ(R), v. t.. arremessar: "Fui de verêda pro quarto, despois de tê apinchado a ferramenta num canto da sala..." (V. S.) "Tratei de me apinchá pra outra banda, porque a noite ia esfriando". (V. S.). | Também se usa no Ceará, segundo este e outros passos do "Meu Sertão", de Catulo Cear.: Meu compade Dizidero somentes pra me impuiá, má cheguei, me foi pinchanda lá pra Avenida Cintrá. Pinchar é port. mas acreditamos que bem pouco usado hoje, neste sentido, em Port. No Brasil, é absolutamente defeso à gente educada - Joanne, personagem do "Auto Pastoril Port.", de Gil V., exclama a certo momento: Oh! commendo ó demo a vida A que a eu arrepincho! No gloss., ao fim do 3.º v. da sua ed. das "Obras de Gil V.", pergunta M. dos Rem.: "Quererá dizer o Poeta 'vida que eu levo a pular, a divertir-me?' Por nossa parte, com a devida vênia de tão erudito mestre, a resposta é negativa: não, o poeta não quis dizer isso. O entrecho da cena e a construção da frase não autorizariam tal interpretação. A cena passa-se entre Joanne e Catherina. Aquele faz e repisa declarações de ardente paixão, que a rapariga repele grosseiramente, mandando-o bugiar, chamando-lhe parvo. O pobre moço, enfim desesperado, exclama: Oh commendo ó demo esta vida A que a eu arrepincho! isto é: encomendo esta vida ao diabo, ao qual a arremesso! - A continuação da fala não faz senão confirmar esta interpretação: Catalina, se me eu incho, Por esta que me va de ida. A índia não está hi? Que quero eu de mi aqui? Melhor será que me va. É provável que o que do segundo dos dois versos primeiro citados venha de uma transcrição errada de que "ou má interpretação de q", A verificação deste ponto concorreria bastante a elucidar a questão. - Quanto ao arre que Gil V. antepôs ao verbo, destinava-se de certo a dar-lhe mais energia. O uso de tais expletivos era comum em Gil V. e outros poetas d0 seu tempo, nos quais se encontra até re-não, re-si, re-velho, re-tanto, re-milhor. Refletiam eles, sem dúvida, uma tendência popular então bem viva, da qual nos terá vindo boa parte dessa multidão de termos em re e arre, que a língua possui. APÔS, APÓS, prep. - no encalço de: "Saí no mesmo instantinho após êle, mais foi de barde". | É de uso antigo na ling.: "... e os outros foram logo apos ele e lhas tornaram..." (Carta de Caminha). "... e correndo apoz nós, que já então lhe iamos fugindo..." (F. M. Pinto). APÔS, APÓS DE, com o mesmo valor: "Andei após disso muito tempo". "Receio que a minha classe vá após d'esses fantasmas com que a iludem". (Garrett). ARA, ora, conj. e intj. | Cp. sinhara, vacê, hame(m), palavras nas quais o som o se muda em â. ARÁ(R), v. i. - empregado figuradamente no mesmo sentido que as expressões "suar o topete", "ver- se em apuros ': "Cos diacho! arei; pra descobri quem me fizesse êsse sirviço". ARAÇARI, s. m. - espécie de tucano pequeno. | Tupi. ARAGANO, q. - diz-se do cavalo espantadiço, que dificilmente se deixa pegar. | Cast. haragano. ARAGUARI, s. m. - espécie de papagaio pequeno. | Tupi. ARAPONGA, s. f. - pássaro da fam. "Cotingidae", também chamado "ferreiro". | Tupi. ARAPUÁ, s. f. - certa abelha do mato. | Tupi. ARAPUCA, URUPUCA, s. f. - armadilha para apanhar pássaros, feita de pequenos paus arranjados horizontalmente e em forma de pirâmide. | B. Rodrigues regista "arapuca" e "urapuca", do nheengatu. ARARA, s. f. - papagaio grande, de cauda longa. | Tupi. ARARA-UNA - arara inteiramente azul, de bico preto. ARARIBÁ, s. m. - certa árvore de boa madeira. | Tupi. ARATACA, s. f. - armadilha grande, que colhe e mata a caça. | Tupi "aratag", armad. "para pássaros" (Mont.). ARCO-DA-VÉIA, arco-da-velha, s. m. - arco-iris. | Paiva, nas "Inferm. da Língua" (séc. XVIII), coloca este termo entre os que cumpre evitar. O "Novo Dic." só o regista em sua última ed. - No Brasil, é corrente a frase "coisas do arco-da-velha", por "coisas extraordinárias, surpreendentes". ARÊA, areia, s. f. | É forma arc. Cp. vêa, chêo, etc., igualmente arcaicos mas persistentes no dial. caip. percisão de virem; viérum à tôa, por troça". - sem delonga, sem receio nem cuidado: "Você é capáiz de cortá aquêle pau antes da janta? Corto à tôa! | De à tôa, isto é, à sirga, a reboque. - Daqui se tirou. ATÔA, q. - desprezível, insignificante: "Aquilo é um tipo atôa". "Não custumo brigá por quarqué quistã atoa . Tenho le visto na rua cum gente atoa, mecê num faça isso". ÀTOINHA, loc. adv. - o mesmo que a toa, com um sentido irônico, escarninho ou jocoso: "Vai dansá um pôco, lindeza? - À toinha!" ATORÁ(R), v. i. - partir a pressa: "Passei a mão na ferramenta c'a pobre da minha cabeça a mó que deleriada, e atorei pra casa". (V. S.). ATROADO, q. - que fala com estrondo e de pressa, embrulhando as palavras: "Aquilo é um atroado, nem se intende o que êle fala". | Part. de atroar, com significação ativa, como "entendido", "viajado". ÁTRU-DIA, outro-dia, loc. adv. de tempo: "Atrudia estive em sua casa não le achei". | Não é caso único esta mudança de o em a: Cp. ara, sinhara, hame; e ainda aribu, arapuca, ao lado de urubu, urupuca. Também há isturdia, que, com variantes (siturdia, etc.) é comum em quase todo o Brasil, notadamente no Nordeste: Bem me disse, siturdia, a Josefa Caprimbu que esse passo era afiado de curuja e de aribu. (Cai., "Meu Sertão"). Quanto à sintaxe, cumpre notar a diferença em relação à frase port. - "no outro dia". O mesmo processo se observa, de acordo com o uso clássico, no emprego de outros complementos de tempo, que dispensam prep.: "Dia de S. João eu vô le visitá". "Essa hora eu tava longe". "Chegô a somana passada". ÁUA(S), ÁGUAS, s. f. pl. - direção das fibras da madeira: "Esta bengala não tem resistência, pois o aparelhador cortou as águas da madeira". ÁUA-MÓRNA, ÁGUA-MÓRNA, q. - irresoluto, fraco: "Não seja água mórna, mande o desgraciado fazê uma viaje sem chapéu!" (V. S.). AVALUÁ(R), avaliar, v. t. | Forma arc. AVENTÁ(R), v. t. - separar (cereais da casca, atirando-os ao ar com peneiras ou pás). | É t. port., mas especializado aqui nesta acepção. AVINHADO, s. m. - pássaro da fam. "Fringilidae"; curió. AVUÁ(R), v. i. | De voar com a explet. Conjuga-se: avua, avuô, avuava, etc.; avuê, avuasse, etc. AZARADO, q. - o que "está de azar", infeliz, sem sorte. AZORETADO, q. - atordoado, confuso: "As corujas do campo a mó que tavam malucas, essa noite: era um voar sem parada em riba da minha testa, que me deixava azoretado". (V. S.) - O "Novo Dic." regista "azoratado, doidivanas ou estroina". E pergunta se terá relação com ozoar. Segundo J. Moreira ("Estudos", 2.º v.) azoratado vem de zorate (ou orates, ozorates, o zorate). É também a explicação de Leite de Vasc., citado pelo precedente. AZUCRINÁ(R), v. t. - Atormentar com impertinências, importunar. | O "Novo Dic." regista azucrinar como brasil. do Norte e com o mesmo significado. Também é do Sul, ao menos de S. Paulo e, provavelmente, de Minas. Em Pernamb. há "azucrim", importuno. AZUCRINADO, part. de azucrinar. AZULÁ(R), v. i. - fugir. Sentido irônico ou burlesco: "O tar sojeito, quano eu fui atrais dêle, já tinha azulado". AZULÃO, s. m. - nome de vários pássaros azuis, como: o sanhaço, "Stephanophorus leucocephalos" e um pássaro da família "Fringilidae", também conhecido por papa-arroz. | No Norte dá-se aquele nome ao virabosta. AZULÊGO, q. - azulado (com referência a qualquer objeto, em especial ao cavalo escuro, pintalgado de preto e branco) : "É que uma língua de fogo azulêgo, mais comprida que grossa, de uns três palmos de extensão, erguera-se da várzea..." (V. S.). BABA DE MOÇA, s. f. - certo doce de ovos. Rub. mencionava, em 1853, com este nome, um doce feito de coco da Bahia". BABADO, s. f. - folho, tira de fazenda, pregueada, com que se enfeitam vestidos. "Se subesse vancê quanto lhe estimo. E a caipirinha lânguida e confusa. ouvindo, rubra, a confissão do primo, morde o babado da vermelha blusa.(C. P.) BABAU!, interj. - eqüivale a "acabou-se!" - "lá se foi!" -"agora é tarde!". Exemplo: "Porque não veiu mais cedo, pra comê os doce? Agora, meu amigo... babau!" | Cherm. colheu-a na Amazônia, significando "acabou-se, esgotou-se", e aponta-lhe o étimo tupi "mbau", acabar. BABO, s. m. - bava: "Fazendo uma careta de nojo, Bolieiro cuspiu para um lado, franzindo a testa, ficando-lhe na barba um fio meloso de babo. (C. P., "Ê a deferença que hai...") | Deduzido de babar. BACABA, s. f. - certa árvore. | Tupi. BACAIAU, bacalhau, s. m. - azorrague de couro trançado, antigamente usado para castigar escravos. BACUPARI, s. m. - arbusto que dá um fruto muito ácido. | Em outras regiões do Brasil designa diferentes espécies de árvores frutíferas. - Tupi. BACURAU, s. m. - pássaro também chamado curiango e, algures, méde-léguas: "Nyctidromus albicollis". BADANA, s. f. - couro macio que se põe sobre os arreios da cavalgadura. | É t. port., com várias significações, na Europa e no Brasil. - Diz M. dos Rem. (Obras de Gil V., Gloss.), explicando certo passo, que badana significa "propriamente a ovelha velha" e "carne magra, cheia de peles". - Dão-no como derivado do ar. bitana. BAGARÓTE, s. m. - mil réis, em linguagem jocosa. Comumente se usa no plural. BAGRE, s. m. - nome de várias espécies de peixe de couro, da fam. "Siluridae". BAGUAÇÚ, s. m. - arvore de madeira branca, também chamada caguaçu. BAIACÚ, s. m. - nome de vários peixes de água doce e salgada. BAIO, q. - diz-se do animal eqüino de cor amarelada. | T. port. - AMARI(LH)O, o anim. de cor brilhante e clara, geralmente com cauda e crina brancas. | Do cast. - CAFÉ-CUM-LEITE. - CAMURÇA. - INCERADO, o de tom escuro e brilho apagado. - GATEADO, o amarelo vivo, de um tom avermelhado. BAITACA, MAITACA, 5. f. - ave aparentada com o papagaio: "Baita'cas em bando, bulhentas, a sumiremse num capão d'angico". (M. L.) -Tupi. BALA, s. f. - rebuçado; queimado; pequena porção de açúcar resfriado em ponto de espelho e envolvida num quadrado de papel. | Em Pernamb. e Estados vizinhos dizem "bola". O t. é velho, já registado no vocabulário de Rub. (1853). - DE OVOS, a mesma "bala", com recheio de ovo batido com açúcar. - DE LIMÃO, DE LARANJA, etc., conforme a essência adicionada. PONTO DE -, o estado em que se deixa esfriar a calda de açúcar para fazer balas; ponto de espelho. BALAIO1, s. m. - espécie de cesto de taquara, sem tampo, destinado a depósito ou condução de variadíssimos objetos, mas principalmente usado pelas mulheres para guardar apetrechos da costura. BALAIO2, s. m. - certa dança popular, que parece extinta. Dela se conservam reminiscências em algumas trovas: Balaio, meu bem balaio, balaio do coração - | O t. e a usança também são do R. G. do S., como se pode ver em Romag. BALÊ(I)RO, s. m. - vendedor de balas (rebuçados). IBANANINHA, s. f. - pequenos bolos de farinha de trigo, com uma forma semelhante à das bananas: "Chegara a hora da ceia. Caldo de cambuquira, um feijão virado alumiando de gordura e, para fechar, um café com bananinhas de farinha de trigo; tudo indigesto, escorrendo gordura". (C. P.). BANDÊ(I)RA, s. f. - monte de espigas de milho, na roça. BANGUR, BANGÚê, s. m. - liteira com teto e cortinados, levada por muares, que antigamente se usava. Este t. tem muitas significações pelo resto do Brasil, como se pode ver em Macedo Soares e outros vocabularistas. Origem controvertida. BANGUÉLA, q. - que tem falta dos dentes da frente. BANHADO, s. m. - campo encharcado. BANZÀ(R), v. intr. - pensar aparvalhadamente em qualquer caso impressionante. Pouco usado. | É port. - Paiva incluiu-o nas "Infermid.", sem explicar o sentido. Dir-se-ia simples corrupção africana (ou feita ao jeito do linguajar dos pretos) do verbo pensar. Mas, querem doutos que seja voz proveniente do quimbundo "cubanza". - Aqui, não ocorre jamais ouvir-se o subst. "banzo". BANZÊ(I)RO, q. - o que está a banzar. Pouco usado. BARBA DE BÓDE, s. m. - espécie de capim de touceiras abundante em campos de má terra, e cujo aspecto, quando maduro, é o de fios longos, flexíveis e esbranquiçados. Em Pernamb., dá-se este nome a uma gramínea ("Sporabulus argutus", Nees Kunth), de colmo longo e resistente (Garcia). - O "Novo Dic." regista sob este nome ainda outra planta, esta de jardim. BARBA DE PAU, s. f. - filamentos parasitários que dão na casca das árvores do mato: "...grandes árvores velhas por cujo tronco e galhaça trepam cipós, escorre barba de pau e aderem musgos". (M. L.). BARBATIMÃO, s. m. - árvore da fam. das Legumin., de casca adstringente, muito usada em curtumes. BARBÉLA, s. f. - cordão com que piões e viajantes a cavalo prendem o chapéu sob o queixo: carnosidade ou pele pendente sob a queixada de um animal. BARBICACHO, s. m. - laçada com que se prende o queixo da cavalgadura rebelde; barbela. BARBULÊTA, borboleta, s. f.: bêra da estrada, ou é azêda ou tem bêspa". Em outros Estados existem variantes, n'as quais se substitui "vespa" por "maribondo". D. Alex. colheu, em Minas: "Laranjeira carregada, à beira das estradas, ou tem maribondo ou frutas azedas". Afr. Peixoto, em "Fruta do Mato", consigna uma variante parecida com essa, colhida na Bahia. BESPÊ(I)RA, VESPÊ(I)RA, s. f. - casa de vespas; o mesmo que veiêra, "abelheira". BESTÁ(R), v. i. - dizer asneiras. BESTÊRA, s. f. - asneira. BIBÓCA, s. f. - quebrada, grota, lugar apartado e invio; casinhola: "Tudo isto afim de que não falte aos soletradores de tais e tais bibocas desservidas de trem de ferro o pábulo diário da graxa preta em fundo branco..." (M. L.). "A meio caminho, porém, tomou certa errada, foi ter à biboca de um negro velho, em plena mata..." (M. L.) | Mac. Soares dá, entre outras acepções, a de casinhola de palha, que diz peculiar a S. P. - Registam-se outras formas pelo Br., "babóca", "boboca".- Dão-lhe orig. tupi em "ybybóca", fenda, buraco do chão, da terra. BICHÁ(R), v. i. - criar bichos (o queijo, a fruta, etc.) | Em M. Grosso ("Inoc.") significa também ganhar dinheiro, fazer fortuna. BICHADO, q. - que tem bichos (feijão, frutas, etc.). BICHÃO, s. m. - aumentativo de BICHO: animal grande, homem alto e gordo. BICHARADA, s. f. - quantidade de bichos. BICHARIA, s. f. - o mesmo que bicharada. BICHÊRA, s. f. - pústula, cheia de larvas de mosca, que ataca os animais de criação (especialmente bois). BICHO, s. m. - qualquer animal, com especialidade os não domésticos; verme, larva, inseto. Em frases interjectivas, implica a idéia de corpulência, força, destreza, ferocidade: "Isto é que é cavalo bão! Êta bicho!" - "Ih! minha Nossa Sinhora, aquêle hóme é um bicho, de brabo!" − DE CONCHA, indivíduo metido consigo. − DO MATO, animal selvagem; roceiro abrutalhado. − DE PÊLO. − DE PENA. − DE PÉ, "Pulex penetrans". − VIRÁ(R) -, ficar zangado, tornar-se repentinamente violento. BICO1, s.m. - carta de somenos valor no jogo do truque (os "dois" e os "três): − Tire a sorte. Dê vance. − Serre o baraio, Tonico. − Dêxe pro pé. - Bamo vê? − Truco in riba dêsse bico!(C. P.) BICO2, s. m. - cada um dos ângulos salientes de uma renda ou bordado; no plur., o conjunto dos recortes angulares com que se enfeitam toalhas, lençóis, papéis para guarnecer bandejas e prateleiras, etc. BICO DE PATO, s. m. - árvore espinhosa, que dá um fruto semelhante ao bico do pato. BICUDO, s. m. - nome de várias espécies de passarinhos da fam. "Fringilidae", e também do "Pitylus fulginosus". BICUIBA, s. f. - certa árvore silvestre, que produz uma noz oleosa. BIGUÁ, s. m. - ave da fam. "Carbonidae". BIJU, s. m. - placa de farinha de milho, ou mandioca, que se despega do fundo do "forno", ao fazer- se a farinha, sem se esfarelar com o resto desta. | Existe em todo o Br., sob essa forma e sob a forma beju, com significados vários. Escreve-se geralmente "beijú", ou por ligá-lo a "beijo", ou porque realmente se guarda a tradição d'a sua origem indígena, que dizem ser a verdadeira. B. Rodr. regista "beyu", nhengatú, e "meyu", língua geral. B.-R. e outros apontam vocábs. semelhantes, tupinambás, etc. Entretanto, há em port. "beijinho", que não se distancia muito do nosso biju, nem pela forma, nem pelo sentido. BINGA, s. f. - isqueiro de chifre: "Enrola o cigarro, amarra-lhe uma palhinha para que não desaperte, bate a binga, e acende-o vagarosamente". (A. S.). | Na Bahia significa simplesmente chifre, seg. B.-R. Atribui-se-lhe o étimo "mbinga", chifre, do bundo. BIRI1, s. m. - V. PIRI. BIRI2, s. m. - árvore de pequeno porte, boa para lenha. BIRIBÁ, s. f. - árvore de grande porte. BIRIBA, BIRIVA, s. m. ,- o mesmo que guariba. BIRRO, bilro, s. m. - certo pássaro: "O engenho desmanchava-se aos poucos e a casa ia-se tornando um taperão, sobre o qual os bilros implicantes. piavam, partindo e voltando..." (C. P.). BISÔRRO, besouro, s. m. BIZARRIA, s. f. - generosidade, liberalidade. Pouco usado. Só conhecemos uma quadra popular, em que há estes dois versos: E viva o noivo ca noiva, cum tuda sua bizarria. Em Port., diz G. Viana, "Palestras , p. 31, "o povo usa bizarro com a significação principal de 'generoso' e bizarria com a de 'generosidade'. Vê-se, pois, que o sentido de bizarria no nosso dial. é puro vernáculo, divergindo da significação afrancesada, que se introduziu por via literária. BOBIÁ(R), v. t. - enganar, empulhar: "O Fermino cunsiguiu levá os inleitô do ôtro lado, porque bobiô êles". | Em Port., bobear é fazer, ou dizer bobices. BOBÍCIA, bobice, s. f. BOBICÍADA, s. f. - quantidade de bobices: "Quá o quê!... Ocêis são bobo... Aquerditá nessa bobiciada! (C. P.). BOBÓ, q. - palerma: "Parece coisa que inda tô vendo o Tibúrcio, aquêle negrão meio bobó, que andava esfarrapado pro meio dessas ruas..." (V. S.). BOCAGE(M), s. f. - palavrada, expressões baixas e indecentes. BOCAINA, s. f. - depressão numa serra, que dá passagem. | Cf. "boqueirão". Tem noutros pontos do país significações um tanto diversas - boca de rio, foz, entrada de canal, etc. BOCÓ1, q. - palerma. | Também se diz bocó de móla. - De boca. Cp. a frase "andar de boca aberta", pasmado, apalermado. BOCÓ2, s. m. - saco (geralmente, de lona) que se traz a tiracolo na caça. | No Norte, "bogó" designa coisa semelhante. BOCUVA, s. f. - árvore que dá um fruto oleoso. BÓDE, s. m. - mulato, "cabra". Aument., bòdarrão, mulato corpulento, ou de ar imponente; fem. bódarrona. Diminut., bòdinho, bódête. BODÓQUE, s. m. - arco, quase idêntico ao com que os índios atiram frechas, mas de pequenas proporções (cinco, seis, oito palmos), usado para arremessar pelotas de barro, à caça de passarinhos: "E o caboclo perdeu meio dia de serviço para fazer o bodoque, bem raspado com um caco de vidro que levou da cidade, encordoando-o com corda de linha "clark" encerada a capricho, rematando com gosto de artista a obra, desde o cabo até a malha". (C. P.) | O "Novo Dic." dá como ant., significando "bola de barro, que se atirava com besta" e aponta-lhe o étimo no ar. "bandoque". - V. PELÓTE. BODOCADA, s. f. - tiro de bodoque. Figuradamente, alusão rápida e áspera, remoque, dito ferino. BOIADO, q. - diz-se do anzol empatado (encastoado) .em linha comprida. | De boia? BOICORÁ s. m. - cobra-coral. | Af. Taun. regista a corrupt. bacorá; lembramo-nos, porém, de ter ouvido também boicorá. - "Mboi", cobra. BOITATÁ, BITÀTÁ, BATÀTÁ, s. m. - fogo fátuo. | C. P. colheu bitati ("Quem conta", p. 30), que é corrupt. Rub. regista "boi-tatá"; B. -R. dá "batatão" da Par. do N., e "biatatá" da Bahia. - Dão-lhe uns, baseados em Anchieta, o étimo "mbaétatá", que significaria "coisa de fogo". Outros apontam "mboi-tatá" cobra de fogo, e, tanto morfologicamente, como pela analogia da imagem com o objeto, parece que acertam. Parece, porque, enfim, a língua geral dá para tudo... BOI-VIVO, s. m. - guisado de test. de boi. BOLIÁ(R), v. t. e i. - derrubar subitamente (pessoa ou animal) em sentido figurado, prostrar, falando-se de moléstia; cair para trás (o animal) depois de empinar. BONECA, s. f. - espiga de milho nova. "Vieram as chuvas a tempo, de modo que em Janeiro o milho desembrulhava pendão, muito medrado de espigas. Nunes não cabia em si. Percorria as roças contente da vida, unhando os caules polpudos já em pleno arreganhamento da dentuça vermelha e palpando as bonecas tenrinhas a madeixarem-se duma cabelugem louro-translúcida": (M. L.). BORÁ, s. f. - certa abelha silvestre. BÔRRA, s. m. - usado para indicar indivíduo antipático, desagradável, de trato difícil. Não tem significação precisa; exprime antes o estado de alma de quem fala, o despeito ou irritação. "Fulano? Aquilo é um bôrra". "Pidi pro Tonico u"a ajuda na roça e o bôrra não apareceu". Eqüivale, como se vê, a "bolas", "tipo", "coisa". | Parece deduzido da loc. de bôrra ("doutor de bôrra", etc.), corrente na linguagem culta. BORRACHUDO, s. m. - mosquito do gênero "Simulium", cuja picada é dolorosa. | Parece ser o "pium" do Norte. BOSSORÓCA, s. f. - fenda profunda, rasgada no solo pelas enxurradas: E mortas, em completa solidão, jazem as ruas desta pobre aldeia, Que as bossorocas engulindo vão. (Ag Silv.) | Acreditamos que também corre a forma soróca. Cf. Sorocaba n. p. BOSTIÁ, bostear, v. i. - defecar. Refere-se mais aos animais, mas aplica-se ao homem por jocosidade. Na frase vá bostiá, eqüivale a "pentear macacos". | A forma port. é bostar. Na Índia existe "bostear", mas significa revestir de bosta as paredes e pavimentos das casas, conforme usança da terra (Mons. Dalg.). BÓTA. s. f. - na Ioc. "de bóta e espora". Exemplo goiano, perfeitamente aplicável aqui: "E, se não mostramos energia, montam-nos em pêlo, de bota e esporos..." (C. Ramos). BOTÁ(R), v. t. - Sinon. de pôr, de uso preponderante em todas as acenções: botar a mão, botar o açúcar. "Cabórge" é nome de um peixe do rio Paraíba, Alag. (R. v. I.). CABORTEÁ(R), CAVORTEÁ(R), v. 1. - fazer ação de caborteiro; estar com artes, ou manhas (o animal). CABORTE(I)RICE, CAVORTE(I)RICE, s. f. - ação de caborteiro. CABORTÊ(I)RO, CAVORTE(I)RO, q. - velhaco, arteiro. | Liga-se sem dúvida a cabórge, feitiço. Em Taunay, "Inoc.", acha-se "caborgeiro", feiticeiro, que tanto pela forma como pelo sentido mais clara torna aquela relação. - C. Ramos emprega "comborgueira", figuradamente, por "feiticeira", num dos seus contos goianos: "... vivia a penar enredado nos embelecos traidores da comborgueira..." Talvez haja aí confusão com candongueira". CABRA, s. m. - mulato ou mulata. | No Nord. do pais este t. é de uso mais corrente, com ligeiras variantes. CABRITO, s. m. - mulato moço, ou criança. CABRIÚVA, s. f. - árvore leguminosa; a sua madeira: "... eu inda tenho a Santa Luzia do tempo da escola, que meu pai mandô fazê, i e de cabriúva..." (C P.). | A forma literária é "cabreuva, com e, e por influência desta haverá quem assim pronuncie; mas o povo da roça, salvo o de alguma zona que não conhecemos, diz como vai aqui registado. - Contração de "caboréuba", árvore da coruja? CABRÓCHA, s. m. - mulato ou mulata jovem. CACHAÇA, s. f. - aguardente de cana. CACHACÊRO, q. - bebedor habitual de cachaça. T. injurioso. "Você fica com o pau, cachaceiro, - concluía Pedro, - mas deixa estar que há de chorar muita lagrima p'ramor disso". (M. L.). CACHAÇO, s. m. - varrão. CACHORRADA, s. f. - quantidade de cães; grupo de cães de caça; ação má e baixa, esperteza reles, cachorrice. CACHORRÊRO, s. m. - homem que trata e conduz cães de caça. CACHÔRRO, s. m. - cão. CACHÔRRO DO MATO, s. m. - abrange três espécies indígenas de "Canis" e também as duas do gen. "Specthos" Guarachaim. CACHUMBA, s. f. - parotite. CACUÉRA, s. f. - certa árvore comum na zona do Norte de S. P.: "Quando Moreira, nos trechos mistilicados, apontou os padrões, o moço embasbacou. - "Cacuéra! mas isto e' raro!" (M. L.) | A grafia comum é "caquéra". - Do tupi. CAÇUISTA, q. - caçoador. CAÇULA, s. m. - o filho mais novo. B. - R. registra "cassula" e "cassulé". Citando Capello e Ivens, atribui ao t. origem africana. CACULÁ(R), v. t. - encher a transbordar (a medida). | Em Pernamb. há "cucular", com o mesmo sentido, e "cucúlo" - o que ultrapússa os bordos do vaso. (Garcia). - De cogular. CACUNDA, s. m. - costas: "...e ela se ponhou outra vez de cacunda, que é como dormia quase que a noite inteirinha". (V. S.). - "Para dôr de peito que responde na cacunda, cataplasma de jasmim de cachorro é porrete. (M. L.). Orig. afric., como querem alguns, ou simples corrupt. de corcunda, passando por carcunda, como querem outros? CAÇUNUNGA, s. f. - vespa social, "Polybia vicina", cuja picada é muito dolorosa; mulher de gênio irritável e violento. CADE(I)RINHA, s. f. - brinquedo que consiste em se agarrarem duas pessoas pelos pulsos, para que aí se assente uma criança. CADE(I)RUDA, q. - que tem as cadeiras ou quadris largos (mulher). CADÓRNA, s. f. - codorniz. CAÈTÊ, CAÈTÉ, s. m. - certa árvore que é considerada padrão de boa terra. | Grafia usual, "caheté". CAFUNDÓ, s. m. - lugar muito retirado e deserto. | Usa-se também na linguag. das pessoas cultas, com a mesma significação, mas no plural. - Em Port. há "fundo", significando abarracamento, arraial, cujo radical entende G. Viana que há de ser banto, talvez '"cufúndu", cravar, enterrar. ("Pal.", p. 238-9). CAGACÊBO, s. m. - nome de vários pássaros da fam. "Tyramnidae". CAGAFOGO, s. m. - certa vespa cuja picada é muito dolorosa. CAGALUME, s. m. - vagalume, pirilampo. | É port. A propósito do inseto, escrevia Leitão Ferreira na sua "Nova Arte de Conceitos" O vocábulo com que o nomeamos, se lhe não escurece a propriedade natural, deslustra-lhe o resplendor civil...". CÁGUDO, CÁUGDO, CAGO, cágado, s. m. | Cp. sábudo por sábado, bêbudo por bêbado. CAIANA, q. - certa espécie de cana de açúcar. | Sempre ouvimos pronunciar caiana; entretanto, M. Lobato, observador atento destas coisas, escreveu no seu conto "O Comprador de Fazendas", cayena. É possível que na zona do Norte assim se diga. - De Cayenne. CAIAPIÁ, s. m. - vegetal medicinal e que dá umas sementes de que se fazem rosários. CÃIBRA DE SANGUE, cámaras ele sangue, s. f. - CAIÇARA, s. m. - vagabundo, malandro, desbriado: "Carancho, subjugando o Mingo, tirou o facão, jogou-o para um lado e, com a bainha, deu uma surra no caiçarínha desarmado..." CAIÇARADA, s. m. - quantidade de caiçaras. CAÍDO(S), s. m. - afagos, carinhos: "Andava c'uns caídos co'a noiva, que inté injuava". | De cair. CAÍDO, q. - rendido, namorado: "...Mal cortejava as mocinhas curiosas, que julgava caídas por êle". (C. P.). CAIÊRA, s. f. - fogueira de grandes paus arranjados em quadrilátero, nas festas populares: "À noite, após a reza, acende-se a caiêra..." (C. P.). | Em Pernamb., segundo Garcia, significa "forno constituído pelos próprios tijolos a queimar". - O port. caieira designa fábrica de cal. CAIMENTO, s. m. - forte inclinação amorosa; no plur., o mesmo que caldos. CAINHA. cainho, q. - diz-se do indivíduo mesquinho, que não gosta de dar nada do que é seu. | Ô ano triste e cainho, Porque nos fazes pagãos? exclama Maria Parda no seu "Pranto" (Gil V.), referindo-se à falta de vinho. CAINHÁ(R), v. t. - fazer mesquinharias, negar-se a ceder a outrem qualquer coisa sem importância: "Muiézinha miseráve cumo esta nunca vi: magine que cainhô uas laranja pras criança!" CAIPIRA, s. m. - habitante da roça, rústico. - q. - próprio de matuto, digno de gente rústica: "Você é um menino caipira". - "Que vestido tão caipira, esse que mandou fazer!" | Este voc. é usado em Portugal, pelo menos, há cerca de um século. Em 1828-1834 designava os constitucionais em luta com os realistas. No Minho, homem sovina, avarento, seg. o "Novo Dic.". Em Ponte do Lima, já L. de Vasc. colhera significados semelhantes. Camilo empregou na "Brasil. de Prazins", em acepção que não se depreende bem do contexto: "Aglomeravam-se aí duas Bragas - a fiel, a caipira, pletórica de fidalgos..." Em Pernamb., é nome de um jogo popular, que se joga com um dado único (Garcia). - Qual a origem? Como todas as palavras de aspecto indígena, real ou aparente, tem fornecido largo pasto à imaginação dos etimologistas. Uns derivam-na de "currupira", sem se dar o trabalho de explicar a transformação; outros, de "caapora",' o que é ainda mais extravagante, se é possível. C. de Mag. entendia que era ligeira alteração de "caa-pira", mondador de mato. CAIPÓRA1, s. m. - certo gênio habitador do mato: "Nas noite de vento, do arto do Samambáia, a gente óve uns grito à meia noite... É o Caipora... Deus te livre!" (C. P.). Superstição pouco espalhada hoje, em S. P., e comum a quase todas as outras regiões do Brasil, onde também dizem "caapora", mais de acordo com a etimologia. Acreditamos que já não corresponde, aqui, pelo menos, a qualquer entidade definida. Os caipiras fazem uma grande confusão entre os seus demônios, o caipora, o currupira, o saci, o bitatá, os quais vivem no vago e na incerteza, tomando e deixando formas, atributos e manhas uns dos outros. CAIPÓRA2, s. f. e q. - Infelicidade, má sorte, desastre; o que é vitima da desdita. | O "caapora", gênio silvestre, tinha a particularidade de fazer infeliz quem o encontrasse, montado no seu porco, a correr pelo mato. Daí o novo sentido que o t. adquiriu. CAIPORISMO, s. m. - o mesmo que "caipora"2, dando, porém, às vezes. idéia de má sorte continuada, teimosa. CÀITITÚ, CATETO, TATETO, s. m. - espécie de porco do mato, "Dicotyles torquatus". - Tupi. CAJÚZINHO, s. m. - arbusto do campo. CALOMBO, s. m. - inchação, tumor, protuberância. CAMARADA, s. m. - indivíduo que, nas fazendas, está encarregado de vários serviços; trabalhador de roça. CAMARINHA, s. f. - aposento. quarto de dormir(?). | Seg. Mac. Soares é usado com esta acepção no Norte do Br. Em S. P., só nos recordamos de o ter ouvido uma vez, há muitos anos, com estes versos: Ó senhora Miquelina, eu le peço por favor, me tirai da camarinha, me ponhai no corredor. CAMBARÁ, s. m. - árvore da fam. das Compositas. CAMBARÁ-PÓCA, s. m. - árvore semelhante ao cambará, de madeira frágil ("póca"). CAMBAU, s. m. - pedaço de pau com corretas nas extremidades, para jungir dois cães, cavalos, etc. Em Port. há cambão designando a mesma coisa. CAMBETEÁ(R), v. i. - andar aos pulos, como a perder o equilíbrio. | V. CAMBITO. CAMBITO, s. m. - aparelho para cochar o tabaco de corda; pau com que se torcem as corretas sobre a carga de um animal, para fixá-la; pernil de porco; perna fina. | Na Amaz. designa um pau delgado que se suspende ao teto para nele pendurar esteiras, cordas, etc. (Cherm.) em Pernamb., forquilha que se põe sobre o lombo de um animal para segurar a carga de canas, lenha, etc. (Garcia). - Cherm. deriva-o do tupi "acambi", forquilha, galho; mas parece, mais simplesmente, ligar-se a cambau, cambão, cambota, cambetear, etc., vocs. nos quais há uma idéia comum e persistente de curvatura, volta, etc. CAMBÓTA, s. f. - cada uma das duas peças, em figura de segmento de círculo, que, com o meão, formam a roda do carro de bois. CAMBÓTE, s. m. - brinquedo que consiste em pôr a cabeça no chão e virar o corpo até que os pés CAPINA, copínaçãa, s. f. - limpa, mondadura com enxada. | De capinar. CAPINADOR, s. m. - homem que capina. CAPINÁ(R), v. t. e i. - mondar, limpar de ervas e mato (a solo, as plantações). CAPINZÁ(L), s. m. - lugar onde há muito capim. CAPITÃO, s. m. - bocado de feijão com farinha, que se prepara entre os dedos, dando-lhe uma forma alongada. | C. Rámos colheu em Goiás "capetão". Talvez seja a forma mais próxima da orig. CAPITUBA, s. f. - caniço de beira de água, gramínea alta de beira de rios e lagoas. Do tupi "caapituba", muito capim, capinzal. CAPIVARA, s. f. - grande roedor da fam. "Caviidae". | Tupi. CAPIXINGUI, s. m. - árvore da fam. das "Euforbiáceas". CAPUAVA, s. f. - parte de um sítio, ao fazenda, onde se fazem anualmente plantações de cereais e outras. | É provável que outrora tivesse significação um tanto diversa. B. - R., citando Paula Sousa, diz que em S. P. designa qualquer estabelecimento agric. para cultura de cereais, feijões, mandioca e outros mantimentos. - Na Par. do N. e R. G. do N., pronuncia-se capuaba, e o t. designa cabana, casa mal construída e arruinada. No Esp. Santo, capixaba é o mesmo que a capuava paulista. (B. - R.). CAPUÊRA, s. f. - mato que nasceu em lugar de outro derrubado ou queimado. | De "caapuan-uera" mato isolado que foi, antigo mato virgem. - A forma culta é capoeira, assimilada a palavra já existente na língua. CAPUERÃO, s. m. - capuêra alta e densa. CAPUERINHA, s. f. - capuêra baixa. CARÁ, s. m. - nome de várias plantas rasteiras e trepadoras que dão um tubérculo comestível. | Há quem identifique cará com inhame, o que não é exato, ao menos em S. P. CARACACHÁ, s. m. - chocalho de lata. | É o "maracá" do Norte, o ganzá" ou "canzá" do Nordeste. CARACARÁ, s. m. - ave de rapina da fam. dos Falconidas: "Só um caracará resiste à soalheira num esgalho de peroba: está de tocaia aos pintos do Urunduva, o rapinante". (M. L.). CARAGUATÁ, CRAUATÁ, GRAVATÁ, s. m. - bromeliácea vulgar. CARANGUEJÊRA, q. - que se junta a aranha, para designar certas espécies grandes e escuras, cobertas de pelos. CARAPINA, s. m. - carpinteiro ordinário: "... o Teixeirinha Maneta era um carapina ruim inteirado, que vivia de biscates e remendos". (M. L.). CARAPINHÉ1, s. m. - certa espécie de gavião. | Voc. onomatopaico. CARÁPINHE2, s. m. - brinquedo infantil que consiste em pegar uma pessoa, com dois dedos de uma das mãos, a pele das costas de outra mão, puxando-a, ao mesmo tempo que eleva e abaixa repetidamente os braços, dizendo: cara... cara... carapinhééé!... | É, evidentemente, um arremedo dos movimentos do gavião a arrebatar a vítima no bico. Este brinco, popularíssimo em todo o Estado, fazem-no os adultos, ou crianças maiores, para divertir as pequeninas. CARAQUENTO, q. - que tem grânulos, escamas ou películas rebentadas (pele, fruto, qualquer superfície). | Cp. cast. "carachento", sarnoso. CARCAMANO, s. m. - nome jocoso que se dá ao indivíduo de nacionalidade italiana. Existe, ou existiu, esse termo na costa da Galiza, sob a forma "carcaman", servindo para designar os contrabandistas; tem ainda, no cast., a significação de "navio grande, mau e pesado". | Cap. o port. carraca, grande embarcação antiga, mencionada na "Cron. de D. Duarte", de Rui de Pina. CARÉPA, s. f. - usado na frase "levado da carépa", equivalente de "levado da bréca", ou "do diabo". CARÊSTIA, carestia, s. f. CARIMÁ, s. m. - doença que ataca as maçãs do algodão. | Tupi. CARNE-DE-VACA, s. f. - árvore da fam. das Protáceas. CARNEÁ(R), v. t. - esfolar e espostejar uma res. | Romag. consigna como "esfolar" apenas e dá como voc. sul-americano. CARNEGÃO, s. m. - matéria endurecida que se forma na raiz de um furúnculo. | De carnicão? CARÔNA, s. f. - peça composta geralmente de dois couros quadrangulares iguais, e que se coloca em baixo do lombilho, nas cavalgaduras. | É usado, com variantes, em quase todo o Brasil, e nas repúblicas do Prata. La carona, en que mil flores Bordò un paisano ladino - (Granada). ANDÁ PRAS CARÔNA, andar pelas caronas - achar-se em estado de saúde extremamente precário, estar morre não morre. Frase usada também no R. G. do S. CARPA, CARPIÇÃO, s. f. - ato ou efeito de carpir. CARPI(R), v. t. e i. - o mesmo que capinar, com a diferença, porém, que se emprega mais carpir quando se trata de plantações (ex., "carpir o café", isto é, o cafezal: limpá-lo do mato que nasce entre os arbustos) e capinar quando se trata de um terreno qualquer (capina-se o solo para plantar). | B. - R. aponta a possibilidade de um étimo latino, hipótese reforçada, ultimamente, por Ot. Motta, na "Rev. da Ling. Port.", n.º 3. Também há quem descubra procedência indígena de vário feitio. CARRAPICHO, s. m. - semente espinhosa de várias plantas; essas próprias plantas. CARREADÔ(R), s. m. - caminho entre plantações. CARRÊRA1, s. f. - corrida de cavalos. CARRÊRA2, s. f. - ato de correr. DE -: a correr. CARRÊRO, CARREIRINNO, s. m. - caminho estreito, trilho. CARTUCHE, cartucho, s. m. - "Compro uma espingarda que nem aquela de seu padrinho: de botá cartuche (C. P.). | Cp. guspe por cuspo, aspre por áspero, fixe por fixo. CARURÚ1, s. m. - nome de várias espécies de erva, algumas comestíveis. Na Bahia, mistura de ervas, quiabos, camarões ou peixe. etc. | Tupi? Africano? CASAMENTEÁ(R), v. t. relat. - animar, excitar (alguém) a casar-se com determinada pessoa: "O Pedro anda casamenteando a Maria co Rocha" - "O Juáo e a Tudica foram casamenteado(s) um cum ôtro, desde piqueno(s), pros parente(s)". CASCA DE ANTÁ, s. f. - pequena árvore da fam. das Magnoliáceas. CASIÃO, ocasião, s. f. - oportunidade, momento: "Certa casião, no tempo das guerra c'os castelano paraguaio, eu percisei i tira cipó..." (C. P.). Encontra-se em Gil V. ao lado de cagião (em escritores mais antigos, cajom): Mas que sei eu s'eIla mesma Deu casião para isso? CASTEIANO, castelhano, q. - filho das repúblicas do Prata. Também no R. G. do S., com a mesma acepção. CATAGUÁ, s. m. - árvore de campo, da fam. das Rutáceas. Há branco e rajado. (H. P.). CATAPÓRA, TATAPÓRA, s. f. - varicela. | Tupi. CATATAU, s. m. - pequeno, baixo (homem). | Paiva consigna-o entre os termos condenados, sem o definir. Em Goiás designa carta de baralho, no jogo do truque: "Cuidado, minha gente, avisou alguém; temos aí cabra que truca sem zape nem catatau". (C. R., "Gente da gleba"). Em Pernamb., "falatório, discussão, mexerico" (Garcia). Em Trás-os-Montes, segundo o "Novo Dic.", "besta grande e velha; pessoa velha e magra; castigo, pancada". CATERETÊ, s. m. - dança de roceiros. | "...a (dança) brasileira, essencialmente paulista, mineira e fluminense, é o cateretê, - tão profundamente honesta (era dança religiosa entre os tupis) que o padre José de Anchieta a introduziu nas festas de Santa Cruz, S. Gonçalo, Espírito Santo, S. João e Senhora da Conceição, compondo para elas versos em tupi, que existem até hoje..." (C. Mag., Conf.) - De catira-ete"? CATÊTO, q. - diz-se de certa espécie de arroz, e de certa espécie de milho. CATIGUÁ, s. m. - árvore da fam. das Meliáceas. Há graúdo e miúdo. (H. P.). CATINGA, s. f. - mau cheiro de gente, de animais, de roupa suja, etc. CATINGÁ(R), v. i. - cheirar mal (a suor, a roupa suja, a sarro, etc.). CATINGUDO, q. - que tem catinga, que cheira mal. CATINGUENTO, q. - o mesmo que catingudo. CATINGUÊRO. q. - serve de designar certa espécie de veado pequeno do campo, e certa espécie de capim. CATIRA, s. f. - dança caipira: "João Penso levava pau no piolho... por amor dela, e, ainda mês e tanto atrás, saíra cinza num catira, num despique entre o Biscoito e o Tacuara". (C. P.). CATIRINA, Catarina, n. p. | Forma antiq., Caterina. CATUCÁ(R), CUTUCÁ(R), TATUCÁ(R), TUTUCÁ(R), v. t. - tocar (com o dedo, com o cotovelo) ; ferir de leve (com uma agulha, um espinho, uma faca) : "...o Ástolfo cutucou o Manèzinho com o cotovelo..." (V. S.). - Figuradamente, insinuar, sondar, excitar: "Cutuquei o hóme sôbre aquela proposta, mais o diacho se fêiz de desintendido..." | Cat. emprega este verbo, no seu poemeto nortista "Quinca Micuá". com uma acepção corrente em S. P.: "...me catucô pra fugi...", isto é, "me insinuou que fugíssemos, me deu a entender que fugiria comigo".- Dá-se-lhe origem no tupi, onde há o verbo "cutuca" (B. - R.) com idêntico ou semelhante sentido; mas também já descobrirata, no bundo, "cutuca", esvoaçar, adejar... CATUCÃO, CUTUCÃO, CATUCADA, CUTUCADA, s. f. - ato ou efeito de catucar: "Nha Veva quieta, repuxando a boca. Uma pedra. Não disse nada. Caí em cima da menina, beijei, chorei. Nisto, uma cutucada - era o Zico, aquele negrinho, sabe? Olhei pra êle; fez geito de me falar lá fora, longe da tatorana". (M. L.). | Escreve-se, geralmente, "cotucar", "cotucão", etc. Esta grafia não corresponde à pronúncia, mas ao vezo, aliás natural e explicável, de reduzir as formas estranhas aos tipos correntes da língua. CATUÊRO q. - diz-se do anzol encastoado (ou empatado) que se coloca numa vara, deixando-o quase na superfície da água, com a isca. CATUNDUVA, CATANDUVA, s. f. - mato baixo e áspero, em terra inferior. | De "caatàdyba" (T. Sampaio). CATUZADO, alcatruzado, part. de alcatruzar-se - encurvado, alquebrado (pela magreza): "Esse boi está catuzado e bambo". | O port. alcatruzado emprega-se freqüentemente, sobretudo no Algarve, com a significação de "corcovado", diz J. Mor. ("Estudos", 2.º vol., p. 209). CAUSO, caso, s. m. - fato, ocorrência, anedota: "Vô le contá um causo". | Encontra-se em Gil V., significação semelhante: café com leite e ovos batidos. CHICOLATÊRA, chocolateira, s. f. - vasilha de lata, geralmente usada para aquecer café, chá ou leite. CHIFRADA, s. f. - marrada, golpe de chifres. CHIFRADÊ(I)RA, s. f. - correia que prende um a outro, pelas pontas dos chifres, os bois de uma junta. CHIFRÁ(R), v. t. - dar com os chifres, marrar, escornar. CHIFRUDO, q. - que tem grandes chifres. CHILENA, s. f. - espora de grande roseta. Laço nos lentos, a chilena ao pé, o ponche na garupa pendurado -(C. P.) |Também usado no R. G. do S. e outros Estados meridionais. CHIMBÉVA, q. - que tem o nariz chato. | No R. G. do S. dizem "chimbé". Segundo B. - R., a primeira forma é tupi, a outra guarani ("timbéva" e "timbé). CHIMBICA, s. m. - certo jogo de cartas. CHIMBURÉ, s. m. - certo peixe de rio. CHINA, q. - diz-se de certa raça bovina, e dos respectivos indivíduos. CHINCHA, cincha, s. f. - CHINCHÁ(R), cinchar, v. t. - CHINFRIM, q. - sem graça, mal arranjado, ordinário, chué (um vestido, um baile, uma casa). CHIQUÊRO, s. m. - um dos compartimentos do curral de peixe. CHIQUERADÔ(R), s. m. - relho composto de um pau com uma tira de couro ligada a uma das extremidades. | No E. do Rio, seg. B. -"chiqueirá". - Subst. derivado de enchiqueirar - "meter no chiqueiro", e portanto alteração de "enchiqueirador". Tanto "enchiqueirar" como "enchiqueirador" são usados no R. G. do S., este último, porém, referido a pessoa - aquele que recolhe ao chiqueiro os animais. CHIRINGA, seringa, s. f. - | É curioso notar a casualidade de ser esta forma pop. paulista idêntica, na pronúncia, à italiana - sciringa. Étimo: syringa. CHOCÁ(R) v. t. - contemplar demoradamente, com desejo ou inveja; pensar em alguma coisa que se deseja. CHORORÓ, s. m. - certo pássaro. CHUAN, s. m. - pequeno cesto cônico, de cipó, para carregar frutas. CHUCRO, q. - não domado (animal cavalar ou muar). | Segundo Romag., no R. G. do S., aplica-se de preferência ao gado vacum. - T. usado na América espanhola sob a forma "chúcaro". Dão-no como de origem peruana. CHUÉ, q. - ordinário, desgracioso, chocho: festa chué, casa chué, pessoa chué. | Cp. chavié. CHUMAÇO, s. m. - pedaço de madeira mole metido entre os cocões do carro de bois. CHUMBADA, s. f. - peso de chumbo que se põe nas linhas de pesca. CHUBEÁ(R), v. t. - ferir com tiro de chumbo. CHUBEADO, q. - atingido por tiro de espingarda; namorado; ligeiramente embriagado. CHUPÊTA, s. f. - bico de borracha, ou de pano, que se dá às crianças novas para chupar. CHUPIM, s. m. - nome de vários pássaros da fam. "Icteridae". | Segundo B. - R, "chico-preto" no Piauí, "caraúna" em Pernamb., "vira-bosta" no Rio. - Do tupi "japii". (R. v. I). CILADA, s. f. - lugar onde a caça atravessa habitualmente um caminho. CINCÊRRO, s. m. - campana que se coloca ao pescoço das madrinhas de tropa, das vacas leiteiras, etc. | Usado em todo o sul do Bras. - Do cast. cencerro. CINCHA, s. f. - cinto ou cilha com que se fixa o lombilho sobre a cavalgadura. | Cast. CINCHÁ(R), v. t. - pôr a chincha; trazer preso (um animal) por corda ligada à cincha; figurad., puxar com força por um laço ou corda. CINISMO, s. m. - monotonia, tédio, sensaboria: "Meu Deus, que dia estúpido! Que cinismo!" Parece ter sido, primitivamente, termo de gíria de estudantes. CINZA, s. f. - na frase "sair cinza" que significa haver conflito, barulho, sarilho: "...ainda mês e tanto atrás saíra cinza num catira, num despique entre o Biscoito e o Tacuara..." (C. P.). CIPÓ, s. m. - designa muitas espécies de vegetais sarmentosos e de trepadeiras delgadas e flexíveis. | Do tupi "ycipô" (B. - R.). TIRÁ(R) -, refugiar-se no mato. CIPOADA, s. f. - quantidade de cipós; chicotada com cipó. CIPOÁ(L), s. m. - lugar onde há grande quantidade de cipós; figur., assunto emaranhado, negocio cheio de complicações. CISCÁ(R), v. i. - remexer o cisco; arranhar o chão, espalhando poeira e detritos (a galinha). CISMA, s. f. presunção; prevenção, desconfiança: "O Juca tem cisma de valente". - "Não sei porquê, o home anda de cisma comigo". | É port. com a significação de mania, preocupação, devaneio. Escreve-se, em geral, "scisma", identificando-o, assim pela forma com outro t. que designa separação, dissidência religiosa, etc., e que vem do grego skisma. CISMÁ(R), v. t, e i. - desconfiar, presumir. CISMADO, q. - desconfiado, prevenido. COARÁ(R), corar, v. t. | Esta forma só se refere à roupa lavada posta ao sol. Diz-se também corá(r), mas com referencia a vermelhidão das faces. - Coará apresenta evidentemente um caso de desdobramento de uma vogal aberta: corar, em boca de portugueses, soa corar". É curioso, contudo, que esse fenômeno só se tenha dado com uma das acepções do voc., e mais curioso ainda quando se sabe que o mesmo fato se observa no extremo Norte do Brasil. (Cherm., art. "Coradouro"). COARADÔ, coradouro, s. m. COBRA-CIPÓ, s. m. - nome de várias espécies da fam. "Colubridae": cobras compridas, delgadas e ágeis. CÓBRA D'ÁUA, - D'AGUA, s. f. - nome de várias espécies da fam. "Colubridae". COBRÊRO, cobrêlo, s. m. COCADA, s. f. - doce de coco em tijolinhos. CÓCHA, s. f. - ato de cochar, possibilidade de cochar: "não dá cocha". COCHÁ(R), v. t. - torcer e apertar como corda (o tabaco, ou, à brasileira, o fumo).| A definição acima, sem a restrição que lhe assinalamos em parêntese, parece convir a acepção lusitana do t. COCHIMPIM, s. m. - aparelho composto de um pau que gira horizontalmente sobre o topo de outro especado no chão, e em cujas extremidades se sentam meninos, fazendo-o rodar com os pés. COCHÓ, q. - chocho. COCHONI(LH)O, s. m. - forro de linho felpudo, ou coisa semelhante, que se coloca sobre a sela. | Do cast. cojinillo: El cojinillo, más fino Que de una mujer el pelo -(Granada, "EI Recao"). CÓCRE, s. m. - pequena pancada na cabeça com o nó do dedo médio: carolo. | Usado em Port com a significação de pequena pancada na cabeça com vara ou cana". B. - R. regista "cocorote" com a mesma significação do t. paulista. Deve haver aí influência de "cocoruto". - Cócre deve ser simples alter. de croque, do fr. croc, vara com gancho. COICÊRO, q. - que costuma escoucear. COIRAÇÃO, CURAÇÁO, CORAÇÃO, s. m. | Nunca ouvimos a primeira pronúncia; há, porém, quem ateste conhecê-la, e não como simples lapso individual, mas como forma aceite e corrente. Entre outros, merece toda fé o testemunho de Valdomiro Silveira, através de seus contos regionais, e de Cornélio Pires, no conto "O que é de raça...": Viro terra, viro mundo, afundo na sertania, mais meu coiração tá preso neste bairro do Garcia -. O que é mais interessante é que essa mesma forma, tal qual, foi empregada por Faria e Sousa nas suas églogas de estilo rústico, que têm por título "A Montanha". Devia ser, porém, bastante rara em Port., pois o erudito sr. L. de Vasc. não a conhecendo, nem lhe achando jeito de coisa real, a atribuía à fantasia do poeta. Entretanto, nada se nos afigura mais explicável do que essa forma pop., por influência de coiro ou coiraça. COISA-FEITO, - FEITA, s. f. - feitiço; mal praticado às ocultas, como, por ex., um envenenamento: "... o afamado Benedito Macaia, curador às direitas, que não punha, mas sabia desmanchar feitiço e as coisa feito. | A expressão parece mais ou menos generalizada pelo Brasil. Garcia recolheu-a em Pernamb. - Já nas "Memórias de um Sarg. de Mil.", 2.ª parte, cap. XVIII, se encontra isto: "Aquele rapaz nasceu em mau dia, disse ela, ou então aquilo é cousa que lhe fizeram: do contrário não pode ser". COISA-MÁ, CUISA-MÁ, s. m. - o diabo; indivíduo malvado, ordinário; criança traquinas. | Diz Garcia de Rez., na "Cron. de D. João II", descrevendo uma cena de assombramento, ou coisa parecida: "... e mais havendo ahi suspeita que alli sentia cousa má". COISA-RÚIN, CUSA-RÚIN, s. m. o diabo: "Já, nhor sim, o dianho do Barão inté parece que tinha o coisa ruim no corpo!" (A. S.). | Pronuncia-se rúin, com acento no u. COIVARA, s. f. - paus meio carbonizados que restam de uma queimada: "Assaltava, aqui, um monte de coivara velha; além, o sapé..." (C. P.). Do tupi "co-ybá", mato seco, gravetos? CÓLA, s. f. - cauda (de animal cavalar ou muar): "Não pude até hoje saber de quem era aquêle bragado tão exquisito, de táboa do pescoço tão fina, de cola tão rala..." (V. S.). COLA E LÚIZ, c. e luz, - expressão usada nas carreiras de cavalos para designar certa vantagem que se concede, na saída, ao animal contrário. Luz é geralmente usado na linguagem do "turf" para designar o espaço que fica entre um cavalo e outro que corre atrás: - "Eu dô lambuja"! - Trata-se a carreira. - Cola e lúiz nas treis quadra! Quem mais qué? - "Déis por cinco, e é no Pampa!" - "Quem inteira?"(C. P. "A Raia"). semana, caiu lenta, monótona, sem um trovão ou corisco (C. P.). Em Port. há a expr. equival. "chuva criadora"; mas o nosso povo não gosta da desinência dora: criadêra, abridêra, trabaiadêra, cantadêra, faladêra, etc. CRIÔ(U)LO, s. m. designava os pretos criados em determinada fazenda, localidade, etc. CRISO, eclipse, s. m. | Em Rui de Pina, "Cron. de D. Duarte", crys = eclipsado. CRUZADO, s. m. - a quantia. de 400 réis. | É port. CUATI, s. m. - carnívoro da fam. "Procynidae". | Escreve-se geralmente coati ou quati. Do tupi. - MUNDEU, s. m. - cuati macho, que vive solitário. CUCA, s. f. - entidade fantástica, com que se mete medo às criancinhas: Durma, meu bemzinho, que a cuca j'ei vem - diz uma cantiga de adormecer. Por ext., entre adultos, ameaça, atos destinados a atemorizar: "Eu cá não tenho medo de cucas!" | A palavra e a superstição, esta quase de todo delida já em S. P., existem espalhadas pelo Brasil. Num dos seus contos goianos, escreveu C. R.: "Ah, sim, a bruxa... Essa, de certo, levou-a o "Cuca", num pé de vento, à hora da meia noite..." Em Pernamb. significa mulher velha e feia, espécie de feiticeira, e é também o mesmo que "quicuca", 'ticuca", rolo de mato (Garc.). B. - R. regista as variantes "corica", "curuca", curumba", das terras do Norte. - A cuca paulista é em tudo semelhante ao vago "papão" luso-brasil., ao "bicho" e ao "tutú" de vários Estados, ao "negro velho" de Minas. Diz uma quadrinha pop. port. citada por G. Viana ("Pal."): Vai-te "papão", Vai-te embora de cima desse telhado, deixa dormir o menino um soninho descansado. Diz uma quadrinha mineira, visivelmente aparentada com a precedente: Olha o "negro velho" em cima do telhado. Ele está dizendo, quer o menino o assado. Outra, ainda mais próxima da port., e também de Minas (citada, como a primeira, por L. Gomes): Vai-te, "Cóca", sai daqui para cima do telhado; deixa dormir o menino o seu sono sossegado. Vê-se desse exemplo que em Minas se diz "cóca". As formas port. são "côca" e "côco". Na procissão de Passos, em Portimão, havia um indivíduo vestido de túnica cinzenta e coberto com um capuz, a quem chamavam "côca" (L. de Vasç., seg. L. Gomes). A essa figura correspondia, nas antigas procissões do Enterro, em Minas (L. Gomes), e na dos Passos, em S. P., o "farricôco", Lê-se no "S. Paulo ant.": "Adeante dessa solenissima procissão era costume, parece que até o ano de 1856, ir o pregoeiro, chamado Farricôco ou a Morte - vestido de uma camisola de pano de cor preta, tendo na cabeça um capuz do mesmo pano, que lhe cobria o rosto, com dois buracos nos olhos, e lhe caía sobre o peito... sendo que as crianças, ao avistarem esse feio personagem, ficavam apavoradas, pois umas choravam e outras tapavam com as mãos os seus olhos". - Em Espanha há "coca", serpente de papelão que, na Galiza e outras províncias, sai no dia de "Corpus Christi"; há também "mala cuca", malicioso, de má índole. G. Viana ("Pal.") refere-se ainda a uma pal. cast. "côco", entidade fantástica, que se julga habituada a devorar criaturas humanas, como o "papão". - A sinonímia entre "papão" e "côco" ou "côca" está estabelecida no seguinte dístico das "Orações acadêmicas" de frei Simão, citado por G. Viana: O melhor poeta um "côco", o melhor vate um "papão". "Côco" encontra-se ainda em Gil V. no "Auto da Barca do Purg." onde parece indicar o diabo: Mãe, e o "côco" está ali. - Rub. parece que d'ava a "côco" a significação geral de entidade fantástica; definindo "bitu", chama- lhe - "côco para meter medo às crianças", e define identicamente "boitatá". ÇUCRE, açúcar, s. m.: "Oi que toicinho tá caro e o çucre não tá barato". (C. P.). CUÉRA, q. de ordinário substantivado - valente, forte, ágil, destorcido, destabocado, turuna: quebra o chapeu na testa o tal Faé, que é o piso mais cuero e mais desempenado.(C. P.) | No R. G. do S. (Romag.) há "cuêra", ferida produzida por maus lombilhos, e há "cuerudo", o que tem "cuêra", duro, forte, respeitado, temido. Aí está, provavelmente, a origem do nosso t. - "Cuêra" deve ser forma abrasileirada de cueira, derivado de cu. - É possível que tenha contribuído para a abertura do e, em S. P., a semelhança com cuéba. Os vocábs. flutuam, cruzam-se, desmembram-se, contaminam-se, constantemente, na boca do povo. Veja-se esta série de sinônimos, onde se vislumbra um curioso entrançamento de formas: cuéra, cuêba, cuéba, québra, caibra, cabra, cumba, tutumcuéba, cutuba... CUIA, s. f. - metade de um fruto de cabaceira, ou cuietê, limpo, usado como vasilha, principalmente como farinheira. | T. corrente em todo o Brasil com ligeiras variações de sentido. - Dão-lhe orig. tupi-guar.: "iacui", - o que faz pensar no celebre epigrama: "Il a bien changé sur la route"... CUIÉ-TORTA, colher-torta, s. f. - na frase "botá a cuié torta", intrometer-se (alguém) em conversa ou negócio onde nada tem que ver: "Pras muié não botá a cuié torta, bamo levá êle no arrosá..." (C. P.). CÙIETÉ, s. m. - árvore que produz um fruto grande, de casca rija, utilizado para vasilhas; esse mesmo fruto. | De S. P. para o Norte dizem "cuité" para designar o fruto, "cuitezera" e "cuietra", para designar a árvore. - Do tupi. CUITÉLO, s. m. - beija-flor. | É forma antiga de cutelo do lat. cultellu(m): "Oo piedade do muy alto Deos, se emtom fora tua mercee de botares aquell cruel cuytello que nom dampnara o seu alvo corpo, inocente de tam torpe culpa". (Fem. Lop., episódio de D. Maria e do inf. D. João). CULIDADE, qualidade, s. f. - "Eu vou simbora! Sombração de ótra culidade eu pego". (C. P.). CUMARI, CUMBARI, s. f. - designa certa espécie conhecida de pimenta, do gen. "Capsicum", fam. das Solaneas. | B. - R. regitra "cumarim". CUMBA, q., ordinariamente substantivado - destro, forte, valente. CUMBÉ, s. m. - certo bicharoco mole, como sanguessuga. CUMBUCA, s. f. - cabaça esvaziada, que serve a vários fins, entre os quais o de armadilha para apanhar macacos. Neste caso, é um vaso grande, de boca muito pequena, onde se põe milho, e que se coloca em lugar conveniente, no mato. O macaco mete a mão pelo orifício e agarra um punhado de grãos, mas não pode retirar a mão cheia, e debate-se preso á cumbuca, sem se lembrar de largar o milho. Isto se conta geralmente, mas não conhecemos ninguém que o houvesse testemunhado em pessoa. Cp. o provérbio - "macaco velho não mete a mão em cumbuca". | B. - R. regista "cuiambuca", forma bastante semelhante ao cast. callambuco e à ant. port. calambuco, certa substância vegetal aromática do Oriente. ÇUMITÉRIO, cemitério, s. m. CUPIM, s. m. - designa varias espécies de térmitas, que constróem grandes "casas" de terra; a habitação dos cupins, a que se dá também o nome de cupinzê(i)ro. CURANCHIM, MUCURANCHIM, s. m. - a extremidade da espinha dorsal das aves; por ext., e em linguag. familiar ou jocosa, a mesma região nos indivíduos humanos: "Mal apeia-se, derreado com o curanchim em fogo, ao fim dos trinta e seis mil metros de caminheira..." (M. L.). CURAU, s. m. - papas de milho verde. CURIÂNGO, CURIANGÚ, s. m. - ave noturna do gen. "Caprímulgus": "A noite caía devagarinho e os curiangos começavam a cantar pelas estradas". (C. P.). - "Triste anoitecer o daquele dia, picado a espaços pelo revôo surdo dos curiangos..." (M. L.). - C. da F. dá "curiangó", no seu conto "Assombração". B. - R. regista "curiangú" como paulista. CURINGA, s. m. - a carta mais forte em certos jogos. | Cherm. dá como o dois de paus em alguns jogos. CURIÓ, s. m. - certo pássaro (avinhado): E lá no brejo o canto do curió os jassanãs avivam-me a lembrança...(C. P.) CURRUÇÃO, s. f. - preguiça extrema. | Deu-se este nome, muitos anos atrás, a certa moléstia, vulgar no interior do país, também chamada "macùlo", a qual se caracterizava por vários efeitos, entre os quais um desânimo e abatimento profundos. - Há um voc. arc., "currença", que significa "diarreia", e está em Gil V., "Barca do Inf.": Caganera que te venha, Má currença que t'acuda. Convém notar que o povo pronuncia currução, com u na primeira sílaba, ao passo que pronuncia correição, corrê(r), corrida, com o. Também Gil. V. escreveu "currença". - Contudo, cremos indubitável que currução nada tem que ver com corrupção, mas deriva, como "currença", "corrimaça", etc., de correr. Cp. curso, diarréia. CURRUÍRA, CURRUÍLA, s. f. - certo pássaro. | M. Lobato escreve "corruila (do brejo)" em "Bóca- torta". - Em Minas dá-se a este pássaro o nome de "cambaxirra" (L. Gomes). CURRUÍRA D'ÁUA, d'água, s. f. - certo pássaro: "...guapés tranquilos e verdes que rodam nas cheias, carregando ninhos de curruíra d'agua, avezinha que, não abandonando o ninho, lá se vai rio abaixo..." (C. P.). CURRUÍRA DO BREJO, S. f, - certo pássaro. O mesmo que o precedente? CURRUPIRA, s. m. - Duende ou trasgo da mata. | É superstição mais do Norte do pais, que do Sul, mas ainda se lhe notam traços em S. P. Como todas as entidades da mitologia indígena em dissolução, é figura amorfa e vaga, confundindo-se com outras. C. P. cita-o numa lista de entidades irmãs, no conto "As Cruzes do Mato-dentro". C. Mag. escreve curupira, com um só r no principio. O mesmo escritor cita um morro, nas proximidades de Sorocaba, que conserva esse nome, e diz que o duende "é descrito como um pequeno índio, com os calcanhares virados para diante, que faz perder o caminho aos que viajam". (Conf. Anch.). CURSO, s. m. - diarréia "Andei meio vexado uns pares de dias, com perdão da palavra, com um curso danado". (L. de O.). | Curso e cursar são "muito usados dos clássicos", diz o sr. J. Rib. no DESENCABEÇÁ(R), v. t. - induzir (alguém) a proceder mal. DESGUARITÁ(R), - perder-se, extraviar-se: "Fazia u"a proção de dia que u"a perdiz andava desguaritada, piano no pasto" (C. P.). Romag. regista no R. G. do S. "desguaritar-se" - desgarrar-se do rebanho ou tropa (um animal); separar-se dos companheiros (pessoa) etc. É, com pequena diferença, ou mesmo nenhuma, como se entende em S. P.; apenas, não se usa aqui pronominadamente. | De guarita. DESIMBRAMÁ(R) v. t. - desembaraçar, desenredar. DESIMPENADO, q. - forte, galhardo, destemido: "... o pião mais cuéra e mais desimpenado". (C. P.). | Em port. há desempeno = vigor, galhardia, etc. Desempenado parece que só se aplica em sentido material. DESINCAIPORÁ(R), v. t. e i. - tirar a caipora, a má sorte; perder a caipora: "Num hai geito de desincaiporá êste jogo". DESINSARADO, q. - que ainda está mal restabelecido de qualquer moléstia. | Deve ser corr. de "recensarado". É de notar-se que em Rui de Pina, "Cron. de D. Duarte", se acha rezente = recente. DESINXAVIDO, desenxabido, q. - insípido, desgracioso, sem atrativo; corrido, envergonhado: "Disinxavido... Num dê cunfiança..." (C. P.) diz uma roceirinha agastada a um importuno que a corteja. | Cp. xavi, xavié, javevó, etc. DESMORALIZÁ(R), v. t. - tirar a energia moral; desfazer o entusiasmo, a confiança: "O Antonico não quiz mais trabaiá prá festa: ficô desmoralizado co a farta de corage dos cumpanhêro". DESPACHADO, q. - franco, aberto; dizedor, destabocado. DESPENCÁ(R), v. t. e i. - separar do cacho (bananas, ou outra fruta) ; cair, saltar do alto: "Quano o diabo me viu lá de cima da teipa, despencô!" | De penca. DESPOIS, adv. - Freqüentemente se apocopa: despoi; também não e raro aferesar-se: espois; e às vezes dão-se os dois fatos conjuntamente: espoi; tudo depende, como em tantos outros casos, da pressa com que se fala, e da posição do voc. na frase: "Inté despois" - "Espoi mais vô lá". Despois é forma arcaica, que se encontra em Camões, entre outros clássicos, já em concorrência com a que veio a prevalecer. DESPOSIÇÃO, disposição, s. f | "...asy de ventos prosperos e mares bonançosos como de saude e boas desposyções que nosso Senhor deu a todollos soldados que o ymos servir (Carta de Dom J. de Castro ao rei, em M. de S. Pinto, p, 21). DESPOSTO, disposto, q. | "...som desposto pera ficar na terra..." ("Cron. do Cond.", cap. XX). DESPOTISMO, s. m. - grande quantidade: "nuvens que depois o vento toca para cá, dando em resultado esse despotismo de águas". (G. Rangel, "O Oráculo", "Rev. do Br." n. 41). | Esse exemplo, de um escritor mineiro, mostra que o brasileirismo é também do seu Estado, como é ainda de Mato Grosso, onde Taunay o colheu ("Inoc."). DESPREPÓSITO, DESPERPÓSITO, DESPERPÓITO, despropósito, s. m. - grande quantidade: "E esperá que os otro já vem. Aqui é ponto de reunião. Ante do sór cabá de entrá na bôca da noite, é desperpósito! - "...lhe inflamara o braço, pondo-lhe a cabeça a zunir, após o despropósito de sulfato que ingerira". (C. P.). DESPREPOSITÁ(R), DESPROPOSITAR, v. i. - perder a cabeça; irar-se e dizer palavradas: "Não pude levá o causo im paciença, desprepositei co diabo do home". DESTABOCADO, q. - desempenado, falador, brincalhão, destorcido: "O pai, já viuvo por essa época, esse babava-se d'orgulho. Filho médico, e ainda por cima destabocado e bem falante como aquele (M. L.). | B. - R. dá como t. cearense. De fato, encontra-se em Cat., "A Premessa": Um tropero acarbimbado, cum as barba co de timbó um cabra distabocado - DÈSTÃO, dez-tostões, s. m. - haplologia e despluralização. Mexa, mexa, cabocrada, que eu num respeito truquêro: jugo a dèstão a parada, tô misiurano o dinhêro.(C. P.) DESTORCIDO, DISTROCIDO, q. - lépido, decidido, pronto, destabocado, sacudido: "Aquele negro tem sorte, dizia Joaquim da Tapera; caindo no mundo, ninguém mais lhe bota a vista em riba. Cabra destorcido!" (C. R.). | O exemplo é de Goiás, mas representa justamente a acepção paulista. DESTRATÁ(R), v. t. - descompor, maltratar com palavras. DESTRO, na loc. adv. a destro, - expressão que se usa exclusivamente falando do animal de sela, que em viagem se traz de sobressalente: "...o macho crioulo que vinha a destro não duvidou em meter-se naquela perdição..." (C. R.). | É expressão antiquíssima, com o mesmo valor: "E foy entregue a quarta feira xvj dias doutubro ya bem tarde a Çala-bem-çala que o reçebeu em encima de huu cavaílo, que trazia comsigo a deestro". ("Cron. do Inf. Santo", cap. 12). Nota de M. dos Rem.: "- de dextra, direita, forma analógica a seestro, sextro, esquerdo, empregados um e outro por D. Duarte no "Leal Cons.". DESUNHÁ(R), v. i. - fugir velozmente, abalar. DEZANOVE, adj. numer. DEZASSEIS, adi. num. | L. de Vasc. ("Lições") sustenta que o certo é com a; que essa "é a pronúncia vulgar de todo o país"; que existe em galego. co-dialeto do port.; além de que aparece em numerosos documentos antigos. Não é alter. de dezesseis; cp. o it. diciaseie, diciasette, dicianove; considere-se também a pronúncia "dezóito", (que é a de Lisboa e a de S. P.), a qual só se explica bem por contração de dezaoito, corno mór proveio do arc. maôr. (L. de Vasc.) - Contudo, cumpre notar que M. dos Rem. encontrou dezeseis na "Cron. do Inf. Santo". - Em S. P., o povo da roça diz dezasseis, dezasséte, etc., ao passo que a gente culta, ou que tal se presume, evita cuidadosamente esse "erro". DEZASSÉTE, adj. num. DEZÓITO, adj. num. DIABA, s. f. - mulher má. | Forma antiga - diáboa. DIABADA, s. f. - quantidade de diabos, isto é, de pessoas ordinárias, malvadas, antipáticas: "Deixa está, diabada! um dia vacêis me paga!" DIACHO, s. m. - forma supersticiosa de diabo, palavra cuja pronunciação perfeita, ou mesmo imperfeita, se evita. | Cp. dianho, demo, linhoso, sujo, rabudo, etc. - Parece que é corrente também em Port., onde houve ainda uma forma, decho, que se encontra em Gil V., "Barca do Purg.": Esta noite é dos pastores E tu, decho, estás em seco - DIZ-QUE-DIZ-QUE, s. m. - mexerico, intriga: "Óia, seu bôrra: eu num quero sabê de diz-que-diz- que aqui cumigo, tá uvino?" | É freqüentíssimo começarem-se os contos e narrações que correm à boca pequena, com a fórmula consagrada: Diz que..., contração de dizem que. Isto vem de longe, na língua, e também existe em cast.: dice que. Gil V. escreveu, aportuguesadamente, numa das suas tiradas espanholas ("Com. de Rub."): Quieroos decir un cuento. Diz que era un escudero - O nosso diz-que-diz-que é, pois, uma substantivação semelhante ao on-dit dos franceses, apenas com uma reduplicação a mais. DOBRAR, v. t. - cantar (o pássaro); soar (o sino). Firmino Costa cita, no seu "Vocabulário analog." ("Rev. do Br.") um exemplo da primeira acepção, tirado de Virgílio Várzea, escritor catarinense; por onde se vê que o t. está generalizado mesmo fora de S. P. - Em Port., diz-se "dobrar o sino" por - fazê-lo dar volta, girar (V. "Novo Dic.") daí se originou, de certo, a acepção que o t. tomou aqui, primeiro aplicada aos próprios sinos, depois aos pássaros. DÓBRE, s. m. - o ato de dobrar (soar, cantar). | Este subst. verbal existe em Port., significando volta, giro do sino (V. "Novo Dic."). DONA, s. f. - mulher, senhora: "Sentei numa volta de cipó, maginando coisas exquisitas a respeito daquela dona tão estúrdia..." (V. S.). | Este arcaismo se acha igualmente em M. Grosso ("Inoc.") e, provavelmente, em todo o Brasil. Um exemplo do poeta Paay Soares, do séc. XII, citado por L. de Vasc., ("Lições"): Como morreu quen amou tal dona, que lhe nunca fez ben -. DO(U)RADI(LH)O, q. - animal cavalar ou muar de certa cor acastanhada. | É t. corrente no R. G. do S. DO(U)RADO, s. m. - grande peixe de rio, abundante no Piracicaba. DORDÓIO, dor d'olhos, s. m. - inflamação nas pálpebras. DÚVIDA, s. f. - disputa, questão, discordância. BOA - !, intj. usadíssima em S. P. com valor aproximado ao de um "sem dúvida!" enfático. QUE - !, outra intj. corrente. DUVIDÁ(R), v. i. - questionar; abusar: "Os home duvidárum, duvidárum, munto tempo, mais afinar amarrárum o negoço". - "Escuite, seu moço: vacê não duvide, que eu le deço o cacete!" - "I sabe o que mais? Não me duvide muito, que senão sai cinza!" | O último exemplo pode traduzir-se pôr: não abuse de mim, não brinque comigo. - Diz uma quadrinha pop. do R. G. do S., citada no "Vocabulário" de Romag.: Eu sou um quebra largado, Por Deus! e um patacão! E, se me duvidam, Descasco logo o facão. EAH! intj. de admiração, espanto: "Eah! nho Chico, puis vacê inda está aqui?" - "Eah, gente! num é que m'esquici do recado?" Como se vê desses exemplos, corresponde mais ou menos a "ora, esta!" EIGREJA, s. f. | Em antigos documentos encontram-se as formas eigreya, eigleyga, e outras de mais ou menos hesitante grafia, mostrando a ditongação da primeira sílaba de ecclesia. É verdade que também se acham formas nas quais não aparece o ditongo, como egreya, egreia, na "Cron. do Inf. Santo". Isto, porém, indicará apenas que já em época afastada começara a luta pela fixação de uma forma definitiva. A pronunciação pop. paulista é interessante, e faz duvidar se representará uma persistência arcaica, se mera coincidência. EINÊS, Inês, n. p. | Encontra-se esta forma em antigos documentos da língua. Alter. regular de Agnes. EIRADO, q. - diz-se do porco na idade da engorda. | O mesmo que ERADO? homem pela frente: "Ele que não continue, porque cumigo se estrepa". ESTREPE1, s. m. - lasca ou ponta de pau em que pessoa ou animal se fere, ou pode ferir-se. | A definição é longa, mas necessária para bem limitar a significação especialíssima do voc., que só temos encontrado envolvendo a idéia de ferimento atual ou provável. Esta significação está de acordo com o sentido vernáculo de púa, abrolho, espinho, porém é menos geral. Quadra perfeitamente ao que lhe dá Lucena na "Vida de S. Francisco Xavier": "...affirmaram todos os presentes que chovera cinza, e foy era tanta cantidade, que além de cobrir e entulhar o campo dos estrepes, de maneira que sem nenhum perigo se podia correr e saltar por cima d'elles", etc. (J. Mor., "Estudos", 2.º v., p. 274). - Além da signific. geral citada, e da signific. especial de arma defensiva, usual no tempo de Lucena, o voc. tem mais as seguintes, em Port., segundo J. Mor. (obra cit.): pedúnculo da abóbora (em Lousada) e cana de milho depois de colhidas as espigas (no Minho). Em italiano, "sterpe" tem sentido parecido: "rebento de uma raiz ou toco de árvore cortada ou partida pelo vento". Sobre isto e mais sobre a etimologia, ver J. Mor., "Estudos", 2.º v., 273-5). ESTREPE2, s. m. - menino importuno; diabrete: "Sai daqui, estrépe!" | Simples desenvolvimento do sentido material de estrepe1? Ou haverá apenas contaminação desse termo, desfigurando um outro cuja forma própria se ignora? Cf. ESTREPULIA. ESTREPULIA, s. f. - travessura, desordem: "O dianho do macaco escapuliu e fêiz estrepulia na casa". ESTUMAR, v. t. - ativar os cães na caça com ruídos, assovios, etc. | Sinão quando na horta do Duque Andando de ronda um certo malsin. Estimando-lhe um cão pecheuiigue O demo do gato botou o ceitil. (Greg. de M., "Marinicolas"). - De estimular? ESTÚRDIO, q. - esquisito, estapafúrdio: "Sentei numa volta de cipó, maginando coisas exquisitas a respeito daquela dona tão esturdia..." (V. S.). FACE, s. f. - cada um dos lados de uma casa, em relação aos pontos cardeais: "face de nacente", "face de sur". FACEÁ(R), v. t. - orientar (uma casa, em relação aos pontos cardeais): "Vacê num sôbe faceá sua casa: se fosse eu, escoía a face de nacente". FACERÁ(R), v. i. - exibir boas roupas; ostentar elegância. | Temos visto definições mais amplas, abrangendo outras acepções. Em S. P., ao que sabemos, o verbo não se refere senão aos indumentos. Assemelha-se muito ao lucir cast. - De facê(i)ro. FACERICE, s. f. - garridice, ostentação de vestidos. FACÊRO, q. - taful; que gosta de se vestir bem, que ostenta elegância e luxo. | Usa-se mais no feminino. Faceiro é t. port., e mesmo na Europa tem acepções que se aproximam da brasileira, mostrando que não seria difícil a evolução realizada. FACHINA, s. f. - mato delgado, paus esguios. | Sul de S. P. e Estados meridionais, onde também se diz "fachinal". - É t. port., adaptado facilmente a um aspecto da nossa natureza. Escreve-se, na chamada "ortografia mista ou usual", fachina e feixe, apesar de se tratar de vocábulos irmãos. Também entre nós se escreve fachina, subst. com., e Faxina, nome de uma cidade paulista. FÁIA, falha, s. f. - falta, lacuna, omissão. | Com estas mesmas acepções se usa era Port., mas entre nós parece ser o seu uso muito mais freqüente, além de diferir em algumas aplicações. Aqui se usa a cada passo com referência a dias (de viagem, de serviço, etc.): "Vim certo de chegá na somana passada, mais tive dois dia de fáia no caminho, por causo de um carguêro que deu de ficá duente". - B. - R. já notara a freqüência deste emprego particular do t., no Brasil. FAIÁ, falhar, v. i. - faltar. Além de outras acepções castiças (negar fogo, não acertar, não se realizar, etc.), tem esta de "faltar", que parece paulista (e brasileira), principalmente com a aplicação a "dias", aqui feita a cada passo: "Fáiz óito dias que viajo: saí de casa na térça-fêra da somana passada; caminhei inté sexta; faiei sábudo e dumingo na vila..." FALÁ(R), v. t. - Apresenta a particularidade, que é um arcaísmo, de servir como sinônimo de dizer: "Falei pra o home que não contasse cumigo". | Ad. Coelho cita estes exemplos do uso antigo: "Nós nora podemos estar, que nem falemos o que vimos, e ouvimos". (Atos dos Apóstolos"). - "Dá aos teus a falar a tua palavra cora feuza". (Ibid.) -"Falo palavras de verdade e de mesura". (Ibid.). FALADÔ(R), FALANTE, q. - maldizente, indiscreto. FAMI(LI)A, s. f. - filho: "Tenho cinco famia, dois home e treis muiér". | Às vezes empregam-no de preferência com relação às filhas. FANDANGO, s. m. - festa ruidosa, era que há danças: Ai, seu moço, eu só quiria pra minha filicidade, um bão fondongo por dia e um pala de qualidade.(C. P.) FARRANCHO, s. m. - bando de pessoas; t. usado na expressão acompanhar farrancho que quer dizer: ir com os outros deixar se levar. | É voc. port. e significa rancho divertido, bando de romeiros. Empregou-o nessa acepção M. A. de Alm.: "Levantaram-se então, arrumaram tudo o que tinham levado era cestos e puzeram-se a caminho, acompanhando o Leonardo o farrancho". FARRUMA, s. f. - estardalhaço, farronca, farronfa, farfanteria. FAVA DE SANTO INÁCIO, s. f. - certa semente a que se atribuem virtudes medicinais; a planta que a produz. Rub. dá como sinon. de "guapeva". FÊA, s. f. - fêmea (de pássaro). | Esta curiosa contração do voc. fêmea é de uso corrente e vulgaríssimo no Estado, mas, que o saibamos só com a aplicação restrita, acima indicada. FEANCHÃO, aum. de feio, o mesmo que feiarrâo. | É antiq. em Port. FEDEGOSO, s. m. - nome de um arbusto do campo. FEIÇÃO, s. f. - traço fisionômico; fisionomia. | O uso atual da língua pede plural, na segunda acepção. Um exemplo antigo: "A feiçam deles he serem pardos, maneira d'avermelhados, de boos rostos e boos narizes bem feitos..." (Carta de Cam.). FEITO, adv. conj. - a maneira de, como: "O home ficô feito lôco cum a notícia". - "Esse minino véve feito vagabundo, mexê-mexêno pra rua". FÊMIA, s. f. - mulher da vida airada. FERMOSO, formoso, q. | Arc. FERMOSURA, formosura, s. f. | Arc. FESTÁ(R), v. i. - tomar parte em festa, assistir a festa: "E quando nóis ia festá na cidade, era um estadão..." (C. P.). FIANÇA, s. f. - confiança, ato ou efeito de fiar (de algo ou alguém): "Daí a instante está tudo pronto, colocados os bois do coice - o "Dourado" com o "Monarca", e na guia o "Letrado com o 'Pimpão", que eram as juntas da fiança..." (A. S.). | É t. arc. na língua culta, na acepção acima. FIAPO, s. m. - pequena quantidade, ínfima porção: "Tomei só um fiapo de leite". Muito usado no diminut. fiapico. | É port., na acepção restrita de fio tênue, que também se usa aqui. FIRIDENTO, q. - cheio de chagas. | De ferida. FITIÇO, feitiço, s. m. | Dois étimos são propostos: facticiu(m) (J. J. Nunes, p. LXXXI) e ficticiu(m) ("Novo Dic."). Convém notar que o caipira pronuncia fitiço, fiticêro, fitiçaria, ao passo que diz claramente feito, feitorizá(r), feição, etc. Como diz também fitiu = feitio, parece que se pode atribuir o primeiro i de fitiço a alteração do ditongo ei sob a influência do segundo i, acentuado. Por outro lado, compare-se afito = mau olhado e a expressão "deitar o fito", que se acha em Gil V. FIUZA, s. f. - confiança: usado na loc. na fiuza de, tal como neste passo de G. Dias ("Expos. Univ."): "...não seria prudente deixar-se este ramo de riqueza pública, e de prosperidade individual, entregue inteiramente nas mãos da ventura, na fiuza de que a grandeza de Deus e a bondade do clima farão por nosso amor o que não cuidamos de fazer enquanto é tempo disso". | É arc.: "...esta fiuza ouue eu sempre em vós e ey porque eu pera mais vos tenho..." ("Cron. do Cond."). No "Leal Conselheiro" há feuza, com e. - L. de Vasc. afirma ser ainda forma pop. na Extremadura. ("Liv. de Esopo"). FLÚIS, flux, s. m. - certo efeito alcançado no jogo do poker e semelhantes, e que consiste era reunir cinco figuras. Costuma-se dizer: "fazer flux com rei, ou com valete", etc., conforme qual seja a carta maior. "Fazer flux", figuradamente, vale o mesmo que "fazer bonito", "brilhar". | Trata-se de t. e frase arc., como se vê do seguinte passo de Gil V. ("Barca do Purg."), onde dialogam o diabo e um taful: D. Ó meu socio e meu amigo, Meu bem e meu cabedal! Vós irmão ireis comigo Que não temeste o perigo Da viagem infernal. T. Eis aqui flux dum metal. D. Pois sabe que eu te ganhei. T. Mostra se tens jogo tal. D. Tu perdes o enxoval. T. Não é isto flux com rei. FOGO SARVAGE, f. selvagem, s. m. - certa erupção cutânea. FOLIA, s. f. - grupo de pessoas que, com a bandeira do Divino" (Div. Esp. Santo), ao som de pandeiros, violas e cantigas, percorre as casas dos povoados e campos, pedindo esmolas para alguma festa em louvor do Espírito Santo. Geralmente se diz "folia do Divino". | Ainda hoje, no Algarve, costuma haver certo divertimento, por ocasião da festa do Esp. Santo, a que se dá o nome de "foliá" ("Novo Dic."). No Brasil, o costume é antigo. - Diz F. J. Freire: "Folia não é qualquer dança, mas aquela em que se fazem movimentos extravagantes para causar riso, e que é acompanhada do ruído de vários instrumentos, e, composta de diversos dançantes, gente do povo. (Refl. 1.ª). Esta explicação faria supor que "folia", primitivamente, fosse apenas uma dança; mas que foi também canto, talvez principalmente canto, e até com intuitos devotos, verifica-se deste relanço do "Auto da Feira", de Gil V.: E porque a graça e alegria A madre da consolação Deu ao mundo neste dia, R. G. do S. MOLEÁ(R) o -, afrouxar, desanimar, perder a energia. Usa-se no R. G. do S. expressão semelhante na forma e com o mesmo sentido: "afrouxar o garrão" GARROTE, s. m. - bezerro novo. GARRUCHA, s. f. espécie de pistola de cano longo: "Cheguei lá, inzaminei a casa, botei a garrucha in baxo do travessero... (C. P.). | É t. usual em todo o Br. Existem na língua garrucha e garruncha, com outras e várias significações. GATEADO, q. - diz-se do equídeo de certa cor amarelada. GAÚCHISMO, s. m. - qualidade ou ato de quem é gaúcho, isto é, filante, parasito. GAÚCHO, q. - filante, parasito: "...tinha uma secção de botica às escondidas do fiscal da Camara, um grande filante de leitoas e frangos, gaúcho como que..." (C. P.). GAUDÉRIO, s. m. - vivedor, parasito. | Garc. colheu em Pernamh. "godero", com a signif. acima, e "goderar". - "Gaudério" é também nome de um pássaro. - De gaudium? De gaudere? GAVIÃO, s. m. - a parte cortante da foice: "... foices afiadas e brilhantes, gavião gasto e "arvado" bem imbutido..." (C. P.). GENIPAPO, s. m. - árvore da fam. das Rubiáceas, que fornece boa madeira, dá bom fruto comestível e tem várias aplicações medicinais. GENTARADA, s. f. - grande quantidade de pessoas, reunião de gente. | Cp. os coletivos pe(i)zarada, bicharada, chuvarada, etc. GIQUI, s. m. - certo aparelho de apanhar peixe. | Tupi. GIQUITÁIA, s. f. - molho de pimentas. | Tupi. GIRA, q. - doido. GOIVÊRO, q. - vivedor, brincalhão. | Nunca ouvimos empregado este t., que nos foi comunicado, mas registamo-lo, sob reserva, por ser muito curioso, sugerindo proveniência antiga, talvez de gouvir, sinônimo arcaico de gozar. - Cf. gaudério. GOLOSO, guloso, q. - Forma arc. Acha-se em D. Nunes: "de cuja carne he mui goloso..." ("Orig.", VII). Em Gil V.: Era a mor mexeriqueira Golosa, que d'improviso, Se não andavão sobre aviso, Lá ia a cepa e a cepeira.("Barca do Purg."). Nos versos de sóror Maria do Céu ("Escritoras doutros tempos" M. dos Rem.) aparece este qualificativo repetido muitas vezes. Golodice encontra-se em Vieira (F. J. Freire, Refl. 7.º) GRANÁ(R), v. t. - chegar a ter os grãos formados (o milho); acender (os olhos) : "Num sei porquê, aquela moça quano deu cumigo granô os óio ira riba di mim". GRANADO, q. - diz-se do milho cujas espigas estão desenvolvidas. GRANDÓTE, diminut. de "grande", muito usado, a par de grandinho: "Eu já era minino grandote quano mea mãe morreu". | Existe em cast. GROSSÊRO, s. m. - ligeira erupção cutânea. GRUMIXABA, GURUMIXAVA, s. f. - - árvore da fam. das Mirtáceas. | Tupi. GRUMIXAMA, s. f. - árvore da fam. das Mirtáceas. O mesmo que grumizaba? GRUVATA, gravata, s. f. - É interessante esta forma (a única usada pelo povo inculto do interior), porque abala a etimologia consagrada pelos dicionaristas, que fazem derivar gravata do francês cravate. Parece mais curial que se houvesse tomado do cast. corbata (mais próximo da origem comum, pois esse voc. não é mais que uma variante do gentílico croata). GUABIRÓBA, s. f. - fruto de uma Mirtácea muito comum; a arvoreta que o produz. | Tupi. GUAIÁCA, s. f. - cinto com bolsos que se usa em viagem: "Assim falando, o caipira abriu a guaiaca da cinta e puxou um massuruca, enleado numa pelega de cera, para pagar a despesa". (C. P.) | Também corre no R. G. do S.:... viajava de escoteiro, com a guaiaca empanzinada de onças de ouro..." (S. L.) - Do quech. "huayaca", seg. Zorob. Rodr. GUAIARÚVA, s. f. - árvore da fam. das Euforbiáceas. GUAIÁVA, goiaba, s. f. - fruto da goiabeira. | A 2.ª forma adotada na líng. culta é completamente desusada entre os caipiras. GUAIAVADA, goiabada, s. f. - doce de goiabas. GUAIAVERA, goiabeira, s. f. - nome de várias árvores e arbustos frutíferos, do gen. "Psidiura", fam. das Mirtáceas. GUÀINXÚMA, GUANXIMA, s. f. - arbusto da fam. das Malváceas, cuja fibra é muito resistente, e do qual usa o povo para fazer umas vassouras grosseiras. | Garc. regista, em Pernamb., guaxuma". - Tupi. GUAIUVIRA, s. f. - árvore alta, de madeira resistente e flexível, da fam. das Euforbiáceas. | Tupi. GUAJIÇÁRA, s. f. - árvore da fam. das Leguminosas, que se considera padrão de boa terra. | Tupi. GUAMIRIM, s. m. - certa árvore que se encontra no chamado "Norte" do Estado. | Do tupi "gua" = árvore, "mirim" = pequena. GUAMPA, s. f. - chifre de boi; o chifre em que os carreiros guardam a graxa, nos carros de bois; espécie de copo feito de chifre: Laço nos tentos, a chilena ao pé, o ponche na garupa pendurado, o pala ao ombro - indispensável é - o facão, a garrucha e a guampa ao lado.(C. P.) - "João, mecê ponhô graxa na guampa?" (A. S.). | Usado no Sul do Br., até o R. G. do S., de onde provavelmente veio, pois é também das repúblicas espanholas da América do Sul. No Chile, "guámparo". GUAMPUDO, q. - insulto corriqueiro: "O barbantinho engrossa todo o dia... e acaba virando tronco de árvore e matando a mãe, como este guampudo..." (M. L.). GUANDÚ, s. m. - usado em aposição com o t. "feijão" (fejão-guandú) para designar um arbusto da fam. das Leguminosas, que produz uma ervilha apreciada. | Parece t. africano. No Rio, seg. B. - R., chama-se "guando" à vagem e "guandeiro" à planta. Em Pernamb., seg. Garc., ao nosso feijão- guandú corresponde "cuandú", também chamado "ervilha de Angola". GUÁPE, s. m. | V. AGUAPÉ. GUAPERUVÚ. BACURUBÚ, s. m. - grande árvore da fam. das Leguminosas. GUÀPÉVA1, s. f. - árvore da fam. das Sapotáceas. GUÀPÉVA2, JAGUAPEVA, q. - baixo, pequeno (cão). S. L. colheu "guaipéva" no R. G. do S.: "Eu também fiquei-me rindo, olhando para a guaiaca e para o 'guaipeva' arrodilhado aos meus pés..." É voc. tupi e já de si quer dizer "cão baixo, ou pequeno"; registamo-lo, contudo, como qualificativo, porque na realidade como tal é usado geralmente: "um cachorrinho jaguàpéva". - "Jaguá", cão; "peba", chato, baixo. GUAPÓ, vapor, s. m. - locomotiva de estrada de ferro. | Sobre a mudança de v em gh, v. "Fonética" e, aqui adiante, GUMITÁ(R). GUARÁ, s. m. - ave pernalta, "Ibis rubra". | Talvez alter. de goraz, nome port. de uma pernalta. Parece isto mais plausível, à falta de outros elementos de averiguação, do que o fazerem derivar, como já fizeram, do tupi "guyra-piranga". O desdobramento de o em ua tem um exemplo em cuará(r), coará(r); a queda do som s-z, em final de vocábulos, é uma das características salientes do dialeto. GUARÀIÚVA, s. m. - certa árvore. | Tupi. GUARAPUAVA, q. - cavalo fraco, de pouco valor. | Tupi. GUARATAN, s. m. - árvore da fam. das Rutáceas. Tupi. GUARECE(R), v. i. - sarar. | Nunca ouvimos empregado este termo, que nos foi comunicado. A ser na verdade usado, representa um dos mais curiosos arcaísmos do dial. Guarnecer, guarniçom, são vocs. há muito envelhecidos. Encontra-se o segundo na "Demanda do Santo Graal"; "...e aquella fonte será de tam gram virtude, que todo homem que fôr chagado e dela beber logo seerá são; e por aquela virtude averá nome fonte de guariçom". GUAREROVA, s. f. - palmeira do gen. "Cocos", cujo palmito, muito apreciado, tem um sabor amargo. | B. - R. regista "guariróba". Em S. P. poderá, alguma vez, pronunciar-se com b, pois quase todos os vocábulos indígenas que terminam em ava, iva, ova, etc., se pronunciam tanto com v como com b; mas com i é que não. - Tupi. GUARITÁ, s. m. - grande árvore de bela madeira. GUARÚ-GUARÚ, s. m. - certo bichinho fluvial pequeníssimo ("Lebites poeciloides"), que vive aos cardumes. | Dessa circunstância de aparecer em grandes cardumes se originou provavelmente a duplicação, processo corrente no tupi para denotar quantidade ou repetição. GUASCA, s. f. - tira de couro cru; a fita de couro do relho: "E o Jéca mediu tres passos para trás, pegou o cabo do relho com a mão direita, segurou a guasca pela ponta com a esquerda, e a açoiteira nova assobiou no ar..." (C. P.). É t. sul-americano; segundo Zorob. Rodr., alter. do quechúa "huasca". GUASCADA, s. f. - relhada; golpe com guasca, ou coisa parecida: "...era quem pagava quando o filho, na venda d'a estrada, levava umas guascadas dos campeiros do bairro". (C. P.). GUÀTAMBÚ, s. m. - árvore da fam. das Apocináceas, muito usada para porretes, cabos de enxada, etc.; fig., a enxada: "Eu quero é vê vacê no cabo do guatambu, seu prosa!" | Tupi. GUÀTAPARÁ, s. m. - certa espécie de veado. | Tupi. GUÀXATONGA, AÇATONGA, AÇATUNGA, etc., s. f. - árvore da fam. das Flacourtiáceas, cujas folhas e casca são consideradas como poderoso remédio, em infusão, para feridas e queimaduras. | Tupi. GUÁXE, s. m. - pássaro ("Cassicus haemorrhous"). | "Japira", "japi", "japu", "xexeu", etc., em outros Estados do Br. GUINI(LH)A, s. f. - andadura rasteira, que rende bastante; o mesmo que esquipado. GUMITÁ(R), vomitar, v. t. | É forma pop. também em Port. (J. J. Nunes, p. LXXX). Cp. "goraz", de vorace(m), "golpelha", de vulpecula, "gastar" de vastare; aqui mesmo, em S. P., guapô, "vapor". GUNGUNÁ(R), v. t. e i. - rosnar, resmungar. | Africanismo? GUSPE, cuspo, s. m. | Cp. fixe (fiche) por fixo, aspre por áspero, cartuche por cartucho. GUSPI(R), cuspir. v. i. | Tupi. INCAIPORÁ(R), v. t. e i. - tornar (alguém) caipora, ser-lhe funesto; tornar-se (alguém) caipora, desditoso, perder a "sorte". INCAMBOIÁ(R), v. t. - prender juntamente (dois ou mais indivíduos, veículos, etc.) : "... ligariam os batelões um ao outro e assim, unidos os homens restantes, teriam força para levar as embarcações encamboladas". (C. P.). | De cambau? De comboi? INCANOÁ(R), v. t. - encurvar no sentido do comprimento; diz-se que uma tabua incanôa quando empena de modo a apresentar uma concavidade longitudinal. | De canoa. INCARANGADO, q. - tolhido, entrevado: "O véio ficô incarangado co friu". | Usado de norte a sul do país. Não é brasileirismo, apesar de figurar como tal em diversos vocabulários. INCOMENDÁ(R), v. t. - recomendar, incumbir: "Incomendei pra meu fio que me truxesse uma bassôra da vila". | "Encomendouos e mandouos que êste regimento cumpraes e goardeys..." (Regimento expedido a Dom João de Castro quando comandante da expedição contra os piratas, 1542; em M. de S. Pinto). INCOMPRIDÁ(R), v. t. - aumentar, acrescentar um pedaço (a uma corda, uma rédea); dar maior comprimento (a uma peça dobrada ou afivelada, como um loro, uma laçada, etc.). INCOSTÁ(R), v. t. - vibrar, bater sobre alguma coisa (relho, pau) "Incoste o cacete nêsse disgraciado". INDAIÁ, s. m. - palmeira, "Attalea indaiá". | Tupi. INDAGUAÇÚ, s. m. - palmeira. INDAS, ainda, adv. | Esta forma só aparece quando seguida de que, formando conj.: "Indas que fosse verdade..." INDEREITÁ(R), ENDEREITÁ(R), indireitar, v. t. e i. - tornar direito, destorcer, corrigir; emendar- se: "Esse sujeito não endereita". "... eu a endereitarey". ("Eufros."). INFERNO, s. m. - Vasadouro onde verte a água que passa pelo monjolo: "Destapada a bica, um gorgolar d'enxurro escachoou no cocho, encheu-o, desbordou para o inferno". (M. L.). INFERNAÇÁO, s. f. - ato de infernar, isto é, aborrecer, importunar. INFICIONADO, q. - sujo; mal cheiroso; atacado de ferida brava. | "Bem o experimentais na força daquelas hervas, com que inficionados os poços e lagos, a mesma água vos mata..." (Vieira). INFRENÁ(R), v. t. - enfreiar. | Castelhanismo corrente no R. G. do S., de onde veio de certo. INGÁ, s. m. - árvore da fam. das Leguminosas; a vagem adocicada e refrigerante que ela produz. INGAZÊRO, s.m. - árvore do ingá. | Seg. T. Samp., o indígena chamava a esta árvore "ingahiva". INGAMBELÁ(R), v. t. - enganar, atrair com engodos. É t. de todo o Brasil, ou quase todo. - Alter. de engavelar, isto é, enfeixar, como a gavelas. Cp. empacolar, embrulhar, sinons. de "lograr". INGIRIZÁ(R), v. t. - encolerizar, aborrecer. Alter. de ogerizar? INGÜENTO, s. m. | Encontra-se nos antigos, notadamente em Gil V. "... a paciência que he milhor ingoento que ha hi para as chagas da paixam". (D. Joana da Gama). INHAME, s. m. - designa plantas semelhantes à taióva, e a própria taióva. | Há quem o pretenda identificar com cafá, mas, em S. P., são coisas bem distintas. Encontra-se na carta de Caminha: "... e que lhes davam de comer daquela vianda que elles tijnham, saber mujto jnhame, e outras sementes que na terra ha, que eles comem". - Africanismo? INHATO, q. - o que tem o maxilar inferior saliente. | Romag. registou no R. G. do S. como sinon. de chimbé, o que tem nariz arrebitado e curto, e dá-lhe etimol hispano-americana. em S. P., tem a signif. apontada. Não será alter. de prognata? INJUÁ, enjoar, v. i. - aborrecer-se, sentir-se farto: "Cumi tanta jabuticaba, que injuei (delas)". INJUADO, enjoado, part. - saciado, aborrecido: "Tô injuado desta terra". Assume a signif. ativa de impertinente, cerimonioso, antipático: "Aquilo é sojeito injuado, que ninguém aguenta". INJUAMENTO, enjoamento, s. m. - qualidade ou ato de quem é injuado, isto é, cerimonioso, melindroso, arredio: "A Maruca, despois que tratô casamento co Jovino, anda injuamento insoportave". INLEIÇÃO, eleição, s. f. | "E rreteue pera sy e pera todos seus sobcessores o consetimento da inleiçom que fezessem das abadesas quando alguã ouvessem d'enleger em abadesa d'esse mosteiro". ("Chronica breve", séc. XIV). INORÁ, ignorar, v. t. - estranhar, censurar: "Ele inorô muito de eu ir bater na sua porta àquelas horas". (V. S.). | A forma é antiga: "...tome Vossa Alteza minha inorancia por boa vontade (Cam.). INQUIZILÁ(R), v. t. - encolerizar, aborrecer: "Aquêle negócio me inquizilô de tar geito, que nem quero que me falem nêle." | De qizilia, ou, melhor, quizila, do afr. "quigila = repugnância, antipatia. - em Port. há quizilar, que é absolutamente desconhecido do nosso povo. INREDÊRO, q. - enredador, mexeriqueiro. INREDÊRA, q. - que faz enredos, mexeriqueira. INSIÁ. ensilhar, v. t. - selar. | Escreve-se também "encilhar", como se derivado de cilha; acreditamo- lo antes derivado de silha (sedicula), talvez pelo cast. "ensilhar INTE, até, prep. e adv. INTÊRO, ENTERO, inteiro, q. INTERADO, q. - completo, acabado (falando-se do malandro, do sujeito ordinário) : "É ruim inteirado, dizia o povo". (M. L.). INTICÁ(R), v. i. - "implicar", mostrar má vontade ou birra: "Aquêle sojeito anda inticando cumigo". | O "Novo Dic." regista inticar como t. açoriano e brasileiro, mas dá "enticar-se" como transmontano. Cp. impeticar", com sentido muito aproximado, neste passo de Camilo: "Marta ía nos quatorze, quando o pai a quiz tirar da mestra. Chegara-lhe aos ouvidos que os estudantes, má canalha, lhe impeticavam com a filha". (J. Mor.. "Estudos", 2.º v., 238). INTIJUCÁ(R), v. t. - fazer tijuco em: enlamear. INTIJUCADO. q. - sujo de lama. INTIMÁ(R), v. i. - proceder com espetaculosa arrogância, com soberba, com exibicionismo e aparato: "A Ginoveva bota vistido de seda na cidade. Só pra intimá!" | É verbo trans. e intr. na língua culta, tendo, entre outros, a acepção de falar com intimativa, com energia, com autoridade. Daqui, naturalmente, a evolução de sentido no dialeto. INTIMAÇÃO, s. f. - ação de INTIMAR. INTIMADÊRA, q. - fera. de INTlMADÔ(R). INTIMADÔ(R). q. - o que INTIMA (ver este verbo), o que gosta de exibir a sua autoridade, a sua força, a sua riqueza: "Nunca vi sojeito mais intimado do que seu coroné Perêra". INVEREDÁ(R), v. i. - entrar com ímpeto, caminhar apressadamente (através de uma casa; entre um grupo de pessoas; para determinado ponto): "Ele foi chegando e inveredando lá pra a cuzinha". - "Mar me viu, inveredo pro meu lado". | T. port., com acepções diversas. INZEMPRO, exemplo, s. m. | "E porque he cousa muy proveitosa seguir o enxempro desta honrada senhora..." ("Castelo Perigoso". séc XIV). INZERCÍCIO, exercício, s. m. "E tãobem foi per mym muito enxercitada a levação do polo..." (Carta de D. João de Castro, em M. de S. Pinto). INXUITO, q. | Forma antiga do partic. irreg. de enxugar. Nos saudosos campos do Mondego De teus fermosos olhos nunca enxuito("Lus.") INVERNADA, s. f. - pastagem onde se deixam descansar e refazer os animais eqüinos e bovinos, após viagem extensa ou longo tempo de serviço. IPÊ, s. m. - Designa várias espécies de uma bignonácea do gen. "Tetoma": ipê amarelo, cascudo, roxo, jabotiá, etc. (H. P.) | Tupi. IRÁRA, s. f. - mamífero do gen. "Galictis". | Do tupi: comedor de mel (?). ISCÁ(R)1, v. t. - prover de isca (o anzol): "...isquei o anzó lavei a tripaiada". (C. P.). ISCÁ(R)2, v. t.- atiçar (o cão): "Se contá prosa, isco o Fidargo im riba dêle". | Quando se estimulam cães, pronunciam-se, entre cliques e estalos de língua e de beiços: "busca! busca!" Este verbo freqüentemente se reduz a "'sca! 'sca!", que soa quase como "isca! isca!", quando deveras não soa assim. Daí o iscar aqui registado. ISQUÊRO, s. m. - pequena caixa de chifre ou de metal, onde se guarda a isca de algodão para fazer fogo: usam-na os fumantes, e trazem com ela a pedra de fogo e o fuzil, com que acendem à isca; fig., o anus. ISSÁ, s. m. - Formiga saúva do sexo femin., tanajura. | Às saúvas fêmeas chamavam os tupinambás "issá", e às masculinas "sabitú". (B. - R.). ISTO, pron. substantivado: - "Eu escutei tudo quieto, num disse um isto". ITAIMBÊ, ITAMBÉ, s. m. - morro cortado a pique, despenhadeiro. | Tupi. ITÉ, ITÊ, q. - adstringente, ácido: "... arredia e ité como a fruta do gravatá". (M. L.). B. - R. regista como insípido, sem gosto", e dá como exemplos: uma comida ité, uma fruta ité". Não conhecemos a palavra com tal acepção. | Tupi? IXE!, intj. de desprezo ou desdém: "Você é que há de bardeá essa tremzama, cura êsses bracinho? Ixe!..." | É mais ou menos geral no Brasil. INZEMPRÁ(R), v. t. - castigar: "Êle tava inzemprando o fio quando eu cheguei". | De inzempro = exemplo. INZEMPRO, exemplo, s. m. | Em Rui de Pina, como em outros escritores antigos, encontra-se enxempro, forma regular. Cp. enxuto, enxada, enxame, enxaguar, enleger, e outros vocs. nos quais o e inicial, constituindo sílaba, se nasalou. JABORANDI, s. m. - arbusto medicinal, "Pilocarpus sennatifolius". | Tupi. JABURÚ1, s. m. - certa ave pernalta, "Micteria americana". | Tupi. JABURÚ2, s. m. - certo jogo de cartas. JABUTICAVA, s. f. - fruto da jabuticavêra. | Tupi: "yabutiguaba", comida de cágado. Forma literária: "jaboticaba". JABUTICAVÊRA, s. f. - mirtácea cujo fruto é muito apreciado. Há várias espécies domésticas e do mato, muito semelhantes umas às outras. Alt. de "jabuticabeira", que geralmente se escreve "jaboticabeira". JACÁ, s. m. - cesto de taquara. - Há-os de diferentes dimensões e formas, para vários usos. Dá-se, notadamente, esse nome a um cesto estreito e comprido de metro e meio a dois metros, usado para - Cola ô lúiz nas trêis queda! - Quem mais qué?(C. P.) | Lambugem pertence à língua, com significações essencialmente idênticas. LAPIANA, s f. - faca de ponta: Entra furioso o Chico, e já da estaca despendura a espingarda e põe de lado a aguçada lapeana, a enorme faca, e vai de alcance atrás do "amardiçoado". (C. P.) LAPO, s. m. - lanho, corte de faca. LANÇÓ(R), lençol, s. m. | "...comer a mesma mulher, que de má vontade lhe dá para mortalha o lançol mais velho da casa..." (Vieira, "Serm. de Sto. Ant.", IV). LARANJINHA, s. f. - bola de cera oca, do feitio de uma pequena laranja e cheia de água, com que se fazia outrora o jogo do entrudo. B. - R. regista-o como t. do Norte, e sem dúvida o é, sendo também paulista: o que apenas mostra a extensão que teve no pais o uso desse e quejandos brincos carnavalescos. LÁTICO, s. m. - correia que prende a barrigueira à argola do travessão. | Alter. de látego; cp. cócica, náfico. LAZARINA, s. f. - espingarda de cano comprido. | Ainda não ouvimos usado este t., mas foi-nos comunicado por pessoa conhecedora dos nossos sertões. Segundo o "Novo Dic.", vem do nome de um antigo armeiro de Braga, Lázaro, e ainda se aplica a uma contrafação fabricada na Bélgica e exportada de lá para os pretos da África. LERDIÁ(R), v. i. - tornar-se momentaneamente lerdo; apatetar-se; afrouxar a atividade, a energia, em meio de alguma ocupação: "Lerdiô tanto qu'ia perdêno o trem". LIBURNO, q. - diz-se do animal eqüino cor de chocolate. No R. G. do S. regista-se "lobuno", de orig. cast., provindo de "lobo". LIGÁ(R), s. m. - couro de boi com que cobrem cargas levadas por animais. LIVÉ(L), nível, s. m. | Em Port. corre também esta forma pop. e arc., "mais fiel ao seu étimo, de libelum". (M. dos Rem., Obras de Gil V., gloss.). Em Gil V. encontra-se nivél, em F. M. Pinto, livél. "Deste muro para dentro tem um terrapleno que vera ao livel com as ameias..." (CLIX). - F. J. Freire preferia a forma com n (sem dizer nada da acentuação) por mais conforme ao francês "niveau", de onde julgava oriunda. Herculano usou livél, tendo a outra variante por deturpação. LIVIANO, q. - leve: "Carregue esse pacote, que é livianinho". | Em cast., "liviano", forma e sentido idênticos. LOJA, s. f. - casa comercial onde se vendem fazendas a retalho. Também se diz loja de armarinho, loja de ferragem. | O t. em port. refere-se ao edifício, ou à parte dele que fica ao rés do chão; aqui tomou-se o conteúdo pelo continente. - Do it. "loggia". LOJISTA, s. m. - negociante estabelecido com LOJA. LOMBÊRA, s. f. - derreamento, preguiça: "... era só lombeira pr amor da calma do dia..." (V. S.). LONCA, s. f. - couro cujos pêlos foram raspados a frio: "Manheceu duro no pasto e eu num quiz nem proveitá o côro pra tirá lonca..." | (C. P.) Cast. lonja. LONQUEÁ(R), v. t. - raspar (um couro). LUNA, lua, s. f. | Forma arc. intermediária: luna(m) -> lu"a -> lua. Os cornos ajuntou da eburora lu"a Com força o moço indomito excessiva.(Camões). LUITA, luta, s. f. | Forma arc. em que o i representa o c primitivo: lucta(m). - Temos uma vaga reminiscência de haver também ouvido, há muitos anos, loita, que é outra forma arc. LUITÁ(R), ALUITÁ(R), lutar, v. i. | Forma arc.: "...que nos ajudavam deles a acaretar lenha e meter nos batees e lujtavam com os nosos..." (Caminha). LUMBIO, lombilho, s. m. - espécie de basto ou selim. LUNANCO, q. - diz-se do equídeo que tem um quarto mais baixo. | Do cast. lunanjo. MANGUÊRA, MANGUÊRO, mangueiro, s. f. e s. m. - recinto fechado onde se recolhe gado. MANHA, s. f. - choro sem motivo (especialmente de criança). MANHÊRA, s. f. - pranto prolongado e sem motivo. MANJUBA, s. f. - comida boa, quitute. | No Rio de J. e algures, designa um peixe miúdo; na Bahia, uma comida. Em antigos escritores encontra-se manja e manjua: Não é aquela a tua granja, Pois se lá fala de siso E não é terra de manja.(Sá de Mir., "Extrangeiros"). MACAIA, q. ? - diz-se do fumo, ou tabaco ordinário: "Fumo é cumigo". | Não se encontra nos vocabulários de brasileirismos que consultamos. Empregou-o, porém, há muito, Greg. de M., na poesia "Verdades": Tabaco pobre é macaya. MAÇARANDUBA, s. f. - árvore sapotácea, de que há três espécies - a amarela, a vermelha e a de leite. MACEGA, s. f. - capinzal do campo. | É t. port., com variantes de sentido. MACÓTA, q. - grande, forte, excelente, importante: "Seu coroné Tinoco e macóta aqui na terra". - Na sala o cururu e, no terreiro, o samba ferverá, samba macóta. entre os sons da viola e do pandeiro.(C. P.) T. bundo, com que os pretos designam o conselheiro do soba. MACUCO, s. m. - designa várias espécies da fam. "Tinamidae". MADAMA, s. f. - mulher estrangeira; costureira; parteira. MADÓRNA, s. f. - modorra, sonolência. | Forma registada por F. J. Freire como autorizada e como preferida dos autores. MADRINHA, s. f. - égua que vai à frente de uma tropa, levando cabeçada e guizos, a servir de guia aos outros animais. MÃE D'ÁUA, - d'água, s. f. - ente fantástico: superstição aborígene, geral em todo o pais. MÃE DE ÔRO, - de ouro, s. f. - ente fantástico, vago e informe como todos os que restara da mitologia aborígene, de caboclos e sertanejos; como o t. indica, atribui-se-lhe o papel de geradora do ouro: "Os véio dizium que a Mãe de Ôro morava ali no poço..." (C. P.). MAGINÁ, imaginar, v. t. e i. - meditar, pensar insistentemente. Forma e sentido são de época recuada do idioma: "... até ora nem foi sabido nem maginado algum segredo que nesta parte alcamcei..." (Carta de D. João de Castro, em M. de S. Pinto, p. 21). MAGRUÇO, q. - um tanto magro: "Rapáiz, vacê tá magruço, percisa tomá remédio". Às vezes se usa o aumentat.: "um sojeito magrução", isto é, meio magro, mais magro que gordo. MALIMPREGÁ(R), mal-empregar, v. t. - lamentar o destino que teve alguma dádiva, ou coisa considerada valiosa: "Eu mal-imprego o tempo que gasto cum êste servicinho atôa". - "Nha Chica vive malimpregando o dinhêro que deu pras fia". MALACARA, q. - diz-se do animal que tem mancha branca na cara, da testa abaixo. | De malha = mancha e cara, ou do cast. mala cara? MALACAXETA, s. f. - mica. MALUNGO, s. m. - amigo, camarada: "O preto Tibúrcio era malungo dos Pereiras". | Seg. B.- R., era o nome que os escravos africanos davam aos que tinham vindo com eles na mesma embarcação. MÂMÁ, s. f. - nome com que outrora se designava a preta que servia de ama de leite. MANDIOCA, s. f. - "Manihot utilissima". - PUBA, polvilho fermentado. MANDIÒQUINHA, s. f. - planta que dá umas raízes semelhantes às da mandioca. MAMANGAVA, s. f. - vespídeo zumbidor, cuja ferretoada é dolorosa. | Será o "mangangá" do Norte? MAMINHA DE PÓRCA, MAMICA DE -, s. f. - árvore da fam. das Rutáceas. MAMONA, s. f. - rícino, especialmente a respectiva baga. MAMONERO, s. m. - a planta do rícino. MAMÓTE, s.m. - bezerro que ainda mama. MAMPÁ(R), v. t. - comer. MAMPARRA, s. f. - vadiação, delonga injustificada, subterfúgio. | Existe em cast. "máncharras", "cháncharras", que significa "rodeios, pretextos para deixar de fazer alguma coisa". É, evidentemente, por aí que se deve rastrear o étimo do nosso t., e não na esquipática formação "mão + parar", algures proposta. MAMPARREÁ(R), v. i. - vadiar, estar com delongas sob falsos pretextos. MANCÁ(R), v. i. - manquejar. MANDAÇÁIA, s. f. - certa casta de abelha. MANDAGUARI, s. f. - certa abelha silvestre. MANDÍ, s.m. - certo peixe de rio. MANDINGA, s. f. - feitiçaria: "Foi êle que botô mandinga na sua casa por orde do vendêro novo da incruziada do Sapupema..." (C. P.) | Mandinga designava a região da África ocidental que compreende os povos das margens do Niger, Senegal e Gambia. Acha-se em Camões. MANDINGUERO, q. - fazedor de mandingas, feiticeiro. MANDOROVÁ, s. m. - designa várias lagartas peludas, cujo contato produz dores vivas. | Af. Taun. regista "marandová", que nunca ouvimos; Romag. colheu, no, R. G. do S., "maranduvá". Do guar. "marandobá" (B. R.). MANDUCA, diminut. carinhoso de Manuel. Outros: Mandú, Mané, Maneco. Todos admitem nova desinência diminutiva: Manduquinha, Manequinho, etc. MANEJA, s. f. - correia com que se manietam animais eqüinos; espécie de peia. MANÊRA, s. f. - abertura na saia, contígua e perpendicular ao cós, para facilitar a passagem pelo corpo no ato de vestir ou despir. MANGABA, MANGAVA, s. f. - fruto da mangabeira. | Do tupi. MANGABÊRA MANGAVÊRA, s. f. - árvore da fam. das Apocináceas.
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