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Guias e Dicas
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Acesso Universal à Informação: Desafios e Perspectivas, Notas de estudo de Biblioteconomia

Este documento discute os desafios e perspectivas do acesso universal à informação, abordando temas como participação democrática e social, ampliação do poder, qualidade e transparência de serviços públicos, aquisição e gestão do conhecimento, reorganização do trabalho, educação e treinamento na sociedade da informação, propriedade intelectual e desenvolvimento sustentável. O texto também enfatiza a importância do periódico científico na disseminação de informações e conhecimento.

Tipologia: Notas de estudo

2017

Compartilhado em 14/05/2017

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jose-paulo-dos-santos-6 🇧🇷

4.7

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Baixe Acesso Universal à Informação: Desafios e Perspectivas e outras Notas de estudo em PDF para Biblioteconomia, somente na Docsity! Informação & Informática .................................................................................................................................. .................................................. ... ... ... ... ... ... ................. Sem título-3 19/4/2006, 15:151 Universidade Federal da Bahia Reitor Heonir Rocha Vice Reitor Othon Jambeiro Editora Universitária Diretora Flávia Garcia Rosa Iniciativa Instituto de Ciências da Informação Teresinha Fróes Burnham Departamento de Biblioteconomia Marilene Lobo Abreu Barbosa Apoio CADCT Centro de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico/Seplantec REDPECT Rede Interativa de Pesquisa Sobre (In)formação, Currículo e Trabalho Sem título-3 19/4/2006, 15:152 À Guisa de Introdução Nídia M. L. Lubisco Lídia M. B. Brandão 7 Derrubando-se as Barreiras ao Fluxo Transfronteira do Conhecimento Afrânio Carvalho Aguiar 37 A Profissionalização da Ciência da Informação no Marco da Globalização: Paradigmas e Propostas Antonio Miranda 65 Infometria e Ciência da Informação Jaime Robredo 81 Informação e Comunicação: Novas Fronteiras, Novas Estratégias 119Kátia de Carvalho ............................................................................................................... ................. Pg ... ... ... Sumário Sem título-3 19/4/2006, 15:155 Bases de Dados e suas Qualidades Luís Fernando Sayão 143 181 Realidade Virtual: Novo Modo de Produção de Paradigmas Luiz Felippe Perret Serpa Gestão e Tratamento da Informação na Sociedade Tecnológica Othon Jambeiro 207 Introdução ao GED - Gerenciamento Eletrônico de Documentos Paulo Cattelan 233 Sociedade da Informação, Sociedade do Conhecimento, Sociedade da Aprendizagem: Implicações Ético-políticas no Limiar do Século Teresinha Fróes 283 Sem título-3 19/4/2006, 15:156 7 À Guisa de Introdução Nídia M. L. Lubisco – Lídia M. B. Brandão Professoras do Instituto de Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia A idéia de publicar este livro foi gestada no De- partamento de Biblioteconomia da antiga Escola de Biblioteconomia e Documentação da Universidade Federal da Bahia, quando se encontrava em curso o processo de transição que culminou alterando o nome da unidade para Instituto de Ciência da Informação (1997/1998). Alinhando- se a outras iniciativas acadêmicas da então Escola - como a criação do programa de pós-graduação stricto sensu, a revisão do currículo do curso de Biblioteconomia, a implantação do curso de Arquivologia, o projeto de novas habilitações, a concepção do núcleo de pesquisa e a instituição do CINFORM– Laboratórios de Ciência da Informação, evento planejado para ser realizado anualmente pelo Instituto - esse movimento renovador estava inserido num contexto de mudanças e novas demandas da Universidade como um todo que refletia, por sua vez - como ainda reflete - a nova ordem da sociedade contemporânea. Esse ambiente onde o novo Instituto de Ciência da Informação tem se colocado como sujeito e objeto constitui-se, de fato e de direito, num espaço privilegiado de reflexão, pesquisa e debate sobre as questões Sem título-3 19/4/2006, 15:157 10 Informação & Informática - propriedade intelectual: o acesso e a circulação ilimitados de dados e idéias já mostram a necessidade de regulamentação, principalmente quanto a possíveis salvaguardas para biblio- tecários e professores; - desenvolvimento sustentável: a menor produção e o menor consumo de materiais e energia, elementos típicos de uma sociedade baseada no conhecimento, trazem benefícios que devem ser disseminados para conscientizar e educar a sociedade em relação à sua participação e ao usufruto dos benefícios; - produção e distribuição de informação: as atuais tecnologias de editoração e distribuição levantam problemas relativos à forma de prover acesso universal ao trabalhador de baixa renda e à forma de garantir a produção nacional nas mesmas mídias - visando a comunidade local e o mercado internacional - e a preservação da identidade cultural, face à homogeinização cultural promovida pela Internet; - organização da informação: reconhecendo-se que a área de controle bibliográfico foi pioneira no uso da informática, a produção nacional deve ser disponibilizada em bases de dados elaboradas sob critérios de qualidade e dentro de padrões e normas internacionais que assegurem sua plena utilização pelo usuário final, seu intercâmbio e sua análise gerencial; - acesso à informação: a ampliação dos ambientes distribuídos e a perspectiva de sistemas mais amigáveis favorecem cada vez mais as buscas personalizadas; o reconhecimento de que há tendências de repasssar os custos ao consumidor final leva a indagações do tipo: como sobreviverão as bibliotecas do setor público? como poder-se-á garantir acesso à informação Sem título-3 19/4/2006, 15:1510 11Nídia M. L. Lubisco – Lídia M. B. Brandão para todas as classes sociais? como adequar os preços à população de menor poder aquisitivo - estudantes, professores, funcionários públicos? quem educará a população para o uso das novas tecnologias, já que às bibliotecas públicas está prevista a função de clearinghouse (IBICT, 1998, p. 8-14). Levantadas por Anna Soledade Vieira em trabalho elaborado para o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT, 1998), essas questões são reveladoras do estágio de desenvolvimento em que o homem se encontra. Ao aproximar-se o terceiro milênio, surge uma natural indagação: que caminhos foram esses que o homem trilhou até aqui? O que se supõe, no mínimo, é uma trajetória de “sucesso biológico da espécie humana (pelo menos) até o presente”, ou seja, mais de cinco bilhões de habitantes hoje, contra dez milhões há dez mil anos (CARAÇA, 1993, p. 11 e 22). Mason, em sua História da ciência, evoca essa trajetória quando diz: “[...] A ciência, tal como a conhecemos hoje, foi um resultado relati- vamente tardio do desenvolvimento geral da civilização humana [...]. As raízes da ciência, no entanto, são profundas, remontando ao período que precedeu o aparecimento da civilização. Não importa quão remotamente recuemos no cenário histórico, sempre haveremos de deparar com algumas técnicas e concepções, conhecidas por artesãos ou sábios, que possuem caráter científico; contudo, antes dos tempos modernos, tal conhecimento era, em geral, subordinado a exigências quer da tradição filosófica, quer da artesanal. [...]” (MASON, 1962, v. 1, p. 1). Sem título-3 19/4/2006, 15:1511 12 Informação & Informática A evolução do homem - sabidamente sinuosa, porém ascendente - pode ser representada por três grandes estágios da comunicação: 1) a oralidade, quando a relação do homem com o meio era ingênua porque contextualizada, ou seja, ele vivia o instante, o grupo. Isso significa dizer que seu tempo era o momento presente; que seu saber era vivo, já que estava encarnado na pessoa; que seu conhecimento era preservado pela oralidade - só a escrita iria promover a descontextualização, ao isolar a pessoa que lê do momento emocional do enunciado. Como um dos recursos da linguagem, a fala ocorreu - e com idêntica importância - após o uso do fogo. Marcando a primeira experiência humana no domínio da energia, a descoberta do fogo caracterizou-se por trazer melhorias na defesa contra os animais e o frio e também na obtenção de armas e utensílios de culinária - além do caráter lúdico que inicialmente identificava a novidade. E isso há cerca de quinhentos mil anos, quando o homo erectus habitava o planeta. Àquele tempo, além de utilizar o fogo, fabricar utensílios e caçar coletivamente, os grupos pré-históricos haviam chegado a uma estrutura social complexa, incluindo diferentes rituais - provavelmente a primeira invenção coletiva do homem - embora seu principal foco de preocupação fosse de natureza material: comer, procriar, defender-se e abrigar-se. Isso permite compreender melhor o quanto a evolução daquelas comunidades estava condicionada ao sucesso das condições materiais e era, portanto, lenta, tendo em vista as adversidades de toda ordem a que estavam sujeitas. O Sem título-3 19/4/2006, 15:1512 15Nídia M. L. Lubisco – Lídia M. B. Brandão transmissão oral, que atuava fortemente no sentido de ampliar o campo cognitivo, já que os saberes eram governados pelos ritos e pelos mitos. Naquela época, dez milhões de antepas- sados espalhavam-se pelo planeta, fixando-se segundo as vantagens alimentares que encontravam. Tinham consciência do ciclo da vida e das estações - tanto que a caça e a fertilidade eram o tema mítico predileto dessas comunidades - e conheciam o solo, a flora e a fauna. No entanto, a vida condi- cionada à caça e à coleta permitia apenas a reunião de pequenos grupos - entre 25 e 30 membros. Surge então o prenúncio de uma revolução. A intro- dução da agricultura - segundo grande momento - vai afetar tanto a vida material quanto a imaterial: uso de energia solar, possibilidade de concentração de até mil e quinhentas pessoas, crescimento demográfico, surgimento de aglomerações do tipo aldeias - precursoras das cidades - e introdução da troca - precursora do comércio - foram as mudanças mais significativas dessa fase. É nesse momento que emergem o conceito de espaço finito e a noção de tempo. Diferente do ambiente cultural da caça e da coleta - caracterizado pela prevalência do coletivo - percebe-se que o ambiente da agricultura impõe ao grupo uma hierarquia, o que significa dizer que começam a constituir-se relações de poder entre os indivíduos. A complexidade do modus vivendi da agricultura promove o desenvolvimento de um novo componente imaterial, a escrita, outro fator de comunicação. 2) a escrita representando a fala e apenas esta evocando - ao contrário do cinema e do teatro, que evocam ações e coisas - Sem título-3 19/4/2006, 15:1515 16 Informação & Informática ela está baseada em signos arbitrários, isto é, em signos que não mantêm relação direta com seu significado - a repre- sentação de fonemas e sílabas traz uma certa restrição à expressão, pois dá poucas indicações prosódicas: por exemplo, não representa o tom da fala. A relação do homem com o mundo passa, com a escrita, a ser menos ingênua e mais crítica, uma vez que a escrita descontextualiza o enunciado da situação emocional que envolveu sua emissão. Os saberes não estão mais encarnados na pessoa, mas no texto, e o tempo pode ser passado ou futuro. A partir daqui se começa a escrever a história humana, surgem as teorias, o homem acumula e preserva o conhecimento através de registros escritos e não mais apenas oralmente. Sobre essa transição Marília Levacov emite o seguinte comentário: “[...] Cada nova tecnologia de informação enfrentou resistência por parte daqueles adeptos da mídia ameaçada. Na sociedade grega, uma sociedade basicamente oral até o século VI a.C., a introdução da escrita provocou uma forte reação entre os intelectuais da época. Sócrates, por exemplo, achava que assim como uma pintura - diferentemente do ser humano - não podia responder perguntas nem argumentar de volta, a palavra escrita não possuía vida. Já a palavra falada tinha uma alma da qual a palavra escrita não era mais que uma pálida imagem. A respeito disso Platão diz o seguinte em Phaedrus, quando Hermes (o deus inventor da escrita) apresenta ao faraó Thamus a tecnologia que permitiria às pessoas lembrar o que seria esquecido ‘[...] esta descoberta [...], a escrita, irá criar esquecimento na alma dos que aprendem, porque eles Sem título-3 19/4/2006, 15:1516 17Nídia M. L. Lubisco – Lídia M. B. Brandão não irão mais usar suas memórias internas; em vez disso, confiarão nos caracteres escritos e não se lembrarão eles mesmos’.[...]” (LEVACOV, 1997, p. 2). A escrita mais antiga de que se tem conhecimento é a dos sumérios (cerca de 3.100 a.C.), também o povo mais antigo de que se tem notícia, que viveu no território hoje correspon- dente ao norte do Iraque. Tudo indica que eles estimularam o surgimento de outros sistemas de escrita, não por derivação direta, mas por influência cultural. Isso nos leva a concordar com Wilson Martins quando ele afirma que não houve uma evolução da escrita e sim uma evolução dentro de cada sistema (MARTINS, 1957, p. 28). Sabe-se, além disso, que a escrita não foi inventada de uma só vez, tendo sofrido aperfei- çoamentos durante séculos. Do ponto de vista do componente imaterial, a escrita decorre, como foi dito anteriormente, da complexidade do modus vivendi do homem na agricultura, quando ele passou a se ocupar com a gestão da produção agrícola e pecuária, com o desenvolvimento do comércio e o controle do território. A transmissão do conhecimento passou a depender de quem soubesse registrá-lo e interpretá-lo (escrever e ler), embora a aprendizagem para o trabalho, mediante o fazer e o falar, ainda ocorresse no seio familiar. Como se pode concluir, foi a escrita que assegurou à humani- dade as condições estruturais para a ampliação de seu campo cognitivo. Ainda a respeito da transição entre a oralidade e a escrita, convém citar Pierre Lévy, na obra Educação e cybercultura: Sem título-3 19/4/2006, 15:1517 20 Informação & Informática elementos constitutivos da realidade - no ciberespaço “o espaço é aniquilado pelo real”, o que nos leva a compreendê-lo como uma transição entre a era industrial e a pós-industrial (repetindo: como a mudança do átomo para o bit), onde a “tela é a fronteira entre o individual e o coletivo” (LEMOS, 1998, p. 7). O ciberespaço é um espaço imaginário que, no entanto, está conectado à realidade e torna-se capaz de ampliá- la, na medida em que “supre nosso espaço físico, em três dimensões, de uma camada eletrônica. No lugar de um espaço fechado, [...] o ciberespaço colabora para a criação de uma realidade aumentada. Ele faz da realidade um cyberespaço” (KELLOG apud LEMOS, 1998, p. 2). O fato do ciberespaço não possuir fronteiras, ser ‘transnacional’, enseja as mais diversas formas de interação entre as pessoas. Partindo dessas concepções, pode-se dizer que o ciberespaço constitui um hipertexto. Embora não se trate de uma idéia nova, o hiper- texto foi potencializado e otimizado pelos recursos oferecidos pela telemática, fatores com que Otlet e Bush não contaram, respectivamente, no início e nos meados do século XX, como se verá logo adiante. Quanto às questões que têm surgido em torno das novas tecnologias de informação e comunicação, percebe-se que o tema tem suscitado diferentes enfoques, em relação aos quais pode-se desenvolver algumas reflexões. Conside- rando a sinuosidade da trajetória humana, onde os fatores de comunicação e os espaços ocupados pelo homem não constituem elementos estanques nem excludentes, ao contrário, são ‘camadas’ interativas e complementares, não será difícil compreender porque essas ‘camadas’ e os impactos Sem título-3 19/4/2006, 15:1520 21Nídia M. L. Lubisco – Lídia M. B. Brandão por elas causados no modo humano de fazer e de pensar têm suscitado tantas teses, correntes e movimentos. Segundo Cauduro, por exemplo, a corrente otimista do pensamento contemporâneo, representada por Lévy e Latour, entre outros, considera que essas tecnologias de comunicação e informação são auxiliares cognitivos do homem e fazem parte de sua subjetividade, uma vez que são criações que derivam de suas atividades diárias e realimentam sua natureza mutante (CAUDURO, 1997). Sobre essa natureza, Cauduro acrescenta ainda que “somos contraditórios, [somos] das rupturas, dos impulsos irracionais” e que a racionalidade, como a constância, é uma exceção do pensamento, pois o sujeito da pós- modernidade é lacaniano e não cartesiano (CAUDURO, 1997). Tais concepções nos permitem compreender, em oposição à corrente dos apocalípticos - representada por Baudrillard e Virilo - que essas tecnologias, chamadas por Lévy de “tecnologias intelectuais”, não são uma força externa ao homem, autônoma, como que vinda de outra galáxia para destruí-lo ou desumanizar sua natureza. Ao contrário, as “tecnologias intelectuais” fazem parte do próprio homem. Assim, se concordarmos com Lévy e pensarmos - com o olhar voltado para a trajetória humana traçada até aqui - que “a tecnologia, ao ser influenciada por determinadas exigências sociais, contextualizadas em uma época e em uma cultura, também interfere, como materialidade mediadora das relações entre os homens, no condicionamento de certas práticas sociais em detrimento de outras” (PINHO, 1997, p. 21), veremos que a pretensa dicotomia entre natureza e cultura não existe. É, por assim dizer, uma relação dialética: a Sem título-3 19/4/2006, 15:1521 22 Informação & Informática cultura dando origem a um determinado tipo de tecnologia e esta condicionando-a. Em oposição ao determinismo científico, cuja racionalidade buscava uma verdade absoluta (e futura), a cultura contem-porânea, acrescente-se, tenta resgatar o homem enquanto elemento, enquanto parte integrante da natureza - e não apenas como seu ‘dono’, concepção que orienta um apartar-se dela e que é consolidada pela metafísica, mas rejeitada pela pós-modernidade. Interessante notar que no momento em que o homem está seguro de dominar determinada situação, um novo conhecimento coloca por terra sua certeza. E assim tem sido: com a oralidade e a escrita, com a narrativa teológica do medievo e a narrativa científica da Idade Moderna, e assim sucessivamente. Buscando talvez uma forma de não ser surpreendido pelo novo, o homem adota hoje um pensa- mento holístico, global, caracterizado como pós-moderno, que reforça e é reforçado pela visão dos otimistas de não aceitar o determinismo tecnicista, por analogia à sua posição contrária ao determinismo científico. Homem e máquina, individual e social, natureza e cultura, para os otimistas, são faces da mesma moeda. Ainda para exemplificar, até o advento dos recursos eletrônicos, as tecnologias intelectuais - representadas pelo objetos utilitários e pelos artefatos de uso corriqueiro e especializado de todos os tempos - eram consideradas, e ainda o são, prolongamentos do corpo. A mídia do ciberespaço, no entanto, se constitui, segundo Lévy, como uma expansão das funções cognitivas do homem: imaginação (simulações), percepção (realidades virtuais), raciocínio (inteligência artificial) e memória (hipertexto); e esse novo espaço Sem título-3 19/4/2006, 15:1522 25Nídia M. L. Lubisco – Lídia M. B. Brandão duplo o labor da vida, o esforço de sua manutenção e a dor de gerá-la, mais fácil e menos doloroso do que jamais foi antes” (ARENDT, 1991). Como enfatiza Benjamin Franklin, o homo faber, caracterizado como ‘fazedor de utensílios’, inventa-os com fins objetivos e não por necessidades ou carências subjetivas. Esses utensílios são tão significativos para as civilizações que servirão até para classificá-las - período paleolítico e neolítico, por exemplo. Ao longo da história, o advento de uma nova ferramenta tem sempre exigido que o homem determine o status dessa ferramenta - se meio ou fim - embora para o homo faber “todo instrumento seja um meio de atingir um determi- nado fim prescrito”, o que corresponderia, segundo Arendt, “a tornar mais fácil a vida do homem e menos doloroso o labor humano” (ARENDT, 1991). Isso significa que os instru- mentos, ao mesmo tempo que determinam o processo de trabalho, são projetados em função do produto. A partir da Revolução Industrial, “sem dúvida as máquinas tornaram-se condição tão inalienável de nossa existência como os utensílios e ferramentas jamais o foram em todas as eras anteriores” (ARENDT, 1991). Esta última afirmativa de Arendt pode, atualmente, ser transposta para o impacto resultante da revolução promovida pela microeletrônica e pela telemática (abordadas anteriormente e retomadas aqui), que tem como um dos mais férteis produtos o hipertexto - embora não tão inovador como o CD-ROM (DRÜCKER, 2000). Ele pode ser entendido como um sistema de multimídia interativa que permite que textos, partes de textos, sons, imagens, softwares e objetos digitais em Sem título-3 19/4/2006, 15:1525 26 Informação & Informática geral sejam armazenados por um estrutura de rede e acessados de forma não-linear, associativa. Assim, “um hipertexto é um texto aberto a múltiplas conexões com outros hipertextos” (LEMOS, 1998, p. 3). No entanto, a idéia básica de hipertexto não é nova, como se disse anteriormente. Ela tem suas origens no ideal do homem de reunir o conhecimento como patrimô- nio coletivo da humanidade. Historicamente, é possível situar momentos representativos desse ideal: - 332 a.C.: Ptolomeu I fundou a Biblioteca de Alexandria no Egito, a mais famosa da Antiguidade, chegando a reunir setecentos mil manuscritos em rolos de papiros (destruídos em 640 d.C.), representando o conhecimento registrado até então; - 384-322 a.C.: Aristóteles foi considerado pelos estudiosos de sua obra como um enciclopedista, em função de ter estudado e disseminado se não todas, quase todas as áreas do saber de então; - Século XVII: Leibniz defendeu a criação de uma organização bibliográfica com fins de disponibilizar aos estudiosos tudo que estivesse registrado sobre cada assunto; - Século XVIII: os enciclopedistas tiveram como ideal reunir em uma obra os vários saberes existentes, o que redundou na Encyclopédie ou Dictionnaire Raisonné des Sciences, des Arts et des Métiers, cuja elaboração foi incentivada pelo livreiro Le Breton, em 1746, que confiou a Diderot a tradução da obra inglesa Cyclopaedia or Dictionary of Arts and Sciences; - 1892 a 1930: o documentalista belga Paul Otlet concebeu um repertório mundial do conhecimento, a ser elaborado pelo Institut International de Bibliographie. Esse repertório seria formado por fichas catalográficas de documentos, cujos Sem título-3 19/4/2006, 15:1526 27Nídia M. L. Lubisco – Lídia M. B. Brandão exemplares ou microcópias seriam depositados no Mundaneum (em 1914, o Répertoire Bibliographique Universel contava com onze milhões de fichas); concebeu também um cérebro mecânico e coletivo para realizar diversas operações - classificação e recuperação de documentos, manipulação de dados para obter novas relações - mas ainda não havia tecnologia que permitisse a concretização de sua concepção; - 1945: Vannevar Bush desenvolve o Memex, com estrutura de hipertexto, mas para uso individual: “um dispositivo no qual o indivíduo armazena seus livros, registros e comunicações, o qual é mecanizado, podendo ser consultado com extrema velocidade e flexibilidade. É um suplemento ampliado e próximo de sua memória” (BUSH apud PEREIRA, 199?, p. 103); - 1958: Theodor Nelson emprega pela primeira vez o termo ‘hipertexto’ e desenvolve o Projeto Xanadu, o qual não foi implementado devido às limitações da informática; consistia num sistema de armazenamento automático para manter pequenos pedaços de documentos que podiam ser montados de vários modos; - 1969: projeto acadêmico financiando pela ARPA/US (Advanced Research Projects Agency), visando desenvolver métodos de trocar informações entre computadores remotos e que deu origem à ARPANet; - 1972: funciona a ARPANet, rede que permitiu a quarenta terminais acessar outros computadores situados em dife- rentes locais; - 1990: funciona a Internet. Não por acaso apelidada a grande teia, em 1999 ela atinge a cifra de mais de 150 milhões de usuários em todo o mundo. Sem título-3 19/4/2006, 15:1527 30 Informação & Informática de Educação e ex-Reitor da Universidade Federal da Bahia. Enfocando o conhecimento de uma perspectiva histórica, começando na Idade Moderna e chegando ao “papel da leitura da imagem como base para o desenvolvimento das ciências no século XX”, o texto de Felippe analisa a educação e a relação entre economia e cultura. O autor destaca o conhe- cimento como formador de novos paradigmas, introduzindo o termo tecien, numa alusão à imanência das ciências com a tecnologia. Jaime Robredo, o autor do quarto artigo, é doutor em Ciência da Investigação Científica. Possui ainda dois pós- doutorados, sendo professor aposentado do Programa de Pós- graduação em Ciência da Informação da Universidade de Brasília. Como o próprio título de seu trabalho sugere, Robredo estabelece relações entre a infometria e a Ciência da Informação, relatando a gênese desses conceitos, estabelecendo questões teóricas relacionadas aos dois campos e mostrando algumas aplicações práticas das técnicas infométricas. Kátia de Carvalho, especialista em Sistemas de Informação pela Unesco, doutora em Comunicação e Cultura e professora titular do Instituto de Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia, destaca o papel do periódico científico na disseminação da informação e do conhecimento na sociedade global . Luiz Fernando Sayão, cujo artigo representa o sexto capítulo do livro, é físico, doutor em Ciência da Informação, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro do Centro de Informações Nucleares da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN. Em linguagem informativa e atual Sayão aborda as diferentes faces do fenômeno informação e a complexidade do ambiente Sem título-3 19/4/2006, 15:1530 31Nídia M. L. Lubisco – Lídia M. B. Brandão informacional, considerando o grau de sofisticação da informação demandada pelo atual mercado e o aparato tecnológico que a contém. O autor destaca a necessidade da qualidade como “um dos temas mais críticos e o que prova- velmente mais afeta a imagem dos serviços de informação, incluindo aí a própria Internet” e prossegue sua explanação, onde analisa, com citações, reflexões e parâmetros, aspectos referentes ao “produto base de dados e suas qualidades”. Já a questão da informação enquanto recurso estratégico, do ponto de vista de sua gestão e tratamento em ambiente tecnológico, é levantada por Othon Jambeiro, Phd em Comunicação pela Universidade de Westminster (Londres), diretor do Instituto de Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia no período de 1997 a 1998, professor titular desse mesmo Instituto e atualmente Vice-Reitor da Universidade, cujo texto ocupa a sétima posição na coletânea. Neste trabalho Othon analisa o binômio informação-comunicação à luz da convergência tecnológica, com destaque para a formação do profissional que aí atua, o informata. Segue-se o artigo de Paulo Cattelan, bibliotecário, consultor da empresa gaúcha Control Consultoria em Informação e Comunicação, e que traz, numa linguagem didática, um texto de grande atualidade sobre o gerenciamento eletrônico de documentos. Introduzindo um panorama relativo às mudanças experimentadas pela humanidade na geração e na difusão da informação, Cattelan aborda as demandas e as tecnologias de transferência da informação - da base papel para base digital - cuidando de incluir as implicações de ordem legal que afetam esta nova forma de trabalhar. Encerra a publicação o trabalho de Sem título-3 19/4/2006, 15:1531 32 Informação & Informática Teresinha Fróes, doutora em Educação/Currículo/Educação Científica e Epistemológica, coordenadora da Rede Interativa de Pesquisa sobre (In)formação, Currículo e Trabalho, professora dos Programas de Pós-graduação da Faculdade de Educação e do Instituto de Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia e atual diretora desse mesmo Instituto. Seu artigo focaliza a sociedade da informação não apenas como provedora de informações a demandantes mas também como responsável pela transformação desses insumos em conhecimento, visando a formação da cidadania; nesse sentido, amplia o conceito de sociedade da informação para sociedade da aprendizagem, adotando a perspectiva de um processo contínuo, instaurado mediante o uso de múltiplos espaços para o fluxo da informação. Bibliografia Consultada ARENDT, Hannah. A condição humana. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p.90-172 AVENA, Armando. Globalização e suas repercussões. Construir, Salvador, v. 1, n. 1, p. 5-8, mar. 1997. BIRNIE, Arthur. História econômica da Europa. Rio de Janeiro : Zahar, 1964. 348p. CARAÇA, João. Do saber ao fazer : porque organizar a ciência. Lisboa : Gradiva, 1993. 204p. (Trajectos portugueses). CAUDURO, Flávio Vinicius. Relato crítico sobre o texto “Redes digitais : repensando as novas tecnologias para além da divisão natureza/cultura”, de Júlio Afonso Sá Sem título-3 19/4/2006, 15:1532 35Nídia M. L. Lubisco – Lídia M. B. Brandão NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO, 6., 1997. [Anais . . .]. São Leopoldo : Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação - COMPÓS, 1997. VILAN FILHO, Jayme Leiro. Hipertexto : visão geral de uma nova tecnologia de informação. Ciência da Informação, Brasília, v. 23, n. 3, p. 295-308, set./dez. 1994. Sem título-3 19/4/2006, 15:1535 —] | Sem tituo-3 19/4/2006, 15:15. 37 Derrubando-se as Barreiras ao Fluxo Transfronteira do Conhecimento Afrânio Carvalho Aguiar Professor Titular da UFMG “Eu adoro todas as coisas, tenho pela vida um interesse ávido… Amo tudo, empresto humanidade a tudo, aos homens e às pedras, às almas e às máquinas… Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio…” (PESSOA, 1995). 1 Introdução O homem chega ao final do século tão impactado pelas transformações que vêm ocorrendo em seus ambientes social, cultural, laboral, econômico e político que qualquer reflexão que resolva fazer sobre o que se passa à sua volta certamente será dominada pela perplexidade. Dessa perplexidade não conseguiria fugir nem mesmo Fernando Pessoa – ainda mais ele, tão angustiado!… – se aqui ainda estivesse setenta anos depois. Sem dúvida o poeta encontraria dificuldade em emprestar “humanidade aos homens, às pedras e às máqui- nas”. Isso porque essas transformações são, em grande parte, ................................................................................................................................... Sem título-3 19/4/2006, 15:1537 40 Informação & Informática A obra científica é, por definição, cautelosa e comedida. Seus avanços, principalmente no passado, se davam a passos curtos e, mesmo assim, perigosos. Isso o confirma a história de Galileu Galilei que, para fugir do caminho das fogueiras da Inquisição, se viu obrigado a negar sua teoria heliocêntrica, ainda que resmungando – diz a lenda – “eppur si muove” e reafirmando seu ponto de vista de que a Terra se movia e não era o centro do universo. Por curioso e pitoresco, é válido lembrar algo sobre a extensa produção da literatura de ficção científica que, parece, teria se iniciado na Renascença. Avançando um pouco na história, recordemos algumas obras que constituíram nossas leituras juvenis ou, menos longinquamente, alimentaram nossa formação intelectual, aqui destacadas em especial pela característica de especularem sobre como seria o mundo futuro. Não é de se estranhar que soltar a imaginação e a criatividade seja mais fácil do que perseguir o rigor da metodologia científica… Em As Viagens de Gulliver (1726), Jonathan Swift falava de estranhas criaturas cósmicas. Voltaire, em Micromégas (1752), já imaginava uma viagem à lua! Mas o primeiro livro que realmente pode receber a classificação de ficção científica talvez seja Frankenstein (1817), de Mary Schelley, uma novela sobre a capacidade da ciência de produzir novas espécies de vida… Nas décadas seguintes, Balzac (1799-1850), na França, e Edgar Allan Poe (1809-1849), nos Estados Unidos, foram autores que criticaram suas épocas e especularam sobre o futuro da sociedade (COMPTONS…, 1994). No século XIX, Jules Verne (1828-1905), abrindo caminho para Herbert George Wells, centrou foco nas Sem título-3 19/4/2006, 15:1540 41Afrânio Carvalho Aguiar maravilhas tecnológicas em Viagem ao Centro da Terra (1864), Da Terra à Lua (1865) e Vinte Mil Léguas Submarinas (1870). O inglês Wells (1866-1946), com uma obra vastíssima, publicou A Máquina do Tempo (1895), O Homem Invisível (1897), A Guerra dos Mundos (1898), O Primeiro Homem na Lua (1901) e A Forma das Coisas que Virão (1933). Os títulos sugerem os conteúdos… (COMPTONS…, 1994). No início do século XX, a literatura de ficção científica da Europa era marcadamente pessimista, o que não é surpreendente quando se lembra que o continente prati- camente inaugurou o século com a Primeira Guerra Mundial. Os autores da Europa oriental foram mestres nessa arte (Zamyatin e Capek, por exemplo). No Ocidente, Aldous Huxley (1894-1963) publicou, em 1932, O Admirável Mundo Novo, uma novela anti-utopia que se constituiu numa das melhores fantasias sobre o futuro já imaginadas e que lançou uma sombria e crítica luz sobre o presente. Sua voz profética é considerada até hoje surpreendentemente literária. Naquele livro ele construiu uma sociedade em que os indivíduos não tinham individualidade e eram todos condicionados por mensagens subliminares e estímulos artificiais para responderem da mesma forma (HUXLEY, 1989). Era a gênese do conceito de “aldeia global”, muito conexo com o objeto central desta nossa reflexão. Naquela mesma época surgiam também, na América, as primeiras revistas de ficção científica – Amazing Stories, Astounding Stories, The Magazine of Fantasy and Science Fiction, Galaxy Science Fiction (COMPTONS…, 1994). O fim da Segunda Guerra Mundial inaugurou a era atômica e a idade espacial veio logo depois. Grandes temas para Sem título-3 19/4/2006, 15:1541 42 Informação & Informática estimular a criatividade na literatura, nas artes e no cinema (2001, uma Odisséia no Espaço, por exemplo)! Contemporaneamente, Isaac Azimov (1920-1992) e Alvin Toffler são bons exemplos de pensadores que tentaram analisar o passado, entender o presente e lançar luzes sobre o futuro. Toffler, em especial, inicialmente com Choque do Futuro e mais tarde com A Terceira Onda (1980), explora “assuntos tão diversos quanto a economia oscilante, a personalidade do futuro, a família ‘pós-nuclear’, a ‘cabana eletrônica’, o desastre do estado-nação” e as mudanças políticas na transposição do século (FINLEY). 3 Os Dias de Hoje. Derrubamos as Barreiras ao Fluxo da Informação? Às vésperas do terceiro milênio, a ciência explicou muito do passado e dos fatos atuais, a tecnologia incorporou extensivamente os conhecimentos científicos, o esoterismo e o misticismo fazem a glória de Paulo Coelho, um dos mais lidos escritores brasileiros de todos os tempos, e a religião, de qualquer credo, multiplica-se em um sem número de seitas e ritos. O “mundo novo”, admirável, sim, por muitos aspectos, e a “aldeia global” dos “indivíduos sem individualidade” já constituem a inexorável realidade. Considerando a enorme rapidez com que se dão as mudanças tecnológicas, surpreendemo-nos com o capítulo 14 – O Meio Inteligente – de A Terceira Onda de Toffler, especialmente quando levamos em conta que ele foi escrito em 1980. Eis dele um trecho: ................................................................................................................................... Sem título-3 19/4/2006, 15:1542 45Afrânio Carvalho Aguiar rede acadêmica TEN-34 já está se adequando para a sua conexão (COEN); • a televisão do futuro, o ImmersaDesk ou Idesk, que já está sendo produzido pela empresa americana Pyramid System e que combina televisão gigante com computador de grande performance, trabalhando com imagens em 3D; • as bibliotecas digitais multimídia, que incluirão texto, vídeo e audio com grande fidelidade de imagem, permitindo sua visualização em 3D com alta definição, baseada nos recursos da Internet II; DVD – Digital Video Disk; • os livros digitais, que são dispositivos eletrônicos com “cara de livro, cheiro de livro” e que, conectados a um modem, se transformam em verdadeiras bibliotecas. Já estão à venda o Softbook e o RocketBook, produzidos por três firmas norte-americanas, uma delas com participação societária da famosa livraria Barnes & Noble; • as centrais de processamento de alto desempenho. 4 Conseqüências de se Integrar ao “Ciberespaço” Em artigo publicado no número de agosto de 1997 do Le Monde Diplomatique, o editorialista Joel de Rosnay afirmou que o fenômeno maior do final de século é a nova relação espaço- tempo em que passamos a estar inseridos, dentro do que ele chamou de “cybermonde”. O encurtamento das distâncias e a redução do tempo relativo trouxe profundas modificações às regras políticas, econômicas e industriais (ROSNAY, 1997). Não ................................................................................................................................... Sem título-3 19/4/2006, 15:1545 46 Informação & Informática apenas! Philippe Quéau também se preocupa com a “cyber- culture” e com a “info-éthique” (QUÉAU, 1998a). O que é inegável – parece importante frisar – é que tão profundas transformações trazidas pela “nova ordem tecnológica”, especialmente as relacionadas com as tecnologias de informação, alteram, de forma imbricada, as relações prevalentes de natureza política, econômica, cultural, social e até mesmo moral. O universo da pesquisa científica e tecnológica, em si mesmo tão complexo, também não deixaria de ser impactado por essas alterações tão avassaladoras. Comecemos nossa análise examinando esse ângulo em primeiro lugar. 4.1 Impacto Sobre o Mundo da Pesquisa Científica e Tecnológica Realizar uma pesquisa científica significa gerar conhecimento novo, que venha a ser incorporado ao estoque universal do saber humano sobre um determinado fato, fenômeno ou realidade. Allen, em sua importante obra Managing the Flow of Technology, nos lembra que a pesquisa tecnológica tem por objetivo “produzir uma mudança no hardware físico do mundo” (ALLEN, 1979). Obviamente, não é possível incorporar conhecimento novo, de natureza científica ou tecnológica, ao estoque universal se não se sabe, num dado momento, em que nível se encontra o saber humano sobre o fato em relação ao qual se pretende haver produzido conhecimento incremental ou radical. É por isso Sem título-3 19/4/2006, 15:1546 47Afrânio Carvalho Aguiar que é essencial, em qualquer atividade de pesquisa científica ou tecnológica, começar com uma pesquisa bibliográfica que permita definir o “estado-da-arte” do conhecimento a respeito do objeto pesquisado. Claro, pois, que quanto mais rápida e amplamente o pesquisador puder perscrutar o universo do conhecimento para conhecer suas limitações em dado instante, mais eficientemente estará investindo seu esforço na atividade de pesquisa. Já é inteiramente factível, com um notebook provido de modem, configurado para acesso a um provedor da rede Internet, além de um corriqueiro telefone celular, ter acesso a apontadores como o Yahoo ou o Alta Vista, ou mesmo bibliotecas virtuais, e obter assim praticamente toda a informação de que se necessita. Com a telefonia celular por satélite em breve vamos estar carregando de cá para lá, sem qualquer barreira geográfica, não uma, mas todas as bibliotecas disponíveis, em uma parafernália de uns dois quilos de peso! O resultado da pesquisa científica precisa ser rapida- mente comunicado, pois a autoria intelectual do trabalho é assegurada a quem primeiro publica ou dá divulgação formal aos resultados obtidos. A pesquisa tecnológica, ainda que seus resultados sejam menos claramente conexos com a informação “verbalmente codificada”, se relaciona à questão dos direitos da propriedade industrial, através de patentes, licenças, contratos, etc. E, é claro, está sempre preocupada com a questão do mercado, quer para criá-lo, quer para preservá- lo ou ampliá-lo. A própria forma de execução das atividades de pesquisa se modifica na medida em que pode contar com instrumentos Sem título-3 19/4/2006, 15:1547 50 Informação & Informática apenas uma comunidade on-line, mas sim a formação de um verdadeiro continente virtual. Este sétimo continente não tem limite de tempo nem de espaço. É um lugar onde os negócios podem ser feitos 24 horas por dia, sete dias por semana.” Segundo Rosnay, a economia, no “ciberespaço”, faz emergir três parâmetros de competitividade internacional: a velocidade, a inteligência e a adaptabilidade. Assim como em outros setores da vida real – o mundo biológico, por exemplo – quem chega primeiro ao “ciberespaço” leva vantagem. É o que os economistas chamam de “efeito lock-in”. Daí o motivo porque não apenas indivíduos, mas também empresas e países, têm pressa em se tornarem competentes e competitivos (ROSNAY, 1997). O parâmetro inteligência como fator de competitividade significa, fundamentalmente, ser capaz (outra vez: o indivíduo, a empresa ou a nação) de agregar valor à produção; isso, claro, não é novidade, pois já sabíamos que exportar aço, por exemplo, é muito melhor negócio do que vender minério de ferro. Mas o “ciberespaço” impõe e valoriza também a agregação de valores imateriais à economia, como constatamos cada vez mais no setor terciário: finanças, comércio eletrônico, auto- mação bancária e comercial, entretenimento, gestão de empreendimentos industriais, comerciais e agrícolas, etc. A adaptabilidade, como fator de competitividade, diz respeito à nova exigência de que empregados e gerentes sejam capazes de compreender e aceitar essa realidade revolucionária: Sem título-3 19/4/2006, 15:1550 51Afrânio Carvalho Aguiar a desincronização, a deslocalização e a desmaterialização do trabalho, exigindo não mais o camponês, o operário ou o empregado de escritório, mas sim o que a literatura já chama de “travailleurs du savoir”. O mercado, na concepção de Rosnay, deixa de ser “locacional” e passa a ser “espacial” (ROSNAY, 1997). A crise asiática de 1997, afetando imediatamente as bolsas de valores do mundo inteiro, constitui um exemplo irretocável desse “mercado espacial” como conseqüência da fluidez na transferência de capitais. Seria ingênuo, certamente, imaginar que tão rápidas e profundas transformações pudessem ocorrer sem conse- qüências geopolíticas, sem conflitos bi e multilaterais, sem protecionismo comercial, sem taxação local, sem questio- namento de direitos de aduana e de propriedade industrial. Lembremos aqui a recente proposta de não-taxação do comércio eletrônico através da Web elaborada pelo Presidente Bill Clinton. Paralelamente, ao associar à plataforma Windows o browser Explorer, Bill Gates criou um problema que até hoje, por envolver algumas questões de dumping e de monopólio, não chegou a ser resolvido nos tribunais norte-americanos. A Intel está sendo igualmente processada por práticas comerciais desleais. O que pensar das conseqüências econômicas do projeto da Microsoft de lançar, até o ano 2001, 288 satélites de comunicação? Caminha-se para o monopólio mundial das telecomunicações? O direito comercial e o direito internacional, no “ciberespaço”, estão ainda para ser cons- truídos. Na sociedade da informação mudam-se as formas da geração de emprego e postos de trabalho (RIFKIN, 1995). A Sem título-3 19/4/2006, 15:1551 52 Informação & Informática análise das empresas mais exitosas parece comprovar que aquelas que souberam utilizar as tecnologias de informação, agregando valor imaterial à sua produção, acabaram por conseguir, em conseqüência, também uma agregação de valor material, conferindo-lhes, ao cabo, níveis mais altos de competitividade. Como exemplo, restringindo-nos à nossa própria área de trabalho, citemos a Amazon Books, uma livraria on-line que vem conquistando o mercado mundial. É ainda Rosnay quem nos lembra que a questão que permanece é a de como conciliar os imperativos da nova economia com a preservação das raízes geográficas e culturais e com os valores da individualidade (ROSNAY, 1997). Igualdade de oportunidades, respeito aos valores humanistas da dignidade do trabalho, da proteção social do emprego, do sentimento de “nação” são necessidades fundamentais, que dão sentido à vida. Como preservar, numa economia “ciberliberal”, essas aspirações, bases da solidariedade e da redistribuição que fundamentam uma sociedade centrada nas pessoas? Sobre esses aspectos faremos alguns comentários a seguir. 4.3 As Conseqüências de Ordem Política Até há uma década atrás, quando ocorreram a queda do muro de Berlim e o desmantelamento da União Soviética, o mundo se polarizava basicamente em função das forças ideológicas representadas pelos posicionamentos Leste e Oeste. Em torno da questão ideológica gravitavam intensos Sem título-3 19/4/2006, 15:1552 55Afrânio Carvalho Aguiar 4.4 A Sociedade e a “Cibercultura” As implicações culturais do “ciberespaço” têm sido objeto de reflexões de educadores, filósofos e intelectuais pelo mundo afora. Foi objeto também de um firme posicionamento da Unesco, de cuja Divisão de Informação e Informática o Diretor Philippe Quéau representa bem o pensamento prevalente (QUÉAU, 1998a). As inquietações de Philippe Quéau sobre essas implicações culturais e éticas ficam bem claras em seu pensamento, a seguir transcrito: “A sociedade planetária da informação não encoraja, por seu próprio dinamismo, a criação de guetos, de lugares de exclusão radical? Não se trata somente de exclusão econômica, mas também de exclusão cultural. A complexidade e a abstração da sociedade da informação são, de fato, fatores de aceleração do descompasso entre os “info-élus” e os “info- exclus” (incluídos e excluídos do acesso à nformação). As “cidades mundiais” ligadas ao “ciberespaço” são atravessadas em seu próprio seio por zonas de iletrismo e analfabetismo, tanto no sentido literal quanto no sentido da “cibercultura”. A “cibercultura” permite conivências intelectuais e solidariedades sociais novas, das quais são cruelmente privados aqueles que delas têm maior necessidade. Os novos liames sociais globais correm o risco de favorecer reações exacerbadas, hiper-individualistas, tendendo a se Sem título-3 19/4/2006, 15:1555 56 Informação & Informática excluir – desta vez voluntariamente – da responsabilidade global.” (QUÉAU, 1998a). Durante o 65º. Congresso da Association Canadienne- Française pour l’Avancement des Sciences – ACFAS – com sede em Montreal, Andrée Fortin apresentou um trabalho intitulado L’espace social: méthafore ou ancrage du lien social?, o qual contém elementos importantes para esta nossa reflexão. A idéia principal do texto é a de que os elos sociais (família, comunidade, etnia) tinham como característica, na sociedade tradicional, sua conexão com o espaço físico. Na modernidade, as classes sociais mantiveram um proveito implícito, mas não menos real, do espaço físico. Na pós-modernidade, que poderíamos entender como coincidente com a instituição do “ciberespaço”, as diversas identidades particulares, assim como as redes que se construíram a partir delas, não remetem a priori ao território. Entretanto, a referência à pessoa, ao corpo e à intimidade as inscreve imediatamente num espaço físico bem-delimitado. Da mesma forma, o espaço político é indissociável do território, do Estado. Resultam, pois, tensões variadas entre a “ancoragem espacial” e a desterritorialização dos laços sociais (FORTIN, 1997). Num mundo econômica e informacionalmente globalizado, em competição acirrada, como fica a situação do operário brasileiro, com 4,5 anos de estudos em média – considerando o tipo de acesso à informação que suas condições culturais, sociais e econômicas lhe permitem ter – em comparação com as possibilidades do chileno, com quase 10 anos de estudos, ou do argentino, com 8 anos, em média? Sem título-3 19/4/2006, 15:1556 57Afrânio Carvalho Aguiar A pergunta é, pois: como alcançar os “info-riches”?. A questão, tão crítica, evidencia a centralidade do problema educacional. Haverá crescentes distâncias sociais no “ciberespaço” en- quanto o problema educacional não for equacionado em nosso país. A própria sociedade da informação, quiçá, poderá fornecer instrumentos para isso. Lembramos, com enorme expectativa, as possibilidades dos programas de educação à distância já largamente empregados em vários países (STEINER, 1995). Temos também várias experiências no Brasil, onde destacaríamos, no ensino de 1º. grau, o que vem sendo feito em Minas Gerais para treinamento de diretores de escolas e de secretários municipais de educação. A Unesco tem questionado, em suas posições oficiais, a necessidade de se tratar a acessibilidade, no que concerne ao provimento da informação, em bases mais igualitárias e, conforme já mencionado, procurando definir com clareza quais são os justos espaços do público e do privado. A premissa é a de que “quanto maior for a quantidade de informações públicas gratuitas e acessíveis, mais equilibrada será a relação de forças entre o público e o privado”. A política da Unesco é colocar a informação que “dorme” em bibliotecas, arquivos, museus e também em relatórios de pesquisa, textos jurídicos e regulamentações governamentais – uma massa muito considerável de informações – à disposição da sociedade de forma direta, sem intervenção dos interesses privados que – pasmem! – na França, através do Minitel, já exploram, ao exorbitante preço de setecentos francos a hora, o acesso ao Diário Oficial (QUÉAU, 1998a). Até nos Estados Unidos esse acesso é gratuito… Sem título-3 19/4/2006, 15:1557 60 Informação & Informática profissionais da informação é como lidar com os “info-exclus” – os excluídos da informação. Ousaríamos dizer que a distância entre os que têm e os que não têm acesso às tecno- logias de informação talvez seja maior hoje do que a que se registra entre alfabetizados e analfabetos. Seria razoável pensar que o carro-biblioteca possa ser substituído hoje, com reais vantagens, por informação em meios magnéticos (CD-ROM, por exemplo)? E a biblioteca pública e a biblioteca escolar, tão importantes no processo educacional, poderiam ser trocadas por acesso facilitado à Internet e a coleções de DVD ou de livros eletrônicos? Não pensamos nesses recursos como substitutivos mas como complementares. Como coadjuvantes no processo educacional, os profissionais da informação deveriam adotar estratégias que utilizassem as tecnologias de informação para amplificar e democratizar o acesso ao conhecimento. Um exemplo louvável, baseado nessa premissa, são os cursos tutoriais de treina- mento e formação à distância que alguns professores da Escola de Biblioteconomia da Universidade Federal de Minas Gerais utilizam para reduzir o tempo do ensino presencial e assim tornar viável o já iniciado curso noturno de biblioteconomia com o mesmo pessoal docente existente na Escola. Considerando o elenco de implicações econômicas, sociais, políticas e culturais que decorre da massiva infor- matização da sociedade e das redes de comunicação que permitem, a custos reduzidos, o fluxo transfronteira da infor- mação, parece inegável que, no “ciberespaço”, o espírito crítico do profissional da informação passa a ser uma qualidade essencial, pois é ele, ou a equipe de que faz parte, quem toma Sem título-3 19/4/2006, 15:1560 61Afrânio Carvalho Aguiar decisões sobre o desenho de sistemas, a aquisição de hardware, a seleção de softwares, a implantação de bancos de dados, o provimento de serviços de informação, etc. Ele há de ter a capacidade e o discernimento necessários, por um lado, para não se lançar em aventuras tecnológicas caras e extemporâneas e, por outro lado, para não se fechar à adoção dos recursos tecnológicos próprios à situação com que se defronta. E que tenha bom senso, em qualquer caso, independentemente de qual tenha sido a alternativa adotada, para ampliar, em prol da sociedade, os benefícios de cada solução e para minimizar seus efeitos adversos, infelizmente não de todo elimináveis. Com o mesmo espírito que nos orientou no começo, encerramos evocando novamente Fernando Pessoa: “… A ciência! Como é pobre e nada! Rico é o que a alma dá e tem.” (PESSOA, 1995). Referências Bibliográficas ALLEN, T. J. Managing the flow of technology. Cambridge: MIT, 1979. 319p. BRASIL. Conselho de Ciência e Tecnologia. Grupo de Trabalho sobre Sociedade da Informação. Documento base. Terceira versão. 1997 (http://www.cct.gov.br/gtsocinfo/). COADIC, Yves-François. La science de l’information. 2ème. ed. Paris: PUF, 1994. 127p. Sem título-3 19/4/2006, 15:1561 62 Informação & Informática COEN, Luciana. Internet 2 : novo padrão tecnológico. JT Web / Informática. (http://www.jt.com.br/notícias/). COMPTONS Interactive Encyclopedia. Comptons: NewMedia, 1994. FINLEY, Michael. Alvin Toffler and the third wave. FORTIN, Andrée. L’espace social: méthafore ou ancrage du lien social? In: CONGRÈS DE L’ASSOCIATION CANADIENNE-FRANÇAISE POUR L’AVANCE- MENT DES SCIENCES, 65ème., Montreal, 1997. HUXLEY, Aldous. Brave new world. New York: Harpener & Row, 1989. 270p. PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995. QUÉAU, Philippe. Cyber-culture et info-éthique. Bulletin Interactif du Centre International de Recherches et Études Transdisciplinaires, 12, fev. 1998a. 12p. QUÉAU, Philippe. Tous de savoirs du monde. Regards, jan. 1998b. 4p. QUÉ es la videoconferencia? Mexico: Universidade Autônoma de Mexico, 1998. 12p. RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos. São Paulo: Makron Books, 1995. 345p. ROSNAY, Joel de. La France et le cybermonde. Le Monde Diplomatique, p. 28, ago. 1997. STEINER, Virginia. What is distance education? In: DLRN Technology Resource Guide, 1995. 5p. Sem título-3 19/4/2006, 15:1562 65 A Profissionalização da Ciência da Informação no Marco da Globaliza- ção: Paradigmas e Propostas Antonio L. C. Miranda Professor Doutor da Universidade de Brasilia “Colocamos mais ênfase no f luxo da informação do que em seu uso efetivo.” (ROBERTA LAMB) 1 Políticas Públicas e Iniciativa Privada Os desafios da sociedade da informação para as profissões tradicionais vêm sendo discutidos e as visões ou cenários previstos vão do otimismo mais alienado ao pessimismo mais renitente. Nas discussões que vimos mantendo com mestrandos e doutorandos, nos últimos três anos, na disciplina Informação, Desenvolvimento e Sociedade do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade de Brasília, o debate se restabelece perio- dicamente, com posições contrastantes conforme a formação ou o engajamento profissional e político dos alunos. Os mais voltados para as novas tecnologias assumem opiniões mais positivas e os mais comprometidos com ideologias políticas .................................................................................................................................. Sem título-3 19/4/2006, 15:1565 66 Informação & Informática geralmente são os mais céticos. Uma aluna do referido curso chegou a sumariar as idéias da controvérsia no artigo intitulado O lado perverso da globalização na sociedade da informação (ATAÍDE, 1997). Vários países e blocos econômicos já definiram suas políticas em relação à formação da infra-estrutura para a sociedade da informação. No Japão, pioneiro no setor, tal definição ocorreu na década de 50 e em anos subseqüentes foi possível fazer o monitoramento do processo de reciclagem de pessoal conforme as políticas projetadas em seus diferentes estágios de desenvolvimento, como demonstram os estudos e propostas de Masuda (MASUDA, 1996). A Comunidade Econômica Européia também já definiu ações para a informatização da sociedade regional e os Estados Unidos vêm formulando seus projetos de implantação de infovias, em escala planetária, com o apoio da iniciativa privada e sob a liderança política do vice-presidente Al Gore (CRESPO, 1996). A situação do Brasil está equacionada nos termos da proposta apresentada pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, sob a responsabilidade de Ivan Moura Campos, Carlos José Pereira de Lucena e Silvio Lemos Meira (BRASIL. Conselho…). A discussão relativa à responsabilidade pelo enca- minhamento do processo – se por iniciativa do governo, através de políticas públicas, se a cargo da iniciativa privada e das leis do mercado, ou, alternativamente, pela terceira via de uma parceria responsável em que a indústria da informação financia e o Estado fiscaliza – está em pauta, pelo menos nas sociedades mais desenvolvidas. Sem título-3 19/4/2006, 15:1566 Antonio Miranda 67 2 Novos Paradigmas e os Profissionais da Área da Informação Os desafios estão (ou estarão) necessariamente corre- lacionados aos novos paradigmas colocados em pauta a partir das transformações em jogo, a saber: • novas tecnologias; • organização virtual; • acesso à informação; • qualidade e produtividade; • cooperação. Estes paradigmas vêm sendo exaustivamente discu- tidos na literatura profissional da área (MIRANDA, 1996; TARAPANOFF, 1997). Caberia apenas ressaltar que o impacto das novas tecnologias sobre o desenvolvimento de sistemas e serviços de informação vem obrigando a uma total reen- genharia dos processos de produção e distribuição da informação e mesmo a uma reformulação no manejo de estoques mais convencionais, como os dos arquivos e bibliotecas. Uma das características da organização virtual no setor é a complementaridade entre os estoques físicos localizados no espaço geográfico e os arquivos digitais projetados no espaço cibernético para facilitar o acesso remoto às infor- mações. Conjugando a recuperação instantânea de referências bibliográficas com a recuperação dos textos completos e articulando o acesso virtual a grandes acervos digitalizados .................................................................................................................................. Sem título-3 19/4/2006, 15:1567 70 Informação & Informática priorizávamos excessivamente a formação do estoque e seu processamento técnico e passando a valorizar a questão do acesso e da transferência da informação. No entanto, agora estaríamos colocando mais ênfase no f luxo da informação do que em seu uso efetivo, porque existe uma crença generalizada de que as estruturas organizacionais modernas se validam ou se legitimam pela capacidade de oferecer condições para o processo de tomada de decisões em ambiente competitivo, sem questionar se existem barreiras à trans- ferência do conhecimento. E as barreiras são enormes. Aqui volta a imperar o pensamento positivista, evolucionista, o qual, numa perspectiva otimista, “cria expectativas nada realistas, baseadas no pressuposto de que o uso de fontes de informação transforma o indivíduo” (LAMB, 1996). Acredita-se, ingenuamente, que as redes informatizadas colocarão à disposição de todas as pessoas os melhores professores do planeta e que os governos tornar-se-ão consequentemente mais abertos, transparentes e sujeitos ao controle da cidadania. No enfoque que estamos privilegiando – qual seja o do perfil do profissional da informação na sociedade do conhecimento – é possível reconhecer um papel fundamental para tais profissionais – sejam eles bibliotecários, educadores ou assessores especializados – no processo de mediação entre usuários e sistemas de informação. Em pesquisa realizada por Roberta Lamb, os executivos norte-americanos, não obstante terem à sua disposição, através de interfaces amigáveis, condições de acesso quase ilimitado às fontes de informação, preferem os serviços facilitadores, selecionados, com valor agregado, sob medida para as exigências do cliente (LAMB, Sem título-3 19/4/2006, 15:1570 Antonio Miranda 71 1996). Talvez porque estejam convencidos de que a busca de informações requer tempo, esforço e especialização do intermediário ou porque estejamos vivendo num universo caracterizado pela abundância de dados (information overload) e pela pouca objetividade em termos de informação seg- mentada. Os idealizadores das novas estruturas informacionais, no contexto da globalização e da sociedade do conhecimento, deverão reconhecer o fato de que a simples existência da informação em redes de computadores (ainda que devida- mente atreladas aos melhores estoques e aos mais habilidosos fornecedores) não é garantia de sua distribuição em termos social e politicamente corretos e equitativos, pois tal dis- tribuição não depende apenas de infra-estrutura física ou de “vontade política”. Ela depende sobretudo de uma gene- ralizada capacitação do público, ou melhor, depende tanto da qualificação dos profissionais mediadores quanto, principalmente, do nível de escolarização e aperfeiçoamento da população (real e potencialmente) usuária. Não pretendemos aprofundar a discussão do problema da “informação como ideologia” – tema que já abordamos em outro trabalho recente (MIRANDA, 1996). Queremos apenas afirmar que o grande desafio do futuro será enfrentar o fato de que os estoques de informação do porvir serão como arquipélagos, distribuídos em milhares de pontos presu- mivelmente acessíveis, mas requerendo para isso um esforço fantástico de intervenção profissional para sua organização e uso mais adequados. Essa intervenção estaria centrada no binômio estrutura e conteúdo, ou seja, por um lado, na Sem título-3 19/4/2006, 15:1571 72 Informação & Informática capacidade técnica de implementação das redes e sistemas e, por outro, no tratamento documental dos registros físicos e não-fisicos dos tradicionais e dos novos suportes da infor- mação. Tarefa de dimensões extraordinárias, com enfoque interdisciplinar e planejamento em equipe. A qualidade da recuperação estará em relação proporcional com a capacidade de tratamento da informação nas fases de controle e proces- samento. 3 Novos Desafios e Soluções na Esfera Profissional Se for objeto de um tratamento conceitual e tecnológico adequado, a velha dicotomia entre artefato físico e informação digital será mera questão de retórica. Assim também as dicotomias entre geral e particular, entre centralização e descentralização, entre coordenado e autônomo, entre normalizado e não-normalizado, entre livre acesso e acesso controlado. Tudo isso estará relacionado aos limites e capacidades dos sistemas e programas que sejamos capazes de criar e gerenciar no futuro. A informação, por conseqüência, se transformará em valor independentemente de suporte e localização, exigindo novas abordagens teóricas e metológicas, novas práticas e novas tecnologias para seu ciclo de vida e transformação. Sendo a informação, em última instância, um ingrediente-chave de toda a nova engenharia social em desenvolvimento nas sociedades pós-industriais e pós- ................................................................................................................................... Sem título-3 19/4/2006, 15:1572 Antonio Miranda 75 • realizar pesquisas sistemáticas sobre o fenômeno da transferência de informações e sobre sua relação com o aprendizado e a geração de novos conhecimentos e suas aplicações, ou seja, fazer com que as linguagens de busca sejam mais efetivas, o que implica também no estudo inter e multidisciplinar, em bases multilinguísticas, dos vocabulários. Nessa etapa pós-gutenberguiana da civilização será possível imaginar buscas eletrônicas em imensos e variados estoques textuais, em escala mundial, com as facilidades do hipertexto para transitar de uma fonte para a outra no processo de aprofundamento do conhecimento. Num ambiente como o que se projeta para o futuro, será possivel pensar nas bibliotecas não mais como simples depositárias de acervos, mas como pontos de acesso a um universo ampliado de fontes internas e externas, ou seja, como verdadeiras “bibliotecas virtuais” no âmbito de redes e sistemas integrados. 4 Da Responsabilidade Profissional Como Conclusão Fica patente, do exposto, que a responsabilidade pelo equacionamento dos desafios interpostos pelo advento da sociedade da informação é tarefa de todos os segmentos da sociedade, embora também caiba aos profissionais da informação e às suas instituições um papel importante. Muitas das soluções são políticas e mesmo jurídicas, outras exigem desenvolvimentos tecnológicos apropriados, assim como .................................................................................................................................. Sem título-3 19/4/2006, 15:1575 76 Informação & Informática soluções teóricas e normativas que dependem de pesquisas em geral e da ciência da informação em particular. Todas as profissões, hoje, em maior ou menor grau, estão sendo afetadas pelo impacto das novas tecnologias e todas, sem exceção, gravitam em torno do fenômeno popperiano do registro e do uso do conhecimento (POPPER, 1975). Nessa concepção de Popper existe também um “terceiro mundo”, habitado pelos registros do conhecimento, os quais requerem a expertise de profissionais especializados para seu devido tratamento e recuperação pela sociedade. A informação seria aqui objeto de estudo, não apenas para que pudéssemos apreender seu conteúdo, mas também para que compreendêssemos melhor sua formalização e comunicação, matéria de pesquisa e experimentação por parte de profissionais habilitados. No âmbito da ciência da informação, há necessidade de novos profissionais, com perfis diferenciados, para o equacionamento dos desafios detectados. No nosso entendimento, podemos realizar dois “cortes” no processo, a saber: • um corte vertical, que permita a criação de uma verdadeira carreira profissional. Sem entrar em detalhes e justificativas, seria o caso de profissionalizar pessoal nos seguintes níveis: – Técnico de segundo grau – formação que se caracterizaria por uma espécie de pré-especialização. Os sistemas de informação requerem hoje operadores capa- citados, que possuam a melhor formação profissional, mas Sem título-3 19/4/2006, 15:1576 Antonio Miranda 77 que sejam remunerados em níveis compatíveis com a realidade de mercado. A indústria não pode ser mantida apenas por graduados universitários que contracenam, na base, com auxiliares sem qualificação específica; – Graduação universitária – para habilitar pro- fissionais na área da ciência da informação, oferecendo treinamento nos conceitos e técnicas próprios do trabalho em sistemas de informação. Nos cursos poderá persistir um currículo mínimo (minimorum), com a maior quantidade possível de matérias eletivas para preparar quadros com diferentes habilitações. Antes pensávamos em tipos de bibliotecas e arquivos (públicos, universitários, especializados, etc.), agora estamos pensando em nichos tais como infor- mação científica, informação tecnológica, informação para negócios, etc. – Especialização – para capacitar profissionais com elevado índice de conhecimentos orientados para setores específicos do mercado da informação. Antes os cursos estavam voltados para a mera reciclagem e atualização de conhecimentos, pelo menos na área da biblioteconomia; agora o que se pretende é dotar o especialista de conhecimentos específicos, o que só será possível se ele adquirir habilidades e técnicas a nível de tecnológo, como por exemplo para trabalhar com editoração eletrônica, automação de serviços, desenho e ergonomia de páginas eletrônicas e outras capacitações; – Mestrado – para qualificar administradores, gerentes, planejadores, consultores e docentes, os quais constituem a massa crítica necessária para o desenvolvimento do setor. Os cursos seriam diferenciados pela exigência ou Sem título-3 19/4/2006, 15:1577 80 Informação & Informática LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência:: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: 34, 1993. 208p. MASUDA, Yoneji. A sociedade da informação como sociedade pós-industrial. Rio de Janeiro: IPEA ; Brasília: PNUD, 1996. MIRANDA, Antonio. Problemas culturales, políticos y económicos de la informatización en Brasil. In: CONGRESO IBEROAMERICANO DE INFORMÁ- TICA Y DOCUMENTACIÓN, 1., Medellín, Colombia, novembro de 1985. MIRANDA, Antonio. Sistemas de informação no processo de globalização: uma visão conceitual. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE BIBLIOTECONOMIA E DOCU- MENTAÇÃO, 18., São Luis, 27 a 31 de julho de 1997. 10p. Em disquete. MIRANDA, Antonio. Globalización y sistemas de información: nuevos paradigmas y nuevos desafios. Ciência da Informação, Brasília, v. 25, n. 3, p. 308-313, set./dez. 1996. POPPER, Karl. Conhecimento objetivo : uma abordagem revolucionária. Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Edusp, 1975. 394p. TARAPANOFF, Kira. Perfil do profissional da informação no Brasil : diagnóstico das necessidades de treinamento e educação continuada. Brasília: IEL/DF, 1997. 134p. VITRO, Robert. Palestra realizada em Caracas, em 1998. Não- publicado. Sem título-3 19/4/2006, 15:1580 81 Infometria e Ciência da Informação Jaime Robredo Professor Doutor da Universidade de Brasília 1 Introdução Se, como afirma Price (1969), uma ciência pode ser caracterizada e estudada em função de sua produção docu- mental, a ciência da informação, a julgar pela impressionante quantidade de publicações produzidas nos últimos anos, in- clusive no Brasil, seria hoje uma ciência consolidada. Quan- do se observam algumas publicações escolhidas, entretanto, conclui-se que ainda não existe unanimidade entre os auto- res em relação à consolidação da ciência da informação en- quanto ciência verdadeira, nem mesmo quanto a seu objeto e a seu escopo (BRAGA, 1974; PINHEIRO & LOUREIRO, 1995). A ciência da informação surgiu em 1962 no âmbito do Georgia Institute of Technology, sendo definida como “a ciência que investiga as propriedades e o comportamento da informação, as forças que governam o fluxo da informação e os meios de processamento da informação para acessibilidade e usabilidade ótimas. Os processos incluem geração, disseminação, coleta, organização, .................................................................................................................................. Sem título-3 19/4/2006, 15:1581 82 Informação & Informática armazenamento, recuperação, interpretação e uso da informação. A área é derivada ou relacionada à matemática, à lógica, à linguística, à psicologia, à tecnologia computacional, à pesquisa operacional, às artes gráficas, à comunicação, à biblioteconomia, à administração e a algumas outras áreas.” (SHERA, 1997 apud BRAGA, 1995). Para Wersig, por outro lado, “historicamente a ciência da informação partiu com uma área do trabalho social que requereu primeiro uma organização sistemática do processo informacional, isto é, ciência/tecnologia, mas agora está se expandindo em outros campos do trabalho social tais como negócios, administração, planejamento, etc.” (WERSIG, 1979 apud GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1984). Para outros autores, a ciência da informação teria nas- cido como resultado da evolução e da convergência entre a bibliometria e os estudos da sociologia da ciência (LE COADIC, 1994). De fato, no entanto, essa idéia já havia sido proposta muito antes por Ranganathan, quando ele sugeriu, por ocasião da Conferência da Aslib em 1948, a necessidade de desenvolver a librametry – termo que veio a ser traduzido como bibliotecometria ou bibliometria – na mesma linha da biometria, da econometria e da psicometria, na medida em que “muitos dos assuntos ligados ao trabalho e aos serviços da biblioteca envolvem grandes números” (RANGANATHAN, 1969 apud RAVICHANDRA RAO, 1983). Sem título-3 19/4/2006, 15:1582 85Jaime Robredo Após muita discussão, o consenso geral convergia nas seguintes direções: • nessa era de transmissão eletrônica da informação, a pala- vra infometria deveria ser incluída, assim como – ou possivel- mente no lugar de – bibliometria, dado que, em princípio, a infometria inclui o domínio da bibliometria; • a palavra cientometria precisava ser incluída, tanto porque a cientometria inclui a quantificação de coisas como recursos financeiros gastos e degraus conquistados, que estenderiam a palavra infometria para além de seu limite plausível, como porque a palavra ganhou um eco favorável junto às agências financiadoras; • o conjunto das três palavras – bibliometria, infometria e cientometria – era simplesmente um bocado pesado demais para engolir2 . Consequentemente, chegou-se à conclusão de restringir o nome [da sociedade] às palavras infometria e cientometria. Por razões de estilo e de facilidade de pronúncia do acrônimo resultante, a escolha final foi para International Society for Scientometrics and Informetrics – ISSI. Coitada da bibliometria, que após tantos anos de honrosos serviços foi deixada para trás: uma solução alcançada lógica e acionalmente que, porém – para muitos de nós que durante anos nos consideramos ‘bibliometristas’– traz a dor aguda da saudade.” (KOENIG & BOOKSTEIN, 1995). Sem título-3 19/4/2006, 15:1585 86 Informação & Informática Nesse contexto, a situação da infometria em relação à ciência da informação não é evidente. Le Coadic (1994) re- presenta o mapa da ciência da informação tal como ele é mostrado acima, na Figura 1. Polanco (1993), por sua vez, situando os campos ‘métricos’ (info-, biblio-, cientometria) na esfera global dos estudos da informação, aponta suas rela- ções com o aspecto científico, como indica o esquema da Fi- gura 2. Esse esquema sugere a idéia de que a infometria se insere num certo sistema científico e de que a bibliometria, Figura 1 Sem título-3 19/4/2006, 15:1586 87Jaime Robredo aplicada à informação científica e tecnológica, passa a ser o que se chama de cientometria. O mesmo autor localiza os modelos matemático-estatísticos empíricos – Lei de Lotka, que descreve a produtividade dos autores científicos; Lei de Bradford, que descreve a distribuição da produtividade da literatura periódica numa determinada área científica; Lei de Zipf, que descreve a ocorrência das palavras num texto – na interface entre a bibliometria teórica e a infometria. No que se refere à orientação da pesquisa científica, caberia distinguir entre duas direções possíveis: uma onde se estudam os problemas levantados pelas leis bibliométricas e outra onde se realizam análises orientadas a resultados práti- cos – observação, acompanhamento, gestão, avaliação e re- presentação da informação, por exemplo. As representações da infometria propostas por Le Coadic e por Polanco no âm- Figura 2 Sem título-3 19/4/2006, 15:1587 90 Informação & Informática para um papel semi-logarítmico – comprado em qualquer boa papelaria – da seguinte forma: no eixo das abscissas – eixo X em escala logarítmica – são representadas as zonas parciais dos títulos de periódico e no eixo das ordenadas – eixo Y em escala linear – a soma dos artigos contidos nos diferentes gru- pos de títulos X0 , X1 , X2 , etc. Se a pesquisa de artigos pertinentes se estender por um período de tempo suficiente –dois ou três anos, por exem- plo – e se a área escolhida não for muito restrita, a quantida- de de artigos será significativa – algumas centenas – e o total de títulos de periódico em que esses artigos se encontram distribuídos também será significativo – algumas dezenas, ou mais. A representação gráfica dos dados será semelhante à mostrada na Figura 3. Três partes diferentes podem ser ob- servadas no traçado da linha que representa a distribuição dos artigos nos periódicos: uma parte central reta e duas cur- vas, uma no início e outra no final da linha. Figura 3 Sem título-3 19/4/2006, 15:1590 91Jaime Robredo Escolhendo o ponto P1 , no qual começa a parte linear da curva, traça-se Y0 P0 , Y1 P1 e Y2 P2 paralelamente ao eixo X, de forma que OY0 = Y0 Y1 = Y1Y2 . A seguir traça-se também P0 X0 , P1 X1 e P2 X2 paralelamente ao eixo Y. Observe-se que os quatro primeiros periódicos mais produtivos (intervalo OX0, ou núcleo) fornecem cem artigos (intervalo OY0) e que para obter mais cem artigos (intervalo Y0 Y1 = OY0), ou seja, um total de duzentos artigos, seriam necessários onze dentre os títulos de periódico mais produtivos (intervalo OX1 , ou OX0 + X0 X1). Da mesma forma, para obter trezentos artigos seri- am necessários trinta e cinco dentre os títulos mais produti- vos. Em outras palavras, para passar de cem para trezentos artigos (fator 3), seria necessário passar de quatro para qua- renta títulos (fator 10). Dito de outro modo, com uma pequena quantidade de títulos de periódico (apenas os onze títulos mais produti- vos, no exemplo da Figura 3) pode-se obter de sessenta a se- tenta por cento do total de artigos pertinentes numa área considerada, os quais são identificados em meio a um total de quarenta títulos de periódico. Naturalmente, a quantida- de de periódicos que constitui o núcleo e as zonas subsequen- tes varia de área para área, mas o princípio é sempre o mes- mo. Fica claro que numa biblioteca, num centro de docu- mentação ou num centro de análise da informação, peque- nos esforços para identificar os periódicos mais produtivos em cada área de interesse pode representar significativas eco- nomias e serviços de melhor qualidade. No ano de 1974 o autor deste trabalho aplicou um método baseado nesses princípios para estabelecer a lista bá- Sem título-3 19/4/2006, 15:1591 92 Informação & Informática sica de periódicos brasileiros em ciências agrícolas (ROBREDO et al., 1974). Nesse mesmo ano Gomes (1974) utilizou uma metodologia semelhante para selecionar perió- dicos na área de física. Em 1984 Lima e Figueiredo (1984) retomaram o tema numa ampla discussão geral. 3.1.2 Manutenção de acervos A Lei de Bradford não é senão um exemplo prático da chamada ‘lei do menor esforço’ – máximo proveito com o mínimo esforço, seja físico, financeiro, intelectual, etc. – tam- bém conhecida como ‘lei de 80-20’, que na área socioeconômica pode ser enunciada nos seguintes termos: poucos têm muito e muitos têm pouco. Aplicada ao acervo das bibliotecas, essa Lei foi utilizada por Trueswell (1965 apud RAVICHANDRA RAO, 1983), que chegou à conclusão de que aproximadamen- te oitenta por cento dos volumes que compõem o acervo das bibliotecas nunca foram consultados ou emprestados e que não faria nenhuma diferença desfazer-se deles. De fato, basta dedicar um pouco de tempo ao exame das fichas de emprésti- mo de uma parte dos volumes que dormem nas prateleiras das estantes das bibliotecas para verificar a veracidade dessa observação. Eis uma questão que deveria merecer maior atenção por parte dos diretores – administradores?, gerentes? – de um grande número de grandes e médias bibliotecas. Simples análises estatísticas dos dados resultantes do controle de uso do acervo – controle esse lamentavelmente pouco praticado Sem título-3 19/4/2006, 15:1592 95Jaime Robredo Baseado na contagem de citações, Kessler (1963) in- troduziu o conceito de ‘parceria bibliográfica’, sugerindo que o número de referências comuns a dois trabalhos funciona como uma medida de sua afinidade, o que permitiria estabe- lecer agrupamentos de artigos de grande interesse para os processos de recuperação da informação. Num estudo com publicações periódicas, Ravichandra Rao (1983), por sua vez, calculou os valores de meia-vida e vida-média dessas publica- ções, assim como os fatores de utilidade e obsolescência que as afetam, ressaltando o interesse de tais análises e medidas para os serviços de documentação e para o planejamento do descarte de documentos. Wouters e Leydesdorff (1994) analisaram as relações entre citações no periódico Scientometrics, observando a exis- tência de uma matriz com oito conjuntos ou agrupamentos de autores que apresentavam forte afinidade interna. Na mai- or parte desses grupos observa-se que a maioria dos autores integrantes comporta-se de maneira idêntica no que diz res- peito às citações e co-citações. Dos 181 autores que publica- ram artigos no referido periódico, 130 citam-se mutuamente com regularidade, dando preferência a autores de um mes- mo conjunto ou de outros conjuntos com forte relacionamen- to ou afinidade. 3.2.3 Estudos de co-autoria Em seu estudo sobre relações de co-citação e co-auto- ria na revista Scientometrics, os mesmos autores acima refe- Sem título-3 19/4/2006, 15:1595 96 Informação & Informática ridos observaram que entre os 669 diferentes autores, 73 por cento – ou seja, 488 – publicaram somente uma vez. Esses autores esporádicos foram responsáveis por quarenta por cento da produção científica na revista. Um fenômeno geral que se observa na ciência de al- guns anos para cá é o crescimento, em relação à produção total, do número de artigos publicados em co-autoria – cres- cimento esse que apresenta uma taxa específica para cada campo. Meadows (1974 apud WOUTERS & LEYDESDORFF, 1994) observou que os artigos publicados por um único au- tor em química, biologia e física representam somente entre 17 e 23 por cento do total, enquanto em história os artigos assinados por um autor representam 96 por cento. Na revista Scientometrics, entretanto, 61 por cento dos artigos foram es- critos por um autor. Diferentemente das ciências experimen- tais, a cientometria ainda parece ser assunto predominante- mente pessoal, uma vez que a rede de co-autoria encontra-se fortemente fragmentada: o número de parcerias entre dois autores representa apenas 5,6 por cento. 3.3 Aplicações Infométricas e Cientométricas Baseadas em Estudos de Ocorrência e Co-ocorrência de Palavras e Termos Nesta seção são apresentados alguns exemplos de apli- cações infométricas baseadas na análise das frequências de uso – ocorrências – e das frequências de associação binária – co-ocorrências – de palavras em textos. Essas análises têm dado Sem título-3 19/4/2006, 15:1596 97Jaime Robredo origem, nas duas últimas décadas, a uma grande variedades de aplicações, algumas voltadas para o desenvolvimento de lé- xicos, vocabulários, dicionários e tesauros especializados e ou- tras utilizadas como ferramentas de auxílio em estudos prospectivos e processos avaliativos ou de tomada de decisões. 3.3.1 Estudos de frequência de uso de palavras Antes de apresentar alguns exemplos práticos, con- vém fazer referência à Lei de Zipf. Essa Lei é, de fato, outro exemplo do princípio geral do mínimo esforço. Ao organizar as palavras de um texto – ou de um léxico – em ordem de- crescente da frequência de uso, observa-se que o resultado da multiplicação entre a posição da palavra na lista e sua frequência é uma quantidade aproximadamente constante (apud RAVICHANDRA RAO, 1983). Sendo r a posição de determinada palavra na lista de palavras do texto – organiza- da em ordem decrescente – e f sua frequência de uso – ou seja, sua ocorrência no texto – a Lei de Zipf pode ser escrita da seguinte forma: r f = c, onde c é uma constante. Como se observa na Figura 4, a representação gráfica dos dados relativos à frequência das palavras e à sua posição na lista mostra uma curva de distribuição de frequência que tem a forma de um J deitado, ou melhor, que possui uma parte quase linear extremamente longa, característica dos fe- Sem título-3 19/4/2006, 15:1597
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