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MICROBIOLOGIA MÉDICA - LANGE - 26 ed 2014, Notas de estudo de Microbiologia

livro microbiologia

Tipologia: Notas de estudo

2015
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Baixe MICROBIOLOGIA MÉDICA - LANGE - 26 ed 2014 e outras Notas de estudo em PDF para Microbiologia, somente na Docsity! Geo. F. Brooks Karen C. Carroll Janet S. Butel Stephen A. Morse Timothy A. Mietzner / MICROBIOLOGIA MI for" de Jawetz, Melnick e Adelberg 26º Edição Mc o LANGE Education Tradução Cláudio M. Rocha-de-Souza Pesquisador visitante do Instituto de Tecnologia de Imunobiológicos Bio-Manguinhos - FIOCRUZ. Doutor em Microbiologia Médica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Revisão técnica desta edição José Procópio Moreno Senna Pesquisador da vice-diretoria de desenvolvimento tecnológico do Instituto de Tecnologia de Imunobiológicos Bio-Manguinhos - FIOCRUZ. Professor da disciplina de Bacteriologia do Mestrado Profissional em Tecnologia de Imunobiológicos Bio-Manguinhos - FIOCRUZ. Doutor em Biologia Celular e Molecular pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). M626 Microbiologia médica de Jawetz, Melnick e Adelberg [recurso eletrônico] / Geo. F. Brooks ... [ et al.] ; [tradução: Cláudio M. Rocha-de-Souza ; revisão técnica: José Procópio Moreno Senna]. - 26. ed. - Dados eletrônicos. - Porto Alegre : AMGH, 2014. Editado também como livro impresso em 2014. ISBN 978-85-8055-335-2 1. Microbiologia. I. Brooks, Geo. F. CDU 579 Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus - CRBl0/2052 , . re ac10 Esta 26ª edição de Microbiologia médica de Jawetz, Melnick e Adelberg permanece fiel aos objetivos da 1 ª edição, publicada em 1954, de "oferecer uma apresentação sucinta, precisa e atua­ lizada dos aspectos da microbiologia médica particularmente relevantes às áreas de infecções clínicas e quimioterapiá'. Todos os capítulos foram atualizados para refletir a abrangência do conhecimento médico proporcionada pelos mecanismos mo­ leculares, pelos avanços em nossa compreensão sobre a patogê­ nese microbiana e pela descoberta de novos patógenos. Entre as novidades, destacam-se: • Conceitos-chave ao longo dos capítulos. • Novas questões de revisão. • Resumos ao fmal de cada capítulo. • Novas fotografias e microfotografias coloridas. Também é nova nesta edição a contribuição de Barbara Detrick, PhD, Professor, Division of Clinical Immunology, Department of Pathology, Johns Hopkins University School of Medicine. O conhecimento da Dra. Detrick em imunologia clínica e no papel das citocinas na saúde e na doença será de imenso valor a esta e a futuras edições. Esperamos que as mudanças desta edição sejam úteis aos estudantes de microbiologia. Os autores Stephen A. Morse, PhD e Timothy A. Meitzner, PhD 1 A ciência da microbiologia 1 2 Estrutura celular 11 3 Classificação das bactérias 43 4 Crescimento, sobrevida e morte dos microrganismos 55 5 Cultura de microrganismos 67 6 Metabolismo microbiano 77 7 Genética microbiana 101 Barbara Detrick, PhD 8 Imunologia 123 Karen C. Carrol/, MO 9 Patogênese da infecção bacteriana 149 1 O Microbiota normal humana 165 11 Bacilos gram-positivos formadores de esporos: espécies Bacillus e Clostridium 7 75 12 Bacilos gram-positivos aeróbios não formadores de esporos: Corynebacterium, Listeria, Erysipelothrix, Actinomycetes e patógenos relacionados 187 13 Estafilococos 199 14 Estreptococos, enterococos e outros gêneros relacionados 209 15 Bacilos entéricos gram-negativos (Enterobacteriaceae) 229 16 Pseudomonas, Acinetobacter e bactérias gram-negativas incomuns 245 17 Vibriões, Campylobacter, Helicobacter e bactérias associadas 255 18 Haemophilus, Bordetel/a, Bruce/la e Francisella 265 19 Yersinia e Pasteurella 279 20 Neissérias 285 21 Infecções causadas por bactérias anaeróbias 295 22 Legionelas, bartonelas e patógenos bacterianos incomuns 305 23 Micobactérias 313 2 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia biologia ambiental estão implícitos na microbiologia. Os mi­ crorganismos são produtos da evolução, a consequência bioló­ gica da seleção natural que opera sobre uma ampla variedade de organismos geneticamente diversos. Convém não esquecer a complexidade da história natural antes de formular generali­ zações acerca dos microrganismos, que constituem o conjunto mais heterogêneo de todos os seres vivos. Existe uma importante divisão biológica que distingue os eucariotos, organismos que possuem um núcleo delimitado por membrana, dos procariotos, organismos cujo DNA não está fisi­ camente separado do citoplasma. Como descrito neste capítulo, bem como no Capítulo 2, outras diferenças importantes podem ser citadas entre os eucariotos e os procariotos. Por exemplo, os eucariotos distinguem-se pelo seu tamanho relativamente gran­ de, bem como pela presença de organelas especializadas e deli­ mitadas por membrana, como as mitocôndrias. Conforme descreveremos adiante em mais detalhes, os mi­ crorganismos eucarióticos - ou, em termos filogenéticos, os Eucarya - são unificados por sua estrutura celular distinta e por sua história filogenética. Entre esses grupos de microrganismos estão as algas, os protozoários, os fungos e os mixomicetos. VÍRUS As propriedades singulares dos vírus os distinguem das outras formas de vida. Os vírus não possuem muitos dos atributos das células, o que inclui a capacidade de se replicar. Somente quan­ do infecta uma célula é que um vírus adquire o atributo-chave de um sistema vivo a reprodução. Os vírus são conhecidos por infectarem todas as células, inclusive as células microbianas. Recentemente, foi descoberto que vírus demominados virófa­ gos têm a capacidade de infectar outros vírus. As interações dos vírus com o hospedeiro tendem a ser altamente específicas, e a variedade biológica dos vírus existentes reflete a diversidade das células hospedeiras potenciais. A maior diversidade dos ví­ rus é exibida pela ampla variedade de estratégias que eles usam para se replicar e sobreviver. As partículas virais são geralmente pequenas (p. ex., ade­ novírus possui 90 nm) e consistem em uma molécula de ácido nucleico, DNA ou RNA, envolta por uma camada de proteína ou capsídeo (às vezes revestido por um invólucro de lipídeos, proteínas e carboidratos). As proteínas - com frequência gli­ coproteínas - encontradas no capsídeo determinam a espe­ cificidade da interação entre o vírus e a célula hospedeira. O capsídeo protege o ácido nucleico e facilita a fixação do vírus, bem como sua penetração na célula hospedeira. No interior da célula, o ácido nucleico viral direciona o mecanismo enzi­ mático do hospedeiro para desempenhar funções associadas à replicação do vírus. Em alguns casos, a informação genética do vírus pode ser incorporada em forma de DNA dentro de um cromossomo do hospedeiro. Em outras circunstâncias, a informação genética viral pode servir de base para a produção celular e liberação de cópias do vírus, processo que requer a re­ plicação do ácido nucleico viral e produção de proteínas virais específicas. A maturação consiste na organização do ácido nu­ cleico e das subunidades proteicas recém-sintetizadas em par­ tículas virais maduras que, em seguida, são liberadas no meio extracelular. Alguns vírus de tamanho muito pequeno neces­ sitam do auxílio de outro vírus na célula hospedeira para sua duplicação. O agente delta, também conhecido como vírus da hepatite D, é demasiado pequeno para codificar mesmo uma única proteína do capsídeo, e precisa do auxílio do vírus da hepatite B para sua transmissão. Os vírus são conhecidos por infectarem ampla variedade de hospedeiros vegetais e animais, bem como protistas, fungos e bactérias. Entretanto, a maioria dos vírus é capaz de infectar tipos específicos de célula e so­ mente uma espécie de hospedeiro. Alguns vírus são grandes e complexos. Por exemplo, o Mi­ mivirus (um vírus de DNA), que infecta a Acanthamoeba (uma ameba de vida livre encontrada no solo) apresenta um diâmetro de 400 a 500 nm e um genoma que codifica 979 proteínas, in­ cluindo as aminoacil tRNA sintetases (aaTRS), nunca encon­ tradas fora de organismos celulares, como também enzimas que participam na biossíntese de polissacarídeos. Um vírus marinho ainda maior foi recentemente descoberto (megaví­ rus); seu genoma ( 1.259,197-pb) codifica para 1.120 proteínas putativas, sendo assim maior do que os presentes em algumas bactérias (Quadro 7.1). Devido ao seu grande tamanho, esses vírus podem assemelhar-se a bactérias quando observados em preparações de coloração para microscopia óptica. Entretanto, não realizam divisão celular ou possuem ribossomos. Diversas doenças transmissíveis em plantas são causadas por viroides - pequenas moléculas de RNA circular de filamento único e covalentemente fechadas que se apresentam como estruturas semelhantes a bastonetes. Esses viroides não possuem capsí­ deos. Seu tamanho varia de 246 a 375 nucleotídeos de extensão. A forma extracelular de um viroide é RNA nu - não existe capsídeo de nenhum tipo. A molécula de RNA não contém ge­ nes que codificam proteínas, e, portanto, o viroide é totalmente dependente das funções do hospedeiro para sua replicação. O RNA viroide é replicado pela RNA polimerase dependente do DNA da planta hospedeira; a preferência por essa enzima pode contribuir para a patogenicidade dos viroides. Constatou-se que as moléculas de RNA dos viroides contêm sequências de bases repetidas, invertidas em suas extremidades terminais 3' e 5', uma característica dos elementos transponí­ veis ( Cap. 7) e de retrovírus. Por conseguinte, é provável que tenham evoluído a partir dos elementos transponíveis ou re­ trovírus por meio da deleção de sequências internas. As propriedades gerais dos vírus de animais patogênicos para os seres humanos são descritas no Capítulo 29. Os vírus bacterianos são descritos no Capítulo 7. PRÍONS Várias descobertas notáveis, feitas nas últimas três décadas, levaram à caracterização molecular e genética do agente trans­ missível responsável pelo scrapie (prurido lombar dos car­ neiros), uma doença degenerativa do sistema nervoso central dos ovinos. Os estudos realizados identificaram uma proteína específica do scrapie em preparações de cérebros de carneiros infectados, que é capaz de reproduzir os sintomas da doença em carneiros anteriormente não infectados (Fig. 1.1). Os esfor­ ços para identificação de outros componentes, como o ácido nucleico, não tiveram sucesso. Para distinguir esse agente dos vírus e viroides, foi introduzido o termo príon para ressaltar sua natureza proteinácea e infecciosa. A forma celular da pro­ teína príon (PrPc) é codificada pelo DNA cromossômico do H 50µm FIGURA 1.1 Príon. Príons isolados do cérebro de um hamster infecta­ do por scrapie. Esta doença neurodegenerativa é causada por um príon. (Reproduzida, com autorização, de Stanley B. Prusiner.) hospedeiro. A PrPc é uma sialoglicoproteína com massa mole­ cular (MM) de 33.000 a 35.000 daltons e alto conteúdo de uma estrutura secundária a-helicoidal sensível a proteases e solú­ vel em detergente. É expressa sobre a superfície dos neurônios por meio de uma âncora de glicosilfosfatidil inositol tanto em cérebros infectados quanto em cérebros não infectados. Uma mudança conformacional ocorre na proteína príon, alterando sua forma PrPc normal ou celular para a conformação associa­ da à doença, PrP5c (Fig. 1.2). Quando a PrP5c está presente em um indivíduo (devido à conversão conformacional espontânea ou infecção), é capaz de recrutar PrPc e convertê-lo à isofor­ ma associada à doença. Assim, os príons replicam utilizando o próprio substrato PrPc que está presente no hospedeiro. Existem outras doenças importantes causadas por príons (Quadro 1.1 e Cap. 42). O kuru, a doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ), a doença de Gerstmann-Strãussler-Scheinker e a insônia familiar fatal acometem os seres humanos. A encefalopatia es­ pongiforme bovina, acredita-se que seja causada pela ingestão de rações e farinhas de ossos preparadas com sobras de carneiros abatidos, foi a responsável pela morte de mais de 184.000 cabeças de gado bovino na Grã-Bretanha desde sua descoberta em 1985. Uma nova variante da DCJ ( vDCJ) foi associada à ingestão de carne bovina infectada por príon no Reino Unido e na França. Uma característica comum a todas essas doenças é a conversão de uma sialoproteína codificada pelo hospedeiro em uma forma resistente a protease como consequência da infecção. As doenças humanas causadas por príons são singulares, uma vez que se manifestam em forma de doenças esporádicas, genéticas e infecciosas. O estudo da biologia dos príons constitui uma área importante da investigação biomédica em desenvolvi­ mento, e ainda há muito conhecimento a ser adquirido. As características que distinguem os vírus e príons do mun­ do microbiano estão apresentadas no Quadro 1.2. CAPÍTULO 1 A ciência da microbiologia 3 Tanto a proteína príon normal (PN) quanto a proteína príon anormal (PP) estão presentes. ' ' �PP d PN ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ! Etapa 1 A proteína príon anormal interage com a proteína '" príon normal. ! Etapa 2 A proteína príon normal é convertida em proteína príon ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' ' · ..... �� . ·n • "' • I , , 1 1 I 1 , I 1 1 I 1 1 I 1 1 I , 1 I 1 1 I , �PP () Ç> anormal. 1 PN �rtida <l(j V' I , 1 , 1 1 I , 1 1 I 1 1 1 1 1 I 1 ! Etapas 3 e 4 As proteínas príon anormais continuam a interagir com PP original \ � PN convertida Proteínas príon anormais as proteínas príon normais até que elas convertam todas as proteínas normais em proteínas anormais. 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 ,. - Neurônio FIGURA 1.2 Mecanismo proposto pelo qual os príons se replicam. As proteínas príon normais e anormais diferem entre si por sua estrutura terciária. (Reproduzida, com autorização, de Nester EW, Anderson DG, Roberts CE, Nester MT (editors): Microbiology: A Human Perspective, 6th ed. McGraw-Hil l, 2009, p. 342.) PROCARIOTOS As principais características que diferenciam os procariotos consistem em seu tamanho relativamente pequeno, em geral da ordem de 1 µm de diâmetro, e na ausência de membrana nu­ clear. O DNA de quase todas as bactérias é um círculo de cerca de 1 mm de extensão, representando o cromossomo procario­ to. A maioria dos procariotos possui um único cromossomo. O DNA cromossômico tem de se dobrar mais de 1.000 vezes para ficar contido dentro da membrana da célula procariótica. Evidências substanciais sugerem a possibilidade de tais dobras serem ordenadas, permitindo uma proximidade de regiões es­ pecíficas do DNA. A região especializada da célula que con­ tém DNA é denominada nucleoide, podendo ser visualizada 4 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia QUADRO 1.1 Doenças causadas por príon comuns a seres humanos e a animais Tipo Doenças por príon no homem Aquisição Esporádica Familiar Doenças por príon em animais Gado Carneiro Veado, alce Marta Gatos Nome Doença variante de Creutzfeldt-Jakobª Kuru Doença iatrogênica de Creutzfeldt-Jakobb Doença de Creutzfeldt-Jakob Gerstmann-Straussler-Scheinker Insônia familiar fatal Doença de Creutzfeldt-Jakob Encefalopatia espongiforme bovina Scrapie Doença degenerativa crônica Encefalopatia transmissível das martas Encefalite espongiforme felinaª Etiologia Associada à ingestão ou inoculação de material infectado por príon Fonte de infecção desconhecida Associada a mutações específicas dentro do gene que codifica a PrP Exposição a carnes e ossos (ração) contaminados por príon Ingestão de material contaminado por scrapie Ingestão de material contaminado por príon Fonte de infecção desconhecida Exposição a carnes e ossos (ração) contaminados por príon ªAssociadas à exposição a materiais contaminados por encefalopatia espongiforme bovina (EEB). bAssociada a materiais biológicos contaminados por príon, tais como enxertos de dura-máter, transplante de córnea, hormônio do crescimento humano obtido de cadáveres ou instrumentos cirúrgicos contaminados por príon. PrP, proteína priónica. Reproduzido, com autorização, da American Society for Microbiology. Priola SA: How animal prions cause disease in humans. Microbe 2008; 3(12): 568. QUADRO 1.2 Características diferenciadoras para vírus, viroides e príons Vírus Viro ides Príons Agentes intracelulares obrigatórios Agentes intracelulares obrigatórios Proteína celular anormal Apresentam ou DNA ou RNA revestido por uma camada de proteína Consiste somente de RNA sem camada de proteína Consiste somente de proteína, sem DNA ou RNA Reproduzido, com autorização, de Nester EW, Andreson DG, Roberts CE, Nester MT (editors): Microbio/ogy: A Human Perspective, 6th ed. McGraw-Hill, 2009, p. 13.) por microscopia eletrônica, bem como por microscopia óptica após o tratamento da célula para tornar o nucleoide visível. Por conseguinte, seria um erro concluir que a diferenciação subce­ lular, nitidamente demarcada por membranas nos eucariotos, está ausente nos procariotos. Na verdade, alguns procariotos formam estruturas subcelulares delimitadas por membrana, com funções especializadas, como os cromatóforos das bacté­ rias fotossintéticas (Cap. 2). Diversidade dos procariotos O pequeno tamanho do cromossomo procariótico limita a quan­ tidade de informação genética que ele pode conter. Dados recen­ tes, baseados na determinação da sequência do genoma, indicam que o número de genes dentro de um procarioto pode variar de 468 no Mycoplasma genitalium a 7.825 no Streptomyces coeli­ color, e que muitos desses genes devem ter funções essenciais, como a produção de energia, a síntese das macromoléculas e a replicação celular. Qualquer procarioto transporta relativamen­ te poucos genes que possibilitam a acomodação fisiológica do organismo a seu ambiente. A variedade de ambientes potenciais dos procariotos é extraordinariamente ampla, podendo-se de­ duzir que o grupo dos procariotos abrange uma variedade heterogênea de especialistas, cada qual adaptado a um nicho es­ treitamente circunscrito. A variedade de nichos procarióticos é ilustrada ao conside­ rarmos as estratégias empregadas na produção de energia me­ tabólica. A luz solar constitui a principal fonte de energia para a vida. Alguns procariotos, como as bactérias de cor púrpura, con­ vertem a energia luminosa em energia metabólica sem produzir oxigênio. Outros procariotos - como, por exemplo, as bacté­ rias azul-esverdeadas (Cianobactérias) - produzem oxigênio capaz de fornecer energia por meio da respiração, na ausência de luz. Os microrganismos aeróbios dependem da respiração com oxigênio para obterem energia. Alguns microrganismos anaeróbios podem utilizar aceptores de elétrons diferentes do oxigênio na respiração. Muitos anaeróbios realizam fermenta­ ções, em que a energia é obtida mediante o rearranjo metabólico dos substratos químicos de crescimento. A extraordinária varie­ dade química dos substratos de crescimento potenciais para o crescimento aeróbio ou anaeróbio reflete-se na diversidade dos procariotos que se adaptaram à sua utilização. FIGURA 1.3 Microscopia eletrônica de varredura (ampliada 4.000 vezes) do dinoflagelado Gymnodinium. (Reproduzida, com autorização, de David M. Phil lips/Visuals Unlimited.) várias centenas de metros de extensão. Muitas algas produzem toxinas que são venenosas para o homem e outros animais. Os dinoflagelados, algas unicelulares, causam proliferação de algas, ou a maré vermelha, nos oceanos (Fig. 1.3). As marés vermelhas causadas pelas espécies de dinoflagelados Gonyaulax são preo­ cupantes, pois este organismo produz neurotoxinas, tais como a saxitoxina e a goniautoxina, que se acumula em mariscos (p. ex.: moluscos, mexilhões, vieiras e ostras) que se alimentam deste organismo. A ingestão desses mariscos pelo ser humano resulta em sintomas de paralisia por envenenamento, que pode levar à morte. Protozoários Os protozoários são protistas unicelulares incapazes de reali­ zar fotossíntese. Os protozoários mais primitivos parecem for­ mas flageladas que, em muitos aspectos, assemelham-se aos representantes das algas. Aparentemente, os ancestrais desses protozoários eram algas que se tornaram heterótrofos - as necessidades nutricionais desses organismos são supridas por compostos orgânicos. A adaptação a um modo heterotrófico de vida foi às vezes acompanhada da perda dos cloroplastos, e, assim, as algas deram origem aos protozoários estreitamente re­ lacionados. Foram observados eventos semelhantes em labora­ tório como resultado de mutações ou adaptações fisiológicas. Os protozoários flagelados parecem ter evoluído para os ti­ pos ameboides e ciliados. Formas intermediárias são conhecidas e podem apresentar flagelos em um estágio do seu ciclo de vida e pseudópodes (característicos das amebas) em outro estágio. Um quarto grupo importante de protozoários, os esporozoários, é constituído por parasitos estritos, em geral imóveis; a maior par­ te desses grupos reproduz-se sexuada ou assexuadamente, alter­ nando gerações por meio de esporos. Os protozoários parasitos de seres humanos são discutidos no Capítulo 46. Fungos CAPÍTULO 1 A ciência da microbiologia 7 Os fungos são protistas não fotossintéticos que crescem co­ mo uma massa de filamentos ramificados e entrelaçados ("hi­ fas"), conhecida como micélio. O maior micélio em extensão contínua produzido por um fungo foi encontrado no leste do Ogegon (EUA) abrangendo uma área de 2.400 acres (9,7 km2). Embora as hifas exibam paredes transversais, tais paredes são perfuradas, permitindo a livre passagem dos núcleos e do ci­ toplasma. Por conseguinte, o microrganismo como um todo é um cenócito (massa multinucleada de citoplasma contínuo) confinado dentro de uma série de tubos ramificados. Esses tubos, constituídos de polissacarídeos, como a quitina, são homólogos às paredes celulares. As formas miceliais são de­ nominadas bolores; alguns tipos, conhecidos como leveduras, não formam micélio, mas são facilmente reconhecidos como fungos pela natureza de seus processos de reprodução sexuada e pela presença de formas de transição. Os fungos provavelmente representam um ramo evolutivo dos protozoários. Não têm qualquer relação com os actinomi­ cetos, que consistem em bactérias miceliais com as quais se as­ semelham superficialmente. As principais subdivisões (phyla) dos fungos são: Chytridiomycota, Zygomycota (os zigomicetos), Ascomycota (os ascomicetos), Basidiomycota (os basidiomice­ tos) e os "deuteromicetos" (ou fungos imperfeitos). A evolução dos ascomicetos a partir dos ficomicetos é ob­ servada em um grupo de transição cujos membros formam um zigoto, que, em seguida, se transforma diretamente em asco. Acredita-se que os basidiomicetos tenham evoluído a partir dos ascomicetos. A classificação dos fungos e seu significado clínico são discutidos em detalhes no Capítulo 45. Mixomicetos São microrganismos que se caracterizam pela presença, em um estágio do seu ciclo de vida, de uma massa de citoplasma mul­ tinucleada e ameboide denominada plasmódio. O plasmódio de um mixomiceto é uma estrutura análoga ao micélio de um fungo verdadeiro. Ambos são cenocíticos. No micélio, o fluxo citoplasmático limita-se à rede ramificada de tubos de quitina, ao passo que, no plasmódio, o citoplasma pode fluir em todas as direções. Esse fluxo faz que o plasmódio migre na direção de sua fonte alimentar, que frequentemente consiste em bactérias. Em resposta a um sinal químico (p. ex.: o AMP cíclico 3' 5' [Cap. 7]), o plasmódio, que atinge um tamanho macroscópico, diferencia­ se em um corpo pedunculado capaz de produzir células móveis, flageladas ou ameboides. Essas células iniciam uma nova etapa no ciclo de vida do mixomiceto (Fig. 1.4). Com frequência, o ciclo é iniciado por fusão sexual de células individuais. O ciclo de vida dos mixomicetos ilustra um tema central deste capítulo: a interdependência das formas vivas. O cresci­ mento dos mixomicetos depende de nutrientes fornecidos por células bacterianas ou, em alguns casos, por células vegetais. A reprodução dos mixomicetos via plasmódios pode depen­ der do reconhecimento intercelular e da fusão entre células da mesma espécie. Para uma compreensão mais completa de um microrganismo, é necessário não apenas o conhecimento dos outros organismos com os quais ele coevoluiu como também uma apreciação sobre a variedade de respostas fisiológicas ca­ pazes de contribuir para a sua sobrevivência. 8 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia Esporos Corpos de frutificação liberando esporos Germinação • • • • • <f :' ft:.. .....-- � ' ' ' ' ' Corpo de frutificação � �---" " Mixamoeba ....._ ___ Plasmódio A B FIGURA 1.4 Mixomicetos. (A) Ciclo de vida de um mixomiceto acelular. (8) Corpo de frutificação de um mixomiceto acelular. (Reproduzida, com autorização, de Carolina Biological Supply/Phototake, lnc.) RESUMO DO CAPÍTULO • Os microrganismos são um grupo grande e diversificado que abrangem seres uni e pluricelulares; eles também in­ cluem vírus, que são microscópios, porém não celulares. • Um vírus consiste em uma molécula de ácido nuclei­ co (DNA ou RNA) envolvida por proteínas, que formam o capsídeo. Alguns vírus podem apresentar um envelope composto por lipídeos, proteínas e carboidratos. • Um príon é uma proteína infectante capaz de causar doen- ças neurológicas crônicas. • Procariotos são div didos em bactérias e arqueobactérias. • Procariotos são haploides. • Eucariotos inferiores, ou protistas, estão representados em quatro grupos principais: algas, protozoários, fungos e mi­ xomicetos. • Eucariotos possuem membrana nuclear e são diploides. QUESTÕES DE REVISÃO 1. Qual dos seguintes termos caracteriza a interação entre um fungo e uma alga em um líquen? (A) Parasitismo (B) Simbiose (C) Endossimbiose (D) Endoparasitismo (E) Consórcio 2. Qual dos seguintes agentes não possui ácido nucleico? (A) Bactéria (B) Vírus (C) Viroide (D) Príon (E) Protozoário 3. Qual dos seguintes organismos não é um protista? (A) Bactéria (B) Alga (C) Protozoário (D) Fungo (E) Mixomiceto 4. Qual dos seguintes agentes contém simultaneamente DNA e RNA? (A) Bactéria (B) Vírus (C) Viro ide (D) Príon (E) Plasmídeo 5. Um homem de 65 anos de idade desenvolveu demência progres­ siva no decorrer de alguns meses, com ataxia e sonolência. O perfil eletroencefalográfico mostrou paroxismos com altas vol­ tagens e ondas lentas, sugestivos de doença de Creutzfeldt-Jakob. Esta doença é causada por qual dos seguintes agentes? (A) Bactéria (B) Vírus (C) Viro ide (D) Príon (E) Plasmídeo 6. Qual dos seguintes microrganismos não é infectado por vírus? (A) Bactéria (B) Protozoário (C) Células humanas (D) Vírus (E) Nenhuma das opções acima 7. Vírus, bactérias e protozoários são caracterizados unicamente por seus respectivos tamanhos. Verdadeiro ou falso? (A) Verdadeiro (B) Falso 8. Qual dos seguintes microrganismos é um procarioto? (A) Arqueobacteria (B) Protozoário (C) Vírus (D) Príon (E) Fungo 9. Quorum sensing em procariotos envolve: (A) Comunicação intercelular (B) Produção de feromônios (C) Um exemplo de comportamento multicelular (D) Regulação de genes envolvidos em diversos processos fisio­ lógicos (E) Todas as respostas acima 10. Vinte minutos após a ingestão de mariscos crus, um homem de 35 anos de idade apresentou parestesia facial e nas extremidades, cefaleia e ataxia. Esses sintomas são resultados de uma neuroto­ xina produzida por algas chamadas: (A) Ameba (B) Cianobactéria (C) Dinoflagelado (D) Kelp (E) Nenhuma das respostas acima Respostas 1. B 4. A 2. D 5. D 3. A 6. E 7. B 8. A 9. E 10. e CAPÍTULO 1 A ciência da microbiologia 9 REFERÊNCIAS Arslan D, Legendre M, Seltzer V. et al.: Distant Mimivirus relative with a larger genome highlights the fundamental features of Megaviri­ dae. 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Phillips/Photo Researchers, lnc.) que dá um brilho amarelo quando exposto à luz ultravioleta, é fortemente absorvido pelo Mycobacterium tuberculosis, a bacté­ ria que causa a tuberculose. Quando o corante é aplicado a uma amostra sob suspeita de conter o M. tuberculosis e exposta à luz ultravioleta, a bactéria pode ser detectada pela aparência dos or­ ganismos com um brilho amarelo contra um fundo escuro. O principal uso da microscopia de fluorescência é na técni­ ca de diagnóstico chamada técnica do anticorpo fluorescente (FA, fluorescent-antibody) ou imunofluorescência. Por essa técnica, anticorpos específicos (p. ex., anticorpos contra a Le­ gionella pneumophila) são marcados quimicamente com um fluorocromo, como o isotiocianato de fluoresceína (FITC, fluorescein isothiocyanate). Em seguida, tais anticorpos fluo­ rescentes são adicionados a uma lâmina de microscópio que contém a amostra clínica. Se a amostra contiver L. pneumophi­ la, o anticorpo fluorescente se liga aos antígenos de superfície da bactéria, produzindo fluorescência quando exposto à luz ultravioleta (Fig. 2.lB). E. Microscópio de interferência diferencial de contraste Os microscópios de interferência diferencial de contraste (DIC, differential interference contrast) utilizam um polarizador para produzir luz polarizada. Os feixes de luz polarizada passam atra­ vés de um prisma que vai gerar dois tipos distintos de feixes, os quais passam através da amostra e entram nas lentes da objetiva, onde são recombinados em um feixe simples. Devido às ligeiras diferenças do índice de refração das substâncias para cada feixe que passa por elas, os feixes combinados não ficam totalmente na mesma fase; em vez disso, criam um efeito de interferência que intensifica as sutis diferenças na estrutura celular. Estrutu­ ras, como esporos, vacúolos e grânulos, aparecem em forma tri­ dimensional. A microscopia de DIC é particularmente útil para a observação de células não coradas devido à sua capacidade de gerar imagens que revelam estruturas celulares internas, menos aparentes pelas técnicas de microscopia óptica. O microscópio eletrônico O alto poder de resolução dos microscópios eletrônicos pos­ sibilitou aos cientistas observar em detalhes as estruturas das células procarióticas e das eucarióticas. A resolução superior do microscópio eletrônico deve-se ao fato de os elétrons terem um comprimento de onda muito mais curto do que o dos fó­ tons de luz branca. Existem dois tipos de microscópio eletrônico de uso geral: o microscópio eletrônico de transmissão (MET), que tem muitas características em comum com o microscópio óptico, e o microscópio eletrônico de varredura (MEV). O MET foi o primeiro a ser desenvolvido, e utiliza um feixe de elétrons emi­ tido de um canhão, que é direcionado ou focalizado por um condensador eletromagnético sobre uma amostra delgada. À medida que os elétrons incidem na amostra, são dispersos dife­ rencialmente de acordo com o número e a massa de átomos na amostra; alguns elétrons atravessam a amostra, sendo reunidos e focalizados por uma lente objetiva eletromagnética que for­ nece uma imagem da amostra ao sistema de lentes projetoras para maior ampliação. A imagem é visualizada ao incidir em uma tela que fluoresce com a incidência dos elétrons, e pode ser registrada em filme fotográfico. O MET tem uma capaci­ dade de resolução de 0,001 µm para as partículas distantes. Os vírus, com diâmetros de 0,01 a 0,2 µm, podem ser facilmente observados. Em geral, o MEV tem menor poder de resolução do que o MET, mas é particularmente útil ao fornecer imagens tridi­ mensionais da superfície dos materiais microscópicos. Os elé­ trons são focados através de lentes em um ponto muito fino. A interação dos elétrons com a amostra resulta na liberação de diferentes formas de radiação (p. ex., elétrons secundários) da superfície do material, que podem ser capturadas por um detector apropriado, ampliadas e, em seguida, apresentadas em forma de imagem na tela de uma televisão (Fig. 2.lC). Uma técnica importante em microscopia eletrônica consis­ te no uso de "sombreamento". Esta técnica envolve a deposição de uma fina camada de metal pesado (p. ex.: platina) sobre a amostra, colocando-a no trajeto de um feixe de íons metálicos no vácuo. O feixe é direcionado obliquamente até a amostra, de modo que esta adquire uma "sombra" na forma de uma área não revestida no lado oposto. Quando um feixe de elétrons atravessa a preparação recoberta no microscópio eletrônico e forma-se uma cópia positiva da imagem "negativa", obtém-se um efeito tridimensional (p. ex., Fig. 2.22). Outras técnicas importantes de microscopia eletrônica consistem no uso de cortes ultrafinos de material embebido; um método de congelamento-ressecamento de amostras que impede a deformação causada pelos procedimentos conven­ cionais de ressecamento; e a utilização de coloração negativa com material de alta densidade de elétrons, como o ácido fos­ fotúngstico ou sais de uranil (Fig. 42.1). Na ausência desses sais de metais pesados, não haveria contraste suficiente para detec­ tar os detalhes da amostra. Microscópio de varredura confocal a laser O microscópio de varredura confocal a laser (MVCL) acopla uma fonte de raio laser à luz do microscópio. Na microsco­ pia de varredura confocal a laser, um feixe de laser é espalhado contra um espelho que o direciona através de um orifício que ajusta precisamente o plano de foco do feixe a uma camada vertical no interior da amostra. Pela iluminação precisa de um único plano da amostra, a intensidade de iluminação cai rapi­ damente acima e abaixo do plano de foco, e a luz se perde para outros planos de focos, minimizados. Assim, em uma amos­ tra relativamente espessa, podem-se observar várias camadas ajustando-se o plano de foco da luz a laser. Certas células são frequentemente coradas com corantes fluorescentes para que se tornem mais visíveis. Como alterna­ tiva, imagens com falsas cores podem ser geradas pelo ajuste do microscópio de modo que diferentes camadas apresentem dife­ rentes colorações. Os MVCL são equipados com um programa de computador para agrupar imagens digitais e processá-las posteriormente. Assim, as imagens obtidas de diferentes cama­ das podem ser armazenadas e superpostas digitalmente para se reconstruir uma imagem tridimensional da amostra inteira. Microscópios de varredura por sonda Uma nova classe de microscópios, chamados microscópios de varredura por sonda, medem as características da superfície CAPÍTULO 2 Estrutura celular 13 pelo movimento de uma sonda pontiaguda sobre a superfí­ cie do objeto. A microscopia de varredura por tunelamento e o microscópio de força atômica são exemplos dessa nova classe de microscópios, que possibilitam aos cientistas visua­ lizar átomos ou moléculas na superfície de uma amostra. Por exemplo, as interações entre as proteínas de uma bactéria Es­ cherichia coli podem ser estudadas com um microscópio de força atômica. ESTRUTURA DA CÉLULA EUCARIÓTICA O núcleo O núcleo contém o genoma da célula, e é delimitado por uma membrana que consiste em um par de membranas separadas por um espaço de espessura variável. A membrana interna é geralmente um saco simples, mas a membrana externa é, em muitos casos, contínua ao retículo endoplasmático (RE). A membrana nuclear exibe permeabilidade seletiva devido à presença de poros que consistem em um complexo de diver­ sas proteínas cuja função é importar e exportar substâncias de/para dentro ou de/para fora do núcleo. Os cromossomos das células eucarióticas contêm macromoléculas de DNA lineares, dispostas em dupla hélice, visíveis ao microscópio óptico apenas quando a célula sofre divisão, e o DNA encon­ tra-se em uma forma altamente condensada; nas outras fases do ciclo, os cromossomos não estão condensados e apresen­ tam o aspecto mostrado na Figura 2.2. As macromoléculas de DNA da célula eucariótica estão associadas a proteínas básicas, denominadas histonas, que se ligam ao DNA por in­ terações iônicas. Uma estrutura frequentemente visível no interior do nú­ cleo é o nucléolo, uma área rica em RNA, o local da síntese do RNA ribossômico (Fig. 2.2). As proteínas ribossômicas sinte­ tizadas no citoplasma são transportadas ao nucléolo e combi­ nam-se com o RNA ribossômico para formar as subunidades (grande e pequena) do ribossomo eucariótico. Em seguida, são exportadas para o citoplasma, onde se associam para for­ mar um ribossomo intacto que pode funcionar na síntese das , prote1nas. Estruturas citoplasmáticas O citoplasma das células eucarióticas caracteriza-se pela pre­ sença do RE, vacúolos, plastídeos autorreprodutivos e um citoesqueleto elaborado, constituído de microtúbulos, micro­ ftlamentos e filamentos intermediários. O retículo endoplasmático (RE) é uma rede de membra­ nas ligadas por canais contínuos à membrana nuclear. São re­ conhecidos dois tipos de RE: o rugoso, que contém ribossomos SOS ligados, e o liso, que não os possui (Fig. 2.2). O RE rugoso é o principal produtor de glicoproteínas e produz o material da nova membrana, transportada através da célula. O RE liso participa da síntese dos lipídeos e, em alguns aspectos, do me­ tabolismo dos carboidratos. O aparelho de Golgi consiste em vesículas de membranas que funcionam em conjunto com o RE para modificar quimicamente e transformar os produtos do RE destinados a serem secretados e que atuam em outras estruturas da membrana da célula. 14 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia FIGURA 2.2 Micrografia eletrônica de um corte fino de um núcleo eucariótico típico mostrando um nucléolo proeminente e grandes agregações de heterocromatina contra a membrana nuclear, atravessa­ da por poros (setas). Quadro superior à esquerda. Dois poros nucle­ ares com seus diafragmas. Quadro inferior à direita. Lâmina fibrosa presente na face interna do envelope nuclear. O retículo endoplasmáti­ co e várias mitocôndrias são visíveis no citoplasma. (Reproduzida, com autorização, de Fawcett DW: Bloom and Fawcett. A Textbook of Histology, 12th ed. Copyright © 1994. Com autorização de Chapman & Hall, New York, NY, EUA.) Os plastídeos consistem nas mitocôndrias e nos cloro­ plastos. Diversas linhas de evidência sugerem que as mitocôn­ drias e cloroplastos eram descendentes de antigos organismos procarióticos, tendo surgido do engolfamento de uma célula procariótica por uma célula maior (endossimbiose). As mito­ côndrias apresentam o tamanho de procariotos, e sua membra­ na, que perdeu esteróis, é muito menos rígida que a membrana citoplasmática das células eucarióticas, que contêm esteróis. A mitocôndria possui dois grupos de membranas. A membrana externa é semipermeável e possui inúmeros pequenos canais que permitem a passagem de íons e pequenas moléculas (p. ex., adenosina trifosfato [ATP] ). A invaginação da membrana ex­ terna forma um sistema de membranas externas dobradas, de­ nominadas cristas, locais das enzimas envolvidas na respiração e na produção de ATP. As cristas também contêm proteínas de transporte específicas que regulam a passagem dos metabólitos para dentro e para fora da matriz mitocondrial. Esta contém várias enzimas, em particular as ligadas ao ciclo do ácido cí­ trico. Os cloroplastos são organelas de células fotossintéticas capazes de converter a energia da luz solar em energia quími­ ca através da fotossíntese. A clorofila e os outros componen­ tes necessários à fotossíntese estão localizados em uma série de membranas de discos flutuantes que se chamam tilacoides. A forma, o tamanho e o número dos cloroplastos por célula variam bastante. Diferentemente da mitocôndria, os cloro­ plastos são, em geral, muito maiores do que os procariotos. As mitocôndrias e os cloroplastos contêm seu próprio DNA, que existe em uma forma covalente circular fechada e codifica para algumas (não todas) das proteínas que o compõem e RNA de transferência. As mitocôndrias e os cloroplastos também con­ têm ribossomos 70S, da mesma maneira que os procariotos. Alguns microrganismos eucarióticos (p. ex., Trichomonas vaginalis) não possuem mitocôndria e em seu lugar apresen­ tam uma membrana próxima a uma organela respiratória, chamada hidrogenossomo. Os hidrogenossomos podem ter surgido por endossimbiose, e foram identificados alguns que contêm DNA e ribossomos. O hidrogenossomo, de tamanho quase similar ao da mitocôndria, não possui cristas e nem as enzimas do ciclo do ácido tricarboxílico. O piruvato é retira­ do pelo hidrogenossomo, e são produzidos H2, C02, acetato e ATP. Os lisossomos são sacos ligados à membrana que contêm várias enzimas digestivas utilizadas pela célula para digerir as macromoléculas, tais como proteínas, ácidos graxos e po­ lissacarídeos. O lisossomo permite que essas enzimas sejam separadas do citoplasma, pois elas podem destruir as macro­ moléculas celulares se não forem controladas. Após a hidrólise das macromoléculas nos lisossomos, os monômeros resultan­ tes passam através do lisossomo para o citoplasma, onde ser­ vem como nutrientes. O peroxissomo é uma estrutura ligada à membrana cuja fun­ ção é produzir H202 pela redução de 02 a partir de vários doa­ dores de hidrogênio. O H202 produzido no peroxissomo é sub­ sequentemente degradado em H20 e 02 pela enzima catalase. O citoesqueleto é uma estrutura tridimensional que preen­ che o citoplasma. Os tipos primários de fibra, compreendendo o citoesqueleto, são os microfilamentos, os filamentos inter­ mediários e os microtúbulos. Os microftlamentos, que pos­ suem cerca de 3 a 6 nm de diâmetro, são polímeros compostos de subunidades da proteína actina. Estas fibras formam enve­ lope em torno da célula, definindo e mantendo a forma da cé­ lula. Os microfilamentos também podem ser responsáveis por movimentos celulares, como os de deslizamento, contração e citocinese. Os microtúbulos são tubos cilíndricos, de 22 a 25 nm de diâmetro, compostos por subunidades da proteína tubulina. Essas estruturas auxiliam os microftlamentos na manutenção da estrutura celular, na formação de fibras finas para a sepa­ ração dos cromossomos durante a mitose, e desempenham importante papel na motilidade celular. Os filamentos inter­ mediários possuem cerca de 10 nm de diâmetro e fornecem força tensional à célula. Camadas superficiais O citoplasma é limitado por uma membrana plasmática, com­ posta de proteínas e fosfolipídeos, semelhante à membrana da A Membrana plasmática Parede celular / Ficobilissomos Tilacoides • 1µm Carboxissomo • Ribossomo 708 B FIGURA 2.7 (A) Corte fino de Synechococcus lividus mostrando um extenso sistema de tilacoide. Os ficobilissomos desses tilacoides são perfeitamente visíveis como grânulos na localização t (ampliada 85.000 vezes). (Reproduzida, com autorização, de Elizabeth Gentt/ Visuais Unlimited.) (8) Seção fina de Synechocystis durante a divisão. Diversas estruturas estão visíveis. (Reproduzida, com autorização, de Carlsberg Research Communications 42:77-98, 1977, com gentil autori­ zação de Springer Science+Business Media.) a síntese do ácido nucleico são reiniciadas. Uma variedade de procariotos é capaz de oxidar compostos de enxofre reduzidos, como o sulfito de hidrogênio e o tiossulfato, produzindo grâ­ nulos intracelulares de enxofre elementar (Fig. 2.SC). Como CAPÍTULO 2 Estrutura celular 1 7 as fontes de enxofre reduzido se tornam limitantes, o enxofre em grânulos é oxidado, geralmente em sulfato, e os grânulos desaparecem lentamente. Muitas bactérias acumulam grandes reservas de fosfato inorgânico em forma de grânulos de poli­ fosfato (Fig. 2.8B), os quais podem ser degradados e usados como fonte de fosfato para a síntese dos fosfolipídeos e a do ácido nucleico, como suporte de crescimento. Esses grânulos são às vezes denominados grânulos de volutina ou grânulos metacromáticos, uma vez que se coram de vermelho com co­ rante azul. Esses grânulos são característicos das corinebacté­ rias (Cap. 13). Certos grupos de bactérias autotróficas que fDCam dióxido de carbono para construir seus blocos bioquímicos contêm cor­ pos poliédricos circundados por uma concha proteica ( carbo­ xissomos) que contém a enzima-chave para a fixação de co2, a carboxilase de ribulosebisfosfato (Fig. 2.7B). Os magnetosso­ mos são partículas de cristal do ferro mineral magnetita (Fe3 O 4) que permitem a certas bactérias aquáticas exibir magnetotaxia (i. e., migração ou orientação da célula com respeito ao campo magnético da Terra). Os magnetossomos são circundados por uma membrana não unida que contém fosfolipídeos, proteínas e glicoproteínas. Vesículas gasosas são encontradas quase ex­ clusivamente em microrganismos de habitats aquáticos, pro­ porcionando-lhes a flutuação. A membrana da vesícula gasosa é uma camada proteica de 2 nm de espessura, impermeável à água e solutos mas permeável a gases; dessa forma, as vesículas gasosas existem como estruturas cheias de gás, circundadas pe­ los componentes do citoplasma (Fig. 2.9). As bactérias contêm proteínas semelhantes à actina e a proteínas sem actina, ambas do citoesqueleto das células eu­ carióticas, como proteínas adicionais, que têm uma função de citoesqueleto (Fig. 2.10). Os homólogos da actina (p. ex., MreB, Mbl) realizam uma variedade de funções, ajudando a determinar a forma celular, a segregação dos cromossomos e a localizar proteínas com a célula. Os homólogos sem actina (p. ex., FtsZ) são proteínas únicas no citoesqueleto bacteria­ no (p. ex., SecY, MinD) e estão envolvidas na determinação da forma celular, na regulação da divisão da célula e na segregação A ' cromossom1ca. O envelope celular As células procarióticas são circundadas por um complexo en­ velope composto por camadas que diferem em sua composição entre os grupos principais. Estas estruturas protegem os orga­ nismos de ambientes hostis, como extremos de osmolaridade, substâncias químicas e antibióticos. A membrana celular A. Estrutura A membrana celular bacteriana, também denominada mem­ brana citoplasmática, é visível em micrografias eletrônicas de cortes finos (Fig. 2.15). Trata-se de uma típica "unidade de membrana", composta de fosfolipídeos e mais de 200 tipos di­ ferentes de proteína. As proteínas respondem por cerca de 70% da massa da membrana, proporção consideravelmente eleva­ da quando comparada com a das membranas das células dos mamíferos. A Figura 2.11 ilustra um modelo de organização 18 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia • • " ' • • .. -­. � . · � ­' • • � · • • • • • • · MP • • • ' • • • • • • • • ' ' ... '\ • • • • · " . . . • • • • • . 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Diversas características estruturais podem ser vistas, inclusive as camadas da parede celular, Llll e LIV; gp, grânulos de polifosfato; cp, um corpo poliédrico; c, grânulos de cianoficina; mp, membrana plasmática. (Reproduzida, com autorização, do National Research Council of Canada.) (C) Cromatium vinosum, uma sulfobactéria púrpura, com grânulos intracelulares de enxofre, microscopia de campo luminoso (ampliada 2.000 vezes). (Reproduzida, com autorização, de John Holt (editor): The Shorter Bergey's Manual of Determinative Bacterio­ logy, 8th ed., 1977. Copyright © Bergey's Manual Trust. Published por Williams & Wilkins.) da membrana. As membranas dos procariotos diferenciam-se daquelas das células eucarióticas pela ausência de esteróis, e a única exceção é representada pelos micoplasmas que incorpo­ ram esteróis, como o colesterol, em suas membranas quando crescem em meios que contenham esterol. A membrana celular das arqueobactérias ( Cap. 1) difere das demais bactérias. Algumas membranas de arqueobactérias contêm lipídeos únicos, os isoprenoides, em vez de ácidos gra­ xos, unidos ao glicerol por uma ligação éter em vez de éster. Alguns destes lipídeos não possuem grupamentos fosfato e, as­ sim, não são fosfolipídeos. Em outras espécies, a membrana ce­ lular é feita por monocamada lipídica, que consiste em lipídeos longos (com cerca de duas vezes a extensão de um fosfolipídeo) com glicerol-éteres em ambas as extremidades (tetraéteres de diglicerol). As moléculas se orientam com os grupos glicerol polares nas superfícies e a cadeia de hidrocarbonetos apola­ res no interior. Esses lipídeos não usuais contribuem para a faculdade de muitas arqueobactérias de crescer em condições ambientes como altas concentrações de sal, baixo pH ou tem­ peraturas muito elevadas. B. Função As principais funções da membrana citoplasmática são ( 1) a permeabilidade seletiva e o transporte de solutos; (2) transpor­ te de elétrons e fosforilação oxidativa em espécies aeróbias; (3) excreção das exoenzimas hidrolíticas; (4) localização das en­ zimas e moléculas transportadoras que atuam na biossíntese CAPÍTULO 2 Estrutura celular 19 FIGURA 2.9 Corte transversal de uma célula em divisão de cianobactéria da espécie Microcystis, mostrando a distribuição hexagonal das vesí­ culas gasosas cilíndricas (ampliada 31.500 vezes). (Micrografia obtida por HS Pankratz. Reproduzida, com autorização, de Walsby AE: Gas vesicles. Microbial Rev 1994;58:94.) A B FIGURA 2.10 Citoesqueleto procariótico. Visualização da proteína de citoesqueleto MreB-/ike (Mbl) de Bacillus subtilis. A proteína Mbl foi fusionada com proteína verde fluorescente (PVF) e as células vivas fo­ ram examinadas por microscopia de fluorescência. (A) Setas indicando os cabos helicoidais do citoesqueleto que se estendem ao longo das células. (8) Três das células de (A) são mostradas com maior aumento. (Cortesia de Rut Carballido-Lopez e Jeff Errington.) do DNA, dos polímeros da parede celular e dos lipídeos da membrana; e (5) localização dos receptores e outras proteínas do sistema quimiotático dos outros sistemas de transdução sensorial. Pelo menos 50% da membrana citoplasmática deve en­ contrar-se no estado semilíquido para que ocorra o cresci­ mento celular. A temperaturas baixas, tal estado é obtido mediante o aumento acentuado na síntese e na incorporação dos ácidos graxos insaturados em fosfolipídeos da membrana celular. 1 . Permeabilidade e transporte - a membrana citoplasmá­ tica forma uma barreira hidrofóbica impermeável à maioria das moléculas hidrofílicas. Entretanto, existem vários mecanismos (sistemas de transporte) que capacitam a célula a transportar os nutrientes para o seu interior e produtos de degradação para fora. Esses sistemas de transporte atuam contra um gradiente de concentração para aumentar a concentração dos nutrientes no interior da célula, função que requer alguma forma de ener­ gia. Há três mecanismos gerais de transporte envolvidos no transporte da membrana: o transporte passivo, o transporte ativo e a translocação de grupos. 22 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia vias tipos II e V atravessam a MI e a ME em etapas distintas. As proteínas secretadas pelas vias tipos II e V são sintetizadas nos ribossomos citoplasmáticos, em forma de pré-proteínas que contêm uma sequência-líder ou sinalizadora adicional de 15 a 40 aminoácidos - mais comumente, cerca de 30 aminoácidos - na extremidade aminoterminal e que exigem a presença do sistema sec para o seu transporte através da MI (citoplasmáti­ ca). Em E. coli, a via sec compreende diversas proteínas da MI (SecD a SecF, SecY), uma ATPase associada à membrana celu­ lar (SecA) que fornece energia para exportação, uma proteína chaperona (SecB) que se liga à pré-proteína, e a peptidase sinal periplasmática. Após translocação, a sequência-líder é clivada pela peptidase sinal ligada à membrana, e a proteína madura é liberada no espaço periplasmático. Diferentemente, as proteínas secretadas pelos sistemas tipos 1 e III não possuem sequência­ líder e são exportadas intactas. Em bactérias gram-negativas e gram-positivas, outro siste­ ma de translocação pela membrana plasmática, chamado via tat, pode mover proteínas através da membrana plasmática. Em bactérias gram-negativas, estas proteínas são então libera­ das para o sistema tipo II (Fig. 2.13). A via tat difere do sistema sec, pois faz a translocação das proteínas em sua conformação final (dobra). Embora as proteínas secretadas pelos sistemas tipos II e V sejam similares no mecanismo utilizado para atravessar a MI, existem diferenças na maneira como atravessam a ME. As pro­ teínas secretadas pelo sistema tipo II são transportadas pela ME por um complexo multiproteico (Fig. 2.13). Trata-se da prin­ cipal via para a secreção das enzimas de degradação extracelu­ lares por bactérias gram-negativas. A elastase, a fosfolipase C e a exotoxina A, são secretadas por este sistema na Pseudomonas aeruginosa. Entretanto, as proteínas secretadas pelo sistema Tipo 1 Tipo Il i Tipo li Tipo V Tipo IV ADP + Pi TolC ATP Exterior da célula YscJ ..,>JI ... J>Jl'- Yop Espaço periplasmático M em b ran a ....__ __ --1 plasmática Chaperona ATP ADP + Pi ATP ADP + Pi Citoplasma Proteína Membrana externa ATP Chaperona ADP + Pi ATP ATP ADP + Pi FIGURA 2.13 Sistemas de secreção de proteína em bactérias gram-negativas. Cinco sistemas de secreção de bactérias gram-negativas são mos­ trados. O sistema dependente da sece a via Tattransportam proteínas do citoplasma para o espaço periplasmático. Os sistemas tipos li, Ve, às vezes, do tipo IV completam o processo de secreção inciado pela via dependente da sec. O sistema Tat parece transportar proteínas somente para a via tipo li. Os sistemas tipos 1 e Il i desviam das vias dependente da sece Tat, movendo as proteínas diretamente do citoplasma, através da membrana externa para o espaço extracelular. O sistema de secreção tipo IV pode atuar tanto com a via dependente da secquanto sozinho para transportar proteínas para o espaço extracelular. As proteínas translocadas pela via dependente da sec e pelo tipo Il i são transportadas para esses sistemas por proteínas chaperonas. ADP, adenosina difosfato; ATP, adenosina trifosfato; EFGY, PulS, SecD, TolC, Yop (Reproduzida, com autorização, de Willey JM, Sherwood LM, Woolverton CJ (editors): Prescott, Harley, and Klein's Microbiology, 7th ed., New York: McGraw-Hill; 2008. © McGraw-Hill Companies, lnc.) tipo V autotransportam-se, através da membrana externa, por uma sequência carboxiterminal removida enzimaticamen­ te sob a liberação da proteína para a ME. Algumas proteínas extracelulares - por exemplo, a IgA protease da Neisseria go­ norrhoeae e a citotoxina de vacuolização do Helicobacter pylori - são secretadas por este sistema. As vias de secreção tipos I e III são independentes do sec e, por isso, não envolvem o processamento aminoterminal das proteínas secretadas. A secreção das proteínas por essas vias ocorre em um processo contínuo, sem a presença de qualquer intermediário citoplasmático. A secreção tipo I é exemplificada pela a-hemolisina da E. coli e pela adenililciclase da Bordetella pertussis. A secreção tipo I requer três proteínas secretoras: um cassete de ligação ao ATP (transportador tipo ABC), que for­ nece energia para a secreção proteica; uma proteína da ME; e uma proteína de fusão da membrana, ancorada na membra­ na interna e que atravessa o espaço periplasmático (Fig. 2.13). Em lugar do peptídeo de sinalização, a informação localiza-se dentro dos 60 aminoácidos carboxiterminais da proteína se­ cretada. A via de secreção tipo III é um sistema dependente de con­ tato. Este sistema é ativado pelo contato com a célula hospe­ deira, e então injeta uma toxina proteica diretamente na célula hospedeira. O aparelho de secreção tipo III é constituído por aproximadamente 20 proteínas, a maioria das quais localiza­ se na MI. Esses componentes da MI são, em sua maioria, ho­ mólogos ao aparelho de biossíntese flagelar das bactérias tanto gram-positivas quanto gram-negativas. À semelhança da se­ creção tipo I, as proteínas secretadas pela via de secreção tipo III não estão sujeitas a processamento aminoterminal durante sua secreção. As vias de secreção tipo IV secretam tanto toxinas poli­ peptídicas (direcionadas contra as células eucarióticas) quanto complexos proteína-DNA entre duas células bacterianas ou entre uma bactéria e uma célula eucariótica. O tipo IV de se­ creção é exemplificado pelo complexo proteína-DNA liberado por Agrobacterium tumef aciens em células de plantas. Além desse microrganismo, a B. pertussis e H. pylori possuem sis­ temas de secreção tipo IV que medeiam a secreção da toxina pertussis e do fator de indução da interleucina-8, respectiva­ mente. O sistema de secreção tipo VI independente de sec foi recentemente descrito em P. aeruginosa, em que contribui para a patogenicidade em pacientes com fibrose cística. Este sistema de secreção é composto por 15 a 20 proteínas cujas funções bioquímicas ainda não estão bem compreendidas. Entretanto, estudos recentes sugerem que algumas dessas proteínas parti­ lham homologia com as proteínas da cauda de bacteriófagos. As características dos sistemas de secreção de proteínas de bactérias estão sintetizadas no Quadro 9.6. 4. Funções de biossíntese - a membrana celular constitui o local dos peptídeos transportadores sobre o qual se organizam as subunidades da parede celular (ver discussão sobre a síntese das substâncias da parede celular no Cap. 6), bem como das enzimas de biossíntese da parede celular. As enzimas para a síntese dos fosfolipídeos também se localizam na membrana celular. 5. Sistemas quimiotáticos - as substâncias atrativas e repe­ lentes ligam-se a receptores específicos existentes na membrana CAPÍTULO 2 Estrutura celular 23 bacteriana (ver Flagelos). Existem pelo menos 20 quimiorrecep­ tores diferentes na membrana da E. coli, alguns dos quais tam­ bém atuam como primeira etapa no processo de transporte. A parede celular A pressão osmótica interna da maioria das bactérias varia de 5 a 20 atm devido à concentração de solutos obtida através do transporte ativo. Na maioria dos ambientes, esta pressão se­ ria suficiente para provocar a ruptura da célula, se não fosse a presença de uma parede celular com elevada força de tensão (Fig. 2.14). A parede celular bacteriana deve sua força a uma camada constituída por uma substância conhecida como mu­ reína, mucopeptídeo ou peptidoglicano (termos sinônimos). A estrutura do peptidoglicano é discutida adiante. A maioria das bactérias é classificada como gram-positiva ou gram-negativa, de acordo com sua resposta à coloração pelo método de Gram. Este procedimento recebeu tal deno­ minação do histologista Hans Christian Gram, que desenvol­ veu essa técnica de coloração diferencial na tentativa de corar bactérias em tecidos infectados. A coloração de Gram depende da capacidade de certas bactérias (as bactérias gram-positivas) de reter o complexo cristal de violeta (um corante púrpura) e iodo após breve lavagem com álcool ou acetona. As bactérias gram-negativas não retêm o complexo corante-iodo e tornam­ se translúcidas, podendo, assim, tomar a coloração de fundo com safranina* (um corante vermelho). Assim, as bactérias . . , . , . gram-pos1t1vas aparecem na cor purpura ao m1croscop10, e as gram-negativas, em vermelho. A distinção entre esses dois grupos reflete diferenças fundamentais em seus envelopes ce­ lulares (Fig. 2.15). * N. de R.T. Pode-se empregar a fucsina como corante de fundo no lugar da safranina. FIGURA 2.14 Parede celular de bactéria gram-positiva. Peptidogli­ cano de Bacil/us megaterium, uma bactéria gram-positiva. As esferas de látex têm um diâmetro de 0,25 µm. (Reproduzida, com autorização, de Willey JM, Sherwood LM, Woolverton CJ [editors]: Prescott, Harley, and Klein's Microbiology, 7th ed. New York: McGraw-Hill; 2008. © McGraw­ Hill Companies, lnc.) 24 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia Parede celular gram-positiva ------ Peptidoglicano 1--- Membrana plasmática O Parede celular MP Parede celular gram-negativa Parede celular r1-, � -...___,11-1-1- - Membrana externa •t-t-t--- Peptidoglicano +---- Membrana plasmática - - LT Espaço periplasmático FIGURA 2.15 Paredes bacterianas gram-positivas e gram-negativas. Envelope gram-positivo de Bacillus licheniiformis (esquerda) e micrografia eletrônica de Aquaspirillum serpens (direita). M, peptidoglicano ou mureína; ME, membrana externa; MP, membrana plasmática; EP, espaço periplás­ mático; P, parede (peptidoglicano) de bactéria gram-positiva (Reproduzida, com autorização, de T.J. Beveridge/Biological Photo Service.) Além de proporcionar uma proteção osmótica, a parede celular desempenha papel essencial na divisão celular e atua como modelo para a sua própria biossíntese. Várias camadas da parede constituem os locais de importantes determinantes antigênicos da superfície celular, em que um componente - o lipopolissacarídeo das paredes celulares gram-negativas - é responsável pela atividade de endotoxina inespecífica das bac­ térias gram-negativas. Em geral, a parede celular não é seleti­ vamente permeável; entretanto, uma camada da parede celular gram-negativa - a membrana externa - impede a passagem das moléculas relativamente grandes (ver adiante). A biossíntese da parece celular e os antibióticos que interfe­ rem nesse processo são discutidos no Capítulo 6. A. Camada de peptidoglicano O peptidoglicano é um polímero complexo constituído, para fins de descrição, de três partes: um arcabouço, composto de N-acetilglicosamina e ácido N-acetilmurâmico alternados; um conjunto de cadeias laterais idênticas de tetrapeptídeos ligadas ao ácido N-acetilmurâmico; e um conjunto de ligações cruza­ das peptídias idênticas (Fig. 2.16). O arcabouço é o mesmo em todas as espécies bacterianas; as cadeias laterais de tetrapeptí­ deos e as pontes cruzadas de peptídeos variam de uma espé­ cie para outra, e as de Staphylococcus aureus são ilustradas na Figura 2.16. Em muitas paredes celulares de bactérias gram­ negativas, a ponte cruzada consiste em uma ligação peptídica direta entre o grupo amino de uma cadeia lateral do ácido dia­ minopimélico (DAP) e o grupo carboxila da D-alanina termi­ nal de uma segunda cadeia lateral. Todavia, as cadeias laterais de tetrapeptídeos de todas as espécies têm certas características importantes em comum. A maioria possui L-alanina na posição 1 (ligada ao ácido N-ace­ tilmurâmico ), D-glutamato ou D-glutamato substituído na po­ sição 2, e D-alanina na posição 4. A posição 3 é a mais variável: a maioria das bactérias gram-negativas tem o ácido diaminopimé­ lico nessa posição, ao qual está ligado o componente lipoproteico da parede celular discutido adiante. As bactérias gram-positivas geralmente possuem L-lisina na posição 3; entretanto, algumas podem ter o ácido diaminopimélico ou outro aminoácido nesta posição. O ácido diaminopimélico é um elemento exclusivo das paredes celulares bacterianas, e não é encontrado na parede celular das arqueobactérias ou dos eucariotos. É o precursor imediato da lisina na biossíntese bacteriana desse aminoácido (Fig. 6.19). Os mutantes bacterianos cuja via de biossíntese é bloqueada antes do ácido diaminopimélico crescem normal­ mente quando o meio contém esse ácido. Entretanto, quando recebem apenas L-lisina, sofrem lise, visto que continuam a crescer, porém são incapazes de formar especificamente o pep­ tidoglicano da nova parede celular. O fato de todas as cadeias de peptidoglicano exibirem li­ gações cruzadas significa que cada camada de peptidoglicano é uma única molécula gigante. Nas bactérias gram-positivas, existem até 40 camadas de peptidoglicano, constituindo até 50% do material da parede celular; nas bactérias gram-negati­ vas, parece haver apenas uma ou duas camadas, constituindo 5 a 10% do material da parede. As bactérias devem suas formas, que são características de cada espécie, à estrutura de sua pa­ rede celular. B. Componentes especiais das paredes celulares das bactérias gram-positivas As paredes celulares da maioria das bactérias gram-positivas contêm consideráveis quantidades dos ácidos teicoico e tei­ curônico, que podem representar até 50% do peso seco da parede e 10% do peso seco da célula total. Além disso, algu­ mas paredes gram-positivas podem conter moléculas de po­ lissacarídeos. 2. Polissacarídeos - a hidrólise das paredes das células gram­ positivas produz, em determinadas espécies, açúcares neutros, como a manose, arabinose, ramnose e glicosamina, bem como açúcares ácidos, como os ácidos glicurônico e manurônico. Sugeriu-se que esses açúcares existem como subunidades dos polissacarídeos na parede celular; entretanto, a descoberta de que os ácidos teicoico e teicurônico podem conter uma varie­ dade de açúcares (Fig. 2.17 A) faz que a verdadeira origem des­ ses açúcares permaneça incerta. C. Componentes especiais das paredes celulares dos microrganismos gram-negativos As paredes celulares dos gram-negativos contêm três compo­ nentes localizados fora da camada de peptidoglicano: lipopro­ teína, membrana externa e lipopolissacarídeos (Fig. 2.18). 1 . Membrana externa - a membrana externa é quimica­ mente distinta de todas as outras membranas biológicas. Forma uma estrutura em dupla camada; seu folheto interno asseme­ lha-se, em sua composição, ao da membrana celular, enquanto Lipopolis- sacarídeo Membrana externa Lipoproteína Periplasma Membrana interna Citoplasma CAPÍTULO 2 Estrutura celular 27 os fosfolipídeos do folheto externo contêm um componente distintivo, um lipopolissacarídeo (LPS). Em consequência, os folhetos dessa membrana são assimétricos, e as propriedades dessa dupla camada diferem de modo considerável daquelas de uma membrana biológica simétrica, como a membrana celular. A capacidade da membrana externa de excluir molécu­ las hidrof ó bicas constitui uma característica peculiar entre as membranas biológicas e serve para proteger a célula (no ca­ so das bactérias entéricas) das substâncias deletérias, como os sais biliares. Em virtude de sua natureza lipídica, seria de se esperar que a membrana externa também excluísse as molécu­ las hidrofílicas. Entretanto, a membrana externa possui canais especiais, constituídos por moléculas proteicas denominadas porinas, que permitem a difusão passiva dos compostos hi­ drofílicos de baixo peso molecular, tais como açúcares, ami­ noácidos e certos íons. As grandes moléculas de antibióticos penetram de modo relativamente lento através da membrana externa, contribuindo para a resistência relativamente alta das bactérias gram-negativas aos antibióticos. A permeabilidade da membrana externa varia bastante de uma espécie bacteriana Porina _L � ..... ..,.. ____ Antígeno O --:;: repetido .. .. .. GlcNAc Glicose .. Galactose .. Heptose KOO • Lipídeo A y- Peptidoglicano _. MOO • Fosfolipídeos • Proteínas Cerne externo Cerne interno FIGURA 2.18 Representação molecular da parede de uma bactéria gram-negativa. As formas ovais e os retângulares representam resíduos de açúcar e as circulares indicam os grupos polares dos glicerofosfolipídeos (fosfatidiletanolamina e fosfatidilg licerol). (MOO, oligossacarídeos deriva­ dos da membrana.) A região do cerne mostrada é a da Escherichia coli K-12, cepa que normalmente não contém um antígeno O repetido, a não ser que seja transformada com um plasmídeo apropriado. (Reproduzida, com autorização, de Raetz CRH: Bacterial endotoxins: Extraordinary lipids that activate eucaryotic signal transduction. J Bacteriol 1993;175:5745.) 28 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia gram-negativa para outra. Assim, por exemplo, em P. aerugi­ nosa, extremamente resistente aos antibacterianos, a membra­ na externa é 100 vezes menos permeável do que a da E. coli. As principais proteínas da membrana externa, denomina­ das de acordo com os genes que as codificam, foram classifica­ das em diversas categorias funcionais, com base nos mutantes em que estão ausentes, bem como em experimentos nos quais as proteínas purificadas foram reconstituídas em membranas artificiais. As porinas, exemplificadas por OmpC, D e F, assim como PhoE da E. coli e da Salmonella typhimurium*, são proteí­ nas triméricas que penetram em ambas as faces da membrana externa (Fig. 2.19). Formam poros relativamente inespecíficos que permitem a difusão livre de pequenos solutos hidrofílicos através da membrana. As porinas de espécies diferentes pos­ suem diferentes limites de exclusão que variam desde pesos moleculares de cerca de 600 na E. coli e na S. typhimurium até mais de 3.000 na P. aeruginosa. Os membros de um segundo grupo de proteínas da mem­ brana externa, que se assemelham em muitos aspectos às po­ rinas, são exemplificados por LamB e Tsx. LamB, uma porina induzível que também é o receptor do bacteriófago lambda, responde pela maior parte da difusão transmembrana da mal­ tose e da maltodextrina; Tsx, o receptor do bacteriófago T6, * N. de R T. A nomenclatura mais atual seria: Salmonella enterica subes­ pécie enterica sorovar Typhimurium ou Salmonella Typhimurium. O gê­ nero Salmonella, que apresenta uma taxonomia extremamente complexa, é formada por 3 espécies (S. enterica, S. bongori e S. subterranea). Já a espécie S. enterica apresenta seis subespécies (enterica, salamae, arizonae, diarizonae, houtanae e indica), além de mais de 2.460 sorovares, que são escritos com letra maiúscula e não em itálico. A é responsável pela difusão transmembrana dos nucleosídeos e de alguns aminoácidos. A proteína LamB permite a passagem de outros solutos; entretanto, sua relativa especificidade pode refletir interações fracas de solutos com locais de configuração específica no interior do canal. A OmpA é uma proteína abundante na membrana exter­ na. Participa na ancoragem da membrana externa à camada de peptidoglicano como receptor de vários bacteriófagos, e atua como receptor do pilus sexual na conjugação bacteriana me­ diada pelo fator F (Cap. 7). A membrana externa também contém um conjunto de proteínas menos abundantes, envolvidas no transporte de mo­ léculas específicas, como a vitamina B12 e complexos de ferro­ sideróforos. Essas proteínas exibem alta afmidade pelos seus substratos, e é provável que atuem como os sistemas clássicos de transporte da membrana interna (citoplasmática). A função adequada dessas proteínas requer energia acoplada através de uma proteína denominada TonB. Outras proteínas de menos importância incluem um número limitado de enzimas, entre elas fosfolipases e proteases. A topologia das principais proteínas da membrana exter­ na, com base em estudos de ligação cruzada e na análise de relações funcionais, é apresentada na Figura 2.18. A membra­ na externa está conectada tanto à camada do peptidoglicano quanto à membrana citoplasmática. A conexão com a cama­ da do peptidoglicano é mediada principalmente pela lipopro­ teína da membrana externa (ver adiante). Cerca de 33% das moléculas de lipoproteína apresentam ligação covalente com o peptidoglicano, e ajudam a manter as duas estruturas unidas. Uma associação não covalente de algumas das porinas com a B FIGURA 2.19 (A) Dobra geral de um monômero de porina (porina OmpF de Escherichia coli). A grande estrutura oca em barril � é formada pelo arranjo antiparalelo de 16 fitas �· As fitas são ligadas por alças curtas ou giros regulares na borda periplasmática (parte inferior), e alças irregulares longas estão voltadas para o exterior da célula (parte superior). A alça interna, que liga os filamentos �5 e 6, estendendo-se no interior do barril, está representada em escuro. As terminações da cadeia estão indicadas. A superfície mais próxima do observador é envolvida em contatos de subuni­ dades. (8) Representação esquemática do trímero OmpF. Vista do espaço extracelular ao longo do eixo de simetria molecular tripla. (Reproduzida, com autorização, de Schirmer T: General and specific porins from bacterial outer membranes. J Struct Bio/ 1998;121:101.) camada de peptidoglicano desempenha um papel menor na conexão da membrana externa com essa estrutura. As proteí­ nas da membrana externa são sintetizadas em ribossomos li­ gados à superfície citoplasmática da membrana interna; ainda não foi estabelecido como essas proteínas são transferidas para a membrana externa, porém uma hipótese aventada sugere que a transferência ocorre em zonas de adesão entre a membrana citoplasmática e a membrana externa, visíveis à microscopia eletrônica. Infelizmente, as evidências de tais áreas de adesão têm sido difíceis de ser demonstradas. 2. Lipopolissacarídeo (LPS) - o LPS das paredes celulares gram-negativas consiste em um glicolipídeo complexo, deno­ minado lipídeo A, ao qual está ligado um polissacarídeo cons­ tituído de um cerne e uma série terminal de unidades repetidas (Fig. 2.20A). O componente do lipídeo A encontra-se embebi­ do no folheto externo da membrana, ancorando o LPS. O LPS é sintetizado sobre a membrana citoplasmática e transportado até sua posição exterior final. A presença do LPS é necessária para a função de muitas proteínas da membrana externa. O lipídeo A consiste em unidades dissacarídicas de glicosa­ mina fosf orilada, às quais estão ligados vários ácidos graxos de cadeia longa (Fig. 2.20). O ácido �-hidroximirístico, um ácido graxo de Cl4, está sempre presente e é exclusivo desse lipídeo. A Man- Abe 1 Rha 1 Gal 1 Man- Abe 1 Rha 1 Gal 1 Glc- NAG 1 Gal 1 Glc- Gal 1 Hep 1 n 1--- Cadeia lateral O Hep- - 8 - etanolamina 1 KDO 1 KDO- KDO- - etanolamina GlcN GlcN - ' �- Acido graxo B CAPÍTULO 2 Estrutura celular 29 Os outros ácidos graxos, juntamente com grupos substituintes nos fosfatos, variam de acordo com a espécie bacteriana. O cerne do polissacarídeo, mostrado nas Figuras 2.20A e B, é semelhante em todas as espécies de bactérias gram-negativas que possuem LPS e inclui dois açúcares característicos, o ácido cetodesoxioctanoico (KDO) e uma heptose. Todavia, cada es­ pécie contém uma unidade repetida peculiar, como, por exem­ plo, o da Salmonella que está ilustrada na Figura 2.20A. Em geral, as unidades de repetição consistem em trissacarídeos li­ neares ou em tetra ou pentassacarídeos ramificados. A unidade repetida é classificada como antígeno O. As cadeias hidrofílicas de carboidrato do antígeno O cobrem a superfície bacteriana e excluem os componentes hidrofóbicos. As moléculas de LPS de carga negativa são ligadas de modo não covalente por cátions divalentes (i. e., Ca2+ e Mg2+), forman­ do pontes cruzadas; isso estabiliza a membrana e proporciona uma barreira contra as moléculas hidrofóbicas. A remoção dos cátions divalentes com agentes quelantes ou seu deslocamento por antibióticos policatiônicos, como as polimixinas e os ami­ noglicosídeos, torna a membrana externa permeável as gran­ des moléculas hidrof óbicas. O LPS, extremamente tóxico para os animais, foi denomi­ nado endotoxina das bactérias gram-negativas, por estar firme­ mente ligado à superfície celular, sendo liberado apenas quando as células sofrem lise. Quando o LPS é clivado em lipídeo A e FIGURA 2.20 Estrutura de lipopolissacarídeo (A) Lipopolissacarídeo de Salmonella. Este diagrama levemente simplificado ilustra uma forma de LPS. (Abe, abequose; Gal, galactose; GlcN, glicosamina; Hep, heptulose; KDO, 2 ceto-3-desoxioctonato; Man, manose; NAG, N-acetilglicosamina; P, fosfato; Rha, L-ramnose.) O lipídeo A está inserido na membrana externa. (8) Modelo molecular de um lipopolissacarídeo de Escherichia coli. O lipídeo A e o cerne polissacarídeo estão em linha reta; a cadeia lateral O está dobrada em ângulo neste modelo. (Reproduzida, com autorização, de Willey VM, Sherwood LM, Woolverton CJ: Prescott, Harley, and Klein's Microbiology, 7th ed., New York: McGraw-Hill; 2008. © The McGraw-Hill Companies, lnc.) 32 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia 1. Protoplastos, esferoplastos e formas L A remoção da parede bacteriana pode ser efetuada por hidró­ lise �om a lisozima ou por bloqueio da biossíntese do pepti­ doglicano com um antibiótico, como a penicilina. Em meios osmoticamente protegidos, esses tipos de tratamento liberam os protoplastos das células gram-positivas e esferoplastos (que retêm a membrana externa e o peptidoglicano aprisiona­ do) das células gram-negativas. Se tais células forem capazes de crescer e sofrer divisão denominam-se formas L. É difícil obter a cultura das formas L: que em geral exigem um meio solidificado com ágar bem co­ mo uma força osmótica adequada. As formas L são produzidas mais facilmente com penicilina do que com lisozima, sugerin­ do a necessidade de peptidoglicano residual. Algumas formas L podem reverter à sua forma bacilar nor­ mal após a remoção do estímulo indutor. Por conseguinte, são capazes de reiniciar a síntese normal da parede celular. Outras são estáveis e nunca sofrem reversão. Nesse caso, o fator que determina sua capacidade de reversão pode também consistir na presença de peptidoglicano residual, que normalmente atua como modelo para a sua própria biossíntese. Algumas espécies bacterianas produzem formas L esponta­ ne��n�e. A formação de formas L, espontânea ou induzida por antibioticos no hospedeiro, pode provocar infecções crônicas, fav�rescend? a persistência desses microrganismos em regiões mais protegidas do corpo. Como as infecções pelas formas L são relativamente resistentes à antibioticoterapia, representam pro­ blemas especiais em quimioterapia. Sua reversão para a forma bacilar pode resultar em recidivas da infecção manifesta. J. Micoplasmas Os micoplasmas são bactérias que não possuem parede ce­ lular nem peptidoglicano (Fig. 2.22). Existem também ar­ queobactérias sem parede, mas estas não têm sido tão bem estudadas. Análises genômicas colocam os micoplasmas próxi­ mo das bactérias gram-positivas, das quais podem ter derivado. 1 2 µm 1 FIGURA 2.22 Mycoplasma pneumoniae. As células variam em sua forma em virtude da falta de parede celular. (Cortesia do Dr. Edwin S. Boatman.) Os micoplasmas perdem o alvo para os agentes antimicrobianos que atuam na parede celular (p. ex., penicilinas e cefalospori­ nas) e, por conseguinte, são resistentes a eles. Algumas - como o Mycoplasma pneumoniae, um agente da pneumonia - con­ têm esteróis em suas membranas. A diferença entre as formas L e os micoplasmas é que, quando é possível a mureína (peptido­ glicano) ser refeita, somente as formas L revertem à sua forma bacteriana original, enquanto os micoplasmas nunca o fazem. Cápsula e gl icocálice Muitas bactérias sintetizam grandes quantidades de polímeros extracelulares quando crescem em seus ambientes naturais. Com uma exceção conhecida (as cápsulas de ácido poli-n­ glutâmico do Bacillus anthracis e do Bacillus licheniformis), o material extracelular consiste em polissacarídeo (Quadro 2.1). As denominações cápsula e camada de muco são usadas fre­ quentemente para descrever as camadas de polissacarídeo; um t�r�o ?1ais �clusivo, glicocálice, também é utilizado. O glico­ calice e definido como um material polissacarídico ligado ao lado exterior da célula. Uma camada condensada e bem defi­ nida, cir�undan�o estreitamente a célula, que exclui partículas, como a tinta da India,* é denominada cápsula (Fig. 2.23). Se o glicocálice estiver associado, de maneira frouxa, à célula e não excluir partículas é referido como camada de muco. O políme­ ro extracelular é sintetizado por enzimas localizadas na super­ fície da célula bacteriana. Por exemplo, o Streptococcus mutans utiliza duas enzimas - a glicosiltransferase e a frutosiltrans­ fe�ase - para sintetizar os dextranos de cadeia longa (poli-D­ glicose) e levanos (poli-n-frutose) a partir da sacarose. Estes polímeros são denominados homopolímeros. Os polímeros que contêm mais de um tipo de monossacarídeo denominam­ se heteropolimeros. A cápsula contribui para a capacidade de invasão das bac­ térias patogênicas - as células encapsuladas ficam protegidas da fagocitose, a não ser que sejam recobertas por anticorpo an­ ticapsular. O glicocálice desempenha algum papel na aderência das bactérias às superfícies em seu meio ambiente, inclusive as células dos hospedeiros vegetais e animais. O S. mutans, por exemplo, deve a seu glicocálice a capacidade de aderir firme­ mente ao esmalte dos dentes. As células bacterianas da mesma e��écie ou de espécies diferentes ficam aprisionadas no glico­ cálice, que forma a camada conhecida como placa na superfí­ cie dentária; os produtos ácidos excretados por essas bactérias provocam cáries dentárias (Cap. 11). O papel essencial do gli­ cocálice em tal processo - e sua formação a partir da sacarose - explica a correlação da cárie dentária com o consumo de sacarose pela população humana. Devido à ligação entre as ca­ madas de polissacarídeos externas e quantidades significativas de água, a camada do glicocálice também pode desempenhar um papel na resistência à dessecação. Flagelos A. Estrutura Os flagelos das bactérias são apêndices piliformes compostos totalmente de proteína (com 12 a 30 nm de diâmetro). Trata-se * N. de R.T. Também conhecida como tinta da China ou nanquim. CAPÍTULO 2 Estrutura celular 33 QUADRO 2.1 Composição química do polímero extracelular em algumas bactérias Organismo Bacillus anthracis Enterobacter aerogenes Haemophi/us influenzae Polímero Polipeptídeo Polissacarídeo complexo Sorogrupo B Subunidades químicas Acido o-glutâmico Glicose, fucose, ácido glicurônico Ribose, ribitol, fosfato Neisseria meningitidis Homopolímeros e heteropolímeros, como, p. ex. Sorogrupo A N-acetilmanosamina fosfato parcialmente 0-acetilado Acido N-acetilneuramínico (ácido siálico) Sorogrupo B Sorogrupo C Acido siálico acetilado Sorogrupo 135 Galactose, ácido siálico Pseudomonas aeruginosa Alginato Acido o-manurônico, ácido L-glicurônico Streptococcus pneumoniae (pneumococo) Polissacarídeo complexo (muitos tipos), como, p. ex. Streptococcus pyogenes (grupo A) Streptococcus sa/ivarius A Tipo li Tipo Ili Tipo VI Tipo XIV Tipo XVI II Acido hialurônico Leva no B Ramnose, glicose, ácido glicurônico Glicose, ácido glicurônico Galactose, glicose, ramnose Galactose, glicose, N-acetilglicosamina Ramnose, glicose Acido glicurônico, N-aceti lglicosamina Frutose FIGURA 2.23 Cápsulas bacterianas. (A) Bacil/us anthracis, coloração de cápsula M'Faydean, crescimento a 35º( em sangue de cavalo desfibrina­ do. (8) Demonstração da presença de cápsula no Bacillus anthracis por coloração negativa com tinta da f ndia. Este método é útil para melhorar a visualização das bactérias encapsuladas em amostras clínicas, tais como sangue, garrafas de cultura de sangue (hemoculturas) ou líquido cere­ brospinal. (CDC, cortesia de Larry Stauffer, Oregon State Public Health Laboratory.) dos órgãos de locomoção das formas que os possuem. São co­ nhecidos três tipos de disposição: monotríquio (flagelo polar único), lofotríquio (inúmeros flagelos polares) e peritríquio (flagelos distribuídos por toda a superfície da célula). Os três tipos estão ilustrados na Figura 2.24. O flagelo bacteriano é constituído de vários milhares de moléculas de uma subunidade proteica, denominada flagelina. Em alguns microrganismos (p. ex., Caulobacter), os flagelos são constituídos de dois tipos de flagelina; entretanto, na maioria dos casos observa-se apenas um tipo. O flagelo é formado pela agregação de subunidades, formando uma estrutura helicoidal. Se os flagelos são removidos pela agitação mecânica de uma suspensão de bactérias, verifica-se a rápida formação de novos flagelos mediante a síntese, agregação e extrusão de subunida­ des de flagelina; a motilidade é restaurada em 3 a 6 min. As flagelinas de diferentes espécies bacterianas presumivelmente 34 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia FIGURA 2.24 Tipos de flagelo bacteriano. (A) Vibrio metchnikovii, uma bactéria monotríquia (ampliada 7.500 vezes). (Reproduzida, com autoriza­ ção, de van lterson W: Biochim Biophys Acta 1947;1 :527.) (8) Micrografia eletrônica de Spirillum serpens, mostrando a flagelação lofotríquia (ampliada 9.000 vezes). (Reproduzida, com autorização, de van lterson W: Biochim Biophys Acta 1947;1 :527.) (C) Micrografia eletrônica de Proteus vulgaris, mos­ trando a flagelação peritríquia (ampliada 9.000 vezes). Observe os grânulos basais. (Reproduzida, com autorização, de Houwink A, van lterson W: Electron microscopical observations on bacterial cytology; a study on flagellation Biochim Biophys Acta 1950;5:1 O.) diferem umas das outras na sua estrutura primária; são alta­ mente antigênicas (antígenos H), e algumas das respostas imunológicas à infecção são dirigidas contra essas proteínas. O flagelo está fixado ao corpo celular da bactéria por uma estrutura complexa constituída de um gancho e um corpúsculo basal. O gancho consiste em uma estrutura curta e recurvada, A Corpo basal 20 nm Filamento Membrana externa Espaço periplásmico Membrana celular que parece atuar como articulação universal entre o motor na estrutura basal e o flagelo. O corpúsculo basal sustenta um conjunto de anéis, um par nas bactérias gram-positivas e dois pares nas gram-negativas. A Figura 2.25 mostra um dia­ grama representativo da estrutura gram-negativa; os anéis de­ signados por L e P estão ausentes nas células gram-positivas. B Gancho (Fig E) cu: _ _ -_? e:::.'!!» Filamento (FliC) Hélice Anel L (FlgH) Anel P (Flgl) � ""' Filamento cap (FliD) Casquilho O ---- Bastonete distal (Flgl) Eixo de transmissão [) Bastonete proximal / \ \Motor Interruptor Aparato de exportação D (FliE,FlgB, FlgC, FlgF) Interruptor Q � 1 (FliG, FliM, FliN) CJ: :CJ Anel MS (FliF) } Placa de Exportação --- 1 ) montagem (FlhA, FliH, Flil)? Motor (MotA, MotB) FIGURA 2.25 (A) Estrutura geral do flagelo de uma bactéria gram-negativa, como Escherichia coli ou Salmonella Typhimurium. O complexo fila­ mento-gancho-corpúsculo basal foi isolado e extensamente caracterizado. A localização do aparelho de exportação não foi ainda demonstrada. (8) Diagrama fragmentado do flagelo, mostrando as subestruturas e proteínas que o compõem. A proteína FliF é responsável pela característica dos anéis M e S, bem como do colar da subestrutura mostrada, denominada em conjunto anel MS. A localização de FliE com relação ao anel MS e a do bastonete, bem como a ordem das proteínas FlgB, FlgC e FlgF dentro do bastonete proximal, não são conhecidas. (Extraída de Macnab RM: Genetics and biogenesis of bacterial flagella. Annu Rev Genet 1992;26:131. Reproduzida, com autorização, de Annual Review of Genetics, Volume. 26. © 1992 by Annual Reviews.) • • A B (') 1 ...,_ • b,,qm • • e CAPÍTULO 2 Estrutura celular 37 • FIGURA 2.28 Células de Bacillus em esporulação. (A) Bacillus não identificado do solo. (8) Bacillus cereus. (C) Bacillus megaterium. (Reproduzida, com autorização, de Robinow CF: Structure, ln Gunsalus IC, Stanier RY [editors]. The Bacteria: A Treatise on Structure and Function, Vol 1 . Academic Press, 1960.) A esporulação envolve a produção de muitas estruturas, enzimas e metabólitos novos, juntamente com o desapareci­ mento de vários componentes celulares vegetativos. Essas alte­ rações representam um verdadeiro processo de diferenciação: uma série de genes, cujos produtos determinam a formação e a composição final do esporo, é ativada. Tais alterações en­ volvem modificações na especificidade de transcrição da RNA polimerase, determinada pela associação da proteína central da polimerase com uma ou outra proteína específica promotora, denominada fator sigma. São produzidos diferentes fatores sigma durante o crescimento vegetativo e a esporulação. Du­ rante o crescimento vegetativo, um fator sigma, denominado crA, predomina. Em seguida, no decorrer da esporulação, cinco outros fatores sigma são formados, o que causa a expressão de vários genes de esporos em tempos diversos, em localizações específicas. A sequência de eventos na esporulação é altamente com­ plexa: a diferenciação de uma célula vegetativa de B. subtilis em endósporo requer cerca de 7 h em condições laboratoriais. São observados diferentes eventos morfológicos e químicos nos es­ tágios sequenciais do processo. Sete estágios diferentes foram identificados. Em termos morfológicos, a esporulação começa com a formação de um filamento axial (Fig. 2.29). O processo pros­ segue com a invaginação da membrana, de modo a produzir uma estrutura de membrana dupla cujas superfícies corres­ pondem à superfície de síntese da parede celular do envelo­ pe. Os locais de crescimento movem-se progressivamente em direção ao polo da célula, de modo a envolver o esporo em desenvolvimento. As duas membranas do esporo passam a atuar na síntese ativa de camadas especiais que irão formar o envelope celular: a parede do esporo e o córtex, situados fora das membranas. No citoplasma recém-isolado ou cerne, ocorre a degradação de muitas enzimas da célula vegetativa, substituídas por um con­ junto de componentes próprios do esporo. B. Propriedades dos endósporos 1 . Cerne - o cerne é o protoplasto do esporo; contém um núcleo completo (cromossomo), todos os componentes do aparelho de síntese das proteínas e um sistema gerador de energia baseado na glicólise. Os citocromos estão ausentes até mesmo nas espécies aeróbias, cujos esporos dependem de uma via curta de transporte de elétrons que envolve as flavo­ proteínas. Diversas enzimas da célula vegetativa são encon­ tradas em maiores concentrações (p. ex., alanina racemase), e verifica-se a formação de várias enzimas peculiares (p. ex., ácido dipicolínico sintetase). Os esporos contêm nucleotídeos piridina não reduzidos ou ATP. A energia para germinação é armazenada mais em forma de 3-fosfoglicerato do que em forma de A TP. A resistência dos esporos ao calor deve-se, em parte, a seu estado desidratado e, em parte, à presença, no cerne, de gran­ des quantidades (5 a 15% do peso seco do esporo) de dipicoli­ nato de cálcio, formado a partir de um intermediário da via de biossíntese da lisina (Fig. 6.19). De alguma maneira ainda não totalmente elucidada, essas propriedades resultam em estabili­ zação das enzimas do esporo, cuja maioria exibe termolabilida­ de normal quando isolada na forma solúvel. 2. Parede do esporo - a camada mais interna que circunda a membrana interna do esporo é denominada parede do espo­ ro; contém peptidoglicano normal e transforma-se na parede celular da célula vegetativa em germinação. 3. Córtex - o córtex é a camada mais espessa do envelope do esporo; contém um tipo incomum de peptidoglicano, com um número muito menor de ligações cruzadas em compara­ ção com as encontradas no peptidoglicano da parede celular. O peptidoglicano do córtex é extremamente sensível à lisozi­ ma, e sua autólise desempenha um papel na germinação do esporo. 38 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia Célula­ mãe do Parede celular \ ® Captação do pré-esporo 0 Síntese do córtex - G) Formação do filamento axial @ Formação do septo do pré-esporo - DNA ® Deposição da capa ® Maturação Córtex - Parede celular germinativa Capas do esporo (j) Lise da célula­ mãe Esporo FIGURA 2.29 Estágios de formação do endósporo. (Reproduzida, com autorização, de Merrick MJ: Streptomyces. ln: Parish JH [editor]. Develop­ mental Biologyof Procaryotes. Univ California Press, 1979.) 4. Capa - a capa é constituída de uma proteína semelhante à ceratina, contendo muitas ligações de dissulfeto intramolecu­ lares. A impermeabilidade dessa camada confere aos esporos sua relativa resistência aos agentes químicos antibacterianos. 5. Exósporo - o exósporo é composto por proteínas, lipí­ deos e carboidratos. Consiste em uma camada basal paracris­ talina e uma região externa semelhante ao cabelo. Não se sabe qual é a função do exósporo. Os esporos de algumas espécies de Bacillus (p. ex., B. anthracis e B. cereus) possuem exósporo, porém outras espécies (p. ex., B. atrophaeus) possuem esporos sem essa estrutura. C. Germinação O processo de germinação ocorre em três estágios: ativação, iniciação e crescimento. 1 . Ativação - a maioria dos endósporos é incapaz de ger­ minar imediatamente após a sua formação. Entretanto, podem germinar depois de permanecer em repouso por vários dias ou ser inicialmente ativados, em meio nutricionalmente rico, por um ou outro agente capaz de lesionar a capa do esporo. Entre os agentes que podem vencer o estado de dormência do esporo, destacam-se o calor, a abrasão, a acidez e os compostos que contêm grupos sulfidrila livres. 2. Iniciação - Após ativação, o esporo irá iniciar o processo de germinação se as condições ambientais forem favoráveis. Diferentes espécies desenvolveram receptores que reconhe­ cem efetores distintos como sinalização de um meio propício. Assim, a iniciação é deflagrada pela L-alanina em uma espécie e pela adenosina em outra. A ligação do efetor ativa uma au­ tolisina que degrada rapidamente o peptidoglicano do córtex. Ocorre a captação de água, o dipicolinato de cálcio é liberado, e verifica-se a degradação de uma variedade de componentes do esporo por enzimas hidrolíticas. 3. Crescimento - a degradação do córtex e das camadas ex­ ternas resulta no aparecimento de uma nova célula vegetativa, constituída pelo protoplasto do esporo com sua parede circun­ dante. Segue-se um período de biossíntese ativa; esse período, que termina na divisão celular, é denominado brotamento. O brotamento exige o suprimento de todos os nutrientes essen­ ciais para o crescimento da célula. COLORAÇÃO Os corantes combinam-se quimicamente com o protoplasma bacteriano; se a célula ainda não estiver morta, o próprio pro­ cesso de coloração irá destruí-la. Por conseguinte, trata-se de um processo drástico, passível de produzir artefatos. Os corantes comumente utilizados são os sais. Os corantes básicos consistem em um cátion dotado de cor com um ânion incolor (p. ex., azul de metileno+ cloreto-); os corantes ácidos comportam-se de modo inverso (p. ex., sódio+ eosinato-). As células bacterianas são ricas em ácido nucleico, apresentando cargas negativas em forma de grupos fosfato que se combinam com os corantes básicos de carga positiva. Os corantes ácidos não coram as células bacterianas e, por conseguinte, podem ser utilizados para corar o material de fundo com uma cor con­ trastante (ver Coloração negativa). Os corantes básicos coram uniformemente as células bac­ terianas, a não ser que o RNA citoplasmático seja inicialmente destruído. Entretanto, podem-se utilizar técnicas especiais de coloração para diferenciar os flagelos, cápsulas, paredes celula­ res, membranas celulares, grânulos, nucleoides e esporos. A coloração de Gram Uma importante característica taxonômica das bactérias con­ siste na sua resposta à coloração de Gram. A propriedade de coloração de Gram parece fundamental, visto que a reação está correlacionada com muitas outras propriedades morfológicas em formas filogeneticamente correlatas (Cap. 3). Um micror­ ganismo potencialmente gram-positivo pode aparecer dessa maneira apenas em determinado conjunto de condições am­ bientais e em uma cultura jovem. A coloração de Gram (Cap. 47) começa com a aplicação de um corante básico, o cristal violeta. Em seguida, aplica-se uma solução de iodo; todas as bactérias coram-se em azul nessa eta­ pa do processo. Depois, as células são tratadas com álcool. As células gram-positivas retêm o complexo cristal violeta-iodo, permanecendo azuis; as células gram-negativas são totalmente descoradas pelo álcool. Como etapa final, aplica-se um contra­ corante (como o corante vermelho safranina*), de modo que as * N. de R.T. A fucsina também pode ser utilizada como contracorante no lugar da safranina. CAPÍTULO 2 Estrutura celular 39 células gram-negativas descoradas adquirem uma cor contras­ tante; nessa etapa, as células gram-positivas exibem uma cor , purpura. A base da reação diferencial de Gram é a estrutura da pare­ de celular, conforme discutimos anteriormente neste capítulo. Coloração álcool-acidorresistente As bactérias álcool-acidorresistentes são as que retêm carbol­ fucsina (fucsina básica dissolvida em uma mistura de fenol­ álcool-água) mesmo quando descoradas com ácido clorídrico em álcool. Um esfregaço de células em lâmina é banhado com carbolfucsina e aquecido ao vapor. Após esta etapa, procede-se à descoloração com ácido-álcool e por fim aplica-se um con­ tracorante contrastante (azul ou verde) (Cap. 47). As bactérias álcool-acidorresistentes (micobactérias e alguns dos actinomi­ cetos relacionados) adquirem cor vermelha, enquanto as ou­ tras apresentam a cor do contracorante. Coloração negativa É um procedimento que envolve a coloração do material de fundo com um corante ácido, deixando as células incolores. O corante negro nigrosina é comumente utilizado. Esse método é empregado para as células ou estruturas que são difíceis de serem coradas diretamente (Fig. 2.23B). Coloração dos flagelos Os flagelos são demasiado finos (12 a 30 nm de diâmetro) para serem visíveis ao microscópio óptico. Entretanto, sua presença e sua distribuição podem ser demonstradas ao se tratarem as células com uma suspensão coloidal instável de sais de ácido tâ­ nico, provocando a formação de um precipitado maciço sobre • " • • • • , � • • ' • • ") • • • • • • .. ·-' • 1 • .. • • • • • • • • • • ' • • • • " ' - . • • • . .. • • • • • • • • • • • • • , .. .. • • • • • • • • • • • • • • , • • • • • • .. - • FIGURA 2.30 Coloração para flagelos de espécies Pseudomonas. (Reproduzida, com autorização, de Leifson E: J Bacterio/ 1951;62:377.) 42 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia REFERÊNCIAS Balows A et al. (editors): The Prokaryotes, A Handbook on the Biology of Bacteria: Ecophysiology, Isolation, Identification, Applications, 2nd ed, 4 vols. Springer, 1992. Barreteau H, Kovac A, Boniface A, Sova M, Gobec S, Blanot D: Cyto­ plasmic steps of peptidoglycan biosynthesis. FEMS Microbial Rev 2008;32: 168. Barton LL: Structural and Functional Relationships in Prokaryotes. Springer, 2005. 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A explicação para a importância de se compreender essas sutilezas é que cada agente infeccioso é especificamente adap­ tado a um ou mais modos de transmissão, mecanismos para infectar hospedeiros humanos (colonização) e mecanismos para causar doença (patologia). Como tal, um vocabulário que comunique de modo consistente as características únicas dos agentes infecciosos para estudantes, microbiologistas e agentes de saúde é crucial para evitar o caos que poderia ocorrer sem as restrições organizacionais da taxonomia bacteriana (do Grego taxon = arrumação, organização; por exemplo, a classificação de microrganismos em um sistema ordenado, indicando uma relação natural). A classificação, a nomenclatura e a identificação consti­ tuem três áreas distintas, porém inter-relacionadas da taxono­ mia. A classificação pode ser definida como a categorização de microrganismos em grupos taxonômicos. A classificação de bactérias exige um conhecimento adquirido por meio de técnicas experimentais e de observação, devido à frequente necessidade de se recorrer a propriedades bioquímicas, fisio­ lógicas, genéticas e morfológicas para efetuar uma descrição adequada de um táxon. Nomenclatura refere-se à designação de um organismo segundo regras internacionais (estabeleci­ das por um grupo de profissionais clínicos reconhecidos), de acordo com suas características. A identificação é o uso práti­ co de um esquema de classificação para: ( 1) isolar e distinguir microrganismos desejáveis de outros indesejáveis; (2) verificar a autenticidade ou as propriedades especiais de determinada cultura, (3) isolar e identificar o agente etiológico de determi­ nada doença. A última função pode levar à seleção de um trata­ mento farmacológico orientado para a erradicação do agente, de uma vacina que atenue sua patologia, ou de uma medida de saúde pública (p. ex., lavagem de mãos ou uso de preservativo) que previna sua transmissão. C A P Í T U L O Os esquemas de identificação não são esquemas de classifi­ cação, embora possam ter alguma semelhança superficial. Um esquema de identificação para um grupo de microrganismos só é possível após a classificação inicial desse grupo, isto é, o reconhecimento de que tais microrganismos são diferentes de outros microrganismos. Por exemplo, a literatura popular tem relatado que Escherichia coli é a causa da síndrome urêmico­ hemolítica (SHU) em crianças. Existem centenas de diferentes cepas que são classificadas como E. coli, mas poucas delas estão associadas a SHU. Estas cepas podem ser diferenciadas de mui­ tas outras cepas de E. coli pela reatividade com anticorpos de seus antígenos O e H, como foi descrito no Capítulo 2 (p. ex., E. coli 0157:H7). A taxonomia, e a nomenclatura que a acom­ panha, é uma ciência imprecisa e em evolução. Assim como nosso vocabulário social evolui, o mesmo ocorre com o voca­ bulário da microbiologia clínica. Qualquer profissional identi­ ficado com doenças infecciosas deve estar ciente da taxonomia evolutiva dos microrganismos infecciosos. As categorias formam a base da organização das bactérias. A taxonomia de Lineu é o sistema mais conhecido dos biolo­ gistas. Ela emprega as categorias taxonômicas formais de reino, filo, classe, ordem, família, gênero e espécie. As menores cate­ gorias são aprovadas por um consenso de especialistas na co­ munidade científica (Quadro 3.1). Dessas categorias, a família, A , . - • , • o genero e a espec1e sao os mais ute1s. QUADRO 3.1 Categorias taxonômicas Categoria formal Exemplo Reino Prokaryotae (Eubacteria) Divisão Gracilicutes Classe Escotobacteria Ordem Eubacteriales Família Enterobacteriaceae Gênero Escherichia Espécie coli Subtipo Escherichia coli 01 57:H7 44 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia CRITÉRIOS PARA A CLASSIFICAÇÃO DAS BACTÉRIAS Crescimento em meio de cultura Os critérios apropriados à classificação das bactérias incluem muitas das propriedades descritas no capítulo anterior. Um desses critérios é o crescimento em meios bacteriológicos. Ao contrário de vírus e de parasitos, muitos patógenos bacterianos podem ser isolados em meios sólidos que contenham ágar. O cultivo geral da maior parte das bactérias requer meio enriqueci­ do em nutrientes metabólicos. Esses meios geralmente incluem ágar, uma fonte de carbono e um ácido hidrolisado ou enzima­ ticamente degradado de uma fonte de material biológico (p. ex., caseína). Devido à composição indefinida deste último, esses ti­ pos de meio são conhecidos como meios complexos. Amostras clínicas de locais normalmente não estéreis (p. ex., a garganta ou o colo) contêm múltiplas espécies de mi­ crorganismos, inclusive potenciais patógenos da microbiota residente. Os meios podem ser não seletivos ou seletivos e são usados para a distinção entre várias bactérias em uma amostra clínica que contenha muitos microrganismos diferentes. A. Meios não seletivos O ágar-sangue e o ágar-chocolate são exemplos de meios com­ plexos, não seletivos, que sustentam o crescimento de diferentes bactérias. Esses meios são destinados ao isolamento de diferen­ tes espécies tantas quanto possíveis, produzindo inúmeras colô­ nias bacterianas. B. Meios seletivos Devido à diversidade de microrganismos que residem em alguns locais de obtenção de amostras (p. ex., a pele, e os tratos intestinal, respiratório e vaginal), os meios seletivos são empregados para eliminar (ou reduzir) um grande número de bactérias contami­ nantes nessas amostras. A base para um meio seletivo é a incor­ poração de um agente que iniba especificamente o crescimento de bactérias contaminantes. Exemplos desses agentes são: • Azida sódica - seleciona bactérias gram-positivas sobre gram-negativas • Sais biliares ( desoxicolato de sódio) - seleciona bactérias gram -negativas entéricas e inibe bactérias gram-negativas de mucosas e a maioria das bactérias gram-positivas • Colistina e ácido nalidíxico - inibem o crescimento de muitas bactérias gram-negativas Exemplos de meios seletivos são o ágar de MacConkey (contém bile), que seleciona enterobactérias, e o ágar-sangue CNA (contém colistina e ácido nalidíxico), que seleciona esta­ filococos e estreptococos. C. Meios diferenciais Em cultura, algumas bactérias produzem pigmentos caracte­ rísticos e outros que podem ser diferenciados com base na ex­ pressão de enzimas extracelulares. A atividade dessas enzimas pode ser detectada como zonas claras circundando colônias crescidas na presença de substratos insolúveis (p. ex., zonas de hemólise em ágar que contenha hemácias). Muitas enterobac­ térias podem ser diferenciadas com base em sua capacidade de metabolizar a lactose. Por exemplo, enquanto salmonelas e Shi­ gelas patogênicas não fermentam lactose, em placas de ágar de MacConkey, formam colônias transparentes, enquanto outras espécies de enterobactérias fermentadoras de lactose (p. ex., E. coli) formam colônias rosas ou vermelhas. O número de meios diferenciais empregados atualmente em laboratórios clínicos está fora do escopo deste capítulo. No entanto, deve-se notar que a identificação bioquímica é uma importante maneira de classificar patógenos microbianos. Microscopia bacteriana Historicamente, a coloração de Gram, junto com a visualização em microscopia óptica, está entre os métodos mais informativos para a classificação das eubactérias. Essa técnica de coloração amplamente divide as bactérias com base em suas diferenças fundamentais na estrutura de suas paredes celulares (Cap. 2). Em geral, é a primeira etapa na identificação individual de um espécime bacteriano (p. ex., eles são gram-negativos ou gram­ positivos?) crescido em um meio de cultura ou até diretamente de um material clínico do paciente (p. ex., urina) Testes bioquímicos Provas como o teste da oxidase, que usa um aceptor de elétrons artificial, podem ser usadas para distinção de organismos com base na presença ou ausência de uma enzima respiratória, o ci­ tocromo C, cuja falta diferencia as enterobactérias de outros ba­ cilos gram-negativos. De modo similar, a atividade da catalase pode ser usada, por exemplo, para a diferenciação entre cocos gram-positivos, as espécies de estaftlococos são catalase positivas enquanto as espécies de estreptococcos são catalase negativas. Se o microrganismo for identificado como catalase positivo (Sta­ phylococcus spp.), o teste da coagulase pode identificá-lo como Stapylococcus aureus (coagulas e positivo) ou Staphylococcus epidermidis (coagulase negativo)*, como demonstrado na Fi­ gura 3.1. Em última análise, existem muitos exemplos de testes bioquímicos que podem determinar a presença de funções me­ tabólicas características e ser empregados para agrupar bactérias em um táxon específico. Uma pequena lista dos testes bioquími­ cos mais comuns está descrita no Quadro 3.2. Testes imunológicos sorotipos, sorogrupos e sorovares A designação "sero/soro" simplesmente indica o uso de an­ ticorpos (policlonais ou monoclonais) que reagem com uma estrutura específica da superfície bacteriana, como lipopolis­ sacarídeos (LPS), flagelos ou antígenos capsulares. Os termos "sorotipo", "sorogrupos" e "sorovares" são, para finalidades práticas, idênticos - todos utilizam a especificidade desses anticorpos para subdividir cepas de uma determinada espécie bacteriana. Como descrito anteriormente, na correlação entre E. coli 0157:H7 e a SHU. * N. de R.T. Na realidade a prova da coagulase somente diferencia S. au­ reus ( coagulase positivo) de um grupo heterogênio de estaftlococos de­ nominados de coagulase negativos - CoNS, que inclui, entre outros: S. epidermidis, S. saprophyticus e S. lugdunensis. Para identificação correta de S. epidermidis é necessária uma complexa bateria de testes bioquími­ cos incluindo, por exemplo, produção de fosfatase, produção de acetoína, produção de urease, entre outros. CAPÍTULO 3 Classificação das bactérias 47 QUADRO 3.3 Principais categorias e grupos de bactérias que causam doenças em seres humanos segundo o esquema de identificação do Bergey's Manual of Determinative Bacteriology, 9ª edição Bergey's Manual of Systematic Bacteriology 1. Eubactérias gram-negativas que possuem parede celular Grupo 1 : Espiroquetas Grupo 2: Bactérias gram-negativas aeróbias/microaerofílicas, móveis, helicoidais/vibrioides Grupo 3: Bactérias curvas, imóveis (ou raramente móveis) Grupo 4: Cocos e bastonetes gram-negativos aeróbios/microaerofílicos Grupo 5: Bastonetes gram-negativos anaeróbios facultativos Grupo 6: Bastonetes gram-negativos anaeróbios, retos, curvos e helicoidais Grupo 7: Bactérias dissimuladoras redutoras de enxofre ou sulfato Grupo 8: Cocos gram-negativos anaeróbios Grupo 9: Riquétsias e clamídias Grupo 1 O: Bactérias fototróficas anoxigênicas Grupo 1 1 : Bactérias fototróficas oxigênicas Grupo 12: Bactérias aeróbias quimiolitotróficas e organismos variados Grupo 13: Bactérias com apêndices ou brotamentos Grupo 14: Bactérias com bainha Grupo 15: Bactérias não fotossintéticas, não frutificadas, deslizantes Grupo 16: Bactérias frutificadas deslizantes: mixobactérias li. Bactérias gram-positivas que possuem parede celular Grupo 17: Cocos gram-positivos Grupo 18: Bastonetes e cocos gram-positivos formadores de endósporos Grupo 19: Bastonetes gram-positivos regulares, não formadores de esporos Grupo 20: Bastonetes gram-positivos irregulares, não formadores de esporos Grupo 21: Mico bactérias Grupos 22 a 29: Actinomicetos Ili. Eubactérias desprovidas de parede celular: micoplasmas ou Mollicutes Grupo 30: Micoplasmas IV. Arqueobactérias Grupo 31: Metanógenos Grupo 32: Arqueobactérias redutoras de sulfato Grupo 33: Arqueobactérias halofílicas extremófilas Grupo 34: Arqueobactérias desprovidas de parede celular Grupo 35: Bactérias termofílicas extremas e hipertermofílicas metabolizadoras de enxofre Treponema Borre/ia Leptospira Campylobacter Helicobacter Spirillum Nenhuma Alcaligenes Bordetella Bruce/la Francisella Legionella Moraxella Neisseria Pseudomonas Rochalimaea Bacteroides (algumas espécies) Escherichia (e bactérias coliformes relacionadas) Klebsiella Proteus Providencia Salmonella Shigella Yersinia Vi brio Haemophilus Pasteurella Bacteroides Fusobacterium Prevotel/a Nenhuma Nenhuma Rickettsia Coxiella Chlamydia Nenhuma Nenhuma Nenhuma Nenhuma Nenhuma Capnocytophaga Nenhuma Enterococcus Peptostreptococcus Staphy/ococcus Streptococcus Bacillus Clostridium Erysipelothrix Listeria Actinomyces Corynebacterium Mobiluncus Mycobacterium Nocardia Streptomyces Rhodococcus Mycoplasma Ureaplasma Nenhuma Nenhuma Nenhuma Nenhuma Nenhuma 48 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia Bactéria Archaea Eucarya Espiroquetas Bactérias verdes filamentosas Mixomicetos Entamoebae Animais gram- Methanosarcina Methanobacterium Halófilos Fungos �-- Plantas Proteobactérias positivas Cianobactérias Planctomyces Methanococcus T. celer Thermoproteus Pyrodicticum Ciliados Flagelados Bacteroides Cytophaga Thermotoga ----------..:� Aquifex -----------"' Tricomônades M icrospo r í de os Diplomônades FIGURA 3.3 Arvore filogenética baseada em dados do rRNA, mostrando a separação das famílias das bactérias, das arqueas e dos eucariotos. Os grupos das principais bactérias patogênicas conhecidas são indicados na área em cinza. O único grupo de bactérias patogênicas que não está agrupado nessa área sombreada é o grupo Bacteroides. de sequência entre genes constitutivos (housekeeping) podem ser utilizadas para medir a relação de grupos amplamente di­ vergentes de bactérias. RNA ribossômico Os ribossomos desempenham papel essencial na síntese pro­ teica para todos os organismos. Sequências genéticas que codificam tanto o RNA ribossômico (rRNA) quanto as proteí­ nas (ambos são necessários para a inclusão de um ribossomo funcional) foram altamente conservadas em toda a evolução e divergiram mais lentamente do que outros genes cromossô­ micos. A comparação da sequência de nucleotídeos do RNA ribossômico 16S de uma variedade de fontes procarióticas re­ velou a existência de relações evolutivas entre microrganismos amplamente divergentes e levou à elucidação de um novo rei­ no, o das Arqueobactérias. A árvore filogenética baseada nos dados do RNA ribossômico (rRNA), mostrando a separação entre bactéria, arquea e famílias eucariotas, está representada na Figura 3.3, que mostra os três principais domínios da vida biológica tal como os conhecemos atualmente. A partir desse diagrama, dois Reinos - as Eubactérias (bactérias verdadeiras) e as Arqueobactérias - são distintos do ramo dos Eucariotos. DESCRIÇÃO DAS PRINCIPAIS CATEGORIAS E GRUPOS DE BACTÉRIAS Manual de bacteriologia sistemática de Bergey O trabalho definitivo em termos de organização taxonômica de bactérias é a última edição do Bergey's Manual of Systematic Bacteriology. Publicado pela primeira vez em 1923. Esta publica­ ção classifica, usando chaves taxonômicas, bactérias conhecidas, cultiváveis ou não. Um volume suplementar, o Bergey's Manual of Determinative Bacteriology, serve para auxiliar na identifica­ ção das bactérias descritas e cultivadas. As principais bactérias que causam doenças infecciosas, tal como são classificadas no Bergey's Manual, estão listadas no Quadro 3.3. Devido à proba­ bilidade de surgirem informações sobre relações filogenéticas que irão resultar em modificações adicionais na organização dos grupos bacterianos no Bergey's Manual, suas designações devem ser consideradas um trabalho em andamento. Conforme discutido no Capítulo 2, existem dois grupos diferentes de procariotos, as eubactérias e as arqueobactérias. Ambas são pequenos organismos unicelulares que se replicam sexualmente. Eubactérias referem-se às bactérias clássicas tal como a ciência as conhece historicamente. Não possuem um núcleo verdadeiro, possuem lipídeos característicos que cons­ tituem suas membranas, são dotadas de parede celular com­ posta por peptidoglicano e dispõem de um mecanismo para síntese de proteínas e ácidos nucleicos que podem ser inibidos seletivamente por agentes antimicrobianos. Em contraste, as arqueobactérias não possuem uma parede celular clássica, com peptidoglicano, e apresentam muitas características (p. ex., me­ canismo de síntese proteica e de replicação de ácido nucleico ), que são similares às das células eucarióticas (Quadro 3.4). Eu bactérias A. Eubactérias gram-negativas Trata-se de um grupo heterogêneo de bactérias que possuem um complexo envelope celular (do tipo gram-negativo) cons­ tituído de membrana externa, espaço periplasmático contendo uma camada interna delgada de peptidoglicano (que contém ácido murâmico) e membrana citoplasmática. A forma da cé­ lula (Fig. 3.4) pode ser esférica, oval, em bastonete reto ou cur­ vo, helicoidal ou filamentosa; algumas dessas formas podem apresentar bainha ou ser encapsuladas. A reprodução é feita por divisão binária, porém alguns grupos se reproduzem por CAPÍTULO 3 Classificação das bactérias 49 QUADRO 3.4 Principais características partilhadas por arqueobactérias e células eucarióticas que estão ausentes em eubadérias Característica Eu bactérias Arqueobactérias, Eucariotos Fator de elongação 2 (EF-2) contém o aminoácido diftamina e é, portanto, ADP-ribosilável pela toxina diftérica Não Sim O iniciador metionil tRNA não é formilado Não Sim Alguns genes tRNA contêm íntrons Não Sim, em eucariotos A síntese proteica é inibida por anisomicina, mas não por cloranfenicol Não Sim RNA polimerases dependentes de DNA são enzimas multicomponentes insensíveis aos antimicrobianos rifampicina e estreptomicina Não Sim RNA polimerases dependentes de DNA são enzimas multicomponentes e são insensíveis aos antibióticos rifampicina e estreptolidigina Não Sim brotamento. As mixobactérias podem formar corpos frutífe­ ros e mixósporos. A motilidade, quando presente, é realizada por meio de flagelos ou por deslizamento. Os membros dessa categoria podem ser bactérias fototróficas ou não fototróficas ( Cap. 5) e incluir espécies aeróbias, anaeróbias, anaeróbias facultativas e microaerofilicas. B. Eubactérias gram-positivas Essas bactérias possuem uma parede celular do tipo gram-po­ sitiva; em geral, mas nem sempre, as células exibem coloração Gram-positiva. O envelope dos organismos gram-positivos consiste em uma espessa parede celular que determina a forma celular e uma membrana citoplasmática. Essas células podem ser encapsuladas e podem exibir motilidade mediada por flage­ los. As células podem ser esféricas, em forma de bastonete ou filamentos. Os bastonetes e filamentos podem não ser ramifi­ cados ou exibir uma verdadeira ramificação. Em geral, a repro­ dução é feita por divisão binária. Algumas bactérias incluídas nessa categoria produzem esporos (p. ex., Bacillus e espécies Clostridium) como formas de latência que são altamente resis­ tentes a desinfecção. Em geral, as eubactérias gram-positivas são heterótrofas quimiossintéticas (Cap. 5) e incluem espé­ cies aeróbias, anaeróbias e anaeróbias facultativas. Os grupos que compõem essa categoria incluem bactérias asporogêneas 11. , •• I • o••' • • • - ·�· .. • • / 1 . .. . .. • •• # • ... • • • • \•4 • • e esporogêneas simples, bem como actinomicetos estrutural­ mente complexos e formas correlatas. C. Eubactérias desprovidas de parede celular Trata-se de microrganismos que carecem de parede celular ( comumente denominados micoplasmas, compreendendo a classe Mollicutes) e que não sintetizam os precursores do pep­ tidoglicano. Delimitados por uma membrana, a membrana plasmática (Fig. 3.5). Assemelham-se às formas L, que podem ser produzidas por muitas espécies de bactérias (notadamen­ te as eubactérias gram-positivas); todavia, diferentemente das formas L, os micoplasmas nunca sofrem reversão para o estado dotado de parede celular, e não existe relação antigênica entre os micoplasmas e as formas L eubacterianas. Seis gêneros foram classificados como micoplasmas com base no seu habitat; entretanto, apenas dois contêm patógenos de animais. Os micoplasmas são microrganismos altamente pleomórficos cujo tamanho varia de formas vesiculares a for­ mas filtráveis muito pequenas (0,2 µm) (são muito pequenos para serem capturados em filtros que rotineiramente retêm a maior parte das bactérias). A reprodução pode ocorrer por brotamento, fragmentação ou divisão binária, isoladamente ou em combinação. A maio­ ria das espécies necessita de um meio de cultura complexo para • 11' 1 ' \ I �-17 .. . .. • • • I I l i / • • A •• ··-=�-- . • # •• • •• \_1 '"" B ,,,,,,,. e FIGURA 3.4 As formas celulares que ocorrem entre bactérias unicelulares verdadeiras. (A) Coco. (8) Bastonete. (C) Espiroqueta. (Contraste de fase, ampliada 1.500 vezes.) (Reproduzida, com autorização, de Stanier RY, Doudoroff M, Adelberg EA. The Microbial World, 3rd ed. Copyright © 1970. Com autorização, de Prentice-Hall, lnc., Englewood Cliffs, NJ.) 52 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia 1) Digestão do DNA com o uso de enzimas de restrição Gel de agarose 3) Fragmentos separados são transferidos para uma membrana de náilon » J � Sonda de DNA marcado 4) Sonda de DNA marcado hibridiza com o DNA ligado à membrana de náilon Enzimas de restrição 2) Separação dos fragmentos por eletroforese em gel de agarose Membrana de náilon Filme de detecção 5) Detecção do fragmento marcado FIGURA 3.6 Análise por Southern blot mostrando como toei específicos em fragmentos de DNA separados podem ser detectados com uma son­ da de DNA marcado. Este procedimento possibilita, em essência, a discriminação do DNA em três níveis: (1) no nível de reconhecimento por enzima de restrição, (2) pelo tamanho do fragmento de DNA, e (3) pela hibridização de uma sonda de DNA a um locus específico definido por uma banda específica, em uma posição específica da membrana. fragmentos de restrição (RFLP, na sigla em inglês) referem-se às variações tanto no número de Zoei homólogos com a sonda quanto nos locais de restrição no interior desses Zoei ou adja­ centes a eles. Ribotipagem Este método utiliza a análise por Southern bZotpara detectar poli­ morfismos de genes de rRNA encontrados em todas as bactérias. Como as sequências ribossômicas são altamente conserva­ das, podem ser detectadas com uma sonda comum preparada a partir do rRNA 16S e 23S de uma eubactéria, E. eoZi. Muitos microrganismos possuem várias cópias ( 5 a 7) desses genes, re­ sultando em padrões com um número suficiente de bandas para proporcionar um poder de discriminação satisfatório; entretan­ to, a ribotipagem é de valor limitado para alguns microrganis­ mos, tais como as micobactérias, que só possuem uma cópia de tais genes. Sequências repetitivas Na era atual da genômica na medicina molecular, centenas de genomas microbianos têm sido sequenciados. Com esta era, surgiram as ferramentas de bioinformática, para explorar essa riqueza de informações sobre as sequências de DNA na iden­ tificação de novos alvos para subtipar patógenos, tais como as sequências repetitivas encontradas em diferentes espécies (Cap. 7). Essas sequências repetitivas foram chamadas de DNA satélite e possuem unidades repetitivas que variam de 10 pb (pares de base) a 100 pb. Em geral são chamadas de sequências repetidas de número variável (VNTR de variable number tandem repeats). As VNTR foram encontradas em regiões que controlam a expressão gênica de dentro de fases abertas de leitura. A unidade repetida e o número de cópias repetidas lado a lado definem cada locus VNTR. Uma estratégia de ge­ notipagem que emprega PCR, citada como análise VNTR de múltiplos locus (MLV A, de multiple-locus VNTR analysis), tem como vantagem os níveis de diversidade gerados pelo tamanho das unidades repetidas e pela variação do número de cópias em um número conhecido de Zoei. Essa técnica mostra-se espe­ cialmente útil na subtipagem de espécies monomórficas, como Bacillus anthracis, Yersinia pestis e Francisella tularensis. Microbiologia forense Os métodos de genotipagem estão progredindo em direção à identificação de polimorfismos de um único gene em fases abertas de leitura e regiões intergênicas para responder a uma grande variedade de questões de epidemiologia e evolução. O campo da microbiologia forense desenvolveu-se na onda dos ataques bioterroristas com esporos de Bacillus anthracis (an­ traz ou carbúnculo) no outono de 2001 nos EUA. A micro­ biologia forense foi parte da investigação criminal usada para identificação exata de cepas e subcepas do microrganismo usa­ do nesse crime de bioterrorismo. MÉTODOS PARA A IDENTIFICAÇÃO DE MICRORGANISMOS PATOGÊNICOS SEM O USO DE CULTURAS As tentativas de estimar o número total de bactérias, arqueo­ bactérias e vírus são problemáticas devido a dificuldades como detecção e recuperação do meio ambiente, ou conhecimento incompleto de associações microbianas obrigatórias, e o pro­ blema do conceito de espécie nesses grupos. Contudo, estimati­ vas indicam que o número de micróbios não cultiváveis excede QUADRO 3.5 Números estimados e conhecidos das espécies biológicasª Espécies Grupo conhecidas Vírus 5.000 Bactérias 4.760 Fungos 69.000 Algas 40.000 Protozoários 30.800 Total de , . espec1es estimadas 1 30.000 40.000 1 .500.000 60.000 100.000 Porcentagem de espécies conhecidas 4 12 5 67 31 ª Reproduzido, com autorização, de Annual Reviews, lnc., from Buli AT et ai.: Biodiversity as a source of innovation in biotechnology. Ann Rev Microbiol 1992;46:219. Permission comveyed through Copyright Clearance Center, lnc. CAPÍTULO 3 Classificação das bactérias 53 em muito o número de organismos cultiváveis (Quadro 3.5). Entretanto, estimativas mais recentes sugerem que o total de espécies bacterianas no mundo situa-se entre 107 e 109• Até re­ centemente, a identificação microbiana exigia o isolamento de culturas puras seguido de testes para inúmeros traços fisioló­ gicos e bioquímicos. Os médicos já estão familiarizados com as doenças humanas associadas a microrganismos visíveis, porém não cultiváveis. Na atualidade os cientistas estão utili­ zando uma abordagem auxiliada pela PCR, utilizando o rRNA para a identificação de microrganismos patogênicos in situ. A primeira fase dessa abordagem envolve a extração do DNA de uma amostra apropriada, o uso de técnicas moleculares padro­ nizadas para se obter uma "biblioteca" de clones, a recuperação da informação de sequências do rDNA e a análise compara­ tiva das sequências recuperadas. Todos esses dados fornecem informações sobre a identidade ou relação das sequências em comparação com a base de dados disponíveis. Na segunda fase, a prova de que as sequências provêm de células da amostra ori­ ginal é obtida por hibridização in situ, utilizando-se sondas es­ pecíficas para sequências. Essa abordagem vem sendo utilizada na identificação de microrganismos patogênicos. Por exemplo, um patógeno previamente não caracterizado foi identificado como a bactéria, em forma de bastonete, associada à doença de Whipple, atualmente designado Tropheryma whipplei. A abordagem com o rRNA também foi utilizada para identificar o agente etiológico da angiomatose bacilar como Bartonella henselae e mostrar que o patógeno oportunista Pneumocystis jiroveci é um fungo. Indubitavelmente esta e outras técnicas irão identificar outros agentes etiológicos no futuro. OBJETIVOS 1. Compreender como o vocabulário taxonômico é crítico na comunicação científica no campo das doenças infecciosas. 2. Como a taxonomia classifica. 3. Compreender as características de crescimento, bioquími­ cos e genéticos, que são usadas na identificação bacteriana. 4. Entender as diferenças entre eubactéria, arqueobactéria e eucariontes. 5. Entender como as diferentes técnicas moleculares podem auxiliar na taxonomia. QUESTÕES DE REVISÃO 1. As eubactérias desprovidas de parede celular e que não sinteti­ zam precursores do peptidoglicano são chamadas: (A) Bactérias gram-negativas (B) Vírus (C) Micoplasmas (D) Sorovares variantes (E) Bacilos 2. As arqueobactérias podem ser distinguidas das eubactérias pela ausência de: (A) DNA (B) RNA (C) Ribossomos (D) Peptidoglicano (E) Núcleo 54 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia 3. Um paciente de 16 anos é admitido no hospital com fibrose cís­ tica. Uma cultura de escarro indica Burkholderia cepacia. Poste­ riormente, surgem dois outros pacientes com bacteriemia por B. cepacia, e o organismo é cultivado a partir do escarro de outros quatro pacientes. Durante esse surto hospitalar por B. cepacia, 50 isolados do ambiente e de sete pacientes estão sendo subtipa­ dos para identificação da origem do surto. Qual das seguintes técnicas pode ser a melhor nessa tentativa? (A) Cultura (B) Ribotipagem (C) Sequenciamento do rRNA 16S (D) Teste de sensibilidade aos antimicrobianos (E) Sequenciamento dos ácidos nucleicos 4. Um microrganismo gram-positivo não cultivável foi identificado em amostras de tecidos obtidas de pacientes com doença prévia não descrita. Qual das seguintes técnicas pode ser a mais útil na identificação desse microrganismo? (A) Sorologia (B) Amplificação por PCR e sequenciamento dos genes do rRNA (C) Eletroforese enzimática de múltiplos locus (D) Eletroforese em gel de poliacrilamida-SDS (E) Eletroforese em campo pulsado 5. O DNA polimerase do Thermus aquaticus é um importante com­ ponente dos métodos de amplificação do DNA, como a reação em cadeia da polimerase. Esse microrganismo é capaz de crescer em temperaturas superiores a lOOºC. Os microrganismos capa­ zes de crescer a tais temperaturas são chamados: (A) Mesófilos (B) Psicrófilos (C) Halófilos (D) Termófilos (E) Quimiolitótrofos Respostas 1. c 3. E 5. D 2. D 4. B REFERÊNCIAS Achtman M, Wagner M: Microbial diversity and the genetic nature of microbial species. Nat Rev Microbiol 2008;6:431. Amann RI, Ludwig W, Schleiffer K-H: Phylogenetic identification and in situ detection of individual microbial cells without culture. Microbiol Rev 1995;59:143. Boone DR, Castenholz RW (editors): Bergey's Manual of Systematic Bacteriology: The Archaea and the Deeply Branching and Pho­ totrophic Bacteria, vol. l, 2nd ed. Springer, 2001. Breeze RG, Budowle B, Schutzer SE (editors): Microbial Forensics. Elsevier, 2005. Brenner DJ, Krieg NR, Staley JT (editors): Part A. Introductory essays. Bergey's Manual of Systematic Bacteriology: The Proteobacteria, vol 2. Springer, 2005. Brenner DJ, Krieg NR, Staley JT (editors): Part B. The gammapro­ teobacteria. Bergey's Manual of Systematic Bacteriology: The Pro­ teobacteria, vol 2. Springer, 2005. Brenner DJ, Krieg NR, Staley JT (editors): Part C. The alpha-, beta-, delta-, and epsilonproteobacteria. 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Outro rearranjo da equação (3) permite-nos calcular a quantidade de tempo necessária para que ocorra uma quanti­ dade específica de crescimento. Na equação (7) a concentração de biomassa, B, é substituída pela concentração celular, N, para possibilitar o cálculo do tempo necessário para que haja um aumento específico no número de células. (7) Utilizando a equação (7), é possível, por exemplo, deter­ minar o tempo necessário para que um organismo de cresci­ mento lento com constante da velocidade de crescimento de 0,02 h-1 cresça de uma única célula até uma suspensão celular pouco turva com concentração de 107 células/mililitro. 2,3 X 7 t - t = --- 1 o 0,02h-l (8) A solução da equação (8) revela que seriam necessárias cer­ ca de 800 h - pouco mais de 1 mês - para que ocorresse tal quantidade de crescimento. A sobrevida dos microrganismos de crescimento lento implica que a corrida pela sobrevida bio­ lógica nem sempre se baseia na velocidade - as espécies que crescem competem com êxito por nutrientes e evitam sua des­ truição por predadores e outros riscos ambientais. A CURVA DE CRESCIMENTO Se um volume fixo de meio líquido for inoculado com células microbianas retiradas de uma cultura que previamente cres­ ceu até a saturação e o número de células viáveis por milili­ tro for determinado periodicamente, bem como representado em forma de gráfico, em geral se obtém uma curva do tipo ..... <O :::::1 Q) o o t<O � -e: � e: o o <O 'O Cl .3 Fase log ou de crescimento exponencial Fase de latência (fase lag) Fase estacionária Tempo FIGURA 4.2 Curva de crescimento bacteriano. Fase de morte ou fase logarítmica de declínio QUADRO 4.2 Fases da curva de crescimento bacteriano Fase Latência Exponencial Estacionária máxima Declínio Taxa de crescimento Zero Constante Zero Negativa (morte) apresentado na Figura 4.2. As fases da curva de crescimento bacteriano mostradas na Figura 4.2 são reflexões dos eventos em uma população de células, e não em células individuais. Esse tipo de cultura é classificado como cultura em batelada. Uma típica curva de crescimento pode ser analisada em quatro fases (Quadro 4.2). A cultura em batelada é um sistema fecha­ do com recursos limitados, sendo muito diferente de um hos­ pedeiro humano. A fase de latência (fase lag) A fase de latência representa um período durante o qual as cé­ lulas, com depleção de seus metabólitos e enzimas, em conse­ quência das condições desfavoráveis existentes no final de sua cultura anterior, adaptam-se ao seu novo ambiente. Verifica-se a formação de enzimas e intermediários que se acumulam até alcançarem concentrações suficientes para permitir o reinício do crescimento. Se as células forem obtidas de um meio totalmente diferen­ te, às vezes ocorre de serem geneticamente incapazes de crescer no novo meio. Nesses casos, poderá ocorrer uma fase de latên­ cia longa no crescimento, representando o período necessário para que alguns mutantes presentes no inóculo possam multi­ plicar-se o suficiente para produzirem um aumento efetivo e aparente no número de células. A fase exponencial Durante a fase exponencial, as células encontram-se em estado de equilíbrio dinâmico. Novo material celular está sendo sin­ tetizado a uma velocidade constante, porém o novo material é, em si, catalítico, e a massa aumenta de modo exponencial. Tal situação prossegue até que ocorra uma de duas alternativas: esgotamento de um ou mais nutrientes no meio, ou acúmulo de produtos metabólicos tóxicos que inibem o crescimento. No caso dos microrganismos aeróbios, o oxigênio costuma ser o nutriente que se torna limitante. Quando a concentração de células ultrapassa cerca de 1 x 107/mL (no caso das bactérias), a velocidade de crescimento diminui, a não ser que seja acres­ centado oxigênio ao meio por agitação ou por borbulhamento de ar. Quando a concentração bacteriana atinge 4 a 5 x 109/mL, a velocidade de difusão do oxigênio não consegue suprir as de­ mandas mesmo em um meio de cultura arejado, o que retarda progressivamente o crescimento. A fase estacionária máxima Por fim, a exaustão de nutrientes ou o acúmulo de produ­ tos tóxicos resulta em interrupção completa do crescimento. 58 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia Entretanto, na maioria dos casos ocorre renovação celular na fase estacionária: verifica-se uma lenta perda de células por morte, compensada pela formação de novas células por cresci­ mento e divisão. Quando isso ocorre, a contagem total de célu­ las aumenta lentamente, embora a contagem viável permaneça constante. A fase de declínio: a fase de morte Depois de um período na fase estacionária, que varia de acordo com o microrganismo e as condições de cultura, a velocidade de morte aumenta até atingir o nível de equilíbrio dinâmico. A matemática da morte no estado de equilíbrio dinâmico será discutida adiante. Na maioria dos casos, a taxa de morte celular é mais lenta do que o crescimento exponencial. Com frequên­ cia, após ocorrer a morte da maioria das células, a velocidade de morte diminui drasticamente, de modo que um pequeno número de sobreviventes pode persistir durante meses ou mes­ mo anos. Em alguns casos, essa persistência pode refletir reno­ vação celular com o crescimento de algumas células à custa dos nutrientes liberados pelas células que morrem e sofrem lise. Acredita-se que um fenômeno, no qual as células são cha­ madas viáveis, mas não cultiváveis (VMNC), seja resultado de uma resposta genética desencadeada pela privação de nutrien­ tes na fase estacionária. Assim como algumas bactérias for­ mam esporos como mecanismo de sobrevivência, outras são capazes de se tornar dormentes, sem alteração em sua morfolo­ gia. Quando as condições adequadas estão disponíveis (p. ex., migração direta de um animal) os micróbios VMNC retomam o crescimento. MANUTENÇÃO DAS CÉLULAS NA FASE EXPONENCIAL As células podem ser mantidas na fase exponencial mediante sua repetida transferência em meio de cultura fresco de composição idêntica, enquanto ainda estão crescendo de modo exponencial. Esse processo é conhecido como cultura contínua; o aparelho de cultura contínua de uso mais comum é um quimiostato. Uma cultura contínua é mais similar às condições encontradas pelos microrganismos no mundo real (p. ex., corpo humano) onde os nutrientes são constantemente substituídos. O quimiostato O quimiostato consiste em um recipiente de cultura equipado com um sifào de fluxo e um mecanismo de gotejamento no meio de cultura fresco a partir de um reservatório, a uma velocidade controlada. O meio de cultura no recipiente é agitado por uma corrente de ar estéril; cada gota do meio de cultura fresco que entra determina a saída de uma gota da cultura pelo sifão. O meio é preparado de modo que um nutriente limite o crescimento. O recipiente é inoculado e as células crescem até a exaustão do nutriente limitante; em seguida, o meio de cultura fresco do reservatório flui a uma velocidade tal que as células utilizam o nutriente limitante à mesma velocidade com que ele é fornecido. Nessas condições, a concentração celular perma­ nece constante, e a velocidade de crescimento é diretamente proporcional à velocidade de fluxo do meio. Biofilmes Tem sido cada vez mais reconhecido, que muitas infecções são causadas por bactérias que não crescem individualmente (ou planctonicamente). Em vez disso, as células bacterianas cres­ cem em comunidades complexas em que comunicam-se entre si. É rotina, por exemplo, escovar os dentes todos os dias pa­ ra remover a película de bactérias que cresce continuamente, até mesmo enquanto se dorme. De forma similar, os biofilmes estão associados a infecções pulmonares causadas por Pseudo­ monas aeruginosa e à colonização de cisternas de hospitais por Legionella pneumophila, entre outros. Esse padrão de cresci­ mento começa com uma única célula bacteriana, que se adere a uma determinada superfície. Em seguida, essa célula se autor­ replica, sucessivamente, ou ocorre o recrutamento de outras espécies bacterianas na estrutura colonial em formação. O reconhecimento desse padrão de crescimento tem sido amplamente estudado. A estratégia conceitua! da formação do biofilme tem um sentido lógico: (1) através do crescimento bacteriano na forma de camadas sucessivas, as bactérias iniciais (presentes nas camadas mais internas do biofilme) são menos suscetíveis a ação do sistema imune e a (2) penetração de an­ timicrobianos, que são protegidas pelo crescimento bacteriano das camadas mais externas. O estudo dos bioftlmes in vitro e in vivo é uma ciência em constante evolução. DEFINIÇÃO E MEDIDA DA MORTE O significado da morte Para uma célula microbiana, a morte significa perda irreversível da capacidade de reprodução (crescimento e divisão). O teste empírico de morte consiste em uma cultura de células em meios sólidos: uma célula é considerada morta se não conseguir formar uma colônia em qualquer meio. Naturalmente, a confiabilida­ de do teste depende da escolha do meio de cultura e das condi­ ções: uma cultura em que 99% das células parecem "mortas", em termos de sua capacidade de formar colônias em determinado meio, poderá mostrar-se 100% viável se for testada em outro meio. Além disso, a detecção de algumas células viáveis em uma amostra clínica grande pode não ser possível por semeadura di­ reta, visto que o seu líquido pode ser inibitório para o crescimen­ to microbiano. Em tais circunstâncias, pode ser necessário diluir inicialmente a amostra em meio líquido, permitindo o cresci­ mento das células viáveis antes de tal semeadura. As condições de incubação na primeira hora após o trata­ mento também são decisivas para a determinação da "morte". Assim, por exemplo, se as células bacterianas forem irradiadas com luz ultravioleta e semeadas imediatamente em qualquer meio de cultura, poderá parecer que 99,99% delas foram des­ truídas. Entretanto, se essas células irradiadas forem inicial­ mente incubadas em tampão apropriado durante 20 minutos, a semeadura indicará que apenas 10% delas morreram. Em ou­ tras palavras, a irradiação determina que uma célula "morrerá" se for semeada imediatamente, mas pode sobreviver se tiver a oportunidade de proceder ao reparo da lesão por irradiação antes de sua semeadura. Por conseguinte, uma célula microbiana não fisicamente rompida está "morta" apenas em termos das condições utiliza­ das para testar sua viabilidade. CAPÍTULO 4 Crescimento, sobrevida e morte dos microrganismos 59 A medida da morte Quando se trata de microrganismos, não se costuma determi- nar a morte de cada célula, mas de uma população. Esse aspecto constitui um problema estatístico: em qualquer condição pas- sível de levar à morte celular, a probabilidade de determinada célula morrer é constante por unidade de tempo. Por exemplo, se for utilizada uma condição capaz de provocar a morte de 90% das células nos primeiros 1 O minutos, a probabilidade de que qualquer célula morra em um intervalo de 10 minutos será de 0,9. Por conseguinte, pode-se esperar que 90% das células sobreviventes irão morrer a cada intervalo sucessivo de 10 mi- nutos, obtendo-se uma curva de morte semelhante as curvas mostradas na Figura 4.3. Assim, o número de células que morrem a cada intervalo de tempo constitui uma função do número de sobreviventes presentes, de modo que a morte de uma população segue um processo exponencial de acordo com a fórmula geral S = S e-kt o (9) em que S0 é o número de sobreviventes no tempo zero, e S, o número de sobreviventes em qualquer momento posterior t. Como no caso do crescimento exponencial, -k representa a velocidade de morte exponencial quando a fração ln (S/S0) é representada graficamente com relação ao tempo. A curva de impacto único mostrada na Figura 4.3A é típica da cinética de inativação observada em muitos agentes antimi- crobianos. O fato de ser uma linha reta a partir do tempo zero (dose zero) - em lugar de exibir um desvio inicial - significa que um único "impacto" pelo agente inativador é suficiente pa- ra matar a célula, ou seja, apenas um único alvo precisa ser le- sionado para que toda a célula seja inativada. Esse alvo pode ser o cromossomo de uma bactéria haploide ou uma membrana celular, mas não pode ser uma enzima ou outro componente celular presente em várias cópias. Uma célula que contenha várias cópias do alvo a ser inati- vado exibe curva de múltiplo impacto do tipo apresentado na Figura 4.3B. A extrapolação da porção reta da curva na orde- nada permite uma estimativa do número de alvos (p. ex., 4 na Figura 4.3B). Esterilização Na prática, define-se "esterilização" como processo de destrui­ ção de todos os microrganismos em uma preparação. Entre­ tanto, com base nas considerações expostas anteriormente, percebe-se que nenhum conjunto de condições assegura a es­ terilização de uma preparação. Considere a situação exemplifi­ cada na Figura 4.3. Aos 60 minutos, existe um microrganismo (10º) por mililitro. Aos 70 minutos, haveria 10-1, aos 80 minu­ tos, 10-2 e assim por diante. Logo, pode-se dizer que em uma solução contendo uma concentração de 10-2 microrganismos por mililitro,, em um volume total de 100 mL, haveria um microrganismo sobrevivente. Quanto tempo, então, seria ne­ cessário para "esterilizar" a cultura? Tudo que pode-se dizer é que, após dado período de tratamento, a probabilidade de ha­ ver quaisquer microrganismos sobreviventes em 1 mL é aquela apresentada pela curva na Figura 4.3. Após 2 h, no exemplo ci­ tado, a probabilidade é de 1 x 10-6• Em geral, isso é considerado A 6 ....J E (15 5 Q) -e: Q) .<:!: à> ..... 4 .o o cn cn co :::::l -Q) 3 (.) Q) "O e Q) 2 E ':::::l e: o "O o � 1 Cl .9 o 10 20 30 40 50 60 Minutos B 7 ....J 6 E ..._ fil -e: Q) 5 .<:!: à> ..... .g cn cn 4 co :::::l •Q) (.) Q) "O 3 e Q) E ':::::l e: o 2 "O o � Cl o ....J 1 10 20 30 40 50 60 Minutos FIGURA 4.3 Curva da morte de uma suspensão de 106 organismos viá­ veis por mililitro. (A) Curva de impacto único. (8) Curva de múltiplo impac­ to. A porção da linha reta extrapolada para 6,5 corresponde a 4 x 106 célu­ las. Portanto, o número de alvos é de 4 x 106, ou quatro por célula. um tempo seguro de esterilização. Entretanto, um volume de 1.000 mL pode conter ainda um microrganismo viável. Observe que esses cálculos dependem de a inclinação da curva permanecer inalterada durante todo o período decorrido. Infeliz­ mente, é muito comum que a curva se incline para cima depois de certo período, em virtude da heterogeneidade da população quanto à sua sensibilidade ao agente inativador. As extrapolações são perigosas e podem levar a erros, como os encontrados nas primeiras preparações da vacina estéril contra a pólio. 62 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia QUADRO 4.3 Alguns biocidas usados em antissepsia, desinfecção, preservação e outras finalidades (continuação) Agente Fórmula Usos Cetrimida H3C CH3 ' / Desinfecção, antissepsia, preservação + N sr- / ' H3C CoH2n+1 Cloreto de benzalcônio O-cH2 CH3 + ' / N / ' H3C C0H2n+l Fase de vapor óxido de etileno Formaldeído Esterilização, desinfecção H 1 H - C = O Peróxido de hidrogênio F. Séptico Caracteriza-se pela presença de micróbios patogênicos em te­ cido vivo ou fluidos corpóreos. G. Antisséptico Um biocida ou produto que destrói ou inibe o crescimento de microrganismos em tecido vivo (p. ex., pele) ou fluidos bioló­ gicos (p. ex., secreções de mucosa). H. Asséptico Livre de, ou que emprega métodos para ficar livre de micror- • gan1smos. 1. Preservação Prevenção da multiplicação de microrganismos em produtos formulados, como produtos farmacêuticos e alimentos. J. Antibióticos Compostos orgânicos de ocorrência natural ou sintética que inibem ou destroem bactérias de maneira seletiva, geralmente a baixas concentrações. Modos de ação A. Dano ao DNA Vários agentes físicos e químicos atuam danificando o DNA. Tais agentes incluem radiações ionizantes, luz ultravioleta e substâncias químicas que reagem com o DNA. Na última ca­ tegoria estão incluídos os agentes alquilantes e outros com­ postos que reagem de modo covalente com as bases purínicas e pirimidínicas para formar complexos de DNA ou ligações cruzadas entre filamentos. A radiação lesiona o DNA de várias maneiras: a luz ultravioleta, por exemplo, induz a formação de ligações cruzadas entre pirimidinas adjacentes em um dos dois filamentos de polinucleotídeos, formando dímeros de pirimi­ dina; as radiações ionizantes induzem quebras em filamentos simples ou duplos. As lesões do DNA induzidas pela radiação ou por agentes químicos destroem a célula principalmente por interferir na replicação do DNA. Ver no Capítulo 7 uma dis­ cussão sobre os sistemas de reparo do DNA. B. Desnaturação das proteínas As proteínas ocorrem em um estado tridimensional compacta­ do, determinado primariamente, por ligações covalentes de dis­ sulfeto intramoleculares e por várias interações não covalentes, como ligações iônicas, hidrofóbicas e de hidrogênio ou ligações covalente dissulf eto. Esse estado, denominado estrutura terciá­ ria da proteína, é facilmente desorganizado por diversos agentes físicos (p. ex., calor) ou químicos (p. ex., álcool), resultando em uma proteína não funcional. A ruptura da estrutura terciária de uma proteína é denominada desnaturação proteica. C. Ruptura da membrana ou da parede celular A membrana celular atua como barreira seletiva (melhor ca­ racterizada como uma rede de pesca), permitindo a passagem de alguns solutos e excluindo outros. Muitos compostos são transportados ativamente através da membrana, concentran­ do-se no interior da célula. A membrana também constitui o local das enzimas envolvidas na biossíntese de componentes do envelope celular. As substâncias que se concentram na su­ perfície celular podem alterar as propriedades físicas e quími­ cas da membrana, impedindo o desempenho de suas funções CAPÍTULO 4 Crescimento, sobrevida e morte dos microrganismos 63 normais e, portanto, destruindo ou inibindo a viabilidade da célula. A parede celular atua como estrutura de sustentação (me­ lhor caracterizada como uma rede de pesca) protegendo a célula contra a lise osmótica. Assim, os agentes que destroem a parede celular (p. ex., lisozima, que cliva ligações glicosídicas) ou im­ pedem sua síntese normal (p. ex., penicilina, que interrompe as ligações cruzadas peptídicas) podem provocar a lise celular. D. Ruptura dos grupos sulfidrila livres As enzimas que contêm cisteína possuem cadeias laterais que terminam em grupos sulfidrila. Além disso, as coenzimas, co­ mo a coenzima A e o diidrolipoato, contêm grupos sulfidrila livres. Tais enzimas e coenzimas não podem funcionar, a não ser que os grupos sulfidrila permaneçam livres e no estado re­ duzido. Por conseguinte, os agentes oxidantes interferem no metabolismo, formando ligações de dissulfeto entre grupos sulfidrila vizinhos: R - SH + HS - R -2H > R - S - S - R Muitos metais, como o íon mercúrico, também interferem ao se combinarem com grupos sulfidrila. Existem muitas enzi­ mas sulfidrílicas na célula; por conseguinte, os agentes oxidan­ tes e os metais pesados provocam lesão disseminada. E. Antagonismo químico A interferência de um agente químico na reação normal entre uma enzima e seu substrato é conhecida como antagonismo químico. O antagonista atua ao combinar-se com alguma parte da holoenzima (a apoenzima proteica, o ativador mineral ou a coenzima), impedindo assim a fixação do substrato normal. (O termo substrato é usado aqui no sentido amplo para incluir os casos em que o inibidor se combina com a apoenzima, impe­ dindo assim a ligação com a coenzima.) Um antagonista combina-se com uma enzima em virtu­ de de sua afinidade química por um local essencial existente na enzima. As enzimas desempenham sua função catalítica em virtude de sua afinidade por seus substratos naturais; por conseguinte, qualquer composto estruturalmente semelhante ao substrato em certos aspectos essenciais também pode exi­ bir afmidade pela enzima. Se essa afmidade for intensa o sufi­ ciente, o "análogo" irá deslocar o substrato normal e impedir a ocorrência da reação apropriada. Muitas holoenzimas incluem um íon mineral como ponte entre a enzima e a coenzima ou entre a enzima e o substrato. As substâncias químicas que se combinam facilmente com es­ ses minerais também impedem a ligação da coenzima ou do substrato; por exemplo, o monóxido de carbono e o cianeto combinam-se com o átomo de ferro nas enzimas que contêm heme, impedindo sua função na respiração. Os antagonistas químicos podem ser convenientemente classificados em duas categorias: (a) antagonistas de proces­ sos produtores de energia e (b) antagonistas de processos de biossíntese. Os primeiros incluem venenos que afetam as en­ zimas respiratórias (monóxido de carbono, cianeto) e a fosfo­ rilação oxidativa ( dinitrofenol); os últimos incluem análogos das unidades formadoras das proteínas (aminoácidos) e dos ácidos nucleicos (nucleotídeos). Em alguns casos, o análogo simplesmente impede a incorporação do metabólito normal (p. ex., o 5-metiltriptofano impede a incorporação do triptofa­ no à proteína), ao passo que, em outros casos, o análogo subs­ titui o metabólito normal na macromolécula, tornando-a não funcional. A incorporação da p-fluorofenilalanina em lugar da fenilalanina em proteínas constitui um exemplo do último tipo de antagonismo. Reversão da ação antibacteriana Na seção sobre definições, foi assinalado que a ação bacterios­ tática é, por definição, reversível. Essa reversão pode ser obtida de diversas maneiras. A. Remoção do agente Quando as células inibidas pela presença de um agente bac­ teriostático são removidas por sucessivas lavagens e cen­ trifugações do meio, contendo a substância bacteriostática, readquirem sua capacidade de multiplicação normal. B. Reversão pelo substrato Quando um antagonista químico do tipo análogo se liga rever­ sivelmente à enzima, é possível deslocá-lo ao adicionar-se uma alta concentração do substrato normal. Esses casos são deno­ minados "inibição competitiva". A relação entre a concentra­ ção do inibidor e a concentração do substrato que reverte a inibição é denominada índice antimicrobiano; em geral, esse valor apresenta-se muito alto (100 a 10.000), indicando afmi­ dade muito maior da enzima para o análogo do que para seu substrato normal. C. lnativação do agente Com frequência, um agente pode ser inativado mediante o acréscimo ao meio de uma substância que se combina com ele, impedindo assim sua combinação com componentes ce­ lulares. Por exemplo, o íon mercúrico pode ser inativado pelo acréscimo de compostos sulfidrílicos ao meio, como o ácido tioglicólico. D. Proteção contra a lise É possível evitar a ocorrência da lise osmótica ao se tornar o meio isotônico para os protoplastos bacterianos desnudos. São necessárias concentrações de sacarose de 10 a 20%. Nessas con­ dições, os protoplastos induzidos pela penicilina (p. ex., o ma­ terial vivo de uma célula bacteriana incluindo o protoplasma e membrana após a parede celular ser removida), permanecem viáveis e continuam a crescer como formas L. Resistência aos agentes antibacterianos A capacidade das bactérias de adquirir resistência aos antibac­ terianos constitui um importante fator para seu controle. Os mecanismos pelos quais a resistência é adquirida são discuti­ dos nos Capítulos 7, Genética microbiana; e 28, Quimioterapia antimicrobiana. 64 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia Agentes físicos A. Calor A aplicação de calor constitui a maneira mais simples de esteri­ lizar materiais, contanto que o próprio material seja resistente ao calor. A temperatura de lOOºC irá destruir todas as formas bacterianas, exceto os esporos, em 2 a 3 minutos nas culturas em escala laboratorial. A temperatura de 121 ºC durante 15 minutos é usada para matar os esporos. Em geral utiliza-se o vapor, visto que as bactérias são mais rapidamente destruídas em condições úmidas e o vapor proporciona um meio de distribuição do ca­ lor em todas as partes do recipiente de esterilização. No nível do mar, o vapor deve ser mantido a uma pressão de 15 lb/sq (meia atmosfera) acima da pressão atmosférica a fim de se obter uma temperatura de 121 ºC; para essa finalidade, utilizam-se au­ toclaves ou panelas de pressão. Em altitudes maiores, a pressão pode ser superior a 15 psi para se alcançar 121 ºC. Para esterilizar materiais que devem permanecer secos, dispõe-se de estufas elé­ tricas com ar quente circulante; como o calor se mostra menos eficaz em material seco, é comum a aplicação de uma tempera­ tura de 160 a 170ºC durante 1 hora ou mais. Nessas condições (i. e., temperaturas excessivas aplicadas por longos períodos), o calor atua desnaturando as proteínas e os ácidos nucleicos das células e rompendo as membranas celulares. B. Radiação A luz ultravioleta e a radiação ionizante têm várias aplicações como agentes esterilizantes. Seus mecanismos de ação foram discutidos anteriormente. Agentes químicos As estruturas químicas e os usos dos biocidas são apresentados no Quadro 4.3. A. Alcoóis O álcool etílico, o álcool isopropílico e o n-propanol exibem rápida atividade antimicrobiana de amplo espectro contra bac­ térias vegetativas, vírus e fungos, mas não são esporicidas. A atividade é ótima quando estes são diluídos em uma concen­ tração com 60 a 90% de água. B. Aldeídos Utiliza-se o glutaraldeído para desinfecção e esterilização a baixa temperatura de endoscópios e equipamentos cirúrgicos. Normalmente, é utilizado em forma de solução a 2% para se obter atividade esporicida. O formaldeído é bactericida, espo­ ricida e virucida. C. Biguanidas A clorexidina é amplamente utilizada na lavagem das mãos e de produtos orais, e como desinfetante e conservante. Em geral, as micobactérias são altamente resistentes a esses compostos, em virtude de sua parede celular rica em ácidos micólicos. D. Bifenóis São amplamente utilizados em sabões antissépticos e para lava­ gem das mãos. Em geral, são de amplo espectro, porém exibem pouca atividade contra Pseudomonas aeruginosa e bolores. A triclosana e o hexaclorofeno são bactericidas e esporostáticos. E. Agentes que liberam halogênios Os tipos mais importantes de agentes que liberam cloro são o hipoclorito de sódio, o dióxido de cloro e o dicloroisocianura­ to de sódio, agentes oxidantes que têm a propriedade de des­ truir a atividade celular das proteínas. O ácido hipocloroso é o composto ativo responsável pelos efeitos bactericida e virucida de tais compostos. Em concentrações mais altas, esse grupo é esporicida. O iodo é fortemente bactericida, fungicida, tuber­ culocida, virucida e esporicida. Os iodóforos (p. ex., iodopovi­ dona) são complexos de iodo com um agente solubilizante ou transportador, que atua como reservatório do 12 ativo. F. Derivados de metais pesados A sulfadiazina de prata (Ag+), uma combinação de dois anti­ bacterianos, Ag+ e sulfadiazina, tem amplo espectro de ativida­ de. A ligação a componentes celulares, como o DNA, pode ser responsável pelas suas propriedades inibitórias. G. Ácidos orgânicos Os ácidos orgânicos são usados como preservativos na indús­ tria farmacêutica e de alimentos. O ácido benzoico é fungistáti­ co; o ácido propiônico é bacteriostático e fungistático. H. Peroxigênios O peróxido de hidrogênio tem atividade de amplo espectro contra vírus, bactérias, leveduras e esporos bacterianos. A ati­ vidade esporicida exige concentrações mais altas (10 a 30%) de H202 e maior tempo de contato. 1. Fenóis O fenol e muitos compostos fenólicos têm propriedades antis­ sépticas, desinfetantes ou conservantes. J. Compostos de amônio quaternário Estes compostos têm duas regiões nas suas estruturas molecu­ lares, ou seja, um grupo que repele a água (hidrofóbico) e outro que a atrai (hidrofílico). Os detergentes catiônicos, exemplifica­ dos pelos compostos de amônio quaternário (CAQ), são antis­ sépticos e desinfetantes úteis. Os CAQ têm sido utilizados com várias finalidades clínicas (p. ex., desinfecção pré-operatória da pele íntegra), bem como para a limpeza de superfícies duras. São esporostáticos, e inibem o desenvolvimento dos esporos, mas não o processo de germinação em si. Os CAQ também são micobacteriostáticos e têm efeito sobre vírus com envelope lipídico, mas não sobre vírus sem envelope. K. Esterilizantes com fase de vapor Os dispositivos médicos e os suprimentos cirúrgicos sensíveis ao calor podem ser efetivamente esterilizados por sistemas com fase de vapor que usam óxido de etileno, formaldeído, peróxi­ do de hidrogênio ou ácido peracético. C A P Í T U L O Cultura de microrganismos Cultura refere-se ao processo de propagação de microrganis­ mos pelo fornecimento de condições ambientais apropriadas. Os microrganismos em crescimento duplicam-se e necessitam dos elementos presentes na sua composição química. Os nu­ trientes devem proporcionar tais elementos em uma forma metabolicamente acessível. Além disso, os microrganismos necessitam de energia metabólica para sintetizar macromolé­ culas e manter gradientes químicos essenciais através de suas membranas. Os fatores que precisam ser controlados durante o crescimento consistem em nutrientes, pH, temperatura, ae­ ração, concentração de sal e força iônica do meio. EXIGÊNCIAS PARA O CRESCIMENTO A maior parte do peso seco dos microrganismos consiste em matéria orgânica constituída pelos elementos carbono, hi­ drogênio, nitrogênio, oxigênio, fósforo e enxofre. Além des­ ses, são necessários íons inorgânicos, como potássio, sódio, ferro, magnésio, cálcio e cloreto, para facilitar a catálise enzi­ mática e manter os gradientes químicos através da membrana celular. Em sua maior parte, a matéria orgânica consiste em macro­ moléculas formadas por ligações de anidrido entre as unida­ des precursoras. A síntese das ligações anidrido requer energia química, fornecida pelas duas ligações fosfodiéster do ATP (trifosfato de adenosina; Cap. 6). A energia adicional necessá­ ria para manter uma composição citoplasmática relativamente constante durante o crescimento, em uma variedade de am­ bientes químicos extracelulares, provém da força motriz dos prótons. Esta força é a energia potencial que pode ser obtida pela passagem de um próton através de uma membrana. Nos eucariotos, essa membrana pode ser parte da mitocôndria ou do cloroplasto. Nos procariotos, essa membrana é a membrana citoplasmática da célula. A força motriz dos prótons é um gradiente eletroquímico com dois componentes: uma diferença de pH (concentração de íons hidrogênio) e outra na carga iônica. A carga existente do lado externo da membrana bacteriana é mais positiva do que a do lado interno, e a diferença de carga contribui para a energia livre liberada quando um próton penetra no citoplas­ ma a partir do lado externo da membrana. Os processos me­ tabólicos que geram a força motriz dos prótons são discutidos no Capítulo 6. A energia livre pode ser utilizada para mover a célula, manter gradientes iônicos ou moleculares através da membrana, sintetizar ligações de anidrido no ATP ou para uma combinação desses fatores. Alternativamente, as células supridas com uma fonte de ATP podem utilizar a energia de suas ligações de anidrido para criar uma força motriz dos pró­ tons que pode ser empregada para mover a célula e manter os gradientes químicos. Para crescer, um organismo necessita de todos os elemen­ tos que compõem sua matéria orgânica e de todo o comple­ mento de íons indispensáveis aos processos energéticos e à catálise. Além disso, deve haver uma fonte de energia dispo­ nível para estabelecer a força motriz dos prótons e possibili­ tar a síntese das macromoléculas. Há uma ampla variação nas demandas nutricionais e nas fontes de energia metabólica dos • • m1crorgan1smos. FONTES DE ENERGIA METABÓLICA Os três principais mecanismos para a produção de energia me­ tabólica são a fermentação, a respiração e a fotossíntese. Pelo menos um desses mecanismos tem de ser usado para que o or- • gan1smo possa crescer. Fermentação A formação de ATP na fermentação não está acoplada à trans­ ferência de elétrons. A fermentação caracteriza-se pela fosfori­ lação de substratos, processo enzimático em que uma ligação de pirofosfato é diretamente doada para o ADP ( difosfato de adenosina) por um intermediário metabólico fosforilado. Os intermediários fosforilados são formados por rearranjo meta­ bólico de um substrato passível de fermentação, como a gli­ cose, a lactose ou a arginina. Dado que a fermentação não é acompanhada de qualquer alteração no estado de oxirredução global do substrato passível de fermentação, a composição ele­ mentar dos produtos de fermentação deve ser idêntica a dos substratos. Por exemplo, a fermentação de uma molécula de glicose (C6H1206) pela via de Embden-Meyerhof (Cap. 6) re­ sulta em um ganho líquido de duas ligações de pirofosfato no ATP e forma duas moléculas de ácido láctico (C3H603). Respiração A respiração é análoga ao acoplamento de um processo depen­ dente de energia à descarga de uma bateria. A redução química de um oxidante (aceptor de elétrons) por uma série específi­ ca de transportadores de elétrons na membrana estabelece a 68 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia força motriz dos prótons através da membrana bacteriana. O redutor (doador de elétrons) pode ser orgânico ou inorgânico: por exemplo, o ácido láctico atua como redutor para alguns organismos, enquanto o gás hidrogênio é um redutor para outros. O oxigênio gasoso (02) é frequentemente usado como oxidante, mas existem outros oxidantes usados por alguns or­ ganismos, como o dióxido (C02), o sulfato (So�-) e o nitrato (NO;) de carbono. Fotossíntese A fotossíntese assemelha-se à respiração, uma vez que a redu­ ção de um oxidante por uma série específica de transportadores de elétrons estabelece a força motriz dos prótons. A diferença entre os dois processos é que, na fotossíntese, o redutor e o oxidante são criados fotoquimicamente pela energia luminosa absorvida por pigmentos presentes na membrana. Por conse­ guinte, a fotossíntese só poderá continuar enquanto houver uma fonte de energia luminosa. As plantas e algumas bactérias são capazes de utilizar uma quantidade significativa de energia luminosa ao transformarem a água em redutor para o dióxi­ do de carbono. Há formação de oxigênio nesse processo, com a produção de matéria orgânica. A respiração - a oxidação energeticamente favorável de matéria orgânica por um aceptor de elétrons, como o oxigênio - pode fornecer energia a mi­ crorganismos que realizam a fotossíntese na ausência de luz. NUTRIÇÃO Os nutrientes nos meios de crescimento devem conter todos os elementos necessários à síntese biológica de novos micror­ ganismos. Na discussão a seguir, os nutrientes são classificados de acordo com os elementos que eles fornecem. Fonte de carbono Conforme analisado anteriormente, as plantas e algumas bacté­ rias têm a propriedade de utilizar a energia da fotossíntese para reduzir o dióxido de carbono à custa de água. Esses organismos pertencem ao grupo dos autótrofos, isto é, seres que não ne­ cessitam de nutrientes orgânicos para seu crescimento. Outros autótrofos são os quimiolitotrófos, organismos que utilizam um substrato inorgânico, como o hidrogênio ou o tiossulfato, como redutor, e dióxido de carbono como fonte de carbono. Os heterótrofos necessitam de carbono orgânico para seu crescimento, e esse carbono orgânico deve estar em uma forma passível de ser assimilada. Por exemplo, o naftaleno pode forne­ cer todo o carbono e a energia necessários para o crescimento heterotrófico respiratório; todavia, um número muito pequeno de microrganismos é dotado da via metabólica necessária à assi­ milação do naftaleno. Já a glicose pode sustentar o crescimento fermentativo ou respiratório de muitos organismos. É impor­ tante que os substratos para o crescimento sejam fornecidos em níveis adequados para a cepa microbiana que está sendo cultiva­ da: os níveis que sustentam o crescimento de determinado mi­ crorganismo podem inibir o crescimento de outro. O dióxido de carbono é necessário para diversas reações de biossíntese. Muitos microrganismos respiratórios produ­ zem dióxido de carbono em quantidades maiores do que as suficientes para preencher essa necessidade, enquanto outros precisam de uma fonte de dióxido de carbono em seu meio de crescimento. Fonte de nitrogênio O nitrogênio é um importante componente das proteínas, dos ácidos nucleicos e de outros compostos, e representa cerca de 5% do peso seco de uma célula bacteriana típica. O nitrogênio inorgânico (N2) é altamente prevalente, compreendendo 80% da atmosfera terrestre. É também um composto muito estável, devido principalmente à alta energia de ativação necessária pa­ ra quebrar a tripla ponte nitrogênio-nitrogênio. Entretanto, o nitrogênio pode ser fornecido de várias maneiras diferentes, e os microrganismos variam quanto à sua capacidade de assimi­ lar o nitrogênio (Quadro 5.1). O produto final de todas as vias de assimilação do nitrogênio é a forma do elemento mais redu­ zida, a amônia (NH3). Quando está disponível, a NH3 difunde­ se na maioria das bactérias através de canais transmembrana, como NH3 dissolvida em forma gasosa, em vez do íon amônio (NH4+). A capacidade de assimilar N2 pela redução por NH3, de­ nominada fixação do nitrogênio, constitui uma propriedade exclusiva dos procariotos, e relativamente poucas bactérias são capazes de quebrar a ligação tripla nitrogênio-nitrogênio. Esse processo (Cap. 6) exige grande quantidade de energia meta­ bólica e é rapidamente inativado pelo oxigênio. A capacidade de fixação do nitrogênio é observada em bactérias amplamente divergentes que desenvolveram estratégias químicas muito di­ ferentes para proteger do oxigênio suas enzimas fixadoras de nitrogênio. A maioria dos microrganismos tem a capacidade de utili­ zar NH3 como única fonte de nitrogênio, e muitos microrga­ nismos têm a capacidade de produzir NH3 a partir de aminas (R-NH2) ou aminoácidos (RCHNH2COOH), geralmente no modo intracelular. A produção de amônia a partir da desami­ nação de aminoácidos é denominada amonificação. A amônia é introduzida na matéria orgânica por vias bioquímicas que en­ volvem o glutamato e a glutamina, discutidas no Capítulo 6. Muitos microrganismos possuem a capacidade de assimi­ lar nitrato (No;> e nitrito (NO�) reduzindo por conversão es­ tes íons em NH3• Esses processos são denominados redução assimiladora de nitrato e redução assimiladora de nitrito, respectivamente. Essas vias para assimilação diferem daquelas utilizadas para dissimilação de nitrato e de nitrito. As vias de dissimilação são usadas por organismos que empregam esses QUADRO 5.1 Fontes de nitrogênio na nutrição microbiana Composto N0 -3 N0 -2 R-NH ª 2 ªR, radical orgânico. Valência de N +5 +3 o -3 -3 íons como aceitantes de elétrons terminais na respiração. Al­ gumas bactérias autotróficas (p. ex., Nitrosomonas, Nitrobacter spp.) são capazes de converter NH3 em N2 gasoso em condi­ ções anaeróbias; este processo é conhecido como denitrifi­ cação. Nossa compreensão do ciclo do nitrogênio continua a expandir-se. Em meados da década de 1990, a reação anamox foi descoberta. A reação na qual a amônia é oxidada pelo nitrito, é um processo micro­ biano que ocorre em águas anóxicas dos oceanos e é a maior via pela qual o nitrogênio retorna para a atmosfera. Fonte de enxofre De modo similar ao nitrogênio, o enxofre é um componente de muitas substâncias orgânicas da célula. Forma parte da es­ trutura de várias coenzimas e é encontrado nas cadeias laterais cisteinil e metionil das proteínas. O enxofre em sua forma ele­ mentar não pode ser utilizado por plantas ou animais, mas al­ gumas bactérias autotróficas são capazes de oxidá-lo em sulfato (S042 -). A maioria dos microrganismos tem a capacidade de utilizar sulfato como fonte de enxofre, reduzindo o sulfato ao nível de sulfeto de hidrogênio (H 2 S). Alguns microrganismos podem assimilar diretamente o H 2 S do meio de crescimento, mas esse composto pode ser tóxico para muitos deles. Fonte de fósforo O fosfato (P04 3-) é necessário como componente do ATP, dos ácidos nucleicos e de coenzimas, como NAD, NADP e flavinas. Além disso, muitos metabólitos, lipídeos (fosfolipídeos, lipídeo A), componentes da parede celular (ácido teicoico), alguns polis­ sacarídeos capsulares e certas proteínas são fosforilados. O fosfa­ to é sempre assimilado em forma de fosfato inorgânico livre (Pi). Fontes de minerais Vários minerais são necessários para a função das enzimas. O íon magnésio (Mg2+) e o íon ferroso (Fe2+) também são encon­ trados em derivados da porfirina: o magnésio na molécula da clorofila e o ferro como parte das coenzimas dos citocromos e das peroxidases. Tanto o Mg2+ quanto o K+ são essenciais para a função e a integridade dos ribossomos. O Ca2+ é necessário como componente das paredes celulares dos microrganismos gram-positivos, embora seja dispensável nas bactérias gram­ negativas. Muitos organismos marinhos necessitam de Na+ pa­ ra o seu crescimento. Ao formular-se um meio para a cultura da maioria dos microrganismos, é necessário fornecer fontes de potássio, magnésio, cálcio e ferro, geralmente em forma de seus íons (K+, Mg2+, Ca2+ e Fe2+). Muitos outros minerais (p. ex., Mn2+, Mo2+, Co2+, Cu2+ e Zn2+) são necessários; com frequência, podem ser fornecidos através da água potável ou como contaminantes de outros ingredientes do meio. A captação de ferro, que forma hidróxidos insolúveis em pH neutro, é facilitada em muitas bactérias e fungos pela pro­ dução de sideróforos - compostos que atuam como quelantes do ferro e promovem seu transporte em forma de complexo solúvel, como os hidroxamatos (-CONH 2 0H), denominados CAPÍTULO 5 Cultura de microrganismos 69 sideraminas, e derivados do catecol (p. ex., 2,3-di-hidroxi­ benzoilserina). Os sideróforos determinados por plasmídeos desempenham importante papel na capacidade de invasão de alguns patógenos bacterianos (Cap. 7). Os mecanismos depen­ dentes de sideróforo e não dependente de sideróforo de capta­ ção de ferro pelas bactérias são discutidos no Capítulo 9. Fatores de crescimento Um fator de crescimento é um composto orgânico de que a célula necessita para crescer, mas o qual ela é incapaz de sin­ tetizar. Muitos microrganismos, quando supridos com os nu­ trientes anteriormente citados, são capazes de sintetizar todas as unidades formadoras de macromoléculas (Fig. 5.1), as quais são os aminoácidos; as purinas, pirimidinas e pentoses (os pre­ cursores metabólicos dos ácidos nucleicos); os carboidratos adicionais (precursores dos polissacarídeos); os ácidos graxos e os compostos isoprenoides. Além disso, os microrganismos de vida livre devem ser capazes de sintetizar as vitaminas comple­ xas que atuam como precursores de coenzimas. Cada um desses compostos essenciais é sintetizado por uma sequência distinta de reações enzimáticas; cada enzima é produ­ zida sob o controle de um gene específico. Quando o organismo sofre mutação gênica, resultando em incapacidade funcional de uma dessas enzimas, a cadeia é interrompida, e o produto final não é mais gerado. Em tais circunstâncias, o organismo preci­ sa obter esse composto a partir do meio ambiente: o composto torna-se um fator de crescimento para o organismo. Tal tipo de mutação pode ser facilmente induzido em laboratório. Diferentes espécies microbianas variam amplamente nas suas necessidades de fatores de crescimento. Os compostos envolvidos são encontrados em todos os organismos, sendo essenciais; as diferenças nas exigências refletem diferenças na capacidade de síntese. Algumas espécies não necessitam de fatores de crescimento, enquanto outras - como alguns lac­ tobacilos - perderam, durante a evolução, a capacidade de sintetizar até 30 a 40 compostos essenciais, cuja presença no meio de cultura se faz necessária. FATORES AMBIENTAIS QUE AFETAM O CRESCIMENTO Para ser apropriado, um meio de crescimento deve conter to­ dos os nutrientes necessários à cultura do microrganismo, e determinados fatores, como pH, temperatura e aeração, pre­ cisam ser cuidadosamente controlados. Utiliza-se um meio líquido, que pode ser gelificado para finalidades especiais me­ diante o acréscimo de ágar ou gel de sílica. O ágar, um extrato de polissacarídeo alga marinha, é especialmente apropriado para cultura microbiana por ser resistente à ação microbiana e dissolver-se a lOOºC, porém não se solidifica até ser resfriado abaixo de 45ºC. É possível suspender células em um meio a 45ºC, resfriando-o rapidamente até a obtenção de um gel sem lesionar as células. Nutrientes Nas páginas anteriores, foi descrita a função de cada tipo de nutriente e apresentada uma lista de substâncias apropriadas. 72 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia Aeróbio obrigatório ••••• . . . . . ; . . . . Bactéria Anaeróbio facultativo • • • • • • • • • • • • • • • • . . . .. • • • • • • • . . . . . . . . . Anaeróbio obrigatório . . . . . . . . : .. . . . . . .. ·.�:: :.· .... · : · Microaerófilo : · · · ·:-. . .... ... • ••• ! . \ Aerotolerantes Bactéria • . . . . . . . . . . Enzimas celulares para a detoxificação do 02 Catalase: 2H202 --+ 2H20 + 02 Superóxido dismutase: Catalase, Superóxido dismutase Ausência tanto de catalase quanto Pequena concentração de catalase e de superóxido dismutase Superóxido dismutase 202- + 2H+--+ 02 + H202 de superóxido dismutase FIGURA 5.4 Necessidade de oxigênio (02) pelos procariontes. (Reproduzida, com autorização, de Nester EW, Andersen DG, Roberts CE, Nester MT [editors]: Microbiology: A Human Perspective, 6th ed. McGraw-Hil l, 2009, p. 92. © The McGraw-Hill Companies, lnc.) Muitos aeróbios e anaeróbios aerotolerantes são protegidos desses produtos pela presença da superóxido dismutase, enzi­ ma que catalisa a reação 202- + 2H+ � 02 + H202 e pela presença da catalase, enzima que catalisa a reação 2H202 � 2H20 + 02 Alguns microrganismos fermentativos (p. ex., Lactobacillus plantarum) são aerotolerantes, mas não contêm catalase sem superóxido dismutase. O oxigênio não é reduzido e, por con­ seguinte, não há produção de H202 e 02-. Todos os anaeróbios estritos não têm superóxido dismutase nem catalase. Alguns microrganismos anaeróbios (p. ex., Peptococcus anaerobius) têm considerável tolerância ao oxigênio em virtude de sua ca­ pacidade de produzir altos níveis de uma enzima (NADH oxi­ dase) que reduz o oxigênio a água de acordo com a reação NADH + H+ + Y202 � NAD+ + H20 O peróxido de hidrogênio deve grande parte de sua toxicida­ de à lesão que provoca no DNA. Os mutantes com deficiência de reparo do DNA são excepcionalmente sensíveis ao peróxido de hidrogênio; constatou-se que o produto do gene recA, que atua tanto na recombinação quanto no reparo genéticos, é mais im­ portante que a catalase ou a superóxido dismutase na proteção da E. coli contra a toxicidade do peróxido de hidrogênio. O suprimento de ar a culturas de aeróbios constitui um sério problema técnico. Em geral, os recipientes são agitados mecani­ camente para introduzir oxigênio no meio, ou o ar é forçado atra­ vés do meio de cultura por pressão. Com frequência, a difusão de oxigênio torna-se o fator limitante no crescimento das bactérias aeróbias; quando a concentração celular atinge 4 a 5 x 109/mL, a velocidade de difusão do oxigênio para as células limita acentua­ damente a velocidade do crescimento posterior. Já os anaeróbios obrigatórios apresentam o problema da exclusão do oxigênio. Existem muitos métodos para isso: podem-se acrescentar agentes redutores, como o tioglicato de sódio, as culturas líquidas; os tubos de ágar podem ser selados com uma camada de petrolato e parafina; o recipiente de cul­ tura pode ser colocado em outro recipiente a partir do qual o oxigênio é removido por evacuação ou por meios químicos; ou o microrganismo pode ser manipulado dentro de uma câmara anaeróbia por mãos enluvadas. Força iônica e pressão osmótica Pode ser necessário controlar, em menor grau, certos fatores, como a pressão osmótica e a concentração de sal. Para a maio­ ria dos microrganismos, as propriedades dos meios comuns são satisfatórias; entretanto, para as formas marinhas e os mi­ crorganismos adaptados ao crescimento em soluções ricas em açúcar, por exemplo, é preciso considerar esses fatores. Os mi­ crorganismos que necessitam de altas concentrações de sal são denominados halofílicos, enquanto os que necessitam de altas pressões osmóticas chamam-se osmofílicos. A maioria das bactérias é capaz de tolerar ampla faixa de pressões osmóticas externas e de forças iônicas em virtude de sua capacidade de regular a osmolalidade e a concentração iônica internas. A osmolalidade é regulada pelo transporte ativo de íons K+ no interior da célula; a força iônica interna é mantida cons­ tante pela excreção compensatória de uma poliamina orgânica de carga positiva, a putrescina. Como a putrescina possui várias cargas positivas por molécula, obtém-se uma acentuada queda da força iônica com pequeno custo na força osmótica. MÉTODOS DE CULTURA Dois problemas devem ser considerados: a escolha de um meio de cultura apropriado e o isolamento de um microrganismo bacteriano em cultura pura. O meio de cultura A técnica utilizada e o tipo de meio escolhido dependem da na­ tureza da investigação. Em geral, podem ser encontradas três situações: (1) pode haver necessidade de cultivar um grupo de células de uma determinada espécie disponível; (2) pode haver a necessidade de certo número e dos tipos de microrganismos presentes em determinado material; ou (3) pode-se desejar iso­ lar determinado tipo de microrganismo de uma fonte natural. A. Crescimento de células de determinada espécie Os microrganismos cujo crescimento no ambiente natural podem ser observados ao microscópio podem exibir extrema dificuldade de crescer em cultura pura em um meio artificial. Por exemplo, certas formas parasitárias nunca foram cultiva­ das fora do hospedeiro. Todavia, em geral pode-se preparar um meio apropriado com a cuidadosa reprodução das condi­ ções encontradas no ambiente natural do microrganismo. É simples reproduzir o pH, a temperatura e a aeração; os nutrien­ tes constituem o principal problema. A contribuição feita pelo ambiente vivo é importante e difícil de analisar; assim, um pa­ rasito pode necessitar de um extrato do tecido do hospedeiro, enquanto uma forma de vida livre pode exigir uma substância excretada por um microrganismo ao qual está associada na na­ tureza. Pode ser necessária considerável experimentação para determinar as necessidades do microrganismo, de modo que o sucesso irá depender do suprimento de uma fonte apropriada de cada categoria de nutriente relacionada no início deste capí­ tulo. A cultura de parasitos obrigatórios, como as riquétsias, é discutida no Capítulo 27. B. Exame microbiológico de materiais naturais Um material natural pode conter muitos microambientes dis­ tintos, proporcionando, cada qual, um nicho para uma espécie diferente. A semeadura de amostra do material em determina­ do conjunto de condições irá permitir que um grupo selecio­ nado de formas produza colônias, mas fará com que muitos outros tipos passem despercebidos. Por essa razão, é habitual semear amostras do material em diferentes meios e condições de incubação. Seis a oito condições diferentes de cultura não representam um número exagerado quando se pretende des­ cobrir a maioria das formas presentes. Como cada tipo de microrganismo presente deve ter a opor­ tunidade de crescer, são utilizados meios sólidos, e evita-se a aglomeração de colônias. Caso contrário, a competição irá impe­ dir a formação de colônias por alguns tipos de microrganismo. C. Isolamento de determinado tipo de microrganismo Uma pequena amostra de solo, quando processada adequada­ mente, irá produzir um tipo diferente de microrganismo para cada microambiente presente. No caso de solo fértil (úmido, arejado, rico em minerais e matéria orgânica), isso significa a possibilidade de isolar centenas ou mesmo milhares de tipos de microrganismo. Esse isolamento é efetuado ao selecionar­ se o tipo desejado. Por exemplo, inocula-se 1 g de solo em um recipiente com meio líquido preparado com a fmalidade de favorecer determinado tipo de microrganismo, por exemplo, fixadores aeróbios de nitrogênio (Azotobacter). Nesse caso, o meio não contém nitrogênio combinado, sendo incubado em condições aeróbias. Se houver Azotobacter no solo, as células irão crescer bem nesse meio; as formas incapazes de filar o nitrogênio só irão crescer à medida que o solo tiver introduzi­ do nitrogênio filado contaminante no meio. Por conseguinte, quando a cultura estiver totalmente desenvolvida, a porcenta­ gem de Azotobacter na população total terá aumentado acentua­ damente; por esse motivo, o método é denominado cultura de enriquecimento. A transferência de uma amostra dessa cultura para um novo meio irá resultar em maior enriquecimento de Azotobacter; depois de várias transferências seriadas, a cultura poderá ser semeada em meio sólido de enriquecimento, po­ dendo isolar colônias de Azotobacter. CAPÍTULO 5 Cultura de microrganismos 73 Deve-se utilizar um meio líquido para permitir a competi­ ção e, portanto, a seleção ideal, mesmo quando o tipo desejado é representado no solo em forma de apenas algumas células em uma população de milhões. Pode-se tirar proveito do "enrique­ cimento natural". Assim, por exemplo, na pesquisa de oxidan­ tes do querosene, escolhe-se um solo carregado de óleo, visto que se trata de um meio de enriquecimento para essas formas. A cultura de enriquecimento, portanto, constitui um proce­ dimento pelo qual o meio é preparado de modo a reproduzir o ambiente natural ("nicho") do microrganismo desejado, levando à sua seleção. Um princípio importante envolvido nesta seleção é o seguinte: o microrganismo selecionado será do tipo cuja ne­ cessidade nutricional for dificilmente satisfeita. O Azotobacter, por exemplo, cresce melhor em um meio de cultura que conte­ nha nitrogênio orgânico, porém sua exigência mínima consiste na presença de N 2; por conseguinte, ele será selecionado em um meio que contenha N2 como única fonte de nitrogênio. Se for acrescentado nitrogênio orgânico ao meio, as condições não irão selecionar mais Azotobacter, mas uma forma cuja exigência mí­ nima seja a presença de nitrogênio orgânico. Ao pesquisar um determinado tipo de microrganismo, que é parte de uma população mista, meios seletivos e diferenciais devem ser usados. Os meios seletivos inibem o crescimento de diferentes microrganismos, permitindo o crescimento dos mi­ crorganismos desejáveis. Por exemplo, o ágar Thayer-Martin usado no isolamento de Neisseria gonorrhoeae (agente etio­ lógico da gonorreia) de um espécime clínico. Os meios dife­ renciais contêm substâncias que podem ser metabolizadas ou não pelos microrganismos, permitindo a distinção entre eles. Por exemplo, as colônias de E. coli exibem um brilho metá­ lico característico em ágar que contenha os corantes eosina e azul de metileno (ágar-EMB). O ágar-EMB, que contém alta concentração de um açúcar, fará com que os microrganismos que fermentam esse açúcar formem colônias avermelhadas. São utilizados meios diferenciais para certos propósitos, como a identificação de bactérias entéricas em água ou leite e a pre­ sença de determinados patógenos em amostras clínicas. O Quadro 5.2, apresenta vários exemplos de condições de cultura de enriquecimento, bem como os tipos de bactérias que elas irão selecionar. Contudo, a despeito dos melhores esfor­ ços, muitos ambientes contêm várias bactérias não cultivadas. Isolamento de microrganismos em cultura pura Para se estudarem as propriedades de determinado microrga­ nismo, é necessário manipulá-lo em uma cultura pura livre de todos os outros tipos de microrganismos. Para isso, é necessário isolar uma única célula de todas as demais; essa célula isolada deve ser cultivada de modo que sua progênie coletiva também permaneça isolada. Existem vários métodos disponíveis. A. Semeadura em placa Diferentemente das células em meio líquido, as células em meio sólido ou sobre ele ficam imobilizadas. Desse modo, se for colocado um número suficiente de células sobre, ou dentro do meio sólido, cada célula irá crescer, formando uma colônia isolada. O agente sólido ideal para a maioria dos meios de cul­ tura microbiológica é o ágar, um polissacarídeopolissacarídeo 74 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia QUADRO 5.2 Alguns meios de cultura enriquecidos Fonte de nitrogênio Fonte de carbono Atmosfera Iluminação Organismo predominante inicialmente enriquecido Aeróbia ou anaeróbia Escura Nenhum Cianobactérias Nenhum Azotobacter Álcool, ácidos graxos, etc. Glicose Anaeróbia Ar Anaeróbia Ar Clostridium pasteurianum Azotobacter Aeróbia ou anaeróbia Luz Escura Escura Escura Escura Escura Luz Nenhum Álcool, ácidos graxos, etc. Glicose Anaeróbia Ar Anaeróbia Ar Anaeróbia Aeróbia Algas verdes e cianobactérias Desnitrificadores Aeróbios Fermentadores Aeróbios Nenhum Nitrosomonas Álcool, ácidos graxos, etc. Aeróbia ou anaeróbia Anaeróbia Escura Escura Escura Escura Escura Escura Luz Escura Escura Escura Escura Algas verdes e cianobactérias Redutores de sulfato ou de carbonato Aeróbios Aeróbia Glicose Anaeróbia Fermentadores Aeróbia Aeróbios Nota: componentes de todos os meios: MgS04, K2HP04, FeCl3, CaCl2, CaC03 e oligoelementos. ácido extraído de determinadas algas vermelhas. Uma suspen­ são a 1,5 a 2% em água é dissolvida a lOOºC, formando uma solução transparente que se solidifica a 45ºC. Por conseguinte, uma solução estéril de ágar pode ser resfriada a 50ºC; em segui­ da, são adicionadas bactérias ou outras células microbianas, e depois a solução é rapidamente resfriada abaixo de 45ºC para formar um gel. (Embora as células microbianas sejam, em sua maioria, destruídas a 50ºC, o tempo necessário para o processo de morte é suficientemente lento a essa temperatura para pos­ sibilitar o procedimento; ver a Fig. 4.3.) Uma vez solidificado, o ágar não se liquefaz novamente até ser aquecido acima de SOºC, de modo que qualquer temperatura apropriada à incuba­ ção de uma cultura microbiana pode ser utilizada subsequente­ mente. No método de semeadura em profundidade (método de pour-plate), uma suspensão de células é misturada com ágar liquefeito a 50ºC e distribuída em uma placa de Petri. Quando o ágar se solidifica, as células são imobilizadas no ágar e cres­ cem em colônias. Se a suspensão de células tiver sido diluída o suficiente, as colônias ficarão bem separadas, de modo que cada uma delas terá alta probabilidade de originar-se de uma única célula (Fig. 5.5). Entretanto, para se ter certeza disso, é necessário escolher uma colônia do tipo desejado, suspendê-la em água e semeá-la novamente. A repetição desse procedimen­ to várias vezes irá garantir a obtenção de uma cultura pura. Uma alternativa consiste em semear a suspensão original em placa de ágar com alça de metal (técnica da placa estriada). À medida que se procede a isso, o número de células deixa­ das na alça torna-se cada vez menor, de modo que, fmalmente, a alça poderá depositar células isoladas no ágar (Fig. 5.6). A placa é incubada, e qualquer colônia bem isolada é removida, suspensa novamente em água e mais uma vez semeada na superfície do ágar. Se uma suspensão (e não apenas um pequeno crescimento de uma colônia ou de material em tubo inclinado) for semeada com alça, esse método será tão confiável quanto o método de semeadura em profundidade, além de ser muito mais rápido. Na técnica de semeadura por espalhamento, um pequeno volume da suspensão microbiana diluída contendo cerca de 30 a 300 células é transferido para o centro de uma placa de ágar e espalhado igualmente sobre a superfície com uma alça de vidro estéril*. As células dispersas desenvolvem-se em colô­ nias isoladas. Uma vez que o número de colônias deve ser igual ao número de organismos viáveis em uma amostra, pode-se usar as placas semeadas para contar a população microbiana. B. Diluição Um método muito menos confiável consiste em diluição até a extinção. A suspensão é diluída de modo seriado e faz-se a semeadura de amostras de cada diluição. Se apenas algumas amostras de determinada diluição exibirem crescimento, pre­ sume-se que algumas dessas culturas foram iniciadas a partir de células isoladas. Tal método só deverá ser utilizado se a semeadura em placas for, por algum motivo, impossível. Um aspecto indesejável desse método é que ele só pode ser utiliza­ do para isolar o tipo predominante de microrganismo em uma população mista. * N. de R.T. As alças de vidro empregadas em semeadura microbiológica também sao conhecidas como alças de Drigalski. C A P Í T U L O Metabolismo microbiano O PAPEL DO METABOLISMO NA BIOSSÍNTESE E NO CRESCIMENTO O crescimento microbiano exige a polimerização das subuni­ dades bioquímicas em proteínas, ácidos nucleicos, polissaca­ rídeos e lipídeos. As subunidades precursoras precisam estar pré-formadas no meio ou devem ser sintetizadas pelas células em crescimento. A necessidade de coenzimas que participam na catálise enzimática constitui uma demanda adicional de biossíntese. As reações de polimerização nos processos de bios­ síntese exigem a transferência das ligações de anidrido a partir da adenosina trifosfato (ATP). O crescimento requer uma fon­ te de energia metabólica para a síntese das ligações de anidrido, bem como manutenção dos gradientes transmembrana de íons e metabólitos. O metabolismo apresenta dois componentes: o catabo­ lismo e o anabolismo (Fig. 6.1). O metabolismo catabólico engloba processos de obtenção de energia, liberada pela cliva­ gem de diferentes compostos (p. ex., glicose), que é usada para síntese de ATP. O metabolismo anabólico, ou de biossíntese inclui processos que utilizam a energia armazenada no ATP para sintetizar e montar as subunidades das macromoléculas que compõem a célula. A sequência das subunidades em uma macromolécula é deter­ minada de duas maneiras. Nos ácidos nucleicos e nas proteínas, a sequência é dirig da por um modelo: o DNA atua como modelo para sua própria síntese e a síntese dos vários tipos de RNA; o RNA mensageiro serve de modelo para a síntese das proteínas. Já nos carboidratos e lipídeos, a disposição das subunidades é totalmente determinada por especificidades enzimáticas. Uma vez sintetizadas, as macromoléculas organizam-se para formar as estruturas supramoleculares da célula, como, por exemplo, ribos­ somos, membranas, parede celular, flagelos e pili. A velocidade da síntese macromolecular e a atividade das vias metabólicas precisam ser reguladas, de modo que a bios­ síntese seja equilibrada. Todos os componentes necessários à síntese macromolecular devem estar presentes para que o cres­ cimento seja ordenado, e o controle tem de ser exercido para que as reservas das células não sejam consumidas em produtos que não contribuem para o crescimento ou a sobrevida. Este capítulo faz uma revisão sobre o metabolismo micro­ biano e sua regulação. Os microrganismos representam extre­ mos de divergência evolutiva, encontrando enorme variedade de rotas metabólicas dentro desse grupo. Assim, por exemplo, qualquer uma de mais de meia dúzia de vias metabólicas dife­ rentes pode ser utilizada para a assimilação de um composto relativamente simples, como o benzoato, e uma única via para a assimilação do benzoato pode ser regulada por qualquer um de mais de meia dúzia de mecanismos de controle. O objetivo é ilustrar os princípios subjacentes às vias metabólicas e sua re­ gulação. O princípio básico que determina as vias metabólicas é que elas sejam seguidas mediante a organização de um nú­ mero relativamente pequeno de reações bioquímicas em uma sequência específica. Muitas vias de biossíntese podem ser de­ duzidas pela verificação das estruturas químicas das substâncias de partida, do produto final e, talvez, de um ou dois interme­ diários metabólicos. O princípio básico subjacente à regulação metabólica consiste no fato de que as enzimas tendem a atuar apenas quando sua atividade catalítica se faz necessária. A ati­ vidade de uma enzima pode ser modificada ao variar-se a sua quantidade ou a do substrato. Em alguns casos, a atividade das enzimas pode ser alterada pela ligação de efetores específicos - metabólitos que modulam a atividade enzimática. METABÓLITOS FOCAIS E SUAS INTERCONVERSÕES lnterconversões de gl icose-6-fosf ato e carboidratos As origens da biossíntese das subunidades que formam as macromoléculas e as coenzimas podem ser rastreadas até aos precursores denominados metabólitos focais. As Figuras 6.2 a 6.5 ilustram como os respectivos metabólitos focais (gli­ cose-6-fosfato ( G6PD ), fosfoenolpiruvato, oxaloacetato e a-ketoglutarato) dão origem a maioria dos produtos finais da biossíntese. A Figura 6.2 ilustra como a G6PD é convertida em uma série de produtos finais de biossíntese através de ésteres de fos­ fato de carboidratos com cadeias de diferentes comprimentos. Os carboidratos possuem a fórmula empírica (CH20)n, e o ob­ jetivo primeiro de seu metabolismo é modificar o valor de n, o comprimento da cadeia de carbonos. Os mecanismos pelos quais os comprimentos das cadeias de fosfatos de carboidratos são interconvertidos encontram-se resumidos na Figura 6.6. Em um caso, são utilizadas reações oxidativas para remover um único carbono da G6PD, produzindo-se o derivado de pentose, a ribulose-5-fosfato. As reações da isomerase e da epimerase interconvertem as formas bioquímicas mais comuns das pen­ toses: ribulose-5-fosfato, ribose-5-fosfato e xilulose-5-fosfato. As transcetolases transferem um fragmento de dois carbonos 78 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia CATABOLISMO ANABOLISMO Fonte energética (glicose) .__��-'--������-- Estruturas celulares (Parede celular, membrana, ribossomos, estruturas de superfície) Energia Macromoléculas (Proteínas, ácidos nucleicos) Energia Subunidades (aminoácidos, nucleotídeos) Energia Precursores Dejetos metabólitos (Ácidos, dióxido Nutrientes (Fonte de nitrogênio, enxofre, etc.) de carbono) FIGURA 6.1 A relação entre o metabolismo catabólico e o anabó­ lico. O catabólico compreende processos que, pela clivagem de com­ postos, resultam na liberação de energia usada na síntese de adenosina trifosfato (ATP); além de precursores metabólicos usados na biossínte­ se. O anabólico ou a biossíntese incluem processos que utilizam ATP e os precursores metabólicos para sintetizar e montar as subunidades das macromoléculas que constituem a célula. (Reproduzida, com auto­ rização, de Nester EW, Anderson DG, Roberts CE, Nester MT [editors]: Microbiology: A Human Perspective, 6th ed. McGraw-Hill, 2009, p. 127. © The McGraw-Hil l Companies, lnc.). de um doador para uma molécula aceptora, reações que pos­ sibilitam às pentoses formar ou serem formadas a partir de carboidratos com cadeias de comprimentos variáveis. Como mostra a Figura 6.6, duas pentoses-5-fosfato (n = 5) são inter­ conversíveis com a triose-3-fosfato (n = 3) e com a heptose-7- fosfato (n = 7); a pentose-5-fosfato (n = 5) e a tetrose-4-fosfato (n = 4) são interconversíveis com a triose-3-fosfato (n = 3) e a hexose-6-fosfato (n = 6). A cadeia hexose de seis carbonos da frutose-6-fosfato pode ser convertida em dois derivados triose de três carbonos pela ação consecutivamente de uma quinase e uma aldolase sobre a frutose-6-fosfato. Como alternativa, podem ser utilizadas aldo­ lases, que atuam em conjunto com fosfatases, para aumentar o comprimento das moléculas dos carboidratos: as trioses-fos­ fato dão origem à frutose-6-fosfato; uma triose-fosfato e uma tetrose-4-fosfato formam heptose-7-fosfato. A forma final da interconversão do comprimento das cadeias de carboidratos é a reação da transaldolase, que interconverte a heptose-7-fosfa­ to e a triose-3-fosfato em tetrose- 4-fosfato e hexose-6-fosfato. A coordenação das diferentes reações de rearranjo dos car­ boidratos, para atingir um objetivo metabólico global, é ilus­ trada pela derivação da hexose-monofosfato (Fig. 6.7), ciclo metabólico utilizado pelas cianobactérias para a redução do nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD+) em nicotinamida adenina dinucleotídeo reduzido (NADH), que atua como re­ dutor para a respiração no escuro. Muitos microrganismos utilizam o derivado de hexose monofosfato para reduzir a ni­ cotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADP+) em nico­ tinamida adenina dinucleotídeo fosfato reduzido (NADPH), utilizado em reações de redução biossintéticas. As primeiras etapas na derivação da hexose-monofosfato são as reações oxi­ dativas que encurtam seis hexoses-6-fosfato (abreviadas como 6 C6 na Fig. 6.7) em seis pentoses-5-fosfato (abreviadas co­ mo 6 C5). As reações de rearranjo dos carboidratos convertem as seis moléculas C5 em cinco moléculas C6 de modo que o ciclo oxidativo possa continuar. Evidentemente, todas as reações de interconversão de comprimentos de cadeias de carboidratos não atuam ao mes­ mo tempo. A seleção de conjuntos específicos de enzimas, essencialmente a determinação da via metabólica tomada, é condicionada pela fonte de carbono e pelas necessidades de biossíntese da célula. Assim, por exemplo, a célula que rece­ be uma triose-fosfato como fonte de carboidrato utilizará a combinação aldolase-fosfatase para formar frutose-6-fosfato; a quinase que atua sobre a frutose-6-fosfato na sua conversão em triose-fosfato não seria ativa nessas circunstâncias. Se as necessidades de pentose-5-fosfato forem altas, como no caso da assimilação fotossintética de dióxido de carbono, as trans­ cetolases que poderão dar origem a pentoses-5-fosfato serão muito ativas. Em suma, a G6PD pode ser considerada um metabólito fo­ cal, visto que atua tanto como precursor direto de subunidades metabólicas quanto como fonte de carboidratos de compri­ mento variável, utilizados para fins de biossíntese. A própria G6PD pode ser produzida a partir de outros carboidratos fos­ forilados pela seleção de vias a partir de um conjunto de rea­ ções para interconversão de comprimentos de cadeias. As reações escolhidas são determinadas pelo potencial genético da célula, pela fonte primária de carbono e pelas necessidades de biossíntese do microrganismo. É necessário haver uma regula­ ção metabólica para garantir a escolha das reações que suprirão as demandas do organismo. Formação e utilização do fosfoenolpiruvato As trioses-fosfato formadas pela interconversão de fosfoés­ teres de carboidratos são convertidas em fosfoenolpiruvato pela série de reações mostradas na Figura 6.8. A oxidação do gliceraldeído-3-fosfato pelo NAD+ é acompanhada pela for­ mação da ligação acilfosfato no carbono 1 do 1,3-difosfoglice­ rato. Esse anidrido-fosfato acilfosfato é transferido mediante a fosforilação do substrato em adenosina difosfato (ADP), produzindo uma ligação rica em energia (ATP). Outra ligação fosfato rica em energia é formada pela desidratação do 2-fos­ foglicerato em fosfoenolpiruvato; por meio de outra fosfori­ lação de substrato, o fosfoenolpiruvato pode doar a ligação rica em energia ao ADP com a consequente formação de ATP e piruvato. Por conseguinte, podem ser obtidas duas ligações ricas em energia do A TP pela conversão metabólica da triose­ fosfato em piruvato. Trata-se de um processo oxidativo, e, na ausência de um aceptor exógeno de elétrons, o NADH gera­ do pela oxidação do gliceraldeído-3-fosfato deve ser oxidado em NAD+ pelo piruvato ou por metabólitos derivados a partir do piruvato. Os produtos formados em consequência desse Metabólito focal Intermediários Hexase fosfatos Pentase fosfatos G 1 icose-6-fosfato Tetrase fosfato Triase-fosfatos 3-Fosfoglicerato CAPÍTULO 6 Metabolismo microbiano 79 Produtos finais Polissacarídeos Ácidos nucleicos Histidina Triptofano Corismato Fenilalanina Tirosina Lipídeos Glicina Se ri na Cisteína Triptofano FIGURA 6.2 Produtos finais da biossíntese formados a partir da glicose-6-fosfato. Os ésteres de fosfato dos carboidratos com cadeias de compri­ mento variável atuam como intermediários nas vias biossintéticas. Metabólito focal Intermediários Triase fosfatos t 3-Fosfoglicerato Se ri na Corismato ........, Fosfoenolpiruvato Piruvato � Acetil-CoA ------------� FIGURA 6.3 Produtos finais da biossíntese formados a partir do fosfoenolpiruvato. Produtos finais Glicina Cisteína Triptofano Fenilalanina Tirosina Polissacarídeos Alanina Vali na lsoleucina Lipídeos processo variam e, conforme descreveremos adiante neste ca­ pítulo podem ser utilizados na identificação de bactérias de importância clínica. A formação de fosfoenolpiruvato a partir do piruvato re­ quer uma quantidade substancial de energia metabólica, e no processo são utilizadas invariavelmente duas ligações anidrido do ATP. Alguns microrganismos - por exemplo, Escherichia coli - fosforilam diretamente o piruvato com ATP, havendo, em seguida, a formação de adenosina monofosfato (AMP) e fosfato inorgânico (Pi). Outros microrganismos utilizam duas etapas metabólicas: uma ligação pirofosfato do ATP é utilizada na carboxilação do piruvato em oxaloacetato, e uma segunda 82 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia Sistema de reação Glicose 6-fosfato + 12NAD+ + H20 6C02 + 12NADH + Fosfato Trans­ cetolase Trans­ aldolase 6NADH 6NADH Trans­ cetolase Fosfato Aldolase, fosfata se FIGURA 6.7 A derivação de hexose-monofosfato. As reações oxidativas (Fig. 6.6) reduzem o NAD+ (nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato) e produzem C02, resultando em encurtamento das seis hexases-fosfato (abreviadas por C6) em seis pentases-fosfato (abreviadas por C5). Os rearranjos dos carboidratos (Fig. 6.6) convertem as pentases-fosfato em hexases-fosfato, de modo que o ciclo oxidativo possa prosseguir. CH20H 1 c = o 1 CH OPO 2-2 3 Triase fosfato CHO 1 HCOH 1 OXIDAÇÃO CH OPO 2-2 3 p. co - 1 2 C = O 1 CH3 Piruvato 1 FOSFORILAÇÃO DO SUBSTRATO ATP ADP \. .) FOSFORILAÇÃO DO SUBSTRATO o 1 1 COPO 2- ADP ATP H60H 3 \_ _/ 1 CH20P03 2- 1 ,3-Difosfoglicerato co - 1 2 COPO 2- ll 3 CH2 Fosfoenolpiruvato co - 1 2 HCOH 1 CH20P03 2- 3-Fosfoglicerato co - 1 2 HCOPO 2- I 3 CH20H 2-Fosfoglicerato FIGURA 6.8 Formação do fosfoenolpiruvato e do piruvato a partir da triase-fosfato. A figura chama a atenção para dois locais de fosforilação do substrato e para a etapa oxidativa que resulta na redução do (nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NAD+) em nicotinamida adenina dinucle­ otídeo hidreto (NADH). A repetição dessa via de produção de energia requer um mecanismo para a oxidação do NADH em NAD+. Os microrganismos fermentativos atingem esse objetivo ao utilizar o piruvato ou metabólitos derivados do piruvato como oxidantes. Crescimento com dióxido de carbono: o ciclo de Calvin De forma similar as plantas e algas, diversas espécies microbia­ nas são capazes de utilizar o dióxido de carbono como única fonte de carbono. Em quase todos esses organismos, a prin­ cipal via de assimilação do carbono é a do ciclo de Calvin, em que o dióxido de carbono e a ribulose-difosfato combinam-se para formar duas moléculas de 3-fosfoglicerato (Fig. 6.13A). O 3-fosfoglicerato é fosforilado em 1,3-difosfoglicerato, com­ posto reduzido no derivado triose, o gliceraldeído 3-fosfato. As reações de rearranjo dos carboidratos (Fig. 6.6) possibilitam a conversão da triose fosfato no derivado pentose, ribulose-5- fosfato, que sofre fosforilação para regenerar a molécula acep­ tora, ribulose-1,5-difosfato (Fig. 6.13B). O carbono reduzido adicional, formado por assimilação redutora do dióxido de carbono, é convertido em metabólitos focais para as vias bios­ sintéticas. As células que podem utilizar o dióxido de carbono co­ mo única fonte de carbono são denominadas autotróficas, e as exigências para esse padrão de assimilação do carbono po­ dem ser resumidas brevemente como a seguir: além da reação primária de assimilação que dá origem ao 3-fosfoglicerato, deve existir um mecanismo para a regeneração da molécula CAPÍTULO 6 Metabolismo microbiano 83 NAD+ HSCoA C02 NADH+H+ co -1 2 C = O 1 CH3 Piruvato co - 1 2 c = o 1 CH3 Piruvato ATP AMP ATP ADP Acetil-CoA , . necessana para reação co - 1 2 COPO 2- l l 3 CH2 Fosfoenol­ piruvato o 1 1 CH3CSCoA Acetil-CoA o = cco2- 1 CH2Co2- 0xaloacetato o = cco2- 1 CH2 1 CH2Co2- a-Cetoglutarato HSCoA CH2Co2- I HOCC02- I CH2C02- Citrato Oxalossuccinato CHC02- I eco - ' 2 CH2C02- Aconitato lsocitrato FIGURA 6.9 Conversão do piruvato em a-cetoglutarato. O piruvato é convertido em a-cetoglutarato por uma ramificação da rota de biossíntese. Em uma ramificação, o piruvato é oxidado em acetil-CoA; em outra, o piruvato é carboxilado em oxaloacetato. co - 1 2 c = o 1 CH3 Piruvato CH3Co2- Acetato , Acidos graxos NAD+ ��----------��N�ADH+H+ HSCoA HSCoA ATP HSCoA pp. 1 ATP AMP pp. 1 AMP o 1 1 CH3CSCoA Acetil-CoA P-OXIDAÇÃO FIGURA 6.10 Fontes bioquímicas de acetil-CoA. AMP, adenosina monofosfato; ATP, adenosina trifosfato. 84 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia NADH+H+ HOCHC02- I CH2Co2- L·Malato Acetil-CoA o = cco2-1 CH2Co2- 0xaloacetato CHC02- l l cco -1 2 CH2C02- Aconitato HOCHC02- I CHC02- I CH2C02- lsocitrato Sistema de reação Acetil-CoA + 3NAD+ + Enz(FAD) + GDP + Pi + 2H20 � HSCoA + 2C02 + 3NADH + 3H+ + Enz(FADH2) + GTP NADH+H+ CHC02- l l CHC02- Fumarato Enz(FAD) CH2C02- I CH2C02- HSCoA Succinato o o =cco2-1 CH2 1 HSCoA CH CO - o =cco2-1 CHC02- I CH2C02- 0xalosuccinato a-Cetoglutarato 1 1 CH2CSCoA 1 CH2C02-GTP GDP NADH Succinil-CoA ++ H FIGURA 6.11 Ciclo do ácido tricarboxílico. Existem quatro etapas oxidativas, três delas originando nicotinamida adenina dinucleotídeo hidreto (NADH), enquanto uma dá origem a uma flavoproteína reduzida, Enz(FADH2). O ciclo só pode prosseguir se houver aceptores de elétrons disponíveis para oxidar o NADH e a flavoproteína reduzida. GDP, guanosina difosfato; GTP, guanosina trifosfato. aceptora, a ribulose 1,5-difosfato, processo que requer a redu­ ção, dependente de energia, do 3-fosfoglicerato para o nível do carboidrato. Por conseguinte, o autotrofismo exige a presença de dióxido de carbono, ATP, NADPH e um conjunto especí­ fico de enzimas. Despolimerases Existem muitos substratos potenciais de crescimento que ser­ vem como subunidades formadoras dentro da estrutura dos polímeros biológicos. Essas moléculas grandes não são facil­ mente transportadas através da membrana celular sendo, com frequência, fixadas a estruturas celulares ainda maiores. Inú­ meros microrganismos elaboram despolimerases extracelula­ res que hidrolisam proteínas, ácidos nucleicos, polissacarídeos e lipídeos. O padrão das atividades de despolimerase pode ser útil na identificação de microrganismos. Oxigenases Muitos compostos presentes no meio ambiente são relativa­ mente resistentes à modificação enzimática, de modo que a sua utilização como substratos para crescimento exige uma classe especial de enzimas, denominadas oxigenases, que usam dire­ tamente o oxigênio molecular oxidante potente como subs­ trato em reações que convertem um composto relativamente intratável em uma forma na qual pode ser assimilado por rea­ ções favorecidas termodinamicamente. A ação das oxigenases é ilustrada na Figura 6.14, que mostra o papel de duas oxigena­ ses na utilização do benzoato. Vias de redução Alguns microrganismos vivem em ambientes extremamen­ te redutores, os quais favorecem reações químicas que não CD o co - 2 co -� 2 2 1 OH � OH Benzoato NADH NAD+ NAD+ + + H C02 NADH + + H ?"' � CAPÍTULO 6 Metabolismo microbiano 87 ® 02 OH � co -1 )1 2 co - OH 2 Catecol Succinil-CoA + Acetil-CoA �------ 5 etapas ---- FIGURA 6.14 O papel das oxigenases na utilização aeróbia do benzoato como fonte de carbono. O oxigênio molecular participa diretamente nas reações que rompem o anel aromático do benzoato e do catecol. Leghemoglobina Carboidrato -� (da glicólise ou fotossíntese) Sistema oxidase terminal 16MgATP 8NADH + H+ 8Fd 16MgADP + Pi 2H+ + 2e­ /captação de H2 hidrogenase FIGURA 6.15 Redução do N2em duas moléculas de NH3• Além do redutor, a reação da nitrogenase requer uma quantidade significativa de ener­ gia metabólica. O número de moléculas de adenosina trifosfato (ATP) necessário para a redução de uma única molécula de nitrogênio em amônia é incerto, e parece situar-se entre 12 e 16. A reação global requer nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato - 8NADH + H+, seis utilizados para reduzir o N2 em 2NH3, enquanto dois são empregados para formar H2• A hidrogenase de captação devolve o H2 ao sistema, conservando, assim, a energia. (Redesenhada e reproduzida, com autorização, de Moat AG, Foster JW: Microbial Physiology, 4th ed., Wiley-Liss, 2002. Reproduzida, com autorização, de John Wiley & Sons, lnc.) Conforme ilustra a Figura 6.16, existem dois mecanismos bio­ químicos pelos quais isso pode ser feito. Um deles, que consiste na redução em uma única etapa catalisada pela glutamato-desi­ drogenase (Fig. 6.16A), é efetivo em ambientes em que existe su­ primento de amônia abundante. O outro, um processo em duas etapas em que a glutamina atua como intermediário (Fig. 6.16B), é usado em ambientes nos quais há pouco suprimento de amô­ nia. O último mecanismo possibilita que a célula utilize a energia livre formada por hidrólise de uma ligação pirofosfato no ATP para assimilar a amônia a partir do meio ambiente. O nitrogênio amida da glutamina, um intermediário na as­ similação em duas etapas da amônia em glutamato (Fig. 6.16B), também é transferido diretamente para nitrogênio orgânico, que aparece nas estruturas das purinas, pirimidinas, arginina, triptofano e glicosamina. A atividade e a síntese da glutami­ na-sintase são reguladas pelo suprimento de amônia e pela disponibilidade de metabólitos que contenham nitrogênio, derivado diretamente do nitrogênio amida da glutamina. A maior parte do nitrogênio orgânico nas células provém do grupo a-amino glutamato, e o mecanismo primário pelo qual o nitrogênio é transferido consiste na transaminação. Nessas reações, o aceptor habitual é um a-cetoácido, transfor­ mado no a-aminoácido correspondente. O a-cetoglutarato, o outro produto da reação de transaminação, pode ser converti­ do em glutamato por aminação redutora (Fig. 6.16). 88 SEÇÃO 1 Fundamentos da Microbiologia A. Altas concentrações de amônia. co -1 2 C = O 1 CH2 + NH3 + NADPH 1 CH2 1 co -2 a-Cetoglutarato B. Baixas concentrações de amônia. co - + 1 2 H3NCH 1 CH2 + ATP + NH3 1 CH2 1 co -2 Glutamato co - + 1 2 co -1 2 H3NCH C = O 1 1 CH2 + CH2 + NADPH 1 1 CH2 1 CH2 1 C = O co -1 2 NH2 Glutamina a-Cetoglutarato co ­ + 1 2 H3NCH 1 CH2 + NADP+ 1 CH2 1 co -2 Glutamato Glutamina co - + 1 2 co - + 1 2 H3NCH 1 H3NCH 1 CH2 + CH2 1 1 CH2 1 CH2 1 co -2 co -2 2-Glutamatos + NADP+ FIGURA 6.16 Mecanismos de assimilação do NH3• (A). Quando a concentração de NH3se apresenta elevada, as células são capazes de assimilar o composto através da reação da glutamato desidrogenase. (8) Quando a concentração de NH3 é baixa, como ocorre mais frequentemente, as células acoplam as reações da glutamina sintase e da glutamato sintase para utilizar a energia produzida por hidrólise de uma ligação de pirofosfato na assimilação da amônia. VIAS DE BIOSSÍNTESE Traçado das estruturas dos precursores biossintéticos: glutamato e aspartato Em muitos casos, é possível estabelecer a origem biossintéti­ ca do esqueleto de carbono de um produto final metabólico. A glutamina, que fornece um exemplo óbvio, é claramente derivada do glutamato (Fig. 6.17). O esqueleto do glutamato nas estruturas da arginina e da prolina (Fig. 6.17) é menos evi­ dente, porém facilmente discernível. De modo semelhante, o esqueleto de carbono do aspartato, derivado diretamente do metabólito focal oxaloacetato, é evidente nas estruturas da as­ paragina, treonina, metionina e pirimidinas (Fig. 6.18). Em alguns casos, diferentes esqueletos de carbono combi­ nam-se em uma via de biossíntese. Assim, por exemplo, o as­ partato semialdeído e o piruvato combinam-se para formar os precursores metabólicos da lisina, o ácido diaminopimélico e o ácido dipicolínico (Fig. 6.19). Os dois últimos compostos são encontrados unicamente nos procariotos. O ácido diaminopi­ mélico é um componente do peptidoglicano da parede celular, enquanto o ácido dipicolínico representa um componente ma­ joritário dos endosporos. co ­ + 1 2 H3NCH 1 CH2 1 CH2 1 C = O 1 NH2 co ­ + 1 2 H3NCH 1 CH2 1 CH2 1 CH2 1 NH 1 C = NH 1 NH2 Glutamina Arginina Prolina FIGURA 6.17 Aminoácidos formados a partir do glutamato. co - + 1 2 H3NCH 1 CH2 1 C = O 1 NH2 Asparagina co ­ + 1 2 H3NCH 1 CHOH 1 CH3 Treonina co ­ + 1 2 H3NCH 1 CH2 1 CH2 1 s 1 CH3 Metionina Uracila FIGURA 6.18 Produtos finais da biossíntese formados a partir do aspartato. Síntese do peptidoglicano da parede celular A estrutura do peptidoglicano é mostrada na Figura 2.16; a via pela qual ele é sintetizado encontra-se ilustrada de modo simplificado na Figura 6.20A. A síntese do peptidoglicano começa com a síntese em etapas do UDP-ácido N-acetilmu­ râmicopentapeptídeo no citoplasma. A N-acetilglicosamina liga-se inicialmente ao uridina difosfato (UDP) e, em seguida, é convertida em UDP-ácido N-acetilmurâmico por condensa­ ção com o fosfoenolpiruvato e redução. Os aminoácidos do pentapeptídeo são sequencialmente adicionados, sendo cada H e H C / -:::::-0 2 1 + CAPÍTULO 6 Metabolismo microbiano 89 adição catalisada por uma enzima diferente, envolvendo, cada qual, a clivagem do ATP em ADP + Pi. O UDP-ácido-N-acetilmurâmicopentapeptídeo liga-se ao bactoprenol (um lipídeo da membrana celular) e recebe uma molécula de N-acetilglicosamina do UDP. Algumas bactérias (p. ex., Staphylococcus aureus) formam um derivado pen­ taglicina em uma série de reações que utilizam glicil-RNAt como doador; o dissacarídeo obtido é polimerizado em um intermediário oligomérico antes de ser transferido para a porção terminal de um polímero de glicopeptídeo na parede celular. A ligação cruzada final (Fig. 6.20B) é efetuada por meio de uma reação de transpeptidação, em que o grupo amino livre de um resíduo de pentaglicina desloca o resíduo o-alanina termi­ nal de um pentapeptídeo vizinho. A transpeptidação é catalisa­ da por uma enzima de um conjunto de enzimas denominadas proteínas de ligação da penicilina (PBP). As PBP ligam-se à penicilina e a outros antibióticos betalactâmicos de modo co­ valente, devido, em parte, a uma semelhança estrutural entre esses antibióticos e o pentapeptídeo precursor. Algumas PBP exibem atividades de transpeptidase ou carboxipeptidase, sen­ do provável que suas velocidades relativas controlem o grau de formação de ligações cruzadas no peptidoglicano (fator impor­ tante na septação celular). A via de biossíntese tem importância especial em medicina, visto que proporciona uma base para a ação antibacteriana sele­ tiva de vários quimioterápicos. Diferentemente de suas células H e H C / -:::::-CH -2H 2 1 1 HC HOOC ,..,. '-.... NH2 HC C HOOC ,..,. '-.... N � -........COOH HOOC N,,,,;:. COOH Aspartato semialdeído Piruvato , Acido tetraidropicolínico COOH 1 HC - NH2 1 (CH2)3 1 HC -NH2 1 COOH Ácido diaminopimélico (paredes celulares) Ácido di-hidropicolínico , Acido dipicolínico CoA Succinil-CoA H2 e H e,...,... ""'cH 2 1 1 2 (esporos) C HC HOOC ,..,. -:::::-O 1 -........ COOH NH 1 (Succ) Lisina (proteínas) FIGURA 6.19 Produtos finais da biossíntese formados a partir do aspartato semialdeído e do piruvato.
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