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Guias e Dicas
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Livro A RELAÇÃO Agua - Solo, Manuais, Projetos, Pesquisas de Engenharia Agronômica

Livro A RELAÇÃO Agua - Solo

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2012

Compartilhado em 23/08/2012

Cunha10
Cunha10 🇧🇷

4.5

(244)

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Baixe Livro A RELAÇÃO Agua - Solo e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Engenharia Agronômica, somente na Docsity! A Relação da Planta com a Água Carlos Pimentel UFRURALRJ A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA CHANSON D’AUTOMNE Les sanglots longs Des violons De l’automne Blessent mon coeur D’une langueur Monotone. Tout souffocant Et blême, quand Sonne l’heure, Je me souviens Des jours anciens Et je pleure. Et je m’en vais Au vent mauvais Qui m’emporte Deçà, delà, Pareil à la Feuille morte. Poema de Paul Verlaine, que lembra Paris, um banho de cultura, como dizia meu pai. Dedico: aos meus pais, Prof. Paulo Cezar de Almeida Pimentel e Aniela Maria Niedenthal Pimentel, pela minha educação; a minha esposa, Sandra Greenman, e as minhas três filhas, Aniela, Joana e Marina, sobretudo pela paciência durante a elaboração deste livro; e ao Prof. Vieira da Silva, pela amizade e importante contribuição na minha formação científica e na elaboração deste livro. Agradeço: aos amigos Dr. Alberto M. T. Magalhães, pela coordenação da pré-impressão do livro, e ao Prof. D. Laffray, pela gentileza em ceder a foto da capa. Capítulo 4 A PERDA DE ÁGUA PELAS PLANTAS E O SEU CONTROLE 4.1 Introdução 92 4.2 A perda de água pela transpiração 93 4.3 Os estômatos e o controle da perda de água na transpiração 98 4.4 Regulação do movimento dos estômatos por fatores internos e externos e seu custo energético 111 4.5 A eficiência no uso de água 114 Capítulo 5 RESPOSTAS DAS PLANTAS À SECA 5.1 Introdução 119 5.2 A falta d’água e a produção agrícola 121 5.3 O que é seca? 123 5.4 Como estudar as respostas da planta à seca? 125 5.5 Quais as respostas à seca estudar? 129 5.6 Variáveis indicadoras da resposta da planta ao estresse por seca 138 5.7 Em que estádio de desenvolvimento estudar as respostas da planta à seca? 141 Capítulo 6 RESPOSTAS ADAPTATIVAS DAS PLANTAS À DEFICIÊNCIA HÍDRICA 6.1 Introdução 144 6.2 Quais as respostas adaptativas à seca estudar para a espécie em questão? 148 6.3 Principais respostas adaptativas para a tolerância à seca 151 6.4 Perpectivas para o aumento da produtividade agrícola em áreas marginais 164 BIBLIOGRAFIA Literatura citada e recomendada 171 Outra bibliografia citada no texto 171 INTRODUÇÃO A água é a substância fundamental à vida, tal qual conhecemos, e é uma das primeiras substâncias a serem procuradas como indício da possibilidade de vida em outros planetas, por exemplo, como se viu recentemente com a discussão sobre a vida em Marte, baseada em estudos feitos por sondas espaciais. Na Terra, os primeiros seres vivos surgiram nos oceanos, como vegetais evoluindo para animais, e passando a colonizar a superfície terrestre, com adaptações a este ambiente inóspito e seco. A importância da água nos sistemas biológicos é devida às propriedades físico-químicas únicas da sua molécula, como o alto valor de calor específico e de vaporização, o que estabiliza a temperatura de um sistema, como a biosfera, com a evaporação da água dos oceanos, permitindo a vida animal e vegetal, ou como a folha, com o resfriamento desta devido à transpiração. Sobretudo a partir de agora, com as previsões climáticas de aumento da concentração de CO2 atmosférico e da temperatura do ar em 2°C, haverá maiores variações climáticas, com secas mais freqüentes, causando um grande efeito na relação da planta com o meio, a economia de água potável é imprescindível para a agricultura e para o homem. Assim, o estudo da relação da planta com a água é de grande importância para a economia de água e aumento da produtividade na agricultura, sobretudo em países tropicais, como o Brasil. Tendo em vista que a população mundial vem aumentando enormemente, sobretudo nos países mais pobres e vulneráveis do terceiro mundo, principalmente localizados nos trópicos, a produção de alimentos nestas regiões tem de ser aumentada, isto porque a produção agrícola local não é suficiente para manter essa população crescente, por serem áreas marginais para a agricultura, com deficiência de água e de nutrientes (Rockström & Falkenmark, 2000). Na zona tropical (América do Sul, África, Ásia), onde vivemos, a incidência de baixos índices de precipitação é muito maior que nas outras zonas, apesar de existirem regiões áridas também nestas outras. Por exemplo, segundo Singh (1995), mais de 60% do cultivo de feijão comum, em países da América Latina, África e Ásia sofrem redução na produção devido à falta d’água, pois o requerimento hídrico da planta, durante o seu ciclo, não é satisfeito. A presente revisão sobre a relação da planta com a água pretende enfocar esta relação no ambiente tropical e inicia-se com uma análise termodinâmica da água nos sistemas biológicos, que é diferente daquela no sistema solo, onde não há variação de volume, e pretende contribuir com o estudo do comportamento do vegetal sob desidratação e seus possíveis mecanismos de adaptação à seca. 13 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA 14 Análise Termodinâmica do Sistema Aquoso Planta Capítulo 1 CARLOS PIMENTEL posicionamento das moléculas dos gases, que compõem o ar que penetra no recipiente, seria altamente errático e variável, devido à alta, e variável, energia cinética destas moléculas, com grande movimentação dentro do recipiente. Supondo que o vazamento seja reparado, e não haja mais entrada de ar, a energia cinética das moléculas dos gases dentro do recipiente se estabilizará, e a localização e estado energético das moléculas dos gases, no recipiente, será facilmente previsível. Este último exemplo serve para mostrar a segunda principal característica da termodinâmica, que é a descrição, no sistema em estudo, de propriedades, as quais necessitam do equilíbrio para serem medidas. Nos dois primeiros exemplos, algumas destas propriedades são a pressão parcial de vapor d’água na jarra e a constante de equilíbrio na reação química. Mas o que não é tão óbvio é que outras propriedades, como a temperatura, a pressão dos gases e a entropia, só são definidas realmente quando o sistema está em equilíbrio. Isto pode ser ilustrado no terceiro exemplo, ao tentar-se medir a temperatura do ar bem próximo ao vazamento, pois esta será extremamente variável e dependente da posição e forma do termômetro (Spanner, 1964). Portanto, estas propriedades termodinâmicas (no equilíbrio) são consideradas importantes ferramentas conceituais para a descrição de sistemas biológicos. Esta limitação do uso de propriedades, que só são definidas no equilíbrio, tem importantes conseqüências: a simplificação das equações matemáticas necessárias à descrição de um sistema biológico em estudo; e em segundo lugar, a descrição clássica termodinâmica de um sistema não avalia fluxos, pois isto significa que o sistema não está em equilíbrio, e sim em constante mudança. Estas avaliações de fluxos, por exemplo, podem ser feitas em outra área de estudo, a termodinâmica fora do equilíbrio ou irreversível (Pauling, 1970), que não será tratada aqui. As avaliações termodinâmicas de um sistema somente no equilíbrio geram alguns problemas conceituais para os sistemas biológicos. Isto porque, se os resultados termodinâmicos só são válidos para sistemas em equilíbrio, seria correto aplicá-los a sistemas como uma célula viva, que se sabe não estar em equilíbrio? Para um exemplo concreto, uma raiz viva é um sistema que não está em equilíbrio, pois está absorvendo nutrientes, consumindo oxigênio, gerando potenciais eletroquímicos etc. Pode-se crer que as relações hídricas de uma célula possam ser governadas por equações termodinâmicas, como a do potencial da água: -Ψa = -Ψm - Ψπ + Ψp 17 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA Em sistemas biológicos, pressupõe-se que, no momento da avaliação do sistema, este esteja em equilíbrio estacionário (“steady-state”), também chamado de homeostase, antes e depois de um fluxo ocorrer. Este equilíbrio estacionário significa que as quantidades de matéria e energia que entram no sistema se equivalem às quantidades que saem deste. Por exemplo, pode-se prever o movimento da água do solo para a planta e da planta para a atmosfera, analisando-se o valor do potencial da água no solo (-Ψa,s), da planta (-Ψa,p) e da atmosfera (-Ψa,atm), mas não o fluxo que, como foi citado acima, não pode ser estudado pela termodinâmica. Outro exemplo é que pode-se estudar o provável movimento de íons do apoplasto para o simplasto, através do potencial eletroquímico transmembranar, mas não o seu fluxo. Evidentemente, outros processos biológicos, como o consumo de oxigênio, a síntese protéica ou a atividade de bombas iônicas, influenciarão estes processos. Mas a influência maior será na taxa de ocorrência (ou velocidade) do processo, que não é estudada pela termodinâmica, e que simplesmente pode prever a direção provável da ocorrência do fluxo. Enquanto a noção de taxas é estranha à termodinâmica clássica, a noção de direção das mudanças não, pois se pode avaliar as propriedades termodinâmicas antes e depois das mudanças. Por exemplo, pode-se questionar se uma mistura de amido e ácido fosfórico vai mudar espontaneamente para hexose-fosfato, ou se a direção da mudança espontânea ocorre na ordem inversa. Isto pode ser medido, inibindo-se a reação por um momento para analisar as suas propriedades (Stadler, 1989). Outro conceito importante da termodinâmica é que, enquanto os planetas e estrelas, numa visão macroscópica, têm sua velocidade de deslocamento no espaço sideral diminuída gradativamente, os elétrons no espaço atômico, numa visão microscópica, teriam movimentos perpétuos, incessantes, em torno do núcleo do átomo. Contudo, hoje se sabe que também os átomos são divisíveis em partículas menores, os quarks e glúons. Já se sabe também que os elétrons têm um movimento finito, quando ocorre a concentração de toda a matéria, inclusive os átomos, num buraco negro. Portanto, houve um início e haverá um fim do movimento dos elétrons. Porém, este movimento é infinitamente longo na escala de tempo e, para as nossas observações, ele pode ser considerado como infinito. Estes exemplos servem para caracterizar em que ordem de grandeza a termodinâmica deve ser usada, ou seja, em sistemas grandes o suficiente para serem vistos a olho nu ou em microscópios; e em temperaturas não muito próximas do zero absoluto, onde ocorrem os fenômenos de supercondutividade em hélio líquido, por exemplo, que alteram as propriedades termodinâmicas do sistema (Pauling, 1970). 18 CARLOS PIMENTEL A termodinâmica clássica tem como fundamento a impossibilidade do “moto-continuum”, e isso define a ordem de grandeza de suas observações como sendo macroscópica. Além disto, ela não lida com mecanismos que são vistos na mecânica, mas sim com a geração de potência (energia) química, osmótica, elétrica ou de outras formas, que por sua vez permitirão a ocorrência dos mecanismos. Portanto, a termodinâmica clássica permite prever a direção em que um sistema vai se modificar espontaneamente, quando liberado de suas barreiras; além disso, ela fornece relações, como a constante de equilíbrio de uma reação, ou o potencial osmótico de uma solução e sua pressão de vapor, ou ainda o potencial eletroquímico de uma membrana, que caracterizam o sistema em observação (Nobel, 1999). O estudo desta disciplina leva, portanto, a uma visão mais ampla do meio que nos circunda, e, portanto, do universo, transcendendo os seus mecanismos. 1.2 • PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA O conceito de trabalho é familiar a todos, assim como a idéia do produto força vezes distância, como sendo uma medida de trabalho. Esta é uma função extremamente útil, e é importante se conscientizar disso, pois conceitos como Entropia ou Energia Livre, expressos adiante, são menos evidentes no dia-a-dia, que a idéia de trabalho. Por exemplo, se o sistema em estudo contém um corpo em movimento, o produto 1/2 mv2 (m sendo a massa do corpo e v a sua velocidade) representa o trabalho realizado, quando uma força é aplicada ao corpo. Portanto, há uma correlação entre uma forma de energia aplicada (a força) e o trabalho produzido. Isto leva ao princípio de que energia é necessária para ocorrer trabalho, o qual produzirá mudanças, de diferentes formas, naquele corpo (ou sistema), como movimento, deformação etc. Estas mudanças dão uma idéia de que “algo” está sendo armazenado, quando a mudança se dá em uma direção, ou sendo liberado, quando na direção oposta. “Algo” que, na ausência de atrito, por exemplo, nunca seria perdido. Por isto, basta chamar-se esse “algo” de energia, e reconhecer que ela existe em diferentes formas, e chega-se ao princípio da conservação da energia (Spanner, 1964). Quando a força de fricção atua em sentido contrário ao movimento do corpo, há uma tendência de aumento da temperatura, causada pelo calor transmitido, que é uma outra forma de energia. O aumento da temperatura reflete o aumento da energia cinética das moléculas do corpo ou, como exemplos mais comuns, de um gás que é aquecido, ou da água que ferve e 19 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA de duas formas: aplicando um trabalho sobre o sistema (como comprimindo- o ou distendendo-o [±P∆V] ou aplicando uma fricção), ou colocando-o em contato com outro corpo aquecido de forma que absorva calor (Fermi, 1936). A energia interna do sistema pode ser claramente classificada como sendo uma propriedade extensiva do sistema, pois sua magnitude depende do tamanho do sistema (quantidade de matéria deste). Outros exemplos de propriedades extensivas são a massa, o volume, o número de moles, a carga elétrica, a área e o calor de um sistema, assim como, ainda a ser definida, a entropia. Ao contrário das propriedades extensivas, as propriedades intensivas do sistema não dependem do tamanho do sistema, como por exemplo, a temperatura, a pressão, a tensão superficial, o potencial elétrico e, ainda também a ser definido, o potencial químico de uma substância (Chagas, 1999). Se dois sistemas são estudados juntos, a energia interna total é a soma da energia interna de cada um dos sistemas e, portanto, a energia interna de um sistema aberto (que tem variação da quantidade de matéria) pode ser aumentada pela adição da matéria. Primeira lei da termodinâmica: - A energia do universo é conservada. - No sistema isolado (que é um sistema fechado, onde, além de não haver entrada de matéria, não há entrada ou saída de energia), a soma de todas as formas de energia, incluindo mecânica, química ou térmica, permanece constante. - Em qualquer transformação de um sistema fechado, o aumento de energia interna do sistema é igual ao trabalho aplicado sobre o sistema somado ao calor absorvido por ele. Deve-se ressaltar que W e Q não são propriedades do sistema, como U, pois pode-se ter a mesma U com diferentes valores de W e de Q. Enquanto o coeficiente ∂U / ∂T define propriedades de um sistema de matéria (a capacidade térmica), ∂Q / ∂T não tem este significado, pois Q pode ter qualquer valor arbitrário (Spanner, 1964). 1.3 • SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICA Após a dedução da primeira lei da termodinâmica, pode-se discutir o que é uma das mais famosas de todas as leis da natureza. A primeira lei foi deduzida a partir do fato que energia é um dos constituintes da natureza, que pode mudar de forma, entre duas condições da matéria, sem contudo mudar em quantidade. A energia é algo que não pode ser criado nem destruído, 22 CARLOS PIMENTEL ao menos dentro do nosso conhecimento, e é sempre fixa na sua quantidade total (Pauling, 1970). A segunda lei da termodinâmica leva em conta um outro aspecto dos eventos naturais. Ela estipula, como aparenta ser reconhecido pelo mais profundo nível do inconsciente humano, que existe uma irrevogabilidade dos fatos no universo, e uma ação, ou mesmo um pensamento, uma vez realizado, não pode voltar atrás. É possível modificar ou cancelar alguns de seus efeitos, mas o status quo existente antes do seu efeito não pode ser recuperado (Anderson, 1996). Qualquer acontecimento ao nível de matéria e de energia, como dissolver um sal em uma solução, a combustão de uma substância ou a evaporação da água, tem sua característica de irrevogabilidade. Isto não quer dizer que não seja possível voltar-se à situação original, evaporando a solução para recuperar o sal ou condensando a água evaporada; porém, isto tem um custo. A dissolução do sal ou a evaporação da água são processos espontâneos, que ocorrem numa direção e, a menos que haja alguma interferência, ocorrerão sempre naquele sentido; todo processo espontâneo deixa sua marca no mundo físico. Portanto, todos os acontecimentos, na natureza física, envolvem um certo grau de irreversibilidade. Estes processos ocorrem espontaneamente numa direção mas não em outra e, depois de ocorrido, algo foi perdido na soma total de coisas, que não é recuperável, e isto é o conceito da irreversibilidade termodinâmica. Outros exemplos seriam: a água que desce uma cachoeira pode ser transportada de volta ao alto da cachoeira, uma pedra que rola um morro pode ser transportada para o alto do morro, ou um balão de ar quente subindo na atmosfera pode ser transportado para baixo, porém através de um novo processo que necessita de energia e de trabalho. Todos estes processos espontâneos liberam energia, como numa chama, que é um exemplo bem evidente, ou em processos de difusão de moléculas, em gases ou em soluções, onde é menos evidente a liberação de energia, pois esta é pequena. Mas em todos estes casos é possível obter-se trabalho, por menor que seja. Por exemplo, o contato entre dois compartimentos, um com uma solução aquosa de sais e outro com água, ambos separados por uma membrana semi- permeável, pode produzir trabalho, com a passagem de água através da membrana para o compartimento onde estão os sais, como ocorre numa célula viva. Não existe limite inferior para a capacidade de gerar trabalho num sistema; o que existe é o limite superior, máximo, de gerar trabalho (Spanner, 1964). 23 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA Segunda lei da termodinâmica: - A entropia do universo nunca diminui. - Todo processo espontâneo na natureza pode produzir trabalho e para reverter esse processo é necessário aplicar trabalho no sistema. Por exemplo, dois processos comuns na natureza: a evaporação e a condensação da água. Nas circunstâncias favoráveis para que um dos processos ocorra espontaneamente, o outro precisa da aplicação de trabalho para acontecer. O vapor d’água do ar condensa-se na superfície do solo durante a madrugada, com o abaixamento da energia térmica do ar, percebida pela temperatura ambiente; e, durante o dia, com o aquecimento do ar pelos raios solares, e aumento da sua temperatura, a água evapora-se do solo para o ar. Para inverter os processos, em cada uma das duas situações tem de haver gasto de energia. Outro tópico importante neste assunto é que a energia não pode ser transformada em trabalho sem que haja alguma perda que não é recuperável como trabalho, como, por exemplo, sob a forma de calor. O atrito em máquinas vem sendo combatido há muito tempo, para evitar o desperdício de trabalho, sem que o homem tenha conseguido produzir o moto-continuum. O calor gerado pelo atrito não pode ser recuperado sob a forma de trabalho, o que causa perdas na quantidade de trabalho que poderia ser produzido pelo sistema. Por isto, todo processo que gera trabalho perde parte do seu potencial de geração de trabalho sob a forma de calor, o que é irreversível. Porém quanto menos calor for produzido no processo, maior a capacidade de gerar trabalho. O calor pode ser convertido em trabalho, mas uma quantidade deste calor é usada para “pagar” a conversão, o que vai diminuindo gradualmente a capacidade do sistema produzir trabalho. Parte da energia do sistema é perdida com o elemento da irreversibilidade, que não produz trabalho (Thellier & Ripoll, 1992). Quando um sistema sofre uma transformação de um estado 1 para um estado 2, ele sofreu uma mudança. Poderia haver uma forma de medir-se esta mudança? E esta medida poderia ser usada para comparar diferentes tipos de mudanças em sistemas distintos? Por exemplo, uma mudança num sistema onde está ocorrendo difusão poderia ser comparada com um sistema sofrendo uma reação química ou uma expansão de volume? Este é um exemplo comum na fisiologia, pois a entrada de íons na célula através da plasmalema é acoplada à atividade de uma ATP-ase transmembranar, que gera, através da extrusão de prótons, o potencial eletroquímico necessário à 24 CARLOS PIMENTEL 1.4 • ENTROPIA E ENERGIA LIVRE Supondo-se um sistema fechado, é claro, propenso a uma mudança espontânea, mas que foi momentaneamente bloqueado por uma barreira física ou química, como uma colher de açúcar sobre um copo d’água ou um anticatalítico em uma reação enzimática. Caso a barreira seja retirada, e o açúcar vertido no copo, a mudança espontânea se inicia: a solubilização do açúcar dentro d’água. O sistema sofreu uma transformação, porém sem troca de energia (U2 = U1, ou ∆U = 0). Se esse experimento for repetido de forma a ser acoplado a um processo para gerar trabalho, como por exemplo, a dissolução do açúcar em um cilindro com um pistão semi-permeável, colocado acima do fundo do cilindro. Ao passar pelo pistão semi-permeável, para a solução abaixo deste haverá um aumento do volume abaixo do pistão induzindo um deslocamento do pistão. De onde virá a energia para promover este trabalho, pois ∆U = 0? A única resposta é que o sistema retira energia térmica do meio, produzindo trabalho com esta energia; com isso, haverá aumento da entropia do sistema. Voltando ao primeiro caso, sem o pistão, que tem o mesmo estado final, pode-se concluir que também houve aumento da entropia neste primeiro caso e, portanto, em qualquer processo espontâneo, num sistema isolado, há um aumento da entropia (Nobel, 1999). Isto ocorre num sistema isolado, onde ∆U = 0 e ∆V = 0; quando há variação destes parâmetros, e troca de trabalho com o meio, pode haver diminuição da entropia do sistema, mas haverá aumento no meio externo, na vizinhança, e a entropia do universo vai aumentar. Por exemplo, numa reação enzimática celular, na qual não haja variação da temperatura do sistema, para a fisiologia o que interessa são as quantidades das substâncias nos dois lados da equação da reação, em função de alguma propriedade que possa indicar o sentido desta. O conhecimento da entropia das substâncias em si não indica o sentido da reação, pois pode haver aumento ou diminuição desta, em função da sua relação com outras reações acopladas (no meio exterior ao sistema), por exemplo. Quando a reação ocorrer dentro de uma bomba calorimétrica, que tem suas paredes condutoras de calor, pode-se manter a temperatura interna constante, com o auxílio de um banho termostatado; além disto, suas paredes são rígidas, portanto não havendo variação de volume, e por isso também não há trabalho produzido. Como resultado da reação, calor será produzido, o que pode ser facilmente medido, sendo equivalente a -∆U da reação (o sinal é negativo pois houve liberação de calor). Já que a variação de entropia foi 27 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA definida como ∆S = Q / T e, conseqüentemente, Q = T ∆S; e houve uma variação da energia interna -∆U, pode-se concluir que o trabalho máximo que pode ser obtido na bomba calorimétrica é dado, segundo Stadler (1989), por: Wmáx = -∆U + T ∆S (eq. 1.7) Este Wmáx do sistema em estudo é uma nova função, que foi chamada de F. Outra consideração a ser feita é que, para um processo espontâneo, o sinal da quantidade (-∆U+ T ∆S) deve ser positivo, +∆U - T ∆S = ∆F (F2 deve ser menor que F1, numa mudança do estado 1 para o 2). Portanto, se a reação tiver um valor -∆F, ela não é espontânea. Este é o conceito da energia livre de um sistema (Spanner, 1964). Energia Livre de Helmholtz e de Gibbs O termo “Energia Livre” deixa o fisiologista mais à vontade, pois é um conceito comum em suas discussões e certamente muito mais familiar do que o conceito de entropia. Na dedução feita acima (+∆U - T ∆S = ∆F, para uma reação espontânea, pois F2 < F1), ∆F representa o trabalho máximo que pode ser obtido do sistema, quando não há variação de volume no sistema, como no sistema solo, por exemplo, e esta quantidade é chamada de energia livre de Helmholtz (Libardi, 1995). Contudo, considerando uma reação bioquímica ou biofísica numa célula, sabe-se que esta ocorre num sistema que primeiro mantém a temperatura constante, sem mudanças substanciais. Caso contrário, o tecido esquentaria, podendo entrar em colapso. Isto é a termoestabilidade de um tecido. Em segundo lugar, o sistema mantém a pressão imutável, normalmente sem grandes variações, com valores próximos da pressão atmosférica. Pode haver variação na pressão de turgescência, causada pela entrada de material na célula, mas levando-se em conta todo o simplasto e apoplasto do tecido, a pressão do tecido se mantém relativamente constante, pois o que entrou no simplasto saiu do apoplasto. Esta constância da pressão do sistema adiciona um novo elemento ao balanço energético, pois, quando um processo espontâneo ocorre na célula, parte da energia livre do sistema, que decresce, é necessariamente absorvida como trabalho, na forma de variação do volume à pressão constante. Neste caso, que ocorre em sistemas biológicos, deve-se adicionar mais um termo à equação da energia livre, referente ao trabalho gerado pela variação de volume, tendo-se então, segundo Nobel (1999): +∆U - T ∆S + P∆V = ∆G (eq. 1.8) 28 CARLOS PIMENTEL ∆G representa a chamada energia livre de Gibbs, pois, ao contrário da energia livre de Helmholtz, é usada em sistemas onde ocorre variação de volume, como é o caso dos sistemas biológicos. Por isto, a discussão, em termos de variações de energia, em sistemas biológicos, usa o conceito de energia livre de Gibbs, que representa o trabalho útil para o sistema (Anderson, 1996). Portanto, em estudos nos sistemas biológicos, com variações de volume, o trabalho útil do sistema é obtido pelo cálculo da energia livre de Gibbs, enquanto em sistemas onde não há variação do volume, como no solo, faz-se uso da energia livre de Helmholtz. Por exemplo, se um sistema fechado é considerado, então existe uma quantidade fixa de matéria nele. Se houver uma mudança espontânea de um estado 1 para um estado 2, a transformação pode gerar trabalho, e se ela for reversível, o trabalho será máximo; e, como foi dito para ∆U, o Wmáx (útil) depende somente dos estados 1 e 2, e não do caminho seguido na transformação. Este trabalho pode ser estocado (quando se levanta uma pedra a uma certa altura, ou na síntese de ATP) e, subseqüentemente, pode ser usado (ao largar a pedra ou na hidrólise do ATP). Nos dois sentidos das transformações, em condições isotérmicas, calor é retirado do meio para produzir trabalho em um sentido, e liberado do sistema ao realizar o trabalho, no outro sentido. Este máximo valor de trabalho, que pode ser obtido, é chamado de energia livre de Gibbs (Thellier & Ripoll, 1992). Outro exemplo prático, comum na fisiologia, é o de um sistema consistindo de uma quantidade de uma solução de concentração c dentro de um cilindro, confinada sob um pistão semi-permeável, acima do qual existe água. Se a área do pistão é A, e o potencial osmótico da solução é dado por Ψπ, uma força A Ψπ deve ser aplicada sobre o pistão para manter o sistema em equilíbrio (este é o princípio de um osmômetro). Se uma pequena quantidade de moles de água (∂n) atravessar a membrana e passar para a solução, o pistão subirá ∂x, e A ∂x será o aumento do volume da solução. Este aumento de volume não é exatamente igual à diminuição do volume de água acima do pistão, cujo valor é a ∂n, onde a é o volume molar da água. Portanto, o trabalho realizado pelo pistão é: Ψπ = A ∂x = Ψπ a ∂n. Como este é o trabalho útil realizado, ele representa -∆G. Se, no mesmo exemplo, a pressão da água for reduzida da pressão atmosférica para a sua pressão de vapor no equilíbrio p0, e em seguida uma quantidade de água (∂n) for levada a se evaporar, com o vapor de água se expandindo isotermicamente para uma nova pressão p, haverá trabalho realizado. Assumindo que o vapor de água se 29 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA do solo é retirado para a raiz e, sob a pressão ambiente no solo, que é essencialmente a pressão atmosférica (P), um trabalho Pv1 é realizado; essa mesma quantidade de água é perdida e evaporada da folha para a atmosfera no topo da árvore (v1), porém a pressão neste caso é a pressão parcial de vapor de água no ar (p), e não a pressão atmosférica total, e, portanto, um trabalho pv1 é realizado. O resultado líquido do processo total é o trabalho pv1 - Pv1, o que causa uma diminuição da energia livre de Gibbs, que é aceito pela termodinâmica. Contudo, em relação à temperatura, é sabido que a temperatura do solo e da folha são bastante distintas, e assim o uso da energia livre de Gibbs para avaliar o processo não é possível, o que é freqüente em sistemas extensos como uma árvore. Pode-se analisar a energia livre de Gibbs na absorção de água pela raiz e na evaporação da água na câmara sub- estomática separadamente, e estes valores podem indicar a possibilidade do fenômeno, havendo -∆G, mas nunca pode-se prever a taxa desse processo (Spanner, 1964). 1.5 • A CONDIÇÃO DE EQUILÍBRIO As duas funções de energia livre, a de Helmholtz (F) e a de Gibbs (G) foram definidas anteriormente: F = U – TS e G = U + PV – TS. Uma outra função útil para a termodinâmica é a Entalpia (H), que seria o “conteúdo calórico”, que é definida como sendo: H = U + PV. Portanto, a equação para a energia livre de Gibbs pode ser reescrita: G = H – TS, onde se nota que G tem a mesma relação com H, como F tem com U. Ao se diferenciar as três equações (Chagas, 1999), obtém-se: ∂F = ∂U - T∂S - S∂T; ∂G = ∂U + P∂V + V∂P - T∂S - S∂T; e ∂H = ∂U + P∂V + V∂P (eq. 1.11) sabendo-se que ∂U = T∂S - P∂V ⇒ (eq. 1.12) ∂F = - P∂V - S∂T (eq. 1.13) ∂G = V∂P - S∂T (eq. 1.14) ∂H = T∂S + V∂P (eq. 1.15) analisando um sistema em equilíbrio, ter-se-á energia interna e volume constantes, o que significa que ∂U e ∂V são iguais a zero. Analisando as quatro equações acima, a única onde as duas variáveis ocorrem juntas é a primeira e, com estes valores iguais a zero, o ∂S também tem de ser zero. Por isto, nestes processos, nos quais a energia interna e o volume não são variáveis, a condição 32 CARLOS PIMENTEL de equilíbrio é de não haver variação de entropia. A mesma analogia pode ser feita para sistemas onde não haja variação de T e P, e a equação 1.14 mostra que não deve haver, neste caso, variação de energia livre de Gibbs (Nobel, 1999). Portanto, todo sistema termodinâmico se move para o equilíbrio, e o critério para que haja equilíbrio é em direção à máxima entropia ou a mínima energia livre de Gibbs. Isto implica que os processos espontâneos ocorrem nesse sentido, para o aumento da entropia (estado com máxima probabilidade de ocorrência) e/ou diminuição da energia livre, o que pode ser visto na natureza: a teoria do big-bang para a formação do universo, que se expande infinitamente; a rocha se desorganizando em partículas menores, que formarão os solos; a expansão de gases (maior entropia); o resfriamento gradativo da Terra; ou a água que desce a cachoeira (os dois últimos exemplos são de diminuição da energia livre de Gibbs). Os processos inversos só ocorrem com gasto de energia no sistema (Spanner, 1964). Em sistemas termodinâmicos, lida-se com matéria e energia, e a análise da distribuição, ou dos arranjos de conteúdo, de energia e de matéria do sistema, deve considerar a tendência de aumento de entropia, para atingir- se o equilíbrio. Analisando-se o conteúdo de matéria somente, para simplificar, pode-se perceber que o aumento de volume significa um aumento de entropia, pois haverá maior distribuição dos componentes materiais do sistema. O processo de mistura de materiais, como no processo de osmose, também significa um aumento de entropia. Já no processo de imbebição ocorre uma diminuição da energia interna do sistema. Estes dois fenômenos são exemplos das variações nos dois termos da energia livre, U e TS (Thellier & Ripoll, 1992). Por outro lado, a noção de entropia está associada ao grau de desordem de um sistema e, portanto, o equilíbrio é atingido com a máxima desordem do sistema. Na reação química de interconversão entre amido e glicose, ou de proteínas e aminoácidos, a tendência natural do processo é no sentido da produção de glicose e aminoácidos, não por ser um processo exergônico, mas sim pelo aumento de entropia (desorganização). A polimerização ou condensação de compostos em macromoléculas (síntese) implica em diminuição de entropia, pois aumenta a organização e, para isso, há necessidade de trabalho. Já o processo de hidrólise é um processo espontâneo (Anderson, 1996). Estas considerações sobre energia livre e entropia do sistema podem ser aplicadas à célula ou mesmo aos seres vivos, que são sistemas altamente organizados, vide a arquitetura e organização estrutural de uma célula, que 33 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA representam arranjos de baixa entropia e, portanto, requerem gasto de energia. Por isto, o crescimento celular ou de um ser vivo requer energia metabólica, mas este processo, que retira energia do meio, causa a desorganização desse meio externo, e não pode ser mantido indefinidamente; a um dado momento, esta capacidade de desorganizar o meio, para manter a organização do sistema, a célula ou um ser vivo, deixa de funcionar, ocorrendo a morte e, conseqüentemente, desorganização do sistema (“do pó viemos e ao pó retornaremos”). 1.6 • O POTENCIAL QUÍMICO E OS SISTEMAS MEMBRANARES Até agora a discussão sobre a noção de equilíbrio baseou-se em sistemas fechados, sem variação de matéria. Para a maioria das aplicações físicas da termodinâmica isso não é uma limitação, porém, para a fisiologia vegetal esse tipo de análise se torna problemático, pois os sistemas biológicos são, na maioria dos casos, sistemas abertos, onde ocorre entrada e saída de matéria. É o caso de uma organela celular, de uma célula ou mesmo de um órgão, nos quais existe um constante fluxo de água, minerais e substâncias orgânicas, que entram e saem desses sistemas, durante o seu crescimento e desenvolvimento. Do ponto de vista termodinâmico, o importante é que, associada à entrada de uma substância, haja a saída de uma outra, no sistema estudado, que estará, portanto, em equilíbrio estacionário (“steady state”), ou homeostase (Anderson, 1996). Além disso, a fisiologia vegetal se interessa pelo metabolismo vegetal, isto é, a atividade bioquímica na célula, no órgão ou mesmo na planta inteira. Mesmo para a entrada de água na célula, hoje se sabe que não é um processo de simples difusão através da membrana celular, no antigo conceito de composição de membranas como um “mosaico-fluido”, em que a água se movimentaria de um lado para o outro da membrana sem grandes restrições; a entrada de água na célula pode se dar também por transporte através de canais estreitos, com um diâmetro pouco maior que o da molécula de água, que são chamados de aquaporinas. As aquaporinas controlam a difusão da água na raiz, principalmente na zona mais velha e suberizada, em função da pressão e das relações da água com outras moléculas, principalmente sob condições de baixa disponibilidade de água no solo (Steudle, 2001). Para o estudo desses processos, faz-se uso do conceito de potencial químico de uma substância, no caso da água, para a análise da probabilidade de ocorrer um fluxo dessa substância através de uma membrana, por exemplo (Slatyer, 1967). 34 CARLOS PIMENTEL matéria que passa da fase A para a fase B não é realmente precisa, pois, no momento em que matéria é retirada da fase A, as variáveis físico-químicas desta fase, como volume, pressão e entropia, sofrerão mudanças. Pode-se imaginar este processo ocorrendo à temperatura constante, com variação ou de volume ou de pressão, por exemplo. Se o processo for reversível, sob temperatura e pressão constantes (somente o volume é variável), o trabalho máximo obtido será equivalente ao decréscimo de energia livre de Gibbs do sistema (Nobel, 1999), e portanto: (µaA - µaB) ∂n = ∂na (∂GA / ∂na) - ∂na (∂GB / ∂na) (eq. 1.19) onde as derivadas parciais são dadas sob temperatura e pressão constantes. Pode-se ter a definição genérica do potencial químico como sendo: µi = (∂G / ∂ni)T, P, nj (eq. 1.20) ou, através de outras variáveis físico-químicas, como foi definido originalmente por Gibbs: µi = (∂U / ∂ni)S,V, nj (eq. 1.21) ou ainda: µi = (∂H / ∂ni)S, P, nj (eq. 1.22) O uso do potencial químico para definir o estado energético de um soluto ou de um solvente em um sistema implica que: um soluto vai se movimentar de uma fase mais concentrada, de maior potencial químico, para outra fase menos concentrada, de menor potencial químico; ou o solvente, a água por exemplo, se movimenta da fase menos concentrada em solutos (mas mais concentrada em solvente) para a mais concentrada em solutos (menos em água) e este movimento cessa quando os dois potenciais químicos se igualarem. Portanto, o equílibrio supõe que os potenciais químicos dos solutos e do solvente, nas duas fases do sistema, sejam iguais: µA = µB Em química, supõe-se, para o equilíbrio, que a atividade química (a) dos solutos nas duas fases sejam iguais, em vez dos potenciais químicos, não havendo contradição na igualdade de potencial químico ou de atividade química para a condição de equilíbrio, pois a atividade de uma substância é simplesmente uma função exponencial de seu potencial químico (Stadler, 1989): ai = exp (µi - µi 0 / RT), ou que µi - µi 0 = RTln ai (eq. 1.23) onde µi 0 é uma constante determinada arbitrariamente, como uma referência, que será discutida a seguir. A vantagem do uso da atividade química é que esta variável se refere à concentração da substância (que é 37 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA multiplicada pelo seu coeficiente de atividade química), e esta relação se equivale àquela utilizada para a relação entre trabalho máximo e variação de energia livre de Gibbs, em gases em expansão ou diluições osmóticas, descritas anteriormente (Anderson, 1996). O potencial químico deve ser descrito como um coeficiente diferencial, pois ocorre variação de matéria no sistema (∂n), devido ao movimento do soluto de uma fase para outra, por exemplo, introduzindo uma quantidade de energia livre (∂G), cuja magnitude absoluta é indefinida, pois está-se lidando com variações de G. Esta indefinição é repassada ao valor absoluto de µ, que deve também ter um valor zero, de referência, determinado arbitrariamente (µ0). No caso da água, o potencial de referência foi definido como sendo o potencial químico da água pura e livre (Slavik, 1974). Portanto, quando o sistema não é composto por água pura e livre, o seu potencial químico é menor que zero, e µa- µa 0 tem um valor negativo. Um sistema composto por água pura e livre tem uma maior capacidade de gerar trabalho, movimento, por exemplo, que um sistema composto por solutos e água. Se tivermos uma membrana semi-permeável (que permite a passagem de água mas não dos solutos) entre estes dois sistemas, a água vai se movimentar do sistema onde está livre para o sistema onde existem solutos, pois a energia livre por mol de água é maior no sistema com água pura e livre (Dainty, 1976). Em segundo lugar, deve-se considerar que o potencial químico é, como a temperatura, a pressão e a concentração, uma propriedade intensiva, que não depende, portanto, da quantidade de matéria do sistema. As propriedades intensivas exprimem as qualidades do sistema enquanto as extensivas indicam as suas quantidades. Quando se atenta para as variações de µ e de G, subentende-se que o sistema está modificando-se qualitativamente, em vez de variar sua composição somente, sem variar outras propriedades qualitativas como a temperatura ou a pressão. Por exemplo, numa folha dentro de uma garrafa fechada, a água, neste sistema, estará em duas fases, como líquido na folha e como gás na folha e na atmosfera dentro da garrafa. Depois de atingir- se o equilíbrio dentro da garrafa, a água terá o mesmo potencial químico em qualquer local dentro da garrafa: no cloroplasto ou na mitocôndria celulares, na parede celular, na câmara subestomática, ou na atmosfera em volta da folha (Spanner, 1964). Em terceiro lugar, deve-se ressaltar que o potencial químico é uma importante variável entre as quantidades parciais molares e, na realidade, representa a energia livre de Gibbs parcial molar. Portanto, num sistema com vários solutos: G = somatório de ni µi, como já visto anteriormente e, como 38 CARLOS PIMENTEL ∂G = V∂P- S∂T, tem-se ∂G = V∂P- S∂T+ ni∂µi, ou num sistema aberto onde adicionam-se solutos tem-se: ∂G = V∂P- S∂T+ somatório de ni∂µi (Nobel, 1999). O que significa que a adição de solutos (∂n) a uma solução causa um aumento de G em ni∂µi. O mesmo raciocínio e dedução podem ser usados para as outras variáveis (como U ou H). A determinação do gradiente de potencial químico entre a vizinhança e o sistema indica, por exemplo, a direção do movimento de uma substância, assim como a diferença de temperatura determina a transferência de calor, ou o gradiente de potencial elétrico determina a direção da corrente elétrica. É importante salientar-se que, se duas fases (A e B) estão em equilíbrio com outra fase (C) em relação ao movimento de uma espécie i, elas estarão, as fases A e B, em equilíbrio entre si; pois, se as fases A e B não estivessem em equilíbrio, e alguma quantidade de i passasse de uma para a outra, as duas fases sofreriam distúrbios, necessitando retirar ou ceder quantidades de i para a fase C, o que provocaria um movimento contínuo da substância i entre as 3 fases, e um inexistente “moto-continuum”. Outra ressalva é que a adição de um soluto causará um desequilíbrio momentâneo e, portanto, G não pode ser medida logo após esta adição do soluto, devendo-se aguardar o novo equilíbrio. Portanto, como visto anteriormente, num sistema de duas fases separadas por uma membrana, o equilíbrio é atingido quando µaA = µaB. Assim, no citoplasma, repleto de complexas organelas e que está associado à parede celular e a outras células do tecido, a água no vacúolo estará em equilíbrio com o apoplasto somente se os processos metabólicos, envolvendo troca de energia, na região em estudo, não interferirem no movimento de água na célula (Thellier & Ripoll, 1992). 1.7 • O POTENCIAL QUÍMICO E A DESCRIÇÃO DA COMPOSIÇÃO DO SISTEMA As propriedades de soluções diluídas são de grande importância para a fisiologia vegetal e, principalmente, nas relações de plantas com a água. Isto é evidente devido ao fato da vida ter surgido na água e que as reações metabólicas ocorrem na água, sendo esta o principal constituinte celular. Na célula, normalmente a concentração dos seus constituintes, sem contar as proteínas, é baixa, excetuando-se a acumulação de açúcares no néctar, na seiva do floema, ou em órgãos de reserva como os colmos da cana-de-açúcar, ou a acumulação de sais em plantas halófitas (Spanner, 1964). 39 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA sem mudanças de temperatura e principalmente de pressão. Caso haja variação da pressão, mais um componente (Pi) deve ser incorporado a fórmula do trabalho máximo, que pode ser obtido no sistema, em relação ao seu estado padrão. Portanto, a definição da capacidade máxima de produzir trabalho no sistema, composto por uma solução da substância i, será dada por: Wmáx = µiA = µi 0 + RT ln ai miA + Pi (eq. 1.25) Na verdade, deveriam ser incluído o termo “migh”, que é a contribuição gravitacional, e o termo “ziFE”, que é a contribuição elétrica (importante para estudos com eletrólitos), segundo Nobel (1999). 1.8 • A TERMODINÂMICA E A RELAÇÃO DE TECIDOS VEGETAIS COM A ÁGUA Este é um assunto de grande interesse para a fisiologia vegetal, pois a água na célula, como já foi comentado, é fundamental para as reações bioquímicas e, conseqüentemente, para a atividade metabólica celular. Portanto, o estudo sobre os mecanismos que controlam a entrada e saída da água na célula permite uma melhor compreensão do comportamento celular. Desde o reconhecimento da importância das forças osmóticas para o movimento de água em tecidos, na primeira metade do século XIX, grandes avanços foram feitos, como a determinação da participação da pressão de turgescência no controle do movimento da água, que é mantida pelas propriedades elásticas da parede celular, avanços feitos no começo deste século (Pfeffer, 1912), assim como as suas implicações, pelo ajuste destas propriedades elásticas e/ou do potencial osmótico, em processos de adaptação ambiental da célula (Dainty, 1976; Bolaños & Edmeades, 1991; Newman, 1995), ou ainda sobre o transporte “passivo” da água pelas membranas celulares, via canais, as aquaporinas (Maurel, 1997). Este transporte é considerado “passivo”, pois o movimento de água é determinado principalmente pelos gradientes hidrostático (∆P) e osmótico (∆π); porém, foi gasta energia metabólica para gerar este gradiente. Como foi visto anteriormente, o critério para estabelecimento do equilíbrio da água num sistema é a igualdade do potencial químico da água nas diferentes fases do sistema: µaapoplasto = µaparede celular = µacitoplasma = µavacúolo. Para que haja movimento de água entre duas fases, µaA - µaB> 0 e, neste caso, o trabalho máximo obtido no sistema seria dado por: Wmáx = µaA - µaB 42 CARLOS PIMENTEL = RT ln aa maA / aa maB. Porém, esta fórmula foi deduzida para solutos e, no caso da água, não há significado em falar-se da molalidade da água. Por isto, deve-se reformular o trabalho máximo obtido num sistema aquoso. Pode-se fazer isto através do uso do componente osmótico existente entre as fases: πA, na fase A e πB na fase B, sendo que neste caso haverá transferência de ∂na moles de água, envolvendo uma variação de volume (a), e portanto o trabalho realizado na fase A é igual a πA a ∂na, e o trabalho aplicado na fase B é igual a πB a ∂na (Slavik, 1974). Assim, o trabalho máximo obtido no sistema é igual a: Wmáx = µaA - µaB = - ( πA a ∂na - πB a ∂na) (eq. 1.26) O sinal negativo foi introduzido pois, quanto maior for a pressão osmótica de uma fase, menor será o potencial químico da água nesta fase e vice-versa, ao contrário do potencial químico do soluto, gerador daquele potencial osmótico, que é proporcional ao potencial osmótico da solução (vide a discussão sobre o uso da molaridade para descrição da composição de um sistema em termos do soluto ou do solvente água). O potencial químico da água num sistema varia em sentido oposto ao do potencial químico do soluto que compõe o sistema. Pode-se dizer que, numa solução de um único soluto, se o sistema estiver em equilíbrio, na∂µa- ni∂µi = 0 (sob T e P constantes). Portanto, na fórmula deduzida no tópico anterior, o termo RT ln aa maA, pode ser substituído por πA a (onde o termo ∂na foi eliminado pois não há variação de número de moles de água no sistema), e os termos zjFE (potencial elétrico, que afeta o potencial químico de partículas carregadas) e mjgh (potencial gravitacional, que afeta o potencial químico devido à força da gravidade principalmente no solo e em árvores) podem ser acrescidos, segundo Nobel (1999), e tem-se que: Wmáx = µaA = µa 0 - πA a + Pa + zjFE+ mjgh (eq. 1.27) onde zj é a carga da partícula, F é a constante de Faraday, E é a intensidade do campo elétrico, mj é a massa da partícula, g é a força da gravidade e h é a altura. Contudo, para a maioria dos vegetais, os dois últimos termos não influenciam o potencial químico da água, e a equação, segundo Kramer & Boyer (1995), pode ser simplificada para: Wmáx = µaA = µa0 - πA a + Pa (eq. 1.28) Pode-se perceber por esta equação 1.28 que o potencial químico padrão da água (µa 0) é aquele da água pura (πA = 0) e livre, isto é, quando 43 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA não há pressão sendo aplicada sobre ela e, por isso, tem a maior capacidade de gerar trabalho; em qualquer outro sistema onde haja a água, haverá forças atuando sobre a água (osmótica ou de pressão) e o potencial químico será menor. A água vai sempre se movimentar de uma fase onde esteja mais pura e livre para outra onde haja maior quantidade de solutos (Slavik, 1974). Passando o termo µa 0 para o outro lado da equação, e dividindo- se ambos os lados por a, ter-se-á: (µaA - µa 0) / a = P - πA (eq. 1.29) que é a formulação do potencial da água (Ψa) em vegetais, que também já foi chamado de potencial de sucção, potencial hídrico ou de déficit de pressão de difusão, onde o termo P corresponde à pressão de turgescência, e o termo π corresponde ao potencial osmótico (Dainty, 1976). No sistema solo, outro componente do potencial da água deve ser incluído, o potencial matricial (τ), que é devido à adsorção de água nos colóides do solo (a matriz), nas argilas e na matéria orgânica, em uma interface água/ar (no solo abaixo da capacidade de campo), pois no solo o conteúdo de água pode ser baixo e, conseqüentemente, a interface água/ar pode ser importante. A princípio, o componente matricial também existe nos tecidos vegetais, e é originado na parede celular e macromoléculas, mas não tem grande importância, e se considera que está embutido no componente osmótico, pois o conteúdo de água nos tecidos é alto (acima de 75% de peso, na maioria dos vegetais), não existindo esta interface água/ar (somente na câmara subestomática, onde a água se evapora, passando para a atmosfera, na fase gasosa), segundo Kramer & Boyer (1995). O valor de P é positivo, pois, na célula, por exemplo, é uma força exercida pela parede celular expulsando a água da célula (um bom exemplo de comparação é um balão de borracha, que é cheio de ar quando se sopra dentro dele, mas que expulsa o ar do seu interior, quando se pára de soprar), enquanto o π é negativo, assim como o Ψa, pois é uma força que atrai a água para dentro da célula. Esta formulação torna mais fácil a mensuração da capacidade de gerar trabalho do sistema, pois, em vez de energia, pode-se usar a pressão como unidade de medida, pois energia por volume é pressão. Tendo em vista que o potencial químico da água pura e livre é maior que o da água em outra condição, o valor µa A - µa 0 será sempre negativo e, por isto, o sinal do potencial da água (Ψa) é também negativo (Slatyer, 1967). 44 CARLOS PIMENTEL 47 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA A Planta e a Água Capítulo 2 2.1 • FUNÇÕES DA ÁGUA A água é uma das mais importantes substâncias na face da terra, e é essencial para a existência da vida, que muito provavelmente surgiu nos oceanos e depois migrou para a terra, que é um ambiente mais sujeito a estresses que os oceanos. Os gregos e chineses consideravam a água como um dos elementos básicos da origem do universo. Hoje se sabe que a disponibilidade de água não só limita o crescimento vegetal, como também a ocupação humana e vegetal, na Terra e em outros planetas. A distribuição dos vegetais na superfície terrestre depende mais da disponibilidade de água que de qualquer outro fator ambiental (Tuner, 1986). Em áreas com grande disponibilidade de água, como nas florestas tropicais úmidas, encontra-se a maior diversidade biológica, e em áreas de baixa precipitação, como o Saara, tem-se a menor proliferação de vida. O conteúdo celular de água é superior a 90% na maioria dos tecidos vegetais de plantas herbáceas, chegando a mais de 95% em folhas de alface, em meristemas e em frutos; contudo, ela pode constituir apenas 5% da massa de certos liquens, esporos e sementes secas, o que lhes permite sobreviver longos períodos em condições de desidratação (anidrobiose) mas, para se tornarem metabolicamente ativos, um aumento do conteúdo de água é essencial para o seu desenvolvimento. A diminuição no conteúdo de água na célula, abaixo de um valor crítico, em geral em torno de 75%, provoca mudanças estruturais e, em última instância, a morte da célula (Teare & Peet, 1983). Além disso, em meio aquoso ocorre a difusão de minerais, solutos celulares e gases, tanto na célula quanto entre órgãos. A relativa alta permeabilidade da maioria das paredes e membranas celulares resulta numa fase contínua para a difusão e translocação de solutos na planta. A água é também um importante reagente ou substrato para reações celulares imprescindíveis para todo tipo de vida conhecida, como, por exemplo, a fotólise da água, que é o processo inicial da fotossíntese, e que sustenta toda a biosfera. Ela é também a fonte do oxigênio molecular existente na atmosfera, que é produzido na fotossíntese, assim como do hidrogênio para reduzir o CO2 a carboidrato. A vida só passou a ocupar o meio terrestre, mais adverso que o meio aquoso dos mares e lagos, após o enriquecimento da atmosfera em O2, e conseqüentemente, em O3, gerado pela fotólise da água, que absorve as ondas eletromagnéticas abaixo do ultravioleta, protegendo assim a célula contra mutações nocivas. A água, como meio, atua como um filtro para esses comprimentos de onda curtos, que são nocivos ao DNA. Outros processos, 48 CARLOS PIMENTEL como a hidrólise de macromoléculas, tais como a do amido em açúcares solúveis, são imprescindíveis na germinação de sementes ou na respiração noturna, quando não há produção de carboidratos pela fotossíntese, e a respiração de manutenção e, principalmente, a de crescimento, se mantêm. Outra função da água é a manutenção da turgescência celular, que sustenta a própria morfologia de plantas herbáceas, e que é essencial para o aumento de volume celular e crescimento do vegetal, abertura dos estômatos e movimentos de folhas e flores (Kramer & Boyer, 1995). 2.2 • PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS DA ÁGUA A importância da água para a biosfera decorre de suas propriedades físico-químicas únicas (Quadro 1), que já eram reconhecidas desde o século XIX, mas até hoje ainda persistem algumas dúvidas a respeito dessas propriedades. A água, com o seu peso molecular, só deveria existir, na temperatura ambiente, na forma de gás, e deveria ter um ponto de congelamento abaixo de -100°C. Contudo, ela existe como líquido na temperatura ambiente e seu ponto de congelamento é de 0°C. Ela possui, depois da amônia, o mais alto calor específico (0,0754 kJ mol-1 °C –1, a 25°C; que é a quantidade de energia requerida para aquecer um grama de água, de 14,5 a 15,5°C); o seu calor de vaporização é de 2,26 MJ kg-1, a 100°C, ou 40,7 kJ mol-1, o que, por unidade de massa, é o maior valor de calor de vaporização de qualquer líquido conhecido; e a sua tensão superficial é de 0,0728 N m-1 a 20°C, que é um valor bastante superior ao de outros líquidos (Nobel, 1999). A água também tem uma alta densidade, que é máxima a 4°C (menor volume da água), e o que é extraordinário é o fato da água expandir- se, assumindo uma estrutura mais organizada, ao congelar a 0°C e, por isso, o gelo tem um volume 9% superior à água líquida, o que explica porque o gelo bóia, como será discutido abaixo. 49 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA Quadro 1 • Propriedades físicas da água Propriedade Valor e unidade Calor de fusão 6,0 kJ mol-1 (a 0ºC) Calor de vaporização 40,7 kJ mol-1 (a 100ºC) Calor específico 0,0754 kJ mol-1ºC-1 (a 25ºC) Tensão superficial 0,0728 N m-1 (a 20ºC) Pontes de hidrogênio 20 kJ mol-1 (para cada uma) Ligação covalente (O-H) 464 kJ mol-1 (para cada uma) intereletrônica e internuclear, em moléculas muito próximas, como as pontes de hidrogênio, mas com menor intensidade. Assim, na planta, existe uma coluna de água contínua desde a raiz até a parte aérea que, sob alta transpiração e conseqüente tensão no xilema, pode ser rompida por um pequeno espaço no xilema, mas que se agrega quando a transpiração diminui, o que é a teoria de adesão-coesão do transporte de água até a parte aérea, que se mantém por até mais de 100m, como nas sequóias (Tyree, 1997). 2.3 • PROPRIEDADES DE SOLUÇÕES AQUOSAS E OUTRA DEDUÇÃO DO POTENCIAL DA ÁGUA NOS SISTEMAS BIOLÓGICOS A fisiologia vegetal dificilmente lida com sistemas compostos por água pura, pois, na maioria dos casos estudados, existem solutos dissolvidos na solução aquosa, seja no solo ou na planta e, na atmosfera, existem outros gases, além do vapor d’água. Como foi visto no primeiro capítulo, complementado com a discussão feita acima sobre as interações da água com outras moléculas do sistema, percebe-se que, ao se adicionar solutos à água, diminui a sua (da água) atividade, e conseqüentemente o seu potencial químico e a sua pressão parcial de vapor na solução, pois esta fica diluída pela adição de solutos. Ela fica mais retida pelas interações eletrônicas com estes solutos, dificultando a sua movimentação para fora deste sistema, por exemplo. Quando se fala na atividade de uma substância e, conseqüentemente, na sua concentração, se pensa na atividade de um soluto numa solução porém, pode-se avaliar também a atividade, ou concentração, do solvente, que é diminuída pela adição do soluto. A água está mais concentrada, com máxima atividade, quando está pura e livre do que com a adição de um soluto; nestes dois sistemas, quando postos em contato, a água vai se movimentar de onde está mais concentrada (pura) para onde está diluída pelos solutos, e menos concentrada (Slavik, 1974). Isto pode ser visto pela lei de Raoult, que estabelece uma proporcionalidade entre a pressão parcial do solvente água numa solução (e), e a fração molal do solvente água (Na), para soluções de solutos não dissociados, mas que pode ser usada para soluções diluídas (Chagas, 1999). E portanto: e = eo Na = eo (na / na + ns) (eq. 2.1) onde e é a pressão parcial do solvente água, na solução, e0 é a pressão parcial do solvente água pura, na é o número de moles do solvente água na solução e ns é o número de moles do soluto. Esta equação só é aplicável para soluções molais diluídas, com um mol ou menos por 1000g de água. Esta equação 52 CARLOS PIMENTEL apresenta mais uma justificativa de que o valor da pressão parcial da água em soluções e, conseqüentemente, o seu potencial químico sejam menores que o da água pura e livre, pois a adição de solutos diminui a fração molal da água na solução (Na), visto que o número de moles do soluto (ns) é um valor do denominador da equação (Pauling, 1970). A equação de Raoult mostra que a adição de solutos à solução aquosa diminui o potencial químico da água proporcionalmente à quantidade de moles do soluto adicionados. Assim, a água vai sempre se mover de um sistema onde esteja mais concentrada, com menos solutos, para um sistema onde ela esteja menos concentrada, ou seja, com mais solutos. A adição de solutos num sistema vai atrair a água do meio, onde ela esteja mais concentrada. Por isto, pondo-se água pura em um cilindro, conectado a um outro cilindro de mesmo diâmetro e volume, com uma solução aquosa, e sendo estes cilindros separados por uma membrana permeável à água mas impermeável ao soluto, a água pura irá passar para a solução, devido ao gradiente de fração molal da água, que é menor na solução. Se uma pressão for aplicada ao cilindro com a solução, para conter o aumento do volume deste cilindro, devido à entrada da água, esta pressão será igual à pressão osmótica da solução (Π) que, por sua vez, é igual, em módulo, ao potencial da água na solução (-Ψa,sol), que é composto somente por seu potencial osmótico (-Ψπ). Este é o princípio do osmômetro. Deve-se ressaltar que existe muita controvérsia no uso dos termos “pressão osmótica” e “potencial osmótico”. A pressão osmótica é aquela pressão gerada no osmômetro, quando em contato com a água pura e, portanto, uma solução isolada não tem pressão osmótica, e ela só apresentará esta pressão quando colocada no osmômetro. Já o potencial osmótico é o valor negativo desta mesma quantidade, que é um componente do potencial da água, e também é negativo, segundo Nobel (1999). Portanto, a pressão osmótica será referida como Π e o potencial osmótico como -Ψπ (Ψπ = -Π). Van’t Hoff desenvolveu uma equação, relacionando a pressão osmótica à concentração do soluto (Pauling, 1970), que é expressa por: Π V = nsRT (eq. 2.2) ou, como visto no final do Capítulo 1, expressando esta equação, em termos da atividade da água (aa): Π a = RT ln aa (eq. 2.3) onde Π é a pressão osmótica, em megapascal (MPa), V é o volume do solvente, em metros cúbicos, ns é o número de moles do soluto, R é a constante de gases (8,32 x 10-6 MPa m3 mol-1 K-1), K é a temperatura, em 53 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA graus Kelvin e, na segunda forma da equação, a é o volume parcial molal da água e aa é a atividade da água. Esta segunda expressão da equação de Van’t Hoff pode ser usada para o cálculo da pressão osmótica (Π) e, com sinal negativo, do potencial osmótico (Ψπ) de qualquer solução (Kramer & Boyer, 1995). A atividade da água (aa) é igual a γa Na, onde γa é o coeficiente de atividade da água e Na é a sua fração molal. A fração molal da água em uma solução (eq. 2.1), com vários solutos dissolvidos, pode ser expressa por: Na = na / (na + Σ nj) = (na + Σ nj - S nj) / (na + Σ nj) = = 1 - [Σ nj / (na + Σ nj)] (eq. 2.4) onde Σ nj é o somatório do número de moles de cada um dos solutos existentes na solução. Para uma solução ideal, γa é igual a um e, em uma solução diluída, esta também pode ser considerada como sendo igual à unidade, pois na é muito maior que o Σ nj. Usando a eq. 2.3, assumindo que a solução diluída é ideal, obtém-se a seguinte relação para ln aa: ln aa = ln Na = ln 1 - [Σ nj / (na + Σ nj)] (eq. 2.5) que pode ser aproximada como: ln aa ≅ Σ nj / (na + Σ nj) ≅ -Σ nj / na (eq. 2.6) pois o ln (1-x) = -x - x2 / 2 - x3 / 3 -… é uma série que converge para |x| muito menor que 1 e, portanto, o ln [1 - Σ nj / (na + Σ nj)] pode ser considerado como sendo quase igual a -Σ nj / (na + Σ nj). Sendo o na muito maior que Σ nj (solução muito diluída), pode-se dizer que -Σ nj / (na + Σ nj) é aproximadamente igual a -Σ nj / na (Nobel, 1999). Nesse caso, o cálculo correto da pressão osmótica de uma solução pode ser feito usando a eq. 2.3, como sendo: Π = RT / a ln 1 - [Σ nj / (na + Σ nj)] (eq. 2.7) que, por sua vez, pode ser calculado com um valor aproximado, segundo Nobel (1999): ∏ ≅ RT / a (- Σ nj / na) ≅ RT (Σ nj / ana) ≅ RT Σ Cj (eq. 2.8) sendo este último uma expressão da concentração molal dos solutos j (Cj), em moles de j por quilo de água. Portanto, pode-se calcular o Ψπ de uma solução (que é igual a - ∏), através da equação 2.7 ou, mais simplesmente, com uma boa aproximação para as soluções diluídas, através da equação 2.8, que é conhecida como relação de Van’t Hoff (Kramer & Boyer, 1995; Nobel, 1999). 54 CARLOS PIMENTEL (Slatyer, 1967; Dainty, 1976). Por isto, o potencial da água em tecidos vegetais é controlado por: -Ψa(na planta) = - Ψπ + ΨP (eq. 2.11) O último sistema a ser estudado nas relações da água com os vegetais, mas que exerce grande influência no movimento da água no continuum solo- planta-atmosfera é a atmosfera, onde o potencial da água é dado pela pressão parcial da água em relação aos outros gases da atmosfera. Nesse sistema, deve- se ressaltar que a pressão de vapor da água máxima, que pode ocorrer na atmosfera, é dependente da temperatura, na chamada curva do ponto de orvalho (Nobel, 1999). Com o abaixamento da temperatura, diminui esse valor máximo e, assim, parte da água que estava no estado gasoso (se a atmosfera tiver alta umidade relativa) pode passar ao estado líquido, como na formação do orvalho com as baixas temperaturas noturnas. Com o aumento da temperatura, durante o dia, aumenta o valor da pressão de vapor máxima do ar e, conseqüentemente, aumenta a vaporização da água líquida até o limite dado pelo valor da pressão de vapor máxima, equivalente a 100% da umidade relativa para aquela temperatura. Assim, o potencial da água na atmosfera pode ser calculado em função da umidade relativa do ar, a uma dada temperatura, como mostrado na equação 1.31 (Ψa(na atmosfera) = -RT / a ln UR%) (Slatyer, 1967; Milburn, 1979). Deve-se ressaltar que a umidade relativa do ar é dada em porcentagem da máxima pressão parcial de vapor de água, naquela temperatura. A diferença entre a pressão parcial atual da água e a pressão parcial máxima da água (100%), o chamado déficit de pressão de vapor de água (DPV), que diminui o potencial de água na atmosfera, é proporcional à temperatura ambiente. Quanto mais alta for a temperatura do ar, maior a quantidade de água, no estado de vapor, que a atmosfera pode manter. Por isso, o DPV, para o mesmo valor de UR%, a 20°C, é menor que a 30°C, por exemplo (Tabela 1). 2.5 • A CÉLULA EM RELAÇÃO À ÁGUA A célula é a estrutura básica de todos os organismos, porém a organização dos vegetais pode variar desde simples estruturas unicelulares a complexas estruturas multicelulares, com inúmeros órgãos e atividades fisiológicas bastante distintas. Com a maior complexidade dos organismos, o sistema de absorção de água também se torna mais sofisticado, pois a água se movimenta por maiores distâncias, deve ser estocada em compartimentos específicos, e o vegetal deve controlar a sua absorção e perdas para o meio 57 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA onde está se desenvolvendo. Contudo, a célula, mesmo nos organismos mais complexos, continua sendo a unidade central que controla as respostas do vegetal à disponibilidade de água no solo e na atmosfera, e a variação das características físico-químicas dela resulta em aclimatação do vegetal ao meio ambiente. Este controle das características físico-químicas da célula e do vegetal, e sua conseqüente aclimatação (fenotípica) ou adaptação (genotípica) são maiores ou menores segundo a espécie e variam também entre genótipos de uma mesma espécie (Kramer & Boyer, 1995). A célula vegetal é constituída do citoplasma, com múltiplas organelas (vacúolos, cloroplastos, mitocôndrias etc.), que é envolvido por uma membrana, a plasmalema, e pela parede celular. O conjunto formado por citoplasma e plasmalema é chamado de protoplasma. A parede celular é composta por lamela média, parede primária e parede secundária. A lamela média é constituída de pectina, que é formada por vários compostos, sendo os mais importantes são os ácidos poligalacturônicos que, por possuírem cargas negativas, responsáveis pela capacidade de troca catiônica (CTC) do apoplasto (que é o espaço exterior à plasmalema, dentro do tecido vegetal), que nas raízes é chamado espaço livre de Donnan. A parede primária já se desenvolve em células jovens, e é composta por uma estrutura porosa, constituída de microfibrilas de celulose (em torno de 10 nm de diâmetro) com baixo grau de polimerização, e de hemicelulose (xilanos em monocotiledôneas e xiloglucanos em dicotiledôneas), que são embebidas numa matriz de oligossacarídeos e algumas proteínas estruturais, principalmente glicoproteínas, o que demonstra que existe atividade metabólica na lamela média e na parede primária. As microfibrilas provêem a força tênsil da parede e a matriz mantém as microfibrilas interligadas numa forma organizada. A orientação das microfibrilas controla o crescimento celular para determinadas direções e, quando a célula pára de crescer, camadas adicionais de parede celular (parede secundária) são depositadas entre a plasmalema e a parede primária. Esta parede secundária contém celulose com alto grau de polimerização, com menos hemicelulose e proteínas que a primária, além de ligninas, principalmente em monocotiledôneas, suberinas, mais em dicotiledôneas (Zeier et al., 1999), e outros compostos, que dão as características especiais de rigidez e impermeabilidade próprias às árvores, cascas de castanhas e outros tecidos vegetais (Sattelmacher, 2001). Devido a estas diferenças na composição da parede celular de mono e dicotiledôneas, estas últimas têm maior concentração de pectinas, compostas por ácidos poligalacturônicos, com 58 CARLOS PIMENTEL cargas negativas que retêm cátions e, por isso, têm a capacidade de troca catiônica (CTC) duas a três vezes maior que as monocotiledôneas. Nas dicotiledôneas, há uma maior dificuldade de penetração de cátions, sendo elas também mais sensíveis à toxidez de Al+3, e uma maior exclusão de ânions, como o H2PO4 -, que é limitante na maioria dos solos tropicais (Marschner, 1995). Isso mostra que o movimento de íons no apoplasto é caracterizado por interações eletrostáticas com a parede celular e no chamado Espaço Livre Aparente (ELA), que corresponde a mais ou menos 5% do volume da raiz. O ELA é dividido em Espaço Livre de Donnan (ELD), onde a água e os íons interagem com as cargas da parede, e o Espaço de Água Livre (EAL), onde o movimento de água e de íons não é influenciado pelas cargas negativas da parede. A relação entre o ELD e o EAL é de 20% para 80%, e o ELD é responsável pela CTC da raiz, que não é constante, variando com o ambiente, e é regulada por enzimas como a pectina metilesterase (PME). As pectinas da parede celular têm uma grande influência na condutividade hidráulica da raiz e, em conjunto com a extensina, afetam a elasticidade da parede (Sattelmacher, 2001), que vai controlar a expansão celular (Neumann, 1995), como será visto adiante, com a equação de Lockhart para o crescimento. Na parede celular existem dois tipos de poros: uns mais largos, os plasmodesmos, preenchidos por protoplasma, que conectam as células adjacentes, permitindo o transporte de solutos e água; e outros menores (0,3 a 6,5nm) e mais numerosos. Estes últimos podem ter controle de sua abertura para contato com o exterior celular, permitindo a passagem de água e pequenos solutos, como açúcares, aminoácidos, lipídeos e pequenas proteínas, e são chamados de canais e bombas iônicas (Stryer, 1995). Os plasmodesmos são usados no transporte, de célula a célula, simplástico de água em tecidos vegetais e os canais iônicos, principalmente as aquaporinas (vide abaixo), são usados no transporte, de célula a célula, de água em plantas (Steudle & Peterson, 1998), como será discutido no próximo capítulo. Já a membrana celular, formada por uma dupla camada de fosfolipídeos e algumas proteínas intrínsecas e extrínsecas (canais iônicos, ATPases, receptores membranares etc.), permite uma certa difusão da água, mas não para os solutos, que são transportados através dos canais e bombas iônicas específicos, localizados na membrana celular. Estes canais e bombas podem ter um gasto de energia direto no processo de transporte, como nas bombas de prótons, ou indireto, na geração do gradiente eletroquímico 59 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA através do plasmodesma, havendo uma unidade do chamado simplasto, que é o espaço intracelular, nos tecidos vegetais adjacentes. Já espaço extracelular à plasmalema, nas paredes celulares e entre estas, é chamado de apoplasto (Teare & Peet, 1983), como foi dito anteriormente, e será discutido no próximo capítulo, para o transporte de água na raiz. Contudo, sob desidratação ou salinização, o balanço osmótico celular é dificilmente mantido, devido à perda de água para o meio externo pela transpiração, sem reposição pela absorção radicular e, assim, a concentração de solutos celulares aumenta passivamente, devido à diminuição do conteúdo de água celular (Morgan, 1984). Este processo deve ser ressaltado para diferenciá-lo do processo de ajustamento osmótico, que será discutido nos próximos capítulos, em que há gasto de energia para a acumulação de solutos (Passioura, 1986). Outrossim, com a diminuição do conteúdo de água celular, devido ao estresse, a estrutura celular é alterada e a plasmalema e o tonoplasto sofrem a ação de enzimas hidrolíticas, tais como lipases, proteases, peroxidases e outras (Vieira da Silva, 1976). As ações dessas enzimas, ativadas sob desidratação, causam alteração da composição membranar, da sua seletividade para os solutos e da sua fluidez, permitindo a extrusão de solutos (Pimentel et al., 2000). Com o estado avançado de desidratação, estas membranas podem se romper, ocorrendo a descompartimentalização celular. Este efeito sobre as membranas celulares é variável segundo as espécies e mesmo dentro de uma espécie, sugerindo que a tolerância celular à desidratação pode ser determinada, em parte, pelas propriedades físico-químicas das suas membranas, principalmente do grau de saturação de seus fosfolipídeos, que vai diminuir a vazão de íons e o seu rompimento (Vieira da Silva, 1976). Para que haja expansão celular, o componente de pressão do potencial da água na célula, o ΨT, gera a turgescência celular para promover o crescimento, considerado como sendo o aumento irreversível no volume celular, mas não é o único fator de controle do crescimento. O crescimento é dependente da turgescência celular, mas também depende do coeficiente de extensibilidade de parede, que é controlado pela célula e, portanto, o crescimento é determinado pela equação de Lockhart: C = m (P - Y) (eq. 2.12) onde m é o coeficiente de extensibilidade de parede celular, que é controlado pela célula (Neumann, 1995), P é o potencial de turgescência atual da célula, e Y é o potencial de turgescência mínimo requerido para iniciar a expansão irreversível da parede celular (Poljakoff-Mayber & Lerner, 1994). Isto é, se a 62 CARLOS PIMENTEL parede celular enrijecer, não adianta ter uma alta pressão de turgescência, pois não poderá haver aumento irreversível de volume e conseqüente crescimento. Por isso, a avaliação do ajustamento osmótico (acumulando ativamente mais solutos no interior da célula e, por consequência, abaixando o seu Ψπ, à medida que a disponibilidade de água e o Ψa diminuem), como indicador de tolerância à seca para o melhoramento vegetal, não se correlaciona com a produtividade do milho, sob deficiência hídrica (Bolaños & Edmeades, 1995). Provavelmente isto ocorre porque o principal mecanismo de adaptação está ao nível da composição de parede e do seu ajuste de extensibilidade. Os genótipos que podem reduzir a extensibilidade da parede terão um Ψπ superior, menos negativo, mas conseguem continuar a absorver água, pois mantêm o volume celular e, com isso, precisam acumular menos solutos para promover a entrada de água na célula (Pimentel, 1999). 63 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA 64 CARLOS PIMENTEL A Água no Sistema Solo-Planta-Atmosfera (SSPA) Capítulo 3 Lembrando que a condutância (g ou Lp) é o inverso da resistência (R), g = 1 / R. Para a análise de fluxos na planta, e dela com o meio, atualmente, se usa unidades de condutância da água (Tsuda & Tyree, 2000), nas diferentes partes do SSPA, em vez das unidades tradicionais de resistência (Slatyer, 1967; Sutcliffe, 1971; Winter, 1976). Isto porque, freqüentemente, depara-se com valores de condutância nula, como quando os estômatos estão fechados, e se os fluxos de H2O e de CO2 na planta fossem analisados em função da resistência à passagem destes, como se fazia até a década de 80, ter-se-ia freqüentemente valores próximos de infinito (1/0 = ∞), o que dificulta os cálculos e a expressão dos resultados. Outrossim, a ascensão de água na planta ainda é explicada pela teoria da coesão-adesão da água, apesar das críticas feitas recentemente (Zimmerman et al., 1994), mas que não foram comprovadas (Tyree, 1997; Steudle, 2001). Deve ser ressaltado que, anteriormente, achava-se que, no SSPA, o único ponto de controle do transporte de água era pela modulação da condutância estomática (gs), e que a Lp da raiz e do xilema eram constantes. Porém, hoje se sabe que tanto a Lp da raiz como do xilema podem ser moduladas pela planta (Figura 1), como será discutido a seguir, dependendo do DPV do ar e da disponibilidade de água no solo (Steudle, 1994, 2000, 2001; Hartung et al., 2002) 3.2 • O TRANSPORTE DA ÁGUA NO SSPA A difusão é um processo espontâneo de movimento de uma substância, no estado líquido ou gasoso, de um local para outro adjacente, onde a atividade da substância em questão é menor (Nobel, 1999). Em 1855, Adolph Fick foi o primeiro pesquisador a examinar quantitativamente o processo de difusão, com base na diferença de concentração da substância, que resultou na equação da densidade de fluxo, em função da força motriz, que no caso é o gradiente de concentração (o termo RT ln ai, da equação 1.23, para determinar-se o µi) entre os dois locais, a chamada 1 a lei de Fick (Kramer & Boyer, 1995): Ji = -Di δci / δx (eq. 3.1) onde Ji é a densidade do fluxo da substância i, ci é a concentração da substância i, x é a direção do fluxo e Di é o coeficiente de difusão da espécie i. 67 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA Em 1856, Henri Darcy reconheceu que o fluxo de água no solo era função do gradiente de pressão hidrostática (neste caso, o termo Pa, da equação 1.27, para determinar-se o µa), cuja equação ficou conhecida, segundo Nobel (1999), como lei de Darcy: Jv = -Lpsolo ∂Psolo / ∂x (eq. 3.2) onde Jv é o volume da solução que atravessa a unidade de área estudada por unidade de tempo, Lpsolo é o coeficiente de condutividade hidráulica do solo e Psolo é a pressão hidrostática do solo. Para descrever quantitativamente o movimento de fluidos no xilema, Gotthilf Hagen, em 1839 e, independentemente, Jan Poiseuille, em 1850, determinaram uma equação para tubos cilíndricos, também em função do gradiente de pressão hidrostática (neste caso, também é o termo Pa, da equação 1.27, para determinar-se o µa), conhecida como lei de Poiseuille, segundo Nobel (1999), cuja equação é: Jv = -r 2 / 8η ∂Psolo / ∂x (eq. 3.3) onde Jv é o volume da solução que passa pelo cilindro por unidade de tempo, r é o raio do cilindro e η é a viscosidade da solução. Esta equação prevê que o fluxo de água, nos poros do solo, se daria como em cilindros alinhados na direção do fluxo e, no xilema, o fluxo de água se daria em lâminas ou camadas, sem turbulência. Atualmente se sabe não ser esta a realidade para o fluxo de água tanto no solo como no xilema, e, portanto, esta equação 3.3 não é mais muito usada, pois os valores de densidade de fluxo obtidos pela equação são muito diferentes dos reais valores, medidos com os equipamentos modernos, que não existiam antigamente (Nobel, 1999). Outrossim, hoje sabe-se que a Lp da raiz e do xilema são variáveis (Steudle, 1994; 2000), e não estáticas como se pensava, em função do Ψa do solo e da atmosfera, da via de absorção de água na raiz, da atividade das aquaporinas, da tensão de água no xilema e da sua composição, entre outros fatores (Rieger & Litvin, 1999; Barrowclough et al., 2000; Zwieniecki et al., 2001; Javot & Maurel, 2002). Na célula, para a maioria dos vegetais, o transporte de solutos, de fora para dentro da célula, através da plasmalema, ocorre em conjunto com o transporte da água. Porém, para os solutos há gasto de energia metabólica no processo (direta ou indiretamente) para gerar o gradiente eletroquímico, que ativa os canais e bombas iônicas, e este transporte “ativo” é somado a uma fração negligenciável de transporte passivo desses solutos, e, portanto, o transporte de solutos é independente do movimento de água (Hose et al., 2001). Por isso, a condutividade hidráulica da plasmalema é considerada 68 CARLOS PIMENTEL quase que exclusiva para a água, com pequeno efeito sobre o transporte de solutos, e a densidade de fluxo de água (Jv) pode ser descrita, segundo Kramer & Boyer, (1995), pela equação: Jv = Lp (∆Ψa) (eq. 3.4) onde Lp é a condutividade hidráulica da célula ou do tecido vegetal em estudo, que é variável segundo a intensidade de transpiração (Steudle & Henzler, 1995; Zwieniecki & Holbrook, 2000; Cochard et al, 2002), e ∆Ψa é a diferença de potencial de água entre as duas fases em estudo. Para o movimento da água no sistema solo-planta-atmosfera, o principal processo, que gera os gradientes, é a transpiração, pois o maior gradiente possível de Ψa no SSPA é o que existe entre a folha e a atmosfera, visto que na atmosfera, a água está no estado gasoso, podendo ocupar um menor volume que no estado líquido ou sólido (não há formação de pontes de H+ no estado gasoso) e ocorre variação da pressão saturante de vapor d’água em função da temperatura ambiente (Angelocci, 2002). Por isto, a atmosfera pode ter os menores valores de Ψa deste sistema (vide Capítulo 2 e os valores apresentados na Tabela 1). Com a perda de água da planta para a atmosfera, há uma redução do Ψa da planta, que se torna mais negativo que o do solo, criando um gradiente para que haja o fluxo de água do solo para as raízes (Figura 1). Neste circuito, o principal ponto de controle do fluxo se situa ao nível dos estômatos, que respondem às variações do Ψa tanto do solo quanto da atmosfera (Aphalo & Jarvis, 1991), mas a Lp da raiz e do xilema também são alterados, em função destes valores de Ψa (Steudle, 2000; Hartung et al., 2002). Portanto, a planta pode sofrer uma deficiência hídrica causada pela atmosfera (quando o DPV é alto) ou pelo solo, quando há falta d’água, e ambas causam fechamento estomático (Schulze, 1986). Em última instância, a umidade relativa do ar, e mais precisamente o DPV do ar, controlam a transpiração, que por sua vez controla a absorção de água pela raiz (Frensch, 1997). Tendo em vista que, em clima tropical, existe um período longo do ano com baixa precipitação e temperaturas não muito baixas e, conseqüentemente, o DPV do ar é alto, as taxas de transpiração nesse período são bastante altas. Assim, a limitação ao fluxo de água no SSPA se situa ao nível da absorção da água pelo sistema radicular, pois o gradiente de Ψa, entre o solo e a raiz, e a condutividade radicular máxima (a água está no estado líquido) são bem menores que o gradiente e condutividade máximos entre a planta e a atmosfera (a água está no estado gasoso) (Kramer & Boyer, 1995). Por isso, mesmo em condições irrigadas, se a umidade relativa do ar for baixa, 69 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA A endoderme, com suas bandas de Cáspari, que se acreditava ser impermeável ao fluxo da água e de íons, não é mais considerada a maior barreira à passagem da água, e não é responsável pela baixa condutividade ao fluxo de água na raiz (Lpr), pois esta se distribui pelo córtex, desde a exoderme até a endoderme (Frensch, 1997; Steudle & Peterson, 1998). Além disso, a exoderme, quando existente, também forma bandas de Cáspari, e pode ser considerada uma barreira importante para a perda de água e íons, para a solução do solo, o que não era discutido nos estudos mais antigos (Blum, 1997; Rieger & Livtin, 1999; Zeier et al., 1999). Contudo, sob condições de alta transpiração, nas horas do dia de maior temperatura e DPV no ar, o fluxo de água, íons e ABA é aumentado, pela passagem destes compostos através da parede da endoderme, em um fluxo apoplástico (aumentando a Lp da raiz), desde a raiz até a câmara subestomática (Sattelmacher, 2001; Hose et al., 2001; e Hartung et al., 2002). Portanto, a exoderme e a endoderme diminuem o refluxo de íons acumulados no cilindro central e no córtex, dificultando a sua perda para a solução do solo. Acredita-se que a condutividade hidráulica seja distribuída por todas as células da raiz desde a exoderme (quando existente), em vez de se concentrar somente na endoderme, como se pensava anteriormente (Freundl et al., 1998; Steudle & Peterson, 1998). Espécies com raízes mais finas ou com córtex com menor número de células têm maior Lpr, e a extensão longitudinal do córtex parece ser mais determinante para a Lpr que o diâmetro da raiz. Além disto, o gradiente mínimo de Ψa, para gerar o fluxo de água, é mais de duas vezes superior em espécies possuindo a exoderme (laranja, aspargo e dendobrium) que naquelas sem exoderme (pêssego e soja). Portanto, estas características morfológicas parecem causar, em parte, a variabilidade de propriedades hidráulicas existente entre as espécies (Steudle & Peterson, 1998; Rieger & Livtin, 1999). Atualmente, acredita-se que a composição química da endoderme, e conseqüentemente a sua permeabilidade aos íons e à água, é variável, segundo seu desenvolvimento, e é diferente para mono ou dicotiledôneas. A composição das bandas de Cáspari da endoderme não é simples, e só atualmente vem sendo estudada, sendo provavelmente composta por lignina (em quantidades consideráveis, segundo Steudle, 2000), suberina, celulose e proteínas de parede celular (Zeier & Schreiber, 1999; Wu et al., 2003). Segundo Zeier & Schreiber (1999), as partes jovens das raízes de dicotiledôneas, mais próximas à coifa, apresentam a endoderme no seu estádio I de desenvolvimento, caracterizado por um 72 CARLOS PIMENTEL baixo conteúdo de suberina e lignina e alto conteúdo de carboidratos e proteínas. Já as partes mais afastadas e mais velhas (80% das raízes estudadas) se encontram no estádio II, inexistente em monocotiledôneas, caracterizado por alta deposição de suberina. As monocotiledôneas não apresentam este estádio II e passam a um estádio III, com grande deposição de lignina. Portanto, as monocotiledôneas podem ser caracterizadas por ter uma alta Lpr, sendo que essa deposição de lignina aumenta a estabilidade mecânica destas células; já as dicotiledôneas podem ser caracterizadas como tendo maior deposição de suberina e, conseqüentemente, tendo menor Lpr, pois a endoderme funciona como uma barreira mais significativa ao movimento de íons e água que nas monocotiledôneas. Contudo, hoje se sabe que há dois tipos de suberina, uma alifática e outra aromática. A primeira é mais hidrofóbica e a segunda é um polímero fenólico, como a lignina, esterificado com o ácido hidróxicinâmico, que é mais hidrofílico, como a lignina (Zeier & Schreiber, 1999; Steudle, 2000). Portanto, para discutir-se o fluxo de água na raiz, deve-se salientar também, como dito acima, que a endoderme não é mais considerada uma barreira à passagem da água, e não tem sempre a menor condutividade para o fluxo de água na raiz (Frensch, 1997; Steudle & Peterson, 1998). Quanto à exoderme (hipoderme com bandas de Cáspari), ela sempre foi pouco estudada e suas funções menos conhecidas (Zeier & Schreiber, 1999). Quando existente, ela se desenvolve depois da endoderme, a partir da hipoderme (Sattelmacher, 2001). A grande maioria das angiospermas possui exoderme suberizada, que apresenta, como a endoderme, três estádios de formação, e tem plasmodesmata na mesma freqüência da endoderme, sugerindo que o transporte simplástico em ambas é semelhante. A exoderme representa uma barreira protetora, do apoplasto do córtex para o solo, e pode ter condutividade variável para o fluxo de água e solutos, contribuindo substancialmente para a Lpr (Rieger & Livtin, 1999; Hose et al., 2001). Em raízes maturas, a endoderme pode ser a maior barreira limitante ao fluxo de água, principalmente sob baixas taxas de transpiração (Hose et al., 2001; Hartung et al., 2002), e a exoderme, quando existente, pode causar uma diminuição substancial do fluxo de água (Rieger & Litvin, 1999; Barrowclough et al., 2000), e pode prevenir a desidratação da raiz, quando o Ψa do solo é muito negativo (Sattelmacher, 2001). 73 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA Durante o desenvolvimento da raiz, a seletividade da exoderme pode mudar, como a da endoderme, e ela pode ter uma função crucial em manter o ABA no apoplasto do córtex que, por sua vez, sob aumento do fluxo de água, devido à alta transpiração, passa do simplasto para o apoplasto, causando aumento da Lpr, e é carreado, no apoplasto, pelo fluxo de água, através da parede celular da endoderme, para o cilindro central e xilema. Assim, sob alta transpiração o conteúdo de ABA no xilema se mantém o mesmo ou aumenta (Hartung et al., 2002). Tanto na exoderme como na endoderme, podem existir células de passagem, com bandas de Cáspari, mas menos suberizada, podendo permitir a passagem de solutos e água. Em Agave desertii, uma xerófita, a Lpr diminui com o dessecamento do solo, devido a um aumento da suberização na exoderme e na endoderme (Hose et al., 2001). Em arroz irrigado, a exoderme serve como proteção para evitar a perda de O2 do córtex para o solo inundado, mas a suberização da exoderme para evitar esta perda de O2 diminui também a passagem de água, podendo ocorrer deficiência hídrica no arroz irrigado, quando há alto DPV na atmosfera (Hose et al., 2001). Por outro lado, a exoderme, quando existente, pode ser mais suberizada, quando a raiz é submetida à deficiência hídrica, impedindo o fluxo de água do córtex para o solo, e as células de passagem destas células são fechadas à passagem de água (Steudle, 2001). A água é uma molécula pequena que pode passar, sob alta disponibilidade de água, através das bandas de Cáspari da exoderme e da endoderme, junto com solutos, como íons, ABA e mesmo PEG (Hose et al., 2001), conforme a Figura 3. Contudo, o maior fluxo de solutos e água se dá pela plasmalema da endoderme, no transporte simplástico, o que permite uma seletividade (Steudle & Henzier, 1995). Porém, com o aumento da transpiração, aumenta a densidade de fluxo radial de água, e este fluxo é compartilhado entre a via simplástica e a apoplástica (discutidas abaixo), sendo esta última aumentada para compensar a perda de água pela transpiração (Hartung et al., 2002). O aumento do fluxo de água pela via apoplástica diminui a Lpr, e, a exemplo do ABA, os solutos dissolvidos podem passar pela parede nas bandas de Cáspari, por arraste do solvente, a água (Sattelmacher, 2001). Dentre estes solutos, o Ca+2, o PEG 1000, o ABA e citocininas apoplásticos podem atravessar as bandas de Cáspari (fluxo apoplástico até o cilindro central), aumentando ou mantendo a sua concentração no xilema quando aumenta a transpiração, o que pode ser benéfico, como o transporte de maior quantidade de ABA, para causar o fechamento dos estômatos na parte aérea (Hose et al., 2001; Hartung et al., 2002). 74 CARLOS PIMENTEL Além do aumento da superfície radicular promovido pelos pêlos radiculares, vários tipos de plantas são invadidos por fungos, que formam uma associação simbiótica chamada de micorriza, o que promove uma extensão da área e do volume radiculares. Esses fungos podem promover a mineralização e solubilização do fósforo e, em alguns casos, uma maior absorção de água (Kramer & Boyer, 1995). A quantidade de água absorvida pelo vegetal depende diretamente do volume de solo ocupado, da profusão de ramificações e de pêlos do sistema radicular (McCully, 1995), assim como das associações micorrízicas. Plantas de sistema radicular profundo, que exploram as camadas de solo mais próximas do lençol freático, são, em geral, mais adaptadas à seca que plantas com sistema radicular superficial. Segundo Milburn (1979), as xerófitas de desertos podem ter a parte aérea pequena e as raízes atingindo grandes profundidades (Alhagi: 25m de profundidade; Glycyrrthiza: 15m; Prosopsis: 20m e Andina [Brasil]: 19m) ou grande raio (Tamarix: 40m de raio e Larrea: 27m), para aumentar a captação de água. Assim sendo, quando há alta disponibilidade de água no solo e o DPV do ar é baixo (baixa taxa de transpiração), o maior fluxo de água ocorre na zona dos pêlos radiculares, pelo transporte célula a célula simplástico, e a menor espessura da raiz, assim como a inexistência da exoderme, aumenta a sua Lp (Rieger & Litvin, 1999). Quando o DPV é alto (alta taxa de transpiração), o transporte de água passa a ser principalmente apoplástico, o que aumenta a Lp (Hartung et al., 2002). Porém, sob desidratação do solo, a zona suberizada das raízes, acima da zona de pêlos radiculares, passa a ter maior importância na absorção de água (Steudle, 2001), com o transporte de água célula a célula transmembranar, pela ativação das aquaporinas (Javot & Maurel, 2002). Como foi dito anteriormente, as taxas de transpiração de um vegetal de clima tropical são em geral superiores, principalmente nas horas mais quentes do dia, às taxas de absorção de água. Por isto, apesar do sistema radicular não ser um órgão colhido na maioria das culturas e o seu maior desenvolvimento diminuir o índice de colheita (massa seca colhida x massa seca total da planta-1 x 100%) e a produtividade, a seleção de plantas com o sistema radicular mais eficiente na captação de água é de grande importância para a agricultura tropical, sem irrigação. As características de profundidade, volume, área superficial, longevidade e condutância hidráulica da raiz, entre outras, trazem aumento de produtividade, principalmente para uma agricultura tropical de baixo custo tecnológico (Duncan & Baligar, 1991). O 77 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA sistema radicular com maiores superfície de absorção e eficiência na aquisição de água é uma característica desejável para manter a estabilidade de produção, principalmente em épocas de baixa precipitação (Arnon, 1975). Muitos autores têm sugerido também que o sistema radicular funciona como um sensor primário da deficiência hídrica devido à diminuição do conteúdo de água do solo. Com o dessecamento deste, ocorrem mudanças no metabolismo radicular, tais como a diminuição da síntese de citocininas, aumento da síntese de ABA e distúrbios no metabolismo do nitrogênio, e os produtos dessas mudanças são exportados, via xilema, para a parte aérea, onde causarão mudanças no metabolismo, antes mesmo de ocorrer variação no conteúdo de água das folhas (Davies et al., 1990). A variação do conteúdo de água do solo também causa mudanças na condutividade hidráulica da raiz (Lpr) e, conseqüentemente, no gradiente longitudinal de pressão hidráulica entre a raiz e a parte aérea, que também interfere na atividade fisiológica da parte aérea (Tyree, 1997). Estes componentes hidráulicos também são considerados como sinais entre a raiz e a parte aérea. Portanto, esses sinais, químicos e físicos (fitormônios, compostos orgânicos e alterações da Lpr e do gradiente de Ψa), funcionam como mensageiros primários entre a raiz e a parte aérea, para indução de mudanças fisiológicas, complexas e interativas, da parte aérea, tais como a redução do crescimento, fechamento estomático para redução da transpiração, e aumento ou redução da atividade fotossintética (Frensch & Hsiao, 1994). A propagação das mudanças na condutividade hidráulica de plântulas de milho, medida em raízes com mais de 500mm de comprimento, ocorre em frações de segundo ao longo dessas raízes (Frensch, 1997). A raiz, no SSPA, apresenta baixa condutância ao fluxo de água, e as propriedades hidráulicas das raízes podem ser descritas por dois parâmetros: a sua Lpr, que é a relação entre a densidade do fluxo e o gradiente de Ψa e o valor do gradiente mínimo de Ψa requerido para induzir o movimento de água (Passioura, 1988; Rieger & Livtin, 1999). O componente radial, mais do que o axial, do movimento de água na raiz limita a absorção de água pela raiz e próximo da coifa da raiz, onde os vasos condutores ainda não se diferenciaram, ambos os componentes, radial e axial, devem ser levados em conta (Steudle, 2001). Para a análise do balanço e do fluxo de água na planta, o componente de entrada de água pela raiz é tão importante quanto o de perdas de água pela parte aérea. Contudo, o conhecimento sobre o processo de 78 CARLOS PIMENTEL entrada é menor que aquele sobre as perdas, pois ao contrário da parte aérea, a arquitetura da raiz no solo é de muito mais difícil acesso. A morfologia e a anatomia da raiz devem ser levadas em conta e, além disso, existem interações entre os solutos (nutrientes) e a água, isto é, os processos osmóticos, que influenciam o fluxo de água, além do movimento puramente hidráulico (Kramer & Boyer, 1995). As raízes não são simplesmente “máquinas hidráulicas”, como no sistema hidráulico de uma casa. Os processos osmóticos, onde existe o transporte ativo de solutos pelos canais e bombas iônicos, e as interações com as paredes celulares complicam a análise do fluxo radicular. Por outro lado, a planta também não funciona como um osmômetro ideal (em analogia com uma célula e seu vacúolo), pois ocorre passagem de água e solutos (nutrientes e solutos de teste) no apoplasto, do córtex até o cilindro central, mesmo com a presença das bandas de Cáspari e a suberização da endoderme e da exoderme, podendo essas estruturas impedir o movimento de certos íons, dependendo da sua polaridade (Steudle, 2001). Além disso, com a falta de água no solo, o transporte transcelular, via aquaporinas, com gasto de energia proveniente da respiração radicular, é ativado (Javot & Maurel, 2002), o que complica mais a análise do fluxo de água nas raízes (Steudle, 2000). O transporte de água, via aquaporinas, é muito mais rápido que o de íons, por exemplo (Passioura, 1988). Por exemplo, no cálculo da densidade do fluxo de água pela equação de Poiseuille, utilizada anteriormente para descrever a velocidade do movimento de água num tubo capilar “como o xilema” (quando ainda não existiam instrumentos de medição de densidade de fluxo), tem-se valores maiores que aqueles medidos (Nobel, 1999). Isto ocorre porque, apesar do xilema ser composto por células sem citoplasma, existem interações da água com a parede celular e com os poros entre as células dos vasos do xilema (“pits”), que causam variações na Lp do xilema e, portanto, alteram o fluxo de água neste (Tyree, 1997). Além disso, existem hidrogéis no interior do xilema, formados por pectinas, que interferem com a Lp do xilema (Zwieniecki et al., 2001). Outro conceito que sofreu modificações recentes é o do apoplasto e simplasto da raiz, inicialmente proposto por Münch em 1930, que caracterizava o apoplasto como sendo o compartimento que inclui as paredes celulares e os espaços intercelulares da raiz até a endoderme, que era considerada impermeável à água, e o simplasto como sendo o contínuo de citoplasmas interconectados pelos plasmodesmos, até o cilindro central, 79 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA componente hidrostático também pode causar variação da densidade de fluxo em até três vezes, segundo a espécie e as condições ambientais (Steudle, 2001). Em plantas sob alta taxa transpiratória, o gradiente de pressão hidrostática entre o solo e xilema é grande e a Lpr é alta, o que facilita a absorção de água, pela via apoplástica, quando aumenta a demanda. Quando a transpiração é baixa, a Lpr diminui, a planta fica protegida de perdas excessivas de água e, nesse caso, o componente osmótico, nas vias de célula a célula, tem maior importância para o fluxo de água na planta (Steudle & Peterson, 1998). 3.5 • O XILEMA E O TRANSPORTE DE ÁGUA Os vegetais vasculares desenvolveram dois tipos de células para o movimento de água e solutos entre diferentes órgãos: as células do floema e as células do xilema. Em ambos os tipos de célula há uma perda do protoplasma, o que diminui a resistência ao fluxo de água, e no floema há também uma perda parcial ou total da parede celular entre células adjacentes. Neste sistema, o transporte de água para a parte aérea se dá principalmente pelo xilema (Esau, 1974), cujas células tem parede celular secundária espessa e lignificada, o protoplasma desaparece com a sua maturação (protoxilema passando a metaxilema) e, em alguns casos, ocorre a desintegração de algumas paredes celulares e redução das paredes restantes, que passam a ter poros (“pits”) ligando as células adjacentes, o que diminui o número de paredes celulares a serem transpostas pela água (Nobel, 1999). Dois tipos de células de condução de água podem existir no xilema: os elementos do vaso lenhoso, encontrados em angiospermas, e os traqueídeos, filogeneticamente mais primitivos, encontrados nas angiospermas, gimnospermas e plantas vasculares inferiores. Os traqueídeos são células fusiformes com paredes espessas e angulares, também contendo perfurações na parede entre dois traqueídeos. Já os elementos do vaso lenhoso são células menores e mais largas, com desintegração parcial ou total da parede transversal entre várias células-elementos, formando um vaso lenhoso que, por sua vez, no seu conjunto, forma o xilema (Esaú, 1974). Ao lado destes dois tipos de vasos condutores, existem células de parênquima e células fibrosas. Estas últimas são células finas com parede lignificada e contribuem para suportar a estrutura da planta. Já as células vivas do parênquima no xilema são importantes para estocar carboidratos e para o movimento lateral de água e solutos para dentro e fora das células condutoras, que tanto nos traqueídeos como nos elementos do vaso possuem pontuações nas paredes longitudinais, 82 CARLOS PIMENTEL para o movimento lateral de solutos e água. O diâmetro dos elementos do xilema pode variar de 8 a 500µm, e as células condutoras variam em comprimento de 1 a 10mm nos traqueídeos e de 0,2 a 3mm nos elementos do vaso, e cada vaso pode ter um comprimento que varia de 10mm a 10m (Steudle & Peterson, 1998). Devido à existência destas paredes perfuradas, e às vezes também da plasmalema, o transporte de água no xilema tem uma menor condutividade que um tubo, de mesmo diâmetro, sem essas paredes celulares dos elementos do vaso lenhoso. Esta menor condutividade não impede o fluxo de água para a parte aérea, sendo que a condutividade radial na raiz é mais importante (70 a 90% do controle do fluxo na planta) que a condutividade longitudinal (10 a 30% do controle), e a primeira é que controla a absorção de água (Steudle & Peterson, 1998). Zwieniecki et al. (2001) sugerem que os poros entre os vasos lenhosos são alterados pelo intumescimento de pectinas, conhecidas como hidrogel, o que faz variar a condutividade hidráulica do vaso. A menor condutividade longitudinal no xilema, comparada a um tubo contínuo, diminui o fluxo de água, em condições de alta demanda transpiratória, impedindo a quebra da coluna de água. Por isso, deve-se ressaltar que devido a essa disrupção da continuidade do fluxo causada pela passagem da água através das plasmalemas e poros das paredes celulares entre as células dos vasos do xilema, o fluxo de água em tecidos vegetais freqüentemente é bastante diferente dos valores calculados pela equação de Pouiseuille, usada para tubos capilares (Teare & Peet, 1983; Frensch, 1997; Nobel 1999). Segundo cálculos apresentados por Steudle & Peterson (1998), um metaxilema de uma raiz de milho tem um diâmetro de 23µm, e teria uma resistência hidráulica por metro de comprimento, segundo a equação de Pouiseuille, de 1,4 x 1011 MPa s m-3. Porém medições in situ da condutividade hidráulica de membranas de células corticais, extrapoladas para apenas uma membrana celular do xilema, dariam uma resistência de 3,4 x 1015 MPa s m-3, o que equivaleria a um cilindro sem membranas de 24km (Nobel, 1999). A teoria da ascensão da água por capilaridade no xilema é baseada no fato da atração água-parede celular (força de adesão) ser considerável, quando comparada com a coesão entre as moléculas de água, ocorrendo assim a ascensão da água (num tubo de pequeno diâmetro), no processo chamado de capilaridade. Devido à força gravitacional, ocorre uma depressão do líquido no centro do tubo, com a formação de um menisco, com um ângulo de contato inclinado em relação à parede do tubo (α), que depende do raio do tubo (r) e do material do qual é feito o tubo, que vai gerar as forças de coesão- 83 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA tensão com as moléculas de água (um tubo de polietileno tem α = 94° e de parafina tem α = 110°). A altura que um líquido ascende por capilaridade (h) depende da sua densidade (ρ), da força da gravidade (g) e da tensão superficial da parede do tubo (σ), e é calculada pela equação: h = (2 σ cos α) / (r ρ g). Contudo essa força capilar pode ser suficiente para explicar a ascensão de água no xilema de plantas de pequeno porte mas, para que a água atinja o topo de uma árvore de 30m de altura, o raio do xilema deveria ser de no máximo 0,5mm, o que é um valor muito menor que o encontrado para estas árvores (Nobel, 1999). A principal teoria para explicar a ascensão da água pelo xilema é a teoria da coesão-tensão da água, proposta no século passado. Recentemente, Balling & Zimmermann (1990), usando uma sonda de pressão no xilema, criticaram essa teoria para o transporte de água quando o Ψa é menor que -0,6 MPa. O problema com as medições do Ψa do xilema pela sonda de pressão é que a entrada da sonda no xilema sob tensão pode desequilibrar esta (Kramer & Boyer, 1995). Contudo, Tyree (1997), numa revisão baseada em vários estudos sobre a teoria da coesão-tensão e do uso da bomba de pressão, confirmou a validade da teoria da coesão-tensão, e das medições do Ψa do xilema com a bomba de pressão. Mais estudos são necessários antes que alguma conclusão definitiva possa ser tirada, porém, atualmente, a teoria da coesão-tensão é vista como a melhor explicação para a ascensão da água no xilema (Kramer & Boyer, 1995). Segundo a teoria da coesão-tensão, a água ascende pelo xilema sob tensão, onde o ΨT do xilema é menor que a pressão parcial de vapor da água, e a força que governa o movimento da água no xilema é gerada pela tensão superficial na superfície de evaporação da água na folha, essencialmente na câmara subestomática. Essa tensão é transmitida pela contínua coluna de água no xilema, desde a folha até o ápice radicular, e através de todas as partes do apoplasto em todos os órgãos do vegetal, como num circuito elétrico, para o fluxo da corrente elétrica (Tyree, 1997). A energia para o processo de evaporação da água provém do sol, que aquece a folha. Quando a energia térmica da folha é maior que o calor de vaporização da água, o tecido vegetal cede energia térmica para a água líquida, rompendo as pontes de hidrogênio entre as moléculas de água líquida, promovendo a sua passagem do estado líquido para o estado gasoso (Kramer & Boyer, 1995). As pontes de hidrogênio da molécula da água são responsáveis pelo seu alto calor de vaporização, pelas forças de adesão entre as suas moléculas e pela tensão superficial com as paredes do xilema (vide Capítulo 2). 84 CARLOS PIMENTEL função é minimizar as perdas de água da folha, quando os estômatos estão fechados (Chamel et al., 1991). Na epiderme podem ocorrer pêlos, chamados de tricomas (Figura 5), que podem ter uma função de diminuir o aquecimento da folha e a evaporação da água ou, nas plantas halófitas, de extrusão de sais para a superfície das folhas (Poljakoff-Mayber, A. & Lerner, 1994). O mesófilo é constituído pelo parênquima paliçádico, que são 87 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA Figura 4 • Cutícula de Clivia nobilis Estômato • Cutícula • Epiderme • Células do mesófilo Figura 5 • Tricomas (pêlos) na superfície de folha de Talonnia tomentosa células alongadas, dispostas perpendicularmente à superfície da folha, com menos espaços intercelulares, e do parênquima lacunoso, que são células irregulares com mais espaços intercelulares. A estrutura frouxa do mesófilo é responsável pela existência de uma grande superfície em contato com o ar no interior da folha, para promover as trocas gasosas de água e de CO2 (Lüttge et al., 1996). Já o sistema vascular da folha tem estreita relação espacial com o mesófilo e é composto por feixes vasculares, que se ramificam e são chamados de nervuras. A disposição destes é chamada de venação, que pode ser reticulada, mais comum em dicotiledôneas, ou paralela, mais comum em monocotiledôneas. Os feixes menores, localizados no mesófilo, apresentam-se envolvidos por uma ou mais camadas de células, que se dispõem compactamente, constituindo a bainha do feixe (Esau, 1974), o que permite a passagem da água do xilema para as células do mesófilo, e dos fotoassimilados produzidos no mesófilo para o floema. Em plantas C4, a bainha do feixe é chamada de bainha perivascular, e, além da função de permitir um contato direto com os vasos condutores, tem a função de produzir os carboidratos, pela via C3, que ocorre somente nessas células da bainha perivascular. A via C4 ocorre nas outras células do mesófilo. Toda a produção de amido nas plantas C4 cultivadas ocorre na bainha perivascular, enquanto nas C3 isto ocorre em todas as células do mesófilo (Pimentel, 1998). Adaptações evolutivas das plantas aos diferentes habitats, especialmente no que diz respeito à disponibilidade da água, podem estar associadas a características estruturais diferentes. No caso das plantas xerófitas, existe uma elevada relação volume-superfície, isto é, as folhas são pequenas e compactas, com mesófilo espesso, com o parênquima paliçádico mais desenvolvido que o lacunoso, pequeno volume de espaço intercelular, rede vascular compacta e, algumas vezes, com células pequenas (Esau, 1974). As xerófitas apresentam muitas vezes uma hipoderme (tecido com poucos cloroplastos ou desprovido deles, segundo Esau, 1974), ou também chamada de epiderme múltipla (três camadas em Nerium oleander - Figura 6), principalmente na epiderme superior. Elas apresentam também cutícula e parede celular, principalmente da epiderme, mais espessas, estômatos em depressões e tricomas, que são características que podem reduzir a perda de água pelas plantas (Raven et al., 2001). 88 CARLOS PIMENTEL 3.7 • O MOVIMENTO DE ÁGUA NA FOLHA O movimento de água na folha é complexo e a água se movimenta entre pontos com diferentes Ψa, seguindo o caminho com maior condutância hidráulica. Assim sendo, o transporte de água provavelmente ocorre menos pela via simplástica, com menor condutância hidráulica, e mais pelas paredes celulares e espaços intercelulares, o apoplasto da folha, que corresponde a 70% do volume da folha em plantas de sombra e 20% em plantas de sol (Kramer & Boyer, 1995). Tendo em vista que a demanda de água pela atmosfera é grande (vide Capítulo 2), mesmo sob cultivo irrigado, a folha sofre um abaixamento do Ψa nas horas mais quentes do dia, quando o DPV é máximo (Tardieu & Simonneau, 1998). Por isto, o sistema vascular e o pecíolo das folhas têm um conjunto de células, o colênquima (células vivas com parede celular espessa), que serve como suporte, quando a turgescência celular foliar diminui, na chamada “murcha” das folhas (Milburn, 1979). A evaporação da água na folha ocorre, segundo a maioria dos autores, da parede celular do mesófilo para os espaços intercelulares, e passa para a atmosfera via estômatos. Contudo, alguns autores argumentam que a água se evapora na superfície interna da epiderme próxima às células- 89 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA • Epiderme • Subepiderme • Parênquima palissádico • Parênquima lacunoso Estômatos em cripta Pêlos Figura 6 • Anatomia foliar de Nerium oleander, mostrando a tripla camada epidérmica 4.1 • INTRODUÇÃO Desde o início do século XX, os fisiologistas vegetais já se preocupavam com o efeito da perda de água pela transpiração sobre o crescimento, assimilação do CO2 e balanço de energia da planta, como Pfeffer (1912): “Em função da transpiração e do fornecimento de água, o estado de turgescência e, por conseqüência, o crescimento das plantas terrestres é submetido a variações consideráveis e, quando a planta murcha, pode ocorrer paralisação do crescimento.”; “O crescimento depende enormemente da água que a planta contém e que pode obter. Uma ligeira queda da turgescência celular é suficiente para causar uma diminuição notável do crescimento celular e, quando a membrana celular deixa de estar sob pressão (pressão de turgescência), o crescimento cessa.”; ou os textos de Maximov (1929): “As folhas devem manter a comunicação entre as células do clorênquima e a atmosfera, que contém o dióxido de carbono necessário à nutrição vegetal. O inevitável resultado disto é o processo de perda de água conhecido como transpiração e, se a transpiração excede a absorção de água, a planta murcha ou mesmo morre. O trabalho de vaporização da água na folha consome em torno de 80% ou mais da energia solar absorvida por esta.”; “Em milho, os estômatos se fecham no meio do dia em dias quentes, mesmo quando as plantas estão bem supridas em água. A causa desta regulação (da transpiração, via fechamento estomático) eu estou inclinado a buscar nas condições de suprimento de água e no movimento da água pela planta, pois com a coesão entre as partículas da coluna de água formada na planta de cima até embaixo, um retardo no movimento de água embaixo inevitavelmente envolve um retardo em cima. E assim, a pressão de vapor de água, na superfície das paredes das células (do mesófilo foliar), onde ocorre a evaporação da água, diminui e a transpiração decresce. À medida que a perda de água excede a absorção (pelas raízes), a resistência ao fluxo de água nos espaços intercelulares aumenta.” A transpiração é considerada a perda de água das plantas para a atmosfera, na forma de vapor de água, e é o processo dominante nas relações da planta com a água. Isto ocorre por causa do grande volume envolvido no processo e seu efeito no conteúdo de água da planta, assim como na geração de um gradiente de energia (Ψa), que é o principal fator de controle da absorção de água do solo e de sua ascensão à parte aérea, junto com os nutrientes, pelo xilema (Sutcliffe, 1971; Winter, 1976; Milburn, 1979). Durante o seu tempo de vida, a planta transporta uma quantidade imensa de 92 CARLOS PIMENTEL água, na proporção de 200 a 1000 vezes a sua massa seca. A água perdida para a atmosfera, pela transpiração, é uma conseqüência inevitável da necessidade de assimilação do CO2 atmosférico, pela fotossíntese, pois, quando a planta abre os estômatos para a aquisição do CO2, ocorre a perda de água pela transpiração (Hsiao & Xu, 2000). Em dias quentes e ensolarados, mesmo em um campo irrigado, a transpiração pode causar uma murcha transiente no meio do dia e, com o dessecamento do solo, ela pode causar a murcha permanente e morte por desidratação, se a umidade do solo não for reposta por chuvas ou por irrigação. No mundo, provavelmente mais plantas sofrem injúrias ou morrem por desidratação causada pela transpiração excessiva que por nenhum outro único fator (Kramer & Boyer, 1995). Durante os últimos 400.000.000 de anos de evolução das plantas, o número de estômatos por folha aumentou dramaticamente, especialmente há 360.000.000 de anos, na evolução da microflora para a macroflora, quando ocorreu uma diminuição significativa na concentração de CO2 atmosférico. Contudo, com a pressão seletiva de ambientes secos e salinos, as diferentes vias fotossintéticas (C3, C4 e CAM) e variações no comportamento estomático entre espécies começaram a evoluir (Dietrich et al., 2001). 4. 2 • A PERDA DE ÁGUA PELA TRANSPIRAÇÃO Portanto, para a compreensão da importância dos efeitos da perda de água pela transpiração, principalmente em clima tropical submetido a altas variações de temperaturas, deve-se ter uma visão biofísica do processo. Segundo Nobel (1999), uma superfície úmida exposta ao ar perde tanto mais água, na forma de vapor por unidade de área e de tempo, quanto maior for o gradiente de pressão de vapor entre essa superfície e o ar, que, por sua vez, depende da temperatura ambiente. Isto é, quando a concentração de vapor d’água logo acima da superfície úmida (na camada-limite à folha, por exemplo) é maior que a do ar mais distante desta superfície. A evaporação, em condições não limitadas de suprimento hídrico e sem impedimento de difusão de vapor d’água (para a planta, isto ocorre quando os estômatos estão completamente abertos), é denominada de evaporação potencial, e nas regiões subtropicais áridas pode chegar a 10-15 kg H2O m -2 dia-1; em clima mediterrâneo; no período seco, chega a 5-6 kg H2O m -2 dia-1, na zona equatorial, 3-4 kg H2O m-2 dia-1; e na zona temperada pode chegar a 4 kg H2O m -2 dia-1, em dias claros de verão, mas em média, e durante o período de crescimento da vegetação, fica por volta de 2 kg H2O m -2 dia-1 (Larcher, 2000). 93 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA A importância da quantidade de água perdida pela transpiração é salientada quando se analisam os números, como a perda de 200kg de água por uma planta de milho durante todo o seu ciclo, ou que são necessárias várias centenas de gramas de água para produzir um grama de massa seca na planta, sendo que aproximadamente 95% desta água são perdidos pela transpiração (Schroeder et al., 2001). A transpiração tem efeitos benéficos e nocivos. Os efeitos benéficos são o resfriamento da folha, devido ao alto calor de vaporização da água (Capítulo 2 e Quadro 1), aceleração da ascensão da seiva do xilema e aumento da absorção de minerais. Já os efeitos nocivos são numerosos, como as injúrias causadas, até a morte, por desidratação. Contudo, a transpiração é um processo indispensável, pois a estrutura foliar favorável à absorção do CO2 pela fotossíntese é também favorável à perda de água. A evolução da estrutura foliar para privilegiar altas taxas fotossintéticas aparentemente teve maior valor para a sobrevivência, na maioria dos habitat, que uma estrutura para a conservação de água, mas que reduziria a fotossíntese, como no caso das plantas xerófitas (Figura 7). Por isso, a anatomia de plantas mesófitas (Figura 7) leva-as a conviver com o perigo de injúrias causadas por uma transpiração excessiva (Kramer & Boyer, 1995). Portanto, segundo Schulze (1986), a planta pode sofrer uma falta de água causada pela atmosfera e/ou, pelo solo, quando ambos estão com baixos conteúdos de água, e em ambos os casos pode ocorrer a desidratação da planta. Assim, o controle da abertura estomática é primordial para a manutenção da taxa fotossintética máxima com uma mínima taxa de transpiração, tendo prioridade para manter a máxima fotossíntese, com a 94 CARLOS PIMENTEL Figura 7 • Anatomia de folha de várias xerófitas e uma mesófita Festuca ovina Salsola kali Ammophila arenariaGlycine max A - Mesófita B - Xerófitas no estado de vapor (Angelocci, 2002; Pereira et al., 2002). A meteorologia enfatiza o uso da umidade relativa do ar, que é o conteúdo de água em termos de porcentagem da saturação naquela temperatura, em vez da umidade absoluta, que é o conteúdo de água em g m-3. Contudo, sem haver variação na condutância estomática e em outros fatores, a taxa de transpiração é proporcional à diferença de umidade absoluta, ou melhor, da pressão de vapor de água, entre a folha e a atmosfera (Aphalo & Jarvis, 1991). O uso da umidade relativa para análise do movimento de água entre a planta e a atmosfera leva a interpretações errôneas, caso não se tome em conta as variações de temperatura do ar, pois uma umidade relativa de 50% a 20°C deve ser aumentada para 75% a 30°C, para manter a mesma umidade absoluta e pressão de vapor de água. Se a umidade relativa for mantida a 50% a 20°C e a 30°C, a taxa de transpiração seria 80% maior a 30°C (Kramer & Boyer, 1995). A taxa de transpiração é dependente, além da umidade e da temperatura do ar, da quantidade de radiação absorvida pela folha e do fluxo de energia dissipada por condução e convecção, assim como da dimensão da folha e velocidade do vento; e esta taxa vai afetar a temperatura da folha, a qual pode ser menor que a do ar, quando a radiação incidente é baixa, ou maior que a do ar, quando a radiação é alta e, em ambos os casos, a temperatura da folha é reduzida pelo aumento da transpiração (Angelocci, 2002). Por isso, a medida da temperatura da folha, usando o sensoriamento remoto por termometria infravermelha, é usada, quando comparada com a do ar, como indicador da taxa de transpiração e, conseqüentemente, da disponibilidade hídrica do solo, com vista à necessidade de irrigação (Idso et al., 1986). Esse método para avaliar-se a necessidade de irrigação pode ser mais econômico que os outros métodos tradicionais, pois a necessidade de água pela cultura tem grande variabilidade interespecífica e intraespecífica (Doorembos & Pruit, 1977) e, como visto acima, é dependente do ambiente em análise (Doorenbos & Kassan, 1979). Outro uso da medição da temperatura de folha, pela termometria infravermelha, é a indicação de genótipos mais ou menos eficientes no uso de água (Bascur et al., 1985). Por outro lado, analisando um dossel de plantas, que é o conjunto de plantas na área estudada, além da transpiração, deve-se avaliar a evaporação da água diretamente do solo, no processo simultâneo chamado de evapotranspiração, que pode ser calculada ou medida (Pereira et al., 2002). A partir de medições da evapotranspiração potencial pode-se calcular a evapotranspiração real e necessidade de irrigação para uma cultura, multiplicando o valor potencial por um coeficiente de cultura (kc), que 97 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA deveria ser calculado para a cultivar usada e para o local de plantio, mas pode- se usar um valor de referência aproximado, que é encontrado em tabelas propostas pela FAO, de Doorembos & Pruit (1977) e Doorembos & Kassan (1979). Também a partir da medida da evapotranspiração durante o ciclo da planta em cultivo, pode-se fazer uma previsão da produtividade que poderá ser obtida (Doorembos & Kassan, 1979), como já havia sido proposto por de Wit (1958). O princípio dessa relação (entre evapotranspiração e acúmulo de massa seca na planta) é que, quanto maior for a transpiração da planta, maior será a abertura dos estômatos e, conseqüentemente, a entrada de CO2 na folha para fotossíntese. Mas não se deve esquecer o componente bioquímico da fotossíntese, que pode se saturar e limitar a assimilação do CO2 (Long & Hallgren, 1993) e a acumulação de massa seca (Boyer, 1978). Os cálculos de evapotranspiração são bastante úteis para a recomendação da necessidade de irrigação, porém o seu uso, sem um manejo adequado e avaliação da qualidade da água usada, tem levado a sérios problemas de salinização e degradação de solos cultivados (Poljakoff-Mayber & Lerner, 1994). O uso de água de irrigação, com teores elevados de sais, leva a deposição destes no solo, pois a água se evapora e o sal fica na superfície do solo. O suprimento de água com baixa salinidade vem diminuindo no mundo e a irrigação vem se tornando menos viável pelo custo da obtenção da água de boa qualidade (Kramer & Boyer, 1995). No Nordeste brasileiro, por exemplo, a água do subsolo é freqüentemente salina. Dependendo do sistema de irrigação usado, também pode haver aumento da salinização (Kruse et al., 1990). Segundo Hillel (1990), existiam, em 1990, 250 milhões de hectares irrigados, representando 18% das terras cultivadas, com uma expansão de 2% ano-1 em países em desenvolvimento, onde 50% dessas áreas irrigadas já estão afetadas pela salinização. Um resumo das propostas de diferentes autores para uso de solos salinizados é apresentado em Pimentel (1998). 4.3 • OS ESTÔMATOS E O CONTROLE DA PERDA DE ÁGUA NA TRANSPIRAÇÃO O termo “stoma” quer dizer boca em grego e “stomata” ou estômatos é o seu plural. O poro do estômato, chamado ostíolo, ocorre entre duas células, chamadas guarda, que são células especializadas da epiderme, com atividade metabólica distinta das outras, e, abaixo destas, fica a câmara subestomática, onde a água se evapora. As células-guarda podem ter alterada a sua extensibilidade membranar (discutido no final do Capítulo 2) e, conseqüentemente, o seu turgor e volume. O ostíolo se fecha, com a 98 CARLOS PIMENTEL diminuição do turgor das células-guarda, e se abre, com o aumento do turgor; isto ocorre em função de sinais externos ou internos, que são os fatores ambientais e biológicos, que modulam o crescimento da planta naquele ambiente. Existe uma sintonia entre as células-guarda e as células vizinhas, as quais aumentam seu turgor quando as células-guarda o diminuem e vice-versa, com trocas de metabólitos para manter este processo interativo (Weyers & Meidner, 1990). Os estômatos podem existir em ambas as faces da folha (anfistomáticas), em dois terços das espécies vegetais, ou somente em uma das superfícies (hipostomástica), principalmente em árvores. Nas plantas anfistomáticas, a freqüência de estômatos varia de 20 a 2000 poros mm-2, mas com a maioria dos valores entre 40 e 350 poros mm-2, com uma maior freqüência na face inferior, exceto em algumas espécies de gramíneas, como o milho. A dimensão dos estômatos varia de 35 a 56 µm de comprimento e de 12 a 19µm de largura, e podem ter a forma de feijões na maioria, mas em gramíneas são mais compridos que largos, com forma, muitas vezes, de halteres (Figura 8) (Weyers & Meidner, 1990). A parede celular do bordo do ostíolo é menos extensível que a externa e pode ser mais espessa, porém o que a faz menos extensível é a sua estrutura micelar, e muitas vezes ela possui uma projeção que se estende sobre os poros, cobrindo-os em parte. A parede celular, sendo mais rígida do lado do ostíolo, faz com que haja abertura deste quando a célula fica túrgida e causa o seu fechamento com a perda do turgor (Mansfield & Mcainsh, 1995). 99 A RELAÇÃO DA PLANTA COM A ÁGUA Figura 8 • Forma de estômatos em feijão e em halteres A - Em feijão (Dicotiledôneas) B - Em halteres (Monocotiledôneas)
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