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Guias e Dicas
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Tutela antecipada - Cassio Scarpinella Bueno, Notas de estudo de Direito Civil

PROCESSO CIVIL

Tipologia: Notas de estudo

2017

Compartilhado em 16/07/2017

ricardo-pinto-aragao-6
ricardo-pinto-aragao-6 🇧🇷

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Baixe Tutela antecipada - Cassio Scarpinella Bueno e outras Notas de estudo em PDF para Direito Civil, somente na Docsity! Cassio ScARPINELLA BUENO Curso Sistematizado de DIREITO PROCESSUAL (GIVE ET E aro a] ACER Iii Aa AEE Ea AVE Dad a E DADOS DE COPYRIGHT Sobre a obra: A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo Sobre nós: O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso site: LeLivros.link ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link. "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível." ISBN 978-85-02-21791-1 Bueno, Cassio Scarpinella Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 4 : tutela antecipada, tutela cautelar, procedimentos cautelares específicos / Cassio Scarpinella Bueno. — 6. ed. rev. e atual. — São Paulo : Saraiva, 2014. Bibliografia. 1. Medidas cautelares - Brasil 2. Processo civil - Brasil 2. Processo civil - Brasil 3. Tutela jurisdicional I. Título. CDU-347.919.6(81) Índice para catálogo sistemático: 1. Brasil : Tutela antecipada e tutela cautelar : Direito processual civil 347.919.6(81) 2. Brasil : Tutela cautelar : Direito processual civil e tutela antecipada 347.919.6(81) Diretor editorial Luiz Roberto Curia Gerente editorial Thaís de Camargo Rodrigues Assistente editorial Poliana Soares Albuquerque Produtora editorial Clarissa Boraschi Maria Preparação de originais Maria Izabel Barreiros Bitencourt Bressan / Bernardete de Souza Maurício / Flavia Gutterres Falcão de Oliveira Projeto gráfico Lais Soriano Arte e diagramação Isabel Gomes Cruz Revisão de provas Amélia Kassis Ward Serviços editoriais Camila Artioli Loureiro / Marília Cordeiro Capa Muiraquitã Editoração Gráfica Produção gráfica Marli Rampim Produção eletrônica Ro Comunicação Data de fechamento da edição: 4-11-2013 Dúvidas? Acesse www.editorasaraiva.com.br/direito Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. A Ela, porque “sonhar é preciso” (...) ABREVIATURAS AASP—Associação dos Advogados de São Paulo AC-QO—Questão de Ordem em Ação Cautelar ACi—Apelação Cível ADC—Ação Declaratória de Constitucionalidade ADI—Ação Direta de Inconstitucionalidade AgRg na MC—Agravo Regimental na Medida Cautelar AgRg no Ag—Agravo Regimental no Agravo de Instrumento AgRg no AREsp—Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial AgRg no REsp—Agravo Regimental no Recurso Especial AgRg nos EDcl no AgRg no Ag—Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento CC—Conflito de Competência CF—Constituição Federal coord.—coordenação CPC—Código de Processo Civil (Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973) CPP—Código de Processo Penal (Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941) CTN—Código Tributário Nacional (Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966) Des.—Desembargador(a) DJ—Diário da Justiça DJe—Diário da Justiça eletrônico* DJE—Diário da Justiça Eletrônico EC—Emenda Constitucional EDcl no AgRg no REsp—Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Recurso Especial EDcl no REsp—Embargos de Declaração no Recurso Especial EREsp—Embargos de Divergência no Recurso Especial FGTS—Fundo de Garantia do Tempo de Serviço IBDP—Instituto Brasileiro de Direito Processual INSS—Instituto Nacional do Seguro Social j .m.v.—julgamento por maioria de votos j .un.—julgamento unânime MC—Medida Cautelar MS—Mandado de Segurança Min.—Ministro n.—número ns.—números org.—organizador p.—página Rcl—Reclamação RE—Recurso Extraordinário RE-AgR—Agravo Regimental no Recurso Extraordinário reimp.—reimpressão REsp—Recurso Especial RMS—Recurso em Mandado de Segurança s/ed.—sem editora SS-AgR-segundo—Segundo Agravo Regimental na Suspensão de Segurança STA-AgR-AgR—Agravo Regimental no Agravo Regimental na Suspensão da Tutela Antecipada STF—Supremo Tribunal Federal STJ—Superior Tribunal de Justiça Súm.—Súmula SUS—Sistema Único de Saúde TJRS—Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul TJSP—Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tir.—tiragem v.—veja v.g.—verbi gratia * O número que segue à abreviatura refere-se ao exemplar do Diário da Justiça e a data é a da sua disponibilização na página do Tribunal. Quando não indicado nenhum número, a data é a da publicação do Diário da Justiça. 4. Observância do art. 475-O 5. Observância dos arts. 461 e 461-A 6. O cumprimento da tutela antecipada na sentença 7. A responsabilidade pelo cumprimento da decisão antecipatória da tutela Capítulo 5 — Tutela antecipada e pedido incontroverso (art. 273, § 6º) 1. Considerações iniciais 2. Pedido incontroverso 3. Irreversibilidade do provimento 4. Cumprimento 5. A decisão antecipatória da tutela para os fins do art. 273, § 6º 6. Coisa julgada Capítulo 6 — Tutela antecipada nas obrigações de fazer, não fazer e dar coisa 1. Considerações iniciais 1.1. Os parágrafos únicos do art. 249 e do art. 251 do Código Civil 2. Tutela antecipada e art. 461 2.1. Aplicação subsidiária do art. 273 2.2. Pressupostos 2.3. Fundamentação 2.4. A “audiência de justificação” 2.5. Cumprimento 2.6. Revogação ou modificação da tutela antecipada 3. Tutela antecipada e art. 461-A Capítulo 7 — Tutela antecipada no direito processual público 1. Considerações iniciais 2. A aplicabilidade do art. 273 e do § 3º do art. 461 aos casos de “direito processual público”: o art. 1º da Lei n. 9.494/1997 3. O trânsito em julgado para pagamentos devidos pela Fazenda Pública 4. No “direito processual tributário” 5. O “pedido de suspensão” Capítulo 8 — Fungibilidade entre a tutela antecipada e a tutela cautelar 1. Considerações iniciais 2. Um critério útil de distinção entre “tutela antecipada” e “tutela cautelar” 3. O § 7º do art. 273 4. Pressupostos para conversão 4.1. Especificamente a “prova inequívoca da verossimilhança da alegação” e o fumus boni iuris 4.2. A fungibilidade da tutela antecipada com as “cautelares nominadas” PARTE II — TUTELA CAUTELAR Capítulo 1 — Teoria geral da tutela cautelar 1. Considerações iniciais 1.1. A “tutela cautelar” 2. O “processo cautelar” 2.1. Nota crítica 3. A “ação cautelar” 4. Mérito 5. Características 5.1. Preventividade 5.2. Provisoriedade 5.3. Autonomia 5.4. Cognição sumária 5.5. Instrumentalidade 5.6. Revogabilidade e modificabilidade 5.7. Fungibilidade 5.8. Referibilidade 6. Classificação 6.1. Quanto à tipicidade 6.2. Quanto ao momento 6.3. Quanto ao objeto 6.4. Quanto à produção de efeitos 7. Duração 8. Revogação ou modificação 9. Cessação 10. Coisa julgada 11. Cumprimento 12. Responsabilidade objetiva Capítulo 2 — Dever-poder geral de cautela 1. Considerações iniciais 2. Conteúdo 3. Dever-poder geral de cautela e “tipicidade” 4. Atuação oficiosa do magistrado 5. Momentos de exercício 6. A executividade inerente às decisões que veiculam o dever-poder geral de cautela 7. Restrições 8. Responsabilidade decorrente do exercício do dever-poder geral de cautela Capítulo 3 — Procedimento cautelar 1. Considerações iniciais 2. Características: brevidade 2.1. Autonomia 3. Petição inicial 3.1. Competência 3.1.1. Competência no caso de recurso 3.2. Partes 3.2.1. Intervenção de terceiros 3.3. A “lide e seu fundamento” 3.4. Fumus boni iuris e periculum in mora 3.5. Provas 3.6. Outras exigências 3.7. Juízo de admissibilidade 3.8. Liminar 4. Caução 5. Citação e respostas do réu 4. Em face de terceiro Capítulo 7 — Produção antecipada de provas 1. Considerações iniciais 2. Objeto 3. Petição inicial 3.1. Competência 3.2. Medida liminar 4. Oitiva da parte e das testemunhas 5. Realização da perícia 6. Sentença 7. Prazo para o “processo principal” Capítulo 8 — Alimentos provisionais 1. Considerações iniciais 2. Hipóteses 3. Petição inicial 4. Competência 5. Antecipação da tutela 6. Procedimento Capítulo 9 — Arrolamento de bens 1. Considerações iniciais 2. Petição inicial 2.1. Legitimidade ativa 3. Antecipação da tutela 4. Procedimento e concessão do pedido 5. Diligências Capítulo 10 — Justificação 1. Considerações iniciais 2. Citação dos interessados 3. Petição inicial 4. Oitiva das testemunhas 5. Sentença Capítulo 11 — Protestos, notificações e interpelações 1. Considerações iniciais 2. Protestos 2.1. Petição inicial 2.2. Intimação 2.3. Protesto contra a alienação de bens 2.4. Exercício de defesa 2.5. Destino dos autos 3. Notificações e interpelações Capítulo 12 — Homologação do penhor legal 1. Considerações iniciais 2. Natureza da medida 3. Petição inicial 4. Defesa 5. Sentença Capítulo 13 — Posse em nome do nascituro 1. Considerações iniciais 2. Petição inicial 3. Sentença Capítulo 14 — Atentado 1. Considerações iniciais 2. Hipóteses de cabimento 3. Petição inicial 4. Sentença Capítulo 15 — Protesto e apreensão de títulos 1. Considerações iniciais 2. Protesto de títulos e contas judicialmente verificadas 2.1. Dúvidas ou dificuldades na realização do protesto 3. Apreensão de títulos 3.1. Finalidade da medida 3.2. Prisão 3.3. Sentença Capítulo 16 — Outras medidas provisionais 1. Considerações iniciais 1.1. Procedimento 2. Obras de conservação em coisa litigiosa ou judicialmente apreendida 3. Entrega de bens de uso pessoal do cônjuge e dos filhos 4. Posse provisória dos filhos, nos casos de separação judicial ou anulação de casamento 5. Afastamento do menor autorizado a contrair casamento contra a vontade dos pais 6. Depósito de menores ou incapazes castigados imoderadamente por seus pais, tutores ou curadores, ou por eles induzidos à prática de atos contrários à lei ou à moral 7. Afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal 8. Guarda e educação dos filhos, regulado o direito de visita 9. Interdição ou demolição de prédio para resguardar a saúde, a segurança ou outro interesse público Apêndice 1 — Pequeno glossário de Direito Processual Civil Apêndice 2 — Uma breve incursão no “novo Código de Processo Civil” Bibliografia consultada e citada Sites consultados NOTA À 5ª EDIÇÃO É muito gratificante redigir a breve nota que abre a 5ª edição do volume 4, deste Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Esta nova edição, a exemplo das dos outros volumes do Curso, vem revista pelas mais recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça sobre os temas aqui enfrentados, inclusive pelas respectivas novas súmulas daquele Tribunal. Com relação ao Projeto de Novo Código de Processo Civil, cabe dizer que, à época em que foi fechada esta edição, os trabalhos de revisão perante a Câmara dos Deputados não estavam, ainda, concluídos, sendo prematura, por isto, a veiculação do Relatório-Geral até então elaborado. A ausência da conclusão dos trabalhos legislativos sobre um novo Código de Processo Civil, contudo, não é — e nem pode ser — óbice para o estudo do direito processual civil vigente. É este, e não aquele, o objetivo do presente trabalho, que vem sendo perseguido pelas edições anteriores e, como sua receptividade parece demonstrar, tem conseguido alcançar. Em suma: ainda é tempo (e necessário e indispensável) de e para estudar o Código de Processo Civil em vigor, sistematizando-o, como aqui se propõe, desde o “modelo constitucional do direito processual civil”. Cassio Scarpinella Bueno NOTA À 4ª EDIÇÃO A cada novo ano uma nova edição. É com esse pensamento que vem a público a 4ª edição do vol. 4 deste Curso sistematizado de direito processual civil, dedicado ao exame da “tutela antecipada”, da “tutela cautelar” e dos “procedimentos cautelares específicos”. Ainda é tempo de pensarmos, todos, no Código de Processo Civil reformado, no Código de Processo Civil vigente. O Projeto de novo Código de Processo Civil tramita na Câmara dos Deputados sob o número 8.046/2010 e ainda não vejo razão para tratar do direito projetado, sem o perigo de confundir o leitor, estudante ou estudioso do direito processual civil, sobre o que é de lege lata e o que é de lege ferenda. Até porque a função exercida pela Câmara dos Deputados para os fins do caput do art. 65 da Constituição Federal não parece querer ser meramente homologatória dos trabalhos desenvolvidos pela Comissão de Juristas que elaborou o Anteprojeto de novo Código de Processo Civil e do substitutivo que, em seu lugar, foi aprovado pelo Senado Federal (PLS n. 166/2010). As notícias a respeito da tramitação legislativa do Projeto, em especial aquelas disponibilizadas por aquela própria Casa Legislativa, dão conta de intenso debate entre os parlamentares responsáveis pela condução dos trabalhos, a Comissão de especialistas nomeada, a exemplo do que ocorreu no Senado Federal, para auxiliar nos trabalhos legislativos, e os mais diversos setores do Estado e da sociedade civil. E mais: modificado o Projeto no âmbito da Câmara dos Deputados, seu retorno para o Senado Federal é impositivo em função do parágrafo único do art. 65 da Constituição Federal. Tudo para que o processo legislativo seja o devido, em consonância com o “modelo constitucional” respectivo. Por isso, temos, ainda aqui, de nos concentrar no direito vigente e na necessidade de sua sistematização. Evidentemente que esse comportamento não exclui a necessidade de efetiva participação no processo legislativo, iniciativa que, no exato limite das minhas possibilidades e capacidade, tenho tido a oportunidade e o privilégio de vir tomando. O que quero destacar, apenas e tão somente, é que não acho oportuno mesclar duas frentes de trabalho que se mostram bastante diferentes. Decididamente não é a proposta deste Curso. Suficiente, por isso, o Apêndice 2, que passou a incorporar o volume desde a 3ª edição, e que deve ser lido para matar a sede informativa; não, contudo, a formativa. Quererão saciar esta as edições futuras deste Curso, na exata medida em que o processo legislativo seja concluído e, evidentemente, em que o caríssimo leitor mostre interesse em saber o que este Curso terá a dizer a respeito da necessária — sempre necessária e indispensável — sistematização de um novo Código de Processo Civil. Esta nova edição vem enriquecida, em consonância com a pertinência dos temas aqui discutidos, com as Súmulas do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, com as Súmulas Vinculantes do Supremo Tribunal Federal e com recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça. Tudo para ilustrar mais adequadamente a exposição facilitando a sua compreensão. Cassio Scarpinella Bueno novembro de 2011 experimentaram a construção de cada um desses volumes e cada uma das ideias neles contidas. Muito obrigado a todos vocês pelo reconhecimento do meu trabalho; ao completar a elaboração de todos os volumes do Curso, não poderia querer experimentar, com vocês, outra sensação; não poderia querer coisa diversa. Que vocês possam, ao seguir o seu próprio caminho, colher frutos e flores das sementes que plantamos juntos, ainda melhores do que aqueles que agora vocês me dão. E que vocês sejam, a partir do que conversamos nestes últimos quatro anos, instrumentos decisivos na realização do Direito. Instrumentos afinadíssimos ao diapasão constitucional, aptos a tocar não só a mais bela das melodias mas, também, senão principalmente, a bem harmonizá-la. Sejam felizes sempre. Cassio Scarpinella Bueno outubro de 2010 1 Para quem se interessar ou desejar se aprofundar nessa temática que, em outro trabalho, tive a oportunidade de chamar de “Contrarreforma do Código de Processo Civil”, elegendo a Medida Provisória n. 2.180-35/2001 (ainda vigente) como pano de fundo, tomo a liberdade de indicar a leitura do livro, de minha autoria, O poder público em juízo, publicado pela Editora Saraiva, cuja edição mais recente, a 5ª, é de 2009. NOTA À 2ª EDIÇÃO Considerando a boa acolhida da 1ª edição do vol. 4 deste Curso sistematizado de direito processual civil, entendi ser importante preparar uma nova edição não só para, revisando o texto, deixar algumas ideias, noções e conclusões mais claras, mas também — e principalmente —, desenvolver mais demoradamente alguns pontos e introduzir alguns novos julgados do STF e do STJ que, desde o fechamento editorial anterior, chegaram a meu conhecimento e que se mostraram importantes para ilustrar melhor a exposição dos temas tratados ao longo do volume e as conclusões alcançadas. Uma nova edição também se justificou diante da promulgação da Lei n. 12.016/2009, que vem sendo chamada de “nova lei do mandado de segurança”, que traz importantes questões para o tema versado ao longo desse volume como diversas passagens querem evidenciar. Por ora, só me resta agradecer a todos aqueles que, direta ou indiretamente, dedicaram alguma consideração ou alguma palavra ao trabalho. Todas elas foram recebidas como verdadeiro incentivo para aprimorar, sempre e cada vez mais, este Curso que só quer tornar menos complicado e mais efetivo o exercício da função jurisdicional civil, inclusive no que diz respeito ao tema da “tutela antecipada” e da “tutela cautelar”. Que esta 2ª edição seja tão bem recebida quanto a anterior e como os demais volumes deste Curso sistematizado de direito processual civil. Cassio Scarpinella Bueno outubro de 2009 INTRODUÇÃO 1. OBJETO DE ESTUDO Uma dificuldade que convém ser exposta desde o início deste volume, até porque se trata de dificuldade inexistente nos demais, é a adequada compreensão do que o Código de Processo Civil, em seu Livro III, chama de “processo cautelar”. Nele, diferentemente do que se dá com relação aos seus Livros I e II, mormente quando analisados da perspectiva original daquele estatuto legislativo, não existe qualquer homogeneidade classificatória. Pelo contrário, como se lê do n. 7 da Exposição de Motivos, de seu idealizador, Alfredo Buzaid: “Ainda quanto à linguagem, cabe-nos explicar a denominação do Livro III. Empregamos aí a expressão processo cautelar. Cautelar não figura, nos nossos dicionários como adjetivo, mas tão só como verbo, já em desuso. O projeto o adotou, porém, como adjetivo, a fim de qualificar um tipo de processo autônomo. Na tradição do nosso direito processual era a função cautelar distribuída por três espécies de processos, designados por preparatórios, preventivos e incidentes. O projeto, reconhecendo-lhe caráter autônomo, reuniu os vários procedimentos preparatórios, preventivos e incidentes sob fórmula geral, não tendo encontrado melhor vocábulo que o adjetivo cautelar para designar a função que exercem. A expressão processo cautelar tem a virtude de abranger todas as medidas preventivas, conservatórias e incidentes que o projeto ordena no Livro III, e, pelo vigor e amplitude do seu significado, traduz melhor que qualquer outra palavra a tutela legal. As razões de nossa preferência por essa expressão se fundam também no precedente legislativo português, cujo Código de Processo Civil consagrou (arts. 381 e segs.) e no uso corrente da doutrina nacional e portuguesa. No direito italiano, argentino e uruguaio também a doutrina manifestou o seu assentimento à expressão processo cautelar”. Assim, não há como discordar de boa parcela da doutrina de que o Livro providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”? Menos para responder e mais para contextualizar adequadamente estas e tantas outras questões que poderiam ser formuladas a respeito das mesmas preocupações, é que este Curso, coerentemente com a teoria geral proposta pelo volume 1, prefere tratar do tema de perspectiva diversa, dando o primeiro plano da exposição à “tutela jurisdicional”, deixando de lado a concepção de que há um “processo” ou uma “ação” cautelar. O que deve haver, do ponto de vista do dano, é uma tutela jurisdicional apta a evitá-lo — uma tutela jurisdicional preventiva, portanto, verdadeiramente inerente ao exercício da função jurisdicional — e que, tradicionalmente, foi concebida para ser prestada, única, exclusiva e acriticamente, em um “específico processo”, o “processo cautelar”. É esta — e não qualquer outra — a única forma de conceber, como parte integrante do “modelo constitucional do processo civil”, um direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, que não distingue as técnicas que podem ser empregadas para atingir os desideratos dos incisos XXXV e LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal (v. n. 1 do Capítulo 8 da Parte I). Trata-se de entendimento que encontra eco não só na doutrina nacional (v.g.: José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumária e de urgência (tentativa de sistematização), p. 173-174 e 221; Teori Albino Zavascki, Antecipação da tutela, p. 60-71; João Batista Lopes, Tutela antecipada no processo civil brasileiro, p. 19-31, e Luiz Guilherme Marinoni, Técnica processual e tutela dos direitos, p. 200-210), mas também na estrangeira (v.g.: Italo Andolina e Giuseppe Vignera, Il modello costituzionale del processo civile italiano, p. 63-67; Giorgetta Basilico e Massimo Cirulli, Le condanne anticipate nel processo civile di cognizione, p. 20-28; Maria Fernanda dos Santos Maças, A suspensão judicial da eficácia dos actos administrativos e a garantia constitucional da tutela judicial efectiva, p. 21-30; Joan Picó I Junoy, Las garantías constitucionales del proceso, p. 40 e ss., e Teresa Armenta Deu, Lecciones de derecho procesal civil, p. 517) quando voltada a examinar dispositivos similares em suas próprias Constituições nacionais. 2. O ESTUDO DA TUTELA JURISDICIONAL COMO EIXO METODOLÓGICO Importa, à luz do fecho do número anterior, rememorar a proposta de classificação da tutela jurisdicional feita pelo volume 1 do Curso para robustecer a importância de dar a ela o lugar de primazia entre os “temas fundamentais” do direito processual civil. A partir da perspectiva da ocorrência do dano, coerentemente com o que dispõe o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, o n. 8.1 do Capítulo 1 da Parte III do vol. 1 propõe a distinção entre a “tutela jurisdicional preventiva” e a “tutela jurisdicional repressiva”. Nessa perspectiva, a “tutela repressiva” busca criar condições para que a lesão a direito seja devidamente reparada pela intervenção do Estado-juiz repondo as coisas no estado anterior na medida das possibilidades concretas (ou, ao menos, criando condições para tanto); a “tutela preventiva”, por sua vez, busca, com a atuação do Estado-juiz, evitar a ocorrência de lesão, imunizando a situação de ameaça. É no contexto da “tutela jurisdicional preventiva” que o n. 8.1.1.1 do Capítulo 1 da Parte III do vol. 1 trouxe à tona o tema relativo à “tutela de urgência”, com menção expressa à “tutela cautelar” e à “tutela antecipada” prestada com fundamento no art. 273, I. Em ambas as hipóteses, é irrecusável a necessidade da presença de um elemento constante que legitima a pronta e imediata atuação do Estado-juiz, que é a “urgência”, isto é, a necessidade de atuação jurisdicional antes da consumação do dano. A tutela jurisdicional justifica-se, nessa perspectiva, para evitar que o tempo necessário para o reconhecimento e realização prática do direito seja, ele próprio, fator de inibição da própria atividade a ser desenvolvida jurisdicionalmente, aplicação escorreita, portanto, do quanto apresentado pelo n. 15 do Capítulo 1 da Parte II do vol. 1. Graças ao elemento constante destacado pelo parágrafo anterior, aliado à circunstância da enorme dificuldade doutrinária e jurisprudencial em distinguir, por este critério, a “tutela cautelar” da “tutela antecipada” (com fundamento no art. 273, I, é importante ressalvar), é que diversos autores (v., por todos, José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência [tentativa de sistematização], p. 170-172) preferem tratar aquelas duas classes como diferentes espécies de um mesmo gênero, a “tutela de urgência” ou, como prefere este Curso, “tutela preventiva”. Tal referência tem o grande mérito de viabilizar que ambas sejam prestadas indistintamente, o que responde não só a profunda inquietação doutrinária sobre o assunto, mas também — e principalmente — a uma necessidade prática que tem assento expresso no “modelo constitucional do processo civil”, e que encontra eco no plano infraconstitucional no § 7º do art. 273. A este assunto volta-se, especificamente, o n. 4 do Capítulo 8 da Parte I. Levando-se em conta o momento de prestação da tutela jurisdicional, esta pode ser classificada em antecipada e em ulterior consoante o instante procedimental em que os efeitos práticos da tutela jurisdicional são liberados, isto é, autorizados a serem experimentados no plano exterior ao processo (v. n. 8.2 do Capítulo 1 da Parte III do vol. 1). São casos de “tutela antecipada” todos aqueles em que a lei permite ao magistrado modificar as escolhas feitas pelo legislador quanto aos momentos mais adequados ou necessários para liberar a eficácia de suas decisões. A “tutela ulterior”, em consonância com esse mesmo critério, caracteriza-se porque seus efeitos práticos são experimentados apenas nos instantes desejados e previamente valorados em abstrato pelo legislador. Outro critério proposto é o que distingue a tutela jurisdicional pela necessidade, ou não, de sua confirmação. Para tanto, a tutela jurisdicional pode ser provisória ou definitiva consoante a decisão que a veicule precise, ou não, de confirmação pelo próprio juízo que a proferiu ou por juízo diverso (v. n. 8.3 do Capítulo 1 da Parte III do vol. 1). A “tutela provisória” é prestada para durar durante o tempo necessário ao proferimento de uma outra decisão que passará, ela própria, a regular aquela mesma situação, substituindo-a. A “tutela definitiva”, por seu turno, é aquela que, não obstante poder ser objeto de recurso, carece de qualquer outra deliberação jurisdicional para regular a situação jurídica que legitima a sua concessão. A tutela jurisdicional também pode ser classificada — e é assim que a maioria da doutrina o faz quando trata de um “processo de conhecimento” e de um “processo de execução” — a partir da atividade desempenhada pelo magistrado. São espécies dessa classe a “tutela jurisdicional cognitiva” e a “tutela jurisdicional executiva” (v. n. 8.4 do Capítulo 1 da Parte III do vol. 1). O critério apresentado pelo n. 8.5 do Capítulo 1 da Parte III do vol. 1 leva em conta os efeitos da tutela jurisdicional — sua eficácia —, buscando, com a iniciativa, o desenvolvimento de um novo critério classificatório apto a substituir a distinção usual entre “tutelas” (ou, na perspectiva tradicional, ações ou sentenças) declaratórias, constitutivas, condenatórias, executivas lato sensu e mandamentais. Para tanto, importa distinguir a “tutela jurisdicional executiva” da “tutela jurisdicional não executiva”. Considerando que as distinções rememoradas pelos parágrafos anteriores nada mais são do que a aplicação de determinados critérios classificatórios, é inegável que alguns são mais úteis ao desenvolvimento dos temas tratados ao longo do volume do que outros. Para cá, importa sobretudo, o estudo da “tutela preventiva” e da “tutela antecipada”. Isto não quer dizer, contudo, que as demais classificações não serão, consoante as exigências da exposição, referidas. É o que se dá, de forma bem clara, com a “tutela provisória”, analisada, a partir do art. 475-O, pelo Capítulo 6 da Parte I do vol. 3, e que impõe seu exame também a respeito das regras de responsabilização decorrente do art. 273, § 3º (v. n. 7 do Capítulo 4 da Parte I), e do art. 811 (v. n. 12 do Capítulo 1 da Parte II) e dos modos de cumprimento das tutelas jurisdicionais obteníveis a partir do art. 273 e do Livro III do CPC, que não se podem furtar da análise das técnicas disponíveis ao magistrado para tanto, a partir da classificação proposta pelo n. 8.5.6 do Capítulo 1 da Parte III do vol. 1, estudadas ao longo do vol. 3. 3. PLANO DE TRABALHO Após as ressalvas que ocupam os números anteriores que devem ser mais bem compreendidas como justificativas é que se explica o título dado ao presente volume 4 e que se apresenta o plano de trabalho nele desenvolvido. “Tutela antecipada” é o instituto previsto genericamente — mas não exclusivamente — no art. 273. Trata-se de um verdadeiro “dever-poder geral de antecipação” que permite ao magistrado liberar os efeitos práticos de suas decisões consoante as necessidades de cada caso concreto que chegue ao seu conhecimento, modificando as opções que, a respeito, fez o legislador. É este o CAPÍTULO 1 Pressupostos 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS A chamada “tutela antecipada” deve ser entendida como a possibilidade da precipitação da produção dos efeitos práticos da tutela jurisdicional, os quais, de outro modo, não seriam perceptíveis, isto é, não seriam sentidos no plano exterior ao processo — no plano material, portanto —, até um evento futuro: proferimento da sentença, processamento e julgamento de recurso de apelação com efeito suspensivo e, eventualmente, seu trânsito em julgado. Antecipa-se, diante de determinados pressupostos legais, a produção dos efeitos da tutela jurisdicional cujo momento, tradicionalmente, vincula-se à existência de sentença de procedência não recorrida ou, quando menos, sujeita a apelação despida de efeito suspensivo. É concebível, por isso mesmo, a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional até o instante em que a sentença ou o acórdão, por imposição do sistema jurídico, surtirem, eles próprios, seus efeitos no plano material. Assim, em todos aqueles casos que não se amoldam aos incisos do art. 520 (v. n. 4.2 do Capítulo 6 da Parte I do vol. 5) ou às disposições da legislação processual civil extravagante que retiram o efeito suspensivo da apelação, a mera sujeição da sentença ao recurso de apelação (que tem efeito suspensivo) faz com que a sentença não produza seus efeitos. Quando interposta a apelação, esse estado de ineficácia perdura até que o Tribunal ad quem a julgue. Como eventual recurso especial e extraordinário não têm, ex lege, efeito suspensivo, o acórdão que julgar a apelação produz seus efeitos de pronto. Nesse caso, é até esse instante que é possível antecipar os efeitos da tutela jurisdicional. Em casos em que a sentença produz, de imediato, seus efeitos, isto é, em todos aqueles casos em que a apelação não tem efeito suspensivo, é correta a conclusão de que a tutela é “antecipável” até o proferimento da sentença, porque, uma vez proferida, ela é eficaz, porque o recurso de apelação dela interponível não tem efeito suspensivo. Quando proferida, nesses casos, é a sentença, ela mesma, que produzirá os efeitos desejados pelo autor, e não o ato jurisdicional praticado antes dela apto a veicular a tutela jurisdicional pretendida. Desnecessária, por isto mesmo, a antecipação de seus efeitos. 2. O “DEVER-PODER GERAL DE ANTECIPAÇÃO” As considerações feitas no número anterior buscam criar o contexto adequado de análise para os casos em que a tutela jurisdicional pode ser antecipada de acordo com o Código de Processo Civil. Os casos em que isso se dá são os disciplinados pelo art. 273, que, pela sua atipicidade, pode e deve ser entendido como significativo, no plano infraconstitucional, de um verdadeiro “dever-poder geral de antecipação” ao lado do chamado “dever-poder geral de cautela” consagrado pelo art. 798 (v. n. 3 do Capítulo 2 da Parte II). O § 3º do art. 461 e alguns dos “procedimentos especiais” regulados pelo Código de Processo Civil e pela legislação processual civil extravagante também se ocupam de situações em que a tutela jurisdicional pode ser antecipada para os mesmos fins colocados em destaque pelo número anterior. A elas voltam-se o Capítulo 6 e os tomos II e III do vol. 2. A leitura do caput e dos dois incisos do art. 273 revela os pressupostos que, uma vez presentes, devem conduzir o magistrado à concessão da tutela antecipada. Absolutamente vencedora em doutrina é a lição de que não há “liberdade” ou “discrição” para o magistrado na concessão ou na rejeição do pedido de antecipação de tutela. Ele deve deferir o pedido porque está diante dos pressupostos ou ele deve rejeitá-lo à falta de seus pressupostos autorizadores: não há meio-termo, não há uma terceira alternativa para o magistrado. Não há em uma palavra, faculdade jurisdicional para o magistrado proferir ou deixar de proferir decisão que antecipe, no caso concreto, a tutela jurisdicional, liberando, desde logo, seus efeitos para que eles sejam produzidos em prol de seu beneficiário. Os pressupostos legais são de duas ordens: (i) necessários e (ii) cumulativo-alternativos. São sempre necessárias, para a concessão da tutela antecipada, a “prova inequívoca” e a “verossimilhança da alegação” a que se referem o caput do art. 273. São cumulativo-alternativos o “receio de dano irreparável ou de difícil reparação” e o “abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu”, de que se ocupam, respectivamente, os incisos I e II do mesmo dispositivo. São “alternativos” porque basta a situação descrita no inciso I ou no inciso II para a concessão da tutela antecipada. É sempre necessário, contudo, estar diante de uma prova inequívoca que convença o magistrado da verossimilhança da alegação. Daí serem esses dois pressupostos alternativos (em relação às situações descritas nos incisos) e cumulativos, com o que exige o caput os pressupostos necessários para a concessão da tutela antecipada. Mas não só. O caput do art. 273 refere-se à antecipação da tutela mediante “requerimento da parte” e o seu § 2º trata dos casos em que a tutela jurisdicional não deve ser antecipada. A hipótese do § 6º do art. 273, por seu turno, merece exame apartado. Como demonstra o n. 1 do Capítulo 5, ela se distancia das exigências feitas pelo caput do art. 273, sendo suficiente para a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional que “... um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles”, mostre-se incontroverso. Pela própria razão de ser desse pressuposto, não há espaço para a “prova inequívoca que convença da verossimilhança da alegação” exigida pelo caput do dispositivo. Os números seguintes dedicam-se ao estudo de cada um dos pressupostos que autorizam, no direito processual civil brasileiro, o exercício do “dever-poder geral de antecipação”. 2.1. Pedido da parte O caput do art. 273 exige “requerimento da parte” para fins de antecipação de tutela. Pela letra do dispositivo, destarte, o magistrado precisa ser provocado para a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, sendo vedada a sua atuação de ofício. Sem prejuízo das considerações feitas pelo n. 2 do Capítulo 2, contudo, é irrecusável a questão sobre ser possível ao juiz conceder a tutela antecipada de ofício, isto é, sem pedido expresso para aquele fim. À luz do “modelo constitucional do processo civil”, a resposta mais afinada é a positiva. Se o juiz, analisando o caso concreto, constata, diante de si, tudo o que a lei reputa suficiente para a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, à exceção do pedido, não será isso que o impedirá de realizar o valor “efetividade”, máxime nos casos em que a situação fática envolver a urgência da prestação da tutela jurisdicional (art. 273, I), e em que a necessidade da antecipação demonstrar-se desde a análise da petição inicial. Ademais, trata- se da interpretação que mais bem dialoga com o art. 797 (v. n. 4 do Capítulo 2 da Parte II), tornando mais coerente e coeso o sistema processual civil analisado de uma mesma perspectiva. A 1ª Turma do STJ (REsp 1.319.769/GO, rel. p./acórdão Benedito Gonçalves, j .m.v. 20.8.2013, DJe 20.9.2013) teve oportunidade de entender que a pouca clareza da petição inicial sobre o pedido de tutela antecipada não seria, por si só, óbice à negativa de concessão da medida. Sobretudo diante das peculiaridades do direito material envolvido (implementação de benefício previdenciário) e o disposto no art. 461 quanto a caber ao magistrado a adoção das medidas cabíveis para buscar o resultado prático das obrigações de fazer. 2.2. Prova inequívoca O melhor entendimento para a expressão “prova inequívoca” é o de tratar-se de prova robusta, contundente, que dê, por si só, a maior margem de segurança possível para o magistrado sobre a existência ou inexistência de um fato e de suas consequências jurídicas. Embora ninguém duvide da maior credibilidade que se pode dar a documentos para essa finalidade, a expressão não se deve limitar a eles. Até porque mesmo um documento público pode ter sido falsificado e, por isso mesmo, não atender a exigência legal. Deve ser prestigiada a interpretação de que quaisquer meios de prova — entende a “força” do fundamento relevante no procedimento extremamente abreviado e característico do mandado de segurança, no qual o impetrante não tem outra oportunidade para produzir provas do que alega se não na própria petição inicial, ressalvada a excepcionalíssima hipótese do parágrafo único do art. 6º da mesma lei, assunto ao qual se volta o n. 7 do Capítulo 1 da Parte I do vol. 2, tomo III, deste Curso. Dados esses confrontos, seria possível tecer um gráfico de intensidade de convencimento do magistrado. O fumus boni iuris representa um grau menos intenso de convencimento do que a “prova inequívoca da verossimilhança da alegação”, que, por sua vez, é menos intensa do que o “fundamento relevante” da liminar do mandado de segurança. A gradação, de acordo com o exposto pelos parágrafos anteriores, é correta, sobretudo no plano teórico, mas merece ser considerada no seu devido contexto. É que não é possível constatar, com ânimo de certeza científica, qual é o grau de convicção alcançado pelo magistrado em cada caso que lhe é apresentado para exame. Não há como medir o grau ou intensidade de convencimento que ele forma a partir do que é narrado e/ou documentado pelo autor em casos de “tutela cautelar”, “tutela antecipada” ou “liminar em mandado de segurança”. Assim, é preferível entender que o magistrado deve-se convencer suficientemente de que o requerente tem algum direito já demonstrado (nem que seja retoricamente), para deferir a providência jurisdicional que lhe é pedida, à guisa de “tutela cautelar”, “tutela antecipada” ou “liminar em mandado de segurança”, de acordo com as regras procedimentais de cada caso. Se não se convencer suficientemente, a hipótese é de indeferimento do pedido ou, quando menos, de designação de “audiência de justificação”, em se tratando de “tutela cautelar” e “tutela antecipada”. Claro que, na formação do convencimento do magistrado, a existência de elementos contundentes de prova (documentos, por exemplo) pode ser decisiva, mas isso é questão que não pode, por si só, apequenar a necessidade da prestação da tutela jurisdicional, mormente quando a questão é analisada, como deve ser, desde o “modelo constitucional do processo civil”, que não distingue, em seu art. 5º, XXXV, a forma pela qual o magistrado evitará ameaças ou lesões a direito (v. n. 1 do Capítulo 8). As considerações apresentadas pelos parágrafos anteriores parecem ser tão mais importantes porque o § 3º do art. 461, ao admitir a antecipação da tutela jurisdicional relativa às obrigações de fazer e não fazer e, por força do § 3º do art. 461-A, também às obrigações de dar coisa (v. Capítulo 6), refere-se não a “prova inequívoca da verossimilhança da alegação”, mas a “sendo relevante o fundamento”, mesma fórmula redacional empregada pelo caput do art. 475-M e pelo § 1º do art. 739-A para o recebimento da “impugnação” ou dos “embargos à execução” com efeito suspensivo (v. n. 4 do Capítulo 1 e n. 5 do Capítulo 2 da Parte V do vol. 3, respectivamente), e no caput do art. 558 para autorizar que o relator do recurso determine a suspensão dos efeitos da decisão recorrida, dentre outros dispositivos. Em todas essas hipóteses, é irrecusável haver o exercício do que é chamado pelo n. 2, supra, de “dever-poder geral de antecipação” ou, tendo presente o art. 798, “dever-poder geral de cautela” (v. Capítulo 2 da Parte II), ambos inerentes ao exercício da função jurisdicional (v. n. 1 da Introdução). E mais: a aproximação dos diversos referenciais semânticos de todas as situações em que o magistrado está autorizado a prestar tutela jurisdicional, mesmo com base em “cognição sumária”, é absolutamente indispensável diante do § 7º do art. 273, que autoriza a “fungibilidade” entre a “tutela antecipada” e a “tutela cautelar”, assunto ao qual se volta o Capítulo 8. 2.4. Dano irreparável ou de difícil reparação Não obstante as considerações feitas pelo número anterior, ao contrário do que se dá na comparação entre o fumus boni iuris da “tutela cautelar” e a prova inequívoca que leva à verossimilhança da alegação da “tutela antecipada”, o pressuposto do inciso I do art. 273, o “dano irreparável ou de difícil reparação” pode, com perfeição, ser assimilado à usual expressão latina periculum in mora, típica e constante para a concessão das “verdadeiras cautelares” (v. n. 1 do Capítulo 1 da Parte II). Esse “perigo na demora da prestação jurisdicional” deve ser entendido no sentido de que a tutela jurisdicional deve ser prestada (e, para os fins presentes, antecipada) como forma de evitar a perpetuação da lesão a direito ou como forma de imunizar a ameaça a direito do autor. Trata-se, inequivocamente, de uma situação em que a tutela jurisdicional é antecipada como forma de debelar a urgência, sendo insuficiente a prática de atos que busquem meramente assegurar o resultado útil do processo, isto é, a futura prestação da tutela jurisdicional. É essa a razão pela qual a figura do inciso I do art. 273 pode muito bem ser chamada — como, de resto, é por vezes identificada — como “tutela antecipada de urgência”. Questão interessante é saber se a tutela pode ser antecipada liminarmente, isto é, mesmo antes e independentemente da citação do réu. Embora haja alguns autores contrários (assim, v.g. Calmon de Passos, Inovações no Código de Processo Civil, p. 12), a maciça doutrina e a jurisprudência consagraram a possibilidade. Os princípios do “devido processo legal”, do “contraditório” e da “ampla defesa” (v. ns. 4, 5 e 6 do Capítulo 1 da Parte II do vol. 1, respectivamente) não são óbices para tanto. Como são princípios jurídicos, devem eles, consoante as situações concretas de cada caso que se apresente para solução perante o magistrado, amoldar-se e incidir de forma relativizada para que outros valores (outros princípios) também de inspiração constitucional incidam na espécie. No caso da tutela antecipada, referidos princípios devem ceder espaço aos princípios da “economia e eficiência processuais” e da “efetividade do processo” (v. ns. 15 e 16 do Capítulo 1 da Parte II do vol. 1, respectivamente). Sem a antecipação da tutela, e essa a diretriz que está por trás do art. 273, I, o processo tende a não produzir os efeitos desejados pelo sistema. Se não há tempo hábil sequer para a citação do réu para que se manifeste sobre o pedido de antecipação da tutela e sobre os documentos que o embasam, isso, por si só, não é óbice para o deferimento da medida em estreita consonância com o “modelo constitucional do processo civil”. Se, entretanto, houver tempo hábil para a citação do réu, o caso não é de dano irreparável ou de difícil reparação, e deve ser indeferido por esse fundamento. Quiçá será caso de a tutela jurisdicional ser antecipada ao longo do processo, com a citação do réu e sua defesa já apresentada, mas não liminarmente. Tudo depende do exame das circunstâncias de cada caso concreto. Uma observação importante é a de que, para a antecipação da tutela, o dano pode ser irreparável ou de difícil reparação. Não pode haver dúvidas, assim, de que, mesmo nos casos em que haja possibilidade de reparação — “tutela repressiva” de que se ocupa o n. 8.1.2 do Capítulo 1 da Parte III do vol. 1 —, é possível a antecipação da tutela jurisdicional. Basta que a reparação seja difícil. Assim, por exemplo, quando uma futura execução parecer extremamente custosa, dada a inexistência de patrimônio penhorável ou disponível do devedor. A situação de “irreparabilidade”, que se lê do início do inciso I do art. 273, relaciona-se às situações em que ou se antecipa a tutela para a proteção de um específico direito ou a tutela jurisdicional será, com relação à fruição in natura daquele mesmo direito, ineficaz. É figura que, neste contexto, aproxima-se — e muito — do que a doutrina e a jurisprudência sempre lidaram com relação ao mandado de segurança e, em tempos mais recentes, acabou por ocupar os arts. 461 e 461-A, que regem o que se convencionou chamar de “tutela específica” das obrigações de fazer e de não fazer e para entrega de coisa, respectivamente. Trata-se da tutela jurisdicional voltada a imunizar a situação de ameaça a direito ciente de que a lesão naquele caso é insuscetível de reparação à falta de condições mínimas de expressão econômica ou, menos que isto, monetária do bem lesionado: ou se tutela jurisdicionalmente a ameaça ou é inócua a tutela posterior da lesão. Tanto mais porque ambas as hipóteses são dignas de tutela jurisdicional, indistintamente, de acordo com o “modelo constitucional do processo civil”. 2.5. Abuso de direito de defesa ou propósito protelatório do réu O inciso II do art. 273 trata de outro pressuposto, diverso daquele de que se ocupa o inciso I do mesmo dispositivo, para fins de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional. Não que o legislador não houvesse notado parecido, ao elaborar a regra jurídica, que, diante do mau comportamento processual do réu, seria conveniente a antecipação da tutela, porque haveria uma “urgência presumida” a favorecer o autor que tivesse condições de demonstrar ser o destinatário da tutela jurisdicional tal qual pedida (v. n. 2.1, supra). Se o caso for de urgência no sentido de que, se os efeitos práticos da tutela jurisdicional não forem antecipados, os resultados do processo serão, em alguma medida, frustrantes, a situação é resolvida suficientemente pelo inciso I do art. 273 (v. n. 2.4, supra). Assim, importa, para os fins do art. 273, II, que haja abuso de direito de defesa ou propósito protelatório do réu, aliado à prova inequívoca que convença o magistrado da verossimilhança da alegação nos termos discutidos pelo n. 2.3, se entender ser o caso, apenar o réu com as penas do art. 14, parágrafo único, do art. 18 ou do art. 601, por exemplo. 2.6. Perigo de irreversibilidade do provimento antecipado De acordo com o art. 273, § 2º, “não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”. Aqui, ao contrário do que ocuparam os ns. 2.1 a 2.5, o intérprete e o aplicador veem-se diante de um verdadeiro “pressuposto negativo”, isto é, uma situação de fato que não deve estar presente para que a antecipação da tutela tenha lugar. Toda vez que houver perigo de “irreversibilidade do provimento antecipado”, a tutela antecipada deve ser indeferida. É este o rigor da regra que sugere a sua literalidade. Duas observações são importantes com relação ao dispositivo: a primeira, de conteúdo meramente redacional; a segunda, mais importante, diz respeito à sua substância. Quanto à redação, é importante destacar que a “irreversibilidade do provimento antecipado”, referida no § 2º do art. 273, não é, propriamente, irreversibilidade da decisão (provimento) que antecipa ou não a tutela jurisdicional. Essa decisão, presentes determinadas circunstâncias e fatos novos, é passível de ser revogada ou modificada, consoante o caso, no que é expresso o § 4º do art. 273 (v. n. 5 do Capítulo 2). Pode, até mesmo, ser objeto de recurso pela parte que se sente prejudicada com o seu proferimento. A segunda observação exige mais espaço para ser exposta: a imperatividade que nega a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade para o réu é mais aparente do que real. A irreversibilidade de que trata o dispositivo em comento diz respeito aos efeitos práticos que decorrem da decisão que antecipa a tutela, que lhe são consequentes, que são externos ao processo. Trata-se, propriamente, de irreversibilidade daquilo que a “tutela jurisdicional” tem de mais sensível e importante: seus efeitos práticos e concretos. A vedação contida no § 2º do art. 273 não é arbitrária. Já que a tutela antecipada, nos casos do caput e de seus incisos I e II, é concedida com base em juízo de “cognição sumária”, e já que, por isso mesmo, ela é “revogável e modificável” nos termos do § 4º do mesmo dispositivo — é, assim, provisória porque existe e tem função processual até ser, ou não, confirmada pela sentença que, oportunamente, será proferida (v. n. 5 do Capítulo 2) —, o ideal é que seus efeitos práticos não provoquem qualquer situação irreversível porque se ela, durante o processo, for “revogada” ou “modificada” ou, a final, não for “confirmada” pela sentença, é possível que tudo volte ao status quo ante. Se uma das questões mais relevantes quando o assunto é tutela antecipada é a busca de uma igualdade substancial entre os litigantes no limiar ou ao longo do processo, colocando-os em pé de igualdade, ela não pode criar, para nenhum deles, situação de desigualdade tal que a decisão veiculadora da tutela jurisdicional antecipadamente, uma vez não confirmada por qualquer motivo, cause prejuízos ou efeitos irreversíveis ao outro. Posta a questão nesses termos, a vedação do § 2º é absolutamente justificável. O “remédio” a ser dado ao autor diante da presença dos pressupostos dos incisos I ou II do art. 273 não pode causar a mesma doença ao réu, tampouco seus efeitos colaterais. O retorno ao status quo ante é, assim, essencial. O dispositivo em foco representa forte incidência dos princípios da “ampla defesa”, do “contraditório”, e do “devido processo legal”, a proteger o réu mesmo nos casos em que a tutela jurisdicional tem de ser prestada antecipadamente. Alguns autores americanos sustentam que é importante ou, quando menos, possível interpretar e aplicar o direito a partir de uma premissa que, para a doutrina brasileira em geral, é pouco utilizada. Dizem eles que o direito pode ser estudado a partir de premissas econômicas, e todo o custo (inclusive o social) inerente a qualquer ramo do direito deve ser levado em conta para a correta aplicação das regras jurídicas. Com o direito processual civil não é diferente. Longe de pretender expor ou defender essa forma de pensar o direito processual civil, mostra-se bastante didática a apresentação de uma “fórmula” que bem explica a operação mental que deve o magistrado fazer para verificar, em cada caso concreto, a ocorrência ou não do pressuposto negativo de que trata o § 2º do art. 273. A fórmula, de acordo com Richard Posner, um dos mentores do que usualmente se denomina “Law and Economics”, relativa à “tutela antecipada” do direito norte-americano (anticipatory adjudication, no original), é a seguinte: A tutela antecipada deve ser concedida sempre que a probabilidade de o autor receber julgamento final a seu favor (Pa), multiplicada pelo dano que ele pode vir a sofrer caso a tutela não lhe seja antecipada (Da), for maior que a probabilidade de o réu receber julgamento favorável(1-Pa), multiplicada pelo dano que ele, réu, poderá vir a experimentar caso a tutela seja antecipada para o autor (Dr), ou seja: Pa(Da) > (1-Pa)Dr Em suma, cabe ao magistrado verificar, em cada caso em que se requer a tutela antecipada, justamente porque ele opera, nesse estágio, com base em cognição sumária (daí o uso de “probabilidade” na fórmula), em que medida o dano a ser experimentado pelo autor que pretende a tutela antecipada é maior que o do réu. Se o dano do autor for maior, mesmo que assim reconhecido com base em “cognição sumária”, a tutela jurisdicional deve ser antecipada. Caso contrário, isto é, caso o juiz do caso concreto, sopesando os fatos e as razões, verifique que a tutela antecipada que favorece o autor cria maiores prejuízos para o réu, a tutela antecipada deve ser indeferida. Há uma outra formulação dessa mesma ideia que tem aplicação ao direito processual civil brasileiro. A tutela antecipada deve ser concedida se a “razão” (no sentido de quociente, isto é, resultado de uma divisão, de uma comparação, de um sopesamento) entre a probabilidade de o autor (Pa) receber julgamento em desfavor do réu (1-Pa) exceder a “razão” (no mesmo sentido anterior) entre o dano que o réu sofrerá (Dr) em comparação com o do autor (Da), isto é: Pa/(1-Pa) > Dr/Da Não haveria qualquer ressalva a ser feita com relação às fórmulas indicadas se tudo aquilo que fosse objeto de tutela antecipada estivesse em “pé de igualdade”, isto é, se os valores ou os bens jurídicos pretendidos pelo autor e pelo réu fossem de idêntica qualidade. De fato, ocorre que nem sempre o que está em disputa é um bem jurídico de idêntico valor. Às vezes o que o autor pleiteia em juízo é bem jurídico qualitativamente diverso do bem jurídico defendido pelo réu. Essa desigualdade valorativa de bens jurídicos é que abre ensejo a uma interpretação mais substancial do dispositivo. É o caso de exemplificar: JRSB demanda o plano de saúde JRCT para que seja determinada sua internação em hospital e iniciados os tratamentos que descreve na petição inicial. Fundamenta seu pedido de tutela antecipada no inciso I do art. 273, forte no perigo de dano irreparável: ou o plano de saúde cobre os custos do tratamento ao qual o autor o vê obrigado contratualmente ou, pela documentação médica que acompanha a inicial, a sobrevida do autor é diminuta. Em casos como tais é fácil verificar que são colocados em conflito dois bens jurídicos qualitativamente diversos. O autor provoca o Estado-juiz para obter a tutela (jurisdicional) de sua saúde, quiçá de sua própria vida, enquanto o réu, no exemplo figurado um plano de saúde, defende bem jurídico diverso, redutível, em última análise, a dinheiro. Não se trata de afirmar que toda vez que houver colidência dos valores ínsitos aos bens jurídicos em disputa autoriza-se o magistrado a antecipar a tutela jurisdicional em prol do bem que o sistema reputa mais importante (a saúde ou a vida: arts. 1º, III; 5º, caput, e 196, da Constituição Federal). Mas, bem diferentemente, de sustentar que a tutela jurisdicional deve ser antecipada toda vez que seus pressupostos legitimadores estiverem presentes, mesmo — e aqui a atenção se volta ao § 2º do art. 273 — que haja risco de irreversibilidade (prática, fática, concreta, real) para a parte contrária. No exemplo dado, a tutela deve ser antecipada mesmo que o autor não tenha dinheiro para pagar o plano de saúde, caso, a final, fique demonstrado que seu contrato não cobria o tratamento solicitado. Não se trata de defender um “processo do autor”. A tutela antecipada, em tais casos, é de rigor porque ela decorre da solução imposta desde o “modelo constitucional do processo civil”. Trata-se de um risco que, tendo berço constitucional (art. 5º, XXXV e LXXVIII, da Constituição Federal), foi assumido e concretizado expressamente pelo legislador (art. 273). É essa a razão pela qual se faz imprescindível destacar a necessidade da presença de cada um dos pressupostos autorizadores da antecipação da tutela jurisdicional (art. 273, caput, I e/ou II). O magistrado, no exemplo figurado, não antecipa a tutela jurisdicional porque fica condoído com a narrativa do autor. Ele a antecipa porque se convenceu, por “prova inequívoca”, da “verossimilhança de uma alegação” (o plano de saúde comprometeu-se a pagar determinado tratamento e não honrou o seu compromisso) e que se o tratamento não for iniciado desde logo sua situação o pedido relativo à antecipação da tutela deve ser formulado. Dessa “lacuna” do Código de Processo Civil tiraram alguns autores (como se verifica em Calmon de Passos, Inovações no Código de Processo Civil, p. 22) a conclusão de que deveria prevalecer o de dez dias por analogia ao que o art. 325 reserva ao autor para se manifestar sobre a defesa do réu. Essa interpretação, contudo, não prevalece na doutrina e na jurisprudência, até mesmo pela dificuldade da precisão, a depender do caso concreto, da efetiva observância daquele prazo, principalmente nos casos em que o fato condutor da antecipação da tutela verifica-se fora do processo e também porque não é vencedor o entendimento de que o pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional depende, sempre e em qualquer caso, da prévia oitiva do réu (v. n. 2.4 do Capítulo 1). Diante do silêncio da legislação processual civil, o que parece ser mais correto é que a ausência de um prazo específico para a formulação do pedido de tutela antecipada deve ser um dos fatores a ser considerado pelo magistrado para deferir ou não o requerimento. Assim, por exemplo, quando se tratar de pedido fundamentado no inciso I do art. 273, importa verificar por que, diante da urgência narrada, o autor demorou tanto tempo para pleitear a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional. A falta de previsão de um prazo específico para o fim aqui discutido não quer, contudo, significar que não existam momentos procedimentais mais propícios à formulação do pedido de antecipação de tutela. Assim, quando a situação de dano preexistir ao processo, é coerente que o autor, ao romper a inércia da jurisdição, formule, desde logo, o pedido para que, sensibilizando o magistrado, antecipe a tutela jurisdicional com base no art. 273, I. De outra parte, quando a fundamentação se dá no inciso II ou no § 6º do art. 273, nada mais pertinente que entender que o pedido respectivo deva vir formulado, se não na réplica, pelo menos por ocasião de sua apresentação, em petição avulsa. O mesmo pode ser dito por ocasião da apresentação de contrarrazões à apelação, se for esse recurso e seu efeito suspensivo a causa do pedido de tutela antecipada fundamentada no art. 273, II. Não que o prazo para réplica ou para apresentação das contrarrazões seja o momento adequado para a formulação do pedido de tutela antecipada, mas é o momento indicativo de que ela se faz, realmente, pertinente, até mesmo necessária. Sua observância, no mínimo, reflete a seriedade daquele que formula o pedido. Assim, coerentemente com o que propõe o n. 1 do Capítulo 1, é viável o pedido de antecipação da tutela jurisdicional até o instante do processo em que será proferida uma decisão veiculadora de tutela jurisdicional (o acórdão que julga o recurso de apelação, por exemplo) que, por si só, isto é, independentemente da intervenção jurisdicional, tenha aptidão de produzir seus efeitos. 3. LEGITIMIDADE É o autor, por excelência, quem detém legitimidade para formular o pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional. É ele, autor, quem, ao romper a inércia da jurisdição, formula, em seu favor, pedido de tutela jurisdicional. É ele, consequentemente, que tem a parelha legitimidade para pleitear a antecipação dos efeitos desse mesmo pedido, descrevendo e comprovando a ocorrência de alguma das situações admitidas pela lei processual civil. O réu, por sua vez, resiste, em regra, ao pedido e, nesse sentido, não pede para si tutela jurisdicional, embora a rejeição da pretensão do autor signifique prestação de tutela jurisdicional em seu favor (v. n. 1 do Capítulo 4 da Parte III do vol. 1). Em tais casos, contudo, não há efeitos concretos, reais e palpáveis a serem antecipados em prol do réu no plano exterior ao processo. Quando muito, o réu pode empenhar-se ao máximo para que o processo chegue ao seu fim o quanto antes, até mesmo sem o julgamento do pedido do autor, pelo acolhimento de alguma defesa peremptória (v. n. 2.2 do Capítulo 3 da Parte II do vol. 2, tomo I). Isso, contudo, em si mesmo considerado, não tem qualquer relação com o instituto em exame. Pode até ocorrer de a situação descrita no art. 285-A justificar o indeferimento liminar da petição inicial com a improcedência do pedido do autor independentemente da citação do réu. Mesmo aqui, entretanto, não se trata, propriamente, de tutela antecipada nos termos discutidos. A despeito de também realizar os mesmos princípios constitucionais agasalhados no art. 5º, XXXV e LXXVIII, da Constituição Federal, trata-se de outra técnica processual. Há situações, contudo, em que o réu pode formular pedido de tutela jurisdicional em seu favor no mesmo processo inaugurado pelo autor. É o que se dá com a “reconvenção” (v. n. 4 do Capítulo 3 da Parte II do vol. 2, tomo I) e com o “pedido contraposto” (v. n. 3 do Capítulo 2 da Parte VI do vol. 2, tomo I). Em tais hipóteses, quando presentes os respectivos pressupostos, não há como negar legitimidade ao réu para requerer a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional — a pretendida com a “reconvenção” ou com o “pedido contraposto” — em seu favor. Fora dos casos, entretanto, em que o réu pede (tecnicamente) em face do autor, mas só resiste ao seu pedido, está excluída, sistematicamente, a tutela antecipada. O Ministério Público, quando autor, tem legitimidade para formular o pedido de tutela antecipada. Não há nenhuma peculiaridade na hipótese, bastando que ele comprove a presença dos pressupostos respectivos. Dúvida existe, entretanto, quanto à legitimidade daquele órgão quando age na qualidade de fiscal da lei. Dadas as finalidades institucionais do Ministério Público, mais que hipertrofiadas e desejadas pela Constituição Federal, deve prevalecer o entendimento de que, também nesses casos, o Ministério Público detém legitimidade para o pedido de antecipação da tutela para a melhor tutela dos interesses e direitos que motivam sua participação no processo naquela qualidade. Pensar diferentemente não é somente apequenar a função do Ministério Público e de seus misteres constitucionais; é olvidar da função social do processo e o interesse do próprio Estado de que ele, o processo, possa produzir os efeitos desejados pela ordem jurídica, inclusive, se for o caso, antecipadamente. Ser “fiscal da lei”, não é demais sublinhar, é forma de atenuar os rigores do “princípio dispositivo”, garantindo-se a necessária imparcialidade do magistrado. Nesse sentido, não há como recusar ao Ministério Público legitimidade para formular o pedido de tutela antecipada mesmo quando sua intervenção no processo justifica-se para atuar naquela qualidade. A legitimidade de terceiros para a formulação do pedido varia de acordo com a modalidade interventiva. Nenhuma dúvida deve existir quanto à legitimidade do assistente litisconsorcial para tal pedido. Ele age, comumente, como se fosse litisconsorte do assistido. Pode até opor-se a atos dispositivos de direito do assistido e conduzir o processo ao arrepio da vontade presumida do assistido (v. n. 4 do Capítulo 3 da Parte VII do vol. 2, tomo I). Naqueles casos, entretanto, em que o assistente não tem, ele próprio, legitimidade para a causa, como ocorre, por exemplo, no âmbito do “processo coletivo”, não há como reconhecer a ele legitimidade para formular pedido de tutela antecipada. A legitimidade do assistente simples para o pedido de tutela antecipada, diferentemente, deve limitar-se à hipótese do parágrafo único do art. 53, isto é, quando, revel o assistido, o assistente (mesmo que simples) é considerado seu gestor de negócios (v. n. 4 do Capítulo 3 da Parte VII do vol. 2, tomo I). Como, para fins processuais, essa figura tende a ter o mesmo regime jurídico de um “substituto processual”, nessa qualidade e enquanto perdurar a situação, o assistente simples tem legitimidade para formular o pedido. O opoente é verdadeiro autor de uma nova demanda (v. n. 1 do Capítulo 4 da Parte VII do vol. 2, tomo I). A legitimidade para a formulação do pedido de antecipação da tutela, destarte, é inegável. A nomeação à autoria, instituto de iniciativa exclusiva do réu, afasta, sistematicamente, a pertinência do pedido de tutela antecipada (v. n. 1 do Capítulo 5 da Parte VII do vol. 2, tomo I). A relação possível de ser feita entre a tutela antecipada e essa modalidade de intervenção de terceiros é a hipótese de o autor, verificando que a nomeação formulada pelo réu é protelatória — o pedido de nomeação suspende o processo (art. 64; v. n. 4 do Capítulo 5 da Parte VII do vol. 2, tomo I) —, formular pedido de tutela antecipada, com base no art. 273, II. À luz desse dispositivo, é bom lembrar, não basta que a nomeação à autoria seja utilizada pelo réu como mecanismo para dilargar indevidamente o processo. A essa circunstância deve ser somada a “prova inequívoca da verossimilhança da alegação”, tal qual exige o caput do art. 273. Sem aquele pressuposto, a iniciativa do réu para fins meramente protelatórios rende ensejo à sua responsabilização por perdas e danos, no que é claro o art. 69, II (v. n. 3 do Capítulo 5 da Parte VII do vol. 2, tomo I), sem ensejar, contudo, a antecipação da tutela. A denunciação da lide denota a cumulação ulterior de pedido de tutela magistrado destaque quais são os pressupostos e em que medida eles se fazem presentes ou ausentes na espécie. É fundamental que, na decisão respectiva, o magistrado justifique qual é a prova inequívoca que o conduz ao convencimento da verossimilhança da alegação; no que consiste a situação de dano de difícil reparação, ou, mais grave ainda, de dano irreparável; qual o comportamento do réu que representa abuso do direito de defesa (e não exercício regular e legítimo desse direito), o seu manifesto propósito protelatório ou, ainda, a incontrovérsia de parte do pedido ou de um dos pedidos cumulados. Também é fundamental que justifique por qual razão não há o perigo da irreversibilidade de que trata o § 2º do art. 273 e, quando o caso exigir, explicar por que, não obstante a proteção do autor dar ensejo a uma situação de irreversibilidade em detrimento do réu, o dano a ser suportado por ele é menos relevante que o do autor, dando aplicabilidade concreta ao “princípio da proporcionalidade” (v. n. 2.6 do Capítulo 1). A fundamentação da decisão, destarte, é significativa de o magistrado explicitar em que medida formou o seu convencimento à luz do que foi pedido e comprovado. Trata-se de medida essencial para viabilizar o escorreito exercício do direito de recurso por aquele que sucumbe com a decisão tomada. Mister saber a razão pela qual o magistrado se convenceu ou não dos pressupostos legais à luz dos fatos que lhe foram trazidos para exame, para que o contraste dessa decisão em sede recursal seja possível de ser feito pelo interessado. 5. REVOGAÇÃO E MODIFICAÇÃO O § 4º do art. 273 dispõe que “A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada”. A “revogação” de que trata o dispositivo deve ser entendida como a decisão que nega efeitos a anterior decisão antecipatória da tutela, isto é, que tira do mundo jurídico decisão a ela anterior. Antecipou-se a tutela e, agora, decide- se que ela não pode mais ser antecipada; volta-se atrás. É isso que deve ser entendido por “revogar”. O “modificar”, por seu turno, é significativo de alteração parcial. O pedido de tutela antecipada havia sido atendido integralmente; agora, a tutela antecipada deve limitar-se a determinada parte do pedido. Inversamente, a tutela havia sido concedida parcialmente, apenas para obrigar o réu a não fazer algo; agora, concede-se a tutela antecipada para que ele se abstenha também de outras atividades. Se é certo que a antecipação da tutela com base nos incisos I e/ou II do art. 273 é, por definição, provisória — no mesmo sentido que o são as decisões veiculadoras da “tutela cautelar” (v. n. 5.2 do Capítulo 1 da Parte II), até porque também são proferidas com base em “cognição sumária” —, não é menos certo que o § 4º do art. 273 não permite que elas sejam alteradas a qualquer momento do processo ao arrepio de outras normas características do sistema processual civil. É essa a razão pela qual o “revogar” e o “modificar” não podem ser entendidos como um mero “pensar de novo” ou um “pensar melhor”. Se o magistrado não se sentir apto para decidir o pedido, ele o indefere ou, quando menos, determina a produção de provas a seu respeito, ainda que com base na “cognição sumária”. Ele designa, por exemplo, a “audiência de justificação” a que se refere o § 3º do art. 461 (v. n. 2.4 do Capítulo 6). O que não é dado fazer é decidir e, sem provocação específica para tanto, sem aprofundamento da sua cognição, redecidir. Não é necessário para tanto entender que o fenômeno da preclusão diz respeito à atividade judicial, a chamada “preclusão pro iudicato”, na forma como debatido pelo n. 4.5 do Capítulo 3 da Parte III do vol. 1. É suficiente, para embasar a conclusão do parágrafo anterior, dar destaque à vedação decorrente do art. 471, caput, ou, para aqueles que têm interpretação mais restritiva do dispositivo, vinculado, apenas, às “sentenças de mérito”, dar destaque à vedação que deriva do princípio da segurança jurídica. O magistrado decide uma vez só: o acerto ou desacerto de sua decisão integra o risco, expressamente assumido pelo legislador quando admitiu que, em determinadas hipóteses, a tutela jurisdicional fosse antecipada nas condições aqui estudadas. Sua correção deve ser buscada pelas técnicas apropriadas para tanto, quais sejam, os recursos e outras técnicas de controle das decisões jurisdicionais. É importante enfatizar o acerto do entendimento apresentado pelo parágrafo anterior. A se entender diferentemente, não há como impedir o juiz, que se retratou uma vez, de retratar-se outra e outra vez. Nos locais em que há maior mobilidade de magistrados, não haveria, por identidade de razões, como impedir que houvesse, sempre, alguma revogação ou modificação da anterior decisão que, em última análise, pode decorrer da convicção pessoal de cada um diante das peculiaridades de cada caso concreto. Assim, a “revogação” e a “modificação” a que se refere o § 4º do art. 273 devem ser limitadas aos casos em que há alguma oportunidade procedimental para o magistrado redecidir o que já decidiu; coisa bem diferente de decidir de novo o mesmo pedido pelos mesmos fundamentos. A revogação ou a modificação da tutela antecipada não se pode dar, portanto, diante de novas reflexões sobre o caso sem que haja oportunidade processual para tanto. Nem pelo juiz prolator da decisão, nem por outro que, por qualquer razão, atue em seu lugar. O juízo decide uma única vez, e só redecide quando o sistema processual civil o autoriza a tanto. É o que se dá, por exemplo, quando a hipótese é de antecipação da tutela inaudita altera pars, isto é, em que a tutela é antecipada antes mesmo da citação do réu. Nestes casos, o magistrado antecipa a tutela forte no princípio da “efetividade do processo”, postergando a incidência do princípio da “ampla defesa”. Rigorosamente falando, ele, magistrado, não decidiu sequer “questão”, porque, por definição centenária, questão pressupõe discordância entre as partes (e não, eventualmente, entre autor e juiz). “Questão”, no sentido técnico, só haverá quando o réu, citado, manifestar-se, contrapondo-se às alegações do autor. Nesse caso, exercida a ampla defesa e estabelecido o contraditório entre as partes e o magistrado, com a apresentação pelo réu de sua defesa, legítimo que ele, o juiz, redecida o que já havia decidido. Em tal oportunidade, é legítimo o aprofundamento da cognição jurisdicional, inerente mesmo ao desenvolvimento do próprio processo. Sobre a hipótese de antecipação da tutela inaudita altera pars, convém dar destaque ao seguinte: não obstante destoar da prática do foro, o mais consentâneo com o “princípio do duplo grau de jurisdição” (v. n. 8 do Capítulo 1 da Parte II do vol. 1) é que, antes da interposição do recurso de agravo de instrumento, o magistrado tivesse oportunidade de reanalisar a decisão antecipatória da tutela quando proferida sem a prévia oitiva da parte. Trata-se de hipótese em que a revogação ou a modificação a que se refere o § 4º do art. 273 é legítima porque há inegável (e necessário) aprofundamento da cognição com a manifestação do réu no processo. Sem prejuízo da ressalva do parágrafo anterior, outro caso em que a revogação ou a modificação da decisão antecipatória da tutela é plenamente legítima verifica-se com o recurso de agravo de instrumento, ao ensejo de sua apresentação ao juízo de primeira instância para os fins do art. 526 na forma como discute o n. 3.3 do Capítulo 7 da Parte I do vol. 5. Fosse um caso de agravo retido interposto contra a decisão antecipatória da tutela — apesar de ele dever ser sistematicamente afastado por falta de interesse (v. n. 2 do Capítulo 7 da Parte I do vol. 5) —, a possibilidade de reexame da decisão é expressa no art. 523, § 2º. É correto o entendimento de que a sentença “revoga” a tutela antecipada no sentido de que ela, sentença, porque proferida com base em “cognição exauriente”, toma o lugar da decisão antecipatória, proferida com base em “cognição sumária”. Quanto a isso não há e nem pode haver dúvida alguma. É como se fossem duas regras jurídicas distintas, a posterior, porque trata do mesmo assunto da anterior — e de forma mais profunda —, revoga-a. A divergência existe quanto ao momento em que essa revogação é eficaz e, consequentemente, pode ser sentida. Em termos diretos: a sentença revoga a decisão antecipatória da tutela porque o juiz, ao proferi-la, analisa a questão com cognição mais profunda do que aquela que o conduziu a proferir a decisão relativa à antecipação da tutela. O autor que se vinha beneficiando da tutela antecipada anteriormente vê-se privado de seus efeitos imediatamente ou a interposição de seu recurso de apelação será medida capaz de evitar a eficácia da própria revogação da tutela antecipada pela sentença? A questão, comuníssima, é enfrentada pelo n. 3.4 do Capítulo 3. A parte final do § 4º do art. 273, que impõe o dever de motivação da decisão que redecide a questão relativa à tutela antecipada, é repetição do disposto no § 1º do mesmo dispositivo, suficientes, por isso mesmo, as considerações que, a seu respeito, faz o n. 4, supra. No que, talvez, pudesse ser claro o art. 273, § 4º, é sobre as consequências da revogação ou modificação da tutela antecipada. Mesmo no silêncio do dispositivo, contudo, não há espaço para qualquer dúvida quanto a que, uma vez observados os seus limites”. É o seguinte o teor da Proposta, entregue pelo referido Instituto ao Ministério da Justiça: “Art. 1º Dê-se aos §§ 4º e 5º do art. 273 da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), a seguinte redação: ‘Art. 273 ....................................................................................................... § 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada, fundamentadamente, enquanto não se produza a preclusão da decisão que a concedeu (§ 1º do art. 273-B e art. 273-C). § 5º Na hipótese do inciso I deste artigo, o juiz só concederá a tutela antecipada sem ouvir a parte contrária em caso de extrema urgência ou quando verificar que o réu, citado, poderá torná-la ineficaz. .............................................................................................................. (NR)’. Art. 2º A Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), passa vigorar acrescida dos seguintes arts. 273-A, 273-B, 273-C, 273-D: ‘Art. 273-A. A antecipação de tutela poderá ser requerida em procedimento antecedente ou na pendência do processo. Art. 273-B. Aplicam-se ao procedimento previsto no art. 273-A, no que couber, as disposições do Livro III, Título Único, Capítulo I deste Código. § 1º Concedida a tutela antecipada em procedimento antecedente, é facultado, até 30 (trinta) dias contados da preclusão da decisão concessiva: a) ao réu, propor demanda que vise à sentença de mérito; b) ao autor, em caso de antecipação parcial, propor demanda que vise à satisfação integral da pretensão. § 2º Não intentada a ação, a medida antecipatória adquirirá força de coisa julgada nos limites da decisão proferida. Art. 273-C. Concedida a tutela antecipada no curso do processo, é facultado à parte interessada, até 30 (trinta) dias contados da preclusão da decisão concessiva, requerer seu prosseguimento, objetivando o julgamento de mérito. Parágrafo único. Não pleiteado o prosseguimento do processo, a medida antecipatória adquirirá força de coisa julgada nos limites da decisão proferida. Art. 273-D. Proposta a demanda (§ 1º do art. 273-B) ou retomado o curso do processo (art. 273-C), sua eventual extinção, sem julgamento do mérito, não ocasionará a ineficácia da medida antecipatória, ressalvada a carência da ação, se incompatíveis as decisões’”. Sobre o assunto, vale o destaque de que o parágrafo único do art. 6º da recente Lei n. 11.804/2008, que dispõe sobre os alimentos devidos durante a gestação, admite algo similar à proposta do IBDP, ao prever que, “após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão”. A ressalva serve para evidenciar a real finalidade do Anteprojeto do IBDP: a generalização, no sistema processual civil brasileiro, do que é chamado por parte da doutrina de “ações sumárias”, “tutelas cognitivas sumárias e satisfativas” ou, mais amplamente, “tutela jurisdicional diferenciada” (v. n. 1 da Introdução), longe das amarras e das tantas dúvidas doutrinárias e jurisprudenciais que pairam sobre o Livro III do Código de Processo Civil e do conteúdo de cada uma de suas espécies. Mas não é só: a proposta é a de também se passar a admitir que decisões proferidas independentemente de “cognição exauriente” assumam, se não o mesmo, status similar ao da “coisa julgada material”. Trata-se de um passo importante para trazer à tona as reais possibilidades da tutela jurisdicional de específicas situações de direito material independentemente das formas e das justificativas de outrora (v. n. 1 do Capítulo 8). Oportuna, a respeito, a reflexão de Alberto José Lafuente Torralba (“La evolución de la tutela cautelar desde una perspectiva internacional: hacia la autonomía de las medidas anticipatorias”, p. 90, em tradução livre) sobre o que o processualista espanhol chama de “medidas autossatisfativas” a partir da doutrina de Joan Picó I Junoy : “As medidas autossatisfativas não são mais que um novo passo na evolução da tutela cautelar: primeiro, das clássicas medidas cautelares de conteúdo conservativo, passou-se à admissão de medidas idôneas a satisfazer, de forma antecipada, a pretensão de mérito; o passo seguinte tem sido reconhecer independência a tais medidas, desvinculando-as de qualquer processo considerado ‘principal’”. No aguardo da apresentação de conversão do Anteprojeto em lei, são suficientes, por ora, estas breves considerações sobre o assunto. da sentença, entendimento sufragado por este Curso. Com efeito, não há nenhuma incompatibilidade entre o proferimento da sentença e a necessidade da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional. Sentença não é tutela jurisdicional. No máximo, a tutela jurisdicional é veiculada pela sentença, mas, mesmo assim, nem sempre seus efeitos podem ser experimentados desde logo. Assim, dada a proposta de conceituação de tutela antecipada assumida pelo n. 1 do Capítulo 1, nada mais coerente do que discernir com clareza aquelas duas realidades processuais. Importa insistir no ponto: sentença não equivale a tutela jurisdicional. Sentença pode equivaler ao reconhecimento jurisdicional de que alguém tem o direito que afirmava ter no plano material. Ter tal direito reconhecido, contudo, não é suficiente para tê-lo concreta e efetivamente protegido. Tutela jurisdicional, por isso mesmo, é mais do que reconhecimento de direitos, é também o efeito concreto, real, palpável, sensível daquilo que se foi buscar perante o Estado-juiz e que é, apenas, reconhecido na sentença. A chamada “tutela antecipada” conduz, justamente, a emprestar efeitos àquilo que (ainda) não tem; somente se esses efeitos já puderem ser sentidos é que não haverá espaço para cogitar da antecipação da tutela (v. n. 2 do Capítulo 2). Há diversos julgados do STJ nesse sentido, que merecem enunciação: 4ª Turma, REsp 1.001.046/SP, rel. Min. Fernando Gonçalves, j .un. 23.9.08, DJe 6.10.08; 1ª Turma, REsp 706.252/SP, rel. Min. Luiz Fux, j .un. 13.9.2005, DJ 26.9.2005, p. 234; 2ª Seção, REsp 648.886/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j .un. 25.8.2004, DJ 6.9.2004, p. 162; 3ª Turma, REsp 473.069/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j .m.v. 21.10.2003, DJ 19.12.2003, p. 453; 5ª Turma, RMS 14.160/RJ, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j .un. 8.10.2002, DJ 4.11.2002, p. 217; 5ª Turma, REsp 406.561/SP, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j .un. 27.8.2002, DJ 23.9.2002, p. 376; 4ª Turma, REsp 299.433/RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j .un. 9.10.2001, DJ 4.2.2002, p. 381, e 4ª Turma, REsp 279.251/SP, rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, j .un. 15.2.2001, DJ 30.4.2001, p. 138. Não foi outra a razão pela qual, no plano infraconstitucional, a Lei n. 11.232/2005, ao dar nova redação ao caput do art. 463, suprimiu a noção de que o juiz, ao publicar a sentença de mérito, teria cumprido e acabado seu ofício jurisdicional (v. n. 8 do Capítulo 1 da Parte V do vol. 2, tomo I). O que o dispositivo, na sua redação presente, quer evidenciar é que o proferimento de sentença não conduz, em todo e em qualquer caso, à prestação da tutela jurisdicional. Tanto mais verdadeira a observação quando se constata o cuidado que a mesma Lei teve ao alterar a redação do § 1º do art. 162 e do caput do art. 269 para deles extrair a vinculação tradicional entre o proferimento da sentença e a extinção do processo (de conhecimento). Disto se conclui, com o desenvolvimento especificamente feito pelo n. 8.5.6 do Capítulo 1 da Parte III do vol. 1, que o conceito de tutela jurisdicional relaciona-se a seus efeitos, efeitos que podem e que devem ser sentidos fora do plano processual e que, por isso mesmo, não se confundem com o proferimento da sentença. Mesmo com a nova redação dos dispositivos destacados, contudo, ainda há espaço para se cogitar da tutela antecipada e da sentença como institutos diversos mas complementares para a realização dos princípios da efetividade do processo e da economia e da eficiência processuais (art. 5º, XXXV e LXXVIII, da Constituição Federal). A razão é a de ainda ser regra no direito processual civil brasileiro a de a apelação ser recebida no efeito suspensivo (art. 520, caput; v. n. 4.2 do Capítulo 6 da Parte I do vol. 5). Como o efeito suspensivo da apelação significa, em termos bem diretos, que os efeitos da sentença não poderão ser sentidos de imediato, ela, a sentença, é total e completamente ineficaz como regra. Assim, tê-la, do ponto de vista daquele que busca a prestação da tutela jurisdicional, não é suficiente. É justamente nesse vácuo de eficácia que tem sentido falar em tutela antecipada, não obstante o proferimento da sentença. A existência do título executivo, qualquer que seja ele, é insuficiente para fins de prestação da tutela jurisdicional; para tanto, é indispensável o início da prática dos atos executivos voltados àquele fim. 3. TUTELA ANTECIPADA ANTES DA SENTENÇA: O ART. 520, VII É comum a afirmação de que o inciso VII, incluído no art. 520 pela Lei n. 10.352/2001, foi concebido para tornar mais coerente o sistema processual civil brasileiro que, desde a introdução do art. 273 pela Lei n. 8.952/1994, passou a admitir que uma decisão interlocutória proferida com base em cognição sumária — e, por isso mesmo, revogável nos moldes do § 4º do art. 273 — e com eficácia imediata, quando substituída por decisão fundada em cognição exauriente (proferida depois do “devido processo legal”), perderia a sua eficácia durante a fase recursal. É que uma vez proferida a sentença que confirmava a decisão antecipatória da tutela, oportunidade na qual o magistrado, indo além da mera verossimilhança, convencia-se integralmente de que o autor tinha razão, tendia esse ato jurisdicional a ser ineficaz mercê da regra do caput do art. 520, que atribui à maioria das apelações efeito suspensivo. Assim, pelo mero fato de ser apelável, a sentença não era capaz de produzir seus efeitos. A incoerência do sistema era patente: uma decisão mais fraca do ponto de vista da cognição jurisdicional e de sua estabilidade era mais forte do ponto de vista da eficácia. Para corrigir essa incoerência do Código de Processo Civil, o inciso VII do art. 520 veio estabelecer que a apelação interposta de sentença que “confirma” a tutela antecipada será recebida no efeito devolutivo, querendo significar, com isso, que não há efeito suspensivo nessa apelação e, rigorosamente, que a sentença que “confirma” a tutela antecipada pode surtir, independentemente do prazo de apelação e de sua interposição e julgamento, seus regulares efeitos, os mesmos efeitos, aliás, que já vinham sendo sentidos desde a concessão da tutela antecipada (v. n. 2.4.6 do Capítulo 6 da Parte I do vol. 5). Importa destacar, a respeito das considerações feitas pelos parágrafos anteriores, que uma tal modificação expressa no Código de Processo Civil não se fazia necessária (Assim, v.g.: STJ, 3ª Turma, REsp 267.540/SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j .un. 21.11.2006, DJ 12.3.2007, p. 217). A superação da incongruência entre as eficácias das decisões jurisdicionais (a antecipatória da tutela e a que a confirmava, a final), sempre foi uma imposição que decorria do próprio sistema processual civil, quando devidamente analisado desde o seu “modelo constitucional”. O mérito da inovação, contudo, é o de evidenciar, em caráter inegavelmente didático, a solução, afastando, por isso mesmo, qualquer hesitação que, a respeito do tema, poderia ocorrer. Se, no entanto, reputou-se oportuno explicitar a regra que passou a ocupar o inciso VII do art. 520, não é menos certo que o novel dispositivo acabou, a exemplo do que ocorreu com o art. 273, § 7º, pelas razões expostas pelo n. 4 do Capítulo 8, mostrando-se acanhado na sua iniciativa. É que ele prevê uma só hipótese, pinçada casuisticamente pelo legislador e transformada em regra jurídica: a de que, em dado processo, o autor requereu e obteve a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional antes da sentença, e que a sentença, oportunamente proferida, confirmou esses mesmos efeitos, é dizer, ela foi proferida em plena conformidade com a anterior decisão antecipatória da tutela. Mantém-se, assim, a “coerência” do sistema, que, pelo menos do ponto de vista do direito escrito, afirmava-se perdida por quase oito anos, no espaço temporal existente entre a Lei n. 8.952/1994 e a Lei n. 10.352/2001. A regra, contudo, não responde a outras diversas questões: e se a tutela antecipada não foi concedida antes da sentença e o pedido foi julgado procedente? E se a tutela foi antecipada, mas parcialmente, e a sentença dá pela procedência total do pedido? E se a tutela antecipada, total, for confirmada apenas em parte pela sentença? E se o juiz julgar o pedido em desfavor do autor, anteriormente beneficiado com a antecipação da tutela? E se da decisão que antecipou os efeitos da tutela jurisdicional o réu interpôs agravo de instrumento e obteve efeito suspensivo? E se o agravo, com efeito suspensivo, ainda não foi julgado quando do proferimento da sentença? E se o agravo não tramita com efeito suspensivo mas é julgado após o proferimento da sentença, vale o que o Tribunal decidir ou o que for decidido pela sentença? E se o juiz, por qualquer motivo, deixar de “confirmar” a tutela antecipada na sentença? Estas e outras questões não são respondidas pelo texto do art. 520, VII, porque a técnica legislativa utilizada no dispositivo é casuística: ele trata apenas de uma específica hipótese e não das que, embora lhe sejam próximas — e usuais no foro —, são diferentes. É importante, por isso mesmo, compreender o art. 520, VII, mais em sua ratio que na sua fórmula escrita. Trata-se de dispositivo de inspiração nobilíssima, mas de insuficiente realização literal. A regra, a bem da verdade, acabou por dizer (bem) menos do que deveria. Importa, pois, interpretar o dispositivo como se nele se lesse algo como “não terá efeito suspensivo a apelação interposta da sentença proferida em processo em que se concedeu ou se poderá conceder a tutela antecipada”, ou, ainda, “toda a vez que se antecipar a tutela, independentemente da fase do processo, a apelação interposta da sentença respectiva não terá efeito suspensivo”. antecipada pela sentença é eficaz, a partir de quando ela, a sentença, produz seus regulares efeitos, ocupando o espaço até então ocupado pela tutela antecipada. Se há o efeito suspensivo da apelação, os efeitos da sentença não são imediatos, inclusive o relativo à revogação da tutela antecipada pelo seu proferimento. O réu, consoante o caso, pode dirigir-se ao Tribunal para contornar a situação quando deverá demonstrar que tem mais direito e mais necessidade de se beneficiar da sentença, na parte em que ainda não é eficaz, porque sujeita ao efeito suspensivo da apelação (a cassação da tutela antecipada, com o retorno das coisas ao status quo ante), do que o autor, sem prejuízo de valer-se de agravo de instrumento para discutir a existência ou não do efeito suspensivo da apelação nesse caso e a possibilidade de a decisão antecipatória da tutela manter-se eficaz (art. 522, caput). Trata-se, em última análise, de o réu obter decisão antecipatória da tutela em seu favor, ainda que proferida pelo Tribunal competente para julgamento do recurso de apelação, pela retirada do efeito suspensivo da apelação do autor, questão que é tratada com mais profundidade pelo n. 5, infra. 3.4. Antecipação total da tutela e sentença de improcedência total A questão abordada pelo número presente é a generalização da enfrentada pelo anterior: caso o magistrado rejeite integralmente o pedido em detrimento do autor anteriormente beneficiado com a tutela antecipada, a apelação do autor será recebida, pela letra do art. 520, VII, com efeito suspensivo, porque, à falta de previsão expressa desse inciso, prevalece a regra do caput. O que ocorre, entretanto, é que o efeito suspensivo daquele recurso tem a aptidão de impedir que a sentença passe a ter efeitos imediatos, e, nessa medida, a “não confirmação” da tutela antecipada é também ineficaz. Sua revogação, embora tenha ocorrido, não pode produzir efeitos imediatos no mundo jurídico; uma vez mais, tudo se passa no plano da eficácia das decisões jurisdicionais e não no plano da validade. Importa evidenciar que as soluções propostas por este e pelo número anterior podem não parecer as mais “coerentes”, já que, se é verdade que o magistrado se convenceu da verossimilhança da alegação do autor quando do proferimento da sentença, ele acabou por se convencer do contrário, de que o autor não tem direito e, portanto, não deve ser tutelado jurisdicionalmente, e o fez com cognição exauriente. A “lógica” e a “coerência” do sistema deveriam conduzir à conclusão oposta da já externada e aqui reiterada. É este, com efeito, o entendimento largamente defendido pela doutrina e pela jurisprudência. A crítica seria procedente, com a devida vênia, se a “lógica” e a “coerência” do sistema não fossem, nos casos de tutela antecipada, “invertidas”. O que o sistema, com o instituto da tutela antecipada, quer prestigiar em primeiro plano é o autor que tem razão e também o autor que pode ter razão (e é esse o ponto sensível, inegavelmente paradoxal da exposição). Se o autor recorre da sentença, e se sua apelação é recebida com efeito suspensivo pela inaplicabilidade do art. 520, VII, isso se justifica porque, na sua perspectiva, a apelação será acolhida, reformada a sentença e a tutela antecipada “confirmada” após a fase recursal. E, se assim é, a “lógica” e a “coerência” do sistema acabam por impor uma continuidade de proteção da situação que, de início, motivou a antecipação da tutela. A conclusão aqui defendida fica ainda mais evidente quando a tutela antecipada é concedida com base em “dano irreparável” para um tratamento da saúde, para a concessão de remédios a um doente ou uma internação hospitalar, por exemplo (art. 273, I). Em casos que tais, é inviável pensar que o autor beneficia-se da tutela antecipada antes da sentença; dela não se pode beneficiar desde o proferimento da sentença até o julgamento da apelação e, caso acolhida sua pretensão recursal, dela se beneficiará depois da manifestação do Tribunal ad quem. Pode ser que a tutela, a final reconhecida, seja de todo ineficaz diante do hiato criado entre o proferimento da sentença (em desfavor do autor) e o julgamento da apelação (em favor do autor). Assim, o efeito suspensivo da apelação, nestes casos, nada mais é do que uma forma de prolongar o “risco” da tutela jurisdicional de urgência assumido expressamente pelo legislador ao concretizar os comandos dos incisos XXXV e LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal. Não é diverso, ademais, o que se dá com relação a uma das interpretações propostas pelo n. 7 do Capítulo 1 com relação ao art. 807, em detrimento do art. 520, IV, para o “processo cautelar”; o que o art. 13, § 3º, da Lei n. 5.474/1968 dispõe para as demandas voltadas à prestação de alimentos; o que se dá para o mandado de segurança nos termos dos §§ 1º e 3º do art. 14 da Lei n. 12.016/2009, e, mais recentemente, o que ocorre com os “embargos à execução” nos termos do art. 587 e sua aptidão de se impor à diretriz contrária da Súmula 317 do STJ, como expõe o n. 5 do Capítulo 6 da Parte I do vol. 3. Por essa razão, aceitas as conclusões aqui propostas, é que o réu deverá tomar as providências que lhe cabem para retirar o efeito suspensivo da apelação, obtendo a “revogação” imediata da tutela antecipada, que se dá, isto não pode ser questionado, com o sentenciamento do processo, mas é ineficaz. É o réu que deverá tomar a iniciativa de buscar tutela jurisdicional em seu favor, comprovando que, naquele instante do processo, é o seu direito — e não o do autor — que merece guarida do Estado-juiz. Os mecanismos para tanto são os abordados pelo n. 4.4, infra. Os críticos dessa interpretação — e, vale repetir, eles representam a grande maioria da doutrina e da jurisprudência — defendem que a hipótese também reclama a incidência do art. 520, VII, fora de sua literalidade, no sentido de que o “confirmar a decisão antecipatória da tutela” lá referido deva ser substituído pela menção à mera existência de uma decisão antecipatória da tutela, como se estivesse escrito no dispositivo que, no processo, sempre que houver antecipação de tutela, independentemente de sua confirmação ou não pela sentença, a apelação dela interposta não terá efeito suspensivo, isto é, ela, a sentença, valerá de imediato pelo que contém, independentemente de ter sido proferida em consonância com anterior decisão antecipatória da tutela. Nesse expresso sentido, manifestou-se a 3ª Turma do STJ no REsp 768.363/SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j .un. 14.2.2008, DJ 5.3.2008, p. 1. Trata-se, em última análise, de se aplicar para a tutela antecipada o que o inciso IV do art. 520 reserva para o “processo cautelar” (v. n. 9 do Capítulo 3 da Parte II). Para essa corrente, como a sentença é proferida em sentido contrário à decisão antecipatória da tutela, não há nenhuma razão lógica para que o comando jurisdicional mais forte (sentença proferida com base em cognição exauriente) não se sobreponha ao mais fraco (decisão interlocutória proferida com base em cognição sumária). Analisada a questão do ponto de vista lógico, não há como tirar a razão da crítica. No entanto, como todas as considerações até aqui expostas têm aptidão de evidenciar, o problema não é lógico, é jurídico- sistemático; ele representa nítida opção feita pelo legislador a partir do “modelo constitucional do processo civil”. Não há como o intérprete e o aplicador do direito afastarem-se dela, desconsiderando-a. De qualquer sorte, aceita a crítica, será o autor que, carente da tutela anteriormente antecipada, terá de obter, de alguma forma, essa mesma tutela (ainda antecipada, porque, de outro modo, não se beneficiaria de efeito nenhum, não obstante o proferimento da sentença), e o fará, na forma como expõem os ns. 4.4 e 7, infra, junto ao Tribunal ad quem, valendo-se, analogicamente, da competência desse órgão estabelecida pelo parágrafo único do art. 800 ou, consoante o caso, lançando mão do recurso de agravo, que será de instrumento, por força do art. 522, caput, para contrastar eventual decisão do juízo a quo que se pronuncie acerca da subsistência ou não dos efeitos derivados da anterior decisão antecipatória da tutela. Também pelas razões lá expostas, não há como descartar, aprioristicamente, que o autor busque tutela a seu direito junto ao próprio magistrado a quo, forte no que dispõe o § 2º do art. 518. 3.5. Antecipação da tutela, agravo de instrumento e sentença Retomando as questões formuladas pelo n. 3, supra, importa examinar aquelas que tomam como ponto de partida a existência de agravo de instrumento interposto pelo réu da decisão antecipatória da tutela. As questões merecem exame conjunto, pois, independentemente da sorte do agravo de instrumento, independentemente de ele ter tramitado, ou não, com efeito suspensivo, independentemente de ele ter sido conhecido ou não conhecido, provido ou improvido, julgado ou não julgado, ele é recurso dirigido a uma decisão que, com o proferimento da sentença, passa a não existir mais. A sentença absorve a decisão antecipatória da tutela, e, por isso, o agravo perde, em qualquer caso, seu objeto. Se ele não tiver ainda sido julgado, ele não deve (mais) ser julgado. Se tiver sido julgado, se a ele foi concedido efeito suspensivo, tudo isso pode, até, consoante o caso, influir na convicção do magistrado sentenciante, mas não é decisivo nem impositivo que a sentença seja no mesmo sentido do julgamento do agravo, caso já tenha ocorrido. Isto porque o agravo dirige-se a uma específica decisão interlocutória que, com a sentença, passa a não existir mais, porque absorvida por aquele outro ato jurisdicional. Uma coisa é decidir a respeito da antecipação da tutela, quiçá liminarmente, contra sua concessão na sentença ou, na hipótese inversa, contra seu indeferimento na mesma oportunidade. É este o objetivo dos números seguintes. 4.1. Pedido Não há prazo para a formulação do pedido de tutela antecipada (v. n. 2 do Capítulo 2). A tutela antecipada tem lugar ao longo de todo o processo enquanto os efeitos da sentença ainda não podem ser experimentados como ocorre, por exemplo, por causa do efeito suspensivo da apelação. Nessas condições, a elaboração das “razões finais” — geralmente conhecidas como “memoriais” —, que precedem, imediatamente, o proferimento da sentença, apresenta-se como oportunidade procedimental adequada para formular o pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional. Isto porque o autor, naquele ato, terá condições de demonstrar, à exaustão, a ocorrência de cada um dos pressupostos autorizadores do art. 273. O pedido de tutela antecipada nas alegações finais ou em petição avulsa apresentada no mesmo instante procedimental, ademais, é providência que tem a aptidão de colocar o que for decidido em andamento, na sua dinâmica, dando-se conta de que não basta a “procedência” do pedido, isto é, o acolhimento da pretensão do autor, mas, também, que os efeitos práticos decorrentes da decisão jurisdicional possam ser sentidos para que a tutela jurisdicional seja efetivamente prestada, em consonância com o “modelo constitucional do processo civil”. Se, por qualquer motivo, pedido formulado nesse sentido deixar de ser apreciado pelo magistrado quando do proferimento da sentença, a hipótese comporta embargos de declaração a serem apresentados com fundamento no art. 535, II. Nesse sentido: STJ, 5ª Turma, REsp 406.561/SP, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j .un. 27.8.2002, DJ 23.9.2002, p. 376, e STJ, 4ª Turma, REsp 279.251/SP, rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, j .un. 15.2.2001, DJ 30.4.2001, p. 138. 4.2. Pressupostos Há quem diga que a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional por ocasião da sentença não tem sentido porque, ao arrepio do art. 273, caput, o juiz, ao proferi-la, baseia-se em “cognição exauriente” e não em “cognição sumária”; que tutela antecipada é instituto atrelado à noção de urgência e, por isso, avessa à cognição desenvolvida na sentença, exauriente por definição, nos casos e situações aqui discutidos. O argumento, diferentemente do que poderia parecer de seu primeiro exame, não infirma as considerações anteriores; pelo contrário, confirma-as. Se o sistema admite que uma decisão fundada em cognição sumária surta efeitos imediatos, o que dizer de uma decisão baseada em cognição exauriente? Trata-se, aqui também, da mesma “incoerência de eficácias” a que se refere o n. 3, supra. A superação dessa incongruência, à luz do art. 5º, XXXV e LXXVIII, da Constituição Federal, deve ser sempre em favor do princípio da efetividade do processo e das técnicas que imprimam maior celeridade nos julgamentos proferidos pelo Judiciário e nos efeitos concretos destes julgamentos e não o contrário. Assim, o fato de o autor, ao requerer a tutela antecipada em seus “memoriais”, ter condições de apresentar ao magistrado muito mais do que “verossimilhança”, não é óbice para afastar a pertinência do acolhimento de seu pedido. Até porque a “verossimilhança da alegação” pode ser compreendida a partir do “efeito devolutivo” de um eventual recurso de apelação (v. n. 4.1 do Capítulo 6 da Parte I do vol. 5) apto a viabilizar, pela instância recursal competente, o reexame do que ao juiz pareceu suficiente para o acolhimento do pedido do autor e a concessão da tutela antecipada. Ademais, como o n. 2.5 do Capítulo 1 demonstra, a “urgência” não é uma constante em se tratando de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, suficiente para essa demonstração a leitura do inciso II e do § 6º, ambos do art. 273. 4.3. Recursos Questão tormentosa é a relativa ao recurso cabível da tutela antecipada concedida na sentença. A doutrina divide-se a respeito. Há aqueles, como Luiz Guilherme Marinoni (A antecipação da tutela na reforma do processo civil, p. 61), que entendem que a decisão que antecipa a tutela, independentemente de “onde” ela é proferida, é uma decisão interlocutória (art. 273, § 5º) e, como tal, passível de contraste por agravo na modalidade de instrumento, porque necessário o seu reexame imediato pelo órgão ad quem (v. n. 5 do Capítulo 2). Aceita a premissa, mesmo que a antecipação seja concedida na sentença, isto é, no mesmo corpo físico da sentença, ela continua sendo interlocutória e, por imposição do sistema, agravável de instrumento nos termos do caput do art. 522. A corrente oposta, defendida, dentre outros, por Cândido Rangel Dinamarco (Capítulos da sentença, p. 115-116) e Luciana Gontijo Carreira Alvim (Tutela antecipada na sentença, p. 131-136), sustenta que, independentemente do que está contido na sentença, isto é, independentemente de seu conteúdo, o recurso dela interponível é a apelação (art. 513). A circunstância de uma decisão poder se manifestar como interlocutória é indiferente para a sua rotulação jurídica porque o que importa, para tal fim, é o conteúdo do ato jurisdicional feliz, no particular, a redação do § 1º do art. 162. Por isso, o recurso cabível de qualquer sentença é a apelação. Este Curso entende que a segunda corrente é a mais adequada à luz do sistema processual civil e, consequentemente, deve prevalecer. Se a tutela antecipada for analisada “dentro” da sentença, o recurso interponível dessa “parte” (ou, mais apropriadamente, capítulo) da sentença é a apelação. É bastante, a respeito, o precitado art. 513. Eventuais dificuldades relativas ao processamento desse recurso não impedem a eficácia imediata da sentença, marca característica da tutela antecipada. Do ponto de vista substancial, porque a apelação não tem efeito suspensivo, interpretação mais correta para o inciso VII do art. 520 (v. n. 3.1, supra), razão suficiente para reconhecer à sentença a possibilidade de ela ser executada provisoriamente, nos termos do § 1º do art. 475-I e do art. 521. Do ponto de vista formal, porque a execução autorizada pela antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional deverá ser feita em “carta de sentença”, aplicando-se à espécie o disposto no art. 475-O, § 3º, considerando que os autos vão ao Tribunal para julgamento da apelação (v. n. 3 do Capítulo 6 da Parte I do vol. 3). Os defensores do cabimento do agravo de instrumento contra a decisão que antecipa (ou nega) a tutela, mesmo “dentro” da sentença, destacam que o cabimento da apelação criaria obstáculo processual contrário aos efeitos imediatos da decisão antecipatória da tutela, pois que a apelação teria, é essa a regra do caput do art. 520, efeito suspensivo, e, mesmo que não o tivesse, ensejaria a situação indicada pelo parágrafo anterior. Luiz Guilherme Marinoni (A antecipação da tutela na reforma do processo civil, p. 61), um dos árduos defensores desse entendimento, sustenta, a respeito, que seria útil que o magistrado, em vez de analisar o pedido de tutela antecipada na sentença, o fizesse por decisão “avulsa”, “fora” da sentença, para deixar bem claro que ela é, “ontologicamente”, interlocutória e, como tal, agravável de instrumento (art. 522, caput). Obviar-se-iam, assim, todos os percalços destacados acima. O que ocorre, contudo, é que, para o sistema processual civil brasileiro, importa distinguir as “decisões interlocutórias” das “sentenças”, dentre outros motivos, inclusive para identificação do recurso cabível. Assim, se o magistrado realmente antecipar a tutela em decisão estranha à sentença, estará configurada a hipótese de interlocutória, e o recurso cabível será, sistematicamente, o agravo de instrumento. Como nada há que obrigue o magistrado a tomar a iniciativa e dada a polêmica em torno do assunto, é fundamental a aplicação do “princípio da fungibilidade”, tratado pelo n. 6 do Capítulo 2 da Parte I do vol. 5, para que a forma dos atos processuais não crie nenhum obstáculo à propensão do processo surtir seus regulares efeitos, mais ainda quando todas as dificuldades formais são superáveis sem nenhum prejuízo para os sujeitos do processo. A 4ª Turma do STJ já o adotou na hipótese aqui examinada. Trata-se do REsp 1.035.169/BA, rel. Min. João Otávio de Noronha, j .un. 20.8.2009, DJe 8.2.2010. Ademais, quaisquer dificuldades que surjam ao autor ou ao réu para proteger adequadamente situações que envolvem urgência — o pedido de antecipação da tutela pode ter sido formulado com fundamento no art. 273, I, por exemplo — são facilmente contornáveis pela possibilidade de o Tribunal competente para julgamento do recurso ser acessado diretamente por força da competência jurisdicional reconhecida pelo parágrafo único do art. 800. A despeito de aquele dispositivo referir-se a “medida cautelar”, sua aplicação, como demonstra o n. 7, infra, deve ser a mais ampla possível, em consonância com o “modelo constitucional do direito processual civil”. Assim, o acesso ao Tribunal recursal competente, independentemente do nome a ser dado à iniciativa, mostra-se providência capaz de viabilizar o contraste imediato do indeferimento do pedido de tutela antecipada na sentença. Essa “medida”, a bem da verdade, tem função nitidamente preparatória do êxito da apelação que será modificando, em função das características do caso concreto, a regra abstrata prevista pelo legislador no caput do art. 520 (v. n. 4.2.10 do Capítulo 6 da Parte I do vol. 5). A circunstância de o Tribunal ter competência para apreciar “medidas cautelares” depois da interposição do recurso (art. 800, parágrafo único) não afasta tal conclusão pelas razões expostas pelos ns. 4.4, supra, e 7, infra. O § 2º do art. 518 prevê que, apresentadas as contrarrazões, pode o magistrado reapreciar o juízo de admissibilidade da apelação e deve fazê-lo em cinco dias. Não há razão para deixar de reconhecer que fazem parte do “juízo de admissibilidade da apelação” os efeitos com que ela foi recebida (v. n. 5 do Capítulo 6 da Parte I do vol. 5). E mais: efeito suspensivo é sinônimo de ineficácia de qualquer decisão jurisdicional; no caso da sentença, é fator impeditivo de que seus efeitos regulares sejam sentidos ou, como querem o § 1º do art. 475-I e o art. 521, de sua “execução provisória”. É um problema de ineficácia inerente ao nascimento do próprio ato jurisdicional. Assim, no prazo das contrarrazões há inegável oportunidade para que o prolator da sentença, reexaminando o juízo de admissibilidade da apelação, “retire” o efeito suspensivo. Não se trata de violar o art. 520 e a regra do efeito suspensivo lá prevista. Aquele dispositivo, como todos os outros, deve ser lido e interpretado harmonicamente com todo o sistema processual civil. O art. 273, ao acentuar que, presentes dados pressupostos, o ato jurisdicional deve ser eficaz, flexibiliza aquela regra. Se o que impede a produção dos efeitos de uma sentença é o efeito suspensivo da apelação, ele deve ser posto de lado, quando presentes os pressupostos que autorizam o magistrado a emprestar executividade ao ato que reconhece, suficientemente, o direito de uma das partes e, por isso mesmo, reputa-a carente de tutela jurisdicional. O entendimento, usualmente identificado na doutrina, de que o art. 520 seria taxativo, de que a ausência de efeito suspensivo da apelação depende de prévia autorização legislativa, também não pode ser aceito. O sistema processual civil oferece a solução diversa. A tutela antecipada é, decididamente, mecanismo para retirar o efeito suspensivo da apelação fora daqueles casos em que o próprio legislador, genérica e abstratamente, já assumiu, expressamente, o risco processual dessa iniciativa. No caso do art. 273, essa é a única diferença, o legislador quis compartilhar o risco com o magistrado, que deverá, caso a caso, verificar quando o autor, que tem seu direito devidamente reconhecido na sentença, poderá satisfazer-se desde logo independentemente da fase recursal. É essa a razão pela qual o fenômeno aqui descrito deve ser identificado com a retirada ope iudicis do efeito suspensivo da apelação, na linha do que propõe o n. 1.2 do Capítulo 6 da Parte I do vol. 3. É o juiz quem, em última análise, decide quais casos reclamam “execução provisória” da sentença e quais casos em que isso não é possível ou, quando menos, não é desejável. A regra que decorre do art. 520, caput, com sua literalidade e rigidez, e a vedação de sua interpretação extensiva devem ceder espaço ao sistema processual civil, mormente quando analisado, como deve ser, a partir do “modelo constitucional”. O efeito suspensivo ope legis, que decorre exclusivamente da “vontade da lei”, cede espaço, hoje, ao efeito suspensivo ope judicis, a ser retirado ou atribuído (caso do parágrafo único do art. 558) pelo magistrado, consoante as necessidades do caso concreto. Em tais casos, porque a concessão (ou o indeferimento) do pedido de antecipação da tutela jurisdicional dá-se fora da sentença, o recurso interponível para seu contraste perante o órgão ad quem é o agravo de instrumento. Nesse sentido, aliás, chama a atenção a clareza do caput do art. 522, que prevê a hipótese expressamente ao se referir ao agravo de instrumento das decisões interlocutórias relativas aos “efeitos em que a apelação é recebida” e que, por isso, acaba por confirmar o acerto do entendimento que reconhece ao magistrado a quo competência para, a despeito do proferimento da sentença, ainda deliberar sobre o assunto (v. n. 4.4, supra). 6. UMA PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO PARA O ART. 520, VII Os desdobramentos de que se ocupam os ns. 3 a 5, supra, têm o condão de demonstrar que a redação do art. 520, VII, é, claramente, insuficiente. A bem da verdade, verifica-se, a todos os olhos, que a técnica legislativa empregada neste dispositivo — do casuísmo — não atende bem às finalidades das reformas do Código de Processo Civil (v. n. 2.7 do Capítulo 2 da Parte I do vol. 1) porque acaba por capturar, apenas e tão somente, uma e só uma hipótese relativa à incidência do disposto no art. 273. A regra trata, apenas e tão somente, da situação em que, antecipada a tutela, a sentença a confirma. Não trata, contudo, de outras tantas situações que podem ocorrer no dia a dia forense e que ocorrem com bastante frequência. O inciso VII do art. 520, com efeito, não se ocupa dos seguintes casos: (a) autor que tem antecipada, em seu favor, a tutela jurisdicional mas a sentença é de improcedência (rejeição) do pedido; (b) autor que, beneficiado com a antecipação da tutela, tem o pedido julgado procedente (acolhido) em parte; (c) autor que, beneficiado em parte com a antecipação da tutela, tem o pedido julgado totalmente procedente; (d) autor que, beneficiado em parte com a antecipação da tutela, tem o pedido julgado totalmente improcedente; (e) autor que, beneficiado em parte com a antecipação da tutela, tem o pedido julgado procedente em parte diversa; (f) autor que, a despeito de não obter tutela antecipada, tem o pedido julgado procedente; (g) autor que, a despeito de não obter tutela antecipada, tem o pedido julgado procedente em parte; (h) autor que, a despeito de não obter tutela antecipada, tem o pedido julgado improcedente. Não há razão para supor que estas hipóteses esgotam todas as combinações possíveis que o tema sugere, mas elas são suficientes para ilustrar que o art. 520, VII, pretendendo regular as relações do efeito suspensivo da apelação em casos em que há tutela antecipada, foi inequivocamente insuficiente. Melhor teria sido que o legislador tivesse usado — como, de resto, utilizou em tantos outros dispositivos legais — fórmulas mais abertas, verdadeiras cláusulas gerais, confiando que a doutrina e a jurisprudência dessem conta de todas as hipóteses encartáveis no comando da lei, construindo a regra aplicável, admitindo, expressamente, que o magistrado pudesse, analisando cada caso apresentado com suas peculiaridades e dificuldades, criar o direito (v. n. 2.6 do Capítulo 2 da Parte I do vol. 1). Como não foi esta a fórmula adotada pelo dispositivo, contudo, é mister interpretar o inciso VII do art. 520 como se nele estivesse escrito que o recurso de apelação não tem efeito suspensivo em todos os casos em que se puder cogitar da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, concedendo-a ou confirmando- a, independentemente de a sentença já ter sido proferida. 7. DEVER-PODER GERAL DE ANTECIPAÇÃO NA FASE RECURSAL A expressão “tutela antecipada no âmbito recursal” deve ser compreendida amplamente para abarcar todas as situações em que o pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional deve ser formulado perante o Tribunal ad quem, supondo, consequentemente, algum descontentamento com as decisões proferidas pelo juízo a quo. Pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, nunca é demais frisar, no sentido de emprestar a uma decisão jurisdicional os efeitos que, de outro modo, não poderiam ser sentidos de imediato ou, quando menos, antes da manifestação do órgão recursal. Trata-se, portanto, do exercício do “dever-poder geral de antecipação” perante o Tribunal recursal competente. É o que se dá, por exemplo, quando o magistrado de primeira instância nega o pedido de antecipação da tutela formulado pelo autor que apresenta o recurso de agravo de instrumento. Quando a situação é de urgência, é possível que esse agravo de instrumento antecipe os efeitos de seu provimento, é dizer, antecipe a tutela pretendida pelo próprio recurso (do mérito do recurso; v. n. 3 do Capítulo 3 da Parte I do vol. 5), que, por definição, coincide com o pedido negado em primeira instância. O que, depois de alguma hesitação na doutrina e jurisprudência, convencionou-se chamar de “efeito suspensivo ativo” (ou, de forma mais completa, “efeito suspensivo dos efeitos negativos do desprovimento da decisão recorrida”) foi bem equacionado pela Lei n. 10.352/2001, que deu nova redação ao inciso III do art. 527, referindo-se à possibilidade de o relator, recebendo o agravo, “deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal”. Para o exame do dispositivo, v. o n. 3.4.3 do Capítulo 7 da CAPÍTULO 4 Cumprimento da tutela antecipada 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Diferentemente do que poderia parecer de um exame menos detido, o estudo da “tutela antecipada” não se resume na constatação dos pressupostos que conduzem o magistrado a liberar os efeitos da tutela jurisdicional fora dos casos que abstratamente permite o legislador (v. n. 1 do Capítulo 1), isto é, no exame dos casos em que ela é “concedida”. Importa analisar detidamente também o tema relativo às formas de realização da tutela antecipada, isto é, de seu cumprimento, de sua execução ou, como prefere o § 3º do art. 273, de sua efetivação, ou seja, de que maneira os efeitos práticos que o magistrado reconhece devidos consoante as peculiaridades do caso concreto devem surtir no plano exterior ao processo. Também para o tema em pauta não é suficiente ao magistrado reconhecer o direito a uma das partes; é mister verificar como os efeitos práticos deste reconhecimento podem e devem ser exportados do plano processual ao plano material. É nisto que consiste, quando analisada a questão da perspectiva do “modelo constitucional do processo civil”, a “tutela jurisdicional efetiva”. É disto que se ocupa o presente Capítulo. O § 3º do art. 273, originalmente introduzido pela Lei n. 8.952/1994 e alterado pela Lei n. 10.444/2002, cuida do assunto e busca dar indicações de como uma decisão antecipatória da tutela deve ser cumprida, ou seja, como ela faz para surtir seus efeitos no mundo material. Atualmente, o dispositivo tem a seguinte redação: “§ 3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A”. As alterações, comparando a redação original do § 3º do art. 273 com a atual, parecem, se analisadas fora do contexto adequado, meramente estilísticas, quiçá meramente redacionais. Substituiu-se a anterior palavra “execução” por “efetivação”; acrescentou-se a locução “conforme sua natureza” e, ao lado da remissão ao art. 588, que havia sofrido profunda modificação com a Lei n. 10.444/2002, acrescentou-se a remissão aos arts. 461 e 461-A, este criado e aquele modificado pelo mesmo diploma legislativo. A palavra “efetivação” que hoje está no dispositivo, lê-se da Exposição de Motivos que deu origem à Lei n. 10.444/2002, justifica-se para designar fenômeno mais amplo do que o descrito pela palavra “execução” que ocupava o § 3º originário. Por “efetivação” deve ser entendida qualquer forma de cumprimento da tutela antecipada. Justifica-se a alteração porque, tradicionalmente, o termo “execução” é fenômeno atrelado exclusivamente à forma de realização concreta de um efeito de uma específica “tutela jurisdicional”, a “condenatória” (v. n. 8.5.3 do Capítulo 1 da Parte III do vol. 1). O dispositivo pretendeu, assim, generalizar o campo de atuação concreta dos efeitos antecipáveis da tutela jurisdicional, sem a preocupação amplamente discutida em sede de doutrina sobre quais efeitos poderiam, ou não, ser passíveis de antecipação, a partir da classificação usualmente aceita pela maior parte da doutrina, tal qual apresentada pelo n. 8.5 do Capítulo 1 da Parte III do vol. 1. A expressa menção aos arts. 461 e 461-A, bem assim a inclusão da expressão “conforme sua natureza” também se relacionam com esta mesma preocupação. Todas as questões daí derivadas são objeto de exame pelo número seguinte. Mais recentemente, a Lei n. 11.232/2005 revogou expressamente o art. 588, substituindo-o pelo art. 475-O, que, consolidando as conquistas trazidas pela Lei n. 10.444/2002 àquele dispositivo, trouxe, ainda, algumas regras novas para a “execução provisória”. Embora a Lei n. 11.232/2005 não tenha alterado a redação do art. 273, § 3º, não há como deixar de observar, corretamente, que a remissão lá feita ao art. 588 só pode ser, desde então, ao atual art. 475-O (STJ, 3ª Turma, REsp 952.646/SC, rel. Min. Nancy Andrighi, j .un. 4.11.2008, DJe 4.8.2009 e STJ, 3ª Turma, REsp 681.294/PR, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j .un. 18.12.2008, DJe 18.2.2009). 2. EFEITOS ANTECIPÁVEIS Importa tecer, desde logo, uma consideração importante a respeito da remissão que o § 3º do art. 273 faz aos arts. 475-O, 461 e 461-A. Ela não deve ser entendida de forma restritiva, isto é, no sentido de que somente efeitos “condenatórios”, “executivos lato sensu” e “mandamentais” — a referência é feita à classificação adotada pela doutrina tradicional (v. n. 8.5 do Capítulo 1 da Parte III do vol. 1) — sejam dignos de antecipação. Também a “tutela declaratória” e a “tutela constitutiva”, sempre empregando a classificação tradicional, podem ser antecipadas para que seus efeitos típicos sejam sentidos no plano exterior ao processo “antes do tempo”. É esse o motivo pelo qual este Curso deixa de concordar, com as devidas vênias, com a lição de João Batista Lopes (Tutela antecipada no processo civil brasileiro, p. 54-63), segundo a qual não se antecipa declaração porque a declaração jurisdicional tem como objetivo pôr fim, em definitivo, a dada controvérsia jurídica concreta (incerteza), e não há, por definição, fim de controvérsia (certeza) provisória. O mesmo deve ser dito para a constituição, que representa, em maior ou menor intensidade, a criação, a modificação ou a extinção de um status jurídico, típico da “tutela constitutiva”. Dir-se-á que não se pode criar, modificar ou extinguir nada provisoriamente. É certo que, pela própria natureza do instituto em análise, não há como antecipar um grau de certeza que só a sentença vai alcançar e que somente vai conseguir em virtude do desenvolvimento da “ampla defesa”, do “contraditório” e, enfim, após o exercício do “devido processo legal”. Antecipam-se, no entanto, efeitos fáticos, práticos ou jurídicos de uma declaração ou de uma constituição (v. n. 2 do Capítulo 8). O próprio caput do art. 273 admite a antecipação total ou parcial dos “efeitos da tutela pretendida no pedido inicial”. Ademais, admitindo- se, com os ns. 3.1 e 4 do Capítulo 3, que a própria sentença tem aptidão de antecipar os efeitos da tutela jurisdicional, não há como deixar de recusar acerto ao entendimento exposto. A questão é a de saber quando o juiz pode, modificando as escolhas feitas abstratamente pelo legislador, autorizar que sua decisão surta seus efeitos, total ou parcialmente, no plano exterior ao processo. Tem o apoio deste Curso, por isso mesmo, o entendimento quanto à possibilidade de antecipar efeitos decorrentes da “tutela declaratória” ou da “tutela constitutiva” para coibir, por exemplo, a produção de efeitos de deliberações tomadas em assembleia de sociedade convocada irregularmente ou para modificar o valor de um aluguel de contrato de aluguel antes mesmo da citação do réu (v. n. 2.4 do Capítulo 1). Essa última hipótese, aliás, é prevista expressamente no art. 68, II, da Lei n. 8.245/1991, que ganhou nova redação com a Lei n. 12.112/2009 a “Lei de locação de imóveis urbanos”, não tendo despertado, dessa perspectiva, nenhum questionamento digno de destaque, mesmo na sua redação anterior. Nem que, como expõe o n. 2 do Capítulo 8, esse adiantamento seja da ordem embutida em qualquer declaração (ou constituição) de que não se pode comportar de maneira contrária ao que decidido jurisdicionalmente. Ademais, aceitando a proposta classificatória da tutela jurisdicional por seus efeitos nos moldes propostos pelo n. 8.5.6 do Capítulo 1 da Parte III do vol. 1, muito do assunto quando analisado da perspectiva aqui ventilada deixa de ter qualquer relevância teórica ou prática. 3. “CONFORME SUA NATUREZA” E “NO QUE COUBER” A maior dificuldade interpretativa do § 3º do art. 273 não reside no emprego da palavra “execução” ou, a partir da Lei n. 10.444/2002, “efetivação”, que, não obstante as razões destacadas pelo n. 1, supra, podem (e devem) ser tratadas como sinônimas ou de verificar quais “efeitos” da tutela jurisdicional podem ser antecipados. Até porque, com relação a este ponto, trata-se, em última análise, de se antecipar a própria tutela jurisdicional, independentemente de quais sejam ou possam ser seus efeitos, como aventado pelo n. 2, supra, e exposto pelos números seguintes. Ela reside em saber como a decisão que antecipa a tutela jurisdicional de seus pressupostos específicos estampados em cada um dos dispositivos mencionados. Assim, do mesmo modo que, para a antecipação da tutela, importa verificar se há ou não urgência, essa mesma distinção é indispensável para o seu cumprimento. Dois exemplos podem ilustrar significativamente a conclusão do último parágrafo. CAC demanda CAS, conceituado plano de saúde, pleiteando, diante da recusa do réu em cobrir o valor relativo a determinada intervenção cirúrgica, o pagamento de R$ 100.000,00, quantia suficiente para os gastos com hospital e despesas médicas em geral. Forte no dano irreparável (art. 273, I) — atestados médicos dão conta do estado de saúde em que se encontra o autor —, o pedido de tutela antecipada formulado na petição inicial é concedido liminarmente, isto é, antes mesmo da citação do réu. Trata-se, para fazer uso da nomenclatura tradicional, de um pedido de condenação do réu no pagamento de determinada soma em dinheiro. Assim, sua execução deverá observar o disposto no art. 475-J, isto é: o réu tem quinze dias para pagar sob pena de incidir na multa de 10% a que faz referência o caput do dispositivo. Caso não pague, ao autor cabe indicar bens à penhora, quando o réu terá condições de impugnar os atos executivos até então desenvolvidos (arts. 475- J, § 1º, e 475-L). Mesmo que se sustente o descabimento da “impugnação” porque ela se volta apenas à sentença ou destacado que ela não tem, com regra, aptidão de suspender a prática dos atos executivos (art. 475-M, caput; v. n. 4 do Capítulo 1 da Parte V do vol. 3), é certo que, com ou sem ela, contudo, a penhora dos bens para a satisfação do autor não se mostra suficiente. Para tanto, impõe-se a sua alienação, que deve realizar-se de acordo com uma das modalidades admitidas pelo art. 647: adjudicação, alienação por iniciativa particular, alienação em hasta pública e usufruto de móvel ou imóvel. Mesmo que as técnicas executivas das obrigações de quantia tenham sido bastante simplificadas e agilizadas com as Leis n. 11.232/2005 e 11.382/2006, inclusive com a possibilidade de penhora eletrônica de dinheiro (art. 655-A; v. n. 5.1 do Capítulo 4 da Parte II do vol. 3), é imediata a constatação de que, entre a concessão da tutela antecipada e a satisfação do autor há necessário transcurso de um espaço de tempo considerável. Se o réu acatar a determinação do juiz em pagar nos quinze dias do caput do art. 475-J, menos mal. Mas se o réu não pagar, mesmo ciente de que sua omissão acarreta um acréscimo de 10% sobre o valor devido e sua sujeição à prática dos atos executivos disciplinados pelo Livro II do Código de Processo Civil, inexiste previsão de tempo para a satisfação do autor. Ainda que, vale a pena a ênfase, o autor adjudique o bem penhorado nos moldes do art. 685-A, não há como desconsiderar que a prática daquele ato pode demandar mais tempo que a consumação do prejuízo que se quer evitar com a atuação jurisdicional, que, ao se mostrar tão necessária na espécie, justificou a antecipação dos efeitos da tutela em seu benefício. A última constatação é fundamental para compreensão do alcance do § 3º do art. 273: porque se trata de antecipação da tutela jurisdicional fundada em urgência, pode não haver tempo hábil para que as técnicas executivas acima descritas sejam empregadas tais quais previstas pelo legislador. Pode ocorrer, para polemizar, que a internação do autor e a cirurgia precisem ser realizadas antes mesmo do prazo de quinze dias a que se refere o caput do art. 475-J. Assim, o mesmo periculum in mora que conduziu o magistrado à concessão da tutela antecipada com base no art. 273, I, deve legitimá-lo, em idêntica proporção, à flexibilização do seu cumprimento, isto é, de sua efetivação. Conceder a tutela antecipada, forte nesse pressuposto, e dar ao autor um “modelo de execução” nos moldes previstos pela lei processual civil, mesmo após as mais recentes Reformas, têm tudo para significar, para ser o mais direto possível, “dar com uma mão e tirar com a outra”. É inócuo conceder tutela antecipada sem que, paralelamente, haja condições para a satisfação concreta dessa mesma tutela. Tutela jurisdicional, antecipada ou ulterior, é mais do que reconhecer direitos; é também — e em idêntica proporção — realizá-los, satisfazendo-os (v. n. 3, supra). Se a antecipação da tutela justifica-se pela urgência — e, neste primeiro exemplo, é esta a hipótese destacada —, não só o reconhecimento de quem faz jus à tutela jurisdicional tem de ser “antecipado”, mas também sua realização prática. A satisfação do autor (ter dinheiro suficiente para realizar a operação que lhe foi negada pelo réu) é ideia correlata à da concessão da tutela antecipada. A decisão onde se leem as razões pelas quais a tutela jurisdicional antecipada é insuficiente para aqueles fins. Tanto quanto ela, o autor necessita de seus resultados práticos e concretos. Afinal, é de tutela jurisdicional que trata o instituto em estudo, não de mera “declaração formal de direitos”. É por isso, forte na presença da urgência do caso concreto, que não há como recusar uma verdadeira adequação do modelo executivo para atender suficientemente às necessidades daquela situação que, vale enfatizar a ideia, foi reconhecida como existente pelo próprio magistrado. É ele, o juiz, quem afirma, para todos os fins, que o direito existe e que deve ser tutelado antecipadamente. Como não basta só a declaração do direito nestes casos, impõe-se, para o próprio magistrado, o dever de criar mecanismos executivos aptos para torná-la realidade no plano exterior ao processo, no plano material. É isto que o § 3º do art. 273 autoriza ao fazer uso da expressão “conforme sua natureza”, em absoluta harmonia com o “modelo constitucional do processo civil”. Mas não é só: o § 3º do art. 273 vale-se também da expressão “no que couber”. Para este Curso, a expressão deve ser entendida como significativa da legitimidade de flexibilizar as técnicas executivas previstas abstratamente pelo legislador. O fator urgência, que se faz irremediavelmente presente nos casos do inciso I do dispositivo, também deve ser considerado pelo magistrado para valer- se do “modelo executivo” como mera referência que aceita, pelas peculiaridades de cada caso concreto, alterações. Aquela expressão, com efeito, legitima o magistrado a, consoante as necessidades de cada hipótese, construir o “modelo executivo” que lhe pareça ser o mais apropriado, o mais célere, o mais ágil para atingir o desiderato que justifica a antecipação da tutela jurisdicional. Trata-se de o magistrado ter bem presente que seu poder é instrumental a uma finalidade pública, qual seja, a realização concreta da tutela jurisdicional, não só o seu mero reconhecimento; um verdadeiro dever-poder, portanto, como expõe o n. 1 do Capítulo 1. Assim, em vez de “pagar em 15 dias, sob pena de multa e penhora de bens suficientes”, o “no que couber”, em situação de emergência como a do exemplo figurado, legitima o magistrado a, verdadeiramente, abreviar o iter executivo visando a mais ampla satisfação do autor no menor tempo possível. Determinará que o valor devido seja pago em menor tempo que aquele indicado pelo legislador para a normalidade dos casos; elevará a multa prevista pelo caput do art. 475-J pretendendo, com isso, obter o pagamento da quantia devida; deferirá o levantamento do dinheiro depositado pelo arrematante sem necessidade de caução, mesmo ao arrepio da letra do § 2º do art. 475-O (v. n. 4, infra) e assim por diante. É importante ir além: analisado o § 3º do art. 273 à luz do “modelo constitucional do processo civil”, é irrecusável a conclusão de que as expressões nele utilizadas permitem ao magistrado deixar de aplicar as técnicas do art. 475- J, concebidas originalmente para a “obrigação de pagar”, tratando a situação concreta no que ela tem de “obrigação de fazer”, fazendo uso, consequentemente, do arsenal de medidas executivas do art. 461. Para tanto, o magistrado não concederá tutela antecipada para que o réu, o mesmo CAS, do exemplo dado anteriormente, pague o valor equivalente à internação e à cirurgia, mas para que, diferentemente, determine sua internação e que ele seja operado sob pena de multa diária, observando o que, a respeito, expõe o n. 5, infra. Não se trata de julgar ou decidir extra petita. O magistrado decidiu o que lhe foi pedido, o que é suficiente para afastar sua decisão daquele vício. O que ele fez de “diferente” foi implementar um outro sistema de concretização de direitos, porque verificou que o tradicional (no exemplo, o “pedido condenatório”) não tinha aptidão para dar ao autor aquilo que ele pretende do Estado-juiz, mesmo que tenha conseguido, satisfatoriamente, comprovar sua existência com sua petição inicial. Além da adaptação do modelo executivo, aproveitando-se dele “no que couber” — o que, no campo da “tutela cautelar”, é bem entendido como uma de suas características, a “fungibilidade” (v. n. 5.7 do Capítulo 1 da Parte II) —, o magistrado tem aptidão de criar um novo modelo de efetivação moldado às necessidades do caso concreto “conforme sua natureza”. A situação de urgência que reclama a antecipação da tutela impõe, em idêntica proporção, o estabelecimento de um sistema de concretização mais eficaz, mais célere, mais ágil; um sistema que se mostra mais apto para dar algum grau de satisfação (de resposta) à pretensão do autor na exata medida de suas reais necessidades. Ainda mais, vale a insistência, quando adotada a proposta classificatória da tutela jurisdicional pelos seus efeitos na forma do n. 8.5.6 do Capítulo 1 da Parte III do vol. 1, em que não há distinção substancial entre as técnicas voltadas à realização dos direitos materiais reconhecidos no plano processual e, portanto, em que tanto o “pedido mediato” como o “pedido imediato” são observados integralmente (v. n. 6 do Capítulo 1 da Parte III do vol. 1). Uma outra forma de enfrentar o problema, ainda no que diz respeito aos
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