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Introdução ao estudo do direito - alexandre sanches, Notas de estudo de Direito

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO

Tipologia: Notas de estudo

2017

Compartilhado em 10/08/2017

ton-udi-11
ton-udi-11 🇧🇷

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Baixe Introdução ao estudo do direito - alexandre sanches e outras Notas de estudo em PDF para Direito, somente na Docsity! 1 SABERES DO DIREITO Introdução ao Estudo do Direito (UM Sáraiva DADOS DE COPYRIGHT Sobre a obra: A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de disponibilizar conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. É expressamente proibida e totalmente repudíavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo Sobre nós: O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso site: LeLivros.Net ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link. Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento,e não lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade enfim evoluira a um novo nível. MATO GROSSO DO SUL/MATO GROSSO Rua 14 de Julho, 3148 – Centro – Fone: (67) 3382-3682 – Fax: (67) 3382- 0112 – Campo Grande MINAS GERAIS Rua Além Paraíba, 449 – Lagoinha – Fone: (31) 3429-8300 – Fax: (31) 3429- 8310 – Belo Horizonte PARÁ/AMAPÁ Travessa Apinagés, 186 – Batista Campos – Fone: (91) 3222-9034 / 3224- 9038 – Fax: (91) 3241-0499 – Belém PARANÁ/SANTA CATARINA Rua Conselheiro Laurindo, 2895 – Prado Velho – Fone/Fax: (41) 3332-4894 – Curitiba PERNAMBUCO/PARAÍBA/R. G. DO NORTE/ALAGOAS Rua Corredor do Bispo, 185 – Boa Vista – Fone: (81) 3421-4246 – Fax: (81) 3421-4510 – Recife RIBEIRÃO PRETO (SÃO PAULO) Av. Francisco Junqueira, 1255 – Centro – Fone: (16) 3610-5843 – Fax: (16) 3610-8284 – Ribeirão Preto RIO DE JANEIRO/ESPÍRITO SANTO Rua Visconde de Santa Isabel, 113 a 119 – Vila Isabel – Fone: (21) 2577- 9494 – Fax: (21) 2577-8867 / 2577-9565 – Rio de Janeiro RIO GRANDE DO SUL Av. A. J. Renner, 231 – Farrapos – Fone/Fax: (51) 3371-4001 / 3371-1467 / 3371-1567 – Porto Alegre SÃO PAULO Av. Antártica, 92 – Barra Funda – Fone: PABX (11) 3616-3666 – São Paulo ISBN 978-85-02-17424-5 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Cunha, Alexandre Sanches Introdução ao estudo do direito / Alexandre Sanches Cunha. – São Paulo : Saraiva, 2012. – (Coleção saberes do direito ; 1) 1. Introdução ao estudo do direito. – Brasil I. Título. II. Série Índice para catálogo sistemático: 1. Brasil : Introdução ao estudo do direito 340.1 Diretor editorial Luiz Roberto Curia Diretor de produção editorial Lígia Alves Editor Roberto Navarro Assistente editorial Thiago Fraga Produtora editorial Clarissa Boraschi Maria Preparação de originais, arte, diagramação e revisão Know -how Editorial Serviços editoriais Kelli Priscila Pinto / Vinicius Asevedo Vieira Capa Aero Comunicação Produção gráfica Marli Rampim Produção eletrônica Ro Comunicação Data de fechamento da edição: 17-2-2012 Dúvidas? Acesse www.saraivajur.com.br Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. A minha família: together we’re invincible. A minha Lisboa: sempre nos meus sonhos. Ao Professor Doutor Luiz Flávio Gomes, À Professora Doutora Alice Bianchini e ao meu irmão Rogério Sanches Cunha pelo convite e oportunidade. Ao Dr. Ivan Luís Marques e ao Dr. Danilo Fernandes Christófaro pelas críticas, sugestões e palavras de incentivo. Apresentação O futuro chegou. A Editora Saraiva e a LivroeNet, em parceria pioneira, somaram forças para lançar um projeto inovador: a Coleção Saberes do Direito, uma nova maneira de aprender ou revisar as principais disciplinas do curso. São mais de 60 volumes, elaborados pelos principais especialistas de cada área com base em metodologia diferenciada. Conteúdo consistente, produzido a partir da vivência da sala de aula e baseado na melhor doutrina. Texto 100% em dia com a realidade legislativa e jurisprudencial. Diálogo entre o livro e o 1 A união da tradição Saraiva com o novo conceito de livro vivo, traço característico da LivroeNet, representa um marco divisório na história editorial do nosso país. O conteúdo impresso que está em suas mãos foi muito bem elaborado e é completo em si. Porém, como organismo vivo, o Direito está em constante mudança. Novos julgados, súmulas, leis, tratados internacionais, revogações, interpretações, lacunas modificam seguidamente nossos conceitos e entendimentos (a título de informação, somente entre outubro de 1988 e novembro de 2011 foram editadas 4.353.665 normas jurídicas no Brasil – fonte: IBPT). Você, leitor, tem à sua disposição duas diferentes plataformas de informação: uma impressa, de responsabilidade da Editora Saraiva (livro), e outra disponibilizada na internet, que ficará por conta da LivroeNet (o que chamamos de )1 . No 1 você poderá assistir a vídeos e participar de atividades como simulados e enquetes. Fóruns de discussão e leituras complementares sugeridas pelos autores dos Capítulo 4 A Constituição 1. O constitucionalismo 2. O conceito de Constituição 3. A finalidade da Constituição 4. Classificação da norma quanto à hierarquia 5. Classificação das Constituições 6. Aplicabilidade das normas constitucionais 7. Poder constituinte Capítulo 5 Fontes do Direito 1. Conceito 2. As fontes no direito brasileiro 3. Breve evolução histórica Capítulo 6 A Lei 1. Noção de lei 2. A lei na antiguidade 3. Hierarquia das leis 4. Fases do processo legislativo 5. Entrada em vigor da lei 6. Cessação da vigência da lei 7. Técnica legislativa Capítulo 7 O Costume 1. Conceito e anotações preliminares 2. Elementos do costume 3. Espécies de costume Capítulo 8 A Jurisprudência Capítulo 9 A Doutrina Capítulo 10 Direito, Ética e Moral 1. A ética socrática (a filosofia como projeto ético) 2. A ética kantiana 3. Distinção entre ética e moral 4. Direito e moral 5. Diferenças entre direito e moral Capítulo 11 O Positivismo Jurídico 1. Comte e o positivismo 2. Aspectos essenciais do pensamento de Kelsen 3. A visão piramidal do ordenamento jurídico 4. A norma fundamental 5. Críticas gerais ao positivismo 6. Considerações finais Capítulo 12 O Direito Natural: o jusnaturalismo 1. O direito natural na Grécia antiga 2. O direito natural em Roma 3. A patrística 4. A escolástica 5. Jacques Maritain Capítulo 13 O Direito Alternativo Capítulo 14 Miguel Reale e a Teoria Tridimensional do Direito Capítulo 15 Direitos Fundamentais e Direitos Humanos 1. Importância e conceito do tema 2. Escorço histórico 2.1 A evolução através do tempo 2.1.1 Antiguidade clássica 2.1.2 Cristianismo 2.1.3 As Declarações de Direitos Inglesas 2.1.4 Contratualismo 2.1.5 Marquês de Beccaria 2.1.6 As Declarações de Direitos Americanas 2.1.7 As Declarações de Direitos Francesas 2.1.8 A Declaração de Direitos Russa 2.1.9 A Constituição Mexicana (1917) 2.1.10 A Constituição Alemã (1919) 2.1.11 A Carta de São Francisco (ONU, 1945) 2.1.12 A Declaração Universal dos Direitos do Homem pela ONU 2.1.13 Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Capítulo 1 O Direito como Fenômeno: escorço histórico 1. O direito como fenômeno: delimitação do problema Primeiramente, faz-se necessário analisar, ainda que brevemente, a palavra “direito”. O significado recai, fundamentalmente, naquilo que é reto (directum), não contorcido. Há inclusive uma expressão latina, utilizada por Horácio, que distingue o “Justo” do “injusto”, ou seja: o reto do torto (curvo dinoscere rectum). E, já aqui, sabemos que são os operadores do Direito, os juristas e os tribunais, por meio de aplicações de princípios, das leis e demais fatores, que decidirão aquilo que efetivamente é reto ou não. O termo latino correspondente, ius, traduz um conceito de ajuste (de um conflito, por exemplo); assim, jurídico provém do latim iuridico, que designava “aquele que aplica e ensina o direito”. Deste modo, estudar Direito, no mundo atual, resume-se, basicamente, num estudo livresco. A Ciência do Direito não requer aparelhagem especial ou laboratórios, pois é um ramo bem definido das humanidades. Assim, chegamos a um primeiro conceito: a Ciência do Direito revela-se numa ciência social. No mundo atual, o Direito, como ciência, torna-se cada vez mais amplo e traz no seu bojo uma quantidade enorme de temas que se revelam, aos estudiosos do Direito, cada vez mais provocativos. Se observarmos com atenção as ideias que embasam a Doutrina Jurídica, que, no fundo, são de pensadores como Platão, Aristóteles, São Tomás de Aquino etc., estas se revelam antigas e (ainda) pouco acessíveis. Há muitas questões que ainda perturbam o espírito humano, que o Homem ainda esforça-se por superar. Convém então, por uma questão de rigor metodológico, oferecer uma visão global daquilo que vem a ser a evolução do Direito (bem como da Política, uma vez que está intrinsecamente ligada a este). Analisá-lo, pois, enquanto fenômeno, objeto de estudo e sua aplicação prática até os nossos dias. Aliás, convém notar que o Direito está cada vez mais complexo e seu discurso parece, por vezes, pouco humano, ilegítimo e distante de seus destinatários (o povo). Neste diapasão, este capítulo revela-se numa tentativa de oferecer aos Acadêmicos com interesse no desenvolvimento do Direito um breve guia dos principais “avanços” que obteve ao longo da História. Aliás, esta tem sido a tendência do ensino da Introdução ao Estudo do Direito, matéria obrigatória nos programas das Faculdades de Direito, ou seja: acompanhar eventuais progressos (e – por que não? – eventuais retrocessos do Direito), entendê-lo enquanto fenômeno, delimitar seu campo de estudo e de atuação. Por questões de rigor epistemológico, convém aprofundar o conceito de que o Direito está inserido no mundo social (eis a razão por que analisamos sua evolução histórica, filosófica, econômica, sociológica e política). Isso quer dizer que o Direito está intrinsecamente ligado às relações humanas (ou seja: dos homens uns com os outros), à vida em sociedade. O Direito então, inserido na sociedade, revela-se numa ciência social. É importante reter que não importa o tipo de sociedade (humana ou animal); ela exige sempre uma organização. Sem este requisito fundamental, ela se desfaz, rumam seus membros cada qual para um lado, em total dissintonia. É importante, no âmbito social, que todos rumem de fato para o mesmo sentido, que haja sintonia de diapasão, objetivos permanentes, dentro de um segmento social. Deste modo, uma sociedade na qual um vizinho explora o outro ou desrespeita seus limites diante do próximo não pode ser considerada uma sociedade boa. Decorre deste princípio de organização o fato de que passa a ser essencial, também, a coordenação que traduz, inevitavelmente, a subordinação de elementos uns aos outros. A hierarquia, segundo alguns pensadores, seria um dado da própria natureza (tal como o instinto de propriedade ou de altruísmo ou solidariedade). Embora nem sempre tenha existido um Estado organizado – tal como o conhecemos –, sempre houve (mesmo que diante da força) uns que mandaram e outros que obedeceram (obviamente que o problema da legitimidade dos primeiros, ou seja: dos que mandam, é tema, por si só, muito extenso...). Deduz-se então que não há a possibilidade de existir uma sociedade sem um governo e, igualmente, um governo que não esteja a serviço de determinada sociedade. Para que todos esses elementos estejam em harmonia e produzam resultado, há a necessidade de um conjunto de regras e de leis. Eis o Direito. Convém lembrar dois aforismos ou brocardos jurídicos de grande precisão e significado: “onde está a sociedade, aí está o Direito” (ubi societas, ibi jus), e aplica-se igualmente o inverso, uma vez que “onde está o Direito, aí está a sociedade” (ubi jus, ibi societas). A propósito, se observarmos na Grécia Antiga, Aristóteles já defendia a tese de que o homem é um “animal político” (usa inclusive esses termos: zoon politikon – “zoon” refere-se literalmente a “animal”, e não a “ser”, como, erroneamente, costuma ser traduzido – para defini-lo). Notamos o peso deste raciocínio quando, em sua obra A Política, sublinha que “O homem que é incapaz de ser membro de uma comunidade, ou que não sente absolutamente essa necessidade porque basta a si mesmo, em nada faz parte de uma cidade e consequentemente é um bruto ou um deus”. Isto reforça a ideia de que o homem é um animal social que convive (com-vive, vive em conjunto) com seus semelhantes, estabelecendo, logicamente, relações sociais. Dessas relações, podem surgir ou gerar conflitos de interesses. Assim, aos interesses de Caio podem, em tese, opor-se os interesses de Tício. Ora, para dirimir esses conflitos (ajustá-los, ou Sólon, Clístenes e Péricles asseguraram que as decisões coletivas sobre os rumos da polis não devessem ser exclusivas de um pequeno grupo de iluminados, mas o resultado de um debate aberto entre os cidadãos (independente da classe social ou estatuto). Um dos instrumentos principais para a sobrevivência neste regime era o debate público. Os atenienses, com a retórica e a oratória, passam a debater ideias; surgem, inevitavelmente, conflitos, indagações e críticas: ambiente propício para o aprimoramento da Filosofia, da Política e, como consequência, o crescimento do Direito. Com o debate público, os gregos questionam as ideias de seus concidadãos, as leis, os julgamentos públicos, a condição humana e, por fim, refletem sobre suas próprias ideias. 2.2 O direito em Roma Roma se funda, após a expulsão dos reis, essencialmente como uma república. Trata-se de uma república diferente da grega, pois se revelou mais aristocrática, quer dizer, governada por poucos (não necessariamente pelos melhores). Ao contrário dos gregos, Roma nunca teve uma Carta, uma Constituição escrita que regulasse e organizasse o Estado. Porém, a república romana foi evoluindo paulatinamente. Os romanos, após a conquista da Itália, lançam os olhos para o mundo helênico. O modelo da democracia, da Filosofia e demais ramos do pensamento na Grécia Antiga são adotados de modo marcante em Roma. Curioso é que os gregos, ao serem conquistados por Roma, por meio das armas, difundiram a sua cultura; assim, a cultura grega se espalha naquele Império de uma maneira avassaladora. A tal ponto que Horácio, pensador romano, destacou que Graecia Capta Ferum Victorem Capit (ou seja: a Grécia, capturada – pelo poderio militar – aos ferozes vitoriosos – aos romanos – capturou). Roma não copia apenas a arte, a economia, a cultura, a filosofia, aspectos religiosos de seus “conquistados”: espelha-se, como é evidente, no Direito. Tal como na Grécia, existe a figura de Magistrados, debates e julgamentos públicos por meio das assembleias do povo e mudanças de regimes políticos. Os romanos (embora deva ser sempre analisados conforme a época em que se situam...) tinham uma noção de Estado que, embora muito deficitária quando comparada com nossos dias, ainda deixa legados que até hoje se fazem presentes em nosso cenário político. É o caso da res publica, que traduzia o conceito de “sociedade” ou de “interesse público”. Os juristas romanos, munidos com o legado grego como a filosofia, a retórica, a lógica e a dialética, por exemplo, começaram a produzir e interpretar leis e elaborar definições jurídicas que servem de fonte até os dias de hoje, como a Lei das Doze Tábuas e as Institutas, de Gaio e Justiniano (fontes do Direito Civil e Penal). Notamos então que, inevitavelmente, o método romano para o estudo e aplicação do Direito era muito similar ao grego. Vale lembrar que os jurisconsultos, em Roma antiga, já elaboravam análises dos casos já tramitados, das leis, o controle jurisprudencial, e seus aprendizes os acompanhavam com o intuito de observar a “aplicação viva” do Direito. 2.3 O estudo e o desenvolvimento do direito na Idade Média A Idade Média, e toda sua História, abarca cerca de 400 anos. Deste modo, para fins metodológicos, destaca-se o primeiro período que ocorre do ocaso do Império Romano e que vai até a primeira Cruzada (proclamada em 1095 pelo Papa Urbano II). No início da Idade Média, com as monarquias germânicas, o Direito está intimamente ligado à figura do rei. Curioso é que havia um grande movimento filosófico e político, que tinha por objetivo fazer com que o rei governasse dentro dos limites expostos na lei, controlando, assim, seus abusos. Ademais, seria necessário que o soberano também viesse a se submeter aos ditames de sua própria lei. Trata-se de um avanço (levando-se em conta sempre o período histórico em comento) na medida em que, mesmo com a própria ideia de governo, eminentemente “teocrática”, já havia rudimentos legislativos no intuito de delimitar o poder real. Vale lembrar que era inadmissível que um súdito se rebelasse contra seu rei. No campo político-geográfico, a Europa foi fracionada em territórios, denominados feudos. Por sua vez, em cada feudo, o poder era exercido pelo senhor feudal. Tratava-se aqui de um nobre que era o proprietário da terra (sempre a serviço de um rei). A figura do senhor feudal passa a ter uma importância relevante: era este quem se encarregava da administração, do comércio, da cobrança de impostos (destinados ao soberano) e da aplicação da justiça. Aos reis cabia apenas a figura de suseranos de um grande número de vassalos. Vale lembrar que, neste sistema político-econômico, o próprio rei podia ser vassalo de outro rei, mais poderoso do que ele. Fundamentalmente, o vassalo devia oferecer fidelidade absoluta e proteção ao seu suserano. Notamos então que “vassalagem” e “suserania” constituíam o sistema socioeconômico predominante da Idade Média. Assim, neste período, o Direito emana essencialmente do rei (cujo encargo de governar provinha de Deus) e da Igreja. Ora, já no século XI, porém, essa organização político- econômica começou a sofrer severas mudanças. Tendo em vista o crescimento do comércio, concentrado nas grandes cidades, os monarcas assumiram papel mais relevante. Aos poucos, o rei deixou de ser apenas mais um entre tantos senhores feudais e passou a centralizar o poder em torno de si. Toma para si as rédeas do governo e passa a cuidar assim dos impostos, da legislação (basicamente elaborada conforme sua vontade), da manutenção de um exército encarregado de garantir a segurança de seu reino e da população (obviamente à custa de altos impostos...). Pois é neste contexto que se consolidam as primeiras monarquias europeias. Após a primeira Cruzada, há significativa mudança na sociedade europeia. Pessoas que praticavam o mesmo ofício se organizaram em guildas ou corporação, no intuito de defender seus interesses políticos e econômicos. Essa mudança se traduz na constatação de que o homem medieval tem maior tendência a se organizar coletivamente e, consequentemente, essa estrutura coletiva, juntamente com o acréscimo populacional, necessita de leis mais complexas. Há também um aumento de mosteiros e monges, fator crucial para a Filosofia, a Política e o Direito. europeus, observando a vantagem da doutrina luterana, acabam por adotá-la com o intuito de ganho político e instaurando monarquias nacionais e totalitárias (a título de exemplo, citamos os reinados de Henrique VIII, Elisabete I e Luís XI). 2.4 O “Iluminismo” e o século XVIII O século XVII talvez tenha sido um dos mais importantes para a evolução das artes, da Filosofia, da Política e do Direito. Talvez tenha sido neste século que germinaram as ideias que tornaram o século XVIII tão marcante para a humanidade. Basta lembrar que, na Inglaterra do século XVII, o país é tomado por uma revolta conduzida pelo parlamento (instituição que, lá, tinha muito mais força do que em França). Eclodem duas guerras civis e, em 30 de janeiro de 1649, o Rei Carlos I é decapitado, sendo que, na sequência, o milenarista Oliver Cromwell se declara Lorde Protetor da Grã-Bretanha. Assim, na História, essa foi a importância do século XVII: deitar as sementes que germinaram e brotaram com força no século seguinte. O século XVIII produziu uma gama enorme de doutrinas que, embora divergissem entre elas em determinados pontos, a doutrina frequentemente as associa num único grupo: a “Filosofia das Luzes” ou “Iluminismo”. Essa expressão tem a finalidade de designar a época do triunfo da razão, em que o Homem buscou distanciar-se do dogmatismo da Igreja. Há historiadores que enunciam tratar-se mais de um humor do que de um movimento propriamente dito. Revela-se, deste modo, numa nova postura do Homem diante de uma filosofia notadamente dogmática e ortodoxa que lhe impunha grilhões, amarras. Um dos fatores mais importantes para os “iluministas”, talvez a maior fonte de inspiração, foi a Revolução Francesa. Esta revolução deita por terra a monarquia absolutista, pois havia já rompido a ligação afetiva do monarca francês com seus súditos. Assim, podemos enquadrar neste “movimento” pensadores que, até os dias atuais, são fundamentais para a compreensão do Direito: Montesquieu, Voltaire e Rousseau. Contudo, ao contrário daquilo que geralmente se toma como verdadeiro, não foram os filósofos os inspiradores da Revolução, mas foi ela que buscou sua legitimidade no pensamento dos filósofos do século XVIII. Neste período, em França, sob a supervisão de Diderot, surge a Encyclopedia, uma das obras mais marcantes da época (e, sobretudo, como veremos adiante, para a própria Introdução ao Estudo do Direito). Essa obra, na qual colaboraram os principais pensadores da época, continha os mais variados temas como política, religião, filosofia, bem como informações técnicas. A História deixa bem claro que o mês de agosto de 1789 foi o ápice deste século. Na sessão de 4 de agosto daquele mês, na Assembleia francesa, foi decidido que a futura Constituição (a de 1791) seria precedida de uma Declaração dos Direitos do Homem. Assim, entre os dias 20 e 26 de agosto, os franceses discutem artigo por artigo desta declaração. Em sete dias os franceses remodelaram a França e o mundo. 2.5 O direito no Brasil Obviamente que não podemos analisar o Direito no Brasil sem considerarmos o direito indígena. Tal como nas sociedades míticas, analisadas anteriormente, detinham o poder ora o mais forte, ora aquele que se comunicava com os deuses. Assim, notamos que diversos povos indígenas habitavam o Brasil antes da chegada dos portugueses em 1500. Destas tribos diferentes, cada qual com seus costumes, sua cultura (aliás, isso se constata na própria colonização; algumas tribos se aliaram com os colonizadores, enquanto outras resistiram com mais afinco). Governava a tribo, no âmbito político e administrativo, o cacique (palavra trazida do Haiti pelos europeus que designava “chefe político”) ou o morubixaba (palavra utilizada pelos guaranis para designar seus líderes). O pajé, por sua vez, tinha a responsabilidade de transmitir conhecimentos para os mais jovens. Tinha também a missão religiosa e da cura, por meio de rituais e plantas medicinais (convém destacar que a religião indígena era baseada na crença em espíritos de antepassados e forças da natureza). Mantinham uma sociedade que lembra, em muito, o comunismo utópico (resguardadas, como é óbvio, as devidas proporções e o fator da época em que estavam inseridos), embora tivessem plena noção de propriedade. O Brasil passa a ser colônia de Portugal e assim o direito português e sua influencia um Brasil nascente. Assim, todo o direito português também é incorporado no Brasil colonial. Em 1446, o rei Dom Afonso V, de Portugal, fez suas ordenações. São as chamadas Ordenações Afonsinas. Não se trata de novos códigos, mas sim de coletâneas e diretrizes. Esta legislação sofre nítida influência das leis existentes no reino, do Direito Romano e do Direito Canônico. Obviamente que apresenta um certo nível de sistematização, porém esta característica é muito pobre quando comparada com códigos modernos. Em 1521, Dom Manuel I institui as Ordenações Manuelinas, que vieram a substituir as anteriores. Houve a necessidade de atualizar e revogar algumas das normas existentes nas Ordenações Afonsinas, bem como remodelar o estilo em que estavam escritas. Deste modo, os problemas no Brasil eram julgados segundo as Ordenações Manuelinas. Foi então, em 1534, que ocorreu a divisão do território brasileiro em capitanias hereditárias. No ano de 1603, tendo em vista a necessidade da reforma das Ordenações Manuelinas, bem como a dominação espanhola em Portugal, Dom Filipe II de Espanha e Filipe I, agora que Portugal está sob seu domínio, elabora as Ordenações Filipinas. De fato, demonstra com isso respeito aos portugueses, aos costumes e leis locais. Essas Ordenações vão servir de base legal em Portugal até a promulgação de códigos no século XIX. No Brasil, o livro IV destas Ordenações vigorou por muito tempo, nomeadamente durante todo o Império, e no início da república, sendo que algumas normas que compunham esse texto só foram revogadas em definitivo com o advento do Código Civil republicano de 1916. Mas o Brasil evoluiu, pois não há sociedade que permaneça estática, e, com isso, mudam os diplomas legais. Assim, as Ordenações tornam-se deficitárias e obsoletas diante de um Brasil cada vez mais complexo e distante da realidade social, econômica e cultural da Corte. O Direito português, com cultura europeia, governar por meio de decreto-lei, fazendo desaparecer a tripartição de poderes no cenário político nacional. O Brasil, na Segunda Grande Guerra, participou ativamente ao lado dos Aliados contra as ditaduras nazifascistas. Neste ponto, havia enorme contradição, uma vez que vivíamos, aqui, uma ditadura, baseada neste modelo. Houve a necessidade de redemocratizar o Brasil. Pela primeira vez, com as eleições de 1945, uma gama enorme dos diferentes segmentos sociais do Brasil foi ouvida. Nasceu, então, a mais democrática de todas as Constituições brasileiras, a de 1946. Trata-se de uma Constituição tecnicamente superior a todas que já haviam vigorado no Brasil. Revelou-se uma Carta repleta de princípios democráticos e sociais, mas que foi insuficiente para conter os movimentos de instabilidade política do País. Em 31 de março de 1964, o Brasil sofre um novo golpe de estado. Assume as rédeas da Nação o Comando Militar revolucionário, com forte apoio do segmento civil. Surge o Ato Institucional n. 1, de 9-4-1964, que manteve a vigência da Constituição de 1946 (embora, na prática, a ordem constitucional, a Constituição em si, já houvesse sido rompida, com o golpe). No ano de 1968, os movimentos sociais tomaram conta da Europa e do Brasil. Diante deste quadro, os militares brasileiros optaram pela edição de um novo ato de força. Surge o Ato Institucional n. 5, de 13-12-1968, igualando-se à própria Constituição de 1967. Por fim, surge a Emenda Constitucional n. 1/69, que continuou a linha dura dos militares de retorno ao modelo estatizante e centralizador. Em 1984, intensifica-se no Brasil a luta pela democracia. O povo tomou as ruas com a finalidade de concretizar seu anseio de votar para Presidente da República. O governo militar consegue aprovar uma eleição indireta – frustrando a vontade popular –, em que as forças democráticas vencem o pleito, elegendo a chapa Tancredo/Sarney. O Brasil ganha uma Assembleia Nacional Constituinte, que, em 5 de outubro de 1988, promulgou a Constituição atual. Esta Constituição, que surge como reação ao regime militar, autoritário, revela-se num autêntico “espelho” da sociedade brasileira, pois traz no seu texto os anseios de todas as pressões e reivindicações dos diferentes grupos sociais, econômicos, filosóficos e políticos existentes no País. 2.6 A disciplina introdução ao estudo do direito Por fim, vejamos alguns aspectos de nossa disciplina. A preocupação sobre o que efetivamente deve ser ministrado num curso de Direito, bem como qual a abordagem diante do Acadêmico, sempre gerou dúvidas que, até hoje, não foram solucionadas pacificamente. Como vimos anteriormente, a sociedade fica cada vez mais complexa e o Direito tem que acompanhar essa dinâmica. Com a filosofia renascentista surge, com as universidades, uma busca pela descentralização do saber e, por fim, Hunnius, no início do século XVII, elabora uma “Enciclopédia Jurídica” (Encyclopedia iuris universi). Surge, assim, o germen da Introdução ao Estudo do Direito. Tendo em vista o maior grau de complexidade existente entre países, ordenamentos jurídicos e especialidades jurídicas (cada vez surgem ramos mais especializados no Direito), optou-se por uma questão epistemológica e pedagógica de oferecer ao aluno uma visão panorâmica e sintética da Ciência Jurídica. Neste ponto reside, basicamente, uma das metas da Introdução ao Estudo do Direito: oferecer, no bojo desta disciplina, um caráter prévio, essencial para a maior compreensão do mundo jurídico. Seguindo-se a lição do saudoso professor Miguel Reale: Qualquer viajante ou turista que vai percorrer terras desconhecidas procura um guia que lhe diga onde poderá tomar um trem, um navio, um avião; onde terá um hotel para pernoitar, museus, bibliotecas e curiosidades que de preferência deva conhecer. Quem está no primeiro ano de uma Faculdade de Direito deve receber indicações para a sua primeira viagem quinquenal, os elementos preliminares indispensáveis para situar-se no complexo domínio do Direito, cujos segredos não bastará a vida toda para desvendar (Lições preliminares, p. 10). É fundamental também ressaltar que a Introdução ao Estudo do Direito não constitui ramo autônomo do Direito tal como o Direito Constitucional, Direito Penal, Direito Civil etc. Ao contrário destes ramos que hoje são profundos e buscam realizar seu próprio trabalho científico (tanto no aspecto jurídico como filosófico), a Introdução ao Estudo do Direito apresenta-se de um modo enciclopédico, expositivo e, evidentemente, também com indagações próprias. Note-se então que a disciplina em comento surge timidamente, no início do século XVII. Convém, agora, destacar que cada autor tem a sua própria bagagem filosófica, artística, religiosa, econômica, política, social etc. Há também a questão de temperamento que revela, sem dúvida, paixões, desgostos e interesses. Só por meio destas “lentes” podemos enxergar o homem, tentar descobrir seu pensamento. Diante deste raciocínio, é fundamental destacar que cada autor tentará introduzir, guiar o Acadêmico de Direito segundo a sua ótica, dentro daquilo que considera adequado e importante. Eis a razão por que, basicamente, todos os livros de Introdução ao Estudo do Direito divergem entre si. Vale salientar que, no Brasil, esta disciplina desde 1931 integra o currículo obrigatório dos cursos de Direito. Revela-se, então, numa disciplina de caráter introdutório, com um sistema de conhecimentos provenientes de múltiplas fontes que se destina a guiar e oferecer elementos basilares ao estudioso de direito nomeadamente no que diz respeito a seus princípios, linguagem, história e método. Ora, é óbvio que os objetivos individuais dos homens chocam-se entre si, gerando conflitos. Por vezes, na ânsia de buscar esses objetivos, o homem acaba por dominar seus semelhantes. Concluiu então o filósofo em comento que, quando a liberdade positiva do homem conduz a uma diminuição, restrição da liberdade negativa de seu semelhante, adentra, inexoravelmente, no campo da opressão. Assim, a essência da liberdade reside, ela própria, na “liberdade sem amarras” ou “grilhões” (ou seja, ser detentor de esperanças e ambições fundamentais para a existência e sobrevivência do próprio homem). Porém, mesmo com esses “grilhões”, o homem ainda não conseguiu escapar dessa estrutura e ainda persiste (ou está fadado...) em viver em sociedade. Deste modo, o sentimento de “pertença”, de integração, parece, ainda, predominar no coração do homem. Isso nos conduz, inexoravelmente, a duas questões fundamentais que atormentam (ainda hoje) o espírito dos filósofos: A primeira (embora já começamos a refletir sobre ela): por que o homem continua inserido em sociedade? E daí, surge a segunda pergunta: há, de fato, uma coação irresistível que o compele a viver em sociedade ou isso é devido à sua natureza? Duas correntes filosóficas buscam elucidar essas questões: De um lado, temos a corrente dominante, na qual prevalece o entendimento de que a vida em sociedade é natural; por outro, temos aqueles que sustentam ser uma questão de escolha do homem. Primeiramente, antes de abordarmos estes conceitos, cumpre fazer uma pausa para observar uma teoria antiga e que precede e inspira a todas as demais: a teoria de sociedade de Platão. Platão talvez tenha sido um dos primeiros filósofos a refletir sobre o tema. Convém destacar, antes mesmo de analisarmos seu pensamento crítico e, de certa forma, amargo sobre a sociedade, que, em outras partes do mundo, fora da realidade grega, talvez houvesse esse questionamento por outros povos ou pensadores (tais como os demais povos de onde os gregos assimilaram conhecimento, tal como a Mesopotâmia e o Egito). Contudo, convém advertir que adotamos para fins didáticos, neste estudo, apenas as posições que ajudaram a forjar a Filosofia e a sociedade Ocidental. Assim, na Grécia Antiga começa a germinar, na Cidade- Estado de Atenas, o questionamento sobre a sociedade. Platão, em sua obra/diálogo A República, apresenta uma concepção de sociedade que é importante reter: ali, o filósofo deixa claro seu sonho de uma sociedade fraterna, repleta de harmonia, a qual prevaleceria sempre diante do caos que a realidade nos impõe. Vale lembrar as palavras de Magalhães Vilhena, que ressaltou que a finalidade da política platônica era a de criar uma nova sociedade. Este conceito de sociedade platônica, ideal e isenta de males, servirá sempre como fonte de inspiração para sonhos utópicos (tais como o brilhante Thomas More, no século XVI, com sua Utopia, e Tommaso Campanella, com sua obra A cidade do sol), bem como para movimentos sociais de reformas que se desenvolveram ao longo da História da humanidade. Contudo, vale lembrar que Platão foi um dos maiores críticos da democracia (levando-se em conta a democracia ateniense que ele conheceu e retratou ao longo de seus Diálogos). É importante frisar que Platão viu o fim trágico e injusto a que seu mestre, Sócrates, foi submetido. Após ver o crime político do qual foi vítima o velho filósofo, Platão vai passar sua vida buscando um regime político ideal, que fosse incapaz de abrigar no seu seio uma injustiça igual à que levou Sócrates à morte. 2. A sociedade natural Se observarmos ao longo da Filosofia, o filósofo mais antigo a atribuir ao homem essa vocação natural foi Aristóteles (na Política, ressaltou que: “O homem que é incapaz de ser membro de uma comunidade, ou que não sente absolutamente essa necessidade porque basta a si mesmo, em nada faz parte de uma cidade e consequentemente é um bruto ou um deus)”. Esse filósofo apresentou um conceito clássico para o tema que até os dias de hoje permanece irretocável. Neste sentido, Aristóteles (talvez um dos mais importantes pensadores para o Direito) deixou duas obras fundamentais para a compreensão do tema: A Política (que, provavelmente, seriam suas lições para seus alunos no Liceu) e a Constituição de Atenas (sendo que este diploma só foi conhecido na segunda metade do século XIX). Aristóteles acreditava que o homem tinha uma vocação natural para a vida em sociedade. Concluiu o filósofo que o “homem é naturalmente um animal político”. Assim, o homem que vive isoladamente, longe da sociedade, seria um deus (de natureza superior) ou uma besta, de natureza vil (fera). Comparando o homem com os animais, Aristóteles destaca que estes se agregam em função do instinto, uma vez que o homem, racional, é o único capaz de discernir o justo do injusto, o bem do mal etc. Sob forte influência aristotélica, Santo Tomás de Aquino, na Idade Média, reforçou este pensamento ao destacar que a vida solitária seria uma exceção para o homem. O Doutor Angélico ressaltou três situações nas quais o homem solitário poderia se enquadrar: a primeira trata-se da excelentia naturae; ocorre no caso de indivíduo virtuoso por excelência, pois estaria compartilhando das beatitudes eternas, ou seja: em plena comunhão com a própria divindade (que seriam os santos); a segunda trata-se da corruptio naturae, que se dava nos casos de doenças mentais; a terceira, por sua vez, tratava-se da mala fortuna que se dava no caso de um naufrágio ou outra situação que forçasse o indivíduo a viver isolado de seus pares (para ilustrar este pensamento, convém salientar o exemplo de Robinson Crusoe, romance de Daniel Defoe publicado no Reino Unido em 1719). Embora ainda na modernidade existam autores que sustentam a tese de que a sociedade seja um fato natural, esses dois pensadores, Aristóteles e Santo Tomás de Aquino, praticamente esgotaram o assunto. Deixaram patente que o homem é guiado pela necessidade de cooperação entre seus pares com a finalidade de garantir a sua existência. Mas, como se trata de filosofia política, é óbvio que existe posição contrária, posição em que filósofos sustentam que a sociedade não é um fator natural, mas, sim, um ato de escolha do homem. 3. Os contratualistas Assim, numa posição oposta, sustentam seus defensores que Ora, é com plena consciência desses postulados que o homem celebra com seus pares o contrato. Há uma cessão dos direitos de liberdade a um poder maior. Aqui, encontramos uma transferência mútua racional e consciente de direitos. Óbvio que Hobbes previa a possibilidade de que, em virtude de uma vida em sociedade, ainda haveria conflitos de interesse em razão do egoísmo, que ainda teria resquícios no espírito do homem. Assim, seria fundamental a existência de um poder invisível que garantisse o respeito aos limites estabelecidos pela (con)vivência. Esse poder invisível, que se traduz no Estado, tem o poder de resguardar os limites dos homens, uns diante dos outros, bem como de castigá-los em caso de transgressão. Em virtude do temor ao castigo, o homem respeitaria o que foi estabelecido, pactuado. Hobbes ressaltou todas as mazelas do estágio/estado natural do homem. Concluiu que o homem não pode prescindir do Estado. Quando uma comunidade é estabelecida, deve ser mantida a todo custo, pela segurança e bem-estar que proporciona ao homem. Assim, para o teórico inglês, mesmo um mau governo ainda é preferível ao estado de natureza. Ainda dentro da filosofia contratualista, o filósofo liberal inglês John Locke apontou razões diversas para a vida do homem em sociedade. Primeiramente, o filósofo rechaça a ideia de que a sociedade se mantinha para conter a guerra de todos contra todos. Num segundo plano, assenta sua doutrina política sobre a ideia de um governo consentido e aceito pelos seus governados diante de uma autoridade legalmente constituída com a finalidade de respeitar os direitos naturais do homem (vele lembrar que sua filosofia também foi uma das fontes inspiradoras das revoluções americana e francesa). Charles de Montesquieu, pensador político francês, em sua obra O espírito das leis, evidencia o homem inserido num estado natural, antes de se integrar no seio social. Diverge ligeiramente de Hobbes na medida em que destaca que o homem neste estágio não se sente igual aos demais, vivendo num constante temor, cônscio de sua própria fraqueza. Montesquieu estabeleceu postulados que levam o homem a viver em sociedade: a) o anseio pela paz; b) a busca por suprir suas necessidades vitais; c) a atração natural entre os sexos; d) a satisfação da vida em sociedade (quando o homem se conscientiza de seu estado, quando desprovida dela). Ora, impelido por esses fatores, o homem passa a viver em sociedade, sente-se protegido e forte. Neste momento, devido a esse sentimento de força, de potência, o homem desconsidera a igualdade natural existente entre eles e gera conflitos dentro da mesma sociedade em que se insere ou em grupo, as sociedades geram conflitos entre si. Por fim vale alertar que, em sua obra, Montesquieu não explicita efetivamente no que consistiria esse contrato social. No esteio do pensamento de que efetivamente existiria um pacto inicial, o filósofo francês Jean Jacques Rousseau, em sua obra O contrato social, abordou o tema com maestria. Rousseau foi brindado com o galardão mais alto que um filósofo poderia alcançar, pois seu pensamento serviu de base e lema para a Revolução Francesa. Observamos em Rousseau uma preocupação em explicar a razão por que o homem nasce livre e revoga essa condição. Na sociedade idealizada por Rousseau a monarquia era suprimida, e o desejo das gentes, traduzido na vontade de todos, era efetivamente a lei. Rousseau atentou que aquele primeiro que, ao cercar um terreno, afirmou “isto é meu” e encontrou diante de si pessoas suficientemente simples que acreditaram na premissa, teria sido o real inventor da sociedade civil. Prosseguiu asseverando que quantas guerras, crimes e males teria evitado ao gênero humano aquele que por acaso viesse a arrancar as estacas e tapar os buracos, contra o primeiro, gritando a seus semelhantes: “Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém”. Contudo, para Rousseau, a ordem social revela-se num direito sagrado e que sem ela não existirão os demais. Porém, esse direito não provém da natureza, mas encontra seu fundamento em convenções. Assim, a vontade geral, o desejo das gentes é o fundamento da sociedade (e não a natureza humana). As convenções seriam a base, o alicerce de toda autoridade legítima para regular a vida social, e em contrapartida há a renúncia a toda a liberdade e direitos por parte de todos os integrantes da sociedade, submetendo- se cada um a todos do grupo e a ninguém de modo específico. Ora, essa associação teria a finalidade de conservar e preservar a integridade dos homens (seus integrantes), que, unidos, formariam o corpo moral e coletivo. Assim, esse corpo seria composto por um soberano, e sua vontade, como já vimos, seria reflexo da vontade geral, da vontade das gentes. Mesmo que fosse permitido ao indivíduo componente do grupo ter opiniões divergentes do soberano, haveria a necessidade de respeitar e cumprir a vontade deste, pois, caso contrário, desrespeitando a vontade do soberano, o cidadão estaria agindo contra si mesmo, contra sua própria liberdade, uma vez que o soberano traduz a expressão do coletivo. A vontade de todos traduz a soma das vontades particulares e deve ser a que venha a prevalecer, governar. Supõe ainda que, caso venham a existir associações, dentro da sociedade, que têm por objetivo sobrepujar a vontade deste sobre a vontade das gentes, deve ser prontamente eliminada uma vez que ataca o princípio da igualdade que deve ser o norte para o Estado. Ora, o fim do Estado revela-se no bem comum e isto deve ser preservado a qualquer custo, mesmo que venha a atentar contra a vida de um cidadão que tenha se desraigado do pacto. Ao contrário do estado natural, o estado civil força o homem que consulte sua razão antes de ouvir seus apetites, seus desejos. Ao soberano não deve recair a tarefa de criar leis. Rousseau atenta que essas devem ser criadas por um legislador, um homem de grande inteligência e que as elabore com cautela e prudência, levando em consideração se elas estão em sintonia com o povo. Esse é, segundo o pensador francês, o objetivo da lei: representar a Devemos ter a certeza de que as línguas (como a nossa por exemplo) estará trancafiada num livro de relíquias (tal como, hoje, acontece com o grego clássico e o latim) e nossas leis e costumes se tornarão, igualmente, obsoletos. Mas é difícil para o homem conceber e não temer a extinção da sociedade. Se observarmos na literatura, a preocupação com o problema é constante. No ano de 1999, os leitores de determinada rede de livros americana votaram como seu livro predileto em O senhor dos anéis, de J. R. R. Tolkien. Uma das preocupações constantes deste escritor residia não na mortalidade do indivíduo, mas sim do grupo social. Lembremos que Tolkien participou da Primeira Grande Guerra e pôde constatar a incerteza quanto ao destino da Europa e da humanidade – temendo o retorno às trevas, em que a vida estaria “por um fio”. Assim, na obra observamos uma luta para garantir a existência não de um ou de outro personagem, mas sim da sociedade, do grupo. Ora, numa era em que guerras buscam dizimar culturas para impor outras culturas ou modo de vida, a obra em comento revela-se atual. Tolkien criou uma referência sem precedentes. A preservação da sociedade, da identidade cultural ainda faz até os dias atuais com que o homem busque a sua própria morte (embora por causas dotadas de maior ou menor nobreza...). A perspectiva do fim/da extinção da sociedade, tal como estamos tradicionalmente acostumados a concebê-la ou integrá-la, gera o temor e repugnância natural no homem. Eis a explicação para a repulsa natural que faz brotar uma figura como a de Hitler. Por fim, como ponto de reflexão, destaca-se o pensamento do escritor russo F. Dostoiévski, que em Duas narrativas fantásticas trouxe um pensamento que se enquadra perfeitamente no tema proposto: “Quando se tornaram maus, começaram a falar fraternidade e humanidade e entenderam essas ideias. Quando se tornaram criminosos, conceberam a justiça e prescreveram a si mesmos códigos inteiros para mantê-la, e para garantir os códigos instalaram a guilhotina” (2011, p. 118). Capítulo 3 O Estado O conceito de Estado muda conforme o pensador e a época. Assim, convém analisar algumas definições que, no fundo, acabam por se complementar, umas às outras. Maquiavel debruçou sobre o tema, e seu conceito de Estado acaba por ser um dos pontos marcantes de seu pensamento. Começamos, neste capítulo, com este pensador, na medida em que inaugurou o termo “Estado”, diante de uma perspectiva moderna (ao que os gregos, como vimos, chamavam de polis e os romanos de res publica). Para ele, os princípios fundamentais de um Estado são essencialmente dois: boas leis e boas armas. O Estado deve, então, propor-se ao bem público, porém nem todos convergem e acertam em definir qual efetivamente o bem público. Um dos objetivos do filósofo foi o de explicar a origem do Estado e a essência da autoridade. Notamos ainda, no pensamento deste filósofo, que o Estado precisa, antes de mais nada, da obediência irrestrita por parte de seus cidadãos. O Estado, assim, necessita de ordem instituída, para existir e se caracterizar como tal. O poder supremo do Estado, summa potestas, seja na república ou na monarquia, tem suas razões e não pode abrir mão delas em virtude do povo. Para Georg Jellinek, “o Estado consiste na unidade de de soberania também foi analisado e descrito em sentidos variados, seja no tempo, seja no espaço. Assim, na Grécia Antiga, podemos constatar em Aristóteles o termo autarquia, designando-se, com isso, o poder moral e econômico de autossuficiência do Estado. Este conceito adentra, aliás, como quase tudo, em Roma, e se traduz lá como imperium, que designava um poder político superior, que seria inquestionável. Na Idade Média, constatamos o papel do suserano, que também era praticamente intocável. Este poder, posteriormente, passa a ser personificado na figura dos monarcas sob o fundamento de que estes seriam a representação do poder divino na condução do Estado. Já no Estado moderno, desde a Revolução Francesa passa a ser aceito o fato de que o poder político emana, fundamentalmente, da vontade do povo. Se observarmos o Estado federado, por exemplo (como os Estados Unidos da América ou o Brasil), constataremos que os Estados-membros não são soberanos (note que a designação “membros”, por si só, já afasta a soberania). Assim, depreende-se que uma das condições essenciais do federalismo é que os Estados- membros abram mão de sua liberdade irrestrita para, juntos com os demais, rumarem a um ponto comum. Neste sentido, as unidades da Federação integrarão a União; denominam-se Estados-membros, com autonomia de direito público interno, porém deixando como privativo da União o poder de soberania, seja no plano interno ou internacional. Ora, o filósofo Jacques Maritain acreditava que a Ciência Política deveria se libertar dessa palavra “soberania”. Não acreditava que o termo, em si, estava ultrapassado, mas salientava que o termo gerava dificuldades e confusões no âmbito do Direito Internacional. Diante da filosofia política, trata-se, para ele, de um termo ilusório que continua a ser empregado por força, apenas, da tradição. Neste sentido, ao conceito de Estado encontra-se não só a força como também a sua legitimação (desde a forma de designação de seus órgãos como também a resolução dos problemas que surgem da vida em sociedade, cabendo-lhe dirimi-los). Concluindo: o Estado se revela num aparelho que exerce o poder e a autoridade numa sociedade, devidamente inserida em determinado território, com a finalidade precípua de assegurar determinado modo de produzir bens e dirimir conflitos que possam advir dessa mesma sociedade. Agora, se adicionarmos aqui elementos marxistas, resultará então que o Estado busca, igualmente, equacionar as forças necessárias para que se obtenha o máximo de consentimento, elemento essencial para que seja possível assegurar a continuidade da dominação e organizar o poder. 1. As funções do Estado I. Função jurídica – esta se divide em: a) função legislativa, que consiste precipuamente em criar leis; b) função executiva, que consiste em assegurar o cumprimento das leis. II. Funções não jurídicas, que, por sua vez, dividem-se em: a) função política: destina-se à conservação da sociedade política e à definição e prossecução dos interesses gerais da comunidade; b ) funções técnicas: destina-se à produção de bens ou prestação de serviços destinados à satisfação de necessidades coletivas de caráter material ou cultural. 2. A teoria da separação de poderes A teoria da separação dos poderes revela-se num dos dogmas políticos mais famosos que se inserem no constitucionalismo moderno. Este tema tem sido considerado um dos fundamentos essenciais da teoria de governo. A avaliação da menor ou maior separação entre os poderes, sua delimitação, estruturação, permite- nos descobrir a forma de determinado governo. A separação de poderes é um dos temas mais discutidos pela Ciência Política ocidental e remonta à Antiguidade Clássica. Embora a ideia de repartição política de poderes e a ideia de repartição social desses mesmos poderes só apareçam com nitidez nos textos de Montesquieu, no século XVIII, já vinham consignadas na “Política” de Aristóteles, que tinha por objetivo instaurar uma república que constituiria um “meio-termo” entre a oligarquia (revela-se no governo dos ricos) e a democracia. Essa questão foi objeto de estudo de Platão, Políbio, Cícero e Maquiavel. O que se constata dentre as preocupações destes pensadores é a real necessidade em dividir funções, prevenindo, com isso, que um poder se sobressaia aos demais, um abuso de poder, ou que se concentre numa só mão. Na época moderna, esta teoria encontra um campo fértil na esfera da luta pelo poder. Observamos que os adeptos do poder real absolutista tinham como objetivo transformar o Parlamento num simples conselho do rei, esvaziando, assim, sua estrutura. Por outro lado, havia também aqueles que tinham por objetivo a limitação de assembleias com excessivo poder (inclusive com funções jurisdicionais), por exemplo, a da Inglaterra de Carlos I. Contudo é no pensamento liberal que esta teoria encontra o seu auge, principalmente quando é inserida na Constituição. Se observarmos a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1791, em seu art. 16º, estipula que: “Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes, não tem constituição”. Na relação “Poder Legislativo-Poder Executivo” foi trazido por Locke o poder federativo (com alçada para as questões da paz e da guerra, realizar tratados e fazer alianças, bem como manter relações com comunidades estrangeiras). Este poder, convém destacar, distingue-se do Poder Executivo na medida em que a este cabe aplicar a lei dentro de determinado Estado. Locke ainda ressaltava o poder de prerrogativa que traduz a função de realizar o bem público, sem obedecer a normas prévias, em determinadas circunstâncias excepcionais (no Brasil Imperial, encontra aqui raízes o Poder Moderador, que estava concentrado nas mãos do imperador junto com o Poder Executivo). Já Montesquieu distingue três espécies de poderes em que delimitava o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o poder de julgar que, na sua filosofia, ganha um espaço especial, ou seja: o Poder Judiciário. Para o filósofo em comento, o Juiz é um homem modo marcante a atuação política (aqui, ressalte-se, todos os Poderes: Judiciário, Legislativo e Executivo). É comum notarmos que as ações destes Poderes são, muitas vezes, direcionadas para ela. Estes órgãos de comunicação social têm, muitas vezes, um papel decisivo na formação de opiniões, julgamentos (trial by media) e no controle do poder político. Por outro lado, um fator importante impede, igualmente, que este “poder” exerça livremente suas “funções”: é comum verificar a íntima ligação que se nota entre a comunicação social e o poder econômico e político. Neste mesmo diapasão, destacamos que, em 1976, o antigo presidente da França, V. Giscard d’Estaing, escreveu um livro denominado A democracia francesa (Democratie Française), no qual apontou a existência de quatro “poderes” (nomeadamente, no capítulo que versa sobre a organização dos poderes na democracia francesa). Para ele, uma democracia só existe ou se afirma como tal com a existência harmoniosa e independente destes quatro “poderes”: o poder político, o poder sindical, o poder econômico e o poder da imprensa. O estadista francês concluiu em sua obra que cada vez que esses “poderes” se contaminam (ex.: o poder sindical deseja obter o poder político ou o poder da imprensa busca obter o poder econômico) há uma crise na democracia; passa a existir, então, uma falsa democracia. Obviamente que o presidente francês, ao denominar “poder” nessas duas passagens acima, revela um pensamento político pouco convencional. Isso porque esta palavra está consagrada e reservada – no que tange à Ciência Política – à Organização do Estado (nomeadamente, no Judiciário, Executivo e Legislativo). Nestes casos supramencionados a melhor designação, ao invés de “poder”, seria força. Assim, a imprensa, mais do que um quarto poder se revela numa grande força. Este termo, quando direcionado ao estudo do Brasil, ainda deve ser visto com mais cautela; de maneira bem diferente da Europa, o Estado brasileiro tem mais força do que as “forças” acima elencadas, pois a ideia de Nação, para nós, é mais central. Contudo, o essencial deste ponto aqui estudado é que o problema, apresentado por Montesquieu e pela filosofia liberal, deixa em aberto questões essenciais para o Direito: é fundamental que o poder trave o poder, ou seja, um poder não pode, de modo algum, sobrepor-se a outro, sem que, com isso, deixe em xeque a democracia. Eis, então, a importância de nosso próximo tópico. 3. Checks and balances Há, nas democracias modernas, a nítida convicção de que é preciso prevenir o abuso de poder. Isto implica que o poder deve ser distribuído de tal sorte que o poder supremo resulte de um sábio e prudente jogo de equilíbrio entre diferentes poderes parciais, em vez de ser o produto da sua concentração nas mãos de um só (ou de poucas mãos). O sistema de freios e contrapesos é parte da Constituição estadunidense e, naquele diploma, tem a função precípua de que nenhum dos poderes sobressairá aos demais. Nossa Carta de 1988 caminha no mesmo sentido. Assim, a título de elucidação, tomemos o Poder Legislativo. Sua função essencial é elaborar as leis. Deste modo, o Poder Executivo tem a possibilidade de sancionar ou de vetar essas leis. E, ainda, o Poder Judiciário, a capacidade de dizer se a lei está em sintonia ou não com nossa Constituição. Outro exemplo reside no fato de que é o Poder Legislativo que aprova os projetos de lei e o orçamento que regulamenta as despesas. Ora, assim, controla (dentro de uma previsão estipulada na Constituição) o Executivo e o Judiciário. Porém, lembramos que o Presidente da República, por sua vez, sanciona ou veta aquilo que foi aprovado pelo Congresso. Notamos então que, enquanto os três poderes mantiverem o equilíbrio, impedindo-se com isso que um se sobreponha aos demais, a democracia estará segura e estável. Analisemos, por fim, o seguinte artigo da Constituição Federal de 1988: “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. 4. Formas de legitimação do poder Como vimos anteriormente, na definição de Estado, vem à baila, invariavelmente, a questão da legitimidade, do consentimento, ou seja: as razões ou fundamentos que levam a vontade do Estado a ser acatada. Notamos que, ao longo da História, os fundamentos trazidos pelos filósofos para justificar a imposição e justificação do exercício do poder e sua efetiva aceitação e obediência são bastante diversos. Aliás, basta lançar os olhos para o cenário político mundial e constatar que esta, ainda, é uma questão fundamental. É sustentado por muitos que a sociedade não pode deixar de delegar o poder para aqueles que decidam em seu nome; em contrapartida, há aqueles que defendem que a sociedade, em vez de ser simples objeto de exercício de poder, deve tomá-lo nas mãos, diretamente. Obviamente que, ao analisarmos esse ponto, devemos retomar o conceito weberiano a propósito da legitimidade, com a célebre tripartição: poder tradicional, poder legal e o poder carismático. Ora, segundo Weber, o poder tradicional é assente na crença de que se deve respeito ao poder consagrado pela tradição, bem como à pessoa ou às pessoas que detêm o poder, nos moldes dessa mesma tradição. Por sua vez, o poder legal traz atrelada consigo a crença de que as normas do regime são legais, estabelecidas racionalmente, com a finalidade de legitimar o poder e os comandos que deste derivam sob a égide destas normas. Por fim, o poder carismático se assenta nas qualidades reais ou imaginárias, atribuídas a um chefe (sendo de relevância secundária as instituições). Vale lembrar que esta última forma de poder tem uma existência breve, efêmera, pois coincide com a existência do próprio chefe. Há, contudo, situações em que uma revolução ou um golpe têm o condão de se transformarem num poder carismático ou até em poder legal. No mundo atual, a legitimação do poder tem ocorrido por via legal, por meio de eleições, solucionando, com isso, uma questão que pode ser incômoda nas outras duas formas de poder analisadas: a da transmissão do poder. Obviamente que neste poder legal ainda existem questionamentos quanto a sua legitimidade no que tange: à pouca participação dos cidadãos nas decisões governamentais, à ausência de 1988, em seu art. 1º, parágrafo único, foi o de que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Trata-se de um princípio que se assenta numa tradição constitucional brasileira, pois adentrou na Carta de 1934, mantido nas Constituições de 1937, 1946 e 1967 (e, também, na Emenda Constitucional de 1969). Deste modo o sufrágio universal, assim, tem como titular o povo. É exercido pelo povo com o voto direto, secreto e igual para todos (universal – one man, one vote), sendo que “povo”, aqui, traduz o eleitorado ou cidadãos no gozo de seus direitos políticos, com capacidade de votar e ser votado – conforme estipula a Constituição. Observemos, por fim, a título de elucidação, o seguinte artigo da Constituição de 1988: Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular... 6. Forma e sistema de governo As formas em que se organiza o poder variam ao longo da História, levando-se em conta desde a Grécia Antiga, passando por Roma, o Estado Medieval, o Estado absoluto, o Estado totalitário. Na total impossibilidade de nos debruçar sobre os diferentes conceitos, formas e sistemas de poder, preferencialmente, estudaremos na atualidade como se colocam nas democracias modernas. Vale destacar que o tema proposto pode ser abordado e conceituado de modo diverso, na medida em que, também, são diferentes os autores que o estudam. Deste modo, se analisarmos a visão, por exemplo, de Jorge Miranda, observaremos que “forma de governo é a forma de uma comunidade organizar o seu Poder, o seu governo (em sentido lato) ou estabelecer a diferenciação entre governo e governados. Encontra-se a partir da resposta a quatro problemas fundamentais: o da legitimidade, o da participação dos cidadãos (designadamente em termos de representação política), o do pluralismo ou da liberdade política e o da unidade ou divisão de poder (ou da separação de poderes)”. Assim, para ele, o sistema de governo seria “o sistema de órgãos da função política; apenas se reporta à organização interna do governo e aos poderes e estatuto dos governantes”. Deste conceito, ele elenca “oito formas de governo modernas (monarquia absoluta, governo representativo clássico ou liberal, democracia jacobina ou democracia radical, governo cesarista, monarquia limitada, democracia representativa, governo leninista, governo fascista)” (Manual de direito constitucional, p. 205). Ora, se observarmos, por outro lado, os conceitos apresentados por Vital Moreira, este elenca que a parte organizatória da Constituição portuguesa “é tradicionalmente entendida como a parte onde se define a forma de governo, ou seja: a) a estrutura e posição jurídico-constitucional dos vários órgãos de soberania com funções de direcção política do estado; b) a distribuição do complexo de competências e funções atribuídas aos órgãos constitucionais na definição de vontade política do estado e na condução da política do País” (Fundamentos da Constituição, p. 199-200). Por sua vez, a forma de Estado seria a tradução de estruturas econômicas, sociais e políticas que caracterizam globalmente a articulação entre o poder político e a sociedade. Assim, os termos em análise se adaptam melhor quando esmiuçados. Ora, por forma de Estado entendemos, sob dois prismas: a) o modo de designação dos titulares de órgãos de soberania (exs.: monarquia, república, governo fascista etc.) e, b) a repartição dos poderes e a própria articulação entre eles, tanto na esfera horizontal: presidencialismo, parlamentarismo etc., como na esfera vertical: Estados unitários, federais. Ora, já no que tange ao sistema de governo, trata-se essencialmente da maneira que o poder é exercido e dividido no âmbito político de determinado Estado. Já para analisarmos o conceito de sistema de governo usado pelo Brasil, trata-se essencialmente do Presidencialismo. Deste modo, como indica o próprio nome, o nível de poder mais elevado é o do Presidente da República, (auxiliado pelo Vice e Ministros de Estado). Na verdade, o presidencialismo é considerado por muitos um dos mais modernos regimes de governo, ou seja, é o palco onde a democracia é amplamente exercida (aliás, analisando a nossa História, talvez não seja absurdo afirmar – felizmente ou infelizmente... – que o Brasil tem vocação natural para esse tipo de sistema). Dentro do regime parlamentarista, há nítida distinção entre o Chefe de Governo e o Chefe de Estado. Assim, o Chefe de Estado apenas tem a função de “simbolizar a Nação”. O parlamentarismo clássico, puro, caracteriza-se por um certo “papel secundário” da figura do Chefe de Estado quando comparado à força política que detém o Parlamento. Podemos, então, encontrar a figura de um monarca que não é eleito diretamente, ou de um presidente eleito pelo povo. Ao Chefe de Estado compete nomear o Chefe de Governo, nomeadamente o Primeiro-Ministro (a bem da verdade a seleção do Primeiro-Ministro é de competência dos chefes dos partidos com representação no Parlamento). Esta forma de governo nos remete à época do Estado de partidos, em que o Primeiro-Ministro, líder do partido majoritário, é o que possui maior peso de decisão política. Com ligeiras variações o parlamentarismo se dá do seguinte modo: há, primeiramente, eleições. A partir daí, tanto o partido político ou a coligação determinará quem será o Primeiro-Ministro, bem como os que vão ocupar pastas nos respectivos ministérios. Os nomes são conduzidos ao Chefe de Estado, que os submete ao Parlamento. Caso os nomes sejam efetivamente aprovados pela maioria, o gabinete é empossado e governa durante o período legal. Caso a maioria entenda, em determinada ocasião, que esse ministério não possui mais a credibilidade ou capacidade de convergência, vota uma moção de desconfiança ou de censura, e o governo cai. Ocorrem, daí, novas eleições. É importante reter que o parlamentarismo obteve sua essencial a todos os governos: a de suplantar as necessidades do povo ou delivery. Depois da Segunda Grande Guerra, o tema ganhou importância na Filosofia do Direito. Assim, Hannah Arendt, em sua obra As origens do totalitarismo, revela-se num marco sobre o tema. Nesta obra ela analisa as origens que levaram a estes regimes totalitários, nomeadamente no papel individual dos ditadores (vale lembrar que tinha sob seus olhos os horrores perpetrados por Hitler e Stalin). Demonstra a importância da ideologia nos regimes totalitários. Observa-se que o líder tem a capacidade de imprimir o horror na população, garantindo com isso a cumplicidade desta. O que se depreende é que a crítica da razão governamental totalitária, elaborada por Hannah Arendt, ainda hoje tem reflexos, pois ainda há muitos regimes com essas características (embora divergindo, entre si, em alguns pontos). Além deste fator, vale destacar que a democracia liberal ainda não conseguiu afastar, na sua totalidade, a ideologia de terror que torna o homem supérfluo. 8. Estado e direito São várias as maneiras pelas quais podemos observar as relações entre o Estado e o Direito. Primeiramente, podemos observá-las como uma única realidade (daí, a teoria monística), ou, ainda, como realidades distintas e independentes (temos então a teoria dualística), ou, num terceiro momento, através de realidades distintas, mas necessariamente independentes (aqui, observamos a teoria do paralelismo). Ora, então cumpre, de maneira sucinta, analisar estas teorias: a) Teoria Monística: por meio desta teoria, o Direito e o Estado são encarados como duas realidades sinônimas, mesclam-se, isto é: os dois conceitos convergem num só; traduzem, portanto, uma mesma realidade. b) Teoria Dualística: esta teoria ressalta uma ideia totalmente oposta à anterior: assim, o Estado e o Direito se revelam em duas realidades diferentes, não se confundem entre si. Neste sentido, o Direito reveste-se num fato social e não estatal. Se observarmos com atenção, o Direito está em constante mutação e, assim, estará sujeito às influências da religião, da psicologia, da sociologia, da filosofia, da economia etc. c) Teoria do Paralelismo: trata-se aqui de uma posição intermediária entre as duas correntes mencionadas. Esta teoria destaca que o Direito e o Estado se revelam em realidades díspares, mas que são interdependentes, ou seja: demonstram, de modo parcial, pontos de convergência. Capítulo 4 A Constituição 1. O constitucionalismo As Constituições resultaram, fundamentalmente, de uma árdua e longa evolução histórica, proveniente de lutas populares contra as monarquias absolutistas. Observando as cicatrizes da História, a Constituição demonstra ser forjada na luta, coroando insurreições populares. Assim, o constitucionalismo se revela na expressão jurídica da organização de determinado povo. Trata-se de uma expressão, fruto de um movimento social que tem raízes políticas, econômicas, históricas, filosóficas, artísticas, culturais e ideológicas que “criam” constituições nacionais (observamos aqui que, mesmo havendo reflexos práticos no campo do Direito, trata-se de uma questão fundamentalmente sociológica). O professor Gomes Canotilho atenta, tendo em vista as exigências da modernidade, que o constitucionalismo é uma técnica específica de limitação do poder para fins garantísticos. Com isso, há a necessidade de limitar o poder dos governantes diante do cidadão e da exigência de leis escritas (destinadas, de igual forma, aos cidadãos). A realidade social mudou e, com isso, há a necessidade de o Direito acompanhar essa mudança. Deste modo, na era moderna, há uma concepção formal do ordenamento jurídico. Surgem as do poder que imperam na sociedade. A Constituição, mesmo escrita, quando não corresponde a estes fatores essenciais está fadada a ser afastada por eles. Destacava, ainda, ser o somatório de fatores reais dentro de uma sociedade. Oportuna é a definição de André Ramos Tavares que destaca, em seu Curso de direito constitucional, que a Constituição é o produto pelo qual podemos reconhecer que houve a manifestação do denominado poder constituinte genuíno. Com a eclosão do poder constituinte, o resultado de sua atividade haverá de ser a produção de um novo texto fundamental. c) Schmitt: a Constituição é uma decisão política fundamental tomada pelo titular do poder constituinte; é a tradução da decisão consciente que a unidade política, por meio do titular do poder constituinte, adota por si própria e se dá a si própria. No somatório destes vários conceitos, depreende-se que a Constituição é a lei fundamental e suprema de determinado Estado. Traduz-se na regra matriz deste Estado, solidificando suas instituições e estabilizando o seu poder instituidor com o intuito de gerir o Estado e promover o bem-estar social. A Constituição moderna visa a delimitar a ação do Estado. Como foi abordado, a Constituição revela-se também numa derivação dos valores mais nobres de uma sociedade em determinada época. 3. A finalidade da Constituição A Constituição se revela no conjunto de normas que visam a regular a organização do Estado e as suas funções, definindo essencialmente os direitos e deveres fundamentais dos cidadãos e, de igual forma, a ordem jurídica do Estado. Trata-se de lei fundamental a que todos os cidadãos – brasileiros ou estrangeiros em solo nacional – estão sujeitos. Assim, a Constituição tem a finalidade de assegurar a unidade de um Estado, definindo o regime político, o sistema jurídico, os poderes, sua efetiva soberania, impondo-se às demais normas do ordenamento jurídico. Ela encontra fundamento no povo, afirma-se com ele; se o povo deixa de existir, inócuo o diploma constitucional. 4. Classificação da norma quanto à hierarquia A classificação brasileira vem definida no art. 59 da Constituição de 1988 e estipula: a) Constituição Federal: é fruto de poder constituinte originário, tem por finalidade traduzir os anseios do povo, bem como representá-lo, uma vez que foi concebida num momento histórico democrático que reagia contra a ditadura militar. A Constituição (dentro de sua acepção moderna) não está subordinada a nenhuma lei e revela-se norteadora e hierarquicamente superior a todas as normas do ordenamento jurídico brasileiro. b) Emendas à Constituição: elas têm previsão constitucional e possuem força para mudar, ampliar ou complementar o texto da Constituição. A Carta de 1988 estipula efetiva rigidez para alterar o texto constitucional (isso implica em mecanismos e critérios rigorosos e formais para ao procedimento de alteração). Porém, observados os princípios constitucionais, ela pode ser alterada, e a Emenda passa a integrar o corpo da Constituição. c) Lei complementar à Constituição: a Constituição de 1988 vincula a elaboração de normas jurídicas sobre assuntos definidos no seu texto. A lei complementar tem aprovação por maioria absoluta, estão sujeitas a emendas e também ao veto do Presidente da República. d) Lei ordinária: trata-se aqui de leis comuns do Brasil, uma vez que podem versar sobre qualquer matéria que não seja destinada pela Constituição à Emenda Constitucional ou à lei complementar. No caso, a lei ordinária é aprovada por maioria simples. e) Leis delegadas: neste caso, o Presidente da República exerce função atípica, uma vez que a sua elaboração é entregue, conforme previsto no texto constitucional, a ele. Obviamente que, tratando-se de função atípica, o Presidente necessita de autorização do Congresso Nacional. Observamos então que o Poder Legislativo, embora fiscalizando o Presidente da República, abre mão de uma pequena parcela do poder de criar leis para o Poder Executivo. f) Medidas provisórias: instituto oriundo do direito italiano, revela-se em atos normativos, também editadas pelo Presidente da República, com força de lei, que trazem no seu corpo duas exigências constitucionais: em “caso de relevância e urgência”. Fruto de várias mudanças, para que entre no ordenamento normativo brasileiro, deve ser aprovada pelo Congresso Nacional no prazo de 60 dias a contar da data de sua publicação (prorrogável pelo mesmo período, se necessário). g) Decretos legislativos: são normas do Congresso Nacional com a finalidade de disciplinar matéria de competência exclusiva deste órgão. São aprovados por maioria simples. h) Resoluções: disciplinam matéria de competência do Congresso Nacional e produzem efeitos internos. São promulgadas pela Casa legislativa que as expedir. 5. Classificação das Constituições Doutrinariamente costuma-se classificar as Constituições devido a uma razão pedagógica e epistemológica para delimitarmos onde se encontra a nossa Constituição e as dos demais países. Assim, podemos apontar a seguinte classificação das Constituições: 1) Q uanto ao conteúdo 1.a) Constituição material: traduz o conjunto de regras materialmente constitucionais, relacionadas ao poder, quer estejam elencadas no corpo da Constituição ou fora dele (regras de matéria constitucional são destinadas a fixar a estrutura do Governo, a delimitação dos poderes e forjar as liberdades dos cidadãos). Vale destacar neste ponto que nem todas as regras elencadas na Constituição são, forçosamente, normas materiais. Deste modo, são formalmente constitucionais pelo simples fato de estarem inseridas no texto constitucional. Vale destacar que ainda existem no corpo da Constituição de 1988 as cláusulas pétreas implícitas. Estas não estão necessariamente previstas no § 4º do art. 60. Como exemplo, destacamos os fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º) e seus objetivos fundamentais (art. 3º). 5.e) Super-rígida: estas Constituições são escritas e possuem, elencados no seu texto, alguns dispositivos que não podem ser, de modo algum, alterados. 6) Q uanto à sua extensão 6.a) Sintética (sucinta ou concisa): trata-se aqui de Constituições de menor extensão. Elas trazem no seu corpo apenas princípios e normas gerais atinentes à organização do Estado (um exemplo clássico é a Constituição dos Estados Unidos). 6.b) Analítica (prolixa): trata-se de um diploma que cuida em detalhes, com minúcias, temas que, por sua relevância, poderiam ser abordados em outro plano (tal como a lei ordinária). Como exemplo, destaca-se a Constituição brasileira de 1988 (o legislador optou ir além do constitucionalismo clássico, analisando assuntos que julgou relevantes para a formação de um novo Brasil, em 1988). 7) Q uanto à ideologia 7.a) Eclética: são diplomas que abrem espaço para mais de uma ideologia filosófica, econômica, cultural e política. 7.b) Ortodoxa: este tipo de Constituição segue a batuta de uma única ideologia (ideologia cultural, política, econômica, filosófica ou religiosa, proveniente de um grupo ou de um único indivíduo). 6. Aplicabilidade das normas constitucionais O tema em comento é exposto por meio da teoria proposta pelo professor e constitucionalista José Afonso da Silva e que, com o passar do tempo, ganhou abordagens diferentes por parte de outros doutrinadores. Sendo assim, a classificação ocorre do seguinte modo: Normas de eficácia plena: estas normas, como o próprio nome já indica, têm aplicação imediata. Isso significa que não dependem de qualquer regulamentação posterior. A professora Maria Helena Diniz propõe outra classificação: as normas de eficácia absoluta. Seriam, portanto, normas intocáveis, uma vez que após sua elaboração pelo poder constituinte originário não trazem hipótese de alteração (como é o caso já analisado das cláusulas pétreas). Normas de eficácia contida: são normas que, à semelhança das normas de eficácia plena, têm aplicação imediata. Contudo, diferenciam-se destas, pois há uma porta aberta deixada pelo constituinte para que o legislador restringisse a incidência da norma constitucional (eis a razão pela qual o professor Michel Temer utilizou a denominação normas de eficácia restringível e redutível). Assim, elencada na Constituição, sua aplicação pode ser reduzida pela lei comum. Vale lembrar que, enquanto não vier a incidir lei restringindo seu campo de atuação, ela terá, como é óbvio, eficácia plena. Normas de eficácia limitada: são normas que possuem aplicabilidade mediata. São dispositivos que possuem eficácia apenas no campo jurídico. Elas dependerão de uma norma inferior (infraconstitucional) para que as torne aptas para incidir no caso concreto (tendo em vista esta característica, nomeadamente o fato de que dependem de complementação de lei inferior, a professora Maria Helena Diniz classificou-as como normas de eficácia relativa complementável). Normas de princípio institutivo: estas normas, inseridas no texto constitucional pelo legislador constituinte, buscam estipular orientações gerais para que o legislador ordinário possa estruturar órgãos, entidades e institutos, mediante o auxílio da lei. Normas programáticas: são normas que implementam política de governo, orientam, norteiam o legislador ordinário quanto ao fim objetivado pelo Estado brasileiro. Trazem, no seu texto, comandos-valores destinados ao legislador ordinário. O estudo do tema proposto faz-se relevante, uma vez que o Brasil, por meio de sua Constituição de 1988, que é formal e rígida, pode vislumbrar com clareza a questão da hierarquia das normas constitucionais e normas infraconstitucionais. 7. Poder constituinte Considerando-se que os poderes elencados pelo legislador (Executivo, Legislativo e Judiciário) foram ordenados sistematicamente em nossa Constituição de 1988, há que se concluir, forçosamente, que existe de fato um poder superior que os constituiu, ou seja: o poder constituinte. Para enquadrar devidamente o tema, o professor Canotilho evidencia quatro perguntas fundamentais que devem ser respondidas. 1) O que é o poder constituinte? O poder constituinte se revela como “força”, “poder”, “autoridade”, capaz de criar, garantir ou eliminar a Constituição, a lei fundamental de determinada sociedade. 2) Quem é o titular desse poder? O titular/destinatário do poder constituinte é o povo (também concebido quando formado por associações, indivíduos, igrejas etc.). Ora, em nossa Carta atual, fica patente que o poder pertence ao povo, por meio de seus representantes (“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” – art. 1º, parágrafo único, da CF/88). 3) Qual o procedimento e forma que se opera? Pode ser elaborado de vários modos: ou por meio de um procedimento legislativo-constituinte desenvolvido no seio de uma assembleia constituinte, ou ser fruto de um procedimento referendário (em que o povo decide a aprovação de um texto previamente elaborado). A mais importante, contudo, é a quarta pergunta, nomeadamente: 4) Existem ou não limites jurídicos quanto ao exercício deste Capítulo 5 Fontes do Direito 1. Conceito Vale destacar, primeiramente, que a doutrina jurídica não é uníssona quanto ao estudo das fontes do Direito. Dentre os inúmeros doutrinadores, há enorme diversidade quanto ao tema em estudo. A expressão “Fontes do Direito” é uma metáfora: num primeiro plano o termo “fonte” tem um sentido de “nascente de água” para elucidar a gênese (origem) do Direito, ou seja: para o Direito, ir até suas fontes revela um ato parecido com o daquele que busca a nascente de um rio. O termo provém do latim fons, fontis, que implica o conceito de nascente de água. A expressão “Fontes do Direito” pode traduzir vários sentidos. Dentro de uma perspectiva técnico-jurídica ou formal, ela designa os modos de formação ou de revelação das normas jurídicas. Diante de uma ótica filosófica ela traduz o fundamento da obrigatoriedade das normas jurídicas. Numa perspectiva sociológica ela traduz fatos que determinaram o aparecimento de determinado conteúdo das normas. No âmbito político, traduz os órgãos e situações envolvidos na elaboração de determinada norma (convém reter que o direito dos países comunistas se inspirou fortemente nas filosofias de Marx e Engels, nomeadamente no materialismo dialético). Num sentido material ou instrumental ela se refere aos textos e diplomas que contêm essas normas jurídicas. 2. As fontes no direito brasileiro No âmbito técnico-jurídico, podemos destacar que são quatro as fontes do direito brasileiro: 1) A lei: norma jurídica elaborada e imposta por um órgão competente. 2) O costume: é a norma que resulta de uma prática social constante, acompanhada da convicção de sua efetiva obrigatoriedade. 3) A jurisprudência: que se revela no conjunto de orientações e diretrizes seguidas pelos Tribunais no julgamento concreto de situações fáticas (ou seja: da vida real). 4) A doutrina: é a tradução da atividade de estudo teórico do Direito (a que formula juízos sobre a adequada regulamentação das relações sociais). Vale destacar que lei e costume são fontes diretas ou imediatas de direito (de formação de direito); por outro lado, a jurisprudência e a doutrina são fontes indiretas ou mediatas de direito (são modos de revelação do direito). 3. Breve evolução histórica Ora, para abordarmos o tema, faz-se necessário irmos até o período pré-romano (aspecto importante da História que infelizmente é relegado a segundo plano na educação formal brasileira). Assim, a Península Ibérica (nomeadamente, Portugal, que é o principal responsável pelo nosso Direito) foi ocupada por vários povos, principalmente pelos iberos e pelos celtas. Ora, a fusão destes povos originou os celtiberos, em que se originaram os lusitanos (vale destacar que além destes povos que efetivamente residiam e constituíam a franca maioria, na península, outros se estabeleceram, tais como os gregos, fenícios e cartagineses). A organização política desses povos eram as cidades, que integravam tribos, que, por sua vez, formavam confederações de tribos. Existiam ali três classes sociais: os nobres (detinham o poder econômico e militar); os homens livres, que revelavam a maioria dos cidadãos; e os clientes e servos. O Direito encontrado ali era costumeiro ou consuetudinário. Contudo, esse território foi ocupado pelos romanos. Diante deste quadro novo, os povos peninsulares passaram a reger-se pelas leis romanas, que se misturaram com práticas costumeiras anteriores à sua vigência. Neste esteio, regeram-se também, nos primeiros tempos do domínio germânico (visigótico), elaborando verdadeiros monumentos escritos a partir do século V, que culminaram no Código Visigótico (cerca de 654 d.C.). Ora, os visigodos foram substituídos na península pelos árabes (a partir do século VIII), regidos fundamentalmente por um direito de caráter confessional, estabelecido e fundado no Corão. Por meio da reconquista destes territórios árabes, surge Portugal (no século XII), que, até o reinado de D. Afonso III (1210- 1279), foi regido pelo direito costumeiro (com uma mistura dos direitos: visigótico, romano, franco e árabe). É precisamente com D. Afonso III que a lei passa a ser uma fonte extremamente importante para o Direito. A lei passa a disciplinar a vida social do reino; passa a ser elaborada com maior critério. Nesta altura é elaborada a primeira compilação do direito português, no reinado de D. Afonso, nomeadamente as Ordenações Afonsinas (que, como vimos, foram substituídas no século XVI pelas Ordenações Manuelinas e que, por sua vez, foram substituídas pelas Ordenações Filipinas – que vigoraram de 1603 até os Códigos Modernos do século XIX). Assim foi o precedente histórico que forjou Portugal e, consequentemente, nosso país. Agora, cumpre ressaltar que as fontes do Direito são divididas em três categorias: 1) Fontes históricas: vale destacar que, embora o direito Capítulo 6 A Lei 1. Noção de lei A lei pode ser vislumbrada por várias acepções: tais como lei divina, lei natural, lei humana, leis gramaticais, leis da física ou leis de determinado jogo. Esta palavra pequena, composta apenas por três letras, ocupa um tremendo espaço nos dicionários e enciclopédias. O mesmo se dá ao longo da História. A palavra “lei” tem quatro significados principais: a) em seu sentido latíssimo, revela o mesmo que direito ou norma; b) sob o sentido lato, revela a norma jurídica criada de determinado modo, por imposição de uma autoridade; c) dentro de um sentido intermediário, é transmitida por oposição a regulamento (que são normas gerais que emanam de uma autoridade administrativa); d) no âmbito geral, são as leis oriundas do Congresso Nacional. Deste modo, a palavra lei não é exclusiva do mundo jurídico, mas tem significados diferentes (porém, com igual precisão), em outros domínios do saber. Assim se insere igualmente no campo da Física, da Religião, da Filosofia, da Economia. Contudo, sempre tem o condão de designar, por um lado, aquele que determina (autoridade), seja o divino, a natureza, o homem, o mercado, e, de outro, aquele que se submete a seus desígnios. 2. A lei na antiguidade A lei, tal como a concebemos atualmente, adentra nossa tradição pelo Mediterrâneo, onde o Direito consistia num “dom divino”, um dom dos deuses, um dom de Deus, obviamente levando- se em consideração se a sociedade seria politeísta ou monoteísta. Há legislações que remontam a 2.400 anos antes da era cristã. Na Suméria, foi descoberto recentemente (em 1952, na região da Mesopotâmia, atual Iraque) o Código de Ur-Nammu, que se revela num dos mais antigos textos de lei que a arqueologia descobriu até a atualidade. Neste “código” são descritos os costumes consagrados que se tornaram leis, incluindo definição de penas de ordem pecuniária e corporal. O Código de Hammurabi também se encontra entre os textos legais mais antigos da humanidade. Atribuem a sua autoria ao rei Hamurabi, cerca de 1.700 anos antes de Cristo. Este texto foi encontrado em 1902 na região da Mesopotâmia (atual Irã). Trata-se de um monumento monolítico, no qual se encontram leis talhadas na rocha escritas em cuneiformes. Observa-se neste texto que o soberano traduzia a vontade divina e, consequentemente, estipulava as leis e o direito. N a Bíblia, que nos é mais familiar no mundo Ocidental, Deus avoca para si o papel essencial de ditar o direito. Assim, é narrado no livro sagrado, nomeadamente no Êxodo, que Moisés havia conduzido os israelitas que há muito haviam sido escravizados no Egito. Tendo chegado ao Monte Sinai, Moisés recebeu os Dez Mandamentos de Deus, que estabeleceu um pacto com o povo de Israel. A palavra lei em grego significa nomos (). Nas cidades gregas (berço de nossa civilização ocidental) a lei passa a tomar certa distância com os deuses, e o homem ganha espaço maior na elaboração das leis. De fato, Homero e Hesíodo invocam a deusa Têmis (que também era invocada nos julgamentos gregos) devido à sua ligação com a justiça. Porém, o homem grego, como vimos anteriormente, decide seu destino, discute e elabora suas leis na agora. Como foi abordado em outro capítulo deste livro, Sófocles, e m Antígona, trouxe à baila a questão da lei justa. Eis que o grego começa a desligar-se do divino e passa a ser dono de seu próprio destino. Convém agora analisar a lei em Roma, cujo direito influenciou bastante a Europa Ocidental. Em latim, a palavra lei se apresenta como lex. Em Roma, também a religião marcou o direito, mas, influenciados pelos gregos, passaram a elaborar o direito de um modo bastante avançado, que persiste até nossos dias. Foram responsáveis pela elaboração das Leis das XII Tábuas (ou Lex Duodecim Tabularum ). Este dispositivo romano está muito longe da organização moderna de nossos códigos (científica e sistemática). Sua importância, contudo, não pode ser menosprezada. Trata-se de uma série de dispostivos com a finalidade de regular a vida privada em Roma (foi qualificada por Tito-Lívio como “fonte de todo o direito público e privado” – fons omnis publici privatique juris). Como é óbvio, serve, também, de fonte histórica para a compreensão do direito e da sociedade romana. Seu conteúdo pode ser elencado do seguinte modo: Tábuas I e II – organização e procedimento judicial; Tábua III – procedimento contra os inadimplentes; Tábua IV – pátrio poder; Tábua V – sucessões; Tábua VI – propriedade; Tábua VII – servidões; Tábua VIII – dos delitos; Tábua IX – direito público; Tábua X – direito sagrado; Tábuas XI e XII – diversos. Um dos homens mais importantes da História e do direito romano foi Justiniano. Este imperador sobe ao trono no ano de 527 4. Fases do processo legislativo O procedimento de elaboração de leis no direito brasileiro, basicamente, passa pelas seguintes fases: 1) Elaboração/iniciativa: estipulada no art. 61 da Constituição, que elenca a quem compete fazê-lo: Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. 2) Exame pelas comissões técnicas, discussões e aprovação: finda a sua elaboração, o projeto passará por diferentes comissões (tanto no Senado Federal, como na Câmara dos Deputados) que o estudarão sob diversas óticas (adequação, objeto, constitucionalidade), antes de inseri-lo em nosso ordenamento jurídico. Após o crivo destas comissões, o projeto é encaminhado ao plenário para discussão e votação. 3) Revisão do projeto: estipula nossa Constituição que: Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar. Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora. 4) Sanção ou veto: este segmento do procedimento legislativo é de competência exclusiva do Chefe do Executivo. O veto é o meio pelo qual o Presidente da República manifesta a sua discordância com o projeto de lei apresentado. Sua discordância pode ser ou por achá-lo inconstitucional, no todo ou em parte, ou por considerá-lo contrário ao interesse público. O veto, então, pode ser total ou parcial. Assim, nossa Constituição em seu art. 66 explica, de maneira muito didática, os dois: Art. 66. (...) § 1º Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto. § 2º O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea. A palavra “sanção” provém do latim sancire, sanctum. Tal como nos dias atuais, ela possui duplo significado: de “tornar santo”, “consagrar”; com a mesma origem, este substantivo, sanctio, designa uma pena cominável ao transgressor da norma. Deste modo, ao sancionar determinada lei, o Chefe do Poder Executivo atribui sanções à sua eventual violação. Deste modo, a sanção cabe também ao Chefe do Poder Executivo que, aquiescendo (anuindo com o texto do projeto), sancioná-lo-á. A sanção poderá ser expressa ou tácita. Analisemos, mais uma vez, o texto constitucional: Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará. (...) § 3º Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sanção. 5) Promulgação: com este ato formal, a lei passa a existir. Aqui, o Presidente da República atesta a existência da lei, obrigando o seu efetivo cumprimento. 6) Publicação: como há um princípio de segurança jurídica em que ninguém se aproveita da segurança das leis, estas, para serem aplicadas e incidirem nos casos concretos, deverão ser conhecidas. Para tanto, deverão ser publicadas no Diário Oficial. Contudo, mesmo após este procedimento nada garante ao cidadão que a lei será efetivamente cumprida ou até que vá ser cumprida de modo equânime e razoável. Cumpre analisar e refletir sobre um dos ensinamentos das Ordenações Afonsinas: “A principal virtude das leis está na execução delas, a qual, sem prática de ordenado juízo, não pode ser trazida à boa perfeição...”. 5. Entrada em vigor da lei No Brasil, a lei, quando publicada no Diário Oficial, passa a ser obrigatória. A sua entrada em vigor, se a lei não a estipular, não se inicia na data de sua publicação. De acordo com a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (antiga Lei de
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