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Guias e Dicas
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Apostila de estudo em introdução do direito-tópicos, Notas de estudo de Engenharia Ambiental

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO

Tipologia: Notas de estudo

2017
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Compartilhado em 10/08/2017

ton-udi-11
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Baixe Apostila de estudo em introdução do direito-tópicos e outras Notas de estudo em PDF para Engenharia Ambiental, somente na Docsity! APOSTILA PARA ESTUDO GERAL DA DISCIPLINA: INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO 2017 http://introducaoaodireito.info/wp/?p=131 05. Nomenclatura – histórico normativo Se observarmos os livros que pretendem introduzir os alunos ao direito, notaremos, de antemão, que possuem títulos muito parecidos, porém com uma diferença nos termos utilizados. Qual a razão para essa diferença? Podemos, vasculhando a história dos cursos de direito, encontrar uma possível explicação: existem normas que, em diferentes momentos históricos, trazem uma nomenclatura diferente para a disciplina. Chegamos, assim, ao Decreto n. 19.852, de 1931, que exige o oferecimento, nos cursos de Direito, de uma disciplina denominada “Introdução à Ciência do Direito”. Tal nome é mantido até a Resolução n. 3, de 1972, que passa a chamá-la de “Introdução ao Estudo do Direito”. Por fim, a Portaria 1886, de 1994, refere-se, simplesmente, à “Introdução ao Direito”. Curiosamente, a atual Resolução n. 9, de 2004, que rege o funcionamento dos cursos jurídicos, foi omissa quanto a conteúdos introdutórios ao direito e/ou à sua ciência. De qualquer modo, ficamos com duas possibilidades: Introdução ao Direito ou Introdução à Ciência do Direito. Será que, independentemente das razões históricas, haveria outros motivos para a diferença? Desenvolveremos a questão noutro momento. http://introducaoaodireito.info/wp/?p=135 06. Introdução à Ciência ou ao Direito? Vimos, noutra postagem, que as normas referentes ao funcionamento dos cursos de direito referiram-se a nossa disciplina como Introdução à Ciência do Direito, Introdução ao Estudo do Direito e Introdução ao Direito. A partir daí, surgiram manuais enfatizando um ou outro dos títulos. No exterior, uma rápida pesquisa em francês e em inglês seria capaz de revelar que a expressão Introdução ao Direito é preferida: Introduction au Droit e Introduction to Law. Mas, será que a distinção revela alguma diferença conceitual? Ou trata-se apenas de uma preferência terminológica, sem consequências práticas? Podemos constatar que existem duas finalidades básicas de uma disciplina do gênero: 1. Apresentar o aluno a um fenômeno social chamado direito; 2. Apresentar o aluno ao estudo desse fenômeno social. Pois bem, a distinção pode revelar a preferência do autor do livro. Os livros que recorrem à expressão Introdução à Ciência do Direito (e sua variante mais frequente, Há de se notar que os comportamentos humanos em sociedade tendem a se pressupor, ou seja, cada comportamento espera outro comportamento de outra pessoa e foi, do mesmo modo, esperado pelos demais. Os comportamentos são marcados, assim, pela previsibilidade. A razão de as pessoas se comportarem de um modo previsível é justamente o fato de a sociedade buscar a realização de valores. Espera-se que cada comportamento e/ou a soma dos comportamentos permita à sociedade transformar alguns valores desejáveis em realidade, modificando essa realidade. Podemos afirmar, ainda, que a sociedade natural torna-se uma sociedade cultural a partir dessa busca valorativa. Mas, o que é um valor? O valor é uma qualidade ideal que se pode atribuir às coisas, constatando-se que, caso essas coisas correspondam ao valor almejado, tornar-se-ão satisfatórias. Por exemplo: o respeito é um valor. Quando uma pessoa se relaciona com outra e demonstra respeito nesse relacionamento, seu comportamento será bem visto, pois corresponde a um valor esperado. Do contrário, se a pessoa demonstra desrespeito, seu comportamento não possui a qualidade valorativa que dele se espera, sendo considerado indesejável. Ora, os seres humanos se reúnem em sociedades culturais e se comportam de um modo previsível porque, precisamente, buscam concretizar nas relações sociais determinados valores. Uma sociedade ideal, por exemplo, seria aquela em que os seres humanos, entre outros valores, concretizariam, em todas as relações com os demais, o valor dignidade da pessoa humana. Infelizmente, todavia, nem sempre é fácil identificar quais os valores efetivamente concretizados por uma sociedade. Nem sempre esses valores verificados na realidade correspondem aos valores proclamados pela sociedade como almejados. As sociedades capitalistas, por exemplo, pregam buscar a concretização de vários valores mas, na prática, muitas vezes, apenas buscam concretizar um valor, de natureza econômica, chamado valor de troca. Supondo que se identifiquem os valores efetivamente buscados por determinada sociedade, logo se detecta que existe um risco: as pessoas podem se comportar de um modo que não os realize. A fim de evitar comportamentos indesejáveis ou até de corrigi- los, as sociedades desenvolvem mecanismos de controle social. Surgem instrumentos que permitem à sociedade padronizar, de antemão, os comportamentos desejáveis, geralmente por meio de regras (normas). Os instrumentos mais comuns são: religião, moral, costumes e direito. Chegamos, assim, ao direito. Consiste em um instrumento de controle social que se destaca dos demais, pois procura dirigir as condutas de forma a concretizarem determinados valores por meio de um conjunto de normas preciso e bem estruturado, tornando-se um mecanismo que gera maior segurança e certeza para as pessoas. Recorrendo às normas jurídicas, os membros de uma sociedade sabem exatamente qual o comportamento que devem adotar para a concretização dos valores sociais. http://introducaoaodireito.info/wp/?p=179 09. Normas físicas Se definimos a natureza como o conjunto de objetos que existem independetemente da ação humana, isso não significa que essas coisas sejam “imóveis” ou não se modifiquem ao longo dos tempos. Um olhar mais atento, ao contrário, revela que a natureza é uma soma de fenômenos e processos em constante transformação, que levam à criação (natural) de algumas coisas e ao desaparecimento (natural) de outras. Os climas, os relevos, a fauna e a flora transformam-se constantemente, mesmo sem a interferência dos seres humanos. Além disso, os objetos naturais relacionam-se entre si continuamente. Corpos se chocam, animais se enfrentam, raios incendeiam florestas… Diuturnamente a natureza dá provas de seu dinamismo. Os seres humanos, talvez impressionados pela grandeza natural do globo, talvez movidos pelo espírito curioso que lhe é peculiar, buscam, desde os mais remotos dias, compreender as relações e as transformações que se desenvolvem na natureza. Observando os objetos naturais, descobrimos que existem algumas constâncias em seus comportamentos. Percebemos, por exemplo, que dois corpos que possuem massa tendem a se atrair reciprocamente, movidos por uma aceleração contínua; ou ainda, que algumas substâncias, em determinadas condições, alteram seu estado físico, passando de sólido a líquido e de líquido a gasoso. Essas constâncias podem ser descritas como “normas” ou “regras” físicas (a palavra grega phýsis significava “natureza”; assim, a palavra “física” equivale a “natural”). Tais normas enunciam as relações entre objetos naturais, constatando que, dadas determinadas causas, haverá, necessariamente, uma consequência. Um exemplo é a chamada “Lei da Gravidade”, citada acima. Os homens, como dito, constataram que massa atrai massa. A Terra, dado seu tamanho, atrai todas as coisas com massa para seu núcleo, fazendo com que as coisas caiam. Trata-se, assim, de uma 3. As normas econômicas, por fim, derivam da observação dos fatos econômicos, realizada pelos economistas, cujo objetivo é encontrar regras que expliquem o funcionamento global da economia. Uma regra econômica muito famosa é a “lei da oferta e da procura”, que explica a variação de preços em economias liberais. É preciso destacar que, tal qual ocorre com as normas físicas, podemos considerar que as normas culturais compreensivas também “submetem-se” aos fatos. Em outras palavras, quando um cientista percebe que criou uma norma para explicar um fenômeno cultural e que as consequências previstas pelo cientista na norma não se verificam em concreto, então surge a necessidade de se refazer dita norma. Os cientistas sociais, historiadores e economistas, para ficarmos em nossos exemplos, explicam seus respectivos objetos culturais de estudo por meio de normas cujo conteúdo precisa, efetivamente, corresponder aos fatos sociais, históricos e econômicos. Em havendo divergências, a norma cultural compreensiva é descartada ou modificada. Outro gênero de normas culturais é o gênero das normas éticas. Diferentemente das compreensivas, seu objetivo não é explicar a realidade cultural, mas determiná-la ou comandá-la. Essas normas correspondem aos mecanismos de controle social criados pelas pessoas para neutralizarem os conflitos, permitindo à sociedade sua permanência e reprodução. Sua estrutura interna revela um comando dirigido aos agentes sociais buscando determinar seus comportamentos obrigatórios, permitidos ou proibidos, estabelecendo o que deve ou pode ser feito por cada um para se concretizarem os valores buscados coletivamente. Assim, são exemplos de normas éticas as normas jurídicas, morais, religiosas e de trato social. Todas estabelecem os limites socialmente toleráveis do comportamento humano. Referências bibliográficas: BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao Direito. São Paulo: Saraiva, 2011, lição III. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, capítulos III a V. http://introducaoaodireito.info/wp/?p=191 11. Normas éticas: caracteres gerais As normas éticas são espécies de normas culturais. Sua finalidade não é compreender ou explicar os fenômenos culturais, mas determiná-los ou controlá-los no sentido de permitirem a concretização de valores. Considerando que as normas éticas surgem em sociedades culturais, seu objetivo é especificar os comportamentos humanos permitidos, proibidos e obrigatórios, limitando as possibilidades de transformação ou de existência dos fatos àquelas que permitam a concretização dos valores sociais. Alguns comportamentos humanos podem resultar em situações indesejáveis socialmente, sendo, então, proibidos pelas normas éticas; outros comportamentos, porém, podem ser indispensáveis para a concretização dos valores sociais, tornando-se, assim, obrigatórios. Embora existam normas éticas de diversas espécies, como as normas jurídicas, religiosas, morais e de trato social, podemos considerar que ambas apresentam caracteres comuns, quais sejam: imperatividade, violabilidade e contrafaticidade. 1. Imperatividade: toda norma ética indica uma direção considerada “normal” que deve ser seguida pela sociedade possibilitando a concretização dos valores. Por haver limitação nas possibilidades de ação dos seres humanos, consideramos que as normas éticas sejam imperativas, pois derivam de uma relação de autoridade. Também podemos definir a imperatividade em oposição à causalidade das normas físicas. Estas indicam uma consequência necessária a uma condição, representada pela fórmula se A é, B é (ou seja, se ocorre um fenômeno, sua consequência necessariamente ocorrerá também). As normas éticas, por sua vez, indicam uma consequência esperada, mas apenas possível, para uma condição, sendo representada pela fórmula se A é, B DEVE SER. Comumente se identifica o mundo das normas éticas como o mundo do DEVER SER, em oposição ao mundo natural, que é o mundo do SER. No campo ético, a indicação de um comportamento desejável não é uma garantia de que ele se verificará na prática. Podemos exemplificar imaginando uma situação na qual algumas pessoas busquem concretizar um determinado valor, como a educação. Podemos supor que essas pessoas estejam reunidas em uma sala de aula na qual o professor ministre sua disciplina. Ora, dada a condição acima (pessoas reunidas em sala de aula buscando a educação), podemos estabelecer uma consequência ética: “deve ser respeitado o silêncio”, ou, simplesmente, “é proibido conversar”. A norma é imperativa, pois deriva de uma autoridade que limita as possibilidades de comportamento dos presentes na sala de aula. Também é imperativa porque indica limites que DEVEM SER respeitados, não havendo qualquer garantia de que SERÃO respeitados. 2. Violabilidade: justamente esse caráter imperativo da norma ética revela outro caráter específico, que é a possibilidade de o comando não ser respeitado, sendo, assim, violado. Toda norma ética considera sempre presente essa possibilidade de não ser cumprida, pois é dirigida a seres humanos, que podem escolher um comportamento diferente daquele estipulado. Podemos ilustrar com um exemplo. Imaginemos uma situação concreta na qual uma pessoa trabalhe muito e receba um salário pequeno. Podemos avaliar essa situação a partir de um valor, a proporção ou o “equilíbrio entre as prestações”: como houve um desequilíbrio na troca entre o trabalhador e seu empregador, diremos que a situação, sob tal ponto de vista, é injusta e indesejável. O desejável seria que, se a pessoa trabalha muito, seu salário fosse elevado. Estudiosos podem constatar que a situação descrita se repita com frequência em nossa sociedade, descrevendo o fenômeno por meio de normas culturais compreensivas sociológicas ou econômicas. Inspirados por tais descrições, os legisladores podem reputar necessário dirigir a sociedade para o rumo correto, realizando o valor “equilíbrio entre as prestações”. Esse direcionamento dar-se-á mediante a criação de uma norma ética afirmando que o salário deve ser equivalente à quantidade de trabalho e estabelecendo uma punição para aqueles que a descumprirem. Nosso exemplo é fictício. Será que poderia ocorrer na prática? Será que, numa sociedade capitalista, o valor do salário de todos os trabalhadores poderia ser equivalente à quantidade de trabalho? Economicamente, isso seria impossível. Sem o desequilíbrio entre o valor do salário e o tempo de trabalho, não há produção de lucro. Sem a produção de lucro, o capitalismo não prospera. Porém, a norma ética pode refletir um grau de desequilíbrio que seja o menor possível dentro da sociedade. A diferença entre o valor do salário e a quantidade de trabalho pode ser apenas aquela que permita sobrevivência lucrativa das empresas. Então, o valor se concretiza nos limites das possibilidades sociais. A norma ética, assim, corresponde a um equilíbrio socialmente possível entre o valor desejável e as condições fáticas da realidade. Não faz sentido pensarmos nela sem pensarmos nos fatos e nos valores a que se referem. Esse equilíbrio é sempre momentâneo. A evolução social modifica os fatos e os valores ininterruptamente. Tais mudanças exigem que as normas éticas sejam também alteradas, a fim de se atualizarem. Nem sempre, entretanto, esse ritmo de atualização normativa acompanha o ritmo das transformações sociais, deixando muitas normas éticas defasadas. http://introducaoaodireito.info/wp/?p=201 13. Sanção As normas éticas são imperativas e suscetíveis de serem descumpridas. Elas referem-se a comportamentos que DEVEM SER respeitados, contendo em sua essência a possibilidade do descumprimento, pois dirigem-se a seres humanos, dotados da liberdade de escolher sua conduta. O ideal seria que todos os membros de uma sociedade compreendessem a importância de buscarem a concretização dos valores consagrados pelas normas éticas em seus relacionamentos, manifestando ações de respeito mútuo e solidariedade, aperfeiçoando cada vez mais a vida comum. Todavia, esse ideal não se materializa. Nem sempre as pessoas se comportam dentro dos limites estabelecidos pelas normas éticas. Para tentar minimizar o índice de descumprimento das normas éticas que limitam os comportamentos sociais, surgem outras normas (também éticas) chamadas “sanções”. A sanção, assim, é uma consequência atribuída à observância ou não de um comportamento previsto em uma norma ética anterior, que pode estimulá-lo ou reprimi- lo. Numa sociedade hipotética, pode-se considerar proibido o comportamento de olhar os mais velhos diretamente nos olhos. Como nem todos podem vir a cumprir tal norma ética, cria-se (espontânea ou conscientemente) uma consequência negativa para aqueles que olharem nos olhos dos mais idosos: uma admoestação. Assim, se uma pessoa olhar nos olhos de outra mais idosa, DEVE SER aplicada a sanção, qual seja, uma bronca. Na mesma sociedade, o Estado pode considerar inadmissível a conduta de um ser humano matar outro. Cria-se uma norma ética jurídica proibindo o homicídio (a vida deve ser respeitada). Para garantir que essa norma seja respeitada, o Estado cria outra norma ética jurídica, a sanção, determinando que se alguém matar outra pessoa, DEVE SER preso. É importante fazer um apontamento: enquanto a norma ética que descreve os comportamentos sociais permitidos, proibidos ou obrigatórios se dirige para todos os membros da sociedade, a norma ética que descreve a sanção se dirige apenas àqueles que têm, na sociedade, a competência para tornar concreta a consequência. São essas pessoas que devem aplicá-la. Nos nossos exemplos, a primeira sanção se dirige à própria pessoa que foi olhada nos olhos, que deve dar uma bronca no ofensor; a segunda, por sua vez, dirige-se aos funcionários do Estado que têm a competência para punir uma pessoa que tenha matado outra, que devem prender o homicida. Nos dois casos, ressalte-se, qualquer pessoa pode ser punida, mas somente algumas pessoas terão a competência de aplicar a sanção. Outro apontamento necessário diz respeito ao fato de a sanção também ser, sob todos os aspectos, uma norma ética. É imperativa, violável e contrafática. Isso significa que nada ou ninguém pode garantir que a pessoa que DEVE aplicar a sanção realmente o faça. O senhor que foi olhado nos olhos pode não dar uma bronca no ofensor; o funcionário do Estado que deve prender o homicida pode não o fazer. Estamos, novamente, no reino da liberdade. Muitas vezes, porém, a sanção se dirige a pessoas específicas e determinadas, que possuem algumas características que diminuem as possibilidades de não serem aplicadas. Assim, as sanções jurídicas dirigem-se a funcionários públicos que, caso não as apliquem às pessoas condenadas, correm sério risco de serem, eles próprios, vítimas de outras sanções e punidos. É interessante notar que as sanções não são apenas consequências ruins dirigidas àqueles que violam as normas éticas. Podem ser também boas consequências, aplicadas àqueles que se comportam conforme os padrões normais. As sanções “ruins” são chamadas de negativas. São punições que devem ser impostas àqueles que descumprirem outras normas éticas. Já as sanções “boas” são chamadas de positivas ou premiais e consistem em consequências benéficas atribuídas àqueles que cumprem outras normas éticas, tendo o objetivo de estimular esse comportamento. Há inúmeros exemplos de sanções negativas, como a prisão, a multa e a perda de cargos. As sanções positivas podem consistir em descontos oferecidos a contribuintes que pagam seus tributos dentro de prazos determinados, em isenções tributárias a descumpra uma regra disciplinar criada por um professor, será punido pela Universidade, com respaldo do Estado brasileiro. Por outro lado, o aluno franzino que pediu silêncio não possui autoridade previamente reconhecida pelos colegas para criar mensagens normativas. Por mais que sua mensagem pareça uma norma, não será. Podemos concluir, assim, que o caráter normativo de uma mensagem não venha apenas do seu conteúdo (DEVER SER), mas, principalmente, da existência de autoridade entre seu emissor e seu receptor. Uma mensagem, para ser norma, deve ser criada por um emissor que possua algum nível de autoridade (física, moral, intelectual…) reconhecido pelo receptor. Voltando ao segundo caso, quando o aluno franzino afirmou ser proibido conversar na sala, não criou uma norma, pois não houve o reconhecimento de qualquer autoridade exercida por ele sobre os colegas, receptores da mensagem. Porém, caso o aluno fosse uma pessoa, por qualquer motivo, respeitada pelos demais, então, sua mensagem poderia vir a se tornar uma norma ética, pois existiria autoridade na relação. O que mudaria, portanto, não seria a mensagem em si, a mesma, mas a relação entre os comunicadores, imbuída ou não de autoridade. http://introducaoaodireito.info/wp/?p=933 14.1 Criação das normas éticas As normas éticas são comandos ou ordens que indicam comportamentos permitidos, proibidos ou obrigatórios, dividindo-se em normas morais (individuais, costumeiras, religiosas) ou jurídicas. Existem três formas básicas pelas quais uma norma ética pode ser criada: 1. Derivação dos costumes – as normas éticas são extraídas de comportamentos habituais que se repetem no tempo (costumes). Por exemplo, dada a existência do costume de as pessoas entrarem no final de uma fila, chega-se à norma ética “uma pessoa deve respeitar as filas”. Se toda norma ética deriva de uma autoridade, nesse caso afirmamos que a autoridade costumeira se materializa no próprio valor atribuído ao hábito social. Sociedades mais tradicionais tendem a conferir maior autoridade aos costumes; sociedade em processo de transformação ou sociedades contemporâneas lhes atribuem menor autoridade. Na sociedade brasileira, as normas morais sociais originam-se frequentemente dos costumes. Muitos dos comportamentos do cotidiano derivam de regras extraídas dos hábitos, como o dever de usar determinadas roupas em certas ocasiões ou o dever de ser gentil com as pessoas. Mas, aqui, a autoridade desses hábitos não é forte o suficiente para gerar normas jurídicas. Nosso direito, assim, não pode ser chamado de consuetudinário, ou seja, derivado dos costumes. Apenas excepcionalmente, quando indicado pela legislação, um juiz brasileiro extrairá uma norma jurídica de um costume para resolver um conflito. 2. Descoberta ou revelação – as normas éticas são criadas por um deus que as dita (“revela”) a uma pessoa ou decorrem de uma racionalidade superior, sendo “descobertas” pelos estudiosos. As normas dos Dez Mandamentos, por exemplo, foram reveladas. Já normas extraídas de uma pretensa ordem cósmica seriam descobertas. As normas morais religiosas, em última instância, derivam de uma revelação. Nesse caso, existem duas autoridades envolvidas: a autoridade divina, que transcende nosso mundo, e a autoridade terrena, com pretensos poderes de se comunicar com ela. Para o fenômeno da revelação se consumar, há a necessidade de os destinatários das normas acreditarem nessas duas autoridades. No caso da descoberta de normas éticas, podemos pensar no direito natural de índole racionalista. Nesse caso, a autoridade transcendente consiste na mera ordem racional do universo, ou seja, no fato de que todas as coisas podem ser compreendidas, explicadas e justificadas pela razão. A autoridade terrestre, então, passa a ser aquela pessoa que, como um filósofo, é capaz de compreender essa ordem universal e explicá-las aos demais, indicando quais as regras que dela derivam. Os destinatários, então, devem acreditar que o universo é racional e na capacidade daquele que descobre suas regras. 3. Positivação – as normas éticas são, neste último caso, criadas por meio de decisões tomadas por uma pessoa que possui autoridade. Essa pessoa decide criar uma regra e a “positiva”, ou seja, comunica para os potenciais destinatários. É o caso de um pai que toma uma decisão e cria uma regra para os filhos, por exemplo. Se voltarmos ao caso do direito brasileiro contemporâneo, suas normas são positivadas, ou seja, derivam de decisões tomadas por pessoas ou órgãos que possuem autoridade. As normas contidas em leis são criadas por meio de uma decisão coletiva tomada pelo Congresso Nacional brasileiro; as normas contidas em sentenças derivam de uma decisão tomada por um juiz; as normas contratuais, para ficarmos nas principais normas jurídicas, derivam de decisões juridicamente válidas tomadas pelas partes que celebram o contrato. A positivação de uma norma ética está ligada ao poder de seu criador. Basta que, por alguma razão, os destinatários acreditem que ele possui poder para lhes dar ordens ou impor comportamentos. Aqui, surge um problema: qual a dimensão desse poder? Em Se a norma ética busca, em última instância, atingir o bem individual de uma das partes da relação, acima da busca do bem comum, então ela pode ser classificada como axiologicamente unilateral. As normas religiosas não são axiologicamente bilaterais, pois consideram apenas os indivíduos em sua relação com Deus, estabelecendo valores que realizam o sagrado no indivíduo, sem considerá-lo independentemente disso. Já as normas jurídicas, por outro lado, sempre olham os dois envolvidos em uma relação, distribuindo direitos e deveres conforme os valores que devem ser realizados, levando a relação ao bem comum, não se identificando com qualquer deles. 4. Atributividade: há normas éticas que atribuem a uma pessoa o poder de exigir de outra comportamentos em determinada relação. Esse poder é garantido por alguma espécie de entidade social, que atuará para protegê-lo. Podemos dizer que tais normas éticas conferem uma exigibilidade garantida a certas pessoas envolvidas em fatos por elas regulados. Uma norma de etiqueta social, por exemplo, não possui atributividade, pois não confere poderes de exigibilidade garantida para as pessoas. Em resumo, podemos distinguir as normas éticas conforme as características acima: a. normas jurídicas: são heterônomas, coercivas, axiologicamente bilaterais e atributivas (possuem todas as características); b. normas de moral social (etiqueta): são heterônomas e axiologicamente bilaterais. c. normas de moral individual e religiosas: não possuem tais características. http://introducaoaodireito.info/wp/?p=236 16. Relações entre o Direito e a Moral Há relações necessárias entre o Direito e as normas morais de uma sociedade? Será que as normas jurídicas precisam ser consideradas boas pela população? Ou inexiste qualquer ponto de contato entre o direito e a moral? Uma primeira resposta a tais indagações é trazida pela Teoria do Mínimo Ético, delineada pelo jurista Georg Jellinek (1851-1911). Tal teoria afirma que todas as normas jurídicas são normas morais. Especificamente, considera-se que as normas morais mais importantes da sociedade são transformadas, pelo Estado, em normas jurídicas. Nesse sentido, a sociedade sempre considera corretas as normas jurídicas, não podendo existir tais normas que sejam vistas como imorais. Há normas morais que não se convertem em normas jurídicas, pois não são consideradas as mais importantes da sociedade. Por exemplo, a proibição ao homicídio é uma norma moral que a sociedade, por meio do Estado, dada sua importância, transformou em jurídica. Por outro lado, existem regras de etiqueta social como, por exemplo, um cavalheiro abrir a porta para uma dama, que não são transformadas em jurídicas pelo Estado. Mas nem todos concordam com a teoria do Mínimo Ético. Muitos afirmam que existem normas jurídicas imorais (contrárias à moral) e normas jurídica amorais (indiferentes à moral). A norma que define o valor do salário mínimo, por exemplo, é, inegavelmente, jurídica. Muitos, todavia, argumentam que seja imoral, tendo-se em vista o baixo valor especificado. Há normas, ainda, amorais. São normas de caráter meramente técnico, cujo conteúdo não pode ser avaliado nem de modo positivo nem de modo negativo pela moral. Por exemplo, a norma jurídica que especifica que os carros devem parar na luz vermelha do semáforo. Por que a cor vermelha para parar? Por que não outra? Essa escolha não envolve questões morais, mas uma mera convenção técnica. Uma última objeção ainda pode ser levantada: será que existe uma única moral na sociedade? Ou será que a sociedade possui várias morais que convivem simultaneamente? Se esta segunda pergunta puder ser respondida afirmativamente, então não podemos dizer que o direito sempre seja visto como moral por todos os membros da sociedade, pois existem várias morais sociais. Outra teoria busca explicar essas relações, mas de um modo diametralmente oposto: a Teoria da Separação entre o Direito e a Moral. Thomasius (1655-1728) afirma que não há ponto de contato entre as esferas analisadas. A Moral é um conjunto de regras que regula a esfera íntima dos seres humanos, sendo aplicável apenas no nível da consciência. O Direito, por sua vez, é um conjunto de regras que apenas regula a esfera externa dos comportamentos humanos, ou seja, a manifestação e a concretização desses comportamentos. A teoria de Thomasius não explica satisfatoriamente, contudo, as regras da chamada moral social (costumes, etiqueta etc.), que se referem a comportamentos externos, sem grandes preocupações com a esfera íntima. Também não explica os casos em que o direito se preocupa com a esfera íntima das pessoas, como no caso da verificação de dolo ou culpa na prática de um crime (é necessário saber se o autor teve ou não a intenção de praticá-lo). Assim, não parece ser um critério adequado para justificar a separação entre os campos. Ainda afirmando a separação entre Direito e Moral, podemos apontar o jurista Hans Kelsen (1881-1973). Sua visão, contudo, difere da de Thomasius. Para Kelsen, não há qualquer diferença essencial entre as esferas. As regras morais são em tudo idênticas às normas jurídicas, salvo por um aspecto, por assim dizer, externo: as normas jurídicas são as normas morais com maior condição de se impor socialmente de modo eficaz. A diferença estaria no grau da força coercível por detrás da norma: o http://introducaoaodireito.info/wp/?p=238 17. Direito: etimologia O fenômeno jurídico, ao longo da história, vem sendo designado por duas palavras derivadas de radicais distintos: Direito e Jurídico. Podemos apresentar uma breve etimologia dessas palavras (ou seja, buscar as palavras originárias que se transformaram nelas). A palavra direito não foi utilizada pelos romanos para designar o fenômeno que hoje recebe seu nome. Apenas no final da Idade Média os estudiosos passam a utilizá-la. Seu radical latino é rectum e directum, que significam, basicamente, “reto” e “em linha reta”. Podemos dizer que uma coisa está directum se estiver conforme uma regra (“reta”). Se pensarmos nas principais línguas ocidentais, todas possuem um termo derivado dessas palavras latinas: em alemão, Rechts e, em inglês, right, derivadas de rectum; em português, direito, em espanhol, derecho, em italiano, diritto e, em francês, droit, derivadas de directum. A palavra Jurídico, por sua vez, deriva daquela palavra usada pelos romanos para designar o fenômeno do direito: jus. Uma série de palavras hoje utilizadas também derivam desse mesmo radical: jurisconsulto, judicial, judiciário, jurisprudência… Conforme dito, jus significava, em latim, direito. Há, contudo, controvérsias quanto a sua origem remota. Alguns autores derivam-na de jussum, particípio passado de jubere, que significa “mandar”, “ordenar” (significando, assim, mandado, ordenado). A palavra jus, nessa visão, reforçaria o aspecto da garantia atribuída pelo direito aos envolvidos numa relação, destacando sua força ordenatória. Outros autores, porém, defendem que a palavra derivaria de justum, que significa “justo”, “em conformidade com a justiça”. Nesse caso, o aspecto valorativo do direito é reforçado, considerando-se o fenômeno como um caminho para a realização do bem comum. É interessante notar que a incerteza quanto à origem etimológica de jus revela a tensão própria da palavra em seu sentido contemporâneo: nosso direito é, ao mesmo tempo, uma força que ordena (“manda”) e busca realizar a justiça (o bem comum). Referência: MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: RT. (cap. 1 – O conceito de direito) http://introducaoaodireito.info/wp/?p=253 19. O Direito: a imprecisão da palavra Um problema sempre enfrentado pelos juristas consiste na imprecisão do vocábulo “direito”. Trata-se de uma palavra polissêmica, ou seja, com muitos significados. Nesse sentido semântico (a semântica busca os significados dos signos, das palavras), portanto, é inútil buscar um único significado denotativo que defina “direito”. Em um sentido “próprio”, a palavra pode significar coisas diversas, como norma, faculdade, justiça, ciência ou fato social. A força desses significados é, muitas vezes, equivalente. Sob a perspectiva sintática (a sintática analisa as palavras combinadas entre si, quanto às funções que cumprem umas em relação às outras) verificamos a mesma imprecisão. De um lado, podemos usar a palavra “direito” como substantivo (o direito brasileiro prevê…), como adjetivo (não é um homem direito) ou, até mesmo, como advérbio (Ele não agiu direito). De outro, notamos que o vocábulo pode ser conectado a palavras sintaticamente diferentes, como verbos (meus direitos não valem), substantivos (o direito é uma ciência) ou adjetivos (o direito é injusto). Como se não bastassem as imprecisões semântica e sintática do termo, ainda convém destacar que, pragmaticamente (a pragmática enfoca a relação estabelecida entre os comunicadores e a função da mensagem nessa relação), o “direito” é uma palavra de forte carga emotiva. Normalmente é usado em contextos de reivindicações, de lutas sociais, de desilusões. Assim, pensando na teoria da comunicação, constatamos que sob todos os enfoques a palavra “direito” é imprecisa. Por isso afirmamos que defini-la torna-se um problema. Referência: FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas. http://introducaoaodireito.info/wp/?p=260 20. O Direito: significados Por se tratar de um termo impreciso, definir o direito requer a apresentação de mais de um significado. Muitas vezes utilizamos a palavra “direito” para designar uma norma ou um conjunto de normas. Ao afirmarmos, por exemplo, o direito brasileiro proíbe o furto, podemos considerar que o significado do termo, no caso, é “a legislação brasileira”, ou seja, o conjunto de normas legais do país. No mesmo sentido poderíamos dizer o direito obriga MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: RT. (cap. 1 – o conceito de direito) http://introducaoaodireito.info/wp/?p=267 21. O Direito: definição de Miguel Reale Segundo Miguel Reale, o direito é a ordenação ética coercível, heterônoma e bilateral atributiva das relações sociais, na medida do bem comum. Sua definição, portanto, apresenta a soma das características gerais e distintivas das normas éticas. Analisando-se os termos utilizados pelo autor na definição, verificamos, primeiro, que o direito é uma ordenação. A palavra ordenação pode ser entendida como o conjunto de normas que organizam alguma coisa. Por ser uma ordenação ética, essas normas organizam a esfera ética da cultura humana. O direito, assim, é um conjunto de normas éticas (uma “ordenação ética”). Todas as normas éticas compartilham de determinadas características gerais, como dito acima: são imperativas (impõem uma conduta; regem-se pelo princípio da imputação – “dever ser”), violáveis (a conduta pode ser respeitada ou não) e contrafáticas (ainda que sejam desrespeitadas, as normas éticas não perdem seu valor). Além disso, o direito possui todas as características distintivas das normas éticas, conforme especificado por Miguel Reale: 1. É coercível, ou seja, busca minimizar o índice de violabilidade mediante ameaças de recurso à força; 2. É heterônomo, pois as normas jurídicas são elaboradas pelo Estado e devem ser cumpridas independentemente da aceitação íntima do destinatário; 3. É axiologicamente bilateral pois busca concretizar valores que não estão reduzidos a uma das partes da relação fática, e sim valores que levam ao bem comum; 4. É atributivo pois atribui poderes garantidos aos destinatários das normas jurídicas. Convém destacar, por fim, que tal definição congrega os três elementos da tridimensionalidade ética: fato, valor e norma. O direito busca valores ligados ao bem comum (bilateralidade axiológica) por meio da criação de normas éticas heterônomas que limitam os fatos de modo coercível e atributivo. http://introducaoaodireito.info/wp/?p=342 22. Historicidade do Direito O direito é um fenômeno histórico. Afirmar isso significa, primeiramente, que não existe “o” direito, enquanto conceito absoluto, eterno e imutável. Buscar-se uma definição universal para o direito, válida em todos os momentos e em todas as sociedades humanas, seria esforço inútil e pouco produtivo. Na Grécia Antiga, o direito possuía caracteres muito peculiares, ligando-se ao exercício da cidadania e à delimitação do espaço político por meio das normas. Não era um campo autônomo, pois pressupunha a política e concretizava a ética. Durante o Império Romano, o direito torna-se um mecanismo de resolução de disputas, com rituais próprios e relativa autonomia dos outros campos. Avançando para a Idade Média, o direito passa a confundir-se como os poderes dos nobres, ligados à propriedade privada da terra. No Absolutismo, o direito transforma-se em uma decorrência do poder divino dos reis, derivando da vontade real. Apenas no capitalismo recente o direito é identificado com a norma jurídica, em especial a lei, o contrato e a sentença. O direito de um povo passa a ser entendido como o conjunto de normas jurídicas criado ou reconhecido pelo Estado que o representa. Mais precisamente, passamos a chamar direito ao processo contínuo de criação de normas jurídicas. Algo, portanto, bem diferente daquilo o que já foi o fenômeno jurídico. http://introducaoaodireito.info/wp/?p=344 23. Positivação do Direito e Ciência Dogmática O direito Contemporâneo, típico das sociedades capitalistas, transforma-se em uma tecnologia de resolução de conflitos com um mínimo de perturbação social. Seu elemento fundamental é a norma jurídica positiva, revestida da forma de lei, contrato e sentença. A ideia de direito positivo significa que as normas jurídicas são criadas de um modo específico, em detrimento de outros. De modo genérico, podemos reconhecer três modos pelos quais uma norma é criada: revelação, costume ou positivação. As normas reveladas são aquelas cuja autoria se atribui a um ser divino e, no mais das vezes, transcendente, que escolheria algumas pessoas a quem transmiti-las (“revelá- las”). As normas costumeiras são criadas por força de hábitos sociais reiterados, não se podendo identificar uma vontade que as estabelecem. Por fim, as normas positivas são aquelas criadas por força de uma decisão, individual ou coletiva. O direito contemporâneo torna-se positivo recentemente. Um marco dessa passagem é a Revolução Francesa, que traz a noção de que o poder jurídico emana do povo, sendo exercido por representantes e pelo Estado. A manifestação máxima desse poder é a norma jurídica, especialmente na forma da lei, mas também na forma de contratos e sentenças. O direito pós Revolução Francesa é um direito criado por força de decisões estatais (a lei e a sentença de modo direto; o contrato de modo indireto). Ele torna-se positivo, portanto. Cumpre notar que cada nova decisão que cria uma nova norma jurídica contestações, recursos e sentenças, aos casos concretos, numa atividade nem sempre realizada com a devida atenção, devido, muitas vezes, ao desinteresse decorrente de seu caráter repetitivo e ao volume excessivo de trabalho. O direito convertido em tecnologia é estudado e manipulado por uma ciência diferente daquela que lidava com o direito em outras sociedades. Enquanto o direito, na Antiguidade, podia ser considerado uma atividade que buscava a conversão do “bem” comum no espaço ético de ação, seu estudo era uma investigação filosófica dessa noção de “bem”. Podemos, aproveitando-se de terminologia também aristotélica e consagrada hoje pela filosofia do direito brasileira, afirmar que a ciência desse direito era “zetética”. Uma ciência zetética caracteriza-se pelo rigor terminológico e investigativo, buscando encontrar a verdadeira representação de um objeto. Para tanto, não adota pressupostos ou pontos de partida fixos (dogmas), problematizando a si própria e a seus objetos iniciais. Se o fenômeno jurídico contemporâneo ainda fosse uma praxis, seu estudo universitário seria muito diferente. Os cursos de direito não possuiriam tantas matérias técnicas como direito civil, penal, trabalhista e seus processos, mas quase exclusivamente apenas matérias filosóficas e sociológicas. Sua preocupação seria estudar a noção de Justiça e situá-la histórica e filosoficamente. A partir do momento em que o direito converteu-se em uma poiesis, sua faceta tecnológica torna-se fundamental. Pois a ciência do direito torna-se dogmática, convertendo-se nessa tecnologia que permite a fácil e rápida compreensão e manipulação do direito no sentido da produção de novas normas jurídicas que decidam conflitos sem perturbar a ordem social. As ciências dogmáticas preocupam-se com a resolução de problemas práticos e não, fundamentalmente, com a obtenção de um conhecimento verdadeiro sobre seu objeto. No caso do direito, seu raciocínio parte de um ponto não problematizável (um dogma, no caso, a Constituição) e busca encontrar os conteúdos materias e procedimentais para solucionar um conflito social. Seu objetivo, portanto, não é filosófico ou meramente científico, mas concreto: converter as normas existentes (decisões que já foram tomadas) em uma nova norma (decisão que será tomada), por meio de um processo que exige “peças” a serem também produzidas. A Ciência Dogmática do Direito, assim, não se aprofunda no entendimento do conflito a que precisa tratar. Realiza um mero recorte na realidade, extraindo do conflito uma compreensão fácil e assimilável pelos técnicos do direito, a qual permite a produção de uma decisão que silencie os conflitantes. Há, portanto, uma escolha da fatia de realidade que será apreendida pelos juristas. Essa escolha não coincide com a visão do conflito apresentada por cientistas não dogmáticos, sendo reputada superficial e incapaz de penetrar nas verdadeiras raízes do problema. Um exemplo nítido dessa postura pode ser verificado no tratamento dado pelo direito ao conflito trabalhista. Para a Ciência Dogmática do Direito, interessa apenas a análise da relação sob o ponto de vista de um contrato, e da perspectiva individual de um empregado e seu empregador. A decisão silencia ambos e não se aprofunda nas raízes sociais e econômicas da questão. Notamos, portanto, que o direito contemporâneo é marcado pelo fenômeno da positivação, transformando-se, basicamente, em uma produção de peças processuais e decisões jurídicas. A Ciência Dogmática do Direito é a tecnologia que permite essa produção. Para ser um bom jurista, hoje, basta dominar essa tecnologia: saber “peticionar”, elaborar pareceres e redigir contratos. Referências: FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito –técnica, decisão e dominação. 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2003, p. 75 e seguintes. FERREIRA, Adriano de Assis. Linha de Montagem Judicial. http://introducaoaodireito.info/wp/?p=361 24. Direito Público x Privado – histórico e critérios Uma grande dicotomia é uma classificação capaz de dividir o conjunto classificado em duas partes exaustivas e mutuamente excludentes. Nesse sentido, os elementos do conjunto nunca obterão as duas classificações ou nenhuma delas ao mesmo tempo. Um exemplo é a classificação dos números naturais em pares e ímpares. Seguindo esse critério, dividiremos o conjunto em duas esferas independentes. Distribuiremos todos os números em uma ou outra dessas esferas. E não restará qualquer número sem classificação. No caso do direito, podemos classificar as normas jurídicas em normas de Direito Público e normas de Direito Privado. Trata-se de uma grande dicotomia, pois cria dois grupos exaustivos e excludentes. Como cada um desses grupos é regido por princípios diferentes, verificar a qual deles pertence uma norma jurídica é indispensável para a operacionalização do direito. Já os juristas romanos, como Tubério e Pompônio, recorreriam a tal classificação para estudar o direito. Ulpiano, séculos mais tarde, nos seus estudos relativos ao Digesto, apresentaria um critério para a diferenciação dos grandes ramos: o critério do interesse. Segundo o jurista, as normas de Direito Público seriam aquelas que protegeriam os “negócios romanos”, ou seja, do Estado de Roma; as normas de Direito Privado, por sua vez, protegeriam os interesses particulares. Convém salientar que nos séculos posteriores à queda do Império Romano, durante o feudalismo, desaparece a esfera pública e, com ela, os interesses públicos que fundamentam o direito público. Durante o Absolutismo, o poder público identifica-se com a pessoa do rei, esvaziando, também, o significado desse ramo jurídico. Tal panorama somente modifica-se, salvo no caso da Inglaterra, com a Revolução Francesa, a partir de 1789. O levante consagra a ideia de que o poder deriva do povo e deve ser exercido, pelo Estado, em seu nome. O direito público, assim, volta a ser aquele ramo cujas normas buscam concretizar os interesses coletivos, renascendo a dicotomia com o direito privado. Com esse ressurgimento, constata-se que o critério do interesse exclusivo, historicamente utilizado para justificar a divisão, seria inadequado. Percebe-se que o ser humano é um ser social, não havendo divisão nítida entre ações que concretizam valores públicos e privados. Em última instância, toda relação jurídica satisfaz, ao mesmo tempo, interesses das duas naturezas. Penal, Processual…) são alocadas no direito público, pois regulam relações em que o Estado é parte. Para o critério ficar mais preciso, devemos acrescentar que, no caso brasileiro, o Estado pratica uma atividade que não deve ser considerada como de direito público: a atividade econômica, prevista no artigo 173 da Constituição Federal. Em situações justificadas pelos imperativos de segurança nacional ou por relevante interesse público, o Estado pode “transformar-se” em empresas públicas ou sociedades de economia mista e agir regido por normas do direito privado. Podemos retomar a divisão acima, acrescentando que as normas de direito público sempre possuem o Estado como sujeito. As normas de direito privado possuem particulares como sujeitos, salvo em um caso, quando o Estado é sujeito, mas presta atividade econômica. A diversidade de critérios revela que a distinção entre o direito público e o direito privado não é precisa. Muitas críticas podem ser direcionadas a todos esses critérios. Ainda assim, lembrando que a ciência do direito é uma ciência dogmática, cuja preocupação fundamental consiste na decidibilidade de conflitos e não na precisão terminológica, a distinção é útil em um sentido operacional, pois permite a organização inicial das normas jurídicas e sua utilização pelo profissional respeitando os princípios básicos de cada esfera. Referências: FERRAZ JÚNIOR, T. S. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão e Dominação. 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2003. (4.2.3 e 4.2.4) SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. http://introducaoaodireito.info/wp/?p=364 25. Direito Público x Privado – princípios A divisão do conjunto de normas jurídicas a que chamamos Direito em dois grandes ramos, o público e o privado, é importante sob dois pontos de vista: possibilita uma organização sistemática dessas normas e facilita seu manejo pelo jurista. Cada uma dessas grandes divisões é constituída por normas que limitam as possibilidades de um fato a partir de princípios diferentes. As normas que compõem o ramo direito público, assim, são elaboradas e interpretadas conforme regras gerais (princípios) diversas daquelas utilizadas nesse processo pelas normas de direito privado. Sem esgotarmos o assunto, escolhemos dois pares de princípios que regem cada um dos ramos e levam a questões que envolvem dois dos ideais mais elevados de nossa era: a igualdade e a liberdade. Se adotarmos o critério subjetivo, podemos afirmar que o direito público rege relações em que o Estado é parte e o direito privado rege relações em que apenas particulares são partes (ressalvemos o caso do art. 173 da Constituição Federal, no qual o Estado age praticando atividade econômica e é regido pelo direito privado). Pensando nas relações de direito público, as normas jurídicas que compõem esse ramo estão sujeitas ao princípio da autoridade pública; no caso das relações de direito privado, as normas jurídicas estão sujeitas ao princípio da igualdade das partes. Assim, se verificarmos as relações sociais regidas pelas normas, constatamos que o princípio da igualdade não é universal no direito. Afirmamos que o princípio da autoridade pública sujeita as normas de direito público. Isso se deve ao fato de o Estado, parte necessária nessas relações sociais, ser dotado de autoridade perante os particulares. Essa autoridade pode ser considerada um dado cultural, pois os particulares devem pressupor sua existência. A autoridade estatal se manifesta no poder de exigir, UNILATERALMENTE, dos particulares, comportamentos. O Estado pode impor normas jurídicas aos particulares, como as leis e os regulamentos; pode impor multas em caso de infrações de trânsito ou de outros gêneros; pode proibir determinados atos. Essa autoridade deriva da Constituição, que transfere poder público ao ente estatal e delimita seu exercício. Essa imposição é unilateral, pois independe da concordância do particular. No caso das relações de direito privado, prevalece o princípio da igualdade entre os particulares. Usando a mesma linha de raciocínio, constatamos que um particular não pode, sob o prisma do direito, impor UNILATERALMENTE comportamentos a outro particular. Daí a constatação de que, juridicamente, são iguais. Por mais que uma empresa multinacional seja mais rica do que um indivíduo, não pode obrigá-lo, juridicamente, a comprar seus produtos. Por mais que um empregador seja economicamente mais forte do que seu empregado, não pode obrigá-lo a trabalhar em seu estabelecimento para sempre. No direito privado, uma parte só pode impor comportamentos a outra se houver um fundamento contratual (BILATERALMENTE, portanto). Nesse sentido, um consumidor e um fornecedor que celebram um contrato de prestação de serviços poderão exigir comportamentos recíprocos em virtude da execução desse contrato; um empregador pode exercer seu poder disciplinar em relação ao empregado em virtude desse mesmo fundamento contratual. Nesses casos, a autoridade deriva de um “construído cultural” (o contrato) e não de um “dado cultural” (a Constituição). Cumpre ressaltar uma possível exceção: a autoridade familiar, exercida pelos pais em relação aos filhos. Nesse caso, embora a relação seja de direito privado pelo critério subjetivo, é inegável que, durante a menoridade dos filhos, os pais exercem autoridade Referência: SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. http://introducaoaodireito.info/wp/?p=369 26. Direito Público x Privado – interpenetração A partir do século XX, sobretudo, as fronteiras entre o direito público e o direito privado tornam-se cada vez menos nítidas. Embora ainda possamos admitir que os ramos existem e são regidos por princípios distintos, há um embaralhamento causado por dois fenômenos opostos que se somam nessa diluição: a publicização do direito privado e a privatização do direito público. Alguns acontecimentos somam-se para caracterizar o processo de publicização do direito privado. As normas desse ramo são marcadas pelo respeito à autonomia da vontade dos indivíduos, procurando delimitar as fronteiras dentro das quais a liberdade pode ser exercida, adotando o pressuposto do princípio da legalidade ampla. Poucas normas cogentes (de “ordem pública”) e algumas normas dispositivas, aliadas à noção de liberdade (o não proibido é permitido), marcavam o direito privado. A partir do século XX, todavia, acentua-se um processo de controle estatal da atividade privada em busca da concretização de valores sociais, aumentando-se o recurso a normas cogentes no direito privado, transformando-o de um modo a assemelhar-se ao direito público (marcado pela legalidade estrita). Em termos concretos, surgem normas derivadas da ideia de função social da propriedade privada e dos contratos. Em nome da função social da propriedade, uma série de obrigações são impostas aos proprietários que pretendam ver reconhecida sua condição. Imóveis que não cumprem a função social são suscetíveis de serem desapropriados. Por exemplo, uma propriedade rural gera ao proprietário a obrigação de utilizá-la de um modo economicamente satisfatório, sob pena de ocorrer um processo de desapropriação. Ainda nessa linha, de modo semelhante, mas sob o argumento da proteção ambiental, o Estado estabelece diversas condições ambientais para os proprietários de imóveis urbanos e rurais, as quais devem ser respeitadas e geram deveres que limitam a autonomia do proprietário. Quanto aos contratos, todos devem cumprir suas funções sociais. Um acordo de vontades deixa de ser um negócio envolvendo apenas duas partes e passa a ser visto como um fenômeno jurídico que exerce determinada função na sociedade. A formação, execução e a interpretação dos negócios jurídicos deve levar em consideração esse papel ocupado pelos mesmos. Dois novos ramos, que enfocados pelo critério da subjetividade são alocados no direito privado, surgem há cerca de um século: o direito do trabalho e o direito do consumidor. Em ambos os casos, as limitações impostas pelo Estado à autonomia da vontade nas relações de emprego e de consumo são de tal dimensão que o número de normas de ordem pública talvez ultrapasse o número de normas dispositivas. Criam-se tantas proibições, que o princípio da legalidade ampla vê-se reduzido a um mínimo bastante limitado. Nas relações de emprego, os contratos de trabalho não podem prever uma remuneração inferior ao salário mínimo, uma jornada superior aos limites legais, condições inadequadas de trabalho etc. Já nas relações de consumo, os contratos não podem prever cláusulas abusivas que estabeleçam obrigações desproporcionais entre as partes, colocando o consumidor em desvantagem. Essa situação leva alguns estudiosos a identificarem tais disciplinas como situadas no direito público ou fazendo parte de um novo ramo, o direito social. Argumenta-se que o Estado situa-se onipresente nessas relações, supervisionando-as e buscando proteger o particular mais fraco. No sentido oposto, outros fenômenos levam à privatização do direito público. Com a inflação estatal no século XX, novas atribuições são assumidas pelo poder público, exigindo a adoção de novas formas de organização, muitas delas importadas do direito privado. O Estado assume a forma de sociedades, fundações, “PPPs” (parcerias público-privado) e outras, rompendo a estrutura hierárquica que o caracterizava. Alguns funcionários do estado passam a ser contratados de forma terceirizada, para prestar serviços de manutenção dos órgãos públicos. Outros, por outro lado, a fim de atender às novas demandas sociais, são contratados pelo regime da CLT, típico dos trabalhadores do setor privado. Além disso, criam-se empresas estatais e sociedades de economia mista, sujeitos estatais cujo objetivo é desenvolver atividades econômicas, nos termos do artigo 173 da Constituição Federal. Tais entes são regidos pelo direito privado, criando uma situação única no ramo. Podemos, ainda, destacar a atuação menos impositiva e mais negociada do Estado em suas funções legislativa e judiciária. A criação de Agências Reguladoras consiste em um mecanismo de criar normas mais adequadas ao funcionamento de determinados setores da economia e da sociedade. A convocação da sociedade civil a participar do processo de criação das normas é outro exemplo. Quanto ao Judiciário, podemos citar inexistindo este sem ela. O fundamento do direito subjetivo, assim, seria a norma jurídica que garante um poder social. Nessa perspectiva, a falta da garantia estatal eliminaria a existência do direito subjetivo, embora persistisse o eventual poder social, ainda que enfraquecido conforme as circunstâncias. A norma jurídica criaria o direito subjetivo, estabelecendo sua garantia. Mas, será que somente o poder garantido pelo Estado pode ser chamado de direito subjetivo? Um poder reconhecido socialmente não teria tal status? Em outras palavras, será que o verdadeiro fundamento do direito subjetivo não seria a cultura de uma sociedade, que confere determinados poderes aos indivíduos? Tal argumento afirma que o direito subjetivo seria, ele próprio, um dado cultural e não apenas uma derivação das normas jurídicas. Mesmo que, por exemplo, não houvesse normas jurídicas protegendo a liberdade religiosa de uma pessoa, as sociedades ocidentais estabelecem aos indivíduos o poder de escolher sua própria religião. E esse poder, respaldado pela cultura de nossa civilização, seria um direito subjetivo, podendo ser exercido, inclusive, contra o próprio Estado e suas normas jurídicas. Os defensores da tese da derivação do direito subjetivo do direito objetivo objetam que a multiplicidade cultural das sociedades ocidentais inviabilizam tal identificação, causando incertezas e insegurança. Pensando na sociedade brasileira, os vários grupos sociais, com visões culturais diferentes, defenderiam poderes conflitantes, inviabilizando a própria vida em comum. Para evitar a dissolução social, o Estado somente reconheceria aqueles poderes alinhados aos valores indispensáveis à manutenção da sociedade, permitindo sua continuidade. Há, ainda, uma terceira possibilidade de fundamentação do direito subjetivo: não seria nem derivado das normas jurídicas nem um dado cultural, mas um dado natural. Voltaremos a esse assunto na dicotomia direito natural x positivo, deixando apenas poucas palavras sobre o tema. O ser humano, antes de pertencer a qualquer cultura e antes de sujeitar-se a qualquer Estado, já existiria enquanto ser natural, possuindo alguns direitos que decorreriam dessa condição. Um exemplo é o direito à vida: enquanto ser natural, os humanos vivem, possuindo poderes para defender sua própria vida. Nesse caso, o direito subjetivo encarado enquanto um dado natural independeria do reconhecimento cultural de um povo e de sua positivação pelo Estado. As leis que protegem a vida não criariam o direito à vida, mas apenas o reconheceriam. Apresentaremos os argumentos dos críticos dessa teoria noutra postagem. Devemos constatar que, independentemente da perspectiva adotada, é inegável que o direito subjetivo derivado de uma norma jurídica é muito mais forte do que um eventual direito subjetivo que não tenha respaldo no direito objetivo. A grande diferença consiste na garantia estabelecida pelo Estado, que protege, subsidiariamente, o poder social do sujeito. Também é importante destacar que uma primeira ordem de problemas surge nos casos em que há um descompasso entre o direito objetivo e os pretensos direitos subjetivos. Em outras palavras, quando o Estado cria normas que garantem os poderes sociais vistos como mais importantes pela coletividade, não há atritos e o sistema funciona perfeitamente; contudo, os problemas surgem quando a sociedade pretende possuir direitos subjetivos que não são reconhecidos pelo Estado. Suponhamos que uma sociedade nacional entenda que cada um de seus membros deva trabalhar oito horas por dia, a fim de atender às necessidades materiais de todos. Se o Estado criar uma norma jurídica dizendo que é direito dos trabalhadores ter uma jornada diária de oito horas, a situação estará temporariamente resolvida. Não haverá conflitos, pois haveria uma convergência entre o direito objetivo e o direito subjetivo. Por outro lado, suponhamos que os membros da sociedade, dada a evolução tecnológica, passem a entender que a jornada de trabalho deva ser reduzida a seis horas diárias, mas o Estado mantenha a mesma norma jurídica que estabelece oito horas diárias. Agora, há um descompasso. Manifestações grevistas reivindicarão o reconhecimento estatal do novo direito subjetivo. Um exemplo histórico dos riscos desse descompasso foi a Revolução Francesa. Entre seus motivos podemos elencar o não reconhecimento, pelo Estado, de inúmeros direitos subjetivos, como a igualdade perante a lei e a liberdade, para ficarmos nos dois mais ilustrativos. Após o rompante revolucionário, o novo Estado francês cria normas jurídicas que reconhecem tais direitos. Por fim, também devemos destacar uma segunda ordem de problemas, causada pelo fato de as normas jurídicas que compõem o direito objetivo reconhecerem direitos subjetivos que conflitam entre si. Um exemplo é o conflito entre o direito à vida de uma pessoa e a liberdade religiosa, em casos de tranfusão de sangue. Algumas religiões consideram o sangue sagrado e não admitem que uma pessoa receba sangue de outra. Todavia, em nome da preservação da vida, por vezes se torna indispensável a transfusão de sangue para um doente. Como resolver esse impasse? Imaginemos que uma criança precise receber transfusão de sangue para evitar riscos de morte: há seu direito subjetivo à vida, protegido pelo Estado. Por outro lado, enquanto membro de um grupo religioso, a criança possui sua liberdade de culto, exercido pelos seus pais: o direito à liberdade religiosa. Sabendo que a violação ao preceito pode ser encarada, pela família da criança, como algo pior do que a morte, como resolver o caso? Uma possibilidade seria argumentando que o direito subjetivo à vida, reconhecido pelo Estado, tem seu fundamento na natureza, antecedendo à existência cultural do ser humano. Já o direito à liberdade religiosa, também reconhecido pelo Estado, tem fundamento na cultura, sendo construído pelos seres humanos. Conforme se afirme que a natureza é mais perfeita do que a cultura ou que a cultura aperfeiçoa a natureza, a resposta ao problema penderia para um ou outro dos lados. Em geral, considera-se que a derivação natural de um direito subjetivo seja mais relevante do que sua mera derivação cultural. No caso, a tendência seria de proteção estatal ao direito à vida, em detrimento do direito à liberdade religiosa. Enfim, a discussão é acalorada e explicita uma segunda ordem de problemas derivada da dicotomia. Esperamos ter trazido, nesta postagem, definições para os polos da dicotomia e a discussão envolvendo os fundamentos do direito subjetivo. Referências: FERRAZ JÚNIOR, T. S. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão e Dominação. 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2003. (4.2.5) Podemos ilustrá-lo com exemplos. Imaginemos que Fulano seja credor de Beltrano. Isso significa que existe um direito subjetivo para Fulano de cobrar sua dívida. Pensando nos elementos: 1. Fulano é o titular 2. Fulano possui um poder e Beltrano deve respeitá-lo 3. O poder de Fulano consiste em exigir de Beltrano o pagamento da dívida 4. Caso Beltrano não pague a dívida, o Estado garantirá o poder de Fulano, por meio de um processo judicial, e responsabilizará Beltrano. Suponhamos, agora, que Fulano seja proprietário de uma caneta. Novamente existe um direito subjetivo: 1. Fulano é o titular 2. Fulano possui um poder e todas as demais pessoas devem respeitá-lo 3. Esse poder consiste em usar, fruir, gozar ou dispor a/da coisa 4. Caso alguém impeça Fulano de exercer seu poder, o Estado irá garanti-lo por meio de um processo judicial e responsabilizará essa pessoa. Descrita a estrutura do direito subjetivo, convém passearmos um pouco pelos elementos da relação jurídica, começando pelo sujeito ativo. Este é o titular do direito subjetivo, a pessoa que possui poderes garantidos pelas normas jurídicas. Essa pessoa pode ser física ou jurídica. A pessoa física é o ser humano sobre o qual convergem normas jurídicas distintas, criando a possibilidade de assumir vários papeis sociais diversos simultaneamente. Uma pessoa física pode ser, ao mesmo tempo, pai de família, empregado e consumidor. A pessoa jurídica é um conjunto de pessoas físicas ou de bens sobre o qual recaem algumas normas jurídicas, criando a possibilidade de assumir papeis sociais isolados. As pessoas jurídicas definem previamente os papeis sociais que representam por meio de normas como estatutos ou contratos sociais. Para que uma pessoa possa exercer seus direitos subjetivos há a necessidade de que estejam aptas para isso. Tal aptidão pode ser chamada de capacidade ou de competência. A capacidade, ligada sobretudo à autonomia da vontade e à liberdade, permite ao sujeito moldar suas relações sociais e jurídicas conforme seus interesses. Trata-se de uma aptidão: a) não qualificada: não há requisitos específicos para se possuir capacidade, sendo uma aptidão comum a qualquer pessoa; b) autônoma: a pessoa capaz age em nome próprio, exercendo seus poderes ou criando obrigações para si; c) discricionária: trata-se de uma aptidão que pode ser exercida livremente, seja na forma de exigir ou não comportamentos de outrem, ou na forma de assumir ou não obrigações; d) transferível: o titular de capacidade pode transferir parte de seus poderes a outra pessoa. A competência, por outro lado, é uma aptidão que permite ao sujeito moldar relações sociais de terceiros, exercendo poderes alheios ou assumindo obrigações em nome de outros. Trata-se de uma aptidão: a) qualificada: há requisitos específicos para se possuir competência e somente quem preencher tais requisitos está apto a possuir os poderes que dela decorrem; b) heterônoma: a competência é exercida em nome de outra pessoa, nunca em nome próprio; c) vinculada: a competência deve ser exercida dentro de limites e conforme certas condições que, se verificadas, demandam seu exercício; d) intransferível: como regra, o titular de competência recebeu-a de outra pessoa e não pode transferi-la inteira ou parcialmente. Se uma pessoa física é capaz, isso significa que ela possui poderes garantidos pelas normas jurídicas (direitos subjetivos) e que pode contrair obrigações, celebrando contratos, por exemplo. Tudo isso em nome próprio. Uma pessoa competente, por seu lado, possui alguns poderes e pode contrair algumas obrigações, nos limites da competência. Um juiz de direito, por exemplo, possui competência para julgar determinados conflitos sociais. Esse poder é exercido em nome do Estado. Quando falamos de direito subjetivo, focamos um dos polos da relação jurídica, conforme demonstram as ilustrações. Se pensarmos nos direitos pessoais, do outro lado da relação surge uma obrigação. Sob o ponto de vista do sujeito passivo do direito subjetivo, existe um dever de se sujeitar ao poder do titular, por um lado, e a responsabilidade, imposta pelo Estado, no caso de não sujeição. A obrigação é o nome dado à soma desses dois elementos: dever + responsabilidade. As relações jurídicas, assim, possuem três polos: o direito objetivo, materializado na norma, que traz a garantia e a responsabilidade; o direito subjetivo, congregando poder e garantia; a obrigação, congregando dever e responsabilidade. Por ora, nosso foco foi apresentar o direito subjetivo e sua estrutura, embora, para tanto, tenhamos percorrido a relação como um todo. Referências: FERRAZ JÚNIOR, T. S. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão e Dominação. 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2003. (4.2.5) http://introducaoaodireito.info/wp/?p=405 29. Direito Positivo x Natural – introdução Ao estudarmos os fundamentos do direito subjetivo, suscitamos a questão se ele deriva de um dado natural, de um dado cultural ou do direito objetivo. A afirmação de que o direito subjetivo é um dado leva à tese do direito natural, e cria a dicotomia direito natural x positivo. Durante o final do período Absolutista, os adeptos da tese do direito natural, chamados de jusnaturalistas, ganharam força politicamente, reivindicando reformas no direito positivo, ou seja, aquele direito criado por decisões do Estado. A dicotomia chegou a um ponto de tensão dos mais elevados, inspirando revoltas sociais e questionamentos filosóficos. Conforme os jusnaturalistas, todos os seres humanos possuem alguns poderes, aos quais podemos chamar de direitos (subjetivos), simplesmente porque são seres naturais ou fazem parte de alguma comunidade. Entre esses poderes estaria o direito à vida, à propriedade privada, à liberdade e à igualdade perante o Estado. O ponto fundamental dessa perspectiva consiste na crença de que a existência desses direitos naturais não depende de reconhecimento pelo Estado e por seu direito positivo. E, de um modo ainda mais contundente, leva a atos de contestação de normas jurídicas estatais que contrariem tais direitos. Assim, se um Estado criar uma norma jurídica que, arbitrariamente, sem justificativa racional ou valorativa, desrespeite a propriedade privada de um cidadão, essa norma http://introducaoaodireito.info/wp/?p=413 30. Direito Positivo x Natural – definições, fontes, relações, críticas Nesta postagem, complementaremos as considerações introdutórias sobre a dicotomia direito positivo x direito natural trazendo definições para cada uma das categorias, buscando as fontes do direito natural, abordando a questão das relações e dos conflitos entre ambos e apresentando críticas positivistas ao direito natural. Primeiramente, devemos considerar que as normas éticas podem surgir de três modos distintos: 1. espontaneamente, derivando de costumes sociais; 2. por meio de revelações a grupos religiosos, derivando da vontade divina; 3. voluntariamente, por meio de decisões que as criam. No terceiro caso, a norma ética será chamada de positiva. Uma norma positiva, portanto, é uma norma criada por decisão de alguém. O direito positivo pode ser considerado aquele conjunto de normas jurídicas criado por meio de decisões voluntárias. O agente que, hoje, toma tais decisões é o Estado. Se as normas jurídicas estatais são criadas por decisões voluntárias, basta que a vontade do Estado se modifique para que novas normas jurídicas surjam e outras deixem de existir. O Estado brasileiro, por exemplo, diariamente cria novas leis, modificando seu direito positivo. Este, pois, torna-se mutável. Como cada nação tende a possuir seu Estado, o direito positivo torna-se regional, pois varia de território a território. O direito positivo brasileiro não é idêntico sequer ao da Argentina, país vizinho. Dadas essa mutabilidade e essa variabilidade, o direito positivo torna-se relativo, pois não podemos afirmar que qualquer norma jurídica de um Estado nacional tenha valor absoluto. No máximo, seu valor está limitado às fronteiras do território do país. Para que consideremos uma norma jurídica positiva válida, devemos sempre ter em foco a autoridade que a positivou. O direito natural, por sua vez, pode ser definido como aquele conjunto de normas jurídicas que derivam da natureza, como o nome indica. Podemos acrescentar que as normas jurídicas naturais são vistas como dados, anteriores, portanto, ao Estado. A crença na existência de um direito natural decorre, entre outras coisas, da insatisfação filosófica do ser humano ante as características apontadas no direito positivo: mutabilidade, regionalidade, relatividade. Haveria a ânsia por identificarmos um direito que ultrapasse tais limitações. O direito natural, assim, seria permanente, pois derivaria de valores que antecedem e constituem o ser humano, não podendo ser modificado por força de atos voluntários. As normas jurídicas naturais colocar-se-iam em um patamar acima da capacidade decisória humana. Ninguém poderia modificar, por exemplo, o direito à liberdade, condição essencial de nossa espécie. O direito natural seria também universal, pois seus preceitos são idênticos a todos os seres humanos, independentemente de suas condições culturais específicas. Uma norma jurídica natural é a mesma para um brasileiro, um argentino ou um chinês. Nunca poderia sofrer variações regionais. Ainda, o direito natural seria absoluto, pois independe de qualquer autoridade local que o positive e que lhe dê valor. Não precisamos, assim, relacioná-lo a nada além de si mesmo para reconhecê-lo como obrigatório. Uma norma jurídica natural vale simplesmente porque existe, pois é condição indispensável para nossa humanidade. Normalmente o conjunto de normas jurídicas chamado de direito natural é visto como perfeito, colocando-se em um patamar superior ao direito positivo, eivado pela imperfeição humana. Transforma-se, assim, em um guia valorativo para o Estado, que deveria criar normas o mais próximo possível dele. Uma questão sempre problemática e cuja resposta varia ao longo dos séculos é encontrar a fonte do direito natural. A palavra fonte indica a nascente de água. Por derivação, indica qualquer local de onde brota alguma coisa. Perguntar qual a fonte do direito natural significa buscar o fundamento para suas normas. Uma resposta à questão seria indicar que as normas de direito natural derivam da própria natureza, pois todas as coisas naturais seguem determinadas regras. Caberia aos seres humanos descobrirem as regras que norteiam sua existência natural e segui-las. Uma possibilidade seria constatar que, na natureza, os mamíferos caracterizam-se pelo fato de a fêmea amamentar seus filhotes. Em sendo o ser humano mamífero, as mulheres, mães, devem cuidar de seus filhos. Esta seria uma norma jurídica natural. Outra resposta à questão ganha contornos religiosos. Em sendo a natureza obra de Deus, as normas de direito natural correspondem às regras criadas por Ele para reger o funcionamento da natureza. Descobrir o direito natural, dessa forma, corresponde à descoberta da vontade divina, materializada em normas jurídicas reveladas ao ser humano. Ainda podemos citar uma última resposta, dada sobretudo pelos filósofos Iluministas: a natureza organiza-se racionalmente. O direito natural corresponde à descoberta da Razão que está por detrás da natureza. Portanto, a fonte última do direito natural torna- se a Razão. Uma vez descobertas as normas do direito natural, o ideal seria que o Estado as transformasse, sem exceções, em direito positivo. Todavia, isso, na prática, nem sempre ocorre. Em algumas situações, surgem conflitos entre ambos. Qual deve prevalecer? Os jusnaturalistas não têm dúvidas ao afirmar que existe uma hierarquia: o direito natural, por ser perfeito e dado aos seres humanos, é superior ao direito positivo. Caso uma norma positiva contrarie um preceito do direito natural, ela pode ser desobedecida pela população, pois não seria, verdadeiramente, uma norma jurídica. Assim, o direito positivo só se transforma em direito se e enquanto estiver de acordo com o direito natural. Essa postura, extremada, justifica atos de resistência à lei vista, pelo direito natural, como injusta, causando insegurança jurídica, sob o ponto de vista do direito estatal. Alguns jusnaturalistas, mais contidos e moderados, afirmam que o direito natural é apenas um conjunto valorativo que deve nortear a atividade legislativa do Estado, não tendo o poder de transformar uma norma em jurídica ou não. Nessa última perspectiva, ainda que o direito positivo viole um preceito do direito natural, deve ser obedecido, pois nunca as normas jurídicas criadas pelo Estado corresponderão integralmente às normas jurídicas naturais, sempre havendo alguns pequenos conflitos. Mas a questão ainda fica mal resolvida. E se o Estado criar uma lei que cause uma injustiça insuportável aos cidadãos? Suponhamos que se determine o extermínio de um grupo étnico em determinado território. A população não poderia e, até, deveria resistir a essa lei, que viola o direito natural à vida? Parece-nos que todos os jusnaturalistas afirmariam que sim. Nem todos os juristas, contudo, possuem uma visão dualista do direito, acreditando na existência da dicotomia positivo x natural. Muitos juristas adotam uma perspectiva monista, afirmando que o direito corresponde às normas criadas por decisão da vontade política dominante, que controla o Estado. Só existiria o direito positivo. Mas, e as leis? O Parlamento de um país, ao criar suas leis, deve seguir valores superiores ou basta seguir os passos formais de tramitação? Se o país possui uma constituição, transferimos o problema para um nível superior. As normas legais devem seguir as normas constitucionais. Desse modo, uma nova lei só será juridicamente válida de estiver de acordo com os valores consagrados constitucionalmente. Uma lei em desacordo com a constituição será declarada inválida, sendo chamada de “inconstitucional”. Por enquanto, podemos dizer que as normas contratuais e as normas sentenciais devem seguir as normas legais e as normas constitucionais. As normas legais devem seguir as normas constitucionais. No ponto final de nosso raciocínio, ressurge a pergunta: as normas constitucionais, devem respeitar valores superiores à constituição para serem consideradas juridicamente válidas, ou qualquer norma que estiver em uma constituição será válida para o direito? Se uma constituição determina o respeito ao direito à vida, uma norma legal que não reconheça esse direito não será jurídica. Mas, e se a própria constituição contiver uma norma determinando que o Estado pode decidir, sem fundamento, sobre a vida e a morte de seus cidadãos? Essa norma será jurídica? Tudo gira em torno de constatarmos se há valores superiores ao Estado ou não. Em termos genéricos, ao longo da história, três grupos de respostas diferentes surgiram: 1. haveria valores derivados da natureza que embasariam um direito natural superior; 2. haveria valores culturais superiores ao direito estatal; 3. os valores são construídos coletivamente por meio das próprias leis estatais. A primeira possibilidade consiste em se afirmar que a natureza é perfeita, harmônica, equilibrada e justa. O ser humano, ainda que vivendo em sociedade, nunca deixa de pertencer à natureza. Logo, para que sua vida social possa ser harmônica, equilibrada e justa, deve criar regras jurídicas que copiem as regras da natureza, chamadas, então, de direito natural. O ser humano, naturalmente livre, deve exercer essa liberdade de modo a respeitar os direitos naturais dos outros. Tais limites seriam trazidos pelas normas de direito positivo, criadas em respeito às normas da natureza. Podemos, então, dizer que o direito natural, nessa situação, determina o conteúdo do direito positivo. Pensando em nosso problema, uma norma constitucional deveria seguir as normas do direito natural para ser verdadeiramente jurídica. O valor justiça, assim, é situado na natureza, devendo inspirar a construção de uma sociedade que o ambicione. Uma consequência dessa perspectiva é considerar que o valor Justiça, por ser natural, não sofra transformações culturais ou históricas. Em outras palavras, haveria regras fundamentais, derivadas da natureza, que seriam as mesmas para todos os povos em todas as épocas. O direito de qualquer país deveria segui-las. Ainda dentro dessa primeira possibilidade, outra perspectiva seria considerar que a sociedade humana deixa, em algum momento, de ser natural para tornar-se cultural. Em outras palavras, o ser humano, ao agir transformando a natureza, deixaria de pertencer diretamente a ela, passando a viver em outro ambiente, cultural. Essa passagem, contudo, é vista como equivocada ou indesejada. Na natureza, a humanidade viveria uma “era de ouro”. Seria plenamente feliz, reconhecendo e respeitando o próximo. Pensando nas perspectivas mitológicas ou religiosas, haveria um ato que poria tudo a perder, como o pecado original do cristianismo. O paraíso natural se desfaria, ficando apenas sua memória de um momento superior no passado. No presente, restaria tentar copiar, sempre de modo imperfeito, esse tempo perdido. Também podemos mencionar Rousseau, para o qual a vida natural da humanidade seria melhor que a vida social. Conforme o filósofo, o ser humano cometeria um erro ao inventar a propriedade privada, levando ao surgimento das desigualdades sociais, criando uma civilização decadente em relação à natureza. Seja para as mitologias ou religiões, seja para Rousseau, a justiça natural permaneceria superior à justiça social. O direito positivo, criado pelo Estado, deveria inspirar-se na natureza, consagrando os direitos naturais. Um direito positivo limitado a valores culturais seria muito deficiente e padeceria de injustiças. As outras duas possibilidades citadas acima admitem que a natureza não é suficiente para proporcionar uma existência digna ou plena à humanidade. A vida natural não resolveria problemas graves como a falta de alimentos e a insegurança selvagem. A construção de uma sociedade cultural significaria a possibilidade de aperfeiçoamento para nossa espécie. Alguns autores, como Locke, até admitem que a sociedade natural humana nos propicie certos avanços. Chegamos a reconhecer direitos naturais e a respeitar o próximo, durante a maior parte do tempo. Porém, não conseguimos construir um ambiente de paz duradoura e de efetivação constante desses direitos. Dada a possibilidade da guerra e da ineficácia dos direitos naturais, a humanidade fundaria a sociedade cultural e o Estado. Nessa perspectiva, há direitos e um justo naturais, mas eles se corrompem na própria natureza. O Estado deve criar normas positivas que reconheçam todos os direitos naturais, mas não pode se limitar a isso, buscando aperfeiçoá-los. Porém, uma norma jurídica estatal que viole um desses direitos não deveria ser criada e, se o fosse, não precisaria ser respeitada. Se pensarmos noutro grupo de autores, como Hobbes, desaparece a ideia de que haja direitos naturais. A noção de justiça torna-se uma construção cultural humana, nunca aparecendo na natureza. Nesta, as deficiências da espécie humanas são agravadas, inexistindo um ambiente de convívio social contínuo. Os direitos são, assim, única e exclusivamente positivos, criados pelo Estado. Sobretudo nessa última corrente, torna-se mais acentuada a questão se haveria valores sociais superiores ao direito. Admitindo-se que esses valores situam-se na sociedade, corresponderiam a alguma moralidade religiosa ou social? Ou seriam definidos pelas próprias normas constitucionais? Pensamos, aqui, nas relações entre o direito e a moral. Para os defensores da Teoria do Mínimo Ético ou da Teoria dos Círculos Secantes, a moral social hegemônica conteria valores superiores aos do direito positivo, devendo ser seguida por ele. Já para Kelsen, por outro lado, as morais sociais seriam relativas, não havendo nelas valores superiores entre si ou em relação ao direito. Caberia exatamente a ele definir quais os valores sociais mais relevantes, por meio de sua Constituição, que deveria ser democraticamente elaborada. Assim, a sociedade como um todo discutiria o justo e o transformaria em normas jurídicas, independentemente de outros valores. Pois bem, as normas jurídicas trazem critérios para os juristas interpretarem os fatos sociais, identificando, entre as pessoas envolvidas, aquelas que possuem direitos subjetivos e aquelas que estão sujeitas a obrigações. Aliás, convém destacar que quando um cliente procura um advogado, ele espera que seu advogado lhe diga quais são seus direitos e suas obrigações, ou seja, que dê um significado jurídico a suas relações sociais, partindo do universo do direito objetivo. O cliente não espera que o advogado dê um significado costumeiro, filosófico ou religioso para suas relações sociais. Constatamos, assim, que a norma jurídica é um elemento essencial nesse processo, pois é a partir dela que o jurista pode afirmar quais são os direitos subjetivos e as obrigações das pessoas envolvidas em uma relação social. Mas, efetivamente, o que faz de uma norma ética uma norma jurídica? Há alguma condição comunicacional que possa dar à norma esse caráter de jurídico? Analisando as características distintivas das normas éticas, verificamos que todas elas estão presentes nas normas jurídicas: além de serem, como quaisquer normas éticas, imperativas, violáveis e contrafáticas, são também heterônomas, coercíveis, bilaterais e atributivas. Mas podemos abordar a questão sob o ponto de vista da teoria da comunicação. Analisamos as normas éticas, de um modo geral, sob o ponto de vista comunicativo. Constatamos que dois requisitos são necessários: a mensagem revela um comando, um texto reduzível a um dever ser; o emissor da mensagem deve possuir um grau mínimo de autoridade, reconhecida pelo receptor. A autoridade do emissor, assim, é condição essencial para diferenciarmos uma mensagem qualquer de uma mensagem normativa. A questão agora é mais específica, como suscitada atrás: difereciar a norma ética religiosa, costumeira ou moral da norma ética jurídica. Tércio S. Ferraz Júnior afirma que a comunicação sempre transcorre em dois níveis: o relato e o cometimento. O relato corresponde ao nível da mensagem, aquele no qual se manifesta o comando, o dever ser; o cometimento, por seu turno, corresponde ao nível da relação social entre os comunicadores, no qual se manifesta a autoridade do emissor. Devemos localizar a diferença entre a norma jurídica e outras normas éticas no cometimento. Os comunicadores normativos sempre são marcados pela diferença, pois um possui autoridade e o outro não, e pela complementaridade, um cria o comando e o outro se sujeita a ele (ou o desobedece e assume os riscos da desobediência). A autoridade corresponde à soma da diferença e da complementaridade. Toda relação de autoridade exige uma confirmação social. Um emissor passa a ter autoridade se a coletividade na qual está o reconhece como tal. Para que uma pessoa crie uma norma, é necessário que seu comando (dever ser) pressuponha a aceitação social de sua autoridade. O receptor do comando pode desconsiderar a mensagem como norma se a autoridade do emissor for desconfirmada por terceiros. Uma pessoa pode criar uma mensagem proibindo outra de fazer alguma coisa. O destinatário dessa mensagem irá encará-la como norma ou não, caso deseje fazer aquilo de que está proibido, na medida em que verificar o reconhecimento social da autoridade do emissor normativo. Se outras pessoas afirmarem que o emissor possui autoridade para a proibição, então irá aceitar a mensagem como uma norma e pensar se vale à pena desobedecê-la ou não. Todavia, se outras pessoas não reconhecerem o emissor como autoridade, sua mensagem será desconsiderada enquanto norma, não sendo levada a sério. Em alguns casos, há de se notar, a autoridade já está pré-confirmada pela sociedade. Existe um consenso, uma pressuposição social, de que determinados emissores possuem autoridade para a criação de normas em certos assuntos. Esses emissores estão institucionalizados. É o caso dos pais em relação aos filhos: a sociedade pressupõe que os pais tenham autoridade em relação aos filhos para criarem normas que dirijam suas condutas. Também podemos citar os educadores em relação aos alunos, ou os líderes religiosos em relação a seus seguidores. Aqui chegamos ao ponto diferenciador, segundo Tércio S. Ferraz Júnior. As normas jurídicas são aquelas normas éticas criadas por emissores cuja autoridade está institucionalizada em um grau máximo. Em outras palavras, a diferença entre uma norma ética qualquer e uma norma ética jurídica está no grau de autoridade pressuposta pela sociedade: se esse grau for o maior reconhecido socialmente, então as normas criadas por esse emissor serão encaradas como jurídicas. A maior autoridade reconhecida socialmente, hoje, em nosso país, é o Estado. As mensagens criadas pelo Estado que possam ser reduzidas a um dever ser são vistas não apenas como normas éticas quaisquer, mas, especificamente, como normas jurídicas. Enquanto o Estado for reconhecido como a maior autoridade no território brasileiro, suas normas continuarão a ser aceitas como jurídicas; caso surja outra autoridade superior ao Estado em nosso território, então as normas estatais deixarão de ser vistas como jurídicas e as normas dessa nova autoridade ganharão tal contorno. O Estado, assim, cuja autoridade está institucionalizada em grau máximo, cria normas jurídicas que formam o direito objetivo. A partir dessas normas, as pessoas, em suas relações sociais, passam a ter seus direitos subjetivos garantidos pelo Estado. Isso cria, em toda relação jurídica, uma situação de metacomplementaridade. Se afirmamos que a relação de autoridade entre o emissor de uma norma ética e seu receptor é complementar porque um cria um comando e o outro deve obedecer a tal comando (complementando-o, pois), devemos então considerar a relação jurídica como duplamente complementar, ou metacomplementar, como dito acima. A norma jurídica, criada pelo Estado, atribui a uma pessoa autoridade para exigir um comportamento de outra pessoa, havendo uma complementaridade entre eles. Por exemplo, se Fulano é credor de uma quantia em dinheiro de Beltrano, ele possui autoridade, derivada das normas jurídicas, para exigir o pagamento da quantia e Beltrano deve realizar esse pagamento; há, portanto, uma complementaridade. Por detrás dessa relação, há outra complementaridade, derivada do Estado, que garante o direito de Fulano e responsabiliza Beltrano. Assim, caso Beltrano não respeite a autoridade de Fulano, estará sujeito à autoridade do Estado, que irá obrigá-lo a pagar a dívida. A metacomplementaridade corresponde à atributividade, analisada nas características distintivas das normas éticas: a normas jurídicas conferem uma exigibilidade garantida a determinadas pessoas. É importante ainda mencionar que não existe relação de autoridade institucionalizada em um grau infinito. Isso significa que a sociedade sempre pressupõe autoridade a um emissor dentro de certos limites, que se manifestam no conteúdo das normas. Em outros termos, nenhum emissor pode criar normas sobre tudo, mas apenas sobre determinados temas. A sociedade pressupõe a autoridade de um professor para criar normas disciplinares em sala de aula, por exemplo. O professor pode exigir que os alunos, durante sua exposição, permaneçam em silêncio ou não se levantem sem motivos. Todavia, a autoridade do professor não é pressuposta para fora dos limites do estabelecimento de ensino. O professor não pode exigir que os alunos permaneçam em silêncio em suas residências ou fora das dependências do estabelecimento. A hipótese normativa recebe inúmeras designações na ciência do direito: tipo legal, hipótese de incidência, fato tipo, facti species. Basicamente, todas descrevem fatos ou atos jurídicos hipotéticos, ou seja, que podem ocorrer. Podemos, sinteticamente, dizer que os fatos jurídicos são fenômenos que ocorrem sem a manifestação da vontade humana e que levam a consequências previstas nas normas jurídicas (por exemplo, a queda de um raio que cause um dano à rede elétrica e a consumidores de eletricidade). Já os atos jurídicos são acontecimentos provocados pela vontade humana e que, se ocorrerem, devem levar a consequências jurídicas (por exemplo, a celebração de um contrato válido tem por consequência que suas cláusulas devem ser cumpridas pelas partes). A consequência jurídica é o resultado previsto pela norma jurídica para o ato ou fato descrito em sua hipótese. Como a norma traz uma medida socialmente desejável de valor que deve ser realizado nos comportamentos humanos, ela limita as possibilidades de determinados acontecimentos, para concretizar tal valor. Assim, por exemplo, dado o valor propriedade privada, se uma pessoa adquirir a propriedade de um bem, a consequência dessa aquisição será a obrigação imposta a todas as demais pessoas de respeitarem essa propriedade. Caso a consequência de uma norma jurídica não seja respeitada, surge uma nova norma, chamada sanção. Será que a sanção é parte integrante da norma jurídica, ou será que existem normas jurídicas sem sanção? Tal debate revela posicionamentos quanto à natureza do próprio direito. Um jurista como Kelsen, por exemplo, não admite que existam normas jurídicas desprovidas de sanção. Ao contrário, afirma que a sanção é o elemento fundamental da norma jurídica, que estabelece punições a comportamentos que não ocorrem. Algumas normas, porém, são interpretativas, apenas determinando o sentido de outras. Elas, por não apresentarem sanções, deixam de ser jurídicas? Kelsen afirma que continuam a ser jurídicas, mas são consideradas normas dependentes, pois referem-se a outras, que possuem sanção. Daí surge novo problema: e as normas de competência, que delimitam a competência de funcionários públicos, por exemplo, são jurídicas? Tais normas não possuem sanção e não se referem a outras. Também aqui cabe uma objeção: haveria uma sanção implícita nas normas de competência. Trata-se da pena de nulidade. Se um funcionário público age sem ter competência para fazer algo, seu comportamento será considerado nulo. Outros pensadores, todavia, alegam que a nulidade não é uma sanção, pois não pune o autor do ato, mas apenas desfaz o ato. Daí surgir outra reflexão: será que todas as normas jurídicas pretendem desencorajar comportamentos, punindo aqueles que os pratiquem? As normas jurídicas não podem, ao contrário, estimular determinadas condutas, que podem ou não ser realizadas, mas, caso realizadas, geram benefícios a seus agentes? Aqui entra a perspectiva, muito difundida no presente, de que a sanção não é, necessariamente, uma punição. Pode haver a sanção punitiva, mas também há bastantes normas que estipulam sanções premiais, atribuindo um benefício caso a consequência da norma jurídica se concretize. Tal perspectiva alarga o conceito de sanção e não considera o direito apenas um instrumento de ameaças, mas também um agente que promove a transformação social. Ora, isso leva a mais uma reflexão: considerar a sanção, sobretudo em seu sentido penal, elemento essencial da norma jurídica revela uma concepção do direito enquanto fenômeno coativo. Não haveria direito se a violência estatal não fosse exercida. Cada norma jurídica, assim, preveria uma violência específica. Porém, o direito pode ser visto não como violência concreta (coação), mas como sua ameaça (coerção). O essencial do direito não seria a punição aplicada, mas a possibilidade de, eventualmente, fazê-lo. Mais importante do que existir uma sanção para cada norma jurídica seria a existência de autoridade no cometimento da relação comunicativa que cria tais normas. Independentemente da posição, o debate é acalorado. Podemos considerar todos os argumentos válidos, mas parece mais plausível considerar o direito um fenômeno coercível, cuja ameaça de sanção aparece em muitas normas, mas não necessariamente em todas. Outra discussão que envolve a norma jurídica diz respeito a algumas de suas características: será que toda norma jurídica deve ser bilateral, geral e abstrata? Enquanto norma ética, não resta dúvidas de que a norma jurídica é socialmente bilateral . Só podemos falar de normas éticas em situações sociais, que envolvem mais de uma pessoa, nunca em situações unilaterais. Mesmo normas jurídicas que qualificam uma pessoa, por exemplo, dizendo que se trata de alguém capaz, somente faz sentido se colocada em um contexto no qual essa pessoa irá se relacionar com outras. Por outro lado, a norma jurídica também é axiologicamente bilateral. Os valores impostos pelas normas jurídicas às relações sociais não trazem o bem para apenas um dos sujeitos, mas perseguem, sempre, o bem de ambos e, acima disso, o bem comum. Ainda que uma norma imponha deveres a uma das partes e dê poderes à outra, fará isso porque é o melhor não para a pessoa que recebeu os poderes, mas para a sociedade toda. Já a generalidade da norma jurídica é questionável. Uma norma jurídica será geral caso refira-se a uma quantidade indeterminada de destinatários. As leis são exemplos de normas jurídicas rotineiramente gerais, pois costumam referir-se a todas as pessoas. Porém, há outras normas jurídicas que se referem, em regra, a pessoas determinadas, sendo, portanto, individuais. É o caso das sentenças, normas jurídicas que se referem às partes do processo, ou dos contratos, normas jurídicas que se referem aos contratantes. Quanto à abstração, também não parece ser um requisito da norma jurídica. As normas jurídicas abstratas, novamente como costumam ser as leis, referem-se a fenômenos sociais em sua universalidade. As normas de direito do consumidor, por exemplo, referem-se a todas as relações entre consumidores e fornecedores. Outras normas jurídicas, como as sentenças e os contratos, referem-se, usualmente, a fenômenos sociais concretos, como uma relação social específica ou um conflito específico. Se devemos considerar, portanto, que as normas jurídicas são bilaterais, quer social, quer axiologicamente, não podemos afirmar que sejam apenas gerais e apenas abstratas. Vimos que podem ser individuais e concretas. Miguel Reale afirma que existem dois tipos básicos de normas jurídicas, cada uma estruturada de modo próprio: normas de organização e normas de conduta. A norma de organização é aquela que, como o nome indica, organiza: 1. O Estado, estruturando e regulando o funcionamento de seus órgãos; 2. Os poderes sociais, fixando e distribuindo capacidades e competências; 3. O direito, disciplinando a identificação, a modificação e a aplicação das normas jurídicas. Sua estrutura lógica revela a existência de um juízo categórico, ou seja, a norma constata que algo existe e estabelece uma consequência que deve ser respeitada. Pode ser representada pela fórmula: A dever ser B. Note que o fato A não é hipotético, mas concreto. Um exemplo de norma de organização é o artigo 2º da Constituição Federal. Constatada a existência de Poderes da União, afirma-se que devem ser independentes e harmônicos entre si. A norma de conduta, por seu turno, disciplina o comportamento dos indivíduos e dos grupos sociais. Sua estrutura lógica revela um juízo hipotético, prevendo uma situação Sob o ponto de vista sintático, as normas são analisadas comparativamente umas às outras. Nessa perspectiva, a primeira classificação foca a relevância de uma norma em relação a outras, denominando-as primárias ou secundárias. Para a doutrina tradicional, as normas primárias seriam aquelas correspondentes à endonorma, ou seja, que estabelecem uma hipótese normativa e uma consequência. As normas secundárias, vistas como menos relevantes, trariam a perinorma, estabelecendo sanções em caso de violação à endonorma. Kelsen, porém, inverte a avaliação das normas e passa a designar a perinorma como primária e a endonorma como secundária. Isso se deve ao fato de o jurista austríaco considerar a sanção elemento fundamental do direito, sem o qual uma norma jurídica está incompleta. Hoje talvez o significado de norma primária mais aceito seja aquele que corresponde às normas de conduta de Miguel Reale, ou seja, norma cujo objeto é um ato hipotético. Já a norma secundária seria aquela cujo objeto é outra norma, cumprindo papel semelhante a uma norma de organização. Tal consideração deriva da obra de Hart, famoso jurista que trata da classificação acima. Segundo ele, se o direito possuísse apenas normas primárias (de conduta), enfrentaria três sérios problemas: a estática, a ineficiência e a incerteza. Como as normas são criadas em um momento histórico específico e a sociedade evolui, o direito tornar-se-ia desatualizado caso permanecesse estático, não prevendo mecanismos de atualização. Pois as normas secundárias de câmbio tratam da criação de novas normas jurídicas, da modificação das existentes e, eventualmente, da revogação das mesmas. São normas que dizem como as leis são criadas, por exemplo. Tendo-se em vista que a norma jurídica é uma espécie de norma ética, é caracterizada pela violabilidade. Se o direito possuísse apenas normas primárias, esse índice de violação aumentaria significativamente, pois as pessoas poderiam deixar de cumprir as normas por não haver mecanismos de punição. Para evitar isso, surgem as normas secundárias de adjudicação, trazendo mecanismos para se apurarem as violações às normas jurídicas e criarem-se normas jurídicas individuais e concretas, como as sentenças, que punem os infratores. As regras processuais são exemplos de normas desse tipo. Por fim, se o direito fosse apenas um conjunto de normas primárias, seria difícil a identificação das normas jurídicas e, eventualmente, a adoção de critérios seguros que permitissem sua interpretação. Surgem, assim, as normas secundárias de reconhecimento, trazendo critérios para identificarmos uma norma como jurídica ou não, ou ainda para interpretarmos o significado das normas existentes. Muitas normas constitucionais funcionam como normas dessa espécie, pois permitem a delimitação do sistema jurídico, determinando quais são seus elementos e afastando a incerteza. Comparando-se as normas, podemos classificá-las quanto à subordinação em normas- origem e normas-derivadas. Em tese, trata-se de um critério simples: a norma-origem é aquela da qual surgem normas-derivadas e a norma-derivada é aquela que se origina de uma norma-origem. É preciso, contudo, ficar atento para a relatividade do critério. Uma norma pode ser origem se comparada a outra e pode ser derivada se comparada a uma terceira. Por exemplo, a lei ordinária é norma-origem de sentenças e contratos; mas é norma- derivada da Constituição Federal. Duas questões podem ser suscitadas. Primeiro, há hierarquia entre as normas-origem e derivadas? No direito, devemos admitir que sim. A norma-origem é superior hierarquicamente em relação a suas normas-derivadas. Na prática, isso significa que uma norma-derivada jamais pode violar os preceitos previstos na norma-origem, sob pena de ser considerada inválida. Assim, no exemplo acima, a lei ordinária não pode violar a Constituição Federal; a sentença e o contrato, por sua vez, não podem violar a lei ordinária e, menos ainda, a Constituição Federal. O direito, pois, organiza-se de modo hierárquico. Outra questão concerne ao topo da hierarquia. Há uma norma-origem das normas- origem? Essa última norma é a Constituição Federal? Embora a questão possa ser enfrentada em termos teóricos na análise do ordenamento jurídico, podemos constatar, na prática jurídica, que a Constituição é tomada como a norma superior do direito, não se questionando quanto a sua subordinação a outras normas. Quanto à estrutura das normas jurídicas, podemos classificá-las em autônomas e dependentes. As normas autônomas são aquelas que possuem um significado completo; as normas dependentes exigem outras normas para completarem seu significado. Podemos especificar o critério afirmando que as normas autônomas apresentam, de modo implícito ou explícito, em seu texto, a endonorma e a perinorma, tornando-se autossuficientes. As normas dependentes, porém, apresentam ou somente a endonorma ou somente a perinorma, exigindo a leitura de outro texto, em outro artigo ou em outra lei, para completar o sentido da norma. Os romanos classificavam as normas analisando a consequência estabelecida pela perinorma (ou, simplesmente, a sanção) em mais que perfeitas, perfeitas, menos que perfeitas e imperfeitas. O critério é a modalidade de sanção estabelecida: punição e/ou nulidade. As normas mais que perfeitas estabelecem, na perinorma, uma punição e uma nulidade para o ato praticado. Um exemplo é a proibição de uma pessoa casada casar-se novamente. Essa pessoa será punida por bigamia e seu novo casamento será considerado nulo. As normas perfeitas são aquelas que apenas restabelecem a situação anterior, abalada pelo agente que praticou um ato ilícito. Portanto, estabelecem apenas uma nulidade como consequência, na perinorma. Um exemplo é a anulação de um contrato assinado por menor que venha a trazer prejuízos a seu patrimônio, inexistindo punição a tal menor. Normas menos que perfeitas trazem apenas uma punição para a pessoa que pratica o ato, mas não o anulam. Podemos exemplificar citando uma pessoa que se case após tornar-se viúvo, sem completar o processo de inventário e partilha dos bens do primeiro casamento. Ela será punida ao ser obrigada a adotar o regime da separação total de bens no segundo casamento, o qual será válido. As normas imperfeitas, curiosamente, não apresentam nem punição nem nulidade, não possuindo uma perinorma. Um exemplo é a norma jurídica que obriga a pagar dívidas de jogo ou dívidas prescritas. Não há qualquer sanção para a pessoa que não as pague. Porém, uma vez que forem pagas, não poderão ser restituídas, pois somente deve ser restituído aquilo que se paga indevidamente. Semanticamente, analisam-se as normas quanto ao objeto normado. Pensando nos destinatários das normas jurídicas, podem ser gerais, particulares ou individuais. As normas gerais são aquelas que se destinam à universalidade dos membros da sociedade, regendo comportamentos de uma quantidade indeterminada de pessoas. Normas que regem a conduta de todos os brasileiros, por exemplo, são gerais. As normas jurídicas podem ser individuais. Neste caso, destinam-se a uma quantidade determinada de pessoas, regendo seus comportamentos específicos. É o caso, comumente, de uma sentença ou de um contrato. uma norma cogente; a adoção de um regime de separação de bens no casamento, salvo exceções, é uma norma dispositiva. Pensando no direito privado, é comum encontrarmos normas classificadas como de ordem pública ou de ordem privada. As normas de ordem pública são cogentes e trazem disposições que devem prevalecer ante a vontade das partes; as normas de ordem privada são aquelas dispositivas, podendo deixar de ser cumpridas pelas partes. Um segundo critério pragmático é a finalidade da norma. Algumas normas têm por finalidade reger comportamentos, sendo classificadas, como já apresentado, como normas de conduta ou de comportamento; outras normas apenas apresentam diretrizes, intenções, objetivos gerais a serem alcançados pelo Estado, sendo chamadas de normas programáticas (pois exigem um programa para serem executadas pelo Estado). Devemos fazer um destaque especial à classificação das normas constitucionais, proposta por José Afonso da Silva, conforme a eficácia. Haveria normas de eficácia plena, aplicáveis direta, imediata e integralmente, podendo fundamentar petições iniciais e delimitar comportamentos sociais. Outras normas, porém, seriam de eficácia contida, sendo regras de eficácia plena até o surgimento de outras normas que as limitam (é o caso dos incisos VIII e XIII do art. 5º da Constituição Federal). Ainda haveria normas constitucionais de eficácia limitada, que não seriam diretamente aplicáveis, exigindo uma ação estatal ou a criação de novas regras para serem executadas. Tais normas poderiam ser de princípio institutivo, prevendo a criação de órgãos estatais, ou de princípio programático, traçando diretrizes de atuação para o Estado (como o inciso XX do art. 7º da Constituição Federal). O último critério pragmático foca o funtor da norma jurídica. O funtor é aquela palavra que expressa a relação de autoridade do cometimento da norma jurídica. No relato, essa relação de autoridade transforma-se em um dever ser, ou seja, em um comando que estabelece uma hipótese e liga a ela uma consequência. Entre a hipótese normativa e a consequência jurídica surge o funtor, expressando a autoridade do emissor. O funtor pode ser: permitido, proibido ou obrigatório. Daí podermos classificar as normas em permissivas, proibitivas ou obrigatórias (ou preceptivas). Convém destacar que os funtores podem estar implícitos nas normas, devendo ser identificados pelos juristas. Além disso, uma norma obrigatória pode ser considerada proibitiva em sentido diverso. Por exemplo, uma norma que proíbe as pessoas de fumarem em locais públicos obriga as mesmas a não fumarem. Com isso, esperamos ter apresentado, nesta postagem, os principais critérios de classificação das normas jurídicas. Outros critérios existem e outras abordagens são possíveis, pois a ciência dogmática do direito busca, prioritariamente, resolver conflitos e não estruturar-se de modo perfeito e irrefutável. Referências: BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao Direito. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011. (Lições X e XI) FERRAZ JÚNIOR, T. S. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão e Dominação. 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2003. (p. 93-132) (4.1 a 4.2.2) REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: saraiva, 2009. (cap. IX e cap. XI) http://introducaoaodireito.info/wp/?p=451 34. Chegando ao ordenamento Os profissionais do direito como advogados, juízes e promotores dedicam-se a uma atividade cotidiana que, em última instância, leva à produção de normas jurídicas. Seja de modo direto ou indireto, tais profissionais, geralmente, produzem contratos, sentenças e leis. Um advogado, por exemplo, pode passar toda sua vida profissional elaborando “peças processuais”, ou seja, elementos que são agregados, no curso de um processo, à sentença, espécie de norma jurídica de efeitos concretos e individuais. Já a sentença, embora elaborada diretamente pelo juiz, é fruto desse processo, incorporando em si os elementos contidos no mesmo. É importante salientar, pois, que há uma característica inerente a todas as normas jurídicas produzidas pelo direito: elas adotam uma matéria-prima comum, constituída de outra ou outras normas também jurídicas. Em outras palavras, toda nova norma jurídica (contrato, lei ou sentença) é produzida a partir do conteúdo de outra norma jurídica superior. Assim, quando um advogado elabora um contrato de compra e venda, adota, como matéria-prima, o conteúdo de normas jurídicas contidas em algumas leis, como o Código Civil. O advogado adapta as normas jurídicas gerais e abstratas do Código Civil para a relação negocial concreta, elaborando normas jurídicas específicas para as partes do contrato e seus interesses reais. O contrato é produzido, portanto, a partir do conteúdo do Código Civil. O mesmo raciocínio podemos aplicar para a produção de uma sentença. Nesse caso, após um processo produtivo, o juiz, em seu momento final, adapta as normas jurídicas legais, de cunho geral e abstrato, às partes envolvidas na discussão judicial, criando normas jurídicas individuais e concretas que se materializarão na sentença. Desse modo, Elas podem ser classificadas como verdadeiras ou falsas, na medida em que descrevam de modo correto ou incorreto o comando contido na norma jurídica. Uma norma jurídica, por sua vez, não pode ser classificada como verdadeira ou falsa. Ela contém um comando que permite, obriga ou proíbe um comportamento. Será, por seu turno, classificada como válida ou inválida, na medida em que, conforme visto, pertença ou não ao ordenamento jurídico. Devemos, portanto, estudar o ordenamento jurídico, pois nele encontram-se as normas que serão utilizadas pelos juristas em seu cotidiano. http://introducaoaodireito.info/wp/?p=464 35. O ordenamento jurídico O conjunto de normas jurídicas chama-se ordenamento. Uma norma que pertence ao ordenamento é considerada válida e, portanto, pode ser qualificada de jurídica; uma norma que não pertence ao ordenamento, por outro lado, é considerada inválida e não- jurídica. Perguntar, sob o ponto de vista do direito, se uma norma é válida, corresponde, portanto, a perguntar se ela pertence ao ordenamento jurídico. Como todo conjunto, o ordenamento é composto por elementos. Por exemplo, o conjunto dos algarismos pares é composto pelos elementos 0, 2, 4, 6, 8, combinados em qualquer ordem. Conforme o parágrafo inicial, deduzimos que o principal elemento do ordenamento é a norma jurídica, que pode assumir a forma de lei, sentença ou contrato (entre outras formas). Mas, por mais simples que seja um conjunto, ele não possui apenas elementos. Há também uma estrutura, que delimita e organiza esses elementos. No caso do exemplo anterior, o conjunto dos algarismos pares possui uma estrutura bastante simples, delimitada pela suas regras de pertencimento: “ser algarismo” e “ser par”. Tais regras dão estrutura ao conjunto, delimitando suas fronteiras ao indicar quais elementos podem pertencer a ele e quais não podem pertencer. O algarismo 1, por ser ímpar, é excluído do conjunto pela regra de pertencimento “ser par”; já o número 10 é excluído do conjunto pela regra de pertencimento “ser algarismo”. Alguns conjuntos tornam-se mais complexos à medida em que aumentam suas regras estruturais. Podemos aumentar a complexidade do conjunto dos algarismo pares acrescentando a regra estrutural “ordenados decrescentemente”. Agora, o conjunto dos “algarismos”, “pares”, em “ordem decrescente” teria uma forma específica: 8, 6, 4, 2, 0. Essa regra estabeleceu uma relação necessária entre os elementos. O algarismo 8 deve iniciar a série; há um único lugar possível para os demais algarismos, sendo o último deles ocupado pelo zero. Tércio Sampaio Ferraz Júnior cita como exemplo uma sala de aula. Para que uma sala se transforme em um conjunto ao qual possamos denominar “sala de aula”, é necessário que haja uma estrutura que ordene os elementos presentes no espaço. Se, por exemplo, em uma sala houver carteiras, lousa, alunos e professor, isso não significa, necessariamente, que se trata de uma sala de aula. Se as carteiras e a lousa estiverem amontoadas em um canto, os alunos conversando em outro e o professor estiver lendo um livro, não podemos afirmar que se trate de uma sala de aula. Para tanto, há a necessidade de as carteiras estarem enfileiradas no sentido da lousa, o professor situar- se entre esta e os alunos e estes encontrarem-se sentados nas carteiras. Portanto, deve haver relações necessárias entre os elementos. O ordenamento jurídico é um conjunto de alta complexidade. Isso significa, assim, que além das regras de pertencimento, indicando quais são seus elementos, há outras regras estruturais que estabelecem relações necessárias entre eles. De um modo genérico, podemos afirmar que existem três grandes grupos de regras estruturais: as regras de coesão, de coerência e de completude. As regras estruturais de coesão estabelecem os limites do ordenamento jurídico e conferem a ele sua forma específica. Entre tais regras, encontra-se a validade, que estabelece os requisitos de pertencimento ao conjunto. Dela decorre outra regra de grande importância, a hierarquia, estabelecendo que existem normas jurídicas (e, portanto, válidas) superiores e mais fortes, e regras jurídicas inferiores e mais fracas. A produção de novas normas jurídicas é organizada pela regra estrutural das fontes do direito, estabelecendo requisitos para que se crie uma nova norma válida. A produção de efeitos das normas do ordenamento é delimitada no tempo pela regra da irretroatividade/retroatividade, especificando as situações em que uma norma pode regular situações no passado ou não. Ainda podemos destacar a regra estrutural da dinâmica do ordenamento, que estabelece os requisitos para que uma norma deixe de fazer parte do conjunto, tornando-se inválida e, logo, deixando de ser jurídica. A consistência do ordenamento jurídico é obtida pela regra geral da coerência. Em sendo o direito um conjunto de normas que deve permitir a resolução de controvérsias com o mínimo de perturbação social, não podem existir duas normas que ofereçam, ao mesmo tempo, uma solução contraditória. Tal situação criaria uma antinomia (conflito de normas) e deixaria o operador do direito e a população em geral sem critérios para seus comportamentos. As antinomias devem ser solucionadas com a eliminação de uma das normas contraditórias, possibilitando ao direito oferecer uma solução única ao conflito. De um modo geral, a coerência é obtida a partir de outra regra estrutural citada acima, a hierarquia. Embora haja exceções, podemos afirmar que toda nova norma deve ser coerente com outras normas jurídicas superiores, ou seja, uma norma inferior não pode, em tese, contradizer outra superior. Por fim, o ordenamento estrutura-se de modo completo, ou seja, há uma regra estrutural que pressupõe sua capacidade para resolver todos os conflitos sociais, ainda que seja necessária a criação de uma norma jurídica sentencial pelo juiz para suprir a ausência de uma norma jurídica legal. A regra estrutural da completude, assim, estabelece que eventuais lacunas do ordenamento (ausência de leis pré-existentes que prevejam uma solução para um conflito social) serão preenchidas pelo juiz, caso a caso. Por outro lado, sob o ponto de vista dos destinatários sociais do direito, a completude manifesta- se na impossibilidade de alegação do desconhecimento da lei. O ordenamento jurídico, portanto, é um conjunto complexo, cujo principal elemento é a norma válida e cuja estrutura é coesa, coerente e completa. http://introducaoaodireito.info/wp/?p=469 36. Validade – reflexões Dizer que alguma coisa tem validade significa dizer que essa coisa tem valor. Ora, valor é uma qualidade que exige comparação: uma coisa somente pode ter valor em relação a outra ou a um critério. Quando afirmamos que um computador é valioso (tem valor), precisamos especificar em relação a que nos referimos. Um computador pode ter valor em um sentido econômico, comparativamente a outras mercadorias, especialmente a moeda, possuindo, assim, um preço elevado. Mas pode ser valioso em outros sentidos, como sua utilidade ou sua ludicidade. Afirmar que uma norma é válida, do mesmo modo, corresponde a dizer que ela tem validade ou, simplesmente, valor. Devemos, então, nos perguntar: valor em relação a que?
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