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O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS, Notas de estudo de Enfermagem

A compreensão e a aplicabilidade prática do conceito de assistência Farmacêutica são essenciais para o bom funcionamento do SUS. A simples garantia de acesso ao medicamento não assegura totalmente a melhora da saúde da população. Por isso, o conjunto de ações desenvolvido pelo farmacêutico, tendo o medicamento como insumo essencial, não se restringe a esse aspecto, mas envolve, também, a promoção do seu uso racional.

Tipologia: Notas de estudo

2017

Compartilhado em 22/10/2017

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Baixe O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! “DN Conselho €) Federal de 2) Farmácia Brasília-DF 2015 3 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação DIRETORIA: Presidente Walter da Silva Jorge João Vice-Presidente Valmir de Santi Secretário - Geral José Vílmore Silva Lopes Júnior Tesoureiro João Samuel de Morais Meira CONSELHEIROS FEDERAIS: Rossana Santos Freitas Spiguel (AC) José Gildo da Silva (AL) Marcos Aurélio Ferreira da Silva (AM) Carlos André Oeiras Sena (AP) Altamiro José dos Santos (BA) Lúcia de Fátima Sales Costa (CE) Forland Oliveira Silva (DF) Gedayas Medeiros Pedro (ES) Sueza Abadia de Souza Oliveira (GO) Fernando Luis Bacelar de Carvalho Lobato (MA) Luciano Rena (MG) José Ricardo Arnaut Amadio (MT) Angela Cristina Rodrigues Cunha Castro Lopes (MS) Walter da Silva Jorge João (PA) João Samuel de Morais Meira (PB) Carlos Eduardo de Queiroz Lima (PE) José Vilmore Silva Lopes Júnior (PI) Valmir de Santi (PR) Ana Paula de Almeida Queiroz (RJ) Lenira da Silva Costa (RN) Josué Schostack (RS) Lérida Maria dos Santos Vieira (RO) Erlandson Uchôa Lacerda (RR) Paulo Roberto Boff (SC) Marcelo Polacow Bisson (SP) Vanilda Oliveira de Aguiar (SE) Amilson Álvares (TO) 4 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação Índice Apresentação .......................................................................................................................... 07 Prefácio .................................................................................................................................... 09 Introdução ................................................................................................................................ 11 Entrevista Especial ................................................................................................................... 15 Capítulo 1 Uso Racional de medicamentos ............................................................................................... 33 1.1 Introdução .................................................................................................................... 33 1.2 Comitê Nacional para a Promoção do Uso Racional de Medicamentos ....................... 36 1.3 Listas de Medicamentos Essenciais .............................................................................. 36 1.4 Formulário Terapêutico ...................................................................................................... 39 1.5 Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas ............................................................... 39 1.6 Comissão de Farmácia e Terapêutica ............................................................................ 41 1.7 Centros de Informações sobre Medicamentos ............................................................. 42 1.8 Farmacovigilância ......................................................................................................... 43 Capítulo 2 Estruturação da assistência farmacêutica ................................................................................ 51 2.1 Introdução .................................................................................................................... 51 2.2 Financiamento dos serviços de assistência farmacêutica .................................................. 53 2.3 Reorganização das farmácias no âmbito do sistema de saúde ..................................... 55 2.4 Incentivo para estruturação da assistência farmacêutica nos municípios .................... 57 2.5 Sistemas de informação................................................................................................ 58 2.5.1 Hórus - Sistema Nacional de Gestão da Assistência Farmacêutica ..................... 60 2.5.2 Base Nacional de Dados de Ações e Serviços da Assistência Farmacêutica .............. 61 2.6 Importância da qualificação profissional ............................................................................ 61 Capítulo 3 Planejamento estratégico aplicado à assistência farmacêutica ............................................... 71 3.1 Processo histórico: análise do uso do planejamento na gestão da assistência farmacêutica no Brasil .................................................................................................. 71 3.2 Cenário atual ................................................................................................................ 75 3.2.1 Instrumentos de Planejamento do SUS ..................................................................... 75 3.2.2 Interface da assistência farmacêutica com o planejamento no SUS ................... 78 3.3 Planejamento Estratégico Situacional (PES): Um modelo metodológico aplicável ....... 81 3.3.1 PES: da teoria à prática ........................................................................................ 83 3.3.2 Momento Explicativo: compreendendo sua realidade ........................................ 85 3.3.3 Momento Normativo: formulando o plano ......................................................... 89 3.3.4 Momento Estratégico .......................................................................................... 89 3.3.5 Momento Tático-Operacional .............................................................................. 90 Capítulo 4 Gestão da assistência farmacêutica no SUS: uma abordagem estratégica e orientada para resultados ........................................................................................................ 97 4.1 Aspectos teóricos e conceituais da gestão em saúde ................................................... 97 4.1.1 Principais desafios para os gestores no SUS ..................................................... 99 5 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação 4.1.2 Instâncias de gestão do SUS e a busca por novas alternativas gerenciais ...... 101 4.1.3 A assistência farmacêutica no contexto da gestão do SUS ............................. 103 4.2 Gestão Estratégica ...................................................................................................... 106 4.2.1 O Planejamento Estratégico e o Triângulo de Governo .................................. 109 4.2.2 O Ciclo PDCA e a melhoria contínua ............................................................... 110 4.3 Foco em resultados nas organizações públicas: desafios e determinantes de um modelo aplicável.............................................................................................. 113 4.3.1 A necessidade de se reinventar na gestão pública: foco no usuário-cidadão . 117 4.3.2 Gestão (estratégica) de pessoas e o papel dos gerentes no contexto do modelo orientado para resultados ................................................................. 119 4.3.3 Gerenciamento de projetos: um bom método para aumentar a eficiência na entrega de resultados ................................................................................ 122 4.4 Considerações finais ................................................................................................... 127 Capítulo 5 Avaliação da assistência farmacêutica.................................................................................... 133 5.1 Avaliação em saúde .................................................................................................... 133 5.1.1 Diferença entre diagnóstico, avaliação e monitoramento .............................. 135 5.1.2 Tipologia de avaliação ..................................................................................... 136 5.2 Avaliação da assistência farmacêutica ........................................................................ 138 5.3 Avaliação no cotidiano dos serviços ........................................................................... 142 5.3.1 Como conduzir um processo de avaliação no serviço .................................... 142 5.3.2 Exemplos de indicadores para avaliação da assistência farmacêutica ............ 143 5.3.3 Como apresentar os resultados de uma avaliação ......................................... 157 Capítulo 6 Acesso aos medicamentos no SUS ......................................................................................... 163 6.1 Dimensões e determinantes do acesso aos medicamentos ....................................... 163 6.2 O acesso aos medicamentos essenciais no Brasil ....................................................... 169 6.3 O modelo de financiamento da assistência farmacêutica no SUS .............................. 171 6.3.1 Os Componentes de financiamento da Assistência Farmacêutica ................... 174 6.3.1.1 Componente Básico da Assistência Farmacêutica .............................. 175 6.3.1.2 Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica ...................... 178 6.3.1.3 Componente Especializado da Assistência Farmacêutic ..................... 179 6.3.2 Farmácia Popular do Brasil ............................................................................... 181 6.4 O acesso aos medicamentos como parte do acesso à saúde ..................................... 187 6.5 Considerações finais ................................................................................................... 189 Capítulo 7 Judicialização da assistência farmacêutica como garantia do direito constitucional à saúde: avanço ou retrocesso? ...................................................................... 197 Capítulo 8 Pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos e a regulação do mercado em saúde no Brasil: desafios para a garantia do acesso ............................................................... 209 Capítulo 9 O papel do farmacêutico nas Redes de Atenção à Saúde ...................................................... 225 9.1 Introdução ............................................................................................................ 225 9.2 Elementos constitutivos das Redes de Atenção à Saúde ............................................ 226 8 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação processo do cuidado, otimizar a gestão dos recursos humanos e financeiros e incorporar, de vez, o farmacêutico à rede de saúde (municipal, estadual, regional) na gestão do medicamento e no acompanhamento dos pacientes em seu processo de tratamento, são alguns dos desafios que o Sistema deve enfrentar. Esta publicação do Conselho Federal de Farmácia não tem a pretensão de ser um guia prático de assistência farmacêutica, mas apresenta dados relevantes sobre o tema, identifica problemas e sugere soluções para otimizar a atuação do farmacêutico no âmbito do SUS, até porque foi elaborada pelos integrantes de seu Grupo de Trabalho sobre Saúde Pública, todos com reconhecida e destacada atuação nesse importante segmento da profissão farmacêutica. A saúde da população é o resultado a ser alcançado e o farmacêutico tem muito a contribuir para isso. Valmir de Santi Vice-presidente do Conselho Federal de Farmácia 9 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação Prefácio Quando o Congresso Nacional aprovou, em 1990, a Lei Orgânica da Saúde, que detalhava o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), a farmácia já fazia parte de minha vida. Assim, posso dizer que o vi nascer e crescer. Nas últimas duas décadas, o Brasil e o SUS passaram por profundas trans- formações. Um Sistema que se propõe a atender mais de 190 milhões de pessoas enfrenta, sim, grandes desafios que vão desde o desfinanciamento progressivo até a qualidade da formação de profissionais da área da saúde para prestar o melhor serviço à população. A desarticulação da assistência farmacêutica no País, em descompasso com as mudanças que ocorreram na área da saúde, especialmente com relação ao pro- cesso de descentralização do SUS, contribuiu para a formulação de novas diretri- zes para a área de medicamentos, a chamada Política Nacional de Medicamentos (PNM), apresentada pelo Ministério da Saúde, em outubro de 1998. Os princípios e diretrizes constitucionais do SUS foram fortalecidos pela PNM, cuja principal finalidade é “garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais”. A Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF), de maio de 2004, engloba, entre os seus eixos estratégicos, a garantia de acesso e equidade às ações de saúde, que inclui, necessariamente, a Assistência Farmacêutica; e a manuten- ção de serviços de assistência farmacêutica na rede pública de saúde, nos diferen- tes níveis de atenção, considerando a necessária articulação e a observância das prioridades regionais definidas nas instâncias gestoras do SUS. Entre as diretrizes do PNM e do PNAF está a reorientação da assistência farmacêutica, definida como: “um grupo de atividades relacionadas ao medica- mento, destinadas a apoiar as ações de saúde demandadas por uma comunidade. Envolve o abastecimento de medicamentos em todas e em cada uma de suas eta- pas constitutivas, a conservação e controle de qualidade, a segurança e a eficácia terapêutica dos medicamentos, o acompanhamento e a avaliação da utilização, a obtenção e a difusão de informação sobre medicamentos e a educação perma- nente dos profissionais de saúde, do paciente e da comunidade para assegurar o uso racional de medicamentos.” E em todo esse processo de aplicabilidade prática das “normas” que regem a assistência farmacêutica no SUS está sempre presente, o farmacêutico. 10 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação Sempre acreditei no SUS e no quanto nós, farmacêuticos, podemos contribuir para o crescimento e real afirmação do Sistema como um dos maiores e mais efi- cientes do mundo. Com os tópicos apresentados nesse livro, o Conselho Federal de Farmácia espera contribuir para que os gestores, farmacêuticos, outros profis- sionais da saúde e toda a sociedade conheçam um pouco mais sobre a atuação do farmacêutico no SUS, seja na dispensação direta ao usuário de medicamentos, na gestão da assistência farmacêutica ou subsidiando a tomada de decisões clínicas. O livro é dividido em 10 capítulos, escritos por diferentes autores, todos, di- retamente ligados à saúde pública. Eles abordam temas como o uso racional de medicamentos, a estruturação da assistência farmacêutica, o acesso aos medica- mentos – dentro desse tema, a judicialização também é abordada – o desenvolvi- mento de novos fármacos, o papel do farmacêutico e o controle social. Com este livro, o Grupo de Trabalho sobre Saúde Pública do Conselho Federal de Farmácia apresenta a realidade do farmacêutico no SUS, as possibilidades de atuação e ainda pretende despertar o interesse do leitor sobre a saúde pública brasileira com todos os seus problemas, mas também com todas as suas soluções que têm salvado vidas brasileiras por esses 25 anos. Uma boa leitura a todos Walter da Silva Jorge João Presidente do Conselho Federal de Farmácia 13 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação Em 2014, quando se comemoram os 10 anos da publicação da Política Nacio- nal de Assistência Farmacêutica – um marco para a categoria farmacêutica e para o direito social à saúde –, o CFF iniciou a preparação desta publicação como forma de colaborar para a qualificação no modo de atuar do farmacêutico na assistência farmacêutica, no âmbito do sistema público de saúde. Esta publicação está estruturada em dez capítulos, tendo por finalidade apre- sentar aos colegas farmacêuticos as questões mais relevantes, pautadas para a or- ganização da assistência farmacêutica e para a atuação profissional, identificando as principais políticas vigentes, as oportunidades de avanços e as necessidades de investimentos e melhorias na atuação profissional e nos serviços farmacêuticos. 15 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação Estamos no segundo semestre de 2015, um ano de grandes feitos e muito questionamentos quanto à transparência nas esferas admisnistrativas, em espe- cial, quanto à gestão do Sisistema Único de Saúde (SUS). Por isso, antes mesmo da apresentação desta públicação, decidimos (re) publicar uma entrevista dos três principais gestores do SUS, ao final de 2014: o ministro da Saúde, Arthur Chioro, o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), Wilson Duar- te Alecrim, e o presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saú- de (Conasems), Antonio Carlos Nardi. Uma oportunidade para refletirmos sobre o SUS que temos e o SUS que a população precisa. Comissão de Saúde Pública do Conselho Federal de Farmácia Entrevista publicada na edição de número 13, ano IV, de outubro, novembro e dezembro de 2014, da Revista Consensus, publicação do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, devidamente autorizada. Entrevista ESPECIAL Arthur Chioro, Wilson Duarte Alecrim e Antônio Carlos Nardi Chegamos ao fim de mais um governo e, em quatro anos de gestão, o Sistema Único de Saúde contabilizou inúmeros avanços, mas inegavelmente manteve-se estável em muitas outras áreas importantes para o seu aperfei- çoamento e sustentabilidade. Passada a eleição, vem agora a expectativa de novos rumos para o SUS, com novos gestores, mas também com a permanência daqueles que já trabalham no dia a dia nas secretarias estaduais e municipais de saúde em todo o país. Para compreender melhor os progressos do SUS nessa gestão, que em bre- ve se encerra, e colocar em pauta os desafios que estão postos para os próxi- mos gestores, a revista Consensus ouviu os representantes das três esferas de gestão: o ministro da Saúde, Arthur Chioro, o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), Wilson Duarte Alecrim, e o presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Antonio Carlos Nardi. Nas próximas páginas, eles falam sobre temas como o subfinanciamento do sistema, a problemática dos Recursos Humanos, o enfrentamento de epide- mias e outros pontos importantes para a saúde pública brasileira. 18 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação da Atenção Básica (AB) foram talvez o principal avanço. Quando nós falamos em organização, temos de falar dos vazios assistenciais que ainda existem e da organização no sentido da formatação da rede. A formatação das redes de atenção que priorizam na AB a questão da Rede Cegonha, que muitos estados e municípios estão implementando, nos faz pensar nessa questão do acesso, que começa com o pré-natal da gestante e indo até a criança. Dessa maneira, esta- mos trabalhando com dois grandes indicadores que pactuamos todos os anos. Nesses últimos quatro anos, a melhoria dos indicadores de saúde foi muito veemente nessas duas vertentes: na diminuição da mortalidade materna e na diminuição da mortalidade infantil. Exatamente pela questão das redes e pelo fortalecimento da Atenção Básica. Nessa lógica, também foram muito importantes os programas do Minis- tério da Saúde, em parceria com muitas Secretarias Estaduais de Saúde (SES), que estão apoiando e fazendo um complemento financeiro do Piso de Atenção Básica (PAB), e também com o apoio de construções de Unidades Básicas de Saúde, somadas ao PMAQ, dando melhores condições de trabalho. Porque esse é outro problema que nós tínhamos e continuamos a ter em menor grau que é a questão da força de trabalho no SUS e que também teve esse processo de melhoria, no sentido de se desmitificar e descentralizar exclusivamente da pes- soa do médico o atendimento profissional e pensar na equipe multiprofissional. Então, acho que os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf) tiveram papel extremamente importante nesses últimos quatro anos. O acesso, para mim, incluindo todos es-ses processos paralelos, foi extremamente importante. Outro processo que temos de citar como grande avanço foi a priorização das Redes Temáticas pactuadas na Comissão Intergestores Tripartite (CIT). Nós passamos a pensar no contexto do país e isso significou implementá-las em pri- meiro lugar nas regiões com maiores lacunas e vazios assistenciais. Essa é a grande diferença que a gente vê. Ainda temos problemas, mas temos de pensar em tudo que evoluímos. Isso é outro grande benefício que a gente conseguiu ter como grande balanço. No Conasems, o avanço que tivemos foi em relação à organização e à qua- lificação da gestão municipal e tudo isso passando pela qualificação e pelo for- talecimento dos Conse-lhos Municipais de Saúde (Cosems). Essa foi uma ban- deira que levantei como presidente do Conasems: de que cada Cosems deste país fosse fortalecido como instrumento e ferramenta da boa gestão municipal, oferecendo ferramentas para ele exercer uma gestão técnica com qualificação. E a qualificação da gestão foi essencial, pois hoje há credibilidade dos Cosems, do Conasems, nas CIRs, todo mundo sabe o que é o CONASS, o Conasems, o que 19 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação são os Cosems, as Bipartites Estaduais e as Comissões Intergestores Regionais (CIR). Isso foi grande avanço. Nós mostramos o que é o pacto federativo para cada Ente Federado do Brasil. Cada gestor hoje conhece e pode se expressar na CIR ou na CIB ou na CIT e, perpassando tudo isso, nos Conselhos. Quais são os principais desafios para a implementação do SUS nos próxi- mos quatro anos? Arthur Chioro - Um dos objetivos estratégicos do Ministério da Saúde é exatamente a melhoria do acesso eda qualidade do serviço, resolvendo de for- ma humanizada os problemas de saúde da população. Implantar as medidas es- truturantes do Mais Médicos, no que se refere à formação e especialização na residência médica, avançando-se na regulação do trabalho do SUS e ajudando a resolver definitivamente a necessidade de mais médicos no país. Também é preciso ampliar a produção de medicamentos e equipamentos pelo fortalecimento do complexo industrial brasileiro de saúde; cuidar com dig- nidade e em liberdade dos pacientes com transtornos mentais e dependentes químicos; modernizar e qualificar o processo de gestão do SUS. Uma agenda central para os próximos quatro anos é ampliar a oferta de serviços especializa- dos, com a implantação do Mais Especialidades. Um grande desafio, em todas as esferas de governo, é encantar os trabalhadores para o nosso projeto ético- -político para o SUS. Este projeto está sempre em disputa e é preciso defendê-lo em cada território. Ou seja, avançamos muito nesses 25 anos de história e o nosso compromisso é melhorar cada vez mais. Wilson Duarte Alecrim - Os desafios na realidade são sinônimos de pro- blemas. Nós continuamos com o crônico problema que representa um dos maiores, se não o principal desafio, para a consolidação do SUS, que é o finan- ciamento. Esse problema vem se agra-vando ano a ano porque, em anos ante- riores, os estados e os municípios, claro que não na totalidade, mas na grande maioria, foram suprindo com recursos próprios. Há estados que já ultrapassam 20% da aplicação dos seus recursos em saúde. Municípios, da mesma forma; e agora eles não têm mais como acrescentar despesas na área da saúde por recei- ta própria. E embora o orçamento da União tenha crescido, não houve aumento da sua participação nos recursos para as necessidades do SUS. Então, esse é um problema crônico, mas é urgente e necessária a sua solução. Outro problema que é parte consequente do financiamento diz respeito às alternativas de gestão que devem ser buscadas e ampliadas - algumas já exis- tentes em poucos estados brasileiros –, para que possamos otimizar a aplicação dos recursos. É preciso ficar bem claro que a nossa luta não é somente por mais 20 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação recursos, é por mais recursos e melhoria da gestão. Essas duas coisas combina- das certamente farão que a população passe a ter a oferta para as demandas que são necessárias e assim viva melhor e avalie melhor a política pública de saúde do país. Nessa parte da gestão, é importante que seja mencionado que gestores municipais e estaduais, principalmente no que diz respeito a secretá- rios estaduais e municipais, devem ser nomeados a partir de critérios técnicos e políticos. E que seja evitado o rodízio precoce desses gestores. Não é possível fazer gestão de uma SES, de uma Secretaria Municipal de Saúde (SMS), com se- cretário de “plantão”. Secretário tem de estar no exercício da função do cargo, para seu desempenho ser avaliado pelo maior tempo possível dentro de um pe- ríodo de governo. Cada período de governo, em um estado e em um município, dura quatro anos. Não é possível que se tenha uma boa gestão em uma SES ou SMS se em quatro anos ocorreu um rodízio acentuado desses gestores. Aliás, os estados e os municípios que têm razoável ou melhor capacidade de gestão são aqueles em que o gestor permanece por mais tempo e é capaz de cumprir um período de governo. Então, esses dois assuntos, financiamento e gestão, são fundamentais para que nós possamos avançar. Outro desafio importante diz respeito à tecnologia. Muitas vezes nós te- mos dificuldades em implantar determinados programas ou realizar determi- nados procedimentos por problemas de dependência tecnológica, porque não temos implantado no país, embora esteja em fase de implantação, um modelo tecnológico que priorize a inovação e não a invencionice que são coisas anta- gônicas para a área da saúde. Essa absorção e implantação de tecnologia são desafios que precisam ser superados, e outro desafio ainda que está à nossa frente e não depende exclusivamente da área da saúde, mas de políticas de outros ministérios, incluindo os Ministérios da Saúde e da Educação, é a parte de Recursos Humanos, entre eles os médicos. Antônio Carlos Nardi - Não se fala em desafios se não falarmos em quem vai exercer a gestão. Temos de continuar a qualificação da gestão, indepen- dentemente do nível de governo, e também a questão da força de trabalho no SUS, da fixação de profissionais. Com o Programa Mais Médicos, que foi talvez o maior avanço deste governo e foi apoiado integralmente pelo Cona- sems, muitos municípios no Brasil que não tinham médicos um dia na semana sequer, com o Mais Médicos passaram a ter 24 horas por dia, residindo nesse município. Esse é talvez o maior desafio que teremos: dar continuidade a esse avanço, para assim pensar que nossos indicadores irão melhorar. Não podemos esquecer que, no dia 31 de dezembro, encerra-se o prazo para alcançarmos os objetivos do milênio e vamos entrar o ano que vem no grande desafio mundial que é o desafio do desenvolvimento sustentável. Em relação aos objetivos do 23 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação (RH), ou seja, duas décadas e meia decorridas da criação do sistema e nós não temos definições dentro do SUS sobre a política de RH. Não havendo uma, cada estado, cada município e a União criam o seu próprio modelo. Boa parte dos estados e a grande maioria dos municípios não têm sequer Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração (PCCR). Alguns estados têm plano estabelecido, mas longe de contemplar o que é a necessidade dos profissionais da área de saúde. E mesmo naqueles em que existe um plano e nos outros em que não há, existe um viés extremamente preocupante que corresponde a uma parte chamada de “regime precário” que representa um número significativo de trabalhadores do SUS que não faz parte do quadro integrante de cada SES ou SMS. Deve haver no mínimo uma dezena de projetos em tramitação na Câmara Federal que trata de RH no SUS. Alguns indicam uma ou outra determinada pro- fissão: enfermeiros, médicos, psicólogos e da área de nível médio (técnicos), e outros tentam tratar globalmente disso. Acredito que se nós conseguirmos equacionar e resolver o problema do financiamento e o problema da gestão, teremos de fazer o mesmo com a área de RH, porque o que tínhamos até uma década atrás era uma grande deficiência de profissionais. Ocorreu no país inteiro, uma proliferação de cursos, tanto de nível médio como superior, e hoje na maioria das categorias profissionais nós temos profissionais à disposição para trabalhar à exceção dos profissionais médicos que, embora as entidades médicas trabalhem com a ideia de que existem médi- cos em quantidade suficiente no país, quem é gestor de saúde sabe que eles não existem em quantidade suficiente, principalmente médicos especialistas. Antes do Mais Médicos, quando se perguntava a um gestor municipal que mencionasse três problemas na área da gestão dele, um dos três era a falta de médicos. Com o Mais Médicos melhorou, mas só na APS. O gestor municipal que tem Média e Alta Complexidade continua respondendo da mesma forma. Os gestores estaduais respondem da mesma forma: a grande dificuldade de co- locar em funcionamento os ambulatórios especializados e as unidades hospita- lares, incluindo as de urgência como Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), da MAC e os Prontos-Socorros. Ora, o setor de saúde, quer seja estadual ou municipal, não forma médi- cos. Agora, tem sido feita uma parceria entre o MS e o MEC, na tentativa de regular a formação de médicos e, com isso, tentar chegar daqui a uns anos em um número de médicos suficiente e necessário para ocupação dos postos que temos no SUS, mas isso é uma política de médio e longo prazo porque um jovem que entrou hoje na faculdade de medicina até chegar ao mercado de 24 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação trabalho especializado deverá demorar alguns anos. É preciso ser feito o reco- nhecimento desse déficit e se buscar uma solução intermediária para que não tenhamos de dizer para a população que o profissional só vai chegar daqui a 10 anos. Isso não é justo, não é correto e nem ético. Antônio Carlos Nardi - A força de trabalho no SUS tem dois processos e nós temos de quebrar a centralização do modelo medicalizado, de falar que a saúde pública e que o sistema de saúde só gira em torno do profissional médi- co. Nós temos de aprender a trabalhar as equipes multiprofissionais, por isso falei da importância dos Nasf, da importância de termos programas voltados à prevenção e à promoção e profissionais aptos para isso. Acho que a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) trouxe para nós - e isso foi grande avanço desse governo - um pouco dessa importância. Quando falamos de força de trabalho, trata-se da interligação entre o serviço e a aca- demia. Ora, quem está se formando precisa saber para que está se formando. Temos de valorizar os programas como o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pro-Saúde) e o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (Pet-Saúde). Esse é um desafio, mas o desafio maior ainda é ofertar e fixar profissionais em todos os municípios do Brasil, tirando das capitais e das regiões metropoli- tanas ou dos belos municípios com bons Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) e boa renda per capita o atrativo desses profissionais. Para isso temos de falar em carreira no SUS, mas não em uma carreira federal do SUS. O Conasems é absolutamente contrário a isso. Temos de falar em Planos de Cargos, Carrei- ras e Salários dignos com condições de trabalho, de remuneração para esses profissionais. Há também a questão do serviço civil obrigatório para os cursos da área de saúde, não só para os cursos de medicina. Ninguém está falando que é para esse profissional recém-formado em universidades públicas federais ou esta- duais atuarem de graça. Estamos falando de atuar no SUS recebendo o salário que os profissionais do sistema ganham, atuando em tempo mínimo para, des- sa forma, equilibrar a necessidade do serviço e acabar com os vazios assisten- ciais. E é claro, falar também da MAC. Hoje nós não temos profissionais de reu- matologia, de neonatologia, intensivistas etc. Do que adianta nós falarmos que temos um déficit de UTIs no país se não temos intensivistas para tocar essas UTIs? Nós vamos formar elefante branco para depois passar nos jornais que os aparelhos estão abandonados e a obra largada porque não tem ninguém que os opere? De que adianta construir e equipar se eu não tenho ninguém apto para manejar o aparelho? Isso é um problema grave de força de trabalho. 25 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação Aí vem agora o corporativismo nos falar que tem médico suficiente para tocar o Brasil? Não tem! Nós sabemos dessa realidade e acho que é isso que temos de fazer: o convencimento, não só do Ministério da Saúde, mas também do MEC, para trabalhar na Comissão Nacional de Residência Médica esse forta- lecimento, esse olhar para a realidade e as necessidades do país e não apenas as questões de classe de categoria profissional. No ano de 2014, a saúde viu-se diante de novos desafios com o surgi- mento de doenças até então nunca ocorridas no Brasil, como o caso da Febre do Chikungunya e o ressurgimento da epidemia do Ebola. Como o SUS tem se preparado para enfrentar o surgimento dessas novas epidemias? Arthur Chioro - As atividades desenvolvidas pelo Ministério da Saúde para o controle da dengue e da Chikungunya são resultados de um conjunto de ações com as secretarias de saúde e profissionais. Dispomos de um Plano de Preparação e Resposta para Emergências de Saúde Pública que vem sendo utilizado para o monitoramento dos grandes eventos de massa que tivemos em 2013 e 2014. Ativamos nosso Centro de Operações de Emergências em Saúde para acompanhar a situação epidemiológica do surto, o que nos permite rea- lizar cuidadosa avaliação de risco, além da adoção de medidas adequadas à proteção do nosso país. O reconhecimento do organismo internacional é resultado de ação articu- lada do Ministério da Saúde com as secretarias de saúde do estado do Paraná e do município de Cascavel/PR. Desde a notificação do caso suspeito, todas as equipes envolvidas se mostraram preparadas. Foram adotadas as medidas de isolamento do paciente, bem como para rastreamento e posterior monitora- mento de todas as pessoas que tiveram contatos com ele, com o objetivo de interromper uma possível cadeia de transmissão do vírus. Wilson Duarte Alecrim - É preciso dizer que, de todos os segmentos que trabalham na implantação do SUS, o que deu mais trabalho para trazer para a proposta do sistema foi a Vigilância em Saúde e o controle de doenças, mas depois que veio é hoje um dos sistemas mais avançados e organizados que nós temos. Eu fui da época que tínhamos muito enfrentamento com o pessoal da Vigilância e dos programas de controle para que eles se integrassem e fizessem parte do SUS ativamente e não apenas na composição. Mas nos últimos anos o Brasil desenhou um modelo de Vigilância que, dentro de tudo o que temos do SUS, com certeza, se fosse avaliado, receberia uma das melhores avaliações em relação ao desempenho e à oferta do que uma Vigilância pode oferecer à população. 28 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação essa bancada que está deixando o seu mandato a colocar em votação em regime de urgência o PLP do Saúde +10. E nós não estamos pedindo dinheiro só para nós, municípios ou estados, ou mesmo só para a União. Nós estamos pedindo recursos para o sistema, sem ver a bandeira partidária e sim vendo o SUS, vendo a melho- ria do acesso, da qualidade da atenção, da remuneração desses profissionais e o suprimento de tantos vazios assistenciais que são gerados muitas vezes dentro da própria Câmara dos Deputados e do Senado Federal. O CONASS apresentou aos candidatos à Presidência da República uma agenda para a saúde do Brasil, na qual listou 10 temas prioritários para que o SUS de fato se efetive como sistema universal. Em sua opinião, quais são as ações estratégicas que precisam ser efetivadas para que esses temas se tor- nem uma agenda permanente para o SUS? Wilson Duarte Alecrim - O que ocorre a cada eleição presidencial é que o CONASS reúne um grupo técnico altamente competente para fazer uma análise em relação à situação da saúde como política pública no Brasil e formatar uma série de propostas que no nosso ponto de vista são para serem apresentadas aos candidatos e aos coordenadores de campanha para que eles discutam e analisem se aquilo pode ou não fazer parte do conteúdo programático da can- didatura que está dispu-ando a Presidência da República. Na penúltima eleição, nós tivemos mais adesão do que nesta. Nesta, as propostas que CONASS apresentou não entraram no debate da construção dos programas. Eventualmente, em uma ou outra proposta, víamos um candidato falando alguma coisa referente a um item dentro daqueles que nós havíamos proposto. Qual é a nossa preocupação? É que o candidato eleito está livre e descom- promissado dos pontos a não ser daqueles um ou dois que foram veiculados durante a campanha eleitoral. Os demais ficam ao livre arbítrio do presidente ou do ministro. Enquanto isso, a organização do SUS pressupõe decisões que têm de ser discutidas nos colegiados até se chegar à instância tripartite. Acredi- to que o que devemos fazer agora, e vou propor isso na próxima assembleia do CONASS, já que a agenda foi encaminhada a todos os candidatos e não houve nenhuma manifestação, é o encaminhamento formal disso ao Conselho Nacio- nal de Saúde (CNS). Vamos encaminhar formalmente a agenda para a saúde do Brasil ao CNS para que a submetam a uma análise e nos indiquem se existe uma forma de colocar isso em discussão como um documento originário do CONASS. Antônio Carlos Nardi - Acho que a agenda proposta pelo CONASS e a Carta do Conasems de Serra (2014), de Brasília (2013) e de Maceió (2012) se fundem 29 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação porque estamos todos do mesmo lado. Essa agenda tem de ser permanente porque nós militamos para a concretização do SUS e concordamos integralmen- te nessa necessidade. A consolidação de tudo que queremos alcançar no SUS se dará com fi-nanciamento estável, com a consolidação das Redes de Atenção, organizadas nos seus eixos com políticas exequíveis em cada uma delas, e com a força de trabalho suficiente para produzir serviços. Isso vai passar, é claro, por um pacto interfederativo e uma discussão republicana como nós temos feito. Acho que o CONASS, o Conasems e o MS cresceram política e solidariamente nesses anos também e isso foi um ganho para o próprio SUS. No ano que vem, teremos tudo isso desencadeado na nossa 15ª Conferência Nacional de Saúde e espero que nós possamos também fazer novo modelo de conferência, trazendo um controle social diferente do que hoje estamos tendo e, aí sim, discutirmos políticas de saúde para as reais necessidades da população. Qual é a sua mensagem para os novos gestores do SUS que irão assumir em 2015? Arthur Chioro - Quero saudar todos que a partir de 2015 vão compor as equipes estaduais. A beleza do SUS é exatamente essa característica de ser construído por muitos atores, em diferentes territórios, nesse nosso país rico e plural. O papel dos gestores estaduais é central para que possamos avançar en- frentando os principais desafios que ainda temos para a consolidação do SUS. O fortalecimento das regiões de saúde, com redes de atenção mais qualificadas e humanizadas, a qualificação dos processos de regulação, o avanço das ações de promoção e proteção à saúde, a qualificação da atenção básica em todos os municípios só será possível com gestores estaduais comprometidos e que assu- mam com qualidade essa importante tarefa de coordenar e articular o sistema estadual de saúde. Assumam com entusiasmo e compromisso essa tarefa, de- senvolvendo uma forte parceria solidária com os municípios, pois essa união é que permite garantir um SUS equânime, integral e de fato universal. Valorizem o controle social. A participação da população e dos trabalhadores fortalece e qualifica a gestão. Contem com o Ministério da Saúde para avançarmos juntos na direção de um SUS comprometido com a defesa da vida e parte de um gran- de projeto nacional de um país mais justo e solidário. Wilson Duarte Alecrim - A partir de janeiro de 2015, com certeza, tere- mos, na gestão estadual, alterações significativas de gestores na titularidade das pastas das SES. Se os governadores incluírem na sua agenda que um secre- tário estadual de saúde tem de preencher um perfil compatível com o cargo e que esse perfil combine com a decisão técnica e política, teremos certamente melhores resultados, pois isso irá gerar maior compromisso dos gestores. 30 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação O que quero dizer é para que esses novos gestores procurem a busca da solução de seus problemas, por meio da discussão, do debate e do coletivo dentro do CONASS. Acredito que o CONASS está cada vez mais trabalhando nas suas assembleias para que a discussão e o debate estejam permanentemente ocorrendo no sentido de que cada gestor possa compartilhar com os demais gestores planejamentos, execução e solução de problemas. O CONASS tem hoje uma estrutura física de trabalho bem montada, com tecnologia, mas não seria nada se não tivesse a quantidade de técnicos com ex- periência e competência nas mais variadas áreas com as quais nós trabalhamos. Há muitos problemas que parecem sem solução para um gestor, se ele buscar a informação no CONASS, se ele compartilhar a preocupação e o problema dele dentro do CONASS, com certeza irá encontrar um caminho que lhe leve a uma solução e um porto seguro mais rápido do que se ele tentasse sozinho. Que esses novos gestores também se inteirem por completo da luta pela melhoria do financiamento, da gestão e dos RH na área da saúde, tentando sempre olhar aquilo que pode ser feito a curto, médio e longo prazo. Antônio Carlos Nardi - Eu espero que todo novo gestor, independente- mente da esfera de governo que ele ocupe, primeiro se apaixone pelo SUS. A paixão faz que você atue de forma diferenciada e é exatamente essa a nossa mensagem: o sistema é perfeito e as pessoas têm de ser perfeitas e aptas a essa perfeição, a dar continuidade e a executar o sistema. É fazer com olhar técnico, com um olhar crítico, com um olhar de vontade e de fato, com compromisso e comprometimento com a população usuária do SUS. Você não tem de tirar proveito para si, mas sim dar resultado para os outros. 33 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação Uso Racional de medicamentos Silvana Nair Leite Fernanda Manzini 1.1 Introdução O uso racional de medicamentos é um conceito e uma prática chave para atingir a equidade na atenção à saúde (SOARES et al., 2013). Em 1985, em Nairóbi (Quênia), a Organização Mundial de Saúde (OMS) organizou uma Conferencia de expertos sobre uso racional de los medicamentos, cujas deliberações, publicadas em 1986, abrangeram políticas farmacêuticas, comercialização de medicamentos, programas nacionais de medicamentos essenciais, educação e formação, entre outras. Foi definido que para um uso racional é preciso que se receite o medica- mento apropriado, que este esteja disponível e a um preço exequível, que se dis- pense nas condições adequadas e que se tome na dose indicada, nos intervalos e durante o tempo prescritos. O medicamento apropriado será eficaz e de qualidade e inocuidade aceitáveis (WHO, 1986). Os países membros da OMS, como o Brasil, têm formulado políticas que con- templam a questão Uso Racional de Medicamentos (URM), a exemplo da Política Nacional de Medicamentos (PNM) e da Política Nacional de Assistência Farmacêu- tica (PNAF). A Política Nacional de Medicamentos, elaborada em 1998, como parte es- sencial da Política Nacional de Saúde, tem por objetivo a garantia da necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais. A Política estabelece al- gumas prioridades, entre elas, a promoção do URM por meio de campanhas edu- cativas, do registro e uso de medicamentos genéricos, da farmacoepidemiologia e farmacovigilância, e capacitação de recursos humanos (BRASIL, 1998). A Política Nacional de Assistência Farmacêutica, elaborada em 2004, é parte integrante da Política Nacional de Saúde, envolvendo um conjunto de ações vol- tadas à promoção, proteção e recuperação da saúde e garantindo os princípios da universalidade, integralidade e equidade. Segundo instuído na PNAF, a Assistência Farmacêutica trata de um conjunto de ações voltadas à promoção, proteção e re- cuperação da saúde, tanto individual como coletivo, tendo o medicamento como insumo essencial e visando o acesso e o seu uso racional (BRASIL, 2004). A PNAF tem estabelecido, entre seus eixos estratégicos, a promoção do uso racional de medicamentos, por intermédio de ações que disciplinem a prescrição, a dispensação e o consumo. CAPÍTULO 1 Uso Racional de medicamentos 34 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação Após a Conferência de Nairóbi, a OMS vem desenvolvendo algumas estraté- gias para promover o URM. Entre essas estratégias, destacam-se os cursos para formação de multiplicadores do ensino para o URM, realizados no Brasil, e a rea- lização de Congressos sobre Uso Racional de Medicamentos, que, até 2014, teve cinco edições (SHUHMACHER, 2013). Além disso, a OMS estabeleceu doze estratégias que os países mem- bros devem desenvolver para a promoção do URM em seus territórios (WHO, 2002): 1. Estabelecimento de um Comitê nacional atuante, de forma multidiscipli- nar para coordenar as políticas de URM; 2. Diretrizes clínicas para orientar as práticas de saúde e os tratamentos; 3. Listas de medicamentos essenciais; 4. Comitês de Farmácia e Terapêutica em instituições e em instâncias de gestão publica; 5. Capacitação em Farmacoterapia, baseada em problemas em cursos de graduação da área da saúde; 6. Educação médica continuada em serviço, como requisito para registro profissional; 7. Supervisão, auditoria e retroalimentação de dados sobre o uso de medi- camentos; 8. Disponibilização ampla de informação fidedigna e isenta sobre medica- mentos; 9. Educação dos usuários sobre medicamentos; 10. Não permissão a incentivos perversos de uso indiscriminado de medica- mentos (como propaganda); 11. Regulamentação e fiscalização apropriadas e eficientes; e 12. Gasto governamental suficiente para assegurar disponibilidade de medi- camentos e infraestrutura de serviços. Essas 12 estratégias recomendadas deixam bastante claro que o URM acon- tece ou não devido a uma conjuntura de fatores, a maioria deles relacionados à política de saúde, aos investimentos públicos, à estruturação e qualificação dos serviços, ao preparo técnico e ético dos profissionais de saúde, especialmente os prescritores. Soares e colaboradores (2013) chamam a atenção para o fato de que, apesar de o termo “uso” parecer relacionar-se ao usuário, o próprio conceito geral de URM da OMS (antes descrito) expressa muitas ações extrínsecas aos usuários dos medicamentos, como a prescrição adequada, por exemplo. As ações preconi- zadas compreendem tecnologias produtivas e sociais que estão relacionadas aos CAPÍTULO 1 Uso Racional de medicamentos 35 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação resultados, como a efetividade dos medicamentos e a cura das doenças – que é multideterminada. O uso racional, portanto, é uma prática dos provedores dos serviços, expressa no processo de cuidado de saúde como um fenômeno social, no contexto específico de um determinado sistema de saúde (SOARES et al., 2013). No entanto, é muito comum o entendimento simplista e pouco responsável de que promover o URM limita-se a educar o usuário e convencê-lo a aderir às prescrições ou a não utilizar medicamentos sem prescrição. Segundo Diehl e Langdon (2011), este entendimento de promoção de URM é, normalmente, tratado pelos serviços de saúde como forma de culpabilizar o usuário, taxando-o de “irracional”. As autoras defendem que o termo “irracional” tem um efeito significativo sobre os estudantes e os profissionais da área da saú- de, pois reforça a ideia de que somente o conhecimento científico-biomédico é válido, é “racional”. No entanto, o que é “racional” está relacionado com as formas de en- tendimento, pelo uso da “razão”, e isso se diferencia conforme acredita ser o certo, a verdade. Cada pessoa ou cada grupo social baseia-se em suas expe- riências da realidade concreta e em suas crenças para definir o que é ou não a verdade – impactando, diretamente, sobre o que é considerado racional quando o tema é uso de medicamentos (SANTOS; LEITE, 2008). Portanto, podemos pensar em diversas “racionalidades”, e uma delas é a que se baseia em evidências produzidas por métodos cientificamente aceitos naquele mo- mento (LUZ, 2012). Desse modo, o que é chamado racional na área médica, inclusive o URM, é o paradigma científico atual. E isso não significa que ou- tras racionalidades, outras formas de entender o mundo e explicar os pro- cessos saúde-doença-tratamento não tenham algum fundamento, ou sejam, necessariamente, errôneos. Os farmacêuticos precisam estar atentos a essas interpretações e a es- ses usos do conceito de URM, de forma a desenvolver projetos e ações real- mente capazes de melhorar o emprego dos medicamentos e dos recursos financeiros. O importante, afinal, não é nominar uma forma de compreender ou explicar uma doença ou um tratamento, mas, sim, garantir que o cuidado resulte em melhores condições de saúde para as pessoas – isso é “racional”. Conhecer e aplicar as estratégias que o Brasil adota, visando o URM, é funda- mental na consolidação do papel do profissional e da assistência farmacêuti- ca no contexto da política de saúde. No Brasil, o conceito de URM, já inserido na PNM de 1998, ganhou no- toriedade nos anos 2000, com iniciativas capitaneadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), como os cursos para formar preceptores para Educação do URM, para residências médicas e formação de profissionais de CAPÍTULO 1 Uso Racional de medicamentos 38 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação pela Lei nº 12.401/2011, sendo a forma de condução dos trabalhos estabelecida no Decreto nº 7.646/2011 e Portaria GM/MS nº 204/2012. Com a constituição da CONITEC, estabeleceu-se uma nova forma de condução do processo de seleção dos medicamentos no âmbito federal. A comissão possui representatividade de seis órgãos, sendo constituída por doze membros: sete do Ministério da Saúde, um da Agência Nacional de Saú- de (ANS), um da Anvisa, um do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), um do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CO- NASEMS) e um do Conselho Federal de Medicina (CFM). Sendo o modelo de financiamento da assistência farmacêutica tripartite, é relevante destacar a importância da representação dos níveis estadual e municipal de gestão na comissão, embora, ainda, de forma não paritária, pois o nível federal tem ampla maioria. A CONITEC poderá solicitar à Secretaria de Ciência, Tecnolo- gia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde a realização e contratação de pesquisas e estudos para subsidiar o processo de seleção. A legislação recém-publicada modificou o processo de seleção no nível fede- ral, com a extinção da Comissão Técnica e Multidisciplinar de Atualização da RE- NAME (COMARE) e estabelecimento da CONITEC e de uma Política de Avaliação de Tecnologia em Saúde. A COMARE, instituída pela Portaria nº 1.254, de 29 de julho de 2005, tinha por finalidade realizar avaliação sistemática da relação dos medica- mentos e demais produtos farmacêuticos constantes da RENAME, além de indicar as alterações necessárias, com o propósito de selecionar aqueles mais adequados para atender as necessidades de assistência à saúde da maioria da população e contava com a participação de universidades, sociedades científicas e entidades profissionais (BRASIL, 2005). Até o momento, não existem definições jurídicas ou políticas do Ministério da Saúde, CONASS e CONASEMS quanto à forma de funcionamento das Comissões de Farmácia e Terapêutica (CFT) estaduais e municipais. No entanto, diversos es- tados e municípios possuem portarias que regulamentam suas CFT. Cada estado deve adotar uma Relação Estadual de Medicamentos Essenciais (RESME) e cada município, uma Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (REMUME). As listas devem ser elaboradas com base na RENAME, levando em consideração as características populacionais, epidemiológica, de oferta de serviços do local e da complexidade do atendimento fornecido, bem como devem ser atualizadas perio- dicamente, aprovadas nos respectivos Conselhos de Saúde e pactuadas nas CIB. É importante que a definição da lista de medicamentos a ser adotada ocorra de forma embasada em evidências e que conte com a participação do maior número de representatividade de profissionais dos serviços. Além das contribuições técnicas para a tomada de decisão sobre incorporações e exclusões de medicamentos na lista, a participação promove legitimidade da lista junto aos CAPÍTULO 1 Uso Racional de medicamentos 39 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação demais profissionais dos serviços de saúde – o que soma para a capacidade de fazer da padronização uma prática nos serviços, de forma sustentável e incorporada na prática de prescrição e uso de medicamentos na sociedade (MENDES, 2013). 1.4 Formulário Terapêutico O formulário terapêutico tem por objetivo orientar as escolhas terapêuticas para o uso de medicamentos e deve apresentar informações embasadas em evi- dências científicas, como indicação, contraindicação, precauções, efeitos adver- sos, interações medicamentosas, armazenamento e orientações específicas dire- cionadas aos profissionais de saúde. De acordo com a OMS, o desenvolvimento de formulários nacionais de me- dicamentos implica decisão política e de saúde pública, constituindo um esforço direcionado a promover o uso racional de medicamentos essenciais. A OMS lançou, em 2002, o WHO Model Formulary (WMF), tendo como ob- jetivo a promoção da informação geral e específica sobre o que consta na lista de medicamentos essenciais da OMS. A última edição foi lançada em 2008, baseado na 15ª lista de medicamentos, publicada em 2007. Em 2010, foi lançado o WHO Model Formulary for Children (WMFC), baseado na 2ª lista de medicamentos es- senciais para crianças, publicada em 2009. Para saber mais, consulte os documentos indicados: WHO Model Formulary for Children (WMFC) – 2010. Disponível em: <http://apps.who.int/medicinedocs/en/m/abstract/Js17151e/> WHO Model Formulary (WMF) – 2008. Disponível em: <http://apps.who.int/medicinedocs/en/m/abstract/Js16879e/> Praticamente todos os países com política nacional de uso de medicamentos possuem um formulário terapêutico. O primeiro Formulário Terapêutico Nacional do Brasil foi publicado em 2008, com base na RENAME 2006 (4ª edição), e a 2ª edição foi publicada em 2010, relacionado à RENAME 2010 (7ª edição). Os estados, municípios ou até mesmo alguns serviços mais específicos po- dem lançar um formulário terapêutico baseado na lista de medicamentos adota- da. O formulário orienta os profissionais de saúde e é uma ferramenta de consulta rápida sobre medicamentos, importante na promoção do URM. 1.5 Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas Os protocolos de tratamento disponibilizam as informações essenciais de como manejar as patologias, e são, particularmente, importantes quan- do abordam enfermidades tratadas de maneira muito variada, possibilitando CAPÍTULO 1 Uso Racional de medicamentos 40 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação a minimização da variabilidade da prescrição de medicamentos. Devem ser elaborados fundamentados na melhor evidência em saúde, e são de grande importância na gestão dos medicamentos no SUS, pois harmonizam condu- tas terapêuticas e facilitam o acesso aos medicamentos. Além disso, segundo Wannmacher (2006), os protocolos possibilitam: a disseminação da informa- ção sobre o tratamento a ser preconizado ao usuário; a redução dos riscos de ocorrência de indicações não adequadas, de períodos de tratamento in- corretos, doses mal utilizadas; bem como, alertam sobre a possibilidade de ocorrência de reações adversas a medicamentos. Na assistência farmacêutica, são objetivos dos protocolos (CFF, 2011): Estabelecer critérios de diagnóstico de cada doença, o tratamento preconiza- do com os medicamentos disponíveis nas respectivas doses corretas, os mecanis- mos de controle, o acompanhamento e a verificação de resultados; • Promover o uso racional de medicamentos; • Criar mecanismos para a garantia da prescrição segura e eficaz; • Garantir o acesso da população aos medicamentos; • Fornecer subsídios para a implementação de serviços voltados para a prática de um modelo de atendimento clínico ao usuário e a gestão dos medicamentos; • Padronizar condutas terapêuticas; e • Reduzir a incidência de reações adversas aos medicamentos. É importante lembrar que os protocolos são, antes de mais nada, uma estratégia de proteção ao usuário de medicamentos, estabelecendo quais as condições em que o uso dos medicamentos apresenta mais benefícios para o usuário, e quando os riscos contraindicam a exposição do usuário ao medicamento. Como consequência, surgem os impactos sobre o plane- jamento e a organização da assistência farmacêutica e, por isso, muitas ve- zes, os protocolos são entendidos como estratégias com finalidade específica para o controle logístico e financeiro da assistência farmacêutica – o que constitui um desvio conceitual e ético. O atual Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, estabelecido pela Portaria GM/MS nº 2.981, de 26 de novembro de 2009 (atualmente regido pela Portaria GM/MS nº 1.554, de 30 de julho de 2013), antigamente denominado Medicamentos do componente de dispensação excepcional, baseia-se em Proto- colos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), publicados por meio de portarias específicas (BRASIL, 2009b). Os PCDT definem os critérios de tratamento e quais medicamentos são utili- zados para uma determinada doença contemplada pelo Componente. CAPÍTULO 1 Uso Racional de medicamentos 43 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação de um medicamento (como em casos de intoxicação). Sendo um manancial de informações confiáveis, esses centros também têm sido demandados a subsidiar as argumentações para as disputas judiciais por medicamentos. No Brasil, existem diversos Centros e Serviços de Informação sobre Medica- mentos, localizados em faculdades de farmácia, conselhos ou hospitais, formando uma rede de cooperação denominada Sistema Brasileiro de Informação sobre Me- dicamentos (SISMED). Em 2010, foi fundada a Rede Brasileira de Centros e Servi- ços de Informação sobre Medicamentos (REBRACIM). A rede tem como objetivo coordenar e executar serviços e atividades voltados à produção e difusão de infor- mação sobre medicamentos, visando o uso racional dessas tecnologias no âmbito do SUS. Essas entidades buscam fomentar o desenvolvimento e atingir maior nú- mero e maior atuação dos centros. Segundo Vidotti e colaboradores (2000), os CIM são diferentes das bibliote- cas e dos centros de documentação, pois não disponibilizam apenas documentos ou referências bibliográficas, mas oferecem soluções para problemas concretos sobre medicamentos ou para uma situação clínica de um paciente. O Centro Brasileiro de Informação sobre Medicamentos do Conselho Federal de Farmácia (CEBRIM/CFF) foi instituído por meio da Resolução CFF nº 285, de 22 de março de 1996, e oferece o serviço de informações sobre medicamentos, fun- damentadas nas melhores evidências científicas, como suporte aos profissionais da saúde no Brasil, visando à promoção de práticas terapêuticas seguras, eficazes e de melhor custo-benefício para a sociedade. O CEBRIM publica o boletim Far- macoterapêutica (editado desde 1996), bem como notas técnicas e alertas em farmacovigilância em sua página na internet (CFF, s.d.). De acordo com Oliveira e colaboradores (2011), a contribuição dos CIM nos estados, para a promoção do URM, participando e desenvolvendo ações nos vá- rios níveis de gestão do SUS, busca a garantia da perenidade ao trabalho de quali- ficação dos serviços assistenciais, buscando também segurança, eficácia e efetivi- dade das ações de saúde, em particular quanto ao uso dos medicamentos. 1.8 Farmacovigilância Uma das ações para promoção do URM é a notificação relacionada ao uso de medicamentos, entre as demais ações de farmacovigilância. Para a OMS, a farmacovigilância é uma ciência que envolve atividades relativas à identificação, avaliação, compreensão e prevenção de efeitos adversos ou qualquer problema possível relacionado com fármacos. Esse campo de atividade tem se expandindo e, recentemente, incluiu novos elementos de observação e estudo, como plantas medicinais, produtos para a saúde, terapias alternativas e vacinas. Comumente, entende-se a farmacovigilância como a ação de vigilância de reações adversas a CAPÍTULO 1 Uso Racional de medicamentos 44 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação medicamentos, mas outras questões são igualmente importantes e fazem parte da farmacovigilância, como: os desvios de qualidade dos produtos; o uso de fár- macos para indicações não aprovadas; a notificação de intoxicações acidentais ou não acidentais; as interações dos medicamentos entre si ou com outras substân- cias (WHO, 2002). Cabe ao prescritor, ao farmacêutico, aos demais profissionais de saúde, bem com ao usuário registrar a notificação de suspeitas de reações adversas e de quei- xa técnica/desvios de qualidade dos medicamentos. O Sistema Nacional de Notificações para a Vigilância Sanitária (NOTIVISA) é o sistema de informação que visa fortalecer a vigilância pós-uso/pós-comercia- lização, por meio do monitoramento de eventos adversos e de queixas técnicas associados aos produtos para saúde, como os medicamentos e derivados do san- gue. Para o sistema, é considerado evento adverso o que causou dano à saúde. Se, até o momento da notificação, o problema observado no produto ainda não tiver causado nenhum dano à saúde, este deverá ser notificado como queixa técnica. O NOTIVISA tem considerado evento adverso não apenas àquele associado ao uso de algum medicamento, mas também: inefetividade terapêutica de algum medicamento; erro de medicação que tenha causado dano à saúde; evento ad- verso decorrente do uso de um produto cosmético; evento adverso decorrente do uso de um produto saneante. Como queixa técnica, o sistema considera: produto com suspeita de desvio da qualidade; produto com suspeita de estar sem registro; suspeita de produto falsificado; suspeita de empresa sem autorização de funcionamento (AFE). Podem utilizar o NOTIVISA os profissionais de serviços de saúde (hospitais, clínicas, hemocentros, laboratórios, CIAT, dentre outros), Anvisa, vigilâncias sani- tárias estaduais e municipais, secretarias estaduais e municipais de saúde, labora- tórios de saúde pública, universidades/centros de pesquisa, além dos profissionais que atuam em drogarias e farmácias e em empresas detentoras de registro de produtos sob vigilância sanitária (fabricantes, importadores e distribuidores) e os profissionais de saúde liberais. Para acessar o Sistema, é preciso se cadastrar de acordo com a categoria do notificante. Por exemplo, profissional liberal deve se cadastrar como profissio- nal de saúde, mas se for um profissional vinculado a alguma instituição/empresa, deve ser providenciado o cadastro institucional. Segundo Arrais, Sousa e Zannin (2011), a sensibilização dos profissionais de saúde para a notificação voluntária é um fator importante para o sucesso de um programa de farmacovigilância e, portanto, para a garantia da segurança no uso dos medicamentos. O farmacêutico tem um papel decisivo nesse sentido e deve mobilizar os demais profissionais de saúde e os usuários para a notificação de ca- CAPÍTULO 1 Uso Racional de medicamentos 45 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação sos suspeitos. Cabe à vigilância a garantia de resposta aos casos notificados, pois a devolutiva acerca da investigação proveniente da notificação constitui-se respeito ao profissional e estímulo para a realização de outras notificações. É notável que as notificações realizadas estão gerando investigações que, por vezes, levam à alteração de formulação, posologia, rotulagem e até mesmo suspensão de uso e cancelamento de registro de medicamentos. E isso só está acontecendo porque um caso suspeito foi identificado e notificado, gerando a demanda por investigação e monitoramento da qualidade e da segurança no uso de medicamentos. REFERÊNCIAS ARRAIS, P. S. D.; SOUSA, I. F.; ZANNIN, M. Farmacovigilância. In: Serviços farmacêuticos [Re- curso eletrônico] / Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Aberta do SUS. Flo- rianópolis: UFSC, 2011. BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 3.916, de 30 de outubro de 1998. Aprova a Política Nacional de Medicamentos. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 10 nov. 1998. s. 1, n. 215-E, p. 18. BRASIL. Ministério da Saúde. Resolução CNS nº 338, de 06 de maio de 2004. Aprova a Política Nacional de Assistência Farmacêutica. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 mai. 2004. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.254, de 29 de julho de 2005. Constitui Comissão Técnica e Multidisciplinar de Atualização da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – Comare. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 146, 1 ago. 2005. Seção 1, p 73. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. De- partamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Assistência farmacêutica na atenção básica: instruções técnicas para sua organização. 2. ed. – Brasília: Ministério da Saúde, 2006. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.533, de 8 de julho de 2009. Institui o Prêmio Na- cional de Incentivo à Promoção do Uso Racional de Medicamentos, cujo objetivo é incenti- var a produção técnico-científica voltada à promoção do uso racional de medicamentos com aplicação no Sistema Único de Saúde (SUS). Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/gm/2009/prt1533_08_07_2009.html>. Acesso em: 05 jul. 2013. 2009a. BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 2.981, de 26 de novembro de 2009. Aprova o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 36, 24 fev. 2010. Seção 1. 2009b. BRASIL. Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 81, 29 abr. 2011. Seção 1, p 1-2. 2011a. BRASIL. Ministério da Saúde. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 123, 29 jun. 2011. Seção 1, p 1-3. 2011b. CAPÍTULO 1 Uso Racional de medicamentos Capítulo 2 Estruturação da assistência farmacêutica 53 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação Algumas ações vêm sendo desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, pelos es- tados e municípios, visando à estruturação da área, incluindo a qualificação dos profissionais. Desde meados da década de 2000, o Ministério da Saúde vem pro- movendo cursos de especialização para farmacêuticos do SUS. Entre 2011 e 2014, foram ofertadas quase 4.000 vagas para especialização em Gestão da Assistência Farmacêutica (por meio da UNASUS/UFSC), e mais de 1.000 vagas para qualifi- cação de farmacêuticos para a atenção primária em saúde (em parceria com a UFRGS). As publicações pelo CFF das Experiências Exitosas de Farmacêuticos no SUS revelam o desenvolvimento da atuação desta categoria nos serviços, gerando importantes impactos para a população. Reforçando a importância da estruturação da assistência farmacêutica, em janeiro de 2008, o Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CO- NASEMS) assinaram Nota Técnica Conjunta (NT), que trata da qualificação da as- sistência farmacêutica. Nesse documento, reforça-se a ideia de que o acesso, no contexto do uso racional e seguro, não pode estar restrito ao medicamento, e que deve ocorrer por meio da articulação das ações inseridas na assistência farma- cêutica e envolvendo, ao mesmo tempo, o acesso a todo conjunto de ações de atenção à saúde, com serviços qualificados (BRASIL, 2008a), reforçando a atuação multiprofissional na área. A NT ressalta também que, para construir o real significado da assistência far- macêutica e sua inserção na atenção à saúde, os gestores do SUS devem ter com- promissos sérios com a estruturação e qualificação dos serviços farmacêuticos e reconhecer sua necessária articulação multiprofissional e intersetorial. 2.2 Financiamento dos serviços de assistência farmacêutica As ações relacionadas à aquisição e distribuição de medicamentos consolida- ram-se como foco e limite das atividades relacionadas aos medicamentos, reforçan- do o fazer logístico da assistência farmacêutica (BRASIL, 2009a). A mudança de rumo da assistência farmacêutica se faz necessária para que esta esteja articulada ao con- junto das ações de saúde, visando promover a garantia do acesso aos medicamentos com o seu uso racional, tendo o usuário como foco principal de seus serviços. Embora já existisse o incentivo da assistência farmacêutica na Atenção Básica (IAFAB), o bloco de financiamento da assistência farmacêutica só foi estabelecido com o Pacto pela Saúde, em 2006 (BRASIL, 2006), com a definição dos três com- ponentes: Componente Básico da Assistência Farmacêutica; Componente Estraté- gico da Assistência Farmacêutica; e Componente Especializado da Assistência Far- macêutica. Nesse bloco são estabelecidos os recursos para garantir o custeio e o fornecimento dos medicamentos e insumos essenciais destinados ao atendimento dos usuários, conforme especificidade de cada um dos Componentes. CAPÍTULO 2 Estruturação da assistência farmacêutica 54 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação Até o ano de 2010, o financiamento da assistência farmacêutica, normatiza- do pelas portarias dos Componentes Básico e Especializado, estava destinado à aquisição dos medicamentos. O município recebia o recurso tripartite para aquisi- ção dos medicamentos, mas não recebia recurso para estruturar as farmácias com condições adequadas de armazenamento e dispensação. Com a publicação da Portaria GM/MS nº 4.217/2010, que aprova as normas de financiamento e execução do Componente Básico da Assistência Farmacêu- tica, foi estabelecida a possibilidade de utilização anual de até 15% (quinze por cento) da soma dos valores dos recursos financeiros provenientes do estado e do município, para atividades destinadas à adequação de espaço físico das farmácias do SUS relacionadas à atenção básica, à aquisição de equipamentos e mobiliário destinados ao suporte das ações de assistência farmacêutica, e à realização de atividades vinculadas à educação continuada, voltada à qualificação dos recursos humanos da assistência farmacêutica na atenção básica, sendo vedada a utilização dos recursos federais para esta finalidade (BRASIL, 2010). No entanto, é de conhecimento que muitos municípios utilizam recursos su- periores ao estabelecido na Portaria GM/MS nº 4.217/2010 para a aquisição dos medicamentos, não tendo, com isso, a possibilidade de utilização dos 15% para estruturação dos serviços, conforme previsto na referida Portaria. Como não foi criado recurso novo, nem sempre os municípios são beneficiados com essa pos- sibilidade de uso. Quando há recurso disponível, este pode ser aplicado na ade- quação de espaço físico das farmácias do SUS, nos municípios; na aquisição de equipamentos e mobiliário destinados ao suporte das ações de assistência farma- cêutica; e na realização de atividades vinculadas à educação continuada, voltada à qualificação dos recursos humanos da assistência farmacêutica na atenção básica. Nesse sentido, é importante que o farmacêutico esteja atento às possibilida- des de financiamento da gestão pública – cenário onde a assistência farmacêutica, efetivamente, se concretiza, para além da questão específica do recurso para aqui- sição de medicamentos. O Bloco de Financiamento para a Gestão do SUS, um dos blocos estabele- cidos no Pacto de Gestão, tem a finalidade de apoiar a implementação de ações e serviços que contribuam para a organização e eficiência do sistema, e é cons- tituído de dois componentes: o Componente para a Qualificação da Gestão do SUS e o Componente para a Implantação de Ações e Serviços de Saúde. Segundo estabelecido na Portaria GM/MS nº 204/2007, o Componente para a Qualificação da Gestão do SUS apoiará as ações, incluindo a Estruturação de serviços e organi- zação de ações de assistência farmacêutica (BRASIL, 2007). A estruturação da assistência farmacêutica é de responsabilidade das três esferas de governo, não devendo ficar limitada somente aos incentivos providos pela União. Cabe aos estados e municípios estabelecerem o desenvolvimento de CAPÍTULO 2 Estruturação da assistência farmacêutica 55 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação ações e definir a destinação de recursos para o fortalecimento da assistência far- macêutica, como já é feito em alguns locais com a destinação para aquisição de medicamentos além do estabelecido na legislação. Para isso, é preciso que a assis- tência farmacêutica seja reconhecida como parte integrante da Política de Saúde, que os gestores sejam sensibilizados quanto às necessidades da área e que os farmacêuticos estejam atentos às possibilidades e aos mecanismos de destinação dos recursos existentes. 2.3 Reorganização das farmácias no âmbito do sistema de saúde Araújo e Freitas (2006), em estudo realizado no início dos anos 2000 em far- mácias de 35 unidades de saúde de um município de grande porte do estado de São Paulo, identificaram que as farmácias ocupavam, em geral, um espaço de cer- ca de 20 m2, estavam estruturadas como local de armazenamento e a dispensação dos medicamentos era feita por uma abertura na divisória que separava o ambien- te da farmácia daquele destinado ao usuário. Segundo os autores, a predominân- cia dessas características independia de ser a estrutura da unidade antiga, nova ou reformada, devendo-se, provavelmente, ao fato de proporcionarem entrega rápida e quase impessoal do medicamento. Infelizmente, a situação descrita no estudo de Araújo e Freitas (2006) não é exclusiva do município pesquisado. Muitas das farmácias das unidades de saúde do país estão estruturadas de maneira inadequada, não proporcionando sequer a garantia da integridade física e química dos medicamentos, quanto menos um espaço adequado para atendimento do usuário. Por outro lado, um estudo realizado pelo CRF de Santa Catarina, em unidades de saúde do estado, revelou que aquelas que contam com farmacêuticos responsáveis ofereciam melhores condições físicas e operacionais para dispensação segura de medica- mentos (44%), se comparadas com as unidades que não tinham farmacêuticos (9%) (LEITE et al., 2014). É preciso que a farmácia seja reconhecida como um espaço de atendimento terapêutico ao usuário, baseado na lógica da humani- zação, com o desenvolvimento de atividades de educação em saúde, e não só como um local destinado a depósito e entrega de medicamentos. O trabalhador que ali atua deve ter boas condições para desempenhar as suas funções. As far- mácias das unidades de saúde devem dispor de infraestrutura física, recursos humanos e materiais que permitam a integração dos serviços e o desenvolvi- mento das ações de assistência farmacêutica de forma integral e eficiente, ga- rantindo, a qualidade dos medicamentos, o atendimento humanizado e a efeti- va implementação de ações capazes de promover a melhoria das condições de assistência à saúde (BRASIL, 2009a). Documento do Ministério da Saúde, do ano de 2008, sobre a estrutura física das unidades de saúde, já indicava a necessidade da farmácia dispor CAPÍTULO 2 Estruturação da assistência farmacêutica 58 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação equipamentos necessários para estruturação das Centrais de Abastecimento Far- macêutico e Farmácia no âmbito da atenção básica e manutenção dos serviços farmacêuticos. Maiores informações sobre o QUALIFAR-SUS e as ações dos eixos estruturantes podem ser obtidas no email qualifarsus@saude.gov.br ou na página do Ministério da Saúde. Qualquer que seja a proposta de incentivo, é preciso que o município, o es- tado ou o próprio serviço apresente uma proposta para a aplicação dos recursos a serem disponibilizados, e o farmacêutico deve estar atento às propostas existen- tes para elaborar ou auxiliar na elaboração de projetos visando à obtenção dos recursos. 2.5 Sistemas de informação As informações estão presentes no dia a dia das pessoas e dos serviços de saúde e participam de diversas decisões do nosso cotidiano. Segundo indicado por Ferreira (1999), o fato de ter acesso a determinadas informações não garante que, consequentemente, as decisões e ações desencadeadas serão sempre “acer- tadas” ou estarão “corretas”, uma vez que as informações refletem as concepções, os valores, as intenções, a visão de mundo e outras particularidades daquele que as está utilizando, influenciando diretamente nas decisões tomadas. Ou seja, as informações não são neutras. Ainda segundo a autora, as informações são importantes quando podem contribuir para um processo de reflexão, avaliação e tomada de decisões sobre o enfrentamento de uma determinada situação de saúde, e podem funcionar como um meio para diminuir o grau de incerteza sobre determinada situação de saúde, apoiando o processo de tomada de decisões. Entretanto, o que sustenta essas decisões são os valores, os fundamentos, os pressupostos, a visão de mundo e, particularmente, a concepção de modelo de atenção à saúde daqueles envolvidos no processo de gestão do setor saúde (FERREIRA, 1999). A informação é um dos instrumentos de gestão, mas não a própria gestão. A gestão é feita por pessoas com base nos instrumentos técnicos, políticos e sociais disponibilizados (BARRE- TO; GUIMARÃES, 2010). Todas as informações - sejam as informais e as formais, as qualitativas e/ou as quantitativas - são importantes e devem ser consideradas no processo de con- dução da gestão da assistência farmacêutica. Deve-se utilizar o conjunto delas e saber como cada uma é construída e como deve ser interpretada, e como pode e deve, realmente, contribuir para o reconhecimento da realidade com a qual lida- mos e a qual gerenciamos. CAPÍTULO 2 Estruturação da assistência farmacêutica 59 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação Segundo Boing e Blatt (2011), os sistemas de informação em saúde (SIS) são bancos de dados destinados a fornecer informações e estatísticas de interesse médico hospitalar, médico ambulatorial, medicina pública, medicina investigativa (pesquisa e desenvolvimento). Um SIS deve ser organizado como um instrumento de apoio à gestão de um Sistema de Saúde e deve produzir informações que possi- bilitem: a avaliação de uma determinada situação de saúde; a tomada de decisões sobre as respostas (ações) a serem implementadas; o acompanhamento ou o con- trole da execução (eficiência e eficácia) das ações propostas; a avaliação do im- pacto (efetividade) alcançado sobre a situação de saúde inicial (FERREIRA, 1999). São diversos os SIS no país e muitos estão disponíveis no Departamento de Informática do SUS, o DATASUS, como: Sistema de Informação da Atenção Bási- ca (SIAB); Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC); Sistema de In- formações sobre Mortalidade (SIM); entre outros. Temos alguns SIS relacionados aos medicamentos como o Sistema de Controle Logístico de Medicamentos Antir- retrovirais (SICLOM), o Sistema Farmácia Popular (SIFAP), o Sistema Nacional de Gestão da Assistência Farmacêutica (Hórus), o Sistema Informatizado de Gerencia- mento e Acompanhamento dos Medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (SISMEDEX), entre outros. Muitos estados e municípios desenvolveram seus próprios sistemas de infor- mação e os aperfeiçoaram ao longo do tempo. Destacam-se alguns sistemas de informação que incluem toda a rede de atenção à saúde, integrando prontuários, informações sociais, dispensação de medicamentos, e as informações para geren- ciamento do sistema (estoque, solicitações, demandas reprimidas). Nesse tipo de sistema, o farmacêutico pode utilizá-lo como ferramenta de trabalho interdiscipli- nar, participando e interagindo com a equipe nos projetos terapêuticos, comparti- lhando informações clínicas e decisões com a equipe. O agir em assistência farmacêutica exige do farmacêutico um conhecimento apurado da realidade sanitária e epidemiológica da população. O profissional deve utilizar as informações disponíveis nos sistemas de informação e buscar novas in- formações, quando preciso, para subsidiar a tomada de decisão na assistência farmacêutica, apoiar o planejamento das ações e realizar um acompanhamento sistemático dos resultados da área. Nesse sentido, os sistemas de informação que apoiarão o trabalho na assistência farmacêutica vão além dos relacionados aos medicamentos, como os aqui já citados. Os resultados em assistência farmacêutica devem estar relacionados à melhoria da qualidade de vida da população e não somente ao número de medicamentos dispensados ou adquiridos, por exemplo. A integração dos sistemas utilizados nos serviços e o prontuário eletrônico do paciente é im- portante e têm como objetivo o fortalecimento do trabalho em equipe e a qualificação da assistência, evitando a fragmentação da assistência ao usuá- rio e a lógica de atendimento centrado nas corporações (CECÍLIO; MENDES, CAPÍTULO 2 Estruturação da assistência farmacêutica 60 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação 2004; SCHOUT; NOVAES, 2007; OPAS, 2003). E permite, ainda, que, na far- mácia, o farmacêutico tenha acesso e possa registrar suas intervenções no prontuário do usuário e que os outros profissionais possam acompanhar o uso de medicamentos pelo usuário. Ter um sistema que permita a obtenção e a disponibilização de dados para os gestores a respeito de financiamento, gasto, demanda, consumo e distribuição dos produtos nos diversos níveis de gestão é um fator importante para uma face- ta da gestão, que é a gestão logística, conforme ponderado por Manzini (2013). Sistemas de informação como o Hórus possibilitam que essa informação esteja disponível, em tempo real, ao gestor, auxiliando-o na tomada de decisão, como descrevem Costa e Nascimento Júnior (2012). Contudo, ter um sistema de informação, mesmo que funcione bem, não significa ter uma boa gestão! As informações são importantes para subsidiar a gestão, mas é importante desmistificar a questão da dependência absoluta de sof- tware para uma boa gestão, visto que eles não são a locomotiva da organização de serviços, pois não corrigem eventuais falhas existentes nos processos de trabalho. Por outro lado, esses processos funcionam bem (método e organização), mesmo sem software e funcionam melhor quando tem essa ferramenta (software) de ma- neira complementar. 2.5.1 Hórus - Sistema Nacional de Gestão da Assistência Farmacêutica O Hórus - Sistema Nacional de Gestão da Assistência Farmacêutica – tem por objetivo contribuir para a qualificação da gestão da assistência farmacêutica nas três esferas de gestão da saúde, promovendo melhoria do atendimento nos ser- viços e da qualidade de vida dos usuários. Este sistema é ofertado pelo Departa- mento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (DAF/MS) e foi concebido em 2009 para atender às singularidades da gestão da assistência farmacêutica no SUS, por meio dos seus componentes: básico, estraté- gico e especializado, além do Componente Indígena da Assistência Farmacêutica. O Ministério da Saúde pretende que o Hórus incorpore outros sistemas atualmen- te utilizados na assistência farmacêutica. A partir de abril de 2010, o Hórus passou a ser disponibilizado, por adesão, aos municípios brasileiros. A adesão ao Hórus é estimulada e apoiada por equipe específica do DAF/MS e se dá pelo cumprimento de algumas fases definidas: reali- zação de um cadastro de adesão; formalização da adesão ao sistema por meio da assinatura de um Termo de Adesão; capacitação ofertada na modalidade a distân- cia para os funcionários que irão operar o Hórus; e disponibilização e implantação do Hórus, com a liberação de senha para acesso. Para implantar o Hórus, os municípios necessitam de uma estrutura compos- ta de computador, impressora e acesso a internet nos estabelecimentos de saúde. CAPÍTULO 2 Estruturação da assistência farmacêutica 63 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação a falta de um consenso ou, minimamente, um projeto nacional para a formação/profissão farmacêutica, a tradição na formação tecnicista e biologista, as diferentes interpretações das Diretrizes Curriculares Nacionais, por vezes excessivamente simplistas e por vezes tão abran- gentes quanto impossíveis de operacionalizar, bem como o grande crescimento do número de Cursos de Farmácia no setor privado, não obrigatoriamente vinculados às necessidades sociais, ainda fazem do ensino farmacêutico, um dos grandes desafios para a profissão far- macêutica no Brasil, no atual século (p. 58). Hoje vivenciamos duas situações: os farmacêuticos formados em currículos anteriores às Diretrizes; e os farmacêuticos já formados na nova lógica, mas que, ainda assim, não estão suficientemente preparados e encorajados para o ambien- te da gestão pública. Como esperar que o profissional, formado por meio de mo- delos tradicionais de ensino, aja de maneira diferenciada e crítico-reflexiva na sua atuação? Apesar dos problemas citados, os novos currículos dos cursos de graduação em Farmácia estão permitindo a vivência dos estudantes, cada vez mais cedo, nos serviços de saúde, por meio dos estágios supervisionados e da participação em atividades desenvolvidas nos serviços, tais como no Programa Nacional de Reo- rientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) e no Programa de Edu- cação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde). A Lei nº 8.080/1990 estabeleceu que os serviços públicos que integram o SUS constituem campo de prática para ensino e pesquisa. Com isso, o profissional inserido no serviço passa a ter um pa- pel determinante na formação dos estudantes, com um papel ativo no processo de aprendizagem. O SUS representa, efetivamente, um importante campo de trabalho para os profissionais de saúde, e entre eles estão os farmacêuticos. Nos últimos anos, é expressivo o aumento do número de farmacêuticos que atuam no SUS. Dados do Conselho Federal de Farmácia apontam que, em 2012, havia 18.123 (dezoito mil, cento e vinte e três) farmacêuticos atuando no SUS, sendo que 11.252 (onze mil, duzentos e cinquenta e dois) eram responsáveis técnicos por farmácias, com a presença do profissional em praticamente todos os municípios brasileiros. Em consulta ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES/DATASUS), em novembro de 2013, obteve-se o número de 17.054 farmacêuticos e farmacêu- ticos bioquímicos atuando nos estados brasileiros, o que aponta para um possível problema nas informações fornecidas por essa base de dados. Com a descentralização dos serviços para os municípios, a necessidade de organização da gestão da assistência farmacêutica, o aumento da aplicação de recursos na área e o crescente aumento da judicialização, uma série de demandas colocaram o farmacêutico em evidência no serviço de saúde, e surge uma de- manda da sociedade, para quem este farmacêutico deve realizar um conjunto de CAPÍTULO 2 Estruturação da assistência farmacêutica 64 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação atividades e ações, para as quais nem sempre ele está preparado. Nesse sentido, a gestão da assistência farmacêutica é norteada pela necessidade de qualificação técnica dos profissionais, aliada ao desenvolvimento de habilidades e competên- cias estratégicas e políticas. Posto isso, fica evidente a necessidade de qualificação, para além do esforço pessoal dos farmacêuticos. Mendes (2013), ao analisar a qualificação de profissio- nais de municípios catarinenses nos últimos dois anos, concluiu que a qualificação profissional dos farmacêuticos é uma realidade encontrada na maioria dos municí- pios pesquisados, muitas vezes pela iniciativa própria do profissional. No entanto, percebe-se que essa qualificação, quando ofertada pelo serviço, é ainda focada em procedimentos técnico-operacionais. A Educação Permanente em Saúde pode ser definida como uma [...] estratégia dinâmica e eficaz para gerar novos modelos e proces- sos de trabalho nos estabelecimentos de saúde. Tem como objetivo a reflexão e intervenção nos processos de trabalho, na melhoria da qualidade dos serviços e nas condições de trabalho, sendo sintetizada pela OPAS como a educação em trabalho, para o trabalho e pelo tra- balho (MIRANDA, 2002, apud GUIMARÃES; MARTIM; RABELO, 2010). A educação permanente surge como uma exigência na formação do sujeito, pois requer dele novas formas de encarar o conhecimento, reconhecendo a auto- nomia dos sujeitos, a capacidade de aprender constantemente, e a inseparabilida- de do conhecimento e da ação (teoria e prática) (PASCHOAL; MANTOVANI; MÉIER, 2007). Segundo estabelecido na Política Nacional de Educação Permanente em Saú- de, os municípios e os estados devem formular e promover a gestão da educação permanente em saúde e processos relativos a ela, orientados pela integralidade da atenção à saúde, criando, quando for o caso, estruturas de coordenação e de execução da política de formação e desenvolvimento, participando do seu finan- ciamento (BRASIL, 2009b). A educação permanente em saúde deve ser a política norteadora dos processos educativos no SUS, seja por meio de cursos, capacita- ções, treinamentos, aperfeiçoamentos, atualizações ou outras atividades. Esse é um importante espaço para que a assistência farmacêutica busque a qualificação de suas equipes, incluindo aí os farmacêuticos e os demais profis- sionais que o auxiliam. É fundamental que o tema da assistência farmacêutica também esteja presente na qualificação de outros profissionais, especialmente dos prescritores, que são atores importantes no uso racional de medicamentos. As Escolas de Saúde Pública dos estados possuem um papel de destaque na formação e capacitação de recursos humanos e na produção científica na área da saúde coletiva, mantendo, por muitas vezes, um papel de cooperação técnica com os municípios, em especial na formação de profissionais de nível médio. Nesse CAPÍTULO 2 Estruturação da assistência farmacêutica 65 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação sentido, é importante que o farmacêutico conheça as atividades da Escola de Saú- de Pública do estado onde atua e, se possível, busque parcerias para a qualificação da área da assistência farmacêutica. Reconhecendo a necessidade de qualificação dos profissionais de saúde, o Ministério da Saúde tem desenvolvido algumas ações de incentivo à qualificação dos farmacêuticos da rede pública de saúde. Diversas iniciativas aconteceram nos últimos anos, incluindo cursos de qualificação para farmacêuticos, cursos para a elaboração de materiais educativos para agentes comunitários de saúde, cursos de especialização presenciais e, mais recentemente, cursos de capacitação e de especialização, em larga escala, utilizando tecnologias de educação a distância, especialmente nas áreas de gestão da assistência farmacêutica e de assistência farmacêutica na Atenção Primária à Saúde. Essas são oportunidades extremamente importantes, as quais o farmacêuti- co precisa estar atento, para usufruir e para incentivar os demais colegas. A forma- ção profissional afeta profundamente a qualidade dos serviços prestados e o grau de satisfação dos usuários em relação ao SUS (MACHADO; WANDERLEY, 2011). Um profissional que busca o aprendizado constante, se motiva para o trabalho e encontra significado no seu fazer, uma vez que a qualificação profissional dignifica e legitima o trabalho. REFERÊNCIAS ARAUJO, A. L. A.; FREITAS, O. Concepções do profissional farmacêutico sobre a assistência far- macêutica na unidade básica de saúde: dificuldades e elementos para a mudança. Rev. Bras. Cienc. Farm. [online], v. 42, n. 1, p. 137-146, 2006. BARRETO, J. L.; GUIMARÃES, M. C. L. Avaliação da gestão da Assistência Farmacêutica básica em municípios baianos, Brasil. Cad. Saúde Pública, v. 26, n. 6, p. 1207-1220, 2010. BOING, A. F.; BLATT, C. R. O uso de ferramentas da epidemiologia na assistência farmacêutica. In: Serviços Farmacêuticos [Recurso eletrônico] / Universidade Federal de Santa Catarina; Flo- rianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2011. p. 1-51. BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 3.916, 30 de outubro de 1998. Aprova a Política Nacional de Medicamentos. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 10 nov. 1998. s. 1, n. 215-E, p. 18. BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 338, de 6 de maio de 2004. Aprova a Polí- tica Nacional de Assistência Farmacêutica. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/ arquivos/pdf/resol_cns338.pdf>. Acesso em: 28 jan. 2013. BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 399, de 22 de fevereiro de 2006. Divulga o Pacto pela Saúde 2006 – Consolidação do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do Referido Pacto. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2006/prt0399_22_02_2006.html BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 204, de 29 de janeiro de 2007. Regulamenta o fi- nanciamento e a transferência dos recursos federais para as ações e os serviços de saúde, na forma de blocos de financiamento, com o respectivo monitoramento e controle. Disponível em: <http:// dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2007/GM/GM-204.htm>. Acesso em: 04 jul. 2013. CAPÍTULO 2 Estruturação da assistência farmacêutica Capítulo 3 Planejamento estratégico aplicado à assistência farmacêutica 73 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação Chama atenção, desde a edição da Política Nacional de Medicamentos em 1998, a histórica e insuficiente disponibilização de recursos para viabilizar a contratação e fixação de farmacêuticos na rede pública, assim como para ampliar e qualificar a infraestrutura existente no país para o armazenamen- to, a conservação e dispensação dos medicamentos. Infelizmente, seguem predominando no SUS as Centrais de Abastecimento Farmacêutico (CAF) e as farmácias, cujos espaços são inadequados e impróprios para a correta conservação dos medicamentos e para o bom atendimento farmacêutico aos usuários, assim como os locais sem a presença do farmacêutico durante todo o tempo de funcionamento (VIERA, 2008). Na maioria dos municípios e estados, nessa área, faltam recursos hu- manos em quantidade e qualificados, além de boas condições estruturais, acarretando falta de condições de trabalho, menor eficiência e diminuição da capacidade de resolução de problemas graves, como: perdas de medica- mentos por expiração de validade ou armazenamento inadequado; falhas na dispensação; uso não racional; faltas frequentes de medicamentos; entre outros problemas (BRASIL, 2006a). Estudo realizado por Vieira (2008), analisando uma amostra significativa de 597 municípios brasileiros, ou seja, mais de 10% do total, apontou aspectos in- conclusos da agenda do SUS para a qualificação dos serviços farmacêuticos no Brasil. Entre esses municípios avaliados 90,3% apresentaram problemas na gestão dos recursos ou serviços. Em 71% desses locais foram observados problemas no controle de estoque, e em 39% foram constatadas condições inadequadas de ar- mazenamento. Diante dos resultados obtidos, concluiu que [...] os propósitos da Política Nacional de Medicamentos e da Política Nacional de Assistência Farmacêutica estão distantes da concretiza- ção. O tema deve ser novamente incluído na agenda dos governos nas três esferas, pois não é possível falar em efetividade da atenção à saúde sem que a assistência farmacêutica cumpra seu papel com qualidade (VIEIRA, 2008, p. 91). Corroborando essa análise, diversos outros estudos avaliativos sobre a assis- tência farmacêutica no Brasil, que utilizaram indicadores preconizados pela Orga- nização Mundial de Saúde, evidenciaram a necessidade de melhorar a estrutura e a execução das atividades de assistência farmacêutica nos cenários avaliados (NAVES; PRATA, 2005; SANTOS; NITRINI, 2004; EMMERICK et al., 2009 apud VEBER et al., 2011). Assim, em que pese os importantes avanços citados, pode-se observar, atual- mente, a existência de muitos problemas ainda não superados e que devem fazer parte de uma agenda de prioridades em qualquer planejamento, nas três esferas de gestão. Conforme apontava Machado-dos-Santos em 2002: CAPÍTULO 3 Planejamento estratégico aplicado à assistência farmacêutica 74 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação Registre-se: a falta do cumprimento correto de tratamentos prescri- tos; o uso de medicamentos sem a indicação apropriada; o comércio de um sem-número de produtos farmacêuticos com efetividade irre- gular ou com formulações injustificáveis; a baixa qualidade de con- sultas, diagnósticos e de prescrições e dispensação de fármacos; o comércio dos produtos farmacêuticos, com auto-prescrição, a prática da empurroterapia e o grande número de farmácias e drogarias com a precariedade do controle sanitário quanto à prescrição, ao comércio e ao consumo de psicofármacos no país, entre outros (2002, p. 380). Situações que acarretavam consequências técnicas, econômicas e sociais prejudiciais para os usuários e para o Sistema de Saúde, naquela época, conti- nuam a existir. As falhas e/ou a ausência de um bom planejamento estratégico pelos gestores dos três entes federados constitui uma provável hipótese causal desta agenda inconclusa. Isso pode ser verificado quando se analisam as diversas normas e os diver- sos programas ministeriais implantados nesse período, visto que não consideram todas as atividades do ciclo da assistência farmacêutica. E, quando o fazem, pre- dominam aquelas atividades relacionadas com a aquisição, o armazenamento e a distribuição de medicamentos. Exemplificando, a Programação Anual de Saúde – PAS para 2013, elaborada pelo Ministério da Saúde, contempla como sua 8ª Diretriz a “Garantia da assis- tência farmacêutica no âmbito do SUS”. Porém, em que pese trazer em seu texto introdutório uma abordagem mais ampla sobre ações importantes em diversas áreas da assistência farmacêutica, ao final, restaram formalizadas somente três ações e resultados previstos para 2013, a saber: ampliação da cobertura do pro- grama “Aqui tem farmácia popular”; ampliação do elenco de medicamentos fito- terápicos na atenção básica; e ampliação da cobertura voltada para o tratamento de pacientes portadores de doenças hemorrágicas hereditárias (BRASIL, 2013a). Nesse contexto, verifica-se uma ampla supremacia no planejamento de ações voltadas para o objeto medicamento, em detrimento da melhoria da es- trutura e dos serviços farmacêuticos clínicos. Concretamente, apesar de algumas publicações oficiais e de abordagens teóricas de alguns gestores incorporarem um enfoque conceitual mais ampliado, resta evidenciado o predomínio, nas três esfe- ras, de uma prática gestora no planejamento da assistência farmacêutica voltada mais ao apoio logístico. Por outro lado, para maximizar as chances de alcançar bons resultados nes- sa área, recomenda-se que os gestores incorporem um qualificado processo de planejamento, com foco, principalmente, naquela parcela menos favorecida da população. Esse planejamento não deve ser parcial, protocolar ou normativo, pois precisa englobar uma visão sistêmica de saúde e também um raciocínio estratégi- CAPÍTULO 3 Planejamento estratégico aplicado à assistência farmacêutica 75 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação co, visto que, além dos aspectos técnicos e econômicos, existem aspectos políti- cos, sociais e epidemiológicos fortemente envolvidos. Além de avançar na construção de novos conhecimentos e formulação de propostas inovadoras, um dos maiores desafios na gestão em assistência farma- cêutica é, justamente, conseguir executar e concretizar a teoria que já se conhece. As evidências têm demonstrado que a distância entre saber o que precisa ser feito versus conseguir executar de fato é relativamente grande. Nesse sentido, o planejamento estratégico pode ampliar as chances de êxi- to no enfrentamento e na superação dos principais obstáculos. Evidências têm demonstrado que essa ferramenta metodológica contribui muito para o mapea- mento e a priorização das situações-problema, bem como para a necessária for- mulação e condução de intervenções adequadas, com articulação política, admi- nistrativa e social, no sentido de envolver e mobilizar, positivamente, diferentes recursos e atores-chave. 3.2 Cenário atual 3.2.1 Instrumentos de Planejamento do SUS Com o intuito de promover a atuação contínua, articulada, integrada e soli- dária das áreas de planejamento das três esferas de gestão, em 2006, foi criado o Sistema de Planejamento do SUS - PlanejaSUS, no qual foram estabelecidos, de acordo com a Portaria nº 3.085/2006 (BRASIL, 2006b), os três instrumentos bási- cos que dão expressão concreta a este Sistema: o Plano de Saúde, a Programação Anual de Saúde e o Relatório Anual de Gestão (BRASIL, 2009). O Plano de Saúde e o Relatório de Gestão foram introduzidos pela Lei nº 8.142/1990 (BRASIL, 1990a). Essas ferramentas foram instituídas como instrumen- tos de controle e avaliação, juntamente com a Programação Anual de Saúde e a Programação Pactuada Integrada (PPI)1, a partir da NOB 96 (BRASIL, 1996), a fim de permitir a prática do controle social e de viabilizar a utilização transparente dos recursos públicos (MARIN et al., 2003). O Plano de Saúde é um importante instrumento de gestão que apresenta as intenções e os resultados a serem buscados no período de quatro anos. É a definição das políticas e dos compromissos de saúde, formuladas a partir de uma análise da situação da saúde, do modelo de gestão e das prioridades e estratégias de uma determinada esfera de gestão, expressas em objetivos, diretrizes e metas (BRASIL, 2009). 1 A PPI é um instrumento formalizador e de negociação entre os gestores, que integra as responsabilidades, objetivos, metas, recursos e tetos orçamentários e financeiros de todos os níveis de gestão e envolve todas as atividades do SUS, buscando a integralidade das ações. Os critérios para pactuação integrada são definidos nas Comissões Intergestores Bipartite e Intergestora Tripartite, sendo aprovados nos respectivos conselhos (MARIN et al., 2003). CAPÍTULO 3 Planejamento estratégico aplicado à assistência farmacêutica 78 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação pública e do SUS, próprios de cada nível de gestão, precisam estar coerentes com os instrumentos de planejamento, guardando uniformidade de objetivos, diretri- zes e metas. O Plano de Saúde é a base para a execução, o monitoramento, a ava- liação e a gestão do sistema de saúde, enfim, é o instrumento que norteia todas as atividades dessa área (BRASIL, 2009). 3.2.2 Interface da assistência farmacêutica com o planejamento no SUS A assistência farmacêutica está incluída no campo de atuação do SUS como parte da assistência terapêutica integral. Assim, o planejamento da assistência far- macêutica deve ser elaborado em consonância com a política de saúde, visando a redução de riscos e o estabelecimento de condições que assegurem acesso univer- sal e igualitário às ações e aos serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde (BRASIL, 1990b). Com a publicação do Decreto nº 7.508/2011, que regulamenta a Lei nº 8.080/1990 para dispor sobre a organização do SUS, e da Resolução nº 01/2011, que estabelece diretrizes gerais para a instituição de regiões de saúde, o planeja- mento em saúde passa a ser ascendente e integrado, do nível local até o federal. Essa nova regulamentação apresenta desafios para o processo de planejamento, no qual se faz necessário compatibilizar as demandas em saúde, a disponibilidade de recursos financeiros e as pactuações regionais, a fim de construir um plano de saúde exequível e que atenda às reais demandas da população (BRASIL, 2011a; BRASIL, 2011b). Dentre os objetivos para a organização das regiões de saúde, destacam-se a necessidade de garantir o acesso resolutivo da população, em tempo oportuno e com qualidade, a ações e serviços organizados em redes de atenção, e a pos- sibilidade de racionalizar gastos e otimizar recursos, visando maior eficiência do sistema de saúde. As redes de atenção organizam-se de forma poliárquica, em que todos os pontos de atenção à saúde são igualmente importantes e se relacionam horizontalmente. Essa conformação apresenta a assistência farmacêutica como um sistema transversal a todas as redes temáticas e, portanto, fundamental a to- das elas, conforme será detalhado no capítulo denominado “O papel do farmacêu- tico nas Redes de Atenção à Saúde”. Pode-se, então, verificar que o planejamento da assistência farmacêutica é um processo complexo e dinâmico. Sua elaboração, em cada nível de gestão e em cada esfera de governo, deve considerar alguns pressupostos essenciais, dentre os quais se destacam as diretrizes e prioridades da Política de Saúde instituída, os instrumentos de planejamento do SUS, o papel fundamental da assistência farma- cêutica nas redes de atenção, a necessária inserção do farmacêutico no cuidado em saúde e o alinhamento do plano de assistência farmacêutica com os planos local, regional e nacional. CAPÍTULO 3 Planejamento estratégico aplicado à assistência farmacêutica 79 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação Outro importante instrumento de organização e planejamento do SUS é o Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde (COAP). O COAP é um acordo fir- mado entre os entes federativos, com a finalidade de organizar e integrar as ações e os serviços na rede regionalizada e hierarquizada, com definição de responsabili- dades, indicadores e metas em saúde, critérios de avaliação e desempenho, recur- sos financeiros disponibilizados e sua execução, além de elementos necessários à implementação integrada das ações e dos serviços de saúde (BRASIL, 2011b). O estabelecimento de um rol único de indicadores para pactuação nacional, classificados em universais e específicos, é uma premissa estabelecida pela Re- solução CIT nº 5/2013, que pactua diretrizes, objetivos, metas e indicadores para o fortalecimento do planejamento do SUS e a implementação do COAP (BRASIL, 2013b). Os indicadores universais expressam o acesso e a qualidade da organi- zação do sistema de saúde em redes, além de considerar os indicadores epide- miológicos de abrangência nacional e desempenho do sistema. Os indicadores específicos expressam as características epidemiológicas locais e de organização do sistema. Podem sofrer ajuste anual, de acordo com a necessidade. Nesse contexto, foram estabelecidos três indicadores classificados como es- pecíficos para a Diretriz “Garantia da Assistência farmacêutica no âmbito do SUS”, conforme apresentado no quadro a seguir. Quadro 1 - Indicadores específicos do COAP para a diretriz Garantia da Assistência Farmacêutica no âmbito do SUS, pactuados para o período de 2013-2015. Objetivo Meta Indicador Ampliar a implantação do Sistema Nacional de Gestão da Assistência Farmacêutica - HORUS como estratégia de qualificação da gestão da Assistência Farmacêutica no SUS. Meta Regional e Estadual: Implantar o Sistema Nacional de Gestão da Assistência Farmacêutica - HÓRUS, em X% dos municípios. Meta Municipal e DF: Implantar o Sistema Nacional de Gestão da Assistência Farmacêutica - HÓRUS, em X% dos serviços farmacêuticos da Atenção Básica. Percentual de municípios com o Sistema HORUS implantado Qualificar os serviços de Assistência Farmacêutica nos municípios com população em extrema pobreza. Meta Regional e Estadual: X% dos municípios com população em extrema pobreza, constantes no Plano Brasil sem Miséria, com farmácias da Atenção Básica e centrais de abastecimento farmacêutico estruturadas na região de saúde ou Estado Meta Municipal e DF: X% de serviços farmacêuticos estruturados nos municípios. Proporção de municípios da extrema pobreza com farmácias da Atenção Básica e centrais de abastecimento farmacêutico estruturadas Continua>> CAPÍTULO 3 Planejamento estratégico aplicado à assistência farmacêutica 80 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação Objetivo Meta Indicador Fortalecer a assistência farmacêutica por meio da inspeção nas linhas de fabricação de medicamentos, que inclui todas as operações envolvidas no preparo de determinado medicamento desde a aquisição de materiais, produção, controle de qualidade, liberação, estocagem, expedição de produtos terminados e os controles relacionados, instalações físicas e equipamentos, procedimentos, sistema da garantia da qualidade. Meta Regional: 100% das indústrias de medicamentos da região inspecionadas no ano. Meta Municipal: 100% das indústrias de medicamentos do município inspecionadas no ano. Percentual de indústrias de medicamentos inspecionadas pela Vigilância Sanitária, no ano. Fonte: Adaptado de BRASIL (2013b). É importante ressaltar que os indicadores da assistência farmacêutica são específicos, ou seja, devem ser pactuados conforme a necessidade regional e as políticas já estabelecidas, sem desconsiderar a organização, a autonomia e os avanços dos entes federados. Por exemplo, o indicador “Percentual de municípios com o Sistema Hórus im- plantado” deve ser adequado nas regiões de Estados e municípios que já possuam sistemas informatizados próprios de gestão da assistência farmacêutica. Nesses casos, poderão utilizar seus próprios sistemas, desde que façam o envio dos dados via webservice, disponibilizado pelo Ministério da Saúde. O objetivo do indicador é garantir a construção de uma base de dados nacional em assistência farmacêu- tica, em consonância com a Portaria nº 271/2013, e não obrigar os municípios a desconsiderar seus sistemas próprios de informação e os investimentos realizados (BRASIL, 2013c). Importa destacar, também, que os estados e municípios têm autonomia para propor novos indicadores, que contemplem ações necessárias ao fortalecimento das políticas instituídas na região de saúde. Assim, os profissionais farmacêuticos e os gestores podem pactuar outros indicadores durante o processo de planejamen- to da assistência farmacêutica, compatíveis com as demandas locais e regionais. A partir da constituição das regiões de saúde, o foro interfederativo de nego- ciação e pactuação de temas relacionados com a organização e o funcionamento das ações e serviços de saúde é a Comissão Intergestores Regional (CIR). Dentre as competências da CIR, destacam-se a pactuação do elenco de medicamentos que serão ofertados na respectiva região de saúde, com base na Relação Nacional de CAPÍTULO 3 Planejamento estratégico aplicado à assistência farmacêutica 83 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação diferentes possibilidades de cenários (positivos e negativos). É pragmático, pois trabalha com o contexto explícito, real e parcialmente explicável, considerando a existência de outros atores sociais e sua capacidade de governança relativa e de interferir positivamente (ou não) no plano traçado. Além disso, o PES adota a flexibilidade como uma premissa, podendo ajustar seu plano de ação segundo as circunstâncias (MARIN et al., 2003). Assim, o PES constitui um instrumento gerencial que deve estar apoiado no conhecimento exato da realidade, das condições e das dificuldades existentes, com- preendidas e adequadas para as peculiaridades de cada caso, de cada contexto. Planejar significa, portanto, orientar a ação do presente para que se possa organizar e estruturar um conjunto de atividades, conforme critérios previamente estabeleci- dos, visando modificar para melhor uma dada realidade (MATUS, 1996b). Vale ressaltar que, apesar de sua grande importância, o PES é um conjunto de ferramentas que, isoladas, são insuficientes. Porém, quando associadas e com- plementadas por um planejamento tático e operacional, consiste em importante instrumento para implementar uma gestão estratégica da organização. Portanto, planejar de maneira estratégica não significa prever e garantir o futuro desejado, mas sim, ampliar, significativamente, as chances de alcançá-lo ou de se aproximar dele. Pode-se afirmar que, quando se planeja, estrategicamente, têm-se pelo menos duas certezas: a primeira é que resultados alcançados não se- rão exatamente aqueles pretendidos; e a segunda é que, certamente, esses resul- tados serão muito melhores do que aqueles que, provavelmente, seriam obtidos na ausência do planejamento. Assim, verifica-se que o PES pode ser aplicado a qualquer tipo de organização (privada e pública) que demande um objetivo e que pretenda uma mudança situa- cional futura. Sabe-se que, no cotidiano da gestão, há necessidade de improvisar em algumas situações, todavia, isso deve ser uma exceção à regra, também na gestão da assistência farmacêutica. Outro aspecto importante é identificar, em cada instituição, quem tem a ca- pacidade de decisão e responsabilidade para conduzir as políticas públicas na área da assistência farmacêutica. São esses atores que devem, obrigatoriamente, en- volver-se, com mais afinco, no planejamento, entendendo-se que a atividade de coordenação e gerenciamento, é indissociável do planejamento. Essa visão, por sua vez, define uma clara opção por um tipo de gestão que busca maximizar suas chances de êxito. 3.3.1 PES: da teoria à prática Diante da complexidade e dos desafios enfrentados pelos gestores da área da assistência farmacêutica, é importante desmistificar o senso comum que, muitas ve- CAPÍTULO 3 Planejamento estratégico aplicado à assistência farmacêutica 84 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação zes, alimenta o pré-conceito de que “a teoria na prática é outra”; ou que “planejar é uma coisa, fazer é outra”. Ressalte-se que isso, além de não ser correto, ainda acaba por “justificar” o velho modus operandi de muitos gestores, que ancoram sua adminis- tração no improviso, na falta de metas claras, de monitoramento, de cumprimento de prazos e de foco em resultados concretos e mensurados para os usuários. Ao contrário disso, algumas experiências exitosas na saúde pública, inclusive na Assistência Farmacêutica, têm demonstrado a aplicabilidade real e a importância do PES na produção de bons resultados e casos de sucesso. Trata-se de uma área do sistema de saúde em que os gestores precisam organizar e estruturar serviços efi- cientes e eficazes, tanto no nível operacional como no intermediário e estratégico da gestão, sempre integrados e coerentes com a Política de Saúde vigente. Há uma multiplicidade de ações e desafios a serem planejados e gerenciados na assistência farmacêutica, que congrega atividades logísticas, assistenciais, edu- cativas, administrativas e políticas. Afinal, a realidade brasileira tem demonstrado que, apesar dos avanços verificados nessa área (no SUS), desde a segunda metade da década de 90, ainda permanecem grandes desafios, conforme relatado ante- riormente. Acrescente-se a isso o fato de que os recursos são limitados e escassos. É nes- se contexto, portanto, que os procedimentos metodológicos e as técnicas do PES são muito úteis na gestão da assistência farmacêutica. Como considera, em cada caso, a existência e importância de outros atores, assim como as várias dimensões, inclusive a dimensão política local, o PES garante a existência de uma ligação direta entre o planejar e o fazer; entre a teoria e a prática; entre o ambiente acadêmico e o mundo real de cada gestor. Concretamente, problemas relacionados com os vazios assistenciais, as difi- culdades de aquisição, a falta recorrente de medicamentos, gastos e desperdícios evitáveis, o armazenamento inadequado, uso não racional de medicamentos en- tre outros, podem (e devem) ser objetos tratados com as ferramentas e a meto- dologia do PES. Segundo Marin e colaboradores (2003), de maneira geral, o PES permite: • Definir um modelo de gestão adequado; • Mapear o perfil epidemiológico e realizar o diagnóstico situacional; • Planejar a assistência farmacêutica; • Envolver e mobilizar os diferentes atores-chave para que o Plano tenha êxito; • Identificar aliados e adversários, definindo as melhores estratégias a se- rem adotadas em cada caso; • Construir cenários futuros e preparar-se, antecipadamente, para as si- tuações que possam surgir; CAPÍTULO 3 Planejamento estratégico aplicado à assistência farmacêutica 85 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação • Organizar e estruturar as atividades do ciclo da assistência farmacêutica; • Identificar os principais problemas e formular ações para intervenção; • Identificar os pontos fortes do Plano (para reforçá-los) e os pontos fracos (para corrigi-los); • Organizar os vários processos de trabalho, tornando-os mais eficientes; • Produzir melhores resultados; • Realizar diferentes estudos, como de utilização de medicamentos, far- macovigilância, farmacoeconômicos, de monitoramento e avaliação entre outros, que produzirão novos conhecimentos e informações que auxiliarão na tomada de decisões gerenciais; • Construir e manter atualizados os indicadores que devem integrar um Sistema de Informações Gerenciais da Assistência Farmacêutica; • Melhorar a gestão de pessoas; e, principalmente, • Melhorar o acesso da população aos medicamentos e a seu uso racional. O PES permite também a construção da missão e da visão da organização. A missão é o elemento que traduz as responsabilidades e pretensões da organização junto ao ambiente e define o negócio, delimitando o seu ambiente de atuação. Ela representa a razão de ser da organização, o papel dela na sociedade. A visão mostra uma imagem da organização no momento da realização de seus propósitos no futuro. Trata-se não de predizer o futuro, mas de assegurá-lo no presente. A visão de negócios cria um “estado de tensão” positivo entre o mundo como ele é e como os integrantes da organização gostariam que fosse (visão de futuro deseja- do). A visão de negócios associada a uma declaração de missão compõe a intenção estratégica da organização. Assim como o próprio planejamento, a definição de missão e visão não é definitiva, mas dinâmica e sujeita a mudanças e ajustes. Conforme referido anteriormente, o PES é composto por quatro grandes pas- sos ou fases, que podem ser recursivas e não lineares, mas que representam um sequenciamento lógico da elaboração teórica do PES. Objetivando facilitar e sim- plificar sua efetiva aplicação no cotidiano da gestão em assistência farmacêutica, propõe-se a associação à proposição do PES algumas ferramentas administrativas complementares, que, certamente, poderão contribuir com os gestores, como a análise de ambiente e ferramentas da qualidade. 3.3.2 Momento Explicativo: compreendendo sua realidade Para os gestores, a análise correta do contexto e do ambiente em que eles se encontram inseridos é de grande utilidade. Seu objetivo é transformar problemas mais complexos e de menor governabilidade em problemas menos complexos e de maior governabilidade. CAPÍTULO 3 Planejamento estratégico aplicado à assistência farmacêutica 88 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação • Por Gravidade deve-se considerar a intensidade e profundidade dos da- nos que o problema pode causar se não se atuar sobre ele; • Por Urgência deve-se considerar o tempo para a eclosão dos danos ou resultados indesejáveis se não se atuar sobre o problema; • Por Tendência deve-se considerar o desenvolvimento que o problema terá na ausência de ação. Sabendo-se que existem vários problemas a serem enfrentados, que são muitas as ações gerenciais necessárias e que o tempo é um recurso escasso, há que se perguntar: quais são as prioridades? Quais atividades devem ser executa- das primeiro? Por quê? A ferramenta busca oferecer respostas a essas questões. Feita a priorização, o passo seguinte é a análise e o mapeamento sobre a rede de causalidade dos problemas. Esta, por sua vez, constitui uma etapa fundamental para o êxito do plano a ser formulado e implementado, visto que um entendimento equivocado levará os gestores à implementação de ações que não produzirão o impacto necessário para a resolução e superação dos problemas. Ao contrário, tomar a decisão errada ou resolver de maneira pouco eficiente pode ter um alto risco e um final bastante desastroso para a organização e para os usuários. Para contribuir nesses casos, Kaoru Ishikawa criou o diagrama de causa e efeito, uma das ferramentas da qualidade mais utilizada pelas organizações do mundo todo. Esse diagrama, que também é conhecido como Espinha de peixe, foi proposto por Ishikawa na década de 60, e pode ser aplicado em qualquer tipo de problema organizacional. O diagrama de causa e efeito é construído a partir de um “problema”, con- siderando o “efeito” do diagrama. A partir de então, são identificadas todas as causas e os fatores que, potencialmente, influenciam o problema, de maneira a determinar a verdadeira origem do mesmo, correlacionando-o com a(s) causa(s) última(s). Isso pode ser feito individualmente, mas é recomendado que seja fei- to de modo participativo e utilizando, novamente, a ferramenta do brains- torming, pois isso favorece uma exploração sistemática mais adequada da situação e dos diversos aspectos do problema pelo grupo, produzindo re- sultados mais eficazes e eficientes. Afinal, ninguém melhor para identificar a rede de causalidade do que as pessoas que estão diretamente ligadas aos problemas. Essas informações, sistematizadas e organizadas no formato de uma espinha de peixe, facilitam a visualização, a relação entre todas as causas e a compreensão sobre os processos de trabalho e o que deve ser feito para que o problema seja resolvido (ISHIKAWA, 1997). CAPÍTULO 3 Planejamento estratégico aplicado à assistência farmacêutica 89 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação 3.3.3 Momento Normativo: formulando o plano Nesta fase, após a identificação, seleção e priorização de problemas, bem como a partir da análise e do debate sobre suas causas e efeitos, o gestor e sua equipe já estão em condições de definir o conjunto de ações ou operações ne- cessárias para enfrentar as causas fundamentais dos problemas. Essa é a hora de formular e definir o conteúdo do plano. Ao pensar os projetos, as atividades e ações para solucionar cada proble- ma, é fundamental discutir e definir, claramente, os objetivos e resultados que se esperam de cada projeto ou ação, sempre identificando os recursos necessários e construindo, antecipadamente, possíveis cenários em que o plano será imple- mentado, visto que a incerteza é uma variável que deve sempre ser considerada no plano (MATUS, 1996a). Nesse sentido, por meio dessa concepção, os resultados a serem obtidos não dependerão somente de um bom plano, mas de uma série de circunstâncias, re- cursos e movimentação dos atores, envolvendo componentes técnicos, políticos, econômicos e culturais, que não são governados completamente pelos gestores da assistência farmacêutica. Daí a necessidade de se trabalhar com a técnica de cenários, isto é, com vá- rios planos que preparam o gestor para atuar em distintas circunstâncias, funda- mentando a necessidade de um Momento Estratégico, apresentado a seguir. 3.3.4 Momento Estratégico Este é um momento importante do plano, pois é nessa fase que se considera e analisa a correlação de todas as variáveis envolvidas em cada contexto, na me- dida em que são fundamentais para a obtenção dos resultados objetivados. Por- tanto, pela ótica do PES, analisar os atores sociais envolvidos, seus interesses, suas motivações e poder em cada um dos projetos previstos e cenários imaginados, definir a melhor estratégia possível para cada trajetória traçada, estabelecer um programa direcional para o plano e construir viabilidade estratégica para atingir os objetivos são determinantes para maximizar as chances de êxito do plano. Em uma entrevista a Huertas (1996), Carlos Matus fez distinção entre os dois tipos de planejamento (Tradicional x PES), baseado na necessidade de considerar os aspectos técnicos e políticos de uma determinada ação. O planejamento tradicional ignora esse tema ou o aborda como se se tratasse de uma consulta política entre a equipe técnica de planeja- mento e a direção política do governo. Assume-se que o técnico per- gunta ao político se o plano que concebe é viável, e o político responde definindo o marco da viabilidade política do plano. [...] Naturalmente, CAPÍTULO 3 Planejamento estratégico aplicado à assistência farmacêutica 90 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação esse diálogo entre o técnico e o político, se é que chega a realizar-se com alguma sistematicidade e algum rigor, não resolve o problema, nem na teoria nem na prática. [...] Por duas razões. Primeiro, porque a consulta refere-se ao futuro, ao período de governo, não ao presen- te, e, portanto, a resposta requer algum método de exploração do futuro incerto. Segundo, porque uma consulta tem sentido quando uma das partes tem a resposta, mas nesse caso cada parte tem uma parte da resposta, como duas peças de um enigma que ninguém pode resolver separadamente. É necessário juntar a ação técnica com suas consequências políticas, e a ação política com suas consequências técnicas. (HUERTAS, p. 69, apud MÜLLER, 1999). Assim, estabelecer as decisões articulando seus aspectos técnicos e políticos, escolher as que ofereçam maior viabilidade e eficácia, de acordo com o momento do jogo, e selecionar uma delas, é o papel da estratégia (MATUS, 1996b). Este é o terceiro momento do PES, o momento de montagem da estratégia. A análise de viabilidade política permite examinar que recursos são escassos, qual oponente pode dificultar o desempenho da ação e se existe incoerência en- tre a decisão tomada e o produto esperado. A estratégia é usada para construir a viabilidade política. Quem tem maior competência para analisar cada contexto, cenários, atores e formular as melhores estratégias para viabilizar a máxima eficá- cia do seu plano, é o próprio gestor e sua equipe (MATUS, 1996b). 3.3.5 Momento Tático-Operacional Este último é, provavelmente, o momento mais importante de todos, na me- dida em que é o momento de implementação, de tomada de decisões com reper- cussão concreta e mais imediata, de, finalmente, agir sobre a realidade estudada. É nessa fase que, por exemplo, deve ser discutido o modelo de gestão do setor de assistência farmacêutica e sobre até que ponto ele está estruturado para sustentar o plano e executar as estratégias propostas. É o momento de identificar as neces- sidades e de adequar a estrutura e os processos de trabalho, para que todos os projetos e as ações previstos possam ser implementados. Para um bom mapeamento, uma boa modelagem, compreensão e um bom aprimoramento nos diferentes processos internos de trabalho do setor da assis- tência farmacêutica e naqueles com os quais se tenha interface no Ministério e nas secretarias de saúde, pode-se utilizar a ferramenta da qualidade denominada Fluxograma. Trata-se de uma representação gráfica de um determinado processo ou fluxo de trabalho, efetuada, geralmente, com recurso de figuras geométricas normalizadas e interligadas em um sequenciamento lógico. Por meio dessa representação gráfica, é possível compreender, de forma rá- pida e fácil, todas as etapas dos principais processos de trabalho. Isso possibilita CAPÍTULO 3 Planejamento estratégico aplicado à assistência farmacêutica 93 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação BRASIL. Ministério da Saúde. Política nacional de medicamentos. Brasília: Ministério da Saúde, 1998. 40 p. BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 338. Aprova a Política Nacional de Assistên- cia Farmacêutica. Brasília: Conselho Nacional de Saúde, de 06 de maio de 2004. 3 p. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. De- partamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Planejar é preciso: uma pro- posta de método para aplicação à assistência farmacêutica. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2006a. 74 p. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.085, de 1º de dezembro de 2006. Regulamenta o Sistema de Planejamento do SUS. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 4 dez. 2006b. Seção 1, p. 39-40. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.332, de 28 de dezembro de 2006. Aprova orienta- ções gerais relativas aos instrumentos do Sistema de Planejamento do SUS. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 29 dezembro 2006c. Seção 1, p. 608. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. De- partamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Planejar é preciso: uma pro- posta de método para aplicação à assistência farmacêutica. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2006a. 74 p. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Subsecretaria de Planejamento e Orçamen- to. Sistema de planejamento do SUS: uma construção coletiva: instrumentos básicos. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2009. 56 p. BRASIL. Decreto nº 7.508. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde – SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 28 de junho de 2011a. BRASIL. Ministério da Saúde. Comissão Intergestores Tripartite. Resolução nº 1. Estabelece diretrizes gerais para a instituição das Regiões de Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), nos termos do Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 29 de setembro de 2011b. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Subsecretaria de Planejamento e Orçamen- to. Programação Anual de Saúde (PAS) 2013. Brasília: Ministério da Saúde, 2013a. BRASIL. Ministério da Saúde. Resolução nº 5. Dispõe sobre as regras do processo de pactuação de Diretrizes, Objetivos, Metas e Indicadores para os anos de 2013 - 2015, com vistas ao forta- lecimento do planejamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e a implementação do Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde (COAP). Diário Oficial [da] República Federativa do Bra- sil, Brasília, 19 de junho de 2013b. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 271. Institui a Base Nacional de Dados de ações e serviços da Assistência Farmacêutica e regulamenta o conjunto de dados, fluxo e cronograma de envio referente ao Componente Básico da Assistência Farmacêutica no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 27 de feve- reiro de 2013c. CFF. CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA. Comissão de Saúde Pública; Conselho Regional de Farmácia do Paraná. Comissão de Assistência Farmacêutica do Serviço Público do CRF-PR. A assistência farmacêutica no SUS. Brasília: Conselho Federal de Farmácia, 2011. 60 p. ISHIKAWA, K. Controle de qualidade total à maneira japonesa. 6. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1997. CAPÍTULO 3 Planejamento estratégico aplicado à assistência farmacêutica 94 O farmacêutico na assistência farmacêutica do SUS: diretrizes para ação MACHADO-DOS-SANTOS, S. C. Assistência Farmacêutica no Brasil: um componente essencial do sistema de atenção à saúde. Cadernos CONASS. Brasília: CONASS, Caderno n. 7, julho de 2001. MACHADO-DOS-SANTOS, S. C. A Política de Fármacos eleva a Política de Saúde. In: NEGRI, B. & VIANA, A.L.D. (Orgs.). O Sistema Único de Saúde em dez anos de desafio. São Paulo: Sobra- vime; Cealag, 2002. p. 353-387. MARIN, N.; LUIZA, V. L.; OSÓRIO-DE-CASTRO, C. G. S.; MACHADO-DOS-SANTOS, S. C. Assistên- cia farmacêutica para gerentes municipais. Rio de Janeiro: Abrasco, 2003. 373 p. MATUS, C. Adeus, senhor Presidente. Governantes governados. São Paulo: Edições Fundap, 1996a. MATUS, C. Estratégias políticas: Chimpanzé, Maquiavel e Gandhi. São Paulo: Edições Fundap, 1996b. MÜLLER, G. (Org.). Jogo Social e Governo. São Paulo: FUNDAP/Egap, 1999. NAVES, J. O. S.; SILVER, L. D. Evaluation of pharmaceutical assistance in public primary care in Brasília, Brazil. Rev. Saúde Pública, v. 39, n. 2, p. 223-230, 2005. VEBER, A. P.; DIEHL, E.; LEITE, S. N.; PROSPERO, E. N. S. 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