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Guias e Dicas
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atencao-humanizada-metodo-canguru-manual-3ed 2017 MS, Manuais, Projetos, Pesquisas de Enfermagem

Materno Infantil

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2018

Compartilhado em 19/02/2018

nilda-andrade-4
nilda-andrade-4 🇧🇷

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Baixe atencao-humanizada-metodo-canguru-manual-3ed 2017 MS e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! MINISTÉRIO DA SAÚDE Brasília – DF 2017 Manual Técnico Atenção Humanizada ao Recém-Nascido 6 Apresentação 5 O Método Canguru no Brasil 11 Módulo 1 1 O Método Canguru no contexto das políticas de saúde 13 2 Norteadores da Atenção Humanizada ao Recém‑Nascido – Método Canguru 23 Aspectos psicoafetivos do recém‑nascido, seus pais e sua família 29 Módulo 2 1 Conjugalidade, casal grávido, transmissão psíquica e a construção da parentalidade 31 2 Os cuidados com a família: acolhimento e apoio, da gestação à alta 54 3 Trabalhando as perdas e a comunicação de notícias difíceis 78 4 Nascimento prematuro e formação de laços afetivos 91 Método Canguru e cuidados sociais na unidade neonatal 113 Módulo 3 1 Redes sociais de apoio no contexto da internação neonatal 115 2 As novas configurações familiares 129 3 O Método Canguru, as mulheres/mães e o uso de drogas 132 Aspectos Clínicos do Recém Nascido 141 Módulo 4 1 Apneia da prematuridade 143 2 Refluxo gastroesofágico (RGE) no recém‑nascido pré‑termo 150 3 Displasia broncopulmonar 156 4 Anemia da prematuridade 165 5 Controle térmico do recém‑nascido de baixo peso 170 6 Nutrição do recém‑nascido pré‑termo 180 7 Aleitamento materno 196 Proteção do desenvolvimento na unidade neonatal – conceitos e intervenções 207 Módulo 5 1 Desenvolvimento e comportamento do recém‑nascido na unidade neonatal 209 2 Manejos, cuidados e manuseios inividualizados na unidade neonatal 228 3 Ambiência na unidade neonatal: características, efeitos e possibilidades de intervenção 259 4 Avaliação, prevenção, tratamento e consequências da dor e do estresse no recém‑nascido 278 O cuidador e o ambiente de trabalho 309 Módulo 6 1 O cuidador e o ambiente de trabalho 311 2 O recém‑nascido, os pais e a equipe 313 3 O cuidador e a unidade neonatal 318 4 O estresse ocupacional e a síndrome de burnout 321 5 Cuidando da equipe 326 Chegando ao final 331 Anexos 335 Anexo A – Modelo gráfico do genograma 337 Anexo B – Símbolos do genograma 338 Anexo C – Modelo gráfico do ecomapa 339 Sumário Apresentação 8 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém‑Nascido: Método Canguru desconhecidas pela grande maioria dos cuidadores perinatais passam a ser delinea- das. À compreensão sobre a abordagem da mãe, do pai e de toda a família, prota- gonistas da gestação, associa-se o conhecimento dos aspectos psíquicos e sociais, de fundamental importância para um adequado acompanhamento fisiológico da gestação. Surgem novos olhares com o melhor conhecimento da conjugalidade, dos conceitos de parentalidade, temporalidade da mãe e seu companheiro, da família e do recém-nascido e reforço na função e no lugar dos irmãos e dos avós dessas crianças. A discussão das novas configurações familiares, indo além da tradicional família nuclear, mostra que a equipe perinatal deve estar preparada para as mudanças no contexto das relações afetivas e promover inclusão e auxílio na formação da rede social de apoio. A mesma preocupação aparece ao discutir particularidades no acom- panhamento das gestações de pacientes usuárias de drogas. A vocação e o forte conteúdo direcionado ao cuidado do recém-nascido pré-termo e de baixo peso devem-se à importância que o conhecimento sobre a labilidade desse momento do desenvolvimento deve ser ressaltado. Assim é que a discussão estabelecida no Manual, apoiada nos novos conceitos de neurodesenvolvimento e da neurociência, ratifica a adequação dos cuidados voltados à neuroproteção como fundamentais para uma saudável vida futura. Por isso, trabalhar a qualidade da ambiência na unidade neonatal e estabelecer manuseio refinado dessas crianças tornaram-se um dos pontos altos desse novo paradigma perinatal. Atrelado a isso, a formulação de diretrizes para um suporte nutricional adequado, assim como os aspectos concernentes à manutenção da estabilidade térmica, da prevenção e do tratamento da apneia e do refluxo gastroesofágico, dos cuidados na broncodisplasia, presentes na primeira edição, retorna atualizada nesta 3ª edição. Cuidar de quem cuida foi, desde o início, uma das particularidades desse rico ma- terial e certamente aclamado pelo pioneirismo com essa preocupação. Não há pro- moção da saúde sem o cuidado com a saúde dos cuidadores. Assim, discutir fatores provocadores de estresse profissional pelo contato diário com recém-nascidos em situação de risco, evitar o burnout, trabalhar as perdas, pensar estratégias de apoio da gestão são aspectos fundamentais para serem discutidos e dignificam a atenção com a equipe perinatal. A acreditação Não adiantava contar com tão importante obra se ela ficasse subutilizada. A estratégia de estabelecer cursos de capacitação para profissionais de saúde, centros de referên- cias nos diferentes estados do País, tutores e instrutores, assim como consultores da Norma (responsáveis pela constante organização, revisão de conteúdo e de estraté- gias de disseminação do conhecimento), foi fundamental na consolidação da nova proposta. Trabalho árduo foi realizado com as sociedades de especialidades médicas e academias, que inicialmente se mostraram arredias e incrédulas a todo este movi- mento. Importante ressaltar que, aliados à postura de mudança da atenção perinatal, novos modelos educacionais, como a utilização da estratégia de Aprendizado Baseado em Problematizações (PBL – problem based learning) passaram a ser utilizados nos 9 Apresentação cursos de capacitação, como metodologia de ensino e aprendizagem. No âmbito das unidades neonatais, começou-se a propagar o Projeto Terapêutico Singular (PTS) como forma, não só de individualização do cuidado perinatal, mas também de har- monização do olhar da equipe multiprofissional. Dentro da filosofia ora trabalhada, tem sido sugerida a mudança do termo “terapêutico” para “cuidado”, tornando-se portanto Projeto de Cuidado Singular, o que de certa forma parece mais compatível com a filosofia da abordagem proposta. No momento, o que parecia no início ser uma proposta de sonhadores, consolidou-se, e a Norma de Atenção Humanizada ao Récem-Nascido de Baixo Peso – Método Canguru tem sido uma realidade nos modelos de assistência no Brasil e mundo afora. Vários trabalhos acadêmicos, teses de mestrado e de doutorado têm sido pro- duzidos pelas nossas universidades. Artigos ganham espaços nas diferentes publica- ções indexadas no âmbito nacional e internacional. Recentemente, Conde-Agudelo e Díaz-Rosselo (2014), em revisão sistemática da Cochrane Library, mostraram que a utilização do Método Canguru é estratégia que impacta positivamente na redução da morbimortalidade dos recém-nascidos de baixo peso. Olhando para o futuro Como a vida é dinâmica, consolidar o conhecimento é fundamental. Mas desbravar e construir novos caminhos percorrem sempre a cabeça dos inquietos, dos perfec- cionistas e dos sonhadores. Por isso, a Norma deve ser considerada como uma carta norteadora, livre para permitir que nos debrucemos sobre ela e procuremos traçar sempre os melhores caminhos para o nosso cuidado perinatal. Para isso, convidamos todos leitores a que ultrapassem as propostas relativas a cui- dados dirigidos apenas aos nossos pequenos recém-nascidos. O Método Canguru, em suas estratégias de atenção, ultrapassa a prematuridade ou o baixo peso ao nas- cimento, população esta que representa a maior parte das crianças sob nossos cui- dados. Ele tece uma malha que apoia o cuidado neonatal para todas aquelas crianças que, ao nascer, necessitam de intervenções próprias de uma internação hospitalar. Que neste Manual isto se transforme em palavras, conceitos e estratégias, apoiando as equipes e cada profissional nos desafios de cada dia oferecidos pelas diferentes crianças, suas famílias e suas redes de apoio em nossas unidades neonatais. Referências CONDE-AGUDELO, A.; DÍAZ-ROSSELLO, J. L. Kangaroo mother care to reduce morbidity and mortality in low birthweight infants. The Cochrane Database of Systematic Reviews, [S.l.], n. 4, p. CD002772, 2014. WENDLAND, J. Prevenção, intervenções e cuidados integrais na gravidez e no pós-parto. In: ______. (Org.). Primeira infância: ideias e intervenções oportunas. Brasília: Senado Federal, 2012. p. 23-58. 13 M ód ul o 1 Módulo 1 O Método Canguru no contexto das políticas de saúde 1 O Método Canguru no contexto das políticas de saúde Desde 1999, as estratégias que contribuíram para a implantação e a consolidação da Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso – Método Canguru (AHRNBP – MC), como a reconhecemos hoje no Brasil, foram coordenadas pela Área Técnica de Saúde da Criança e Aleitamento Materno (ATSCAM), posteriormente renomeada como Coordenação-Geral de Saúde da Criança e Aleitamento Materno (CGSCAM). O resultado desse trabalho, identificado como a experiência brasileira na concepção, na implantação e na disseminação do Método Canguru, alcançou, ao final de seus primeiros 15 anos, abrangência nacional e reconhecimento internacional. O caráter de política pública, o compromisso com as melhores práticas clínicas e as evidências científicas e a integralidade na abordagem do recém-nascido e sua família foram fatores centrais nesse processo. No contexto mais geral, a implantação e o fortalecimento da AHRNBP – MC esti- veram inseridos no conjunto de iniciativas e ações voltadas para a qualificação da atenção perinatal na agenda de prioridades da política de saúde no Brasil. A imple- mentação das diferentes ações nesse mesmo período foi acompanhada nos anos seguintes pela Política Nacional de Humanização, que potencializou as premissas e as propostas inovadoras apresentadas pelo Método Canguru no sentido da qua- lificação da assistência, do acolhimento ao recém-nascido e sua família, da clínica ampliada e do cuidado com a ambiência. Ainda em relação a esse processo, também é importante registrar o estabelecimen- to, o fortalecimento e a ampliação do escopo das parcerias do Ministério da Saúde com os Centros Nacionais de Referência para o Método Canguru e com instituições acadêmicas ou voltadas para o aprimoramento de práticas clínicas neonatais, como serviços universitários e o Departamento de Neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. Esse movimento reforçou a perspectiva e o compromisso inicial do Método Canguru no Brasil: a garantia da humanização do cuidado neonatal, compreendida como respeito à integralidade e à singularidade de cada recém-nascido, não dissociada da qualidade técnico-científica e das boas práticas do campo da terapia intensiva neonatal. 1.1 O final da década de 1990 Esse é um período marcado pelo reconhecimento de pesquisadores, técnicos do Ministério da Saúde (MS), particularmente na Saúde da Mulher, e de movimentos sociais em relação à necessidade de mudanças nos modelos de atenção ao parto e nascimento no Brasil. Esse processo, iniciado na década anterior, consolidou-se ao longo dos anos 90. A partir do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (Paism) e de eventos marcantes, como o encontro promovido, em 1985, pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em Fortaleza, encontramos um movimento 14 M ódulo 1 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru permanente e contínuo de alertas e estratégias visando à revisão dos processos en- volvidos na atenção à gestação e ao parto. Ao consenso técnico e acadêmico de que a assistência obstétrica precisava melhorar em vários de seus aspectos lógicos e organizacionais (acesso, acolhimento, qualidade, resolutividade), associava-se uma questão central de mudança de uma atenção baseada em princípios tecnocráticos. A publicação em 1996, pela OMS, de diretrizes clínicas baseadas em evidências para a atenção ao parto normal, com recomendações que valorizavam práticas benéficas e indicavam a redução de intervenções desnecessárias, representaram importante fator para a consolidação desse movimento. Questionamentos e inquietações com rotinas tecnicistas repetidas de forma auto- mática, sem evidências em relação ao seu benefício e sem a valorização da singu- laridade na abordagem clínica ganharam força nos diferentes cenários envolvidos na produção do cuidado ao parto e ao nascimento. Embora voltados mais especi- ficamente para o processo de cuidado no parto de risco habitual, esse debate e as estratégias de revisão de práticas aconteceram no contexto perinatal mais amplo. Como sinalizadores desse momento, podemos citar um conjunto de portarias, ela- boradas e editadas pelo MS ao longo de 1998 e 1999, visando ao incentivo ao parto normal, inclusão do parto normal sem distócia realizado por enfermeiro na tabela do Sistema de Informações Hospitalares do SUS e readequação física e tecnológi- ca das unidades neonatais, incluindo portarias com critérios de classificação entre unidades de terapia intensiva. É importante registrar que, até este momento, a atuação hospitalar de gestores e técnicos que atuavam na Saúde da Criança no âmbito federal ou de estados e municí- pios era voltada, quase que exclusivamente, para as ações envolvidas na implantação da Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC). Alguns fatores foram determinan- tes para a ampliação do escopo das ações programáticas do MS, anteriormente mais concentrado nas questões de risco nutricional e nas doenças infecciosas. Contribuíram para esse processo a mudança no perfil da mortalidade infantil, com redução do componente pós-neonatal, resultado de mudanças sociais e de um con- junto de ações de saúde priorizadas nas décadas anteriores, assim como a maior disponibilidade e qualidade das informações epidemiológicas sobre nascimento e óbitos, a partir do aprimoramento do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) e da implantação e expansão do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc). Encontramos ainda, nesse período, a crescente disponibilidade ou, pelo menos, a disseminação do conhecimento sobre a disponibilidade de tecnologias e práticas de terapia intensiva neonatal com capacidade de garantir a sobrevida de recém-nascidos pré-termo ou gravemente enfermos. Esse conhecimento alterou a expectativa, social- mente aceita até então, de inevitabilidade em relação ao óbito neonatal. A maior visibilidade da mortalidade entre recém-nascidos e a incorporação do cuida- do neonatal na agenda da política de saúde passam a ocorrer em diferentes regionais no que se refere à gestão e à organização da rede assistencial. Entretanto, quanto à disponibilidade de serviços neonatais, o cenário mais comum era o de oferta insu- ficiente de leitos em termos populacionais e, em geral, concentrados em hospitais universitários ou de ensino e pesquisa. A partir desse período (final da década de 90), 15 M ód ul o 1 Módulo 1 O Método Canguru no contexto das políticas de saúde registra-se uma significativa ampliação de leitos neonatais intermediários e intensi- vos no setor público, principalmente nas regiões metropolitanas do Sul e Sudeste. A inclusão do cuidado neonatal na agenda das políticas públicas para a infância contribuiu para a reconfiguração da atuação política e técnica da Saúde da Criança no País, incluindo maior interação da área técnica com outras áreas do Ministério, especialmente com aquelas voltadas para o planejamento e a gestão hospitalar. Nesse contexto, a presença, na área, de neonatologistas com atuação acadêmica e signifi- cativo reconhecimento nacional é um dos elementos que caracteriza e, ao mesmo tempo, fortalece a incorporação do cuidado neonatal como eixo prioritário da política pública federal. Esse processo influenciou, na década seguinte, a composição técnica das equipes de Saúde da Criança nos estados e nos municípios brasileiros, até então compostas predominantemente por quadros com formação, experiência e atuação em ações programáticas planejadas e desenvolvidas na Atenção Básica (Acompanhamento do Crescimento e Desenvolvimento, Promoção do Aleitamento Materno, Imunização, Prevenção e Controle das Doenças Diarreicas e Controle das Infecções Respiratórias Agudas). Ainda em relação a esse período, é importante registrar o estabelecimento, o forta- lecimento e a ampliação do escopo das parcerias com instituições acadêmicas ou voltadas para o aprimoramento de práticas clínicas neonatais, como serviços univer- sitários e o Departamento de Neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. Esse movimento foi absolutamente necessário, uma vez que a garantia da humanização do cuidado neonatal, numa perspectiva de respeito à integralidade e à singularidade, não estava dissociada da qualidade técnico-científica e das boas práticas do campo da terapia intensiva neonatal. Para além das ações de políticas públicas brasileiras, é importante também mencionar que encontramos, na década de 90, um expres- sivo movimento internacional de revisão e readequação de práticas hospitalares no âmbito da terapia intensiva pediátrica e de adultos. De aspectos da ambiência até as normas em relação aos acompanhantes e às visitas, passando pelas rotinas assistenciais, há um amplo debate internacional que compõe o que se denomina humanização em terapia intensiva. 1.2 2000‑2010 – Consolidação da Atenção Obstétrica e Neonatal na agenda de prioridades e da humanização como referência conceitual nas políticas de saúde A mortalidade materna em patamares significativamente elevados, a estagnação da mortalidade neonatal, com as afecções perinatais sendo a principal causa dos óbitos no 1° ano de vida, e os inúmeros registros relativos à inadequação do modelo de atenção pré-natal ao parto e ao nascimento mantiveram a organização e a qualificação do cuidado obstétrico e neonatal como desafios permanentes nessa década. Duas perspectivas são relevantes no período 2000-2010. A primeira delas é a identi- ficação de um conjunto de iniciativas que confirma a Atenção Obstétrica e Neonatal na agenda das políticas de saúde no Brasil. A segunda delas é que, ao longo desse 18 M ódulo 1 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru A Rede Cegonha (RC) – lançada em 2011 como uma das cinco redes prioritárias nas políticas de saúde para o País – reafirmou o compromisso do Ministério da Saúde com a busca de boas práticas na gestão e na Atenção Obstétrica e Neonatal e enfa- tizou a urgência na revisão dos processos de cuidado em maternidades brasileiras. Apesar do período já decorrido desde as primeiras ações do MS para a qualificação e a humanização da atenção ao parto e ao nascimento, a análise de indicadores perinatais e neonatais, assim como de publicações sobre as experiências vividas por mulheres e famílias brasileiras, ainda identificava a manutenção de um cená- rio desafiador. Esse cenário, caracterizado por padrão assistencial de intervenções excessivas e nem sempre baseado em evidências científicas, apresentava-se como predominante num amplo espectro do cuidado perinatal. Assim sendo, além da expectativa de valorização das boas práticas clínicas nos processos fisiológicos do parto e nascimento, os esforços para a garantia de práticas adequadas, qualificadas e humanizadas no cuidado intensivo neonatal, foco específico da AHRNBP – MC, também foram potencializados nesse momento de intensificação de uma política pública voltada para a qualificação e a humanização do cuidado perinatal. Embora os avanços, já documentados em publicações científicas e relatórios técnicos e de gestão dos projetos de fortalecimento do Método Canguru, fossem evidentes, a efetiva garantia de que cada recém-nascido pré-termo, proveniente de maternidade brasileiras, tivesse acesso ao preconizado nas três etapas do MC ainda permanecia como um objetivo a ser alcançado em nosso país. As bases conceituais, as portarias e as diretrizes operacionais da RC, além de poten- cializarem a possibilidade de revisão de conceitos e valores na forma de cuidar, trou- xeram novas perspectivas para o planejamento e a programação nos diferentes recor- tes de territórios, consequentemente um período fértil para a ampliação da oferta do cuidado neonatal acompanhada da necessária readequação dos modelos de atenção e reversão de práticas assistenciais que destoam das diretrizes da AHRNBP – MC. Um conjunto de situações e fatores com potencial de agir sinergicamente para a ex- pansão e o fortalecimento do MC em todo o país pode ser identificado na análise dos últimos cinco anos. Entre eles, podem ser destacados: (1) o processo de implantação da Rede Cegonha (cuidado com “o modo de fazer” e oferta de apoio institucional nos territórios) demonstra que seu objetivo não se limitou à expansão da capacidade instalada que, inevitavelmente, contribuiria para “mais do mesmo”; (2) consolidação da Política Nacional de Humanização como eixo condutor nas redes de atenção ga- rantindo o apoio institucional para a implementação das boas práticas; (3) um novo ciclo de fortalecimento técnico da CGSCAM que, mais uma vez, reforça seus quadros com neonatologistas nacionalmente reconhecidos e com ampla capacidade de mo- bilização de seus pares e da comunidade científica no campo neonatal; (4) trabalho sistemático da CGSCAM visando à maior articulação com os hospitais universitários e com a Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais (RBPN) para ações conjuntas na qualificação e na humanização do cuidado neonatal, incluindo a valorização desses espaços na disseminação do Método. Nos últimos anos, a consolidação da “neonatologia baseada em evidências”, mun- dialmente reconhecida e legitimada, vem marcando a formação de novas gerações de profissionais que atuam na atenção ao recém-nascido. Aspectos valorizados pelo 19 M ód ul o 1 Módulo 1 O Método Canguru no contexto das políticas de saúde MC desde sua formulação e implantação no Brasil, pelo seu impacto nos resultados neonatais imediatos e de médio prazo (desenvolvimento psicoafetivo, cognitivo e neuromotor), foram reafirmados de forma sistemática e crescente por pesquisadores de diferentes subáreas do campo neonatal. Assim sendo, os serviços de neonatologia comprometidos com as boas práticas e com excelência clínica passaram a incorporar mudanças físicas e em seus processos, todas compatíveis com a melhor técnica de cuidado, incorporando-se ao movimento iniciado em anos anteriores pelos Centros de Referência Nacional e, posteriormente, pelos Centros Estaduais. Isso faz com que boa parte dos novos profissionais para o cuidado neonatal já estejam experimentando, desde a sua formação, maternidades que, da estrutura física às rotinas institucionais, buscam o cuidado humanizado ao recém-nascido e à sua família, conforme preconizado em normas técnicas, manuais e portarias do MS desde o final da década de 90. No contexto organizacional, um elemento estratégico foi a elaboração e a publicação da Portaria GM/MS n° 930, de 10 de maio de 2012, que definiu as diretrizes e os objetivos para a organização da atenção integral e humanizada ao recém-nascido grave ou potencialmente grave e os critérios de classificação e habilitação de leitos de unidade neonatal no âmbito do SUS. O processo de discussão e elaboração da Portaria n° 930 foi integrado e partilhado por consultores da CGSCAM, especialistas e técnicos de diferentes serviços de ensino e pesquisa do País. A Portaria n° 930, portanto, registra claramente a perspectiva da integralidade e da humanização no cuidado neonatal e detalha como diretrizes para a atenção integral e humanizada ao recém-nascido grave ou potencialmente grave: o respeito, a pro- teção e o apoio aos direitos humanos; a promoção da equidade; a integralidade da assistência; o cuidado multiprofissional, com enfoque nas necessidades do usuário; a atenção humanizada e o estímulo à participação e ao protagonismo da mãe e do pai nos cuidados ao recém-nascido. Tais diretrizes estão claramente comprometidas com os pilares da proposta da AHRBP – MC, expressos desde sua origem. De forma coerente e também como resultado do amadurecimento a partir do moni- toramento de experiências em diferentes regiões brasileiras e da análise de estudos nacionais e internacionais, a Portaria n° 930 aponta para um redirecionamento na organização dos serviços e dos leitos neonatais. O conceito de unidade neonatal é fortalecido e há a indicação de que seus componentes devem articular uma linha de cuidados progressivos, possibilitando a adequação entre a capacidade instalada e a condição clínica do recém-nascido. A partir da Portaria n° 930, as unidades neonatais no âmbito do SUS passam a ser divididas de acordo com as necessidades do cuidado, nos seguintes termos: I – Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTI neonatal). II – Unidade de Cuidado Intermediário Neonatal (Ucin), com duas tipologias: a) Unidade de Cuidado Intermediário Neonatal Convencional (UCINCo). b) Unidade de Cuidado Intermediário Neonatal Canguru (UCINCa).1 1 É importante lembrar de que, se nesta portaria a conhecida segunda etapa do MC recebe em sua denominação a palavra canguru, não significa dizer que apenas aqui se incorporam tais cuidados. Estes já vêm se dando a partir do pré-natal e perpassam toda a internação. 20 M ódulo 1 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru Assim sendo, temos, a partir de 2012, uma regulamentação que legitima a 2ª etapa da AHRNBP – MC no cenário do Cuidado Intermediário Neonatal. Embora portarias e diretrizes anteriores já tivessem normatizado a concepção da Unidade Canguru para esse momento do cuidado para recém-nascidos elegíveis, é inegável que a Portaria n° 930 representou um marco significativo, tanto no campo conceitual quanto no campo operacional da atenção ao recém-nascido pré-termo. Outro elemento importante da valorização, pelo MS, das Redes de Atenção com influência direta nas ações preconizadas pela AHRNBP diz respeito à possibilidade de planejamento e visão do todo na linha de cuidado perinatal, desde o início da gestação. Aspectos valorizados como marcas centrais da RC, tais como vinculação pré-natal – maternidade, acolhimento e classificação de risco nas portas de entrada das maternidades –, assim como o direito ao acompanhante da escolha da mulher, encontram estreita consonância com aspectos muitos preciosos para o MC, como: cuidado com as especificidades da gestação de risco diante da maior probabilidade de nascimentos prematuros, acolhimento do recém-nascido e de sua família e esta- belecimento de redes sociais de apoio. 1.4 Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança – Pnaisc Em 2015, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (Pnaisc) foi ins- tituída pela Portaria GM/MS nº 1.130, de 5 de agosto de 2015. Fruto de um extenso trabalho de acúmulo, reflexão, discussão e articulação da CGSCAM com inúmeros e diversos parceiros, a Pnaisc tem como objetivos centrais promover e proteger a saúde da criança e o aleitamento materno, mediante a atenção e os cuidados integrais e integrados da gestação aos 9 nove anos de vida, com especial atenção à primeira infância e às populações de maior vulnerabilidade, visando à redução da morbi- mortalidade e um ambiente facilitador à vida com condições dignas de existência e pleno desenvolvimento A identificação dos princípios orientadores da Pnaisc (direito à vida e à saúde; prio- ridade absoluta da criança; acesso universal à saúde; integralidade do cuidado; equi- dade em saúde; ambiente facilitador à vida; humanização da atenção e gestão parti- cipativa e controle social) nos permite, de imediato, compreender sua proximidade em relação aos pilares do MC no Brasil. Essa proximidade é traduzida na apresentação da Atenção humanizada e qualificada à gestação, ao parto, ao nascimento e ao recém‑nascido como o primeiro dos sete eixos de ação da Pnaisc. As ações inseridas nesse eixo incluem a melhoria do acesso, da cobertura, da qualidade e da humanização da Atenção Obstétrica e Neonatal, inte- grando as ações do pré-natal e o acompanhamento da criança na Atenção Básica com aquelas desenvolvidas nas maternidades, conformando-se uma rede articulada de atenção. 23 M ód ul o 1 Módulo 1 Norteadores da Atenção Humanizada ao Recém‑Nascido – Método Canguru 2 Norteadores da Atenção Humanizada ao Recém‑Nascido – Método Canguru A proposta de construir norteadores para os cuidados perinatais, no Brasil, que sur- giu da inquietação de diferentes profissionais e do próprio Ministério da Saúde, deu origem à Norma de Orientação para a Implantação do Método Canguru, publicada pelo Diário Oficial como Portaria GM n° 693, em 5 de julho de 2000, posteriormente revisada como Portaria n° 1.683, de 12 de julho de 2007. Nesta, encontram-se os prin- cipais paradigmas deste modelo de cuidados a serem oferecidos aos recém-nascidos que necessitam de hospitalização logo após o nascimento. Neste capítulo, iremos sinalizar alguns destes norteadores que estruturam a prática de cuidados neonatais preconizados pelo Método Canguru. Nas páginas que se seguem deste Manual da Atenção Humanizada ao Recém‑Nascido – Método Canguru, 3ª edição, o leitor irá encontrar a sustentação teórica e sugestões de estratégias para sua execução. 2.1 Paradigmas do cuidado no Método Canguru Os avanços tecnológicos para o diagnóstico e a abordagem de recém-nascidos, no- tadamente os que necessitam internação neonatal, aumentaram as chances de vida desse grupo etário. Sabe-se, ainda, que o adequado desenvolvimento dessas crianças é determinado por um equilíbrio quanto ao suporte das necessidades biológicas, am- bientais e familiares; portanto, cumpre estabelecer uma contínua adequação tanto da abordagem assistencial quanto das posturas que impliquem mudanças ambientais e comportamentais com vistas à maior humanização e qualificação do atendimento. A adoção dessa estratégia contribui para a promoção de uma mudança institucio- nal na busca da atenção à saúde, centrada em evidências científicas que garantam qualidade, humanização e o princípio de cidadania da família. Entende-se que as recomendações aqui contidas deverão ser consideradas para a tomada de decisões que visem a um atendimento adequado ao recém-nascido, com procedimentos humanizados, objetivando a construção do apego seguro, incentivo ao aleitamento materno, fortalecimento dos vínculos familiares e o crescimento e o desenvolvimento integral desta criança. 2.2 Definição O Método Canguru é um modelo de atenção perinatal voltado para a atenção qua- lificada e humanizada que reúne estratégias de intervenção biopsicossocial com uma ambiência que favoreça o cuidado ao recém-nascido e à sua família. O Método promove a participação dos pais e da família nos cuidados neonatais. Faz parte do Método o contato pele a pele, que começa de forma precoce e crescente desde o toque evoluindo até a posição canguru. 24 M ódulo 1 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru A posição canguru consiste em manter o RN, em contato pele a pele, somente de fral- das, na posição vertical junto ao peito dos pais guardando o tempo mínimo neces sário para respeitar a estabilização do RN e pelo tempo máximo que ambos entenderem ser prazeroso e suficiente. Deve ser realizada de maneira orientada, segura e acompa- nhada de suporte assistencial por uma equipe de Saúde adequadamente capacitada. Vantagens: ▶ Reduz o tempo de separação mãe/pai-filho. ▶ Facilita o vínculo afetivo mãe/pai-filho. ▶ Possibilita maior competência e confiança dos pais no cuidado do seu filho, inclusive após a alta hospitalar. ▶ Estimula o aleitamento materno, permitindo maior frequência, precocidade e duração. ▶ Possibilita ao recém-nascido adequado controle térmico. ▶ Contribui para a redução do risco de infecção hospitalar. ▶ Reduz o estresse e a dor. ▶ Propicia melhor relacionamento da família com a equipe de Saúde. ▶ Favorece ao recém-nascido uma estimulação sensorial protetora em relação ao seu desenvolvimento integral. ▶ Melhora a qualidade do desenvolvimento neuropsicomotor. População a ser atendida: ▶ Mulheres com gestação que necessita cuidados especializados. ▶ Recém-nascidos que necessitem de internação em unidade neonatal tais como os RNPT e/ou de baixo peso. ▶ Mãe, pai e família do recém-nascido internado em unidade neonatal. São atribuições da equipe de Saúde: ▶ Construir um plano de Cuidado Terapêutico Singular para cada recém-nas- cido e sua família. ▶ Acolher e orientar a mãe, o pai e a família durante toda a internação. ▶ Oferecer suporte e apoio aos pais nos diferentes momentos e espaços da unidade neonatal. ▶ Promover, proteger e apoiar o aleitamento materno. ▶ Desenvolver ações educativas em saúde junto à família. ▶ Oferecer atividades ocupacionais para as mães durante o período de per- manência hospitalar junto ao filho internado. ▶ Orientar a família na alta hospitalar, reforçando a comunicação com a equi- pe hospitalar e da atenção básica. ▶ Garantir possibilidades de atendimento continuado nos diferentes pontos da Rede de Atenção à Saúde. ▶ Participar de capacitação em serviço como condição básica para garantir a qualidade da atenção estabelecida pelo Método Canguru. 25 M ód ul o 1 Módulo 1 Norteadores da Atenção Humanizada ao Recém‑Nascido – Método Canguru Aplicação do método O método será desenvolvido em três etapas: Primeira etapa: Tem início no pré-natal da gestação que necessita cuidados especializados, durante o parto/nascimento, seguido da internação do recém-nascido na UTI neonatal e/ou na Unidade de Cuidado Intermediário Neonatal Convencional (UCINCo). Nesta etapa, os procedimentos deverão seguir os seguintes cuidados especiais: ▶ Acolher os pais e a família ampliada nos cuidados especializados e poste- riormente na unidade neonatal. ▶ Estimular o livre acesso ao companheiro ou acompanhante materno nos cuidados gestacionais necessários. ▶ Apoiar o acompanhante da mulher durante o parto-nascimento principal- mente por seu companheiro ou alguém de sua escolha. ▶ Promover o livre e precoce acesso, bem como a permanência dos pais na unidade neonatal, sem restrições de horário. ▶ Garantir que primeiro encontro dos pais seja acompanhado por um profis- sional da equipe de cuidados, favorecendo os primeiros contatos família/ recém-nascido. ▶ Informar os pais sobre a importância da visita dos avós e dos irmãos. ▶ Propiciar o contato pele a pele precoce respeitando as condições clínicas do recém-nascido e a disponibilidade de aproximação e interação dos pais com o recém-nascido. ▶ Oferecer suporte e apoio para a amamentação. ▶ Garantir à puérpera a permanência na unidade hospitalar, oferecendo o suporte assistencial necessário. ▶ Diminuir os níveis de estímulos ambientais adversos da unidade neonatal, tais como odores, luzes e ruídos. ▶ Garantir cadeira adequada para a permanência da mãe/pai na unidade neonatal e para realização da posição canguru. Segunda etapa: A segunda etapa é realizada na Unidade de Cuidados Intermediários Canguru (UCINCa), garantindo todos os processos de cuidado já iniciados na primeira etapa com especial atenção ao aleitamento materno. O recém-nascido permanece de maneira contínua com sua mãe e a posição canguru será realizada pelo maior tempo possível. A presença e a participação do pai nos cuidados devem ser estimuladas. São critérios de elegibilidade para esta etapa: Do recém‑nascido: ▶ Estabilidade clínica. ▶ Nutrição enteral plena. ▶ Peso mínimo de 1.250 g. Aspectos psicoafetivos do recém‑nascido, seus pais e sua família Módulo 2 30 33 M ód ul o 2 Módulo 2 Conjugalidade, casal grávido, transmissão psíquica e a construção da parentalidade relações conjugais de outras gerações, apoiando o surgimento da parentalidade. As conjugalidades podem ser múltiplas, como observamos nas diferentes configura- ções familiares, tema que iremos discutir posteriormente, e não existe no caso da mulher que se encontra sozinha para cuidar de um filho, o que tem sido frequente em nossas unidades neonatais. Em sua transição para a parentalidade, a qualidade da relação conjugal é permeada por diferentes acontecimentos familiares e sociais (perdas, aquisições, mudanças, idade dos cônjuges, condições socioeconômicas), entrelaçada com a história indi- vidual dos pais, com sua rede social e pode favorecer ou dificultar as funções que serão solicitadas pela chegada de um filho. Ter uma relação conjugal satisfatória antes da gestação (MENEZES; LOPES, 2007), ter percepções positivas em relação ao parceiro, ter vivenciado apego seguro com os próprios cuidadores, ter satisfação sexual no casamento, ter acesso a emprego e bens sociais e culturais (BRAZ, 2005) atuam como fatores de proteção à qualidade da relação conjugal, em especial na transição para o nascimento do primeiro filho. Para nós, profissionais do Método Canguru, a compreensão deste processo auxilia na avaliação das condutas parentais apresentadas pelos progenitores quando da chegada do filho que virá para nossos cuidados. Isto é da maior importância, pois este é um tempo em que a dinâmica relacional familiar se encontra predisposta a mudanças e suscetível a intervenções. Ou seja, podemos intervir para facilitar mudanças e adaptações que, mesmo pequenas, podem apresentar resultados surpreendentes na comunicação e na relação intrafamiliar. É importante lembrar que a conjugalidade continua existindo após a chegada dos fi- lhos. É neste espaço que a mulher e o homem usufruem da privacidade e intimidade, reabastecem-se para fazerem frente às demandas próprias da responsabilidade de cuidar de uma família. Esta configuração inicial do casal deve ser cuidada e respei- tada em nossas atividades por meio de orientações e mesmo provocações para que possam cuidar de sua intimidade, de sua relação afetiva, apesar da hospitalização do filho recém-nascido. Isso é importante, especialmente nas longas internações da criança. 1.2 A notícia da chegada de um recém‑nascido na família Podemos pensar que quando um casal concebe um filho, muito do que irá aconte- cer já é conhecido. As maneiras de cuidá-lo, amamentá-lo, levá-lo ao colo, sussurrar e embalar para a chegada do sono, tudo isso já foi vivido quando também eram crianças (transmissão psíquica familiar), observado nas condutas de maternagem e paternagem presentes nas famílias. Porém, intensas mudanças passam a acontecer em todo sistema familiar e nos subsistemas que conhecemos como o dos pais (ou conjugalidade), dos avós, dos tios e dos irmãos. Tanto na conjugalidade como nos demais subsistemas, surgem expectativas, planos e projetos que determinam reor- ganizações (MINUCHIN, 1982). As novas tarefas, assim como aquelas que fazem parte do ciclo vital, mantêm vínculos com a história preexistente e atual destes pais e com os paradigmas das culturas que permeiam estas famílias há muitas gerações. 34 M ódulo 2 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru A notícia de uma gestação em curso provoca um realinhamento, criando um novo mapa de referências para o espaço familiar e recoloca lugares e funções – jovens tornam-se pais, pais tornam-se avós, avós tornam-se bisavós. As rotinas, o tempo, o afeto e o próprio espaço físico da família são redimensionados. Assim, podemos ter uma história que se apresenta como positiva e o processo da vinda do recém-nascido é cercado por afeto saudável, por reorganização e reestruturação positiva. Caso, no entanto, estivermos diante de uma relação conjugal inexistente ou frágil, ou ainda do não desejo de um filho, podem surgir conotoções negativas, acarretan- do sentimentos adversos na mulher que se encontra grávida ou mesmo no núcleo familiar. O não desejo desse recém-nascido possui diferentes implicações. Ele pode acompa- nhar a gestação, o parto e ser algo permanente na relação entre esta criança e sua mãe, ou então se modificar gradativamente. Na ocorrência da prematuridade, isso pode causar uma imensa culpa na mulher, que experimenta esse nascimento ante- cipado como o ônus de não estar desejando esse recém-nascido, nem lhe oferecendo condições mínimas de apoio e sustentação. É possível observar que algumas destas mulheres modificam tais sentimentos a partir das experiências provocadas pelo feto intraútero. Os significados atribuídos a partir dos seus movimentos, suas expressões no ultrassom, além de uma forte rede de apoio sociofamiliar podem servir de sustentação para a construção de novas representações psíquicas, provocando o início da interação mãe-filho. Para outras mulheres, isso pode acontecer quando do nascimento ou mesmo quando da visão do recém-nascido na incubadora, necessitando de atenção e cuidado. O Método Canguru estimula uma observação cautelosa dos detalhes das gestações, das nuances que fazem parte das histórias destas crianças, buscando caminhos que permitam a proximidade e a intimidade. Sempre que possível, sem nenhuma inter- venção intrusiva, sinalizando para esta mulher condutas e aspectos do recém-nascido que determinem nela a formação da maternalidade. Traduzindo gestos, compe- tências, posturas do feto intraútero, ou mesmo o RN na incuba dora, pontuando semelhanças, dando voz a esta criança. O profissional funciona como um intérprete para que a comunicação circule entre os diferentes parceiros, facilitando este viés relacional. 1.3 Construindo os novos pais ou a formação da parentalidade Para Lamour e Barraco (1998), a parentalidade pode ser definida como a reestrutu- ração psíquica e afetiva que possibilita ao adulto assumir o lugar de pai ou de mãe e atender às necessidades de seu filho em três níveis: corporal, afetivo e psíquico. Para estas autoras, trata-se de um processo maturativo e o recém-nascido tem fundamen- tal importância em sua formação. Ou seja, ao nascer, a criança olha para seus pais (especialmente a mãe) e, neste momento, provoca a sensação de que a reconhece. É como se ele tivesse a capacidade de nomeá-la de “mãe”. Da mesma forma, ao ouvir a voz do pai com a qual já havia se acostumado. Ou seja, coloca ambos nos lugares de “mãe e pai”, parentaliza-os. 35 M ód ul o 2 Módulo 2 Conjugalidade, casal grávido, transmissão psíquica e a construção da parentalidade Em termos sociais, a parentalização já estava em curso com o reconhecimento que surge por meio da observação e dos comentários sobre as mudanças corporais, as posturas do corpo da mulher grávida, de sua forma de andar, de seu ensimesma- mento. São comuns os comentários de que “ela está com cara de mãe”, com “jeito de mãe”. Ou seja, ela recebe de seu entorno o status de “mãe”. As realidades psíquicas do pai, da mãe e da criança que está por vir se entrelaçam muito antes da concepção. Um filho começa a existir para seus pais a partir do desejo que cada homem e cada mulher possuem, desde sua tenra infância, de formarem uma família. Seus primeiros registros são vistos nas brincadeiras de menina e me- nino que repetem atividades de maternagem e paternagem: brincam de bonecas, montam casinhas, criam situações que imitam as atividades realizadas por suas figuras parentais que, envolvem o cuidado e a atenção com o grupo familiar. Este filho com o qual brincam e constroem uma representação é conhecido como o bebê fantasmático. Totalmente inconsciente, ele acompanha a vida emocional interna dos pais, recebe arranjos quando de sua aproximação com experiências e vivências atuais e reais do casal com seu filho programado ou já intraútero, passando a ser conhecido como bebê imaginário. À medida que a gravidez transcorre e que o feto intraútero se desenvolve, passa a ser representado pelos significados que pai e mãe oferecem às sensações que ele provoca. Tais representações vão constituindo a imagem do filho que está por vir – temos então o bebê imaginado. Assim, enquanto é formado em sua estrutura biológica e corporal, também está sendo pensado quanto à sua individualidade e sua subjetividade. É importante lembrar isto para que possamos avaliar o intenso trabalho emocional da dupla parental durante a gestação. Por outro lado, são esses bebês – das representações maternas e paternas que chama- mos de fantasmático, imaginário e imaginado – que irão povoar o mundo interno do 38 M ódulo 2 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru À medida que a criança cresce, começam a surgir temas centrais relacionados a este processo: Tema de vida e crescimento: a questão central para a mulher é se ela conseguirá ser uma boa mãe, capaz de manter o filho vivo; se ela conseguirá fazer com que ele cresça e se desenvolva fisicamente (isso é que a faz levantar à noite para ver se o filho está respirando, está dormindo bem, que faz a alimentação ser um assunto tão importante para as mães). Também se refere aos medos que a mãe tem de doenças, malformações durante a gestação ou depois do nascimento. Envolve sua capacidade de assumir um lugar na evolução da espécie, na cultura e na família. Tema de relacionar‑se primário: é o envolvimento social-emocional da mãe com o recém-nascido, sua capacidade de amar, de o sentir, de apresentar uma sensibilidade aumentada, identificando-se com ele para responder melhor às suas necessidades. Esse tema vai estar presente no 1° ano de vida da criança ou até que ele adquira a fala. Inclui o estabelecimento de laços humanos, apego e segurança e acompanha o funcio- namento materno descrito por Winnicott (1988) como preocupação materna primária. Tema de matriz de apoio: refere-se à necessidade de a mãe criar, permitir, aceitar e regular uma rede de apoio protetora para alcançar bons resultados nas duas pri- meiras tarefas – de manter o filho vivo e promover seu desenvolvimento psíquico. Essa matriz de apoio que surge a partir de suas figuras de referência (companheiro, mãe, parentes, vizinhos) constitui uma rede maternal, com a função de protegê-la fisicamente, prover suas necessidades vitais, afastá-la da realidade externa para que ela possa se ocupar de seu filho. A outra função refere-se ao apoio, ao acompanha- mento da mãe para que ela se sinta ajudada e instruída em suas novas funções neste momento. Isso a leva a aproximar-se de suas experiências de maternagem anteriores – com sua própria mãe ou suas representantes. Tema da reorganização da identidade: em essência, a mãe deve mudar seu centro de identidade de filha para mãe, de esposa para progenitora, de profissional para mãe de família, de uma geração para a precedente. Portanto, ocorrem exigências de um novo trabalho mental – a mulher, transformando-se em mãe, precisa alterar seus investimentos emocionais, sua distribuição de tempo e energia, redimensionar suas atividades.2 1.3.3 O processo de paternalidade Existem muitas mudanças no comportamento do homem frente à notícia da vinda de um filho. A experiência do primeiro filho, de acordo com Leff (1997), desperta intensas emoções assim que ele começa a tomar o lugar que anteriormente era de seu pai. Tem início um processo de reavaliação de suas experiências passadas como criança, em relação a seus cuidadores, e essa reavaliação pode resultar em novas combinações de aspectos de sua personalidade, elaboração de padrões de seus rela- cionamentos familiares anteriores, especialmente com a figura paterna. 2 Para Stern (1997), o homem, futuro pai, pode compartilhar estas mesmas preocupações maternas. (apud COUTINHO; MORSCH, 2006). 39 M ód ul o 2 Módulo 2 Conjugalidade, casal grávido, transmissão psíquica e a construção da parentalidade De acordo com essa autora, como nas sociedades industrializadas não existem ritos para o pai durante a gestação de sua companheira, alguns sintomas físicos podem surgir como representantes de suas inquietações em relação às modificações cor- porais que surgem em sua mulher: náuseas, vômitos, aumento de peso, palpitações e crises renais (cálculo renal, por exemplo). Esses sintomas possibilitam um reco- nhecimento sociofamiliar diante do momento em que se encontra, conseguindo atenção também com seu corpo. Por outro lado, muito comumente, planos e proje- tos profissionais do pai podem coincidir com a data prevista para o nascimento do recém-nascido, inclusive impedindo sua presença no momento do parto. Brazelton e Cramer (1990) corroboram estas informações e afirmam que o apego do pai ao filho é influenciado por suas experiências anteriores na infância. O desejo por um filho tem início em sua infância e a gestação de sua esposa apresenta-se como um período muito importante para a consolidação de sua identidade masculina. Surgem sentimentos ambivalentes, muitas dúvidas em relação ao seu papel, ao RN e ao seu relacionamento com a esposa. Muitas vezes, sente-se excluído da relação que observa entre a mulher e o recém-nascido, mas se preocupa em ajudar sua companheira diante dos desconfortos da gestação. Precisa aceitar a transição de uma relação dual com a mulher (conjugalidade) para uma relação triádica (parentalidade). A capacidade de prover as necessidades da família, oferecer apoio à esposa e dispor de tempo para cuidar do filho é outra de suas preocupações. O resguardo do pai, encontrado em muitas culturas, é um rito que facilita o reco- nhecimento da paternidade, retratando de forma simbólica seu comprometimento com a criança. Em algumas sociedades, o resguardo tem a intenção de proteger dos demônios ou maus espíritos a mulher ou a criança por nascer, desviando a aten- ção deles para o pai (LEFF, 1997). Temos, assim, a chamada “couvade”, que pode ter início ainda durante o período gestacional, a qual, atualmente, é muitas vezes representada pelos sintomas físicos antes discutidos. Lembramos que a parentalidade ocorre na situação de adoção, na depen‑ dência de como esta história foi vivida pelo grupo familiar, especialmente os novos pais, apesar da ausência de uma história biológica de gravidez. Estudos realizados no Brasil sobre gestação e paternidade (KROB; PICCININI; SILVA, 2009) mostram que a gestação da companheira é vivida pelos homens como um período emocionalmente intenso, marcado por sentimentos ambivalentes de alegria, disponibilidade emocional, ansiedade e conflitos, no qual percebem mudan- ças em suas próprias emoções e em sua sensibilidade para lidar com as situações e as pessoas, especialmente com a esposa. Piccinini (2004) refere que o acompanhamento às consultas e aos exames pré-natais é valorizado pelos homens como uma forma de participação na gestação. A experiência com a ecografia desencadeia, em muitos homens, reações positivas, proporcionando uma sensação de presença concreta do recém-nascido. Os dados mostram, ainda, que a maior parte das preocupações referidas pelos homens durante a gestação de 40 M ódulo 2 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru sua mulher se relaciona com a saúde e o bem-estar da criança e da mulher, o que para estes autores é indicativo da existência de um envolvimento emocional com ambos. Alguns pais relataram preocupações em relação ao trabalho de parto e/ou tipo de parto. Por meio destas informações, fica clara a importância da participação do homem nos cuidados do pré-natal, como propõe o Ministério de Saúde do Brasil. Não apenas para que ele próprio passe por avaliações clínicas que lhe são propostas para este momento, mas porque seu lugar e suas funções como companheiro desta mulher e nos cuidados com o recém-nascido são reconhecidos. Suas competências são valori- zadas com os inúmeros benefícios que podemos creditar em sua efetiva participação no parto e consequentemente no pós-parto, nos cuidados com o filho, no apoio à amamentação. Por outro lado, isso atende a um desejo que lhe é próprio, lhe é de direito e que muitas vezes lhe foi negado. 1.4 O nascimento da criança Para Graciela Cullere-Crespin (2004), o momento do nascimento é de um encontro, com o reconhecimento de algo que é estranho (o filho que nasce), mas ao mesmo tempo conhecido (o filho das representações parentais). Esse reconhecimento, que para ela se chama primordial, permite à mãe identificar-se com seu recém-nascido e desempenhar a função materna. Isso nos sugere a extrema delicadeza que este momento merece, especialmente na atenção para com a mulher, permitindo que ela possa vivenciar de forma privada, cautelosa, sensível, este acontecimento. É fundamental lembrarmos que, no local em que o “trabalho de parto” ocorre, o acolhimento, a privacidade e a intimidade ditem os manuseios (poucos), a intervenção (mínima), com apoio (máximo e afetivo) ao desem‑ penho natural e espontâneo dos protagonistas principais. Ao mesmo tempo, é da maior importância que este recém-nascido utilize seus recur- sos para provocar esta relação. Por meio do que chamamos neotenia, Klaus e Klaus (2000), com imagens muito claras em seu livro Seu Surpreendente Recém‑Nascido, mostram o quanto o ser humano nasce provido de provocações para que adultos e mesmo as crianças se sintam atraídos por ele – sua testa alta, suas bochechas, olhar firme sem piscadelas, mostrando-se pronto para a interação. Cyrulnik (2001) lembra o estabelecimento dos laços de pertencimento após o nas- cimento por meio das observações dos amigos e da família ampliada quanto às se- melhanças físicas e posturais do RN com seus familiares. Comenta este autor que: “desde o primeiro olhar, a morfologia fala de sua genealogia. Este relato permite acolher o RN e conceder-lhe um lugar na história familiar” (CYRULNIK, 2001, p. 57). É fundamental pensarmos nas experiências do RN. Para Winnicott (1988), no pro- cesso natural do parto, a experiência do nascimento é uma amostra exagerada de algo que o recém-nascido já conhece. Ou seja, o nascimento não é uma invasão se a adaptação ativa do ambiente satisfizer suas demandas. O entorno que vai receber 43 M ód ul o 2 Módulo 2 Conjugalidade, casal grávido, transmissão psíquica e a construção da parentalidade entanto, ainda são poucos os estudos sobre o quadro de ansiedade generalizada no período pós-parto. Além dos sintomas depressivos, inúmeras são as comorbidades da ansiedade, como fobia social, pânico, condutas obsessivo-compulsivas, estresse pós-traumático. Todas elas surgindo a partir de registros genéticos e experiências individuais do pai e da mãe. É fundamental que, durante a gestação, sejam observados sinais indicativos de sua presença para que a intervenção seja a mais rápida possível, tendo em vista suas re- percussões nas relações afetivas familiares e no desenvolvimento do recém-nascido. Assim como a depressão pós-parto, a ansiedade pós-parto (como quadro psicopa- tológico) é mais tardia e seu diagnóstico geralmente também é tardio (seis meses após o parto, em geral). 1.5.2 Depressão “Blues” do pós‑parto No “blues” pós-parto, considerado benigno e frequente, a mulher apresenta sinais de irritabilidade, cansaço, choros sem motivo, introversão, o que pode provocar dificuldades relacionais neste período. Marcado por um tumultuado movimento endócrino/neurobiológico e notadamente dopaminérgico, esse movimento depres- sivo materno ainda permanece, em grande parte, enigmático. Guedeney e Lebovici (1999) citam que esse funcionamento marca o fim da gestação psíquica, permitindo à mãe entrar eficazmente no sistema interativo neonatal. Lembram também que apenas 15% a 20% das mulheres que apresentaram “blues” pós-parto desenvolveram depressão materna pós-natal. Szejer e Stewart (2002) comentam que este funcionamento materno, mais tristonho, caracteriza-se por ser uma fase adaptativa da nova mãe, em função da experiência de separação que ela passa a simbolizar com seu filho, agora fora de seu corpo. Para ela, após o parto, vem o nascimento do sujeito, das exigências do recém-nascido e de sua configuração, o que pressupõe uma perda daquele feto anteriormente presente em seu corpo. Em nossa prática diária, nas unidade neonatais, este funcionamento muitas vezes não pode ser avaliado, pois ele surge com o estranhamento materno provocado pela internação do recém-nascido. No entanto, nesta situação, como nas gestações a ter- mo, deve ser bem considerado no surgimento de dificuldades relacionais com o RN ou mesmo na amamentação. O profissional deve ficar atento ao comportamento da mãe, que, neste caso é situacional, protegendo-a de observações ou de avaliações de que se encontra deprimida ou “não aceitando o filho recém-nascido”. Depressão pós‑parto A depressão pós-parto é longa, com a mãe mostrando sinais de tristeza, irritabilida- de, incapacidade para cuidar de seu filho, fadiga, sentimentos de solidão, podendo surgir queixas somáticas. Autenticamente patológica, é bem mais rara que o “blues”, aparecendo em aproximadamente 15% das puérperas. Uma das maiores preocu- pações refere-se ao fato de que ela pode não ser observada pela família ou mesmo 44 M ódulo 2 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru pelo pediatra que, neste momento, tem contato maior com a mãe do que com o obstetra. Muitas mulheres não apresentam queixas ou tentam ocultá-las pela culpa que experimentam frente ao fato de terem dificuldades em cuidar de seus filhos. Assim, algumas delas podem inclusive rejeitar o contato social e familiar. A depressão pós-parto é mais tardia, surgindo entre a quinta e a sexta semana após o nascimento do filho, possuindo como diferença dos outros quadros depressivos sua relação com o nascimento e com os entraves no processo de maternagem. É responsável por muitas dificuldades que surgem na interação mãe-bebê, levando a falhas na continuidade dos cuidados para com este, já que estas mulheres se encon- tram menos disponíveis aos apelos dos filhos. Presentes fisicamente, mas ausentes psiquicamente, apresentam um comportamen- to mecânico e operatório no qual as trocas com a criança se mostram pobres, sem expressões de afeto e as interações lúdicas são quase inexistentes. Não conseguindo ajustar sua linguagem à da criança, a mãe a priva de estímulos e informações, o que traz prejuízos cognitivos e emocionais para o recém-nascido (CAMAROTTI, 2001). Suscetíveis à fadiga imposta pelos cuidados com o recém-nascido, choram mais e suportam mal os choros das crianças, mostram-se desinteressadas em conversas ou ressentem-se em oferecer informações sobre o filho, por exemplo, nas consultas pediátricas. O cuidado prevê psicoterapia, mas muitas vezes torna-se necessária a intervenção psiquiátrica. Psicose puerperal Na psicose puerperal, o funcionamento psíquico materno mostra grave comprome- timento. Mais rara, aparece em aproximadamente uma a duas mulheres em cada mil. Como apresenta maior comprometimento emocional, necessita intervenção cuidadosa e criteriosa. Sintomas psicóticos, como delírios, alucinações, agitação psicomotora e estado confusional estão presentes. Deve ser lembrado que é possível que haja recidivas em outras gestações e que podem evoluir para quadros depressivos não puerperais ou mesmo quadros psicóticos. Requer atenção terapêutica em relação à mãe, à criança e ao estabelecimento dos primeiros laços afetivos. A separação da mãe e de seu filho é prejudicial, devendo serem criadas alternativas de atendimento que não a ocasionem. Torna-se necessária a participação muito próxima da família, com a equipe de Saúde, para que mãe e recém-nascido possam permanecer juntos, sob intensa supervisão. O objetivo é que a mãe possa exercer, mesmo que de maneira limitada, a função materna, tendo próxima sua mãe, ou outra figura feminina importante da família ou de seu convívio social, com quem ela tenha intimidade e de quem receba cuidados. A participação da figura paterna nos cuidados do recém-nascido é importante para o restabelecimento da saúde mental da mãe. Um dos objetivos terapêuticos de sua participação muito próxima é para que ele ajude a apontar, nas condutas e nos co- mentários de sua mulher, resquícios de sua ligação com o recém-nascido. Ou seja, compete a ele resgatar a lembrança da mãe de que ela, em momentos anteriores ao nascimento do filho, havia sugerido que almejava ser. Isso irá proteger a represen- tação que ele mesmo criou em relação à sua esposa como mãe. 45 M ód ul o 2 Módulo 2 Conjugalidade, casal grávido, transmissão psíquica e a construção da parentalidade O diagnóstico de psicose puerperal exige a intervenção psiquiátrica, ajuda medica- mentosa, psicoterápica, orientação familiar e, sempre que possível, a participação de especialistas na relação mãe-bebê. Em diferentes países, encontramos as chamadas Unidades Mãe-Bebê, onde a mãe permanece diuturnamente com o filho e recebe proteção criteriosa. Existem também os conhecidos hospitais-dia, frequentemente sugerido para seu encaminhamento após receber alta da internação psiquiátrica ou quando esta não necessitou ser indi- cada. A intervenção é sempre pontual, marcada pela preocupação e pelo apoio teórico das teorias de apego, com extremo cuidado quanto à ligação mãe-bebê. Nestes locais, existe um grande investimento no acolhimento do pai na unidade, pelos pressupos- tos citados anteriormente.3 Para que uma internação conjunta mãe-bebê seja sugerida, deve ser bem avaliado o risco de que a separação da mãe de seu filho poderá trazer repercussões mais graves do que a internação da mãe, isoladamente. Principalmente no caso de es- tarmos diante de uma intensa agitação da mulher e total incapacidade de contato. Mesmo com uso de medicamentos, uma equipe constante e muito presente, com uma participação familiar efetiva, esta deve ser uma preocupação para as equipes das maternidades quando da observação de uma mulher em intenso sofrimento psíquico capaz de provocar quadros psicóticos (SUTTER-DALLAY, 2008). Depressão pós‑parto no homem Para Paulson e Bazemore (2010), a depressão pós-parto (DPP) masculina acomete 10,4% dos pais, podendo subir para 25% entre o terceiro e o sexto mês do pós-par- to. Lembram que isto pode aumentar de frequência no homem cuja esposa está deprimida. Falceto et al. (2012) apontam que os transtornos psiquiátricos pós-parto paternos apresentam prevalência significativa, variando no Brasil entre 11,9 e 25,4%.. Comentam, ainda, o quanto isto impacta negativamente no apoio que o pai dá à mãe e ao filho durante o primeiro ano pós-parto. Wilson e Durbin (2010), em um estudo de meta-análise, afirmam que a depressão no homem tem efeitos deletérios na parentalidade masculina. Os comportamentos observados em função da depressão pós-parto paterna (DPPP) mostram emoções negativas, hostilidade, condutas intrusivas e desinvestimento afetivo, todos extre- mamente iatrogênicos para a relação familiar. Alguns sintomas específicos da DPP masculina podem passar despercebidos como: trabalhar demais, fazer atividades com a finalidade inconsciente de escapar da vida doméstica (TV ou esporte em excesso, por exemplo), utilizar bebida, automedicação em excesso, ferir-se, sofrer acidentes, apresentar atitudes hostis, agressivas, descon- troladas, impulsivas, como: iniciar um caso extraconjugal ou abandonar a família justamente no pós-parto (PAULSON; BAZEMORE, 2010). Muitas vezes a depressão pós-parto paterna acompanha a depressão materna, o que aumenta a necessidade de intervenção na família. Para Falceto et al. (2012), citados 3 Para conhecer melhor estes cuidados, sugerimos a leitura de: Dolto, F. Une Psychanalyste dans la cité, L’aventure de la Maison Verte, Gallimard, Paris, 2009. 48 M ódulo 2 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru ainda deveria estar criando representações de seu bebê, chamado por nós como “ima- ginário” e “imaginado”. Ou, ainda, diante do tema de vida e crescimento da Constelação da Maternidade, ela necessitar de exames e de investigações clínicas. Dito isso, o pré-natal desta mulher ganha status de instrumento valioso quanto ao apoio, à prevenção de agravos e à promoção da saúde o mais precoce possível, auxiliando-a quanto à descoberta de suas competências para fazer frente a tantas solicitações. Todos os profissionais que prestam cuidados a essa mulher e a seu companheiro, ou familiar acompanhante, devem estar atentos ao seu papel, evitando dicotomias e quebrando paradigmas em prol de uma atuação promotora de saúde e não apenas remediadora de intercorrências. Para esta gestante, é necessário que a atenção não se limite apenas a tratar condições clínicas e agentes patogênicos. Ela deve ser cuidada a partir de sua realidade social, econômica, com crenças, valores e fantasias que se integram em sua personalidade dinâmica. Ao mesmo tempo em que a gestante protege sua criança, ainda no am- biente intrauterino, ela se apropria dessa nova realidade, sendo afetada por ela e con- comitantemente a afetando. Ou seja, este risco implica também na relação que vem se construindo, à qual necessita de observações maternas prazerosas, facilitadoras de comunicação entre ela e o seu filho. No entanto, isto pode sofrer interrupções ou até provocar sua inexistência a partir de manejos inadequados como um diagnóstico fetal mal discutido, dirigido apenas a ela na ausência de algum acompanhante. Para obtermos sucesso nesse trabalho especial, temos à disposição ações educativas, trabalhos de orientação, estruturação da assistência em rede. As equipes de Saúde da Atenção Básica que visitam o domicílio da gestante conhecem seus recursos, realizam controles, estimulam seus cuidados, esclarecem e solicitam que as pessoas que a influenciam mais ativamente desenvolvam apoio e atenção. Estes profissionais avaliam sua realidade sanitária, que pode sugerir outros riscos, discutem sobre pos- síveis apoios na comunidade para mudanças nas casas, melhorando seu conforto ou mesmo preparando para a chegada de uma criança pequena que nasceu antecipada ou de uma forma diferente. Nessa perspectiva de tratamento, é fundamental avaliar aspectos situacionais, ambientais, mas sem esquecer os fatores facilitadores de saúde que porventura cerquem esta mulher que se encontra gestante. 1.6.2 Fatores psicossociais do Ciclo Gravídico Puerperal na gestação que necessita de cuidados especializados Como temos deixado claro, a gestação é um período crítico do ciclo vital da mu- lher, que exige adaptações e reorganização psíquica e, ao mesmo tempo, possibilita significação e elaboração de conteúdos intrapsíquicos. É esperado que a mulher experimente, neste período, estresse elevado, ansiedade, oscilação do humor, sen- sibilidade e irritabilidade. Reconhecer e legitimar essas vivências afetivas facilita a vazão de suas angústias e cria relação de confiança com a equipe. Já nos casos de risco, a mulher fica mais suscetível à autoculpabilização, a fantasias de autopunição e ao rebaixamento da autoestima e autoconceito, podendo originar sinais depressivos que dificultam sua relação familiar. Por conta da presença de novos componentes em seu funcionamento psíquico, em suas tarefas de identificação com o RN em 49 M ód ul o 2 Módulo 2 Conjugalidade, casal grávido, transmissão psíquica e a construção da parentalidade formação, do ressurgimento de registros mnêmicos do período em que era criança, existe maior vulnerabilidade para o surgimento de psicopatologias como ansiedade, sintomas depressivos, ou mesmo maníacos, na mulher. No entanto, é importante lembrar que muitas mulheres que necessitam de cuidados especializados durante a gestação já apresentavam, anteriormente, sinais de adoecimento ou comprometi- mento em área emocional. Outro fator comum nesse grupo especial é o fato dessas mulheres serem comumente hospitalizadas, o que gera uma condição desfavorável pela perda da autonomia. Nos casos em que não há um bom suporte familiar, a gestante passa a sentir-se alvo de cobranças, afetando ainda mais seu equilíbrio emocional e deixando-a mais vulne- rável ao adoecimento psíquico. O cuidado indicado só se fará possível se exercitada a função da escuta na conduta dos profissionais. Dar voz à gestante é humanizar a atenção no pré-natal e nos munir de informações que tornam a assistência mais eficaz. A informação sobre a realidade concreta e subjetiva da gestante, associada ao domínio que o profissional deve ter sobre a fisiologia da gravidez e como esta afeta a condição clínica da mulher, é pré‑requisito de um trabalho es‑ pecializado e no pré‑natal. 1.7 O parto prematuro ou de risco Cohen (2003) comenta que um parto considerado de risco coloca em cena, para a mulher, aspectos internos de seu corpo e de seu psiquismo. Para ela, sua ocorrência rompe com o imaginário, provocando uma invasão de experiências que deveriam ser íntimas e privadas. Como esta autora diz: “coloca holofotes diretamente em suas partes (da mãe) que ela considera intensamente pessoais” (COHEN, 2003, p. 11). Aponta, portanto, para o possível sofrimento psíquico materno que surge por sua incapacidade de gerar um filho no tempo e na hora, completo e competente. Suas pala- vras deixam clara a ocorrência de fantasias maternas quanto ao seu interior (corpo e psiquismo) não aptos a gerar o filho desejado. O estranhamento provocado pelo nascimento fora do tempo e/ou pelo filho que nasceu, diferente daquele pensado e desejado por toda a família, exige cuidados es- peciais. Mesmo naqueles casais que receberam orientações, diagnósticos durante o período gestacional em função de risco fetal ou materno, pode-se observar um misto de decepção, de tristeza e uma sensação de fracasso. Sentimentos de amor/ódio e de culpa provocam uma instabilidade emocional em todo o grupo familiar, com o aparecimento de condutas e verbalizações de ataque à equipe ou à instituição que cuida do recém-nascido. Esta estratégia defensiva permite, aos pais, suportarem sua culpa e sua decepção por não terem conseguido gestar seu filho como gostariam. Essa dor é acrescida por comentários e especulações da família maior que reto- ma questões preexistentes quanto às prováveis dificuldades na aceitação da relação 50 M ódulo 2 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru destes cônjuges, e à busca de comprometimentos orgânicos e mesmo emocionais nas famílias de cada um, na tentativa de compreender ou justificar a ocorrência do risco neonatal. Um tempo depois, estas questões se modificam e com frequência a mulher encontra justificativas como nervosismo, brigas em casa e problemas profissionais para o fato de ter tido um filho prematuro e/ou com questões clínicas. Encontra em situações afetivas, ou nas relações pessoais e profissionais, algo que seja o fator desencadeante desta situação. Mesmo que os médicos obstetras avaliem junto às suas clientes fatores desenca- deantes, como hipertensão e diabetes maternos ou alterações genéticas do feto, estes profissionais contam que elas questionam seu diagnóstico, fazendo relações e as sociações que caracterizam a possibilidade da etiologia ser de área emocional. Ou seja, a mulher apresenta uma tendência em assumir o ônus desse acontecimento. Essas ideias trazidas pelas mulheres devem ser recebidas com cuidado, pois envol- vem aspectos primitivos de sua vida psíquica, os quais fazem parte da formação de sua personalidade e de sua forma de se relacionar com a vida (MORSCH, 2004). Temos que lembrar que, no parto prematuro, o trabalho psíquico de construção do feto no ventre materno ainda estava distante daquele que seria o necessário para ocorrer o nascimento. Apenas no final do terceiro trimestre da gestação, a mulher está capacitada por meio de uma sensibilização, inclusive física, para cuidar de seu filho, extrauterinamente. Na ocorrência do parto prematuro, este processo ainda se encontra em desenvolvimento. Sem terem experimentado esta fase gestacional, sem este treinamento interno que facilitaria a separação e a futura aproximação, recém- -nascido e mãe prematuros precisam buscar outras formas de conhecimento. Em geral, a mãe não pode visitar lembranças internas quanto aos cuidados de crianças que a instrumentariam no desempenho da maternagem, pois não possui referên- cias para esta situação, que, como elas mesmas dizem, “fugiu ao padrão”. O que se observa é um sentimento de incompletude ou de irrealidade, podendo persistir a imagem de um recém-nascido incompleto, anormal ou mesmo muito estranho. Lembrando-se do bebê imaginário, aquela criança capaz de preencher todos os de- sejos dos pais, o recém-nascido pré-termo nasce quando este se encontra no auge destas representações. Este bebê imaginário que povoa e preenche o mundo interno dos pais para auxiliar na construção do bebê que eles imaginam vai chegar. Já o bebê imaginado, parte do bebê imaginário, por meio dos significados oferecidos pela mãe e também pelo pai às sensações e às experiências reais que experimenta com o feto intraútero, acaba recebendo uma imagem real, repleta de características físicas e comportamentais. Ocorrendo o parto prematuro, estes dois bebês que estavam sendo construídos em suas vidas psíquicas não encontram semelhanças com o recém-nas- cido que lhes é apresentado ainda na sala de parto ou mesmo na unidade neonatal. Da mesma forma, um nascimento que traz consigo uma criança malformada ou sindrômica rompe com as representações parentais quanto ao filho desejado. Esta diferença entre a situação que podemos chamar de tradicional, sonhada em relação à maternidade e à paternidade, e a chegada de um recém-nascido “fora de 53 M ód ul o 2 Módulo 2 Conjugalidade, casal grávido, transmissão psíquica e a construção da parentalidade SUTTER-DALLAY, A. Les unités mère-enfant en psychiatrie périnatale. Le Journal des Psychologies, [S.l.], v. 8, n. 261, p. 22-25, 2008. SZEJER, M.; STEWART, R. Nove meses na vida da mulher. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. WENZEL, A. et al. Anxiety symptoms and disorders at eight weeks postpartum. Journal of Anxiety Disorders, [S.l.], v. 19, n. 3, p. 295-311, 2005. WILSON, S.; DURBIN, C. E. Effects of paternal depression on fathers’ parenting behaviors: A meta-analytic review. Clinical Psychology Review, [S.l.], v. 30, n. 2, p. 167-180, 2010. WINNICOTT, D. Textos selecionados da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988. 54 M ódulo 2 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru 2 Os cuidados com a família: acolhimento e apoio, da gestação à alta Objetivos: ▶ Sugerir estratégias de cuidados propostos pelo Método Canguru junto à tríade homem-mulher-criança, na gestação e no parto. ▶ Incorporar a tecnologia de atenção ao recém-nascido hospitalizado e à sua família a partir dos pressupostos do MC, em unidade neonatal. ▶ Oferecer subsídios para a equipe construir vias de comunicação e de relação com a família, no ambiente de trabalho da unidade neonatal. ▶ Discutir práticas facilitadoras da formação e do desenvolvimento dos laços afetivos entre pai, mãe e recém-nascido. ▶ Discutir a presença de outros integrantes da família, como avós e irmãos dos recém-nascidos internados, lembrando-se de seus papéis e de suas funções. ▶ Discutir as novas configurações familiares e as possibilidades de manejos e estratégias em seu cuidado e atenção. ▶ Discutir diferentes perdas vivenciadas pelo recém-nascido, pela família e pela equipe, formulando estratégias de atenção e cuidados em sua ocorrência. Conceitos Básicos: Acolhimento: ▶ Postura ética que implica na escuta do usuário em suas queixas, o reco- nhecimento do seu protagonismo no processo de saúde e adoecimento, e a responsabilização pela resolução, com ativação de redes de compartilha- mento de saberes. Acolher é um compromisso de resposta às necessidades dos cidadãos que procuram os serviços de saúde (BRASIL, 2013). Cuidar: ▶ Cuidar é mais que um ato, é uma atitude; “(...) um momento de atenção, de zelo e de desvelo uma atitude de ocupação, preocupação de envolvimento afetivo, que pertence à atitude do cuidado, que se encontra na raiz do ser humano, por ser ele o próprio cuidado singular e na sua essência” (BOFF, 1999, p. 33). Comunicação em saúde: ▶ Estratégia utilizada para orientar, divulgar e, sobretudo, contribuir para que pessoas ou comunidades possam reconhecer efetivamente a necessidade da promoção e da educação em saúde e da participação coletiva nas decisões de matérias relacionadas à saúde. ▶ Deve ser entendida de forma integralizada, considerando o sujeito na sua totalidade, suas dificuldades, seus anseios e não meramente como o repasse de informações rebuscadas (RIBEIRO; CRUZ; MARINGOLO, 2013). 55 M ód ul o 2 Módulo 2 Os cuidados com a família: acolhimento e apoio, da gestação à alta Família ampliada: ▶ “Entende-se por família estendida ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e de afetividade” (BRASIL, 2009, art. 25). Interação: ▶ Processo de trocas ativas entre o RN, sua mãe e seu pai, preexistentes ao nascimento. Apoiam a formação do vínculo e do apego (MAZET; STOLERU, 2003). ▶ Fantasmáticas – as que pertencem especialmente aos pais do recém-nascido, pois possuem conteúdos transgeracionais. ▶ Afetivas – experiências atuais da tríade, seus afetos. ▶ Comportamental – representada nas condutas e nas expressões facilmente observáveis nos parceiros da interação. Maternagem: ▶ Capacidade de desempenhar as funções maternas próprias do cuidado, da comunicação, da atenção ao recém-nascido e à criança. Para Winnicott (1988), isto exige que a mãe seja capaz de se identificar com a criança e apresente um funcionamento especial – a preocupação materna primária. Este funcionamento compreende uma sensibilidade aumentada, permi- tindo àquela que desempenha a maternagem sentir como se estivesse no lugar do RN, conseguindo, com isto, adaptar-se às necessidades do filho recém-nascido. Pertencimento: ▶ Experiência do RN de sentir-se fazendo parte de sua família a partir do reconhecimento por parte desta, de suas características corporais e comu- nicacionais com familiares. De acordo com Bowlby (2006), isto ocorre de forma recíproca mãe-bebê. Vínculo: ▶ Para Bowlby (1984), é a atração que um indivíduo sente por outro indiví- duo, favorecendo sua proximidade e cuidado. Permeado por sentimentos de pertencimento, ligação e interação, torna-se responsável pela promoção das relações afetivas e suas vicissitudes. Apego: ▶ Tendência evolutiva básica de todos os seres humanos para estabelecer laços afetivos duradouros e específicos com outros seres humanos. ▶ Estratégia evolutiva vital para manter a sobrevivência ativada sempre que existir uma ameaça para o parceiro mais frágil, em nosso caso, o recém-nascido (LECANNELIER, 2009). 58 M ódulo 2 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru atividades das ABS passam a ser de apoio ao grupo familiar, observação de necessida- des dos demais filhos, caso existirem, e manutenção da rede de apoio desta gestante. Em diferentes regiões e estados brasileiros, os serviços de referência em obstetrícia e neonatologia localizam-se apenas em centros maiores como nas capitais dos estados. Nestes, encontramos mulheres oriundas do interior ou mesmo de estados próximos que permanecem por meses internadas, pela ausência de cuidados em suas cidades de origem. Muitas delas recebem poucas visitas de amigos ou mesmo de familiares, pois moram muito distantes, o que cria demandas especiais. Essas histórias indicam a necessidade de uma atenção diferenciada envolvendo, sempre que possível, seu companheiro e redes sociais de apoio que possam ser reconhecidas pela equipe. O risco oriundo da gestação deve ser avaliado não mais somente quanto aos aspectos biológicos, mas em relação à vulnerabilidade social e psicológica que se torna presente. Esses fatores potencializam as questões somáticas, exigindo novas abordagens das equipes obstétricas e mesmo em unidade neonatal para com estas gestantes. Provavelmente, teremos neste grupo de mulheres um incremento de queixas so- máticas, diminuição das atividades, sono, letargia ou, ao contrário, muita agitação, dificuldade em seguir as orientações da equipe, as quais devem ser observadas como sinalizadores de um pedido de ajuda e de uma necessidade de intervenção e não “desobediência, rebeldia ou má vontade”. Alguns hospitais de referência possuem para aquelas mulheres que não necessitam de internação hospitalar, mas que também não podem retornar para suas casas, um lugar especial chamado Casa das Gestantes. Nesses locais, além do acompanhamen- to clínico, são realizadas oficinas com atividades ocupacionais, como confecção do enxoval do recém-nascido, grupos de conversa com o apoio de profissionais. Com frequência, acabam desenvolvendo uma identidade de grupo, criando parcerias ou grupos espontâneos de apoio, o que deve ser observado e incentivado pela equipe. Trocarão ideias, discutirão entre elas seus desassossegos por meio da empatia provo- cada pela experiência de uma mesma situação, o que é bastante salutar. Muitas vezes, encontram-se ou mesmo participam de atividades com as mães que se encontram na UCINCa e que já possuem tranquilidade para experimentarem novos espaços na unidade neonatal, com seus filhos na posição canguru. O fato de pertencer a este grupo de cuidados especializados provoca outras questões. A ameaça quanto à perda ou ao nascimento antecipado de seu filho, ou demais inter- corrências clínicas, pode trazer novas preocupações ou incrementar as que seriam próprias de uma gestação, mas que nesta história se tornam incômodas. Uma delas é o aumento da ambivalência em relação à gestação. Como vimos no Capítulo 1 do módulo 2, “A conjugalidade, o casal grávido, transmissão psíquica e a construção da parentalidade”, qualquer gestação se encontra permeada pela am- bivalência, sentimento significativo que, no momento do parto, ajuda a mulher a experimentar o desejo de investir e cuidar de seu filho. Existindo o risco da perda ou da não completude do tempo gestacional, aumentam as dúvidas quanto à sua capacidade reprodutiva e de sustentar uma criança em seu corpo. 59 M ód ul o 2 Módulo 2 Os cuidados com a família: acolhimento e apoio, da gestação à alta Une-se a isto o estresse a cada exame, a cada solicitação médica, a cada investigação. O ultrassom obstétrico, exame que a aproxima da imagem de seu filho, pode ser vivenciado como doloroso e angustiante, pois pode trazer notícias não desejadas. As visitas médicas e de enfermagem ao leito, especialmente em hospitais de ensino, transformam-se, algumas vezes, em momentos de muita angústia, pois são marca- das por maior número de pessoas, mais indagações e discussões. Um manejo adequado desta situação é tornar a mulher protagonista deste momento, com efetiva participação na discussão, bem como na tomada de decisões sobre seu cuidado. O risco gestacional instala nova rotina para esta mulher, totalmente diferente daquela na qual suas preocupações se encontravam relacionadas à organização do enxoval e do espaço em casa para o RN, à organização familiar para a ajuda com a criança, aos recursos da comunidade, como creche, unidade de saúde com pediatra para acompanhamento do filho recém-nascido (STERN, 1997). Nossa proposta para este momento gestacional, caso a mãe possa permanecer em repouso e observação em sua casa, envolve a parceria e o apoio da UBS, do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf), sendo cuidada pela equipe multiprofissional – agente comunitário de saúde, psicólogo, assistente social, além do enfermeiro e do médico. Já a equipe responsável pelo Método Canguru no hospital deverá localizar estas mulheres quando de sua internação, participar das visitas médicas, formando laços de proximidade que facilitarão, num futuro próximo, o parto e a estadia do RN na unidade neonatal. Ao mesmo tempo, a discussão dos casos com a equipe obstétrica dá início a um novo cuidado compartilhado, contínuo e progressivo que vai ins- taurando, na mulher, segurança e confiança na instituição que a acolhe. Podemos pensar nesta estratégia como mais um processo de proteção na situação de risco em que ela se encontra. O reconhecimento da importância da presença do companheiro na internação e no parto é outra tarefa primordial. Isso traz amparo ao relacionamento do casal, às funções parentais, oferece segurança para a mulher, melhor vinculação deste homem com seu filho e proteção quanto ao surgimento de sinais depressivos, na figura paterna. Esse investimento na figura paterna e em suas preocupações, o cuidado para com o seu lugar e suas funções devem ser prioridade das equipes já durante a gestação. Isso irá facilitar seu apoio à companheira e provocar experiências que o ajudam na estruturação e na construção da paternagem. Tais observações vêm ao encontro das observações de Winnicott (1982, p. 68): “para se desempenhar bem a mãe necessita de apoio externo: habitualmente o marido a protege da realidade exterior e assim a capacita a proteger seu filho de fenômenos externos imprevisíveis”. Ao protegermos a saúde biopsicossocial da mulher e também do homem nos cui- dados do risco gestacional, por meio de um acompanhamento próximo do casal, 60 M ódulo 2 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru poderemos antever um melhor prognóstico. Uma rede de apoio afetiva e empática poderá lhes trazer sustentação para o enfrentamento deste momento e diminuir fatores provocadores de separações, abandono ou negligência na conjugalidade. Consultas com o casal, ou mesmo rodas de conversa com diferentes casais que se en- contram vivendo as mesmas preocupações são fundamentais. O estabelecimento da comunicação por meio de linguagem simples e clara sobre o que vem acontecendo, o esclarecimento de dúvidas e informações são necessários. Com certa frequência, iremos observar, nesses encontros, que assuntos já discutidos retornam e o que se pensava já estar claro volta à cena, exigindo novamente a intervenção, a orientação por parte do profissional. Tal comportamento, previsível, denota uma tentativa do casal ou mesmo do grupo de descobrir nas palavras do profissional uma brecha, um atalho para a possibilidade de que suas angústias e medos possam ser decorrentes de um engano e que tudo vai voltar rapidamente ao normal. 2.3 Cuidados com a família no parto O fato de o nascimento se dar antes do tempo, ou cercado de alguns cuidados espe- ciais, na maioria dos casos, já era previsto e tanto a família como a equipe vinham se preparando para este momento. A agitação, a pressa e a ansiedade na condução deste parto, portanto, pode obter, da equipe, melhor manejo, diferente do que acontece nas urgências, como descolamento prévio de placenta, por exemplo. No entanto, para a família, significa abandonar as últimas expectativas quanto à gestação ir a termo, dando origem a um RN saudável, lindo e grande. Cabe à equipe que irá acompanhar este parto, mesmo que por breves minutos, conversar com os futuros pais, sobre o que está determinando este nascimento, evitando a ideia de que “o médico resolveu” ou então “eu não sentia nada, a equipe disse que tinha que intervir”, o que determina que muitas mulheres não utilizem a palavra parto ou nascimento nesse contexto. Nessa situação, a preparação da mulher e de seu companheiro para receberem o filho difere muito daquela que ocorre no parto sem intercorrências, tanto por sa- berem que será um recém-nascido “pouco responsivo” como pelo fato de que as diferentes fases dos processos biológicos e psíquicos de ambos (mulher e homem) poderão não ocorrer. Momentos preciosos do final da gestação que aproximariam esta dupla e mesmo toda a família do bebê real não puderam ser vivenciadas, ou não puderam ser experimentadas como uma preparação para esta chegada. Temos, assim, uma mulher e um homem prematuros e um recém-nascido que também “não está pronto” para as inúmeras solicitações que lhe serão feitas, exigindo, para sua sobrevida, cuidados especiais (ZORNIG; MORSCH; BRAGA, 2003), ou então uma história que se presentifica marcada por dificuldades de comunicação com o bebê, com sua aceitação e possibilidade de enfrentamento. 63 M ód ul o 2 Módulo 2 Os cuidados com a família: acolhimento e apoio, da gestação à alta O primeiro encontro entre a mãe e seu recém-nascido é um momento único, que deve ser cuidado respeitando sempre as diferenças individuais de cada mulher. Neste momento, ou em muitos outros, ainda não temos as informações necessárias sobre a vida desta família, seus recursos, suas possibilidades de enfrentamento a uma experiência como esta. Respeitar a forma de cada uma dessas mulheres se comportarem nesses momentos é essencial (LAMY; GOMES; CARVALHO, 1997). Cabe à equipe facilitar a aproximação, orientando a possibilidade de tocar, de falar, de cantar para seu filho, mas sempre compreendendo que nem todas as mães estão prontas para responder com atitudes supostamente padronizadas para a maternagem nesses primeiros encontros. Para algumas, esse momento é extremamente difícil, sendo necessário que elas se sintam respeitadas para realizar essa aproximação no tempo que lhes for mais adequado, sem qualquer imposição ou pré-julgamento por parte da equipe de Saúde. Pode-se pensar o quanto uma atenção cuidadosa oferecida pelos profissionais de saúde nesses primeiros momentos poderá reduzir ansiedades e medos. Observar e escutar sobre seus temores e preocupações, para depois lhes oferecer informações so- bre a rotina, sobre os aparelhos e sobre os cuidados que cercam seu filho, poderá, em muitos casos, facilitar a relação tão especial que deverá surgir com a equipe de Saúde. Ao receber um bom suporte, a mãe vai lentamente se adaptando à rotina do ambien- te, podendo cuidar de seu filho e desmistificar a percepção do recém-nascido como alguém muito fragilizado. Esse caminho permite que, gradualmente, ela fique mais próxima, tocando-o, cuidando até o momento em que possa acolhê-lo na posição canguru. Dessa forma, ela sente o bebê como seu, pois passa a reconhecer seu jeito de ser, suas condutas pelo resgate da proximidade e da intimidade corporal e pelo significado que ela consegue observar em seus gestos, em suas expressões faciais, enquanto o observa na incubadora, nos cuidados da equipe, na aproximação que tem com ele. Isso tudo faz parte de sua participação na formação da experiência de per- tencimento que ambos, mãe e filho, devem experimentar (FERNANDES et al., 2011). 2.6 A comunicação entre a família e a equipe de saúde Visando ao sucesso da relação entre a equipe e a família, é importante despertar nos profissionais a compreensão do quanto esta interação é protetora da ligação familiar com o RN e para o desempenho das atividades de cuidado e atenção com o recém-nascido. Uma informação inadequada em um momento impróprio pode interferir num processo interativo familiar em formação e na relação com a equipe. Vale lembrar que a internação de um filho recém-nascido significa uma interrupção na regularidade da vida sendo, muitas vezes, impossível esperar coerência dos pais nessa situação. O passo em direção a uma melhor relação deve ser dado sempre pelos profissionais, que neste local são os maiores representantes da saúde (LAMY; GOMES; CARVALHO, 1997). Para que exista um bom processo de comunicação, a equipe deve se preocupar com o grau de compreensão que a família tem sobre as informações recebidas. As prin- cipais dificuldades que surgem nessa área decorrem muitas vezes de informações 64 M ódulo 2 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru excessivas, muito técnicas, ou, ainda, de ausência de informação. Além disso, existe sempre o medo da família de receber uma notícia ruim. A equipe não deve antecipar prognósticos. Melhor do que falar muito é ouvir para informar a partir das neces- sidades e do funcionamento de cada família. É aqui que lembramos a importância da capacidade empática da equipe nos cuidados e no manejo com os diferentes integrantes da família, conseguindo assim aproxi- mar-se de suas experiências. Tendo estas informações dentro de si, estará mais apta a trocar informações capazes de facilitar o relacionamento e a confiança familiar que o recém-nascido necessita e vem recebendo. Da parte da família, vários são os caminhos possíveis para o enfrentamento desta situação, inclusive o que leva a dupla parental a se debruçar, num primeiro mo- mento, sobre os prontuários médicos e a insistir em debater com a equipe sobre quais procedimentos seriam mais adequados para cuidar do seu filho. Muitas vezes, esta atitude dos pais não é bem aceita pelos profissionais de saúde que os acusam, mesmo que de forma implícita, de estarem se imiscuindo em um campo que não lhes é próprio, em vez de se dedicarem aos cuidados básicos para com seus filhos (MORSCH; BRAGA, 2007). De fato, o que está acontecendo é uma tentativa destes pais de se aproximar e de buscar domínio sobre um universo totalmente estranho que agora faz parte de sua realidade. Temos pensado em relação a estas condutas lembrando a “preocu‑ pação médica primária” descrita por Agman, Druon e Frichet (1999), e ampliamos sua compreensão oferecendo a ela um valor adaptativo e evolutivo. Ou seja, a não possibilidade dos pais, especialmente da mãe, de experimentar de forma ampla a chamada “preocupação materna primária”, tão bem descrita por Winnicott (1988), exige outros fenômenos psíquicos que a leve a entender as necessidades do filho RN. Tenta, então, se apropriar da história real buscando, por meio das falas da equipe, dos escritos da equipe (prontuários), encontrar pistas que lhe indiquem caminhos de reconhecimento deste recém-nascido. Vencidos esses primeiros desafios, e na medida em que for se familiarizando com o ambiente da UTI, descobre, com seu companheiro, como exercer a função parental, compartilhando o cuidado do RN com a equipe. Todas as questões anteriormente contempladas constituem a primeira etapa do Método Canguru. Ao final desta, a mãe estará mais preparada para a segunda fase, que envolve sua readmissão no hospital e sua participação integral (24 horas, se as- sim desejar) nos cuidados do recém-nascido. Nossa experiência tem mostrado que a possibilidade de esta primeira etapa se desenvolver de forma adequada permite melhor aceitação da família para a participação na segunda etapa, o que irá proteger o RN para as novidades propostas por seu desenvolvimento. O contrário também nos parece verdadeiro, daí a importância do cuidado extremamente dedicado à familia na primeira etapa na unidade neonatal. 65 M ód ul o 2 Módulo 2 Os cuidados com a família: acolhimento e apoio, da gestação à alta 2.7 A Unidade de Cuidados Canguru – UCINCa A segunda etapa do Método Canguru ainda é hospitalar. Nela, parte essencial do Método, a mãe e o seu filho permanecem juntos na UCINCa e, gradativamente, pre- param-se para a alta hospitalar. A proposta para a participação da mãe nesta unidade deve ser feita ainda na primeira etapa. O fato de a mãe mostrar dificuldades para sua participação na UCINCa deve ser bem avaliado pela equipe com investimento de um trabalho psicossocial. Sabemos da existência de dificuldades concretas, como outros filhos que dela necessitam, familiares doentes, entre outras. No caso de dificuldades emocionais, devem ser indicados cuidados psicoterápicos e apoio. Outra questão fundamental é avaliar como a equipe vem se dirigindo a esta mãe, o que ela lhe provoca, pois, mesmo se desejar, podemos estar impedindo sua participação em função de questões relativas à nossa avaliação ou ao nosso relacionamento com ela. Para aquelas mães que apresentam restrições ao contato pele a pele, ou não possuem disponibilidade para permanecer no hospital, o recém-nascido irá receber cuidados na Unidade de Cuidados Intermediários Convencionais (UCINCo), enquanto a fa- mília se organiza. Deve ficar claro para a mãe que sua permanência no hospital, apesar de muito importante, não é obrigatória. Todas as condições devem ser ofe- recidas para que ela permaneça ao lado do filho pelo maior tempo possível, sendo estimulada a posição canguru e o cuidado com o aleitamento materno. Entretanto, a sua presença deve ser solicitada em tempo integral nos dias que antecedem a alta hospitalar, principalmente no sentido de regular a produção de leite à necessidade do RN, promover maior aproximação com o filho e garantir a oferta de orientações quanto aos cuidados necessários na terceira etapa. 68 M ódulo 2 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru possibilitadas novas experiências proprioceptivas, perceptivas e, portanto, cognitivas, além das afetivas. Para o pai, será facilitado um contato diferente que trará como repercussão uma proximidade maior com seu filho. Já para a mãe, será possível sentir-se acompanhada e segura nas tarefas de maternagem. Temos, em alguns hospitais de referência para o Método Canguru a participação integral do pai na UCINCa. Com isto, o recém-nascido permanece mais tempo na posição canguru, pois ambos se revezam. De qualquer maneira, sua presença diária, mesmo que não integral, permite que durante sua estada na UCINCa ele realize a posição canguru, pelo tempo que se sentir disponível, aproveitando este contato mais íntimo e privado com o filho. É importante salientar que, nas unidades neonatais com presença integral da figu- ra paterna, não têm sido observadas dificuldades quanto à sua presença da parte das demais mães ou familiares que se encontram na mesma enfermaria ou quarto compartilhado. A criteriosa postura da equipe quanto à função que ele executa, neste momento, reforça a paternalidade e protege seu lugar junto ao filho. Estimulado a participar dos cuidados de rotina, como troca de fralda, contato pele a pele, permite à sua mulher alguns períodos de descanso e autocuidado. Dias (2003, p. 138), revisando e discutindo a obra winnicottiana, nos diz que: as mulheres que acabam de ter os seus bebês, encontram-se, elas mesmas, necessariamente em estado de dependência. Para desem- penhar bem a sua tarefa, ela necessita sentir-se amada na sua relação com o pai da criança, e aceita nos círculos familiares assim como nos mais amplos, que constituem a sociedade. E logo depois: “O pai pode ser muito útil como duplicador dos cuidados maternos e, neste papel, ele tem algo de seu a acrescentar ao seu filho...” (DIAS, 2003, p. 139). 69 M ód ul o 2 Módulo 2 Os cuidados com a família: acolhimento e apoio, da gestação à alta Quando estivermos com casos em que a permanência na UCINCa é longa, podemos avaliar com a mãe a possibilidade de passar uma noite ou um final de semana em casa, fazendo companhia ao marido, conversando e cuidando dos demais filhos ou apenas para descansar. Isso permite que ela se sinta apoiada e cuidada como mulher e não apenas como a mãe de uma criança que se encontra na unidade neonatal. Nesta situação, caso a mãe sinta-se mais confortável, podemos convidar alguém sig- nificativo para permanecer com o seu filho. Assim, uma avó, uma tia ou madrinha pode acompanhá-lo neste dia por um período mais longo. No entanto, a posição canguru deve ser utilizada somente com os pais, podendo, no entanto, a pessoa em questão permanecer com o recém-nascido em seu colo. Nessa situação, tanto a equipe como a família informam ao bebê sobre a ausência da mãe neste período. Salientamos que, aos poucos, com a proximidade da terceira etapa, a equipe deve ir observando o funcionamento materno e familiar para realizar orientações, pequenas pontuações sobre a ida para casa, cuidados específicos que deverão se realizar longe do espaço hospitalar. 2.8 A terceira etapa compartilhada – a ida para casa O Método Canguru avançou muito em sua atenção para com os RNs, no momento em que são encaminhados para seu domicílio (terceira etapa). Atualmente, a equipe do hospital, com as equipes da Atenção Básica (UBS) e Estratégia Saúde da Família (ESF), acompanha este recém-nascido, de maneira compartilhada, até que ele atinja o peso de 2.500 g (no caso do RNPT ou de BP) e esteja apto para receber alta da ter- ceira etapa e, portanto, do Método Canguru. Ao mesmo tempo realiza avaliação da mãe, observando que ela se encontra apta a desempenhar os cuidados necessários no caso de crianças com questões clínicas ou desenvolvimentais especiais. O cuidado com esta criança e sua família prevê um olhar diferenciado que apoie as mudanças próprias deste momento. Assim como os pais devem ser bem prepara- dos para a ida para a casa, o RN também necessita de informações. Cabe aos pais e mesmo aos profissionais conversarem com ele sobre o que irá encontrar em casa, sobre as novas sensações e novas experiências que irão ocorrer. Barulhos, cheiros, vozes, temperatura, tudo se modifica, e a criança deve ser auxiliada a dar conta de tantas novidades. O contato entre a equipe hospitalar e da AB deve ser iniciado ainda durante a se- gunda etapa, permitindo troca de informações que beneficiem tanto a atenção das necessidades desta criança e de sua família como permitindo um cuidado integral por meio destas duas grandes equipes. O objetivo maior é que, nesse período em que a criança passa a mostrar possibilidades de permanecer em casa sob cuidados dos pais, ela receba alta hospitalar, mas com a garantia de retorno assegurado ao surgirem sinais desta indicação. A equipe responsável pela terceira etapa, na maternidade, realiza consultas progra- madas, mas possui agenda aberta para receber a criança a qualquer hora do dia ou da noite. Ao mesmo tempo, esta criança começa a ser vista pela equipe da UBS e recebe 70 M ódulo 2 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru visitas das demais equipes da AB. Este seguimento compartilhado contribui para uma alta gradativa e tranquila dos cuidados hospitalares para cuidados propostos na comunidade. No entanto, durante esse período, serão sinalizadas todas as preocupa- ções quanto à observação criteriosa de determinados sinais indicativos do encami- nhamento a especialistas, sejam eles da clínica ou da reabilitação (BRASIL, 2015). Ao mesmo tempo, lembramos que os cuidados quanto à manutenção da posição can- guru, com a amamentação, a vacinação, o comparecimento às consultas marcadas, a realização dos exames indicados, devem ser preocupação de ambas as equipes que compartilham a terceira etapa – a do hospital e da UBS. Por outro lado, modifica-se a rotina da mãe e do RN. Em alguns casos, o apoio familiar ou social esperado não está disponível (BRASIL, 2015). Isso traz mais solicitações às equipes da Atenção Básica, que deverão mobilizar recursos na comunidade para o apoio materno. 2.9 A participação da família ampliada 2.9.1 O lugar e as funções dos avós O acolhimento à família, na unidade neonatal, pressupõe que outros familiares par- ticipem dos cuidados do recém-nascido e de seus pais. Para tal, os avós possuem um lugar privilegiado, pois desempenham tarefas de apoio na atenção ao RN, aos demais filhos do casal, para dar continuidade aos diferentes compromissos extra-hospitalares da rotina de qualquer família. Especialmente a avó materna é solicitada a participar de forma mais intensa, pois suas funções implicam um cuidado diferenciado com sua filha/mãe do RN (BRAGA et al., 2001). No momento em que uma mulher se torna mãe, as figuras de maternagem com quem ela convive são elementos primordiais como modelos no desempenho da maternagem. Da mesma forma o pai retorna às aprendizagens que viveu junto ao seu próprio pai (STERN, 1997; COUTINHO; MORSCH, 2006), encontrando assim 73 M ód ul o 2 Módulo 2 Os cuidados com a família: acolhimento e apoio, da gestação à alta 2.9.2 Participação dos irmãos Da mesma forma, os irmãos dos recém-nascidos devem ser participantes ativos da internação. Muitas vezes, seu envolvimento durante a gestação foi intenso, no que se refere às expectativas e aos sentimentos diante da chegada de um RN na família (KLAUS; KENNEL; KLAUS, 2000). Com grande frequência, fica difícil compreende- rem a ausência da mãe e o que levou seu irmão a um nascimento “diferente” e que requer tantos cuidados. Assim, o Método Canguru propõe que venham até a unidade neonatal, conheçam a equipe, o lugar em que seu irmão se encontra, descubram o motivo da ausência dos pais. Para que isso ocorra, os pais são orientados sobre o funcionamento desses encontros e lhes é explicado que ocorrerão apenas a partir de sua aceitação (MORSCH; CARVALHO; LOPES, 1997). Diante da concordância dos pais, os irmãos serão convidados a virem até a unidade neonatal. Durante esses encontros, profissionais, preferencialmente psicólogos, irão realizar atividades lúdicas a partir das quais será decidido individualmente, com cada uma das crianças, a ida ou não até o leito do irmão. Algumas crianças preferem não entrar na primeira ou na segunda vez que vêm até a unidade neonatal. Isso não é algo com que a equipe deva se preocupar, mas sim aceitar e aguardar o momento indicado pela própria criança. Por isso, a adequação de sempre termos uma dupla de profissionais nesta atividade pois, nenhuma criança pode ficar desacompanhada na maternidade. A experiência de duas décadas em algumas instituições brasileiras com este pro- grama de visitação tem ensinado que não há risco de contaminação quando são respeitadas orientações gerais, como lavagem de mãos, ausência de viroses e lesões de pele. Da mesma forma, se estas crianças estiverem acompanhadas e orienta- das, não existem riscos quanto a possíveis comportamentos inadequados. Mesmo 74 M ódulo 2 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru crianças pequenas ou aquelas com distúrbios de desenvolvimento (portadoras de quadros com repercussões comportamentais e cognitivas), são beneficiadas dessa participação. A visita dos irmãos é indicada, diminui a ansiedade dos demais filhos, os deixa mais seguros quanto ao seu lugar na família e pode ser considerada como uma atividade protetora quanto às dificuldades afetivo-comportamentais que podem surgir neste período. Durante a internação do irmão, é possível surgir distúrbios de conduta, queixas escolares quanto à aprendizagem ou socialização, ou estes, se já existen- tes, podem se exacerbar (MORSCH; BRAGA, 2003). Muito comum o surgimento de irritabilidade com os pais e mesmo com os avós, baixa autoestima e sinais de tristeza, dificuldades no sono. Provavelmente, essas manifestações são decorrentes do sentimento de culpa pelo fato de o recém-nascido estar no hospital, dos pais dedicarem-se menos a ele, o que pode ser entendido como consequência de seus sentimentos agressivos e de não aceitação diante da notícia da chegada de um irmão. Para trabalhar tais questões, programas com atividades lúdicas, conversas sobre a situação do RN, respostas reais e adequadas ao momento evolutivo das crianças são fundamentais. Somente assim elas utilizam essas experiências como instrumentos capazes de fortalecer seus laços familiares e compreenderem que não determinaram esta situação. O fato de serem convidados e respeitados pela equipe, esta informa que não possuem nenhuma preocupação quanto a sua proximidade com o irmão/ bebê. Ou seja, não o consideram perigoso para com o recém-nascido. Não há limite de idade para a vinda dos irmãos, podendo ser uma criança ou mes- mo um adulto. Obviamente, o manejo de cada faixa etária se diferencia, atendendo à idade de cada uma destas crianças, adolescentes ou adultos. Além das questões individuais, as crianças pequenas ficarão menos tempo junto ao irmão que aquelas de idade escolar, por exemplo. Irmãos com distúrbios neurocomportamentais de- verão ser recebidos em horário especial a fim de terem um acompanhamento mais próximo (MORSCH; DELAMONICA, 2005). Por outro lado, um dos pais, ambos ou mesmo uma das avós poderá participar dos encontros, para maior tranquilidade da família. Lembramos que, no encontro dos irmãos, pelo menos um dos pais deverá estar presente. A existência de novas famílias com os novos casamentos dos pais traz consigo irmãos adultos ou adolescentes junto a irmãos menores. Instalam-se, assim, jogos fraternos muito interessantes, mostrando o quanto esta relação é permeada por sentimentos únicos e especiais de cumplicidade, de privacidade, de afetos e também desafetos. Sugerimos que haja um horário comum para a chegada dos irmãos, permitindo que, ao formarem um grupo, possam observar outras crianças, iguais a eles e que estão vivendo o mesmo. É muito importante disponibilizar, num primeiro momento, material de desenho, bonecos, sondas, algodão, caixas plásticas que lembrem in- cubadoras, permitindo que brinquem de serem médicos, enfermeiros, cuidem dos bebês e se preparem ludicamente para a visita à unidade neonatal. Estimular que levem consigo um desenho para presentear o RN, realizado enquanto conversavam com os novos amigos e equipe, deixa-os mais seguros. 75 M ód ul o 2 Módulo 2 Os cuidados com a família: acolhimento e apoio, da gestação à alta Esse desenho deve ser colocado próximo ao recém-nascido, permanecer com ele para que, na próxima visita, o irmão possa encontrá-lo e observar que seu lugar está sendo preservado e cuidado pela equipe. Da mesma forma, esse desenho acompa- nha as mudanças de local do RN. Podemos também montar, na sala de espera, um quadro de exposição com outros desenhos, bilhetes das crianças participantes deste programa, o que faz com que outros visitantes da unidade neonatal os visualizem, observem e possam avaliar a importância dessa participação familiar. Como última recomendação, sugere-se que esta atividade seja realizada por um psicólogo, mas entendemos que, na ausência deste, cada equipe deve identificar outro profissional que possua boa experiência com crianças e que se disponibilize para esta tarefa, entendendo que a sua não realização pode determinar dificulda- des significativas na relação fraterna e consequentemente na relação familiar. Este encontro fraterno muitas vezes é o grande facilitador da aproximação dos pais com o filho internado. Ao observarem as trocas ocorridas entre o recém-nascido e seus irmãos se presentificam experiências familiares de intimidade e proximidade que facilitam a vinculação. (MORSCH; DELAMONICA, 2005). Referências AGMAN, M.; DRUON, C.; FRICHET, A. Intervenções psicológicas em neonatologia. In: WANDERLEY, D. B. (Org.). Agora eu era o rei: os entraves da prematuridade. Salvador: Ágalma, 1999. p. 17-34. BALTAZAR, D. V. S.; GOMES, R. F. de S.; CARDOSO, T. B. D. Atuação do psicólogo em unidade neonatal: rotinas e protocolos para uma prática humanizada. Revista da SBPH, Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, p. 2-18, jun. 2010. BOFF, L. Saber cuidar: a ética do humano: compaixão pela terra. Rio de Janeiro: Vozes,1999. BOWLBY, J. Apego: a natureza do vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 1984. v. 1. (Coleção Trilogia Apego e Perda). ______. Cuidados maternos e saúde mental. São Paulo: Martins Fontes, 2006. BRAGA, N. de A. et al. Maternagem ampliada: a transgeracionalidade em UTI neonatal. Pediatria Moderna, São Paulo, v. 37, n. 7, p. 312-317, 2001. BRAGA, N.; MORSCH, D. Cuidando da família: maternagem ampliada (pais, irmãos e avós). In: MOREIRA, M. E. L.; LOPES, J. M. de A.; CARVALHO, M. de. (Org.). O recém‑nascido de alto‑risco: teoria e prática do cuidar. Rio de janeiro: Editora FIOCRUZ, 2004. p. 543-563. BRASIL. Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009. Dispõe sobre adoção; altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12010.htm>. Acesso em: 22 fev. 2017. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Atenção ao recém‑nascido: guia para profissionais de saúde: cuidados gerais. Brasília, 2011. v. 1. 78 M ódulo 2 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru 3 Trabalhando as perdas e a comunicação de notícias difíceis Objetivos: ▶ Oportunizar às equipes a discussão das diferentes perdas que ocorrem na unidade neonatal. ▶ Discutir estratégias de condução de notícias difíceis para a família. ▶ Compreender o significado da ocorrência de perda gestacional na história do casal como possível fator de estresse e desconforto na unidade neonatal. ▶ Discutir repercussões da morte na unidade neonatal na família e na equipe de cuidados. Conceitos Básicos: Comunicação Em saúde, é considerada uma tecnologia leve imprescindível na mediação humana dos artefatos que se interpõem entre o profissional e seu paciente (MINAYO, 2011). Uma vez que a participação humana e relacional em saúde é indiscutível, a comunica- ção – como tecnologia leve – permeia todo processo de cuidado do paciente, podendo também amenizar sofrimento e prevenir agravos (RABELLO; RODRIGUES, 2010). Introdução O fato de o Método Canguru estar dirigido para o cuidado de situações de extrema vulnerabilidade física para os RNs, e psíquica para todos os participantes desta trama, traz consigo o risco de diferentes tipos e de densidades de perdas. Deparamo-nos 79 M ód ul o 2 Módulo 2 Trabalhando as perdas e a comunicação de notícias difíceis com as do período gestacional, as ocorridas na unidade neonatal, ou mesmo aque- las relacionadas a alterações sensoriais, motoras e cognitivas nos RNs sob nossos cuidados. Outras possíveis perdas referem-se ao vínculo familiar, quando se torna muito difícil, se não impossível, o resgate de experiências geradoras de uma boa relação afetiva a partir das possíveis intervenções na unidade neonatal. Há também as perdas vivenciadas pelos profissionais de saúde, frustrados em seu objetivo de dar alta para crianças 100% saudáveis ou mesmo de salvar a vida daqueles que fica- ram sob seus cuidados intensivos. Todos são afetados em menor ou maior grau e de diferentes maneiras, sendo que a equipe de saúde tem o desafio de lidar não só com a sua própria dor, mas também o de ser responsável por comunicar a extensão das perdas para a família do recém-nascido. Por isso, acreditamos ser da maior importância discutirmos um pouco sobre cada uma delas, refletindo sobre as experiências da equipe e prováveis intervenções que esta, diante destes acontecimentos, pode lançar mão. Ao focar neste tema, salientamos que as equipes devem levar em consideração que uma perda para as famílias possui conotações e vivências muito diferentes daque- las que ocorrem com os profissionais. Um exemplo desta complexidade é quando um RN que apresenta o risco de graves dificuldades no seu desenvolvimento vem a morrer. Para os profissionais, pode surgir algum consolo, um sentimento que os ajuda em sua aceitação do fato. Mas, por outro lado, os pais não vivenciam desta maneira, até porque não dispõem dos mesmos recursos para compreender a exten- são desta situação. Atentar para estas questões é primordial – mas nada fácil – em nosso trabalho. As expressões de dor, de sofrimento, especialmente nos pais que acompanham ou antecedem o luto, podem se apresentar por meio de condutas intensas ou ausência de qualquer manifestação explícita, sendo ambas de difícil manejo. Essas dissonân- cias entre formas de expressão apontam para a necessidade da equipe estar disponí- vel para acolher uma diversidade de desejos e solicitações próprias destes momentos. Alguns pais desejam banhar, arrumar, escolher roupas especiais para colocar no corpo do filho. Outros o tomam em seus braços, ninam, cantam, caminham pelos corredores das unidades neonatais com o filho no colo. Alguns solicitam cerimônias religiosas, ainda na unidade neonatal. A grande maioria das equipes que fazem parte do Método Canguru têm sido amplamente receptivas a estes comportamentos e têm conseguido avaliar sua adequação e seu impacto nas respostas futuras (mais saudáveis) no decorrer do luto pelo recém-nascido que foi perdido. Todavia, existem muitas outras modalidades de perdas sobre as quais precisamos refletir para estarmos preparados para fazer frente a situações de extrema exigência em relação ao nosso suporte e compreensão. Geralmente, a que antecede a todas as demais versa sobre a troca de informações a respeito de um RN sob cuidados intensivos. 80 M ódulo 2 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru 3.1 Notícias difíceis na unidade neonatal As notícias difíceis na unidade neonatal surgem pela ocorrência ou pela probabili- dade da morte, em função de um diagnóstico incapacitante ou de um prognóstico ruim. Notícias estas que desestabilizam experiências internas básicas de segurança psíquica construídas em nossa primeira infância e que estabeleceram o nível de confiança em nós mesmos e de nós para com o mundo circundante. Assim, nós profissionais, como os familiares deste recém-nascido se encontram em vulnerabi- lidade. Com frequência frente ao sofrimento provocado pela ameaça de uma perda, surgem sentimentos persecutórios cujo mecanismo de defesa principal é a proje- ção. Ou seja, uma das formas de defesa que se apresenta é buscar no externo, em outros, a causa que motivou tais ocorrências, na tentativa de diminuir os próprios sentimentos de culpa, tão comuns nesta situação. A fragilidade do processo de parentalização, neste momento, é imensa. E é a própria equipe – que vinha servindo de apoio para a formação deste processo – que transmite a notícia de que a criança se encontra em estado grave, com riscos ou ameaça de sequelas. Ou seja, o referencial de sustentação à parentalização passa a apresentar outros prismas, outras possibilidades nesta relação. Além disso, por acontecer du- rante o período neonatal, os prejuízos à formação de vínculos, tão necessários neste momento, se exacerbam, pois os pais encontram-se regredidos pela neces sária identi- fi cação com o filho RN. Como apoio deve ser buscada a sua relação afetiva inicial, com seus próprios pais ou pessoas significativas pois acresce-se a isto, o fato de o RN, que seria o mais capacitado a parentalizá-los, estar totalmente destituído deste poder, neste momento. Esses pais inquietos, culpabilizados, destituídos de seu filho, estão à procura de sinais, de referências, de indícios que lhes permitam diminuir ou apazi‑ guar sua angústia e fazê‑los confiar numa equipe terapêutica, ou que, ao contrário, irá aumentar seu medo e dar lugar à sua agressividade. (DOMMERGUES; BADER‑MEUNIER; EPELBAUM, 2003, p. 122). 3.1.1 A comunicação de notícias difíceis A comunicação na unidade neonatal tem se configurado como instrumento básico na construção de estratégias para alcançar o cuidado humanizado e como estratégia para melhorar as relações entre pais, família e profissionais. Além de informar diag- nósticos e prognósticos, há muitos e variados acontecimentos produtores de notícias, sendo que algumas delas são bem difíceis. Lino et al. (2011) referem que a notícia difícil inclui situações que constituem ameaça à vida, ao bem-estar pessoal, familiar e social, tendo em vista as repercussões físicas, sociais e emocionais que acarretam. Em unidade neonatal, as notícias podem estar relacionadas à ida ou à transferência do RN para a UTI neonatal, à intubação ou à reintubação, à alimentação enteral, à suspensão da dieta, à perda de peso, à realização de procedimentos cirúrgicos, à suspensão da alta, entre tantas outras. Nesse sentido, as notícias difíceis não são apenas aquelas sobre o diagnóstico, mas as que ocorrem durante todo o tratamento 83 M ód ul o 2 Módulo 2 Trabalhando as perdas e a comunicação de notícias difíceis emoções e dos sentimentos que podem eclodir nesse encontro (exigindo capacidade de escuta e profissionalismo para manejar a situação); e a finalização, que implica a realização de uma síntese de tudo o que foi falado, acompanhada da segurança de que tudo o que foi dito foi compreendido (BRASIL; INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER..., 2010; BECZE, 2010). Outrossim, também é necessário que se tenha a consciência de que a capacidade de absorção da informação pode se alterar com a passagem do tempo e mudanças de circunstâncias. O que parece ter sido completamente compreendido em um momento pode não o sê-lo num futuro próximo porque há sempre outros fatores – objetivos e subjetivos – que podem emergir, afetando a percepção outrora vigente. E o profissional tem de estar aberto para esta possibilidade e, se preciso, compartilhar novamente a notícia com a indispensável habilidade. Diante da necessidade de informar notícias difíceis, existem alguns detalhes que po- dem servir de recurso ao profissional de saúde para que o processo comunicacional seja o mais eficiente possível. São eles, na perspectiva de Sousa (2009): ▶ Estar absolutamente seguro. Na fase da transmissão do diagnóstico, tor- na-se imperativa a sua certeza. O prognóstico de não existência de cura implica também a exploração de todos os recursos terapêuticos existentes na atualidade, possíveis de serem utilizados. ▶ O doente tem direito a conhecer a sua situação. A verdade deve estar sempre presente na relação entre duas pessoas. Trata-se de uma questão de huma- nidade, ética e legal. Por essa razão, informar a uma pessoa que ela tem uma doença grave é, acima de tudo, um ato inquestionavelmente humano. ▶ Não existe uma fórmula, é uma arte. Não existe uma forma certa ou errada para fazê-lo. Averiguar o que a pessoa sabe e o que quer saber; oferecer algo em troca. Dizer a verdade pressupõe o compromisso prévio de ajudar a integrá-la, de partilhar as preocupações. ▶ Não discutir com a negação. A ausência de informação não é sinônimo de negação, ainda que possa contribuir significativamente para o seu apareci- mento e para a sua manutenção. ▶ Agir com simplicidade e ausência de palavras negativas. Evitar excessivos tecnicismos que possam interferir na compreensão do doente. ▶ Não estabelecer limites nem prazos – o conhecimento da verdade não sig- nifica entrar em detalhes minuciosos sobre a evolução da doença e que possam causar danos ao doente: prognóstico de sobrevivência em casos similares, estatísticas. ▶ Evitar dar demasiadas informações no primeiro encontro. ▶ Não dizer nada que não seja verdade – a autenticidade é uma qualidade em qualquer relação humana e é indispensável para o binômio profissional saúde/doença. ▶ Não retirar a esperança – todos os profissionais da área da Saúde sabem muito bem que o doente necessita frequentemente de manter a esperança, qualquer que seja. 84 M ódulo 2 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru Comunicar-se qualitativamente configura-se como compromisso social do profis- sional. A equipe deve aliar as informações ao contexto da situação e às implicações para a família, isto é, ao se comunicar, partilha-se com a família tanto o conteúdo quanto os significados da informação. Ambos são importantes para a tomada de decisão, não devendo ser unidimensional nem unidirecional. Daí a complexidade do processo que envolve a comunicação de notícias difíceis (CABEÇA; SOUSA, 2015). Considera-se, portanto, que, ao permitir a expressão emocional, empática e solidá- ria, o estilo de comunicação pode ser considerado como efetivo e contínuo. Afinal, quando há o estabelecimento da comunicação, os vínculos constituem-se, facilitando as intervenções necessárias e integrando o contexto de humanização da assistência. 3.1.2 A possibilidade de sequelas Sabemos tratar-se de momentos muito mobilizadores quando se configuram com- plicações clínicas que não sugerem mais resolubilidade por meio de técnicas de intervenção ou mudanças de conduta e torna-se claro o risco quanto à qualidade de vida que ronda esta criança. Um profundo mal-estar e tristeza instalam-se em todos quando a observação de um exame indica sequelas neurológicas significativas. Como lidar com tudo isto? Como entender que, em alguns casos, o motivo foi iatrogênico e não existem mais recursos para voltar atrás? Seja entre os integrantes da equipe, seja entre a equipe e a família, as relações podem se tornar tensas, gerando dificuldades relacionais, desânimo e frustração. Um comportamento frequente refere-se à dificuldade de contatar a família e com- partilhar o que ocorreu ou, presume-se, irá ocorrer. Tudo se torna constrangedor e difícil: a necessidade de novos exames e as preocupações – inclusive em relação aos cuidados diários – e às informações rotineiras que fazem parte da internação. Um exemplo especial é a detecção da ocorrência de hemorragias intracranianas graves e/ou de uma sepse, ambas com riscos desenvolvimentais significativos. Entendemos que o comportamento de evitar a família e restringir à equipe a dis- cussão sobre os aspectos clínicos e as novas intervenções apenas aumenta o sofri- mento da equipe. É fundamental que se disponha de um tempo para conversar, repensar o caso, avaliar as ocorrências e discutir sobre como se encontra a família, o recém-nascido e o que pode ir se delineando a ajuda nesta situação, como, por exemplo, intervenções, mapeamento dos recursos na comunidade, encaminhamento da família para acompanhamento especializado. 3.2 Perdas afetivas e suas repercussões Uma nova situação surge pelas perdas com as quais a equipe de Saúde tem de lidar. Estas podem ocorrer das mais variadas formas, inclusive pela alta de algum RN com quem nos envolvemos na relação de cuidado. Revelando um comportamento de- fensivo dos profissionais de saúde, a alta de algumas crianças pode ser realizada de uma forma rápida e burocrática, vetando à equipe a elaboração desse afastamento. Em outros momentos, esta alta pode ser muito lenta e ser adiada para o próximo dia, 85 M ód ul o 2 Módulo 2 Trabalhando as perdas e a comunicação de notícias difíceis sugerindo uma dificuldade da equipe em entregar esta criança aos seus legítimos cuidadores: pais e sociedade. A presença da mãe praticando os cuidados com o recém-nascido, inclusive a posição canguru, oferece à equipe a oportunidade de evocar lembranças de quando esse RN lhe pertencia mais do que à sua família. Abrir mão desse pequeno ser e permitir que, aos poucos, ele retorne a seu grupo de origem pode trazer consigo um sentimento ambivalente, ao qual se acrescenta a dúvida em relação à capacidade materna de cuidar adequadamente da criança. Dependendo da situação, temos inclusive queixas sobre condutas maternas. Algumas podemos considerar como adequadas e suscep- tíveis a uma intervenção, outras fazem parte de um imaginário da própria equipe, que se ligou afetivamente de forma muito intensa a esta criança. Mais grave para o grupo de cuidadores é quando ocorre a morte de um recém-nascido. A chegada de outro para ocupar seu leito não oferece consolo, pois o grupo de profis- sionais encontra-se neste espaço para salvar vidas. Compartilham a ideia de que um RN surge para a vida e não para se despedir imediatamente dela. E, em geral, isso não é discutido, a não ser que ocorra uma situação que traga à lembrança aquela criança. O próprio atendimento intensivo facilita o surgimento de defesas nessas oca- siões. Logo chega outro RN que ocupa o lugar daquele que foi embora. O novo recém-nascido precisa de cuidados e suscita preocupações na equipe. O vazio que parece desaparecer pela mudança de lugares das incubadoras ou pela chegada de novos recém-nascidos é um engano, pois permanece a falta experimentada frente à morte. Os sentimentos daí decorrentes, em geral, não são discutidos pela equipe, a não ser que ocorra uma situação que traga a lembrança daquela criança, num mo- mento especial, ou ainda que chegue um outro RN com características semelhantes. Muito difícil também para as equipes é lidar com as síndromes, malformações e as incompatibilidades com a vida. Cientes do que é provável que aconteça com o RN, esforçam-se para expressar de uma maneira cuidadosa o que acreditam serem os cuidados adequados a estas crianças, sem potencializarem o sofrimento da família. Acompanhar a família nesse tempo de espera, seja da ocorrência da morte, seja da confirmação do diagnóstico, exige muito da equipe. Vários comportamentos podem ser observados, tais como afastamento da família e retraimento dos profissionais, que ficam cabisbaixos e que desviam o olhar. Com isso, expressam sua dificuldade em aceitar a impossibilidade da ação terapêutica e de estabelecer a saúde. 3.3 A morte na unidade neonatal Braga, Genofre e Deslandes (2006) relatam que a morte e as perdas frequentemente colocam em campos opostos os familiares dos recém-nascidos e a equipe. Em casos de prognóstico reservado, cuja evolução da doença da criança conduzirá ao óbito, estes profissionais encontram dificuldades para compreender as reações de algumas das famílias dos recém-nascidos que, não obstante “a morte anunciada”, reiteram planos para a vida do seu filho após a alta hospitalar. Esta atitude por parte dos paren- tes dos seus pacientes indicaria, sob a ótica da equipe, uma negação da denominada “realidade objetiva”. Nesse sentido, procura-se o auxílio da equipe de psicologia para 88 M ódulo 2 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru como a tendência social gira em torno de uma subestimação ou desca- racterização do fato. Quando um bebê morre antes de vir ao mundo, na maioria das vezes, é como se não tivesse tido um acontecimento para a sociedade – “a criança não nasceu, portanto, ela não existe. Pelo fato de o recém-nascido não ter chegado a ser real, são pouquíssimos os regis- tros desta relação que vinha sendo construída entre os pais e este desejo, este projeto baseado, especialmente, nas representações mentais ou imagens do ultrassom. Ou então na tradução que faziam dos movimentos do feto intraútero, ou seja, com a participação do bebê imaginário e imaginado. Como se despedir de algo que apenas possui balizas no imaginário e que “nunca existiu”? Acreditamos que, sobretudo, a palavra possa entrar como apoio e como sustentação, não deixando o silêncio tomar conta deste lugar. Sugerimos, portanto, que a equi- pe, ao realizar esse diagnóstico, preocupe-se em conversar com os pais, discutir os procedimentos que deverão ser realizados, apoiar o acompanhamento da mulher por alguém de seu grupo familiar ou social durante as intervenções e não deixá-la apenas com a equipe. O não estar só consigo mesma, pois nem mais o RN a acompanha neste momento, irá protegê-la do desamparo e das prováveis tentativas de buscar em suas próprias condutas e/ou seus pensamentos o motivo disto ocorrer. É possível que a curetagem não seja realizada, uma vez que o feto talvez já tenha sido expelido. Estar só, neste momento, retira da mãe a possibilidade de sentir-se ferida e sofrida, pois tais sentimentos não obtêm da equipe a guarida da qual a mãe tanto precisa nesta situação. Obviamente, quando a mulher estiver sozinha e sem apoio familiar e social – o que pode, inclusive, acontecer com a gestante clínica que se encontra hospitalizada –, cabe a alguém da equipe acompanhá-la. Ou, no caso da existência de doulas voluntárias na maternidade, a escolha pode recair sobre uma delas que tenha competências e habilidades para oferecer suporte e presença afetiva durante e após esses procedimentos. Uma ajuda importante para os pais, mas de extrema exigência para a equipe, envolve a possibilidade de, na sala de procedimentos, permitir-se o contato entre os pais e este RN. A sedação da mulher e a retirada rápida e abrupta deste feto ou natimorto para que a mãe não o veja podem ser extremamente danosas, inclusive para que ela possa desempenhar as funções de maternagem. Essa possibilidade deve ser avaliada com a mulher e seu companheiro, especialmente para que tenham uma ancoragem real em relação ao filho perdido. Com frequência, encontramos intervenções que apoiam um desinvestimento rápido para com este feto/projeto perdido. O que deve ser observado é que a mãe, e também a família, deverá “lidar com um vazio tanto interno quanto externo, uma vez que não há nada no útero e nada nos braços” (AGUIAR, 2016, p. 45). Assim, o tempo gestacional, tendo a perda ocorrido precocemente ou então com a presença de um natimorto, traz consigo a ideia de algo de difícil elaboração, pois exige intenso tra- balho psíquico. Projeções sobre esta futura maternagem e paternagem, impedidas por tal perda, são interrompidas abruptamente e diferem do que geralmente ocorre na unidade neonatal, pois nada foi possível tentar ou realizar. 89 M ód ul o 2 Módulo 2 Trabalhando as perdas e a comunicação de notícias difíceis Enfim, apresentamos algumas situações recorrentes e sugerimos atitudes e cuida- dos a serem tomados pela equipe na comunicação de notícias difíceis, na forma de cuidar das perdas em unidade neonatal. Temos consciência de que não podemos criar protocolos ou estabelecer normas ou até mesmo fórmulas para lidarmos com estas situações. Como dito, nestes cenários, as mais diversas subjetividades se fa- zem presentes – de uma forma ou de outra – e se entrepõem, configurando tramas complexas e desafiadoras. Tramas estas que demandam de nós muita atenção e cuidado para com as peculiaridades de cada situação e com cada um dos interlocu- tores, incluindo aquelas que são próprias de cada um de nós, profissionais de saúde. Referências AFONSO, S. B. C.; MITRE, R. M. de A. Notícias difíceis: sentidos atribuídos por familiares de crianças com fibrose cística. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 9, p. 2605-2613, 2013. AGUIAR, H. C. Quando a partida antecede a chegada: singularidades do óbito fetal. 2016. 89 f. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Psicologia, Centro de Teologia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. 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Estes mecanismos sustentam os achados de que o contato físico provoca organização precoce neurocomportamental e psicomotora no RN. ▶ Intervenções que apoiem os pais em suas observações e interpretações do comportamento do recém-nascido têm sido associadas ao incremento da cognição, na criança, anos mais tarde. 4.2 O que normalmente recebe o recém‑nascido a termo? Logo ao nascer, o recém-nascido a termo recebe contato com o corpo e o calor de sua mãe, seu leite, sua voz, seu toque, seus braços envolvendo seu corpo, a escuta de seus batimentos cardíacos, é consolado quando chora e recebe carinho e afeto. Conhece um envelope vivo, humano, que pulsa e que responde às suas necessidades imediatamente após despedir-se do interior do corpo materno. Em seguida, seu pai fornece-lhe também esse envelope humano, e, mais tarde, entra em contato com seus familiares. Tudo isso contribui para a formação ou o fortalecimento dos laços afetivos, pois lhe é favorecida a experiência de continuidade e proximidade. Ao mesmo tempo, é protegido das mudanças ocorridas pelo fato de passar a viver num mundo “aéreo” e não mais “aquático”. 4.3 O que recebe o recém‑nascido pré‑termo ou que apresenta quadro indicativo de cuidados neonatais especializados? Na dependência de suas condições de nascimento, sua idade gestacional e seu peso, serão indicados os necessários cuidados e as possíveis intervenções. Suas neces sidades provocarão uma maior ou menor demora para que ele encontre os braços maternos, os cuidados parentais diretos e contínuos. No início, sentirá o odor dos tecidos da incubadora, que não é o mesmo do corpo de sua mãe; irá sentir menos calor nesses tecidos; irá inalar o cheiro de substâncias usadas nos procedimentos que sabemos indispensáveis, como do sabão líquido, do álcool em gel, com o qual higienizamos nossas mãos. Escuta vozes desconhecidas, sente desconforto e algo o incomoda. Não sabe que é o tubo que facilitou a sua respiração e ofereceu-lhe algum conforto respiratório. Pode necessitar de algumas outras invasões, como punção, pode sentir muito frio até lembrarem de lhe colocar uma touca, aumentarem a temperatura, posicionarem-no confortavelmente. Observando estes acontecimentos, o Método Canguru estabeleceu diretrizes e su- gestões para que a permanência do pai ou do acompanhante da mãe permaneça 94 M ódulo 2 Ministério da Saúde Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru com o recém-nascido junto à incubadora, logo após o nascimento, pelo maior tem- po possível, especialmente nos casos de maior gravidade. Assim, eles se fazem presentes na ida do RN para a unidade neonatal para o mais rápido possível vê-lo, permanecer com ele, conversar com a equipe, receber informações e passá-las à sua companheira. Ou seja, o Método Canguru indica a proximidade imediata do pai ou acompanhante, estimulando sua participação já no momento inicial da internação. Com isso, preserva a formação ou o fortalecimento dos laços afetivos, diminuindo os riscos provocados pela separação tão precoce da criança e de sua família. Tais condutas transformam este ambiente para o RN e para seus pais, diminuindo percepções iniciais de que se trata de um lugar hostil e pouco amigável. No entanto, sabemos que por algum tempo ainda podem permanecer inibições de compor- tamentos com dificuldade quanto à espontaneidade parental no tocar, conversar, aproximar-se do filho RN. 4.4 Processo de formação da ligação afetiva entre o recém‑nascido e seus pais A ligação afetiva entre os pais e um novo recém-nascido não acontece instantanea- mente; ela deve ser vista como um processo contínuo. Em função das experiên cias recém-vividas, eles podem se sentir inadequados, culpados, deprimidos ou ressenti- dos ao observarem as necessidades de seu filho que necessita permanecer na unidade neonatal. A equipe, sempre atenta a este funcionamento parental, especialmente nos momentos que conversa ou orienta os pais e os familiares, deve sinalizar indi- cativos da ligação afetiva, apontando condutas do recém-nascido que respondem à proximidade, aos toques e às vozes dos pais. Assim, são protegidos de sentimentos de inadequação frente a esta situação. Facilitar o contato, mostrar competências do fi- lho, contar sobre algumas preferências, como posturas que o RN escolhe, expressões faciais observadas, ajudarão os pais a descobrirem os caminhos para a proximidade afetiva com seu filho na unidade neonatal. A característica principal da ligação afetiva é que pais e recém-nascido tendem a se manter próximos um do outro. Quando, por qualquer razão, eles se separam, poderemos observar que cada um procurará o outro a fim de reatar a aproximação física. O RNPT tem dificuldades para buscar esta proximidade com seus pais e ne- cessita da ajuda da equipe de saúde para que isso ocorra. No entanto, observamos com frequência mudanças comportamentais desses RNs pela proximidade materna, pelo reconhecimento da voz paterna e mesmo fraterna. Sinalizar tais observações aos pais os empondera na parentalidade, pois experimentam o reconhecimento do filho por meio dos registros que ele possui do período gestacional. 4.4.1 Momentos significativos para a formação da ligação afetiva Existem momentos significativos para a formação dos laços afetivos. São eles: 95 M ód ul o 2 Módulo 2 Nascimento prematuro e formação de laços afetivos 4.4.1.1 Pré‑história da ligação afetiva A pré-história da ligação afetiva corresponde ao desejo de ter filhos e ao planejamento da gravidez. Porém, não devemos fazer um julgamento precipitado quando achamos que um recém-nascido não será amado simplesmente porque os pais relatam que ele não foi planejado e desejado, pois o desejo de ter filhos pode ser consciente ou inconsciente. Logo, os pais de um RN que não foi programado ou inicialmente dese- jado poderão desenvolver uma boa ligação afetiva com seu filho. Em muitos casos, o próprio recém-nascido desencadeia ou responde a condutas parentais, por meio de um repertório comportamental capaz de seduzir a figura materna e a paterna. Ele pode realizar isso anterior ou posteriormente ao seu nascimento. Assim, o início da relação afetiva, em geral, ocorre durante a gestação. Alguns de seus sinais referem-se à confirmação da gravidez e sua aceitação, ter interesse em aprender sobre o futuro RN, como, por exemplo, descobrir o ritmo de seus movi- mentos, as situações ou momentos em que ele mais se movimenta, ter prazer e sentimentos positivos aos movimentos fetais (MONTAGNER, 2006). É importante lembrar que também situações externas podem desencadear dificul- dades na relação afetiva entre os pais e seu filho. O estresse durante a gravidez cau- sado por dificuldades conjugais, perdas afetivas ou reais podem deixar a mãe com o sentimento de não ser amada; um aborto ou perda anterior de um filho podem causar na mãe o sentimento de desamparo, caso ela não tenha apoio ou que tais situações não sejam adequadamente avaliadas pela equipe obstétrica ou mesmo pela família. Essas situações que reconhecemos como causadoras de estresse, em alguns casos, interferem na formação da ligação afetiva, na preparação psíquica/emocional e mesmo objetiva (cuidados de pré-natal, organização do enxoval, do lugar para o RN na casa), todas necessárias para a chegada do recém-nascido. 4.4.1.2 Representações maternas e paternas durante a gestação Conceituando representações maternas e paternas: Por representações maternas, compreendem‑se todas as fantasias, os de‑ sejos e os medos que acompanham a mulher na gestação. Podem ser po‑ sitivas ou não. Os pais também têm representações sobre seus recém‑nascidos durante o parto, após o parto e mesmo acompanhando toda a vida do filho. A gestação é acompanhada por representações maternas e paternas. À medida que o feto cresce e se desenvolve no útero materno, as representações sobre ele vão se desenvolvendo no psiquismo de seus pais. Em torno do quarto mês de gestação, é comum que essas representações sofram um salto quanto à riqueza e à especificida- de. Essa riqueza nas representações sobre o recém-nascido pode ser desencadeada, por exemplo, pelos movimentos fetais ou pela ecografia, momentos estes em que a imagem do bebê se torna mais concreta para os pais.
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