Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Fisica 1A Vol2, Notas de estudo de Física

Fisica 1A Vol2

Tipologia: Notas de estudo

2018

Compartilhado em 12/04/2018

antonio-quintao-3
antonio-quintao-3 🇧🇷

4.7

(152)

21 documentos

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Fisica 1A Vol2 e outras Notas de estudo em PDF para Física, somente na Docsity! Módulo 2 Volume | 2 nat ro 10] Carlos Farina de Souza Marcus Venicius Cougo Pinto Paulo Carrilho Soares Filho Universidades Consorciadas Governo do Estado do Rio de Janeiro Secretário de Estado de Ciência e Tecnologia Governador Alexandre Cardoso Sérgio Cabral Filho UENF - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO Reitor: Almy Junior Cordeiro de Carvalho UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Reitor: Ricardo Vieiralves UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Reitora: Malvina Tania Tuttman UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO Reitor: Ricardo Motta Miranda UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Reitor: Aloísio Teixeira UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Reitor: Roberto de Souza Salles Aula 13 – Partícula isolada, referencial inercial e forças ________________ 7 Carlos Farina de Souza / Marcus Venicius Cougo Pinto / Paulo Carrilho Soares Filho Aula 14 – Conceito de massa inercial e a Segunda Lei de Newton _______ 39 Carlos Farina de Souza / Marcus Venicius Cougo Pinto / Paulo Carrilho Soares Filho Aula 15 – Princípio da Superposição e Terceira Lei de Newton __________ 69 Carlos Farina de Souza / Marcus Venicius Cougo Pinto / Paulo Carrilho Soares Filho Aula 16 – O problema fundamental da Mecânica Clássica _____________ 87 Carlos Farina de Souza / Marcus Venicius Cougo Pinto / Paulo Carrilho Soares Filho Aula 17 – Translação de um corpo rígido _________________________ 111 Carlos Farina de Souza / Marcus Venicius Cougo Pinto / Paulo Carrilho Soares Filho Aula 18 – Forças elásticas – forças dadas e forças vinculares __________ 137 Carlos Farina de Souza / Marcus Venicius Cougo Pinto / Paulo Carrilho Soares Filho Aula 19 – Aplicações das leis de Newton _________________________ 167 Carlos Farina de Souza / Marcus Venicius Cougo Pinto / Paulo Carrilho Soares Filho Aula 20 – E Newton tinha razão... ______________________________ 203 Carlos Farina de Souza / Marcus Venicius Cougo Pinto / Paulo Carrilho Soares Filho Física 1A SUMÁRIO Volume 2 - Módulo 2 Partı́cula isolada, referencial inercial e forças Partı́cula isolada Sabemos que o movimento de uma partı́cula depende do referencial em relação ao qual esse movimento é considerado. Desse modo, uma propriedade do movimento, como a sua aceleração, também depende do referencial que esti- ver sendo usado para descrevê-lo. Em um certo instante, a partı́cula pode ter uma aceleração em relação a um certo referencial e, nesse mesmo instante, ela pode ter uma aceleração diferente em relação a outro referencial, como ilustra o exemplo que segue. Exemplo 13.1 A Figura 13.1 mostra um automóvel sendo acelerado em uma estrada re- tilı́nea e dois referenciais. Um referencial é dado pelo sistema de eixos OXYZ fixado na estrada e o outro é dado pelo sistema de eixos O′X ′Y ′Z ′ fixado no próprio automóvel (os eixos OY e O′Y ′ são perpendiculares à página, apontam para dentro dela e não aparecem desenhados na figura). Z ′Z O O ′ X X ′ r r′ P v Figura 13.1: A mancha puntiforme P no automóvel, quando observada de um referencial OXYZ fixo na estrada, está em movimento. Já em relação ao referencial O′X ′Y ′Z ′, fixo no próprio automóvel e, portanto, movendo-se com ele em relação ao referencial fixo na estrada, ela está em repouso. Na lataria do automóvel há uma mancha puntiforme P , que tem um certo movimento em relação a OXYZ e um outro movimento em relação a O′X ′Y ′Z ′. O vetor de posição da mancha em relação a OXYZ é r. Em relação a OXYZ, a velocidade da mancha é v e sua aceleração é a. Naturalmente, v = dr/dt e a = dv/dt. Devido ao fato de o carro estar acelerado, a aceleração a da man- cha é diferente de zero, isto é, a = 0. O vetor-posição da mancha em relação a O′X ′Y ′Z ′ é r′. Esse vetor é constante, pois a mancha está fixa em relação ao sistema de eixos O′X ′Y ′Z ′. Isso é uma conseqüência direta do fato de que tanto CEDERJ 8 Partı́cula isolada, referencial inercial e forças MÓDULO 2 - AULA 13 a mancha quanto o sistema de eixos O′X ′Y ′Z ′ estão fixos no automóvel. Por- tanto, em relação ao referencial solidário ao automóvel representado pelos eixos O′X ′Y ′Z ′, são nulas a velocidade v′ e a aceleração a′ da mancha. Sendo r′ um vetor constante, temos matematicamente: v′ = dr′/dt = 0 e a′ = dv′/dt = 0. Desse modo, a mancha tem aceleração diferente de zero em relação a OXYZ e ao mesmo tempo aceleração nula em relação a O′X ′Y ′Z ′, isto é, a = 0 e a′ = 0. Com esse exemplo, deve ficar claro o que já afirmamos anteriormente: a aceleração de uma partı́cula depende do referencial em relação ao qual considera- mos o seu movimento. Em especial, o fato de a partı́cula estar ou não acelerada depende do referencial que é usado. Uma partı́cula pode ter aceleração nula em relação a um referencial e, ao mesmo tempo, ter aceleração diferente de zero em relação a algum outro referencial, como vimos no exemplo anterior. Com este fato bem entendido, passemos ao primeiro conceito importante desta aula: o de partı́cula isolada. Há uma enorme quantidade de fatos que nos fazem crer que as influências entre os corpos diminuem se as distâncias entre eles são suficientemente grandes. Aumentando indefinidamente as distâncias entre eles, as influências mútuas aca- bam por diminuir até ficarem desprezı́veis. Não podemos ainda usar esses fatos para enunciar uma lei fı́sica, pois não dispomos de definições precisas e abran- gentes para o que acabamos de chamar influências entre os corpos. No entanto, podemos aproveitar tais fatos para definir um primeiro con- ceito da dinâmica, o de partı́cula isolada. Uma partı́cula isolada seria aquela que não sofre influências dos outros corpos do universo por estar infinitamente distante deles. Definimos, então, uma partı́cula isolada como aquela que está infinitamente distante de todos os outros corpos do universo. É claro que essa definição é muito idealizada, pois não temos meios de verificar que a distância entre duas partı́culas, ou dois corpos quaisquer, é infinita. Na prática, aceitamos como uma partı́cula isolada aquela cujas distâncias dos outros corpos do universo são tão grandes que podemos considerá-las como se fossem distâncias infinitas. Se for malfeito o nosso julgamento de que uma dada partı́cula é isolada, a teoria dinâmica baseada nesse julgamento deve levar a resultados errados, que não es- tarão de acordo com as observações e medições que fizermos. Se, pelo contrário, escolhermos bem cada partı́cula que consideramos como isolada, é sinal de que as distâncias entre cada uma delas e os demais corpos do universo são sufici- entemente grandes para podermos considerá-las como infinitas, e a teoria cons- truı́da sobre tal escolha descreverá satisfatoriamente os fenômenos que pretende- mos estudar. Será possı́vel encontrar partı́culas que possam ser razoavelmente consideradas como isoladas? 9 CEDERJ Partı́cula isolada, referencial inercial e forças Figura 13.2: Cada estrela fixa se encontra a distâncias enormes das outras estrelas e dos demais corpos do universo. No céu noturno, distinguimos a olho nu uma imensidão de pontinhos bri- lhantes que mantêm entre si distâncias constantes. São simplesmente as estrelas comuns, que hoje sabemos serem imensas massas incandescentes. Suas posições relativas parecem imutáveis e elas formam uma estrutura que nos parece rı́gida. Por isso, desde muito tempo, tais estrelas são chamadas estrelas fixas, porque Para noções de Astronomia, pode-se consultar, por exemplo, http://www.zenite.nu/brasil, onde há também informações interessantes sobre a astronomia da Bandeira Nacional. mantêm posições fixas umas em relação às outras. Alguns grupos dessas estrelas fixas são chamados constelações. Após vários milhares de anos, as posições re- lativas entre as estrelas fixas acabam mudando. Mas esse movimento é tão lento para os nossos interesses que podemos considerar as chamadas estrelas fixas como se fossem realmente fixas. Também vemos, no céu noturno, alguns poucos pontinhos brilhantes que, em um perı́odo de alguns dias, movem-se perceptivelmente em relação às estrelas fixas. Esses pontinhos móveis são os planetas, que os antigos chamavam estrelas errantes. Mas voltemos às estrelas fixas, que são os objetos de nosso interesse no momento. A palavra planeta é de origem grega; planes, -etos ou planetes significa vagabundo, errante. As estrelas fixas que vemos no firmamento são, talvez, os objetos concre- tos que mais se aproximam da definição de partı́cula isolada. Cada uma dessas estrelas está a distâncias inimaginavelmente grandes das outras estrelas e corpos do universo. Desse modo, para muitos propósitos é razoável considerar cada uma delas como uma partı́cula e, além disso, uma partı́cula isolada. Na verdade, a esco- lha de uma estrela fixa como um exemplo prático de partı́cula isolada é acertada. A mecânica newtoniana sempre se baseou nessa escolha para obter resultados excelentes no estudo de uma imensa variedade de fenômenos. CEDERJ 10 Partı́cula isolada, referencial inercial e forças MÓDULO 2 - AULA 13 Z ′ Cruzeiro do Sul ↙ Terra Y ′ X ′ ↖ Sol rT O′ Figura 13.4: As estrelas fixas estão em repouso em relação ao referencial O′X ′Y ′Z ′, pois este é intencionalmente escolhido como fixo em relação a elas. Note que os vetores-posição das estrelas têm uma parte pontilhada para in- dicar que possuem módulos muito maiores do que o módulo do vetor-posição da Terra. De fato, as estrelas são tão mais distantes do Sol do que a Terra que, se desenhássemos os quatro vetores em escala, o vetor-posição da Terra teria um tamanho imperceptı́vel no desenho. Usando-se a definição de referencial inercial, podemos, em princı́pio, deter- minar se é ou não inercial qualquer referencial que quisermos considerar. Esco- lhemos uma trinca qualquer de partı́culas isoladas não-colineares e examinamos os movimentos que elas têm em relação ao referencial considerado. Se cada uma delas está em repouso ou em MRU em relação ao referencial, este é inercial. Caso contrário, não é inercial ou, como se costuma dizer, é um referencial não-inercial. Os dois referenciais considerados anteriormente são de extrema importância. O referencial O′X ′Y ′Z ′, fixo nas estrelas e com origem no Sol, é chamado refe- rencial copernicano, pois foi proposto por Copérnico para descrever o movi- mento dos planetas. Em relação ao referencial copernicano, os planetas realizam movimentos de uma simplicidade notável. Suas trajetórias, por exemplo, são elip- ses com um elevado grau de precisão. Voltaremos a esse tópico quando estudar- mos a teoria da gravitação. É claro que qualquer referencial fixo em relação às estrelas é um referencial inercial, mesmo que a origem dos eixos não seja esco- lhida no Sol. No entanto, é a escolha da origem do referencial copernicano no Sol que permite uma descrição simples do movimento planetário. 13 CEDERJ Partı́cula isolada, referencial inercial e forças Um referencial fixo na Terra, como o considerado no exemplo dado anterior- mente, pode ser chamado referencial terrestre. Os referenciais terrestres são im- portantes, porque são normalmente fixados em nossos laboratórios e instrumentos de medição. Os movimentos dos planetas, por exemplo, são descritos na prática por vetores-posição em relação a um referencial terrestre. Estes vetores são indi- cados por telescópios e demais instrumentos astronômicos fixos na superfı́cie da Terra. Em relação aos referenciais terrestres, os movimentos planetários se mos- tram muito mais complicados do que em relação ao referencial copernicano. Um defeito ainda mais grave dos referenciais terrestres é que eles não são inerciais, como já vimos. De fato, devido ao movimento da Terra em relação às estrelas fixas, principalmente o seu movimento de rotação em torno do seu eixo polar, ob- servamos as estrelas em movimento circular em relação a referenciais terrestres, como ilustrado na Figura 13.3. Como afirmamos na Introdução, as leis dinâmicas do movimento têm sua forma mais simples quando o movimento é considerado em relação a referenciais inerciais. Com isso, os movimentos em relação aos nossos referenciais terrestres, que somos constantemente obrigados a usar, não poderiam ser estudados usando as leis da dinâmica em sua forma mais simples. A situação não é assim tão ca- tastrófica quanto parece, por um motivo que explicaremos agora. Acontece que o movimento circular das estrelas, em relação a um referencial terrestre, é extre- mamente lento nos intervalos de tempo em que ocorre uma grande variedade de fenômenos. Durante esses intervalos de tempo, as estrelas são observadas, em relação a referenciais terrestres e dentro das precisões exigidas, em repouso ou, no máximo, em um MRU. Nesses intervalos de tempo, os referenciais terrestres podem então ser considerados, com boa aproximação, inerciais. Há fenômenos de grande duração ou extrema delicadeza, para os quais não é possı́vel usar um re- ferencial terrestre como se fosse inercial. Esses fenômenos são estudados à parte e requerem um tratamento especial. De um modo geral, estudaremos fenômenos para os quais é possı́vel considerar os referenciais terrestres como inerciais. Va- mos estabelecer a convenção a seguir. Sempre que usarmos um referencial terrestre, estará implı́cito que ele pode ser considerado inercial, a menos que seja explicitamente dito o contrário. Note que não há nada de estranho em usar referenciais aproximadamente inerciais, como os referenciais terrestres, como se fossem inerciais. Na verdade, não podemos afirmar que um certo referencial é perfeitamente inercial. De fato, para começar, as partı́culas isoladas que usamos para verificar se um referencial CEDERJ 14 Partı́cula isolada, referencial inercial e forças MÓDULO 2 - AULA 13 é inercial não são perfeitamente isoladas, pois não se encontram a distâncias in- finitas dos demais corpos do universo, como já discutimos. Além disso, quando dizemos que as acelerações de partı́culas isoladas são nulas em relação a um certo referencial, não entendemos que sejam exatamente nulas, pois não é possı́vel me- dir uma aceleração, ou qualquer outra grandeza, com precisão absoluta. Podemos dizer que as acelerações são nulas dentro de uma certa margem de erro e, conseqüentemente, concluir que um certo referencial é inercial dentro de uma certa aproximação. O próprio referencial copernicano, que usamos como exemplo de referencial inercial, não pode ser considerado perfeitamente inercial. Ele talvez seja o referencial que mais se aproxime da definição idealizada de um referencial inercial. Já havı́amos comentado sobre este aspecto da Fı́sica, que usa conceitos idealizados na formulação da teoria, mas lida com objetos e fenômenos que exemplificam esses conceitos apenas de maneira aproximada. Talvez deva- mos, a partir desse momento, não preveni-lo mais sobre este aspecto da Fı́sica. Nos próximos conceitos que apresentarmos, você mesmo saberá distinguir o as- pecto idealizado de suas realizações concretas imperfeitas e aproximadas. Antes, porém, de passarmos para a próxima seção e discutirmos a chamada Primeira Lei de Newton, vamos finalizar esta seção mostrando um resultado muito importante, a saber: dado um referencial inercial, há uma infinidade de outros referenciais inerciais. Com esse objetivo, vamos considerar o referencial R, com eixos OXYZ , e o referencial R ′, com eixos O ′X ′Y ′Z ′ que, por hipótese, movimenta-se em relação a R de tal modo que os eixos O ′X ′, O ′Y ′ e O ′Z ′ permaneçam sem- pre paralelos aos eixos OX , OY e OZ , respectivamente. Além disso, vamos supor que o movimento da origem O ′, quando observado do referencial R, seja um MRU de velocidade V. Vale ressaltar nesse momento que, devido ao parale- lismo entre os eixos dos referenciais R e R ′, os unitários (u′x,u′y,u′z) dos eixos O ′X ′Y ′Z ′ coincidem com os unitários (ux,uy,uz) dos eixos OXYZ . Quando se diz que um corpo tem uma certa velocidade, deve-se entender que todas as suas partı́culas estão com essa mesma velocidade. Nesse caso também se diz que o corpo está em movimento de translação. É com essas idéias que dizemos que um referencial tem uma certa velocidade em relação a outro. Consideremos, então, o movimento de uma partı́cula em relação a R e esse mesmo movimento em relação a R ′. Vejamos como relacionar suas posições, velocidades e acelerações observadas num desses referenciais com suas posições, velocidades e acelerações observadas no outro. Num dado instante de tempo, seja r o seu vetor-posição no referencial R, r ′ o seu vetor-posição no referencial R ′ e R o vetor-posição da origem O ′ em relação a R. Esses vetores podem ser escritos em termos de suas componentes cartesianas como: r = xux +yuy +zuz ; r ′ = x ′u ′x+y ′u ′y +z ′u ′z ; R = Xux+Y uy +Zuz . 15 CEDERJ Partı́cula isolada, referencial inercial e forças em relação a R ′, isto é, R ′ também é referencial inercial. Devido à importância desse resultado, vale a pena destacá-lo a seguir: qualquer referencial que se mova em MRU em relação a um refe- rencial inercial é também um referencial inercial. A escolha do referencial inercial a ser utilizado na solução de um dado problema pode simplificar esta solução ou mesmo ajudar na compreensão de al- guns aspectos do problema. A seguir, apresentaremos três exemplos nos quais estarão envolvidas mudanças de referenciais. No primeiro deles, ilustraremos a transformação de Galileu para as velocidades num caso simples e freqüente do cotidiano. Nos outros dois, faremos mudanças de um referencial inercial para outro, a fim de simplificar a descrição do movimento da partı́cula em questão. Ve- remos, em cada exemplo, como o movimento da partı́cula depende do referencial, muito embora as suas acelerações sejam as mesmas nos dois referenciais, uma vez que consideraremos apenas referenciais que se movem um em relação ao outro em MRU. Exemplo 13.2 Neste exemplo, ilustraremos a transformação de Galileu para velocidades numa situação bem simples, a saber, no movimento de um nadador que cruza um rio de margens retilı́neas e paralelas entre si. Por simplicidade, vamos supor que todas as partı́culas do rio se movam em MRU com a mesma velocidade V em relação a um referencial solidário às margens, que chamaremos referencial R. É comum, nesse caso, nos referirmos à velocidade V simplesmente como a veloci- dade do rio relativamente às margens. Conhecida a velocidade V, relacionaremos, então, a velocidade do nadador em relação às margens com a sua velocidade em relação a um referencial que se desloca em relação às margens com a mesma velocidade do rio. Escolhemos os eixos cartesianos do referencial R de tal modo que a direção de OX coincida com a do rio, o sentido positivo deste eixo seja o sentido da correnteza do rio, e que a origem O esteja num ponto da margem em contato com a água do rio. Seja R ′ um referencial solidário ao rio, isto é, que se move em MRU em relação a R com a velocidade V. Vamos supor que os eixos de R ′ permaneçam sempre paralelos aos eixos de R e que no instante t = 0s as origens O e O ′ coincidam, de modo que nesse instante todos os eixos de R e R ′ coincidem. Suponha que em t = 0s um nadador de dimensões desprezı́veis em relação à distância d entre as margens (de modo que possa ser considerado uma partı́cula em seu movimento) inicie um MRU em relação a R ′ com velocidade v ′ = v ′yu ′ y. Vejamos como determinar a sua velocidade em relação a R. Poderı́amos imaginar os eixos do referencial R′ como três eixos solidários a um barco que esteja descendo o rio acompanhando a correnteza. CEDERJ 18 Partı́cula isolada, referencial inercial e forças MÓDULO 2 - AULA 13 Utilizando a transformação de Galileu para as velocidades, dada pela equação (13.4), obtemos diretamente a velocidade do nadador em relação a R, ou seja, v = v ′ + V = v ′yu ′ y + Vxux = v ′yuy + Vxux , (13.7) onde usamos o fato de que u ′y = uy. Portanto, a sua velocidade em relação às margens (isto é, em relação a R) é diferente de sua velocidade em relação ao rio (isto é, em relação a R ′). No caso em questão, não apenas as respectivas direções de v e v ′, mas também seus respectivos módulos são diferentes. A Figura 13.6 mostra o nadador num instante genérico de sua travessia. X ′ Y Y ′ X O′ RIO MARGEM V vv′ MARGEMO Figura 13.6: Nadador cruzando o rio. O desenho está fora de escala para facilitar a visualização do problema. Como v ′ = v ′yu ′ y, é imediato perceber que a velocidade do nadador em relação a R ′ é perpendicular às margens do rio (lembre-se de que estas são pa- ralelas aos eixos OX e O ′X ′), enquanto a sua velocidade relativa a R é oblı́qua em relação às margens, ou seja, faz um ângulo menor do que 900 com o eixo OX . Aplicando o teorema de Pitágoras, vemos que |v|2 = |v ′|2 + |V|2. É também imediato perceber que vx = Vx e vy = v ′y. Como um último comentário sobre este exemplo, note que, embora as tra- jetórias do nadador relativas aos referenciais R e R ′ sejam ambas segmentos de reta, elas não coincidem. Para um observador no referencial R ′, o movimento do nadador ocorre ao longo do eixo O ′Y ′, enquanto para um observador no re- ferencial R seu movimento ocorre ao longo de uma reta que está no primeiro 19 CEDERJ Partı́cula isolada, referencial inercial e forças quadrante, indicada na Figura 13.6 pela linha tracejada. As equações cartesianas das trajetórias relativamente a R e R ′ podem ser facilmente obtidas. Sendo d a distância entre as margens, elas são dadas, respectivamente, por: y = v ′y Vx x , 0 ≤ x ≤ Vx v ′y d (trajetória em R) ; x ′ = 0 , 0 ≤ y ′ ≤ d (trajetória em R ′) , (13.8) como você pode verificar com facilidade. Exemplo 13.3 Neste exemplo, analisaremos novamente o movimento de um projétil com lançamento oblı́quo em relação ao solo, isto é, um projétil cuja velocidade ini- cial v0 possui, além de uma componente vertical, uma componente horizontal em relação a um referencial R com eixos solidários ao solo. No entanto, nosso objetivo aqui não será reobter os resultados apresentados na Aula 11, mas com- parar o movimento do projétil em relação a R com o seu movimento em relação a um referencial R ′ que se move em MRU relativamente a R. Em particular, mostraremos que se a velocidade de R ′ em relação a R for escolhida de forma apropriada, o movimento do projétil, quando observado de R ′, será simplesmente um movimento vertical de queda livre. Vamos escolher os eixos de R de modo que OX tenha direção horizontal, a origem O esteja no solo, na posição de lançamento do projétil, e OY esteja na direção vertical, com sentido para cima. Além disso, vamos orientar os eixos de modo que o movimento do projétil ocorra no plano OXY . Com essa escolha, e sendo θ0 o ângulo entre v0 e ux, a posição e a velocidade do projétil em t = 0s são dadas, respectivamente, por r0 = 0 , v0 = v0 cosθ0 ux + v0 senθ0 uy , (13.9) onde, como de costume, usamos a notação em que v0 = |v0|. Como o projétil possui uma aceleração constante (a aceleração da gravidade g), a sua posição e a sua velocidade num instante qualquer t são dadas, respectivamente, por:   r = v0 cosθ0 tux + ( v0 senθ0 t − 12gt2 ) uy v = v0 cosθ0 ux + (v0 senθ0 − gt)uy . (13.10) CEDERJ 20 Partı́cula isolada, referencial inercial e forças MÓDULO 2 - AULA 13 aqui ainda é mostrar que, quando mudamos de um referencial R para um referen- cial R ′, que se move em MRU em relação a R, embora a aceleração da partı́cula seja a mesma nos dois referenciais, seu movimento pode se tornar mais simples num deles, permitindo um melhor entendimento do movimento em consideração. Novamente faremos uso da transformação de Galileu. Consideremos o movimento cicloidal de uma partı́cula como, por exemplo, o movimento de um pequeno grão de poeira preso à periferia de um pneu de uma bicicleta que se movimenta em linha reta e com velocidade constante em relação ao solo. Nesse caso, note que o pneu rola sem deslizar, ou seja, em cada instante, o ponto do pneu que está em contato com o solo tem velocidade nula. Os eixos do referencial R serão escolhidos como no exemplo anterior, isto é, com a origem O fixa no solo, com o eixo OX na horizontal e o OY na vertical, apontando para cima. Além disso, escolhemos o eixo OX de modo que o movimento do grão ocorra no plano OXY . Para tornar o exemplo mais simples, vamos supor ainda que em t = 0s o grão esteja na origem. Com isso, e sendo A o raio do pneu, a posição do grão num instante genérico em relação a R é dada por O movimento cicloidal já foi estudado na Aula 11, na qual, inclusive, foram deduzidas as equações paramétricas da ciclóide. Caso tenha dificuldade em acompanhar este exemplo, volte àquela aula para recordar os pontos que achar necessários. r = A [ωt− sen(ωt)]ux + A [1 − cos(ωt)]uy , (13.14) onde ω é uma constante positiva (não é difı́cil mostrar que ω/2π corresponde ao número de voltas que o pneu da bicicleta executa por unidade de tempo). Anali- sando a equação anterior, vemos que o grão retorna ao solo pela primeira vez no instante t1 = 2π/ω (basta impor a condição 1 − cos(ωt) = 0 e buscar, dentre as soluções desta equação, qual possui o menor valor positivo). Esse resultado será utilizado mais adiante ainda neste exemplo. A velocidade do grão num instante genérico é, então, v = dr dt = ωA [1 − cos(ωt)]ux + ωA sen(ωt)uy . (13.15) Vamos agora mudar de referencial e analisar o movimento do grão em relação ao referencial R ′, definido como segue: a velocidade de R ′ em relação a R é igual à velocidade da bicicleta em relação a R; seus eixos são paralelos aos eixos de R, mas a origem O ′ coincide com o centro do pneu da bicicleta. Vamos mostrar que em relação a R ′ o movimento do grão é simplesmente um movimento circular uniforme, de raio A, centro na origem O ′ e velocidade de módulo |v ′| = ωA. 23 CEDERJ Partı́cula isolada, referencial inercial e forças A Figura 13.8 mostra os dois referenciais, R e R ′, num instante genérico do movimento do grão, e os vetores r, r ′ e R, onde r é o vetor-posição do grão em relação a R, r ′ é o vetor-posição do grão em relação a R ′ e R é o vetor-posição da origem O ′ em relação a R. X X ′O′A 2A r r′ Y ′Y O R Figura 13.8: Pneu de raio A, trajetória cicloidal do grão relativamente a R e eixos dos referen- ciais R e R ′, com a origem O ′ escolhida no centro do pneu. Da Figura 13.8, temos imediatamente r ′ = r −R , (13.16) onde R = R0 + Vt. Para obtermos R0, note que em t = 0s o grão se encontra na origem O e, conseqüentemente, o centro do pneu está, nesse instante, sobre o semi-eixo positivo OY , a uma distância A de O. Portanto, é fácil verificar que R0 = Auy. Para encontrarmos V, vamos imaginar que o pneu tenha dado uma volta completa. Nesse caso, como o pneu rola sem deslizar, o centro do pneu terá se deslocado de uma distância igual a 2πA. Porém, como vimos anteriormente, o pneu dá uma volta completa no intervalo de tempo igual a 2π/ω, de modo que sua velocidade V tem módulo: |V| = 2πA 2π/ω = ωA =⇒ V = ωAux . Temos, então, R = Auy + ωAtux . (13.17) Substituindo as equações (13.17) e (13.14) em (13.16), obtemos r ′ = A [ωt− sen(ωt)]ux + A [1 − cos(ωt)]uy − (Auy + ωAtux) = −A [ sen(ωt)u ′x + cos(ωt)u ′ y ] , (13.18) CEDERJ 24 Partı́cula isolada, referencial inercial e forças MÓDULO 2 - AULA 13 onde, na última igualdade, usamos o fato de que ux = u ′x e uy = u ′ y. Da expressão anterior, fica claro que o movimento do grão em relação a R ′ é circular, pois x ′2 + y ′2 = A2 [ sen2(ωt) + cos2(ωt) ] = A2 . (13.19) A velocidade do grão em relação a R ′, num instante genérico, é dada por: v ′ = dr ′ dt = −ωA [ cos(ωt)u ′x − sen(ωt)u ′y ] . (13.20) A partir da equação anterior, podemos calcular o módulo de v ′: |v ′|2 = v ′x2 + v ′y2 = (ωA)2 [ cos2(ωt) + sen2(ωt) ] = (ωA)2 . (13.21) v = ωA(ux + uy) a1 = ω2Aux (a) (b) v = 2ωAux a2 = −ω2Auy a3 = −ω2Aux v = ωA(ux − uy) Y O X X ′ v′ = ωAu′y v′ = ωAu′x v′ = −ωAu′y a3 a2 Aa1 O′ Y ′ Figura 13.9: Trajetórias do grão com velocidades e acelerações marcadas em alguns instantes: (a) no referencial R; (b) no referencial R ′. As equações (13.19) e (13.21) mostram que, para um observador em R ′, o movimento do grão é circular, de raio A e centro em O ′, e uniforme. Para 25 CEDERJ Partı́cula isolada, referencial inercial e forças Lembre-se de nossa motivação para definir partı́cula isolada como uma partı́- cula infinitamente afastada de todos os demais corpos do universo. Querı́amos garantir, com isso, que ela não sofresse influência alguma dos outros corpos do universo, exatamente por estar infinitamente afastada de todos eles. Uma vez acei- tando que uma partı́cula isolada não sofra influência de nenhum outro corpo do universo, podemos perguntar qual o seu movimento em relação aos diversos re- ferenciais. Em relação aos referencias inerciais, a resposta é dada pela lei que já enunciamos: tal partı́cula tem o mais simples dos movimentos, o movimento de aceleração nula, isto é, ela está em repouso ou em MRU. Já em relação aos referenciais não-inerciais, é possı́vel verificar que essa partı́cula, que julgamos não sofrer nenhuma influência de qualquer outro corpo do universo, pode ter qualquer tipo de movimento acelerado, movimentos tão com- plicados quanto quisermos imaginar. Vemos então que, pelo menos para estudar o movimento de partı́culas isoladas, os referenciais inerciais são os mais conve- nientes porque, em relação a eles, os movimentos observados são os mais sim- ples possı́veis. Veremos mais adiante que também no estudo dos movimentos de partı́culas que não são isoladas, os referenciais inerciais são os mais convenien- tes. Em relação a eles, os fenômenos da Natureza aparecem em suas formas mais simples de se compreender. Por esse motivo, sempre supomos que os referenciais utilizados no estudo de qualquer movimento são inerciais, a menos que se afirme explicitamente o contrário. Desse modo, é costume não afirmar que estamos usando um referencial inercial, ficando subentendida esta informação. Seguindo esse procedimento, a lei que enunciamos anteriormente pode ter a seguinte forma resumida: qualquer partı́cula isolada permanece em repouso ou em MRU. Já sabemos que tal lei só é válida se o referencial usado é inercial, mas, como dissemos, isto está subentendido pela nossa convenção. Uma partı́cula não isolada é aquela que não está infinitamente afastada de todos os outros corpos do universo. Nesse caso, dizemos que há corpos próximos à partı́cula, ou nas proximidades da partı́cula, ou nas vizinhanças da partı́cula ou, ainda, que a partı́cula está na presença de outros corpos. Essas são algumas das maneiras de dizer que a partı́cula não é isolada. Considere uma partı́cula não isolada, cujo movimento consideramos em relação a um referencial inercial. Se ela fosse isolada, isto é, se estivesse distante de todos os corpos do universo, teria aceleração nula em relação ao referencial inercial. Não sendo isolada, ela está próxima de alguns outros corpos e podemos CEDERJ 28 Partı́cula isolada, referencial inercial e forças MÓDULO 2 - AULA 13 perguntar que efeito a presença desses corpos tem sobre o seu movimento, em relação ao referencial inercial. A resposta é: a presença de outros corpos tem o efeito de, possivelmente, acelerar a partı́cula. Em outras palavras, a partı́cula pode adquirir aceleração, em relação ao referencial inercial, devido à presença desses outros corpos. Essa resposta é fundamentada numa enorme quantidade de observações e medições, e constitui-se, como veremos, no embrião de uma das leis fundamentais da dinâmica. É importante notar que não somente uma partı́cula pode ter aceleração de- vido à proximidade de outros corpos, como também essa é a única condição em que ela pode ter aceleração relativamente a um referencial inercial. De fato, se não houver outros corpos em sua proximidade, ela é uma partı́cula isolada e, con- seqüentemente, sua aceleração tem de ser nula. É claro que isso só é verdadeiro porque estamos considerando um referencial inercial. Em relação a referenciais não-inerciais, uma partı́cula isolada e, portanto, sem nenhum corpo em suas pro- ximidades, pode ter aceleração diferente de zero. Por esse motivo, os referenciais não-inerciais são inconvenientes para estudar o movimento: em relação a eles, uma partı́cula pode ter aceleração sem que haja outros corpos nas vizinhanças para causar tal aceleração. Já os referenciais inerciais são convenientes exata- mente porque em relação a eles uma partı́cula só pode ter aceleração se houver corpos nas vizinhanças para causar essa aceleração. Analisando os movimen- tos observados na Natureza e utilizando os conceitos de referencial inercial, de partı́cula isolada e de partı́cula não-isolada, somos levados a considerar um tipo especial de influência que os corpos podem exercer sobre uma partı́cula. Esse tipo de influência pode ser definido por duas propriedades: a influência consiste em acelerar a partı́cula e desaparece quando as distâncias entre os corpos e a partı́cula vai a infinito. Vamos chamar essa influência força. Força que um corpo exerce sobre uma partı́cula é a ação pela qual ele acelera a partı́cula e que desaparece quando a distância entre o corpo e a partı́cula tende a infinito. Estamos dizendo, então, que a aceleração de uma partı́cula é sempre devida às influências de outros corpos sobre ela, e chamamos forças essas influências. Se a partı́cula está próxima aos corpos, eles podem exercer forças sobre ela e ace- lerá-la; contudo, se os corpos estão infinitamente afastados da partı́cula, eles não podem acelerá-la e, por esse motivo, as partı́culas isoladas não têm aceleração. Pode também ocorrer que vários corpos estejam nas vizinhanças de uma partı́cula e ainda assim ela não tenha aceleração. Essa situação é interpretada considerando- se que as ações aceleradoras que os diversos corpos exercem sobre a partı́cula 29 CEDERJ Partı́cula isolada, referencial inercial e forças estão sendo canceladas entre si, ou seja, as forças que eles exercem sobre a partı́cula se cancelam entre si. O exemplo seguinte ilustra essa situação. Exemplo 13.5 Consideremos uma bolinha em repouso sobre uma mesa horizontal que está fixa em relação à Terra, conforme indicado na Figura 13.11. Podemos dizer que a bolinha está em repouso em relação a um referencial terrestre que, para os nossos propósitos, pode ser considerado inercial. Estando ela em repouso, a sua velocidade e a sua aceleração são iguais a zero. ↙ Bolinha Mesa Terra Figura 13.11: A bolinha sobre a mesa não é uma partı́cula isolada, mas tem aceleração nula, pois está em repouso. A bolinha não é uma partı́cula isolada. Podemos identificar vários corpos em suas vizinhanças, como a Terra e a mesa sobre a qual ela repousa. Poderı́amos acrescentar o ar que a circunda e outros corpos mais que julgamos estarem nas vizinhanças da bolinha. Quaisquer que sejam eles e quaisquer que sejam as in- fluências que eles exerçam para acelerar a bolinha, temos de admitir que essas influências se cancelam, pois a bolinha tem aceleração nula. Podemos resumir essas considerações, dizendo que há forças exercidas so- bre uma partı́cula sempre que ela estiver acelerada em relação a um referencial inercial, mas que pode haver forças sem que haja aceleração, pois existe a possi- bilidade de as forças se cancelarem. Mesmo com o risco de sermos repetitivos, vamos lembrar que as consi- derações que nos levaram ao conceito de força, e o próprio conceito, pressupõem que o referencial em relação ao qual consideramos o movimento da partı́cula seja inercial. CEDERJ 30 Partı́cula isolada, referencial inercial e forças MÓDULO 2 - AULA 13 Vamos finalizar esta aula observando que a definição de força que usamos expressa a idéia qualitativa da mesma. Essa idéia qualitativa não é suficiente para desenvolver a teoria da dinâmica. Necessitaremos de um conceito de força mais preciso e quantitativo, que será desenvolvido nas aulas seguintes. De qualquer modo, esse conceito quantitativo estará de acordo com o conceito mais vago que usamos nesta aula: de força como a ação de um corpo que acelera uma partı́cula e que desaparece quando a distância entre o corpo e a partı́cula vai a infinito. Resumo Partı́cula isolada é uma partı́cula infinitamente afastada dos demais corpos do universo. Referencial inercial é um referencial em relação ao qual são nulas as acelerações de uma trinca de partı́culas isoladas não-colineares. Uma partı́cula não-isolada tem corpos em suas vizinhanças que podem agir sobre ela de modo a acelerá-la. Definimos força que um corpo exerce sobre uma partı́cula como a ação com a qual ele acelera a partı́cula e que desaparece quando a distância entre o corpo e a partı́cula tende a infinito. A primeira lei de Newton afirma que toda partı́cula permanece em estado de repouso ou de movimento retilı́neo uniforme, a menos que seja acelerada por forças exercidas sobre ela. Questionário 1. O que você entende por relatividade do movimento? 2. O que é uma partı́cula isolada? 3. Podemos observar no universo uma partı́cula perfeitamente isolada? O que consideramos, na prática, como a realização aproximada de uma partı́cula isolada? Cite exemplos de partı́culas isoladas que podemos observar facilmente. 4. O que é um referencial inercial? Cite exemplos. 5. Qualquer referencial pode ser classificado como inercial ou não-inercial, ou há referenciais que não são nem uma coisa nem outra? Um referencial pode ser inercial e ao mesmo tempo não-inercial? 6. Considere a seguinte afirmação: um referencial inercial é aquele em relação ao qual três partı́culas estão em repouso ou em movimento retilı́neo uni- forme. O que é necessário alterar nessa afirmação para torná-la verdadeira? 33 CEDERJ Partı́cula isolada, referencial inercial e forças 7. Enuncie a primeira lei de Newton. 8. Analise a primeira lei de Newton, explicitando as afirmações nela contidas sobre a natureza do movimento. Problemas propostos 1. Considere um referencial R e um referencial R ′ que se movimenta em MRU relativamente a R com velocidade V e cujos eixos têm orientações fixas em relação a R. Vamos supor que os eixos OZ e OZ ′ sejam pa- ralelos, mas os planos O ′X ′Z ′ e O ′Y ′Z ′ estejam girados de um ângulo α em relação aos planos OXZ e OYZ , respectivamente, como indica a Figura 13.12. XO O′ Y Y ′ X ′ X Y r r′ R y x y′ x′ α Figura 13.12: Eixos O ′X ′Y ′ girados de um ângulo α em relação aos eixos OXY . Nesta Figura 13.12, estão marcados os vetores r, r ′ e R, onde r é o vetor- posição de uma partı́cula em relação a R, r ′ é o seu vetor-posição em relação a R ′ e R é o vetor-posição da origem O ′ em relação a R. (a) A partir da Figura 13.12, mostre que as componentes cartesianas dos vetores r, r ′ e R estão relacionadas da seguinte forma:   x = x ′cosα − y ′senα + X y = x ′senα + y ′cosα + Y z = z ′ + Z . CEDERJ 34 Partı́cula isolada, referencial inercial e forças MÓDULO 2 - AULA 13 Conseqüentemente, por derivação direta, temos:  vx = v ′ xcosα − v ′ysenα + Vx vy = v ′ xsenα + v ′ ycosα + Vy vz = v ′ z + Vz e   ax = a ′ xcosα − a ′ysenα ay = a ′ xsenα + a ′ ycosα az = a ′ z . (b) Usando o fato de que v = vxux + vyuy + vzuz, v ′ = v ′xu ′ x + v ′ yu ′ y + v ′zu ′ z e V = Vxux + Vyuy + Vzuz, demonstre que a transformação de Galileu para as velocidades ainda é válida nesse caso (no qual alguns eixos de R ′ estão girados em relação aos de R), ou seja, mostre que v = v ′ + V. Demonstre, então, que se R é um referencial inercial, R ′ também é. 2. Repita o problema anterior, mas considerando agora que os eixos do refe- rencial R ′ se movimentem em MRUV com aceleração A em relação a R. Mostre, nesse caso, que a = a ′ + A. Demonstre que, se R é um referen- cial inercial, R ′ não será mais inercial. Nesse caso, você terá demonstrado que todo referencial que tem aceleração diferente de zero em relação a um referencial inercial não é inercial. 3. Reconsidere o Exemplo 13.3, mas, neste problema, suponha que o referen- cial R ′ tenha a velocidade V = 2v0 cosθ0 ux em relação a R. Obtenha, nesse caso, as expressões para a posição e a velocidade do projétil relativas a R ′, isto é, r ′ e v ′, assim como a equação cartesiana de sua trajetória neste referencial. Faça um desenho dessa trajetória. 4. Considere um trem que se encontra em MRU com velocidade V = V0ux em relação a um referencial R solidário à estação. Num dado instante, que tomaremos como t = 0s, um pequeno parafuso se desprende do teto de um dos vagões. Por simplicidade, vamos escolher o eixo OY , de modo que a posição inicial do parafuso seja dada por r0 = huy. (a) Obtenha a função-movimento do parafuso (em relação a R) desde t = 0s até o instante em que toca o chão do vagão, ou seja, determine a posição do parafuso r num instante genérico de seu movimento. Es- creva a equação cartesiana de sua trajetória, nesse referencial, e faça um esboço da mesma. (b) Considere agora um outro referencial, R ′, solidário ao trem, ou seja, que se move em MRU em relação a R com a mesma velocidade do trem e cujos eixos estão definidos como nos Exemplos 13.2 e 13.3, ou seja, seus eixos são paralelos aos de R e coincidem em t = 0s. 35 CEDERJ Partı́cula isolada, referencial inercial e forças 11. Um pára-quedista, em seu treinamento de rotina, salta de um avião em direção ao solo e, em seguida, abre seu pára-quedas. Identifique os corpos, nas vizinhanças do pára-quedista, que você julga relevantes para o estudo de seu movimento: (a) durante a queda; (b) depois que ele atinge o solo e retira o pára-quedas de seu corpo. Auto-avaliação O conteúdo desta aula, juntamente com os conteúdos das duas próximas aulas, reunem os fundamentos de toda a mecânica newtoniana. Por esse motivo, essas três aulas devem ser muito bem compreendidas por você. Portanto, não passe adiante sem que tenha certeza de ter entendido todos os conceitos apresen- tados, ainda que isso exija várias leituras desta aula. Um modo de verificar o grau de compreensão é, obviamente, tentar responder ao questionário e resolver os problemas propostos. Sugerimos, então, que você prossiga com seus estudos somente se tiver respondido a todas as questões e resolvido todos os problemas propostos com razoável confiança em tê-los feito corretamente. CEDERJ 38 Conceito de massa inercial e a Segunda Lei de Newton MÓDULO 2 - AULA 14 Aula 14 – Conceito de massa inercial e a Segunda Lei de Newton Objetivos • Desenvolver o conceito de massa inercial e o conceito quantitativo de força. • Compreender a Segunda Lei de Newton do movimento. • Entender o conceito de força gravitacional entre partı́culas. Introdução Esta aula dá continuidade aos tópicos tratados na Aula 13. Por isso, é ne- cessário iniciá-la já supondo que os referenciais usados para analisar os movi- mentos das partı́culas sejam inerciais. Portanto, tenha sempre em mente que toda afirmação é feita pressupondo que o referencial usado seja inercial, a menos que se diga explicitamente o contrário. Pretendemos chegar aos conceitos quantitati- vos de massa inercial e de força. Mais especificamente, chegaremos ao conceito de força total sobre uma partı́cula exercida pelas partı́culas e corpos que estão em suas vizinhanças. Como veremos, massa inercial é a quantidade associada a uma partı́cula cujo valor representa a dificuldade que ela oferece para ser acelerada. Força so- bre uma partı́cula é a quantidade associada à influência que as vizinhanças dessa partı́cula exercem sobre ela, acelerando-a. Essas duas quantidades, juntamente com a própria aceleração da partı́cula, são as grandezas que entram no enunciado da Segunda Lei de Newton. Uma propriedade fundamental da força é que ela é determinada não apenas pela posição e velocidade da partı́cula, cujo movimento queremos analisar, mas também pelas posições e velocidades das partı́culas que estão à sua volta, em sua vizinhança. Nesta aula, estudaremos os conceitos e as afirmações fundamentais contidas na Segunda Lei de Newton. Contudo, não estaremos ainda aptos a resolver pro- blemas concretos como, por exemplo, determinar o movimento de blocos que são puxados por fios e deslizam sobre rampas inclinadas, ou mesmo superfı́cies mais gerais, entre outros. Para isso, ainda faltam alguns conceitos e métodos que desenvolveremos nas próximas aulas. Aqui, nossa proposta é entender os conceitos de massa e força, por meio de situações gerais bem simples, deixando para depois a tarefa de realizar cálculos sobre problemas especı́ficos. Mesmo os 39 CEDERJ Conceito de massa inercial e a Segunda Lei de Newton problemas propostos no final desta aula têm por objetivo apenas auxiliar o aluno na compreensão dos conceitos que discutiremos. Massa inercial Consideremos um par de partı́culas infinitamente afastado dos demais cor- pos do universo, mas suponhamos que elas estejam próximas uma da outra. Cada partı́cula do par não está isolada, pois tem, por hipótese, a outra em suas vizinhan- ças. Porém, além da outra, cada partı́cula do par não possui nenhum outro corpo em suas vizinhanças. Podemos dizer que o par constituı́do por tais partı́culas está isolado, embora cada partı́cula não esteja isolada. Nessas circunstâncias, o movi- mento de uma das partı́culas do par só pode ser influenciado pela outra. Em outras palavras, cada partı́cula do par pode ser acelerada somente pela outra. Vamos denominar partı́cula i uma das partı́culas do par e partı́cula j a outra. Seja ai a aceleração da partı́cula i e aj a aceleração da partı́cula j. A Figura 14.1 exemplifica tal situação. i j ai aj Figura 14.1: Um par de partı́culas isolado do restante do universo e suas respectivas acelerações. Essa situação idealizada do par de partı́culas completamente isolado não pode ser realizada na prática, mas há muitas situações concretas que se aproximam dela ou que são equivalentes a ela. Observando e medindo as acelerações do par de partı́culas nessas situações concretas, observamos algumas propriedades que relacionam entre si as acelerações das partı́culas do par isolado. A primeira propriedade observada é enunciada a seguir. CEDERJ 40 Conceito de massa inercial e a Segunda Lei de Newton MÓDULO 2 - AULA 14 esse número foi obtido usando uma certa partı́cula padrão p. Para deixar claro e explı́cito que usamos essa partı́cula padrão, em vez de escrever a igualdade mi = 3, escrevemos a igualdade mi = 3 up, na qual o sı́mbolo up indica que o número mip = 3 foi obtido pelo uso da partı́cula padrão p. O sı́mbolo up é chamado unidade de massa obtida da partı́cula padrão p. Usamos o valor 3 para o número mip para raciocinarmos com um valor especı́fico, mas aplicamos ao caso geral o procedimento de usar um sı́mbolo up para indicar que foi escolhida como padrão a partı́cula p. Desse modo, a massa mi da partı́cula i, em relação à partı́cula padrão p, é representada por: mi = mip up . (14.6) A equação anterior afirma que a massa mi está expressa em unidade de massa up e que, nessa unidade, o valor numérico da massa é o número mip. De fato, essa é a simbologia usual para expressar uma grandeza qualquer numa certa unidade. Sabemos que, com essa simbologia, podemos fazer mudanças de uni- dade que induzem uma mudança no valor numérico da grandeza, ao mesmo tempo que mantém invariável o valor da própria grandeza. Formamos um par isolado da partı́cula p com uma partı́cula i para definir a massa da partı́cula i. Com esse procedimento, podemos definir a massa de qual- quer partı́cula, exceto da própria partı́cula p, pois, obviamente, não é possı́vel formar um par apenas com uma única partı́cula. O procedimento deixa a massa da própria partı́cula padrão completamente indeterminada. É conveniente esta- belecer, por convenção, que a massa da partı́cula padrão p é de uma unidade de massa up, isto é, mp = 1 up . (14.7) Portanto, a qualquer partı́cula podemos atribuir uma massa, expressa em uma certa unidade. No Sistema Internacional de Unidades, a partı́cula padrão é um cilindro de platina iridiada chamado quilograma padrão. A unidade de massa associada a essa partı́cula padrão é representada por kg e é chamada simplesmente quilograma. Usando esse padrão, temos, naturalmente, nas equações (14.6) e (14.7), o sı́mbolo up, que é substituı́do pelo sı́mbolo kg. Nesse caso, as equações (14.6) e (14.7) tomam as formas respectivas: mi = mip kg e mp = 1 kg. O protótipo de platina iridiada foi aprovado como padrão para o quilograma na Conferência Geral de Pesos e Medidas, realizada em Paris, em 1889. Desde então, encontra-se cuidadosamente guardado na Repartição Internacional de Pesos e Medidas, em Sèvres, na França. Um fato histórico curioso, por ocasião da adoção do sistema decimal de unidades oficialmente no Brasil, foi a chamada Revolta dos Quebra-quilos, ocorrida em 1874, no estado da Paraı́ba. O objetivo principal de tal rebelião, como sugere o nome, era destruir, entre outros, os padrões de massa do sistema decimal de unidades. Voltemos agora à equação (14.5). Sabemos que qualquer partı́cula k pode ser usada no lado esquerdo dessa equação para obter o número mij que aparece no seu lado direito. Vamos escolher a partı́cula k como sendo a partı́cula padrão p, de modo que (14.5) toma a forma mip mjp = mij . (14.8) 43 CEDERJ Conceito de massa inercial e a Segunda Lei de Newton Usando a definição de massa (14.6) para as partı́culas i e j, obtemos as igualdades: mip = mi/up e mjp = mj/up. Usando essas igualdades na equação (14.8), obtemos: mij = mi mj . (14.9) Desse modo, usando a definição de massa de uma partı́cula, vemos que o número mij , associado ao par isolado constituı́do pelas partı́culas i e j, é simples- mente a razão entre a massa da partı́cula i e a massa da partı́cula j. Substituindo essa expressão de mij como razão entre massas na equação (14.1), obtemos mj aj = −mi ai , (14.10) que chamamos lei das acelerações das partı́culas de um par isolado, e que enunciamos da seguinte forma: em um par isolado de partı́culas, o produto da massa pela acele- ração de uma das partı́culas tem sempre a mesma direção, o mesmo módulo e sentido oposto ao produto da massa pela aceleração da outra partı́cula. Essa lei é conseqüência das duas propriedades que havı́amos enunciado an- teriormente. Além disso, como você pode verificar por conta própria, essas duas propriedades podem ser obtidas a partir da lei (14.10) que, portanto, é equiva- lente às duas propriedades. Por esse motivo, podemos levar em consideração, de agora em diante, apenas esta lei. Na verdade, ela é uma das leis fundamentais da mecânica newtoniana. Tomando os módulos dos vetores na equação (14.10), obtemos |aj | |ai| = mi mj , (14.11) ou seja, em um par isolado de partı́culas, os módulos das acelerações são inver- samente proporcionais aos valores das massas. Isso significa que, no par, quanto maior a massa da partı́cula, menor a sua aceleração. É comum expressar essa propriedade dizendo que quanto maior for a massa de uma partı́cula, maior será a dificuldade que ela oferece para ser acelerada. Como essa idéia de dificuldade para ser acelerada recebe o nome antigo e tradicional de inércia, também se diz que a massa é uma medida da inércia de uma partı́cula. Por esse motivo, a gran- deza massa definida nesta seção também costuma ser chamada pelo nome mais extenso massa inercial. CEDERJ 44 Conceito de massa inercial e a Segunda Lei de Newton MÓDULO 2 - AULA 14 Força e Segunda Lei de Newton Consideremos o movimento de uma partı́cula em relação a um referen- cial inercial. Desejamos determinar os movimentos possı́veis dessa partı́cula na presença de outros corpos em suas vizinhanças. Para identificar essa partı́cula como aquela cujo movimento desejamos estudar, vamos chamá-la partı́cula em estudo. Supomos que ela não esteja isolada, isto é, que haja corpos em suas vizinhanças. Como qualquer corpo pode ser considerado um conjunto de partı́- culas, podemos dizer que a partı́cula em estudo tem, em suas vizinhanças, um conjunto de partı́culas que chamamos partı́culas vizinhas. A partı́cula em es- tudo, juntamente com as partı́culas vizinhas, serão aqui chamadas partı́culas do problema. Todos esses nomes visam apenas a facilitar o estudo do movimento de uma partı́cula. As partı́culas vizinhas podem formar corpos rı́gidos ou maleáveis, lı́quidos ou gasosos, ou podem se apresentar todas separadas umas das outras. Elas podem ser muitas ou se resumir a umas poucas partı́culas. Pode mesmo ocorrer a situação mais simples, em que a partı́cula em estudo tem apenas uma partı́cula vizinha. Todas essas situações são apenas particularidades que não afetam, por enquanto, o nosso estudo. Vamos começar perguntando de que modo identificamos as partı́culas vizi- nhas de uma partı́cula em estudo. A resposta teórica é simples: são aquelas que não estão infinitamente afastadas da partı́cula em estudo. Na prática, são apenas aquelas partı́culas que julgamos exercer alguma influência sobre o movimento da partı́cula em estudo. Surge então a pergunta crucial: em que se baseia nosso jul- gamento de que uma dada partı́cula não tem influência sobre o movimento da partı́cula em estudo, de modo a podermos considerá-la como se estivesse infinita- mente afastada dessa partı́cula em estudo? Perguntando de outro modo: em que se baseia nosso julgamento de que uma dada partı́cula pertence ou não à vizinhança da partı́cula em estudo? A resposta a essas perguntas pode parecer óbvia, mas é a única possı́vel: nosso julgamento se baseia em conhecimentos e experiências previamente adquiridos a respeito do tipo de partı́cula em estudo e dos tipos de vizinhança que ela possui. Tais conhecimentos e experiências incluem o conhe- cimento de leis fı́sicas e resultados experimentais relacionados com o problema em questão. É claro que nosso julgamento sobre que partı́culas pertencem ou não às vizinhanças da partı́cula em estudo pode estar errado. Podemos não conside- rar uma partı́cula que, na verdade, pertence à vizinhança da partı́cula em estudo. Nesse caso, a influência dessa partı́cula estará sendo desconsiderada e os cálculos que fizermos levarão a resultados errados. Tais erros nos obrigarão a redefinir que partı́culas pertencem, de fato, à vizinhança da partı́cula em estudo. 45 CEDERJ Conceito de massa inercial e a Segunda Lei de Newton Em alguns casos, basta conhecer as posições e velocidades de apenas algumas partı́culas. Em muitos outros casos, nem mesmo é necessário conhecer as veloci- dades das partı́culas, bastando conhecer apenas as suas posições para determinar o produto ma. De qualquer modo, saber as posições e as velocidades da partı́cula em estudo e das partı́culas vizinhas é sempre suficiente para determinar o produto ma, de acordo com a lei do determinismo newtoniano. Para aplicar essa lei ao estudo do movimento, devemos expressá-la em lin- guagem matemática. Para isso, devemos usar o conceito de função de diversas variáveis, pois a lei diz que a grandeza ma é determinada por várias outras gran- dezas, que são as posições e velocidades das partı́culas envolvidas no problema. O conceito de função de diversas variáveis é simples e não é essencialmente dife- rente do conceito de função utilizado até o momento. Consideremos esse conceito, para depois voltarmos ao estudo da lei do determinismo newtoniano. Se o valor de uma grandeza w é determinado pelo valor de uma grandeza u, dizemos que w é função de u ou que w é função da variável u. Essencialmente, a função é essa relação que determina w a partir de u. Representando a função pela letra f , escrevemos w = f(u) para declarar que u determina w por meio da função f . Por exemplo, se f(u) = u2, onde u é um número real qualquer, w é um número real dado por w = u2. Tudo isso já conhecemos muito bem e, inclusive, temos utilizado com muita freqüência em nosso curso o conceito de função. Consideremos agora que o valor de uma grandeza w seja determinado pelos valores de uma grandeza u1 e também pelos valores de uma outra grandeza u2, isto é, que o par de valores (u1, u2) determine o valor de w. Nesse caso, dizemos que w é função de u1 e de u2, ou que w é função das duas variáveis u1 e u2. A função continua sendo, essencialmente, a relação que determina w a partir de u1 e u2. Representando a função pela letra ϕ, escrevemos w = ϕ(u1, u2), para declarar que u1 e u2 determinam w por meio da função ϕ. Por exemplo, se ϕ(u1, u2) = (u1)2 − 3 u2, onde u1 e u2 são números reais quaisquer, então w é um número real dado por w = (u1)2 − 3 u2. Nessa relação, é evidente que u1 e u2 determinam w. Ilustremos esse fato com alguns valores especı́ficos para u1 e u2. Se u1 = 4 e u2 = 5, obtemos w = 42 − 3 × 5, isto é, w = 1. Se u1 = 0 e u2 = 2, obtemos w = 02 − 3 × 2, isto é, w = −6. Se uma grandeza w é deteminada por três grandezas u1, u2 e u3, dizemos que w é função de u1, u2 e u3. Se a função for chamada φ, escrevemos w = φ(u1, u2, u3) para declarar que u1, u2 e u3 determinam w por meio da função φ. De um modo geral, podemos considerar a situação em que uma grandeza w é deteminada por n grandezas u1, u2,...,un, sendo n um número inteiro positivo CEDERJ 48 Conceito de massa inercial e a Segunda Lei de Newton MÓDULO 2 - AULA 14 qualquer. Nesse caso, dizemos que w é função de u1,...,un, ou que é função das n variáveis u1,...,un. No parágrafo anterior, consideramos os casos em que n é igual a 1, 2 e 3, respectivamente, isto é, o caso de funções de uma, duas e três variáveis. Se a função que determina w, a partir das n variáveis u1,...,un, for chamada χ, escrevemos w = χ(u1, .., un) para declarar que u1,...,un determinam w por meio da função χ. Dizemos também que w é uma função das n variáveis u1,...,un e que χ é uma função de n variáveis. Em Fı́sica, é muito comum o uso de funções com mais de uma variável. Por exemplo, aprendemos que a relação entre a pressão p, o volume V e a temperatura T de n moles de um gás perfeito em equilı́brio térmico é dada por pV = nRT , onde R é a chamada constante universal dos gases. Com isso, o volume V e a temperatura T determinam a pressão p, de acordo com a relação p = nR T/V . Usando o conceito matemático de função, dizemos que a pressão p é função do volume V e da temperatura T . Chamando ϕ a função em questão, escrevemos p = ϕ(T, V ) e dizemos que V e T determimam p por meio da função ϕ. No caso dos gases perfeitos, a função ϕ é dada por ϕ(T, V ) = nR T/V , onde n e R são constantes conhecidas; T e V são as duas variáveis independentes da função. Nos exemplos que consideramos, as funções relacionam grandezas que são números reais. Mas podemos também dar exemplos de funções que relacionam grandezas vetoriais. Se uma grandeza vetorial c é determinada por duas gran- dezas vetoriais b1 e b2, dizemos que c é função de b1 e b2 ou que c é função das duas variáveis vetoriais b1 e b2. Representando a função por Ψ, escreve- mos c = Ψ(b1,b2) para declarar que b1 e b2 determinam c por meio da função Ψ. Um exemplo de uma tal função é dado por c = |b1|b2, isto é, c é igual ao módulo do vetor b1 multiplicado pelo vetor b2. Nesse caso, a função Ψ é dada por Ψ(b1,b2) = |b1|b2. Neste ponto, você deve resolver o problema proposto 3, para observar, em alguns casos especı́ficos, como b1 e b2 determinam c por meio desse exemplo de função Ψ. Finalmente, temos o caso geral em que uma grandeza vetorial c é deter- minada por n grandezas vetoriais b1,...,bn. Dizemos então que c é função de b1,...,bn ou que c é função das n variáveis vetoriais b1,...,bn. Representando a função por Ψ, escrevemos c = Ψ(b1, ...,bn) para declarar que b1,...,bn determi- nam c por meio da função Ψ. Esse último caso é o que vamos utilizar para dar uma expressão matemática à lei do deteminismo newtoniano. 49 CEDERJ Conceito de massa inercial e a Segunda Lei de Newton Para obter a expressão matemática da lei do determinismo newtoniano, va- mos definir os sı́mbolos das grandezas envolvidas na lei. Temos uma partı́cula em estudo, cuja massa é m e cuja aceleração é a. Sua posição e sua velocidade serão representadas por r e v, respectivamente. Vamos chamar N o número total de partı́culas nas vizinhanças da partı́cula em estudo e vamos numerá-las de 1 até N . Não importa, no momento, se esse número é grande ou pequeno. Sejam r1,...,rN os respectivos vetores-posição dessas partı́culas e v1,...,vN suas respectivas velo- cidades vetoriais. A aceleração, as posições e as velocidades são consideradas to- das em um mesmo instante arbitrário. A Figura 14.3 é uma ilustração da partı́cula em estudo e das partı́culas em suas vizinhanças. X Y Z OrNv N v N−1 r N−1 rj r vj v ri r2 r 1 v i v2 v1 Figura 14.3: Partı́cula em estudo na posição r e com velocidade v, e as partı́culas em suas vizinhanças. A lei do determinismo newtoniano afirma que, em cada instante, o produto da massa pela aceleração da partı́cula em estudo é determinado pela sua posição e sua velocidade, e pelas posições e velocidades das partı́culas vizinhas. Portanto, a lei afirma que o produto ma é uma função dos vetores posição r, r1,...,rN e das velocidades v, v1,...,vN . Representando essa função por F , obtemos a seguinte expressão matemática para a lei do determinismo newtoniano: ma = F(r, r1, ..., rN ,v,v1, ...,vN) . (14.12) CEDERJ 50 Conceito de massa inercial e a Segunda Lei de Newton MÓDULO 2 - AULA 14 está em harmonia com o qualitativo e o complementa. De fato, o vetor-força F expressa de modo quantitativo a ação aceleradora das partı́culas vizinhas sobre a partı́cula em estudo, pois a aceleração da partı́cula em estudo é completamente determinada pelo vetor F por meio da Segunda Lei de Newton: a = 1 m F . (14.15) Conseqüentemente, não deve causar problema usar o mesmo nome, força, para designar o conceito qualitativo de ação aceleradora e o conceito quantitativo dado pelo vetor F. Cada conceito expressa, a seu modo, a mesma idéia de que a aceleração da partı́cula em estudo é causada pelas partı́culas nas suas vizinhanças. Em figuras e diagramas ilustrando forças atuando sobre partı́culas, a seta que representa o vetor-força exercida sobre uma partı́cula é desenhada com seu ponto inicial na partı́cula que sofre a ação desta força. Há outras maneiras de nos referirmos à força total F exercida sobre uma partı́cula pelas partı́culas em suas vizinhanças. É comum nos depararmos com expressões do tipo: força sofrida pela partı́cula devido às partı́culas em suas vizinhanças, ou ainda, força numa partı́cula devido às vizinhanças. A equação (14.15) é a equação fundamental para determinarmos os mo- vimentos da partı́cula em estudo. Nela, temos a força F dada em função das posições e velocidades das partı́culas do problema, e a aceleração da partı́cula em estudo é igual a essa força dividida pela massa da partı́cula em estudo. Desse modo, temos a aceleração da partı́cula em estudo dada em função das posições e velocidades das partı́culas do problema. Essa relação entre aceleração, posições e velocidades é usada para determinar os movimentos da partı́cula em estudo. No entanto, para que isso possa ser feito, são necessários outros conceitos e métodos que desenvolveremos nas aulas seguintes. Por enquanto, vamos apenas tentar entender os conceitos e as afirmações fundamentais contidas na Segunda Lei de Newton. Posteriormente, chegaremos ao ponto em que saberemos usá-la para resolver problemas concretos. Note agora que, no limite em que se tornam infinitas as distâncias entre a partı́cula em estudo e as N partı́culas das vizinhanças, a partı́cula em estudo se torna uma partı́cula isolada. De acordo com a Primeira Lei de Newton, a aceleração da partı́cula em estudo deve, então, anular-se. Nesse caso, a força total F também deve se anular, em virtude da Segunda Lei de Newton (14.14). Vamos agora considerar a situação mais simples na qual uma partı́cula em estudo pode se encontrar. É quando em suas vizinhanças há somente uma única partı́cula. Nesse caso, o número N de partı́culas nas vizinhanças é igual a 1. Se 53 CEDERJ Conceito de massa inercial e a Segunda Lei de Newton N = 1, a força total (14.13) sobre a partı́cula em estudo é uma função da posição r e velocidade v da partı́cula em estudo, e da posição r1 e velocidade v1 da única partı́cula nas vizinhanças. Temos, portanto, F1 = F1(r, r1,v,v1) , (14.16) onde representamos a força total por F1 e a função-força por F1, em vez de usar os sı́mbolos F e F , para enfatizar que agora há apenas uma partı́cula nas vizinhanças. Assim sendo, a Segunda Lei de Newton (14.14) nos leva à expressão: ma = F1(r, r1,v,v1) . (14.17) A força que a única partı́cula nas vizinhanças exerce sobre a partı́cula em estudo depende das caracterı́sticas dessas duas partı́culas. Por exemplo, é possı́vel que essas duas partı́culas possuam carga elétrica e, nesse caso, a partı́cula em es- tudo sofrerá um tipo de força que chamamos eletromagnética e que pode ser muito complicada. Tais forças serão estudadas na disciplina Fı́sica 3. Essas forças so- mente existem se as partı́culas possuem cargas elétricas. Há outros tipos de forças que também podem estar presentes ou não, dependendo das circunstâncias. Em contrapartida, há um tipo de força que ocorre simplesmente porque as partı́culas do problema têm massa. Como, em princı́pio, toda partı́cula tem massa, essa força sempre estará presente quando uma partı́cula estiver nas vizinhanças de uma ou- tra. Essa força é chamada gravitacional. Se a partı́cula nas vizinhanças tem massa m1, a força gravitacional que ela exerce sobre a partı́cula em estudo é dada por F1 = −G m m1|r − r1|2 r − r1 |r− r1| , (14.18) onde G é uma constante chamada constante gravitacional de Newton ou também constante da gravitação universal. Seu valor no SI é dado por: G = 6, 67259(85)× 10−11 m 3 kg s2 . (14.19) A força gravitacional exercida sobre a partı́cula em estudo, pela partı́cula em suas vizinhanças, tem módulo proporcional ao produto das massas das duas partı́culas e inversamente proporcional ao quadrado da distância que as separa. Além disso, é uma força na direção da reta que passa pelas duas partı́culas, com sentido que vai da partı́cula sobre a qual a força é exercida para a partı́cula que exerce a força. Essa propriedade do sentido da força é descrita sucintamente, dizendo que a força gravitacional é atrativa. Isto porque esse sentido da força faz com que a aceleração CEDERJ 54 Conceito de massa inercial e a Segunda Lei de Newton MÓDULO 2 - AULA 14 da partı́cula em estudo aponte para a partı́cula que exerce a força, conforme exi- gido pela Segunda Lei de Newton (14.14). Todas essas propriedades da força gra- vitacional você pode observar diretamente na fórmula (14.18), desde que seus co- nhecimentos sobre álgebra vetorial estejam em dia. Se você tiver dificuldades em perceber imediatamente tais propriedades em (14.18), você deve consultar a Aula 8 para rever as propriedades básicas de vetores. De qualquer modo, tente resolver os problemas propostos envolvendo a força gravitacional entre duas partı́culas en- contrados no final da aula. A Figura 14.4 ilustra as grandezas relacionadas com a força gravitacional que estamos considerando. O Z Y X r1 r m r − r1 m1 F1 Figura 14.4: Força gravitacional F1 sobre partı́cula em estudo, exercida pela única partı́cula nas vizinhanças da partı́cula em estudo. Na fórmula (14.18), vemos que a força é proporcional ao produto das mas- sas das partı́culas do problema. Quanto maior a massa da partı́cula sobre a qual a força é exercida, maior a força. Quanto maior a massa da partı́cula que exerce a força, maior a força. Se qualquer das massas fosse zero, não haveria força gravitacional. A massa é a propriedade de uma partı́cula que dá origem à força gravitacional. Acontece que essa massa é a que foi definida anteriormente e que chamamos massa inercial. Ela é dita inercial porque é a quantidade que mede a di- ficuldade que uma partı́cula oferece para ser acelerada. É interessante, ou mesmo surpreendente, que a mesma grandeza que mede a dificuldade que uma partı́cula oferece para ser acelerada também dá origem à força gravitacional com que uma partı́cula atrai ou é atraı́da por outra partı́cula. Sobre essa questão, voltaremos a falar mais adiante. 55 CEDERJ Conceito de massa inercial e a Segunda Lei de Newton x t Figura 14.5: Descrição gráfica qualitativa do movimento de uma partı́cula sob a ação de uma força do tipo Fx = −kx, com k > 0. Vamos agora discutir uma segunda propriedade, não menos importante que a anterior, de movimentos sob esse tipo de força. No entanto, para facili- tar a compreensão de nossa discussão, vamos enunciá-la antes de apresentar a sua demonstração. Se abandonarmos uma partı́cula em repouso em um ponto genérico do eixo OX , que não coincida com a origem, o tempo gasto pela partı́cula para atingir a origem será o mesmo, qualquer que seja o ponto onde foi abandonada. Passemos, então, à demonstração dessa propriedade tão peculiar. Nossa estratégia será comparar os tempos gastos pela partı́cula para atingir a origem quando ela é abandonada de dois pontos arbitrários distintos do eixo OX , deno- tados por X0 e x0. Não seremos capazes de demonstrar aqui quanto vale esse tempo, mas mostraremos que ele é o mesmo, quer a partı́cula seja abandonada de X0, quer seja abandonada de x0. Por conveniência, vamos escolher esses pon- tos no semi-eixo positivo OX , mas a demonstração é em tudo análoga, caso eles fossem escolhidos no semi-eixo negativo. Tomemos dois pontos, X1 e x1, bem próximos aos pontos X0 e x0, mas escolhidos de tal modo que X0 − X1 x0 − x1 = X0 x0 =: R , (14.23) onde definimos a razão fixa R (note que é sempre possı́vel fazer essa escolha). A Figura 14.6 ilustra essa escolha. CEDERJ 58 Conceito de massa inercial e a Segunda Lei de Newton MÓDULO 2 - AULA 14 O x2 x1 x0 X2 X1 X0 X Figura 14.6: A partı́cula sob a ação de uma força Fx = −kx abandonada, respectivamente, nos pontos X0 e x0. Devido à proximidade de X1 e x1 em relação a X0 e x0, podemos supor com ótima aproximação (pode ser tão boa quanto queiramos, basta tomar os pon- tos X1 e x1 mais e mais próximos de X0 e x0) que os movimentos seguidos pela partı́cula de X0 até X1 e de x0 até x1 são ambos MRUV, ou seja, com acelerações constantes e iguais às acelerações iniciais. Usando o fato de que ax = Fx/m = −ω2x, as acelerações nesses primeiros trechos são dadas, respec- tivamente, por: A0 = −ω2X0 (no trecho X0 até X1) e a0 = −ω2x0 (no trecho x0 até x1). Como, por hipótese, a partı́cula parte do repouso tanto de X0 quanto de x0, escrevemos X1 − X0 = 0 + 1 2 A0(∆T1) 2 = −1 2 ω2X0(∆T1) 2 x1 − x0 = 0 + 1 2 a0(∆t1) 2 = −1 2 ω2x0(∆t1) 2 , (14.24) onde definimos ∆T1 e ∆t1 como sendo os tempos gastos para a partı́cula percorrer os trechos de X0 até X1 e de x0 até x1, respectivamente. Tomando as equações anteriores, dividindo uma pela outra e fazendo uso da equação (14.23), obtemos X1 − X0 x1 − x0 = X0 x0 (∆T1) 2 (∆t1)2 ; =⇒ ∆T1 = ∆t1 . (14.25) Ou seja, o tempo gasto para a partı́cula atingir o ponto X1, quando abandonada de X0, é exatamente igual àquele gasto por ela para atingir x1, quando abandonada de x0. No entanto, ao atingir os pontos X1 e x1, a partı́cula possui velocidades não-nulas V1 e v1, respectivamente. Para essas velocidades, podemos escrever V1 = A0∆T1 = −ω2X0∆T1 e v1 = a0∆t1 = −ω2x0∆t1 . (14.26) Tomando as expressões escritas na equação anterior, dividindo uma pela outra, usando a equação (14.23) e o fato de que ∆T1 = ∆t1, obtemos V1 v1 = X0 x0 = R . (14.27) Definimos agora outros dois pontos, X2 e x2, muito próximos aos pontos X1 e x1, repectivamente (veja novamente a Figura 14.6), mas de tal modo que 59 CEDERJ Conceito de massa inercial e a Segunda Lei de Newton X1 − X2 x1 − x2 = X1 x1 . (14.28) Esta é uma escolha possı́vel. No entanto, com ela é fácil mostrar que X1 x1 = X0 x0 ( 1 − (X0−X1) X0 ) ( 1 − (x0−x1) x0 ) = X0 x0 = R , (14.29) onde usamos a equação (14.23). Calculemos, então, os tempos gastos ∆T2 e ∆t2 pela partı́cula nos percursos de X1 até X2 e de x1 até x2, respectivamente. De- vido à proximidade de X2 e x2 em relação a X1 e x1, podemos supor novamente que em ambos os trechos a partı́cula descreve um MRUV, só que agora com as acelerações A1 = −ω2X1 e a1 = −ω2x1, respectivamente. Usando novamente nossos conhecimentos de MRUV, podemos escrever: X2 − X1 = V1∆T2 + 1 2 A1(∆T2) 2 (14.30) x2 − x1 = v1 ∆t2 + 1 2 a1(∆t2) 2 . (14.31) Note agora que, devido às equações (14.27), (14.28), e devido ao fato de que A1 = −ω2X1 e a1 = −ω2x1, podemos escrever as seguintes relações: X2 − X1 = R(x2 − x1) ; V1 = Rv1 ; A1 = Ra1 . (14.32) Substituindo as relações anteriores na equação (14.30), esta equação toma a forma: R(x2 − x1) = Rv1∆T2 + 1 2 Ra1(∆T2) 2 , (14.33) que, após a divisão por R, fica idêntica à equação (14.31), se nessa equação subs- tituirmos ∆t2 por ∆T2. Portanto, comparando as duas equações do segundo grau (14.31) e (14.33), concluı́mos que as duas raı́zes para ∆T2 são idênticas às duas raı́zes para ∆t2. Como só há uma raiz positiva para a equação (14.31), fica de- monstrado que ∆T2 = ∆t2 (lembre-se de que, por definição, ∆T2 e ∆t2 são positivos). As velocidades V2 e v2 atingidas pela partı́cula nos pontos X2 e x2, respectivamente, são dadas, então, por: V2 = V1 + A1∆T2 (14.34) v2 = v1 + a1∆t2 . (14.35) Usando as duas últimas relações escritas em (14.32), isto é, V1 = Rv1 e A1 = Ra1, e o fato de que ∆T2 = ∆t2, obtemos V2 = R(v1 + a1∆t2) . (14.36) CEDERJ 60 Conceito de massa inercial e a Segunda Lei de Newton MÓDULO 2 - AULA 14 Analise esse gráfico e certifique-se de que ele está de acordo com tudo o que foi dito anteriormente. Resumo Nesta aula, você aprendeu a definição de massa inercial. Essa definição surge, de forma natural, de certos resultados experimentais. Verifica-se que, para um par isolado de partı́culas i e j, vale a relação: aj = −mijai, onde mij > 0. Segue imediatamente que mij = 1/mji. Verifica-se então que mik/mjk = mij . Essas propriedades nos permitem escolher uma partı́cula p como padrão e, formando pares desse padrão com todas as outras partı́culas, definir a chamada massa inercial de uma partı́cula em relação a esse padrão, dada nume- ricamente por mip. Em seguida, enunciamos a lei do determinismo newtoniano, que resulta de uma quantidade enorme de experimentos. Esta lei afirma que o pro- duto da massa pela aceleração de uma partı́cula, num dado instante, só depende de sua posição e sua velocidade e das posições e velocidades das partı́culas vizinhas, nesse mesmo instante. Designando esse produto por força sobre a partı́cula, obti- vemos, desse modo, o conceito quantitativo de força. Enunciamos a Segunda Lei de Newton de forma sucinta, mas diversos comentários foram feitos sobre todas as informações que estão implı́citas em seu enunciado. A força gravitacional entre duas partı́culas é atrativa, tem a direção da reta que passa por elas e módulo proporcional ao produto de suas massas e inversa- mente proporcional ao quadrado da distância entre as partı́culas. Uma partı́cula em movimento unidimensional ao longo do eixo OX sob a ação da força total Fx = −kx, com k > 0, descreve um movimento oscilante periódico com a pro- priedade peculiar de que o perı́odo de seu movimento não depende das condições iniciais. Uma partı́cula em movimento unidimensional ao longo do eixo OX sob a ação da força total Fx = −bvx, com b > 0 e velocidade inicial vx0 > 0, descreve um movimento no qual tanto sua velocidade quanto sua aceleração decrescem in- definidamente, se anulando apenas no limite em que t → ∞. Questionário 1. Você saberia explicar, em poucas palavras, como é definida a massa inercial de uma partı́cula? Tente, por exemplo, escrever um pequeno texto, bem resumido, definindo massa inercial. 63 CEDERJ Conceito de massa inercial e a Segunda Lei de Newton 2. O que é a lei das acelerações das partı́culas de um par isolado e que propri- edades decorrem dessa lei? 3. O que são partı́cula em estudo, partı́culas vizinhas e partı́culas do problema? 4. Enuncie a lei do determinismo newtoniano. 5. O que é a função-força? Em princı́pio, se houver N partı́culas vizinhas à partı́cula em estudo, de quantas variáveis vetoriais depende a função-força sobre a partı́cula em estudo? 6. Enuncie a Segunda Lei de Newton, de forma sucinta, mas, em seguida, complemente esse enunciado com as explicações que achar pertinentes. 7. Considere um par isolado de partı́culas. Responda se cada uma das afirma- ções feitas a seguir é falsa ou verdadeira: (a) as acelerações das duas partı́culas são constantes, pois o par está isolado; (b) as acelerações das duas partı́culas são iguais entre si; (c) os módulos das acelerações das duas partı́culas são constantes; (d) os módulos das acelerações das duas partı́culas são iguais entre si, mas podem variar com o tempo; (e) as acelerações das duas partı́culas têm a mesma direção, mas possuem sentidos opostos; (f) embora as acelerações das partı́culas mudem com o tempo, a razão entre seus módulos permanece constante. 8. Escreva uma sentença matemática para o item (e) da questão anterior (con- sidere o par formado pelas partı́culas 1 e 2). 9. Qual é a expressão da força gravitacional que a partı́cula i, de vetor-posição ri e massa mi, exerce sobre a partı́cula j, de vetor posição rj e massa mj? Problemas propostos 1. Na primeira seção, enunciamos duas propriedades das acelerações das par- tı́culas de um par isolado. A primeira propriedade é dada pelas equações (14.1), (14.3) e (14.4) e a segunda pela equação (14.5). Essas propriedades foram usadas para definir massa e chegar à lei das acelerações das partı́culas CEDERJ 64 Conceito de massa inercial e a Segunda Lei de Newton MÓDULO 2 - AULA 14 de um par isolado, dada pela equação (14.10). Desse modo, essa lei é con- seqüência das duas propriedades citadas. É possı́vel demonstrar também que as duas propriedades são conseqüências da lei e, com isso, fica estabe- lecido que a lei é equivalente às duas propriedades. Demonstre que as duas propriedades são conseqüências da lei, obtendo as equações (14.1), (14.3), (14.4) e (14.5) a partir da equação (14.10). 2. Considere um sistema isolado formado por duas estrelas, designadas por A e B, orbitando uma em torno da outra (é usual chamar tal sistema de estrela dupla). Verifica-se, por meio de medidas astronômicas, que ambas descre- vem movimentos circulares uniformes, de raios, respectivamente, dados por rA e rB , tais que rA/rB = 2. Determine a razão de suas massas. Sugestão: use a lei das acelerações das partı́culas de um par isolado e o fato de que, num movimento circular uniforme, a aceleração é centrı́peta. 3. Considere a função Ψ(b1,b2) = |b1|b2. Ela depende das duas variáveis vetoriais b1 e b2. O módulo de um vetor b1 é um número e o produto desse número pelo vetor b2 é um vetor. Desse modo, a função Ψ associa um vetor bem definido a cada par de vetores b1 e b2, isto é, o valor da função Ψ é sempre um vetor. Vamos identificar todos os vetores usando os unitários ux, uy e uz de um sistema de eixos cartesianos OXYZ . Determine o valor da função Ψ nos seguintes casos: (a) b1 = 3ux − 4uy e b2 = ux + uy. (b) b1 = ux + uy e b2 = (uz + uy)/ √ 2. 65 CEDERJ Princı́pio da Superposição e Terceira Lei de Newton MÓDULO 2 - AULA 15 Aula 15 – Princı́pio da Superposição e Terceira Lei de Newton Objetivos • Entender o Princı́pio da Superposição. • Entender a Terceira Lei de Newton. • Analisar o conjunto das três leis de Newton do movimento como formador do arcabouço teórico da Mecânica Clássica. Introdução Na aula anterior, enunciamos a Segunda Lei de Newton. Ela afirma que o produto da massa pela aceleração de uma partı́cula é igual à força total que as partı́culas vizinhas exercem sobre ela. Essa força total depende das posições e ve- locidades de todas as partı́culas envolvidas no problema, e essa dependência pode ser muito complicada nas situações em que há muitas partı́culas vizinhas ou em que elas se movimentam de modo muito complicado. No entanto, há proprieda- des da força total que podem simplificar o estudo dos movimentos que ela causa. A mais importante e fundamental dessas propriedades é o chamado Princı́pio da Superposição. Ele será estudado no inı́cio desta aula. Em seguida, enunciamos e estudamos a Terceira Lei de Newton. Juntamente com as duas primeiras leis, ela forma o conjunto completo das leis de movimento enunciadas por Newton. Essas três leis permitem estudar qualquer movimento em escala macroscópica, isto é, em uma escala bem maior que a atômica e bem menor que a cósmica. Portanto, há uma quantidade inimaginável de fenômenos Vale ressaltar que, embora na escala atômica a fı́sica newtoniana falhe totalmente, na escala cósmica ela é capaz de fornecer alguns resultados qualitativamente corretos. que estão ao alcance das três leis de Newton. Nesta aula, discutiremos como essas leis permitem estudar qualquer movimento de uma única partı́cula em escala macroscópica. O estudo do movimento de um sistema de partı́culas será abordado no Módulo 4. Na próxima aula, definiremos explicitamente o problema fundamental resol- vido pelas três leis de Newton e apresentaremos alguns exemplos simples desse problema. Esses exemplos são importantes para a compreensão da presente aula. Por esse motivo, após terminar esta aula, passe imediatamente para a seguinte. Fi- nalmente, uma última palavra de orientação: continuaremos ainda desenvolvendo e exemplificando as idéias contidas nas três leis de Newton até a Aula 19. Por- 69 CEDERJ Princı́pio da Superposição e Terceira Lei de Newton tanto, você deve esperar uma compreensão satisfatória de tais leis somente depois de estudar o conjunto de todas as aulas, da 13 à 19. A tarefa é árdua, mas ao final você estará compreendendo uma das maiores glórias do pensamento humano: as três leis de Newton. Princı́pio da superposição de forças Voltemos ao problema geral que estudamos na aula anterior. Desejamos estudar o movimento de uma partı́cula em relação a um referencial inercial. Esta é chamada partı́cula em estudo; para distingui-la das demais partı́culas do pro- blema, que são as partı́culas vizinhas da partı́cula em estudo. Representaremos a massa da partı́cula em estudo por m, e sua posição, velocidade e aceleração, em relação ao referencial inercial, por r, v e a, respectivamente. Consideramos o caso genérico em que há N partı́culas vizinhas, que têm posições dadas por r1,...,rN e velocidades dadas por v, v1,...,vN . A Segunda Lei de Newton afirma que o produto da massa pela aceleração da partı́cula em estudo é igual à força total F que as partı́cula vizinhas exercem sobre ela, ma = F , (15.1) sendo a força total um vetor que é dado em função das posições e velocidades das partı́culas do problema. Tal função é chamada função-força. Representando-a por F , temos F = F(r, r1, ..., rN ,v,v1, ...,vN ) . (15.2) Dada essa situação, em que há N partı́culas nas vizinhanças da partı́cula em estudo, vamos agora considerar uma situação hipotética na qual as partı́culas vizinhas, com exceção da primeira, estão infinitamente afastadas da partı́cula em estudo. Portanto, essa partı́cula tem agora uma única partı́cula vizinha, a partı́cula número 1, cuja posição e velocidade simbolizamos por r1 e v1, respectivamente. As demais partı́culas não estão mais nas vizinhanças da partı́cula em estudo e, conseqüentemente, não exercem forças sobre ela, não mais influenciando seu mo- vimento. Portanto, nessa situação hipotética, a partı́cula em estudo e a partı́cula 1 formam um par isolado de partı́culas. Então, a força total sobre a partı́cula em estudo é exercida apenas pela partı́cula número 1. Vamos representar por F1 essa força. Ela é uma força dada em função das posições e velocidades da partı́cula em estudo (que sofre a força) e da primeira partı́cula (que exerce a força). Escrevemos F1 = F1(r, r1,v,v1) , (15.3) CEDERJ 70 Princı́pio da Superposição e Terceira Lei de Newton MÓDULO 2 - AULA 15 pode ser obtido com grande precisão, supondo que o movimento da Lua é influ- enciado apenas pelo Sol e pela Terra e considerando ainda a Lua, o Sol e a Terra como partı́culas. O Y Z XSol r L Lua Terra r T Figura 15.1: Representação das posições do Sol, da Terra e da Lua. A figura não está em escala, pois a distância entre a Lua e a Terra é, na verdade, muito menor do que a distância entre a Terra e o Sol mostrada nesta figura. Para estudar o movimento da Lua, precisamos obter a força total sobre ela, exercida pela Terra e pelo Sol. Vejamos como essa força é dada pela Lei da Gravitação Universal e pelo Princı́pio da Superposição. O vetor-posição do próprio Sol é o vetor nulo, pois ele, por hipótese, está na origem do sistema de coordenadas. O vetor-posição da Terra será denotado por rT , e o da Lua, por rL. As massas do Sol, da Terra e da Lua serão denotadas por mS , mT e mL, respectivamente. A situação está ilustrada na Figura 15.1 De acordo com a Lei da Gravitação Universal, a força exercida sobre a Lua pela Terra, caso somente ela estivesse presente nas vizinhanças da Lua, isto é, se não houvesse o Sol, seria dada por: FLT = −G mL mT|rL − rT |2 rL − rT |rL − rT | . (15.7) Suponhamos agora que a Terra estivesse infinitamente afastada da Lua, de modo que somente o Sol estivesse presente nas vizinhanças da Lua. Nesse caso, pela Lei da Gravitação Universal, a força sobre a Lua, exercida pelo Sol, seria dada por: FLS = −G mL mS|rL|2 rL |rL| . (15.8) Na realidade, a Terra e o Sol estão presentes nas vizinhanças da Lua e, de acordo com o Princı́pio da Superposição, a força total sobre a Lua é a soma vetorial das 73 CEDERJ Princı́pio da Superposição e Terceira Lei de Newton duas forças anteriores. Chamando essa força total sobre a Lua FL, temos: FL = FLT + FLS = = −G mL mT|rL − rT |2 rL − rT |rL − rT | − G mL mS |rL|2 rL |rL| . (15.9) Na Figura 15.2, estão indicadas não apenas as forças exercidas pela Terra e pelo Sol sobre a Lua, dadas, respectivamente, por FLT e FLS , mas também a força total sobre a Lua, dada por FL. Lua X FLTFLS FL O Terra Sol Z Y Figura 15.2: As forças FLT e FLS exercidas pela Terra e pelo Sol sobre a Lua, respectiva- mente, e a força total sobre a Lua FL. Terceira Lei de Newton Consideremos um par de partı́culas isoladas do resto do universo. Chama- remos uma delas partı́cula i e a outra partı́cula j. Consideremos i a partı́cula em estudo, e j sua partı́cula vizinha. Vamos chamar Fij a força sobre i, exercida por j. Sendo mi a massa da partı́cula em estudo e ai sua aceleração, temos, pela Segunda Lei de Newton, mi ai = Fij . (15.10) Vamos agora trocar os papéis das duas partı́culas: j é considerada como a partı́cula em estudo e i como sua única partı́cula vizinha. Denotamos por Fji a força sobre j, exercida por i. Sendo mj a massa da partı́cula em estudo e aj sua aceleração, temos, pela Segunda Lei de Newton, mj aj = Fji . (15.11) CEDERJ 74 Princı́pio da Superposição e Terceira Lei de Newton MÓDULO 2 - AULA 15 Lembremo-nos agora da lei das acelerações das partı́culas de um par iso- lado, enunciada na aula anterior e expressa pela equação: mj aj = −mi ai . (15.12) Substituindo os produtos de massas por acelerações, que aparecem nessa igual- dade, pelas forças correspondentes dadas em (15.10) e (15.11), obtemos: Fij = −Fji . (15.13) Consideremos agora a situação em que as duas partı́culas i e j não formam necessariamente um par isolado. Nesse caso, se tomarmos i como partı́cula em estudo, ela pode ter em suas vizinhanças outras partı́culas além de j. No entanto, de acordo com o princı́pio da superposição, a força sobre a partı́cula em estudo i, exercida pela vizinha j, não depende de outras partı́culas vizinhas de i. Ela é exatamente igual à força Fij que seria exercida sobre i, se ela formasse um par iso- lado com j. Do mesmo modo, a força sobre a partı́cula em estudo j, exercida pela partı́cula vizinha i, é exatamente igual à força Fji que seria exercida sobre j, se ela formasse um par isolado com i. Portanto, graças ao princı́pio da superposição, podemos considerar que a relação (15.13) continua verdadeira, mesmo quando i e j não formam um par isolado. Nesse sentido geral, a relação é chamada Terceira Lei de Newton, que enunciamos da seguinte forma: se Fij é a força sobre uma partı́cula i exercida por uma partı́cula j e Fji é a força sobre a partı́cula j exercida pela partı́cula i, então, Fij = −Fji , (15.14) isto é, as duas forças têm o mesmo módulo, a mesma direção e senti- dos opostos. As duas forças Fij e Fji, mencionadas na Terceira Lei de Newton, são cha- madas forças de ação e reação. Qualquer uma delas pode ser chamada força de ação e, nesse caso, a outra é chamada força de reação. Mais especificamente: é comum referir-se à força Fij como força de ação da partı́cula j sobre a partı́cula i. A força Fji é, então, chamada reação da partı́cula i sobre a partı́cula j. Nesse caso, também dizemos que a força Fji é a força de reação à força Fij . É claro que podemos nos referir à força Fji como força de ação da partı́cula i sobre a partı́cula j. Dessa forma, a força Fij é chamada força de reação da partı́cula j sobre a partı́cula i, ou ainda, força de reação à força Fji. É comum denominar o par de forças Fij e Fji como par de ação e reação. Se escolhemos uma das 75 CEDERJ Princı́pio da Superposição e Terceira Lei de Newton essas forças desaparecem no limite em que os corpos nas suas vizinhanças são infinitamente afastados dela. Nesse caso, ela se torna uma partı́cula isolada e seu movimento é necessariamente um MRU (se o referencial usado não fosse inercial, isso não seria verdade). Na segunda lei, está pressuposto que a força total sobre a partı́cula em estudo é dada pelo princı́pio da superposição: a força total sobre uma partı́cula em estudo, exercida pelas partı́culas vizinhas, é igual à soma vetorial das forças que cada partı́cula vizi- nha exerceria se estivesse sozinha nas vizinhanças da partı́cula em estudo. Além disso, a força que cada partı́cula exerce sobre a partı́cula em estudo é uma função apenas das posições e das velocidades das duas partı́culas. De um modo geral, a força Fij sobre uma partı́cula i, exercida por uma partı́cula j, é dada por Fij = Fij(ri, rj,vi,vj) , (15.21) onde Fij é a função que dá essa força a partir da posição ri e da velocidade vi da partı́cula i, e da posição rj e da velocidade vj da partı́cula j. Um exemplo notável dessa função é a que dá a força gravitacional que uma partı́cula j exerce sobre uma partı́cula i: Fij = −G mi mj|ri − rj|2 ri − rj |ri − rj| . (15.22) Note que, nesse caso, a função Fij não depende das velocidades vi e vj . Como conseqüência de (15.21) e do princı́pio da superposição, a força total F, na se- gunda lei (15.19), é uma função F das posições e velocidades das partı́culas do problema. Desse modo, a segunda lei (15.19) pode ser escrita na seguinte forma explı́cita: ma = F(r, r1, ..., rN ,v,v1, ...,vN) , (15.23) onde r é a posição da partı́cula em estudo, v sua velocidade, r1,...,rN são as posições das partı́culas vizinhas e v1,...,vN suas respectivas velocidades. Dado um problema, isto é, uma partı́cula em estudo e seus corpos vizi- nhos, há movimentos que a partı́cula pode realizar e outros não. Por exemplo, se jogarmos uma pedra a alguns metros da superfı́cie da Terra, podemos observar que ela pode realizar diferentes movimentos com trajetórias parabólicas diferentes para cada um deles, embora em todos esses movimentos a pedra tenha a mesma aceleração, vertical, para baixo e de módulo igual a 9, 8 m/s2. Há, ainda, a pos- sibilidade de movimentos relativos com a direção vertical. Naturalmente, esses CEDERJ 78 Princı́pio da Superposição e Terceira Lei de Newton MÓDULO 2 - AULA 15 são movimentos possı́veis da pedra. Em contrapartida, nesse problema, a pedra jamais realiza um movimento circular ou um movimento com acelerações hori- zontais. Esses são movimentos que não são possı́veis para a pedra no problema em consideração. É claro que em outros problemas, por exemplo, se usássemos um fio amarrado na pedra, ela poderia realizar movimentos circulares, mas no pro- blema em que ela é jogada para cima, movimentos circulares não são possı́veis. Os movimentos possı́veis de uma partı́cula em um dado problema também são chamados movimentos reais da partı́cula. Consideremos uma função f qualquer, que associa uma posição r no espaço a cada instante t, em um certo intervalo de tempo. Como de costume, escreve- mos r = f(t). Podemos dizer que f descreve um movimento de um ponto no espaço. Se a partı́cula no problema em consideração pode realizar tal movimento, dizemos que f é uma função-movimento da partı́cula, ou, mais explicitamente, que é uma função-movimento possı́vel para a partı́cula nesse problema. Pode ocorrer também que a função f não descreva um dos movimentos possı́veis da partı́cula. Quer a função f descreva um movimento possı́vel da partı́cula, quer não descreva, vamos chamá-la função-movimento no espaço, ou simplesmente função-movimento, se não houver perigo de confusão. A Segunda Lei de Newton determina quais os movimentos possı́veis para uma partı́cula na presença de suas vizinhas, em um dado problema. Essa lei esta- belece uma relação entre a aceleração da partı́cula em estudo e as posições e velo- cidades de todas as partı́culas do problema, como é evidente na expressão (15.23). Isso significa que qualquer movimento da partı́cula em estudo, na presença das partı́culas vizinhas do problema em pauta, deve respeitar essa relação. Dito de outro modo: os movimentos possı́veis para tal partı́cula em estudo são os que sa- tisfazem a equação (15.23), ou seja, os que estão de acordo com a Segunda Lei de Newton. Vamos tornar mais precisa a afirmação de que um certo movimento satis- faz à Segunda Lei de Newton. Consideremos, primeiramente, a situação em que os movimentos das partı́culas vizinhas sejam conhecidos e bem determinados, e que desejamos descobrir quais são os movimentos possı́veis da partı́cula em es- tudo. Nesse caso, em todos os instantes do movimento procurado, sabemos, por hipótese, as posições e velocidades das N partı́culas vizinhas que aparecem em (15.23), isto é, conhecemos r1, r2,... rN , v1, v2,... vN , em cada instante t. Consideremos agora uma função-movimento no espaço que denotamos por f . Em cada um dos instantes do movimento, essa função determina uma posição 79 CEDERJ Princı́pio da Superposição e Terceira Lei de Newton r, e suas derivadas determinam uma velocidade v e uma aceleração a. Substi- tuindo na equação (15.23) esses valores e os valores das posições e velocidades das partı́culas vizinhas, em cada instante, pode resultar numa equação verdadeira ou não. Se for verdadeira, dizemos que o movimento dado por f satisfaz à equação ou que é uma solução da equação e, nesse caso, f é um movimento possı́vel da partı́cula no problema em consideração. Se não for verdadeira, então f não sa- tisfaz à equação, isto é, não é uma solução da equação e, nesse caso, f não é um movimento possı́vel da partı́cula no problema em consideração. Desse modo, a Segunda Lei de Newton se apresenta como um critério para estabelecer quais são os movimentos possı́veis de uma partı́cula em um dado pro- blema: são os que a satisfazem como equação. Essas idéias serão ilustradas na próxima aula, na qual usaremos a Segunda Lei de Newton para determinar movi- mentos possı́veis de uma partı́cula em algumas situações simples. Suponhamos que estejam determinados os movimentos possı́veis de uma partı́cula em um dado problema. Seja agora um instante fixo t0 e uma posição r0 também fixada. Consideremos, dentre os movimentos possı́veis da partı́cula, aqueles nos quais ela tem a posição r0 no instante t0. Encontraremos uma infi- nidade de movimentos que satisfazem a essa condição. Acrescentemos agora a condição de que a velocidade do movimento no instante t0 também esteja fixada; digamos que seja v0. Procuremos quais os movimentos da partı́cula, dentre os possı́veis, que têm posição r0 e velocidade v0 no instante t0. A resposta é: um, e somente um! Dentre os movimentos possı́veis de uma partı́cula existe um, e somente um, que satisfaz às condições de ter uma determinada posição e uma determinada velocidade em algum instante fixo. É comum chamar instante ini- cial o instante t0 em que estão predeterminadas a posição r0 e a velocidade v0 da partı́cula, mesmo sabendo que normalmente há movimento antes de t0. Em con- formidade com essa nomenclatura r0 e v0 são chamadas posição inicial e veloci- dade inicial da partı́cula, respectivamente. A essas duas informações, a posição e a velocidade iniciais, damos o nome condições iniciais do movimento. Em Matemática, são estudadas as propriedades da Segunda Lei de Newton, que garantem essa capacidade de determinar um único movimento possı́vel quando são fixadas as condições iniciais. Não tendo feito ainda esse estudo, devemos tomar essa capacidade de determinar univocamente o movimento (referida na prøxima aula como Princı́pio da Existência e Unicidade das soluções ) como um postulado implı́cito no enunciado da Segunda Lei de Newton. CEDERJ 80 Princı́pio da Superposição e Terceira Lei de Newton MÓDULO 2 - AULA 15 3. Duas partı́culas de massas m1 e m2 estão localizadas nas posições r1 e r2, dadas, respectivamente, por: r1 = aux + 5auy e r2 = 4aux + auy. (a) Calcule a força gravitacional F12 exercida pela partı́cula de massa m2 sobre de massa m1. Determine também a força gravitacional F21 exercida pela partı́cula de massa m1 sobre a de massa m2. (b) Faça um desenho contendo os eixos cartesianos OXY , as posições das duas partı́culas e as setas representativas das forças F12 e F21. 4. Considere as partı́culas 1, 2 e 3, todas de massa m e localizadas nas se- guintes posições: a primeira se encontra na origem dos eixos cartesianos; a segunda possui vetor posição r2 =  √ 3/2ux + /2uy, enquanto a terceira, vetor posição r3 =  √ 3ux. Suponha que as três partı́culas estejam isoladas do resto do Universo e que só interajam gravitacionalmente. (a) Determine a força total sobre cada uma das partı́culas, isto é, calcule F1 = F12 + F13, F2 = F21 + F23 e F3 = F31 + F32. (b) Determine a soma F1 + F2 + F3 e interprete o resultado à luz da Terceria Lei de Newton. (c) Faça um desenho contendo os eixos cartesianos OXY , as posições das três partı́culas e as setas representativas das forças F1, F2 e F3. Indique, nesse mesmo desenho, os ângulos formados entre cada uma dessas forças e o eixo OX . 5. (a) Considere um sistema isolado de 4 partı́culas e seja Fi a força total so- bre a partı́cula i exercida por todas as outras do sistema (naturalmente, i = 1, 2, 3, 4). Utilizando a Terceira Lei de Newton, determine a soma F1 + F2 + F3 + F4 . (b) Refaça o item anterior, mas considerando um sistema com um número N arbitrário de partı́culas e calcule a soma F1 + F2 + · · · + FN . 6. Determine a força total sobre a partı́cula de massa m0 que resulta da soma vetorial das forças gravitacionais exercidas por todas as partı́culas vizinhas, nas seguintes situações: (a) A partı́cula de massa m0 se encontra num dos vértices de um quadrado de lado , enquanto as partı́culas vizinhas, todas elas de massa m, estão localizadas nos outros vértices, como indica a Figura 15.4(a); 83 CEDERJ Princı́pio da Superposição e Terceira Lei de Newton (b) A partı́cula de massa m0 está no centro de um hexágono de lado , enquanto as seis partı́culas vizinhas, todas elas de massa m, estão lo- calizadas nos vértices do hexágono, como indica a Figura 15.4(b); (c) A partı́cula de massa m0 está no centro de um pentágono, enquanto as quatro partı́culas vizinhas, todas elas de massa m, ocupam apenas quatro dos cinco vértices do pentágono. Considere, nesse caso, que a distância entre o centro do pentágono e qualquer um de seus vértices seja , como indica a Figura 15.4(c). mm m0 mm mm0 mm (a) (c) m mm m m0 mm (b) Figura 15.4: Partı́cula de massa m0 localizada: (a) no vértice de um quadrado; (b) no centro de um hexágono e (c) no centro de um pentágono. 7. Escreva as componentes cartesianas das forças descritas nos itens abaixo: (a) Da força F12, calculada no problema 3; (b) Das forças F1, F2 e F3, calculadas no problema 4. Auto-avaliação Você deve ser capaz de responder a todas as perguntas do questionário e resolver todos os problemas propostos. Se você estiver dominando o formalismo vetorial estudado nas Aulas 8, 9 e 11, os problemas não devem causar nenhuma CEDERJ 84 Princı́pio da Superposição e Terceira Lei de Newton MÓDULO 2 - AULA 15 dificuldade. Caso contrário, eles serão úteis para você aumentar seu domı́nio so- bre o formalismo vetorial. Lembre-se de que muito da presente aula ficará mais facilmente compreensı́vel após o estudo das aulas seguintes. 85 CEDERJ O problema fundamental da Mecânica Clássica comumente chamado instante inicial do movimento, embora o movimento possa ter começado antes dele. Na verdade, o adjetivo “inicial” não é significativo, mas continua a ser usado por questão de tradição. Representaremos o instante inicial por t0. Sempre que for possı́vel e conveniente, estabeleceremos que esse é o instante zero. Os valores da posição e da velocidade da partı́cula no ins- tante inicial são chamados posição inicial e velocidade inicial, respectivamente. Representando a posição inicial por r0 e a velocidade inicial por v0, temos. r0 = f(t0) e v0 = . f (t0) , (16.1) onde f é a função-movimento e . f é a função-velocidade do movimento procurado, sendo essa última, como sabemos, a derivada da função-movimento em relação ao tempo. Com base no que já aprendemos, podemos afirmar que, dadas as condições iniciais de um movimento, existe uma única função-movimento que satisfaz à Segunda Lei de Newton e a essas condições iniciais. Conseqüentemente, dadas a posição e a velocidade de uma partı́cula num instante qualquer, podemos dizer que o seu movimento futuro (e passado também) fica univocamente determinado pela Segunda Lei de Newton. Vamos escrever a Segunda Lei de Newton (15.23) na forma usual que os matemáticos denominam equação diferencial. Para isso, consideremos uma função- movimento f . Ela dá a posição r da partı́cula em qualquer instante t do movimento: r = f(t) . (16.2) A derivada dessa função é uma função-velocidade . f , que dá a velocidade v da partı́cula em qualquer instante t do movimento: v = dr dt = . f (t) . (16.3) A derivada da função-velocidade, em relação ao tempo, é a função aceleração .. f , que dá a aceleração a da partı́cula em um instante qualquer t do movimento: a = dv dt = .. f (t) . (16.4) Note que a aceleração pode ser escrita como a derivada da velocidade, em relação ao tempo, ou como a derivada segunda da posição em relação ao tempo: a = dv dt = d2r dt2 . (16.5) Na expressão (15.23) da Segunda Lei, vamos usar as respectivas definições de velocidade e aceleração, (16.3) e (16.5), para escrever: m d2r dt2 = F(r, r1, ..., rN , dr dt , dr1 dt , ..., drN dt ) . (16.6) CEDERJ 88 O problema fundamental da Mecânica Clássica MÓDULO 2 - AULA 16 Essa é uma equação que relaciona, a cada instante, o valor r da função f , com o valor dr/dt de sua derivada e o valor d2r/dt2 de sua derivada segunda. Lembre-se de que as posições e velocidades das partı́culas vizinhas em um instante arbitrário são quantidades supostamente conhecidas nos problemas em consideração. Pos- teriormente, voltaremos a discutir o caso em que as posições e velocidades das partı́culas vizinhas não são conhecidas para qualquer instante de tempo. Uma equação como (16.6), que relaciona uma grandeza com suas deriva- das, é chamada, em Matemática, uma equação diferencial. Além disso, uma equação diferencial é dita de segunda ordem se nela a derivada segunda é a de mais alta ordem. A Segunda Lei de Newton é, portanto, uma equação diferencial de segunda ordem. Em contraste com as equações algébricas, nas equações diferenciais a incógnita é uma função, ou seja, as soluções dessa equação são as funções f que levam a valores de r, dr/dt e d2r/dt2 que satisfazem a equação, isto é, a tornam verdadeira em cada instante. Já sabemos que essas soluções são os movimentos possı́veis da partı́cula no problema em questão. Dentre essas soluções existe uma, e somente uma, que satisfaz às condições iniciais (16.1). Em suma: a Segunda Lei de Newton é uma equação diferencial de segunda or- dem, cujas soluções são os movimentos possı́veis de uma partı́cula em um dado problema. Dentre essas soluções há uma, e apenas uma, que resolve o problema fundamental da Mecânica Clássica. Vamos sintetizar essa propriedade na forma: se forem dadas as forças sobre a partı́cula, a Segunda Lei de Newton determina, para essa partı́cula, um, e somente um, movimento que sa- tisfaz às condições iniciais dadas por uma posição e uma velocidade predeterminadas em algum instante fixo. Essa propriedade da Segunda Lei de Newton é chamada Princı́pio da Exis- tência e Unicidade das soluções do problema fundamental da Mecânica Clássica. Por conveniência futura, é pertinente fazer, neste momento, um pequeno co- mentário. No problema fundamental da Mecânica, as forças envolvidas são con- sideradas conhecidas, isto é, como dados do problema em estudo. Isso significa que na Segunda Lei de Newton (15.23) é conhecida a função-força F , que deter- mina a força sobre a partı́cula em estudo para quaisquer que sejam as posições e velocidades das partı́culas do problema. No entanto, é natural perguntarmos como são obtidas essas funções-força. A resposta é que são obtidas a partir de 89 CEDERJ O problema fundamental da Mecânica Clássica observações e experimentos, geralmente complementados por cálculos teóricos. Analisando-se vários movimentos da partı́cula em estudo e medindo-se, para cada um deles, as posições e as velocidades de todas as partı́culas do problema em vários instantes, podemos relacionar as acelerações da partı́cula em estudo com as posições e velocidades de todas as partı́culas do problema. A partir desses dados, e lembrando que a força total sobre a partı́cula em estudo é igual ao produto de sua massa por sua aceleração, é possı́vel inferir expressões para a função-força que atua sobre a partı́cula em estudo, e que é exercida pelas partı́culas vizinhas. É claro que quanto maior for o número de medidas feitas (e maior for a precisão de tais medidas), mais próxima da realidade estará a nossa conclusão a respeito da função-força para um certo problema. Nesse sentido, encontrar as funções-força sobre uma partı́cula numa certa situação significa resolver o seguinte problema: dados um ou mais movimentos de uma partı́cula na presença de partı́culas vizinhas, determinar a força total que age sobre a partı́cula exercida pelas partı́culas vizinhas. Esse é o chamado problema inverso da Mecânica Clássica. Um exemplo de problema inverso, que teve um papel muito importante no desenvolvimento da Mecânica, foi resolvido por Newton, ao descobrir a Lei da Gravitação Universal. A partir dos movimentos dos planetas, dados pelas leis de Kepler, Newton de- terminou qual a força que o Sol exerce sobre cada planeta. Ele usou as leis de Kepler para concluir que a força é atrativa, tem a direção da reta que une cada pla- neta ao Sol e é inversamente proporcional ao quadrado da distância que os separa. Vamos nos contentar agora com esse exemplo do problema inverso da Mecânica Clássica e voltar ao assunto desta aula: o problema fundamental da Mecânica Clássica. Portanto, vamos continuar supondo que as forças já tenham sido obtidas experimentalmente e nos tenham sido dadas e, a partir delas, tentamos obter o movimento da partı́cula em estudo. Note que a Segunda Lei de Newton é uma igualdade vetorial. Isto significa que os vetores, em ambos os lados de (15.19), podem ser decompostos em com- ponentes ao longo dos eixos OX , OY e OZ do referencial em uso, para obtermos três igualdades numéricas, equivalentes à igualdade vetorial ma = F ⇐⇒ m ax = Fx , m ay = Fy e m az = Fz , (16.7) onde as componentes da aceleração e da força total são escritas na notação habi- tual. As forças se apresentam em cada problema concreto como vetores, de modo que a Segunda Lei de Newton é aplicada ao problema inicialmente em forma ve- torial. Essa também é a forma que permite a melhor compreensão das relações CEDERJ 90 O problema fundamental da Mecânica Clássica MÓDULO 2 - AULA 16 Nessa situação, a Segunda Lei de Newton (16.6) toma a forma: m d2r dt2 = F(r, (r1)0, ..., (rN)0, dr dt , 0, ..., 0 ) . (16.8) A função-força F , no membro direito dessa equação, depende apenas das variáveis r e dr/dt, pois as antigas variáveis, que davam as posições e velocidades das partı́culas vizinhas, têm todas um valor constante na presente situação. Nesse caso, a função-força F dá uma força F que depende apenas da posição r e velo- cidade dr/dt da partı́cula em estudo, de modo que é conveniente escrever: F = F(r, dr dt ) . (16.9) Nessa situação particular, a Segunda Lei de Newton (16.8) assume a forma mais simples: m d2r dt2 = F(r, dr dt ) . (16.10) Nessa forma, fica claro que a Segunda Lei de Newton, aplicada à partı́cula em estudo, dá a aceleração dessa partı́cula em função apenas de sua posição e veloci- dade. Consideremos, nessa situação, o problema fundamental da Mecânica: dadas as forças que agem sobre a partı́cula, isto é, a função F na equação (16.10), e a posição r0 e a velocidade v0 da partı́cula em um instante inicial t0, determinar o movimento da partı́cula. A Segunda Lei de Newton (16.10) é uma equação dife- rencial que estabelece quais são os movimentos possı́veis da partı́cula sob a ação das forças que aparecem no problema. Seja f uma função que associa uma posição a cada instante do tempo: r = f(t) . (16.11) Essa função determina a cada instante t uma posição r, uma velocidade dr/dt e uma aceleração d2r/dt2. A função f descreve um movimento possı́vel da partı́cula se, e somente se, a seguinte condição é satisfeita: ao substituirmos r, dr/dt e d2r/dt2 na equação (16.10), verificamos que ela é satisfeita para qual- quer instante de tempo. Dizemos, nesse caso, que f é uma solução da equação diferencial (16.10) ou que f é uma função-movimento que descreve um movi- mento possı́vel, ou real, da partı́cula. Sendo a equação diferencial (16.10) a Se- gunda Lei de Newton, é pressuposto que ela tenha a seguinte propriedade: den- tre as funções que são suas soluções, isto é, dentre os movimentos possı́veis da partı́cula, há um, e somente um, movimento f que satisfaz às condições iniciais do problema proposto: r0 = f(t0) e v0 = . f (t0) . (16.12) 93 CEDERJ O problema fundamental da Mecânica Clássica Determinado esse movimento, fica resolvido o problema fundamental da Mecânica que enunciamos anteriormente. Vejamos como essas propriedades da Segunda Lei de Newton aparecem em um exemplo muito simples. Exemplo 16.1 Suponhamos que a função-força de um problema seja a função constante, isto é, para quaisquer valores da posição r da partı́cula e de sua velocidade dr/dt, a força total seja uma constante que chamaremos F0: F0 = F(r, dr dt ) . (16.13) Nesse caso, a Segunda Lei de Newton (16.10) toma a forma: m d2r dt2 = F0 . (16.14) Com essa força constante F0 dada, desejamos determinar o movimento que sa- tisfaz às condições iniciais arbitrárias (16.12). Para simplificar, vamos considerar que o instante inicial seja zero, isto é, t0 = 0. Temos, então, r0 = f(0) e v0 = . f (0) . (16.15) Devido à forma da equação diferencial (16.14), suas soluções são funções que, derivadas duas vezes em relação ao tempo, dão um vetor constante F0/m. Uma função que, derivada duas vezes em relação ao tempo, dá um vetor constante é a função r = A + B t + C t2 , (16.16) onde A, B e C são vetores constantes. De fato: dr dt = B + 2C t e d2r dt2 = 2C . (16.17) Usando esse resultado na equação diferencial (16.14), concluı́mos que ela é satis- feita se, e somente se, o vetor constante C é igual à metade do vetor F0/m, isto é, C = F0/2m. Conseqüentemente, obtemos, a partir de (16.16), as seguintes soluções da equação diferencial (16.14): r = f(t) = A + B t + F0 2m t2 , (16.18) onde os vetores constantes A e B permanecem indeterminados. Desse modo, a partir de (16.16), sabemos que movimentos descritos pela equação (16.18) são movimentos possı́veis da partı́cula sob a força constante F0, quaisquer que sejam CEDERJ 94 O problema fundamental da Mecânica Clássica MÓDULO 2 - AULA 16 os vetores constantes A e B em (16.18). Agora devemos verificar se, dentre esses movimentos possı́veis, temos o movimento com condições iniciais (16.15). Impondo a condição r0 = f(0) sobre (16.18), temos: r0 = A + B× 0 + (F0/2m) × 02 , isto é , r0 = A . Para impor a condição v0 = . f (0) sobre a função de movimento dada por (16.18), devemos, antes de tudo, derivá-la em relação ao tempo, para obter a função-velocidade: v = dr dt = B + F0 m t . (16.19) Exigimos, então, que tal função-velocidade satisfaça à condição v0 = . f (0): v0 = B + F0 m × 0 , isto é , v0 = B . Desse modo, no caso dos movimentos dados por (16.18), as condições iniciais (16.15) são equivalentes às equações: r0 = A e v0 = B. (16.20) É claro que o vetor constante A pode ser tomado como igual à posição inicial r0, e o vetor constante B, igual à velocidade inicial v0. Em suma, as condições iniciais podem ser satisfeitas pela função-movimento (16.18), que nesse caso toma a forma r = r0 + v0 t + F0 2m t2 . (16.21) Termina, assim, a solução do problema fundamental da Mecânica, nesse caso particular simples. Encontramos em (16.21) o movimento da partı́cula sob a força constante F0 e com as seguintes condições iniciais: a partı́cula tem posição r0 e velocidade v0 no instante zero. Note que, neste exemplo, o tipo de solução (16.18) proposta para a equação diferencial (16.14) depende de duas constantes vetoriais arbitrárias, A e B. Es- colhendo diversos valores para essas constantes, a solução (16.18) vai nos pro- porcionando diversos movimentos possı́veis para a partı́cula. É importante saber se, dentre esses movimentos, existe um que satisfaça às condições iniciais pre- estabelecidas. No presente problema, as constantes A e B podem, em (16.20), sempre ser escolhidas para satisfazer quaisquer condições iniciais, já que r0 e v0 são arbitrários. No entanto, se tivéssemos proposto uma solução de outra forma, na qual não houvesse duas constantes arbitrárias, como A e B na solução (16.18), essa outra forma de solução não seria capaz de descrever movimentos com todas as 95 CEDERJ
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved